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Document 62010CJ0121

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 4 de dezembro de 2013.
    Comissão Europeia contra Conselho da União Europeia.
    Recurso de anulação — Auxílios de Estado — Artigo 108.°, n.os 1 e 2, TFUE — Auxílio concedido pela Hungria para a aquisição de terrenos agrícolas — Competência do Conselho da União Europeia — Regime de auxílios existente — Medidas adequadas — Caráter indissociável de dois regimes de auxílios — Alteração de circunstâncias — Circunstâncias excecionais — Crise económica — Erro manifesto de apreciação — Princípio da proporcionalidade.
    Processo C‑121/10.

    Court reports – general

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2013:784

    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

    4 de dezembro de 2013 ( *1 )

    «Recurso de anulação — Auxílios de Estado — Artigo 108.o, n.os 1 e 2, TFUE — Auxílio concedido pela Hungria para a aquisição de terrenos agrícolas — Competência do Conselho da União Europeia — Regime de auxílios existente — Medidas adequadas — Caráter indissociável de dois regimes de auxílios — Alteração de circunstâncias — Circunstâncias excecionais — Crise económica — Erro manifesto de apreciação — Princípio da proporcionalidade»

    No processo C‑121/10,

    que tem por objeto um recurso de anulação nos termos do artigo 263.o TFUE, entrado em 4 de março de 2010,

    Comissão Europeia, representada por V. Di Bucci, L. Flynn, A. Stobiecka‑Kuik e K. Walkerová, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    recorrente,

    contra

    Conselho da União Europeia, representado por É. Sitbon e F. Florindo Gijón, na qualidade de agentes,

    recorrido,

    apoiado por:

    República da Lituânia, representada por D. Kriaučiūnas e L. Liubertaitė, na qualidade de agentes,

    Hungria, representada por G. Koós, M. Fehér e K. Szíjjártó, na qualidade de agentes,

    República da Polónia, representada por M. Szpunar, na qualidade de agente,

    intervenientes,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

    composto por: V. Skouris, presidente, K. Lenaerts, vice‑presidente, A. Tizzano, R. Silva de Lapuerta, L. Bay Larsen (relator), E. Juhász, A. Borg Barthet, C. G. Fernlund e J. L. da Cruz Vilaça, presidentes de secção, A. Rosas, G. Arestis, J. Malenovský, A. Prechal, E. Jarašiūnas e C. Vajda, juízes,

    advogado‑geral: P. Mengozzi,

    secretário: A. Calot Escobar,

    vistos os autos,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 17 de janeiro de 2013,

    profere o presente

    Acórdão

    1

    Com a sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que anule a Decisão 2009/1017/UE do Conselho, de 22 de dezembro de 2009, relativa à concessão de ajuda estatal pelas autoridades da República da Hungria à aquisição de terrenos agrícolas entre 1 de janeiro de 2010 e 31 de dezembro de 2013 (JO L 348, p. 55, a seguir «decisão recorrida»).

    Quadro jurídico

    Ato de adesão

    2

    O anexo X, capítulo 3, ponto 2, do Ato relativo às condições de adesão da República Checa, da República da Estónia, da República de Chipre, da República da Letónia, da República da Lituânia, da República da Hungria, da República de Malta, da República da Polónia, da República da Eslovénia e da República Eslovaca e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 2003, L 236, p. 33, a seguir «ato de adesão») dispõe:

    «Sem prejuízo das obrigações resultantes dos Tratados em que se funda a União Europeia, a Hungria pode manter em vigor, durante sete anos a contar da data da adesão, as proibições previstas na legislação em vigor à data da assinatura do presente Ato, em matéria de aquisição de prédios rústicos por pessoas singulares não residentes na Hungria ou que não sejam nacionais húngaros e por pessoas coletivas. [...]

    [...]»

    Regulamento (CE) n.o 659/1999

    3

    O artigo 1.o do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de aplicação do artigo [108.° TFUE] (JO L 83, p. 1), prevê:

    «Para efeitos do presente regulamento, são aplicáveis as seguintes definições:

    [...]

    b)

    ‘Auxílios existentes’:

    [...]

    ii)

    o auxílio autorizado, isto é, os regimes de auxílio e os auxílios individuais que tenham sido autorizados pela Comissão ou pelo Conselho [da União Europeia];

    [...]

    c)

    ‘Novo auxílio’, quaisquer auxílios, isto é, regimes de auxílio e auxílios individuais, que não sejam considerados auxílios existentes, incluindo as alterações a um auxílio existente;

    [...]»

    4

    O artigo 17.o, n.o 2, deste regulamento dispõe:

    «Quando a Comissão considerar que um regime de auxílio existente não é ou deixou de ser compatível com o mercado comum, informará o Estado‑Membro em causa da sua conclusão preliminar e dar‑lhe‑á a possibilidade de apresentar as suas observações no prazo de um mês. [...]»

    5

    O artigo 18.o do referido regulamento prevê:

    «Quando, perante as informações prestadas pelo Estado‑Membro nos termos do artigo 17.o, a Comissão concluir que um regime de auxílios existente não é ou deixou de ser compatível com o mercado comum, formulará uma recomendação propondo medidas adequadas ao Estado‑Membro em causa. [...]»

    6

    O artigo 19.o, n.o 1, do mesmo regulamento tem a seguinte redação:

    «Quando o Estado‑Membro em causa aceitar as medidas propostas e disso informar a Comissão, esta registará esse facto e informará o Estado‑Membro. Por força dessa aceitação, o Estado‑Membro fica obrigado a aplicar as medidas adequadas.»

    Regulamento (CE) n.o 1857/2006

    7

    O artigo 4.o do Regulamento (CE) n.o 1857/2006 da Comissão, de 15 de dezembro de 2006, relativo à aplicação dos artigos [107.° TFUE] e [108.° TFUE] aos auxílios estatais a favor das pequenas e médias empresas que se dedicam à produção de produtos agrícolas e que altera o Regulamento (CE) n.o 70/2001 (JO L 358, p. 3), dispõe:

    «1.   Os auxílios aos investimentos em explorações agrícolas situadas no território da [União Europeia] com vista à produção primária de produtos agrícolas são compatíveis com o mercado comum, na aceção do [n.o 3, alínea c), do artigo 107.o TFUE], e estão isentos da obrigação de notificação imposta pelo [n.o 3 do artigo 108.o TFUE] quando reúnam as condições enunciadas nos n.os 2 a 10 do presente artigo.

    [...]

    8.   Podem ser concedidos auxílios para a compra de terras que não para construção de custo não superior a 10% das despesas elegíveis do investimento.

    [...]»

    Regulamento (CE) n.o 1535/2007

    8

    O artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 1535/2007 da Comissão, de 20 de dezembro de 2007, relativo à aplicação dos artigos [107.° TFUE] e [108.° TFUE] aos auxílios de minimis no setor da produção de produtos agrícolas (JO L 337, p. 35), dispõe:

    «Considera‑se que as medidas de auxílio não preenchem todos os critérios do [n.o 1 do artigo 107.o TFUE], não sendo, por conseguinte, abrangidas pelo procedimento de notificação previsto no [n.o 3 do artigo 108.o TFUE], se reunirem as condições estabelecidas nos n.os 2 [a] 7.»

    Orientações agrícolas

    9

    O ponto 29 das Orientações comunitárias para os auxílios estatais no setor agrícola e florestal no período 2007‑2013 (JO 2006, C 319, p. 1, a seguir «orientações agrícolas») dispõe:

    «O auxílio ao investimento em explorações agrícolas será declarado compatível com o [n.o 3, alínea c), do artigo 107.o TFUE] se respeitar todas as condições previstas no artigo 4.o do [Regulamento n.o 1857/2006] [...]»

    10

    Sob o título «Propostas de medidas adequadas», o ponto 196 das referidas orientações dispõe:

    «Em conformidade com o n.o 1 do artigo [108.° TFUE], a Comissão propõe aos Estados‑Membros que alterem os seus regimes de auxílios em vigor de modo a torná‑los conformes às presentes orientações até 31 de dezembro de 2007, exceto no que se refere aos regimes existentes de auxílios [...] a investimentos relacionados com a compra de terras em explorações agrícolas, que devem ser alterados em conformidade com as presentes orientações até 31 de dezembro de 2009.»

    11

    O ponto 197 das ditas orientações prevê que os Estados‑Membros sejam convidados a confirmar por escrito, até 28 de fevereiro de 2007, que aceitam estas propostas de medidas adequadas.

    12

    O ponto 198 das mesmas orientações agrícolas tem a seguinte redação:

    «Caso um Estado‑Membro não confirme a sua aceitação por escrito até essa data, a Comissão aplicará o n.o 2 do artigo 19.o do Regulamento [n.o 659/1999] e, se necessário, dará início ao procedimento referido nessa disposição.»

    Quadro temporário

    13

    O ponto 4.2.2 do quadro comunitário temporário relativo às medidas de auxílio estatal destinadas a apoiar o acesso ao financiamento durante a atual crise financeira e económica, instituído pela Comunicação da Comissão de 17 de dezembro de 2008 (JO 2009, C 83, p. 1), conforme alterado pela Comunicação da Comissão publicada no Jornal Oficial da União Europeia de 31 de outubro de 2009 (JO C 261, p. 2, a seguir «quadro temporário»), prevê que, tendo em conta a situação económica, se considera necessário autorizar temporariamente a concessão de um montante limitado de auxílio, sob certas condições.

    14

    O ponto 4.2.2, alínea h), do quadro temporário especifica, entre outras coisas, que, «[c]aso o auxílio seja concedido a empresas do setor da produção primária de produtos agrícolas […], o equivalente‑subvenção pecuniário (ou equivalente‑subvenção bruto) não deve exceder 15000 [euros] por empresa».

    15

    O ponto 7 do quadro temporário dispõe, designadamente, que «[a] presente comunicação [...] não será aplicada após 31 de dezembro de 2010».

    Antecedentes do litígio

    16

    Por carta de 27 de novembro de 2006, a Hungria notificou à Comissão, ao abrigo do artigo 88.o, n.o 3, CE, dois regimes de auxílios de Estado intitulados, respetivamente, «Auxílio à aquisição de terrenos sob forma de empréstimos a juros bonificados» e «Auxílio à consolidação das terras». Estes regimes destinavam‑se a substituir dois regimes de auxílios existentes e deviam ser aplicados até 31 de dezembro de 2009. Assumiam a forma de auxílios aos investimentos, beneficiando os agricultores que tinham a intenção de adquirir terrenos agrícolas.

    17

    Considerando que estas decisões eram compatíveis com o artigo 87.o, n.o 3, alínea c), CE, a Comissão decidiu, através de duas decisões de 22 de dezembro de 2006 (JO 2007, C 68, p. 8, a seguir, em conjunto, «decisões de 22 de dezembro de 2006»), não levantar objeções. Estas decisões precisavam que os regimes de auxílios em causa vigoravam desde a data da aprovação da Comissão «até 31 de dezembro de 2009».

    18

    No ponto 196 das orientações agrícolas, a Comissão propôs aos Estados‑Membros que alterassem os regimes de auxílios existentes para a aquisição de terrenos agrícolas, de modo a torná‑los conformes com estas orientações, até 31 de dezembro de 2009.

    19

    Em 7 de fevereiro de 2007, a Hungria comunicou que aceitava as propostas de medidas adequadas previstas no ponto 196 das referidas orientações. Em conformidade com o artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999, a Comissão registou este acordo através de uma comunicação publicada no Jornal Oficial da União Europeia (JO 2008, C 70, p. 11).

    20

    Em 4 de novembro de 2009, a Hungria dirigiu ao Conselho da União Europeia um pedido, nos termos do artigo 88.o, n.o 2, CE, solicitando‑lhe que prorrogasse para além de 31 de dezembro de 2009 os regimes de auxílios existentes para a aquisição de terrenos agrícolas. Em 27 de novembro de 2009, este Estado‑Membro apresentou ao Conselho um pedido mais pormenorizado, destinado a obter autorização para aplicar, até 31 de dezembro de 2013, os dois regimes de auxílios existentes para a aquisição de terrenos agrícolas.

    21

    Pela decisão recorrida, o Conselho deferiu o referido pedido, nos termos do artigo 108.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE. O artigo 1.o desta decisão tem a seguinte redação:

    «É considerada compatível com o mercado interno uma ajuda excecional pelas autoridades da Hungria sob a forma de bonificação de juros e subvenções diretas para a aquisição de terrenos agrícolas, num montante máximo de 4000 milhões [de forints húngaros (HUF)] e concedida entre 1 de janeiro de 2010 e 31 de dezembro de 2013.»

    22

    O Conselho fundamentou a sua decisão evocando, designadamente, nos considerandos 2 a 6 da mesma, a estrutura desfavorável da utilização dos terrenos, a escassez de capitais de que os agricultores húngaros dispõem e as dificuldades que encontram no acesso ao crédito, na sequência da crise económica e financeira, devido à subida das taxas de juro dos empréstimos para a aquisição de terrenos agrícolas e aos critérios rigorosos aplicados pela banca para a concessão de empréstimos aos agricultores na Hungria. O Conselho salienta que este contexto cria um risco de aumento do número de aquisições especulativas de terrenos por agentes económicos que não exercem atividades agrícolas. Por outro lado, alega que a crise económica provocou na Hungria um aumento do desemprego e uma diminuição do produto interno bruto, designadamente no setor agrícola.

    23

    Nos termos dos considerandos 8 e 9 da decisão recorrida:

    «(8)

    Nesta fase, a Comissão não iniciou ainda qualquer procedimento nem tomou qualquer posição sobre a natureza e a compatibilidade da ajuda.

    (9)

    Assim sendo, encontram‑se reunidas circunstâncias excecionais que permitem considerar a ajuda em questão compatível com o mercado interno, a título derrogatório e na medida do estritamente necessário para limitar a extensão da pobreza rural na Hungria.»

    Tramitação do processo no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

    24

    A Comissão pede que o Tribunal de Justiça se digne:

    anular a decisão recorrida; e

    condenar o Conselho nas despesas.

    25

    O Conselho pede que o Tribunal de Justiça se digne:

    negar provimento ao recurso; e

    condenar a Comissão nas despesas.

    26

    Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 9 de agosto de 2010, a República da Lituânia, a Hungria e a República da Polónia foram admitidas a intervir em apoio dos pedidos do Conselho.

    Quanto ao recurso

    27

    A Comissão invoca quatro fundamentos de recurso, relativos, respetivamente, à incompetência do Conselho, a um desvio de poder, a uma violação do princípio da cooperação leal e a um erro manifesto de apreciação quanto à existência de circunstâncias excecionais bem como a uma violação do princípio da proporcionalidade.

    Quanto ao primeiro fundamento, relativo à incompetência do Conselho

    Argumentação das partes

    28

    Com o seu primeiro fundamento de recurso, a Comissão defende que o Conselho não tinha competência para adotar a decisão recorrida.

    29

    Segundo a Comissão, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o poder conferido ao Conselho pelo artigo 108.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE assume caráter excecional e que, em consequência, o Conselho não é competente para invalidar uma decisão da Comissão que declara a incompatibilidade de um auxílio com o mercado interno, ou para tentar contornar essa decisão.

    30

    Ora, a Comissão considera que, no ponto 196 das orientações agrícolas, adotou uma posição definitiva sobre a compatibilidade com o mercado interno do regime de auxílios instituído pela Hungria para a aquisição de terrenos agrícolas. O facto de esta posição ter sido adotada sob a forma de orientações não tem consequências, na medida em que os órgãos jurisdicionais da União Europeia consideraram que um Estado‑Membro que aceite orientações tem a obrigação de as aplicar.

    31

    No presente caso, a Hungria comunicou a sua aceitação das propostas de medidas adequadas previstas no ponto 196 das orientações agrícolas. Por conseguinte, tem a obrigação de pôr termo ao referido regime de auxílios, em 31 de dezembro de 2009, o mais tardar, e de não o restabelecer até 31 de dezembro de 2013. Assim, ao autorizar esse mesmo regime de auxílios a partir de 1 de janeiro de 2010, o Conselho pôs em causa a eficácia da decisão da Comissão, excedendo assim a sua competência.

    32

    O Conselho sustenta, pelo contrário, que o regime de auxílios autorizado pela decisão recorrida constitui um regime de auxílios novo, distinto dos aprovados pela Comissão pelas decisões de 22 de dezembro de 2006, designadamente porque se baseia em novos elementos de facto e de direito. Assim, a Comissão nunca apreciou a compatibilidade do regime de auxílios autorizado pela decisão recorrida com o mercado interno.

    33

    O Conselho acrescenta que o ponto 196 das orientações agrícolas não é aplicável ao regime de auxílios que aprovou, dado que as medidas adequadas previstas no artigo 108.o, n.o 1, TFUE só são aplicáveis aos auxílios existentes.

    34

    Na sua réplica, a Comissão alega que as diferenças salientadas pelo Conselho entre os regimes de auxílios existentes e o regime de auxílios autorizado pela decisão recorrida não são pertinentes, na medida em que estes regimes estão ligados de maneira tão indissociável que seria muito artificial pretender efetuar uma distinção entre esses regimes para efeitos da aplicação do artigo 108.o, n.o 2, TFUE.

    35

    A República da Lituânia, a Hungria e a República da Polónia partilham, em substância, da análise do Conselho.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    36

    Para apreciar a procedência do primeiro fundamento de recurso invocado pela Comissão, é necessário determinar se o Conselho era competente, nos termos do artigo 108.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE, para considerar o regime de auxílios objeto da decisão recorrida compatível com o mercado interno, quando a Hungria tinha aceitado as medidas adequadas propostas no ponto 196 das orientações agrícolas.

    37

    Em conformidade com o artigo 108.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE, o Conselho, a pedido de um Estado‑Membro e deliberando por unanimidade, pode decidir que um auxílio instituído ou a instituir por esse Estado deve ser considerado compatível com o mercado comum, em derrogação do disposto no artigo 107.o TFUE ou nos regulamentos previstos no artigo 109.o TFUE, se circunstâncias excecionais justificarem tal decisão.

    38

    Por conseguinte, em circunstâncias bem definidas, um Estado‑Membro pode notificar um auxílio, não à Comissão, que teria decidido no quadro definido pelo artigo 108.o, n.o 3, TFUE, mas ao Conselho, que decidirá no quadro definido pelo artigo 108.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE, em derrogação do disposto no artigo 107.o TFUE ou nos regulamentos previstos no artigo 109.o TFUE.

    39

    O Tribunal de Justiça já teve ocasião de precisar certos aspetos da interpretação desta disposição.

    40

    Assim, depois de ter recordado o papel central que o Tratado FUE reserva à Comissão para o reconhecimento da eventual incompatibilidade de um auxílio com o mercado interno, o Tribunal de Justiça começou por afirmar que o artigo 108.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE visa uma situação excecional e especial, pelo que o poder de que o Conselho se encontra investido por esta disposição reveste manifestamente caráter de exceção (v., neste sentido, acórdão de 29 de junho de 2004, Comissão/Conselho, C-110/02, Colet., p. I-6333, n.os 29 a 31), o que implica que este artigo 108.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE deve necessariamente ser objeto de interpretação estrita (v., por analogia, acórdãos de 22 de abril de 2010, Mattner, C-510/08, Colet., p. I-3553, n.o 32, e de 14 de março de 2013, Česká spořitelna, C‑419/11, n.o 26).

    41

    Em seguida, quanto às disposições constantes do artigo 108.o, n.o 2, terceiro e quarto parágrafos, TFUE, segundo as quais, por um lado, o pedido de um Estado‑Membro dirigido ao Conselho suspende o exame em curso na Comissão, durante um prazo de três meses, e, por outro, se o Conselho não se pronunciar neste prazo, a Comissão decidirá, o Tribunal de Justiça declarou que estas disposições deviam ser interpretadas no sentido de que, uma vez expirado o referido prazo, o Conselho deixa de ser competente para adotar uma decisão nos termos do referido terceiro parágrafo relativamente ao auxílio em causa (v., neste sentido, acórdão Comissão/Conselho, já referido, n.o 32).

    42

    O Tribunal de Justiça considerou, a este propósito, que tal limitação temporal da competência do Conselho indica igualmente que, se nenhum pedido tiver sido dirigido ao Conselho pelo Estado‑Membro interessado, com base no artigo 108.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE, antes de a Comissão declarar o auxílio em causa incompatível com o mercado interno e concluir desse modo o procedimento referido no primeiro parágrafo do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, o Conselho deixa de estar autorizado a exercer o poder excecional que o terceiro parágrafo desta última disposição lhe concede para declarar tal auxílio compatível com o mercado interno (acórdão de 29 de junho de 2004, Comissão/Conselho, já referido, n.o 33, e acórdão de 22 de junho de 2006, Comissão/Conselho, C-399/03, Colet., p. I-5629, n.o 24).

    43

    O Tribunal de Justiça sublinhou, neste contexto, que esta interpretação permite evitar a tomada de decisões cujo dispositivo se afigure contraditório e contribui assim para a segurança jurídica, na medida em que preserva o caráter definitivo de uma decisão administrativa, adquirido no termo de prazos de recurso razoáveis ou pelo esgotamento das vias de recurso (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, de 29 de junho de 2004, Comissão/Conselho, n.os 32 e 35, e de 22 de junho de 2006, Comissão/Conselho, n.o 25).

    44

    Por último, o Tribunal de Justiça pronunciou‑se sobre a questão de saber se a circunstância de o Conselho não ter competência para se pronunciar sobre a compatibilidade com o mercado interno de um auxílio a propósito do qual a Comissão já decidiu definitivamente implica que o Conselho seja igualmente incompetente para se pronunciar sobre um auxílio que tem por objeto a atribuição, aos beneficiários do auxílio ilegal, anteriormente declarado incompatível por uma decisão da Comissão, de um montante destinado a compensar os reembolsos a que esses beneficiários estão obrigados nos termos dessa decisão.

    45

    A este respeito, o Tribunal de Justiça salientou que, segundo jurisprudência constante, admitir que um Estado‑Membro possa conceder aos beneficiários desse auxílio ilegal um auxílio novo de montante equivalente ao do auxílio ilegal, destinado a neutralizar o impacto dos reembolsos a que estes últimos estão obrigados em aplicação da referida decisão, equivaleria manifestamente a pôr em causa a eficácia das decisões tomadas pela Comissão nos termos dos artigos 107.° TFUE e 108.° TFUE (acórdãos, já referidos, de 29 de junho de 2004, Comissão/Conselho, n.o 43, e de 22 de junho de 2006, Comissão/Conselho, n.o 27).

    46

    O Tribunal de Justiça considerou então que o Conselho, que não se pode opor a uma decisão da Comissão que declara a incompatibilidade de um auxílio com o mercado interno, declarando ele mesmo este auxílio compatível com o referido mercado, também não pode pôr em causa a eficácia dessa decisão, declarando compatível com o mercado interno, com base no artigo 108.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE, um auxílio destinado a compensar, em proveito dos beneficiários do auxílio ilegal declarado incompatível com o mercado interno, os reembolsos a que estes estão obrigados em aplicação da referida decisão (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, de 29 de junho de 2004, Comissão/Conselho, n.os 44 e 45, e de 22 de junho de 2006, Comissão/Conselho, n.o 28).

    47

    Resulta desta jurisprudência que, para efeitos da aplicação do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, as competências respetivas do Conselho e da Comissão são delimitadas de modo a que, primeiro, a competência da Comissão seja exercida a título principal, sendo o Conselho competente apenas em circunstâncias excecionais. Segundo, a competência do Conselho, que lhe permite derrogar, na sua decisão, certas disposições do Tratado em matéria de auxílios de Estado, deve ser exercida num quadro temporal determinado. Terceiro, desde que a Comissão ou o Conselho se tenha pronunciado, de modo definitivo, sobre a compatibilidade de um auxílio em questão, a outra destas duas instituições deixa de poder adotar uma decisão em sentido contrário.

    48

    Esta interpretação visa preservar a coerência e a eficácia da ação da União, na medida em que, por um lado, exclui que sejam tomadas decisões contraditórias e, por outro, impede que uma decisão de uma instituição da União que se tornou definitiva possa, fora de quaisquer prazos, incluindo o previsto no artigo 263.o, n.o 6, TFUE, e em desrespeito do princípio da segurança jurídica, ser contrariada por uma decisão de outra instituição.

    49

    As considerações subjacentes a esta interpretação mostram, além disso, que é pouco importante que o auxílio objeto da decisão do Conselho constitua um auxílio existente ou um auxílio novo. Com efeito, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a eficácia da decisão da Comissão é posta em causa não só quando o Conselho adota uma decisão que declara compatível com o mercado interno um auxílio que é o mesmo sobre o qual a Comissão já se pronunciou mas igualmente quando o auxílio objeto da decisão do Conselho é um auxílio destinado a compensar, em proveito dos beneficiários do auxílio ilegal declarado incompatível com o mercado interno, os reembolsos a que estes estão obrigados em aplicação da decisão da Comissão. Em tais circunstâncias, o auxílio concedido em segundo lugar é de tal modo indissociável daquele cuja incompatibilidade com o mercado interno foi anteriormente declarada pela Comissão que se torna muito artificial pretender efetuar uma distinção entre estes auxílios para efeitos da aplicação do artigo 108.o, n.o 2, TFUE (v., neste sentido, acórdão de 29 de junho de 2004, Comissão/Conselho, já referido, n.os 45 e 46).

    50

    No presente processo, importa pois analisar a questão de saber se os auxílios declarados compatíveis com o mercado interno pelo Conselho devem, independentemente do seu caráter de auxílio existente ou de auxílio novo, ser considerados auxílios sobre os quais a Comissão já se pronunciou de modo definitivo.

    51

    A este respeito, segundo jurisprudência constante, a Comissão pode, no exercício das competências de que dispõe por força dos artigos 107.° TFUE e 108.° TFUE, adotar orientações que tenham por objeto indicar a forma como pretende exercer, ao abrigo dos mesmos artigos, o seu poder de apreciação relativamente a auxílios novos ou a regimes de auxílios existentes (acórdão de 18 de junho de 2002, Alemanha/Comissão, C-242/00, Colet., p. I-5603, n.o 27).

    52

    Uma vez que se baseiam no disposto no artigo 108.o, n.o 1, TFUE, estas orientações representam um elemento da cooperação regular e periódica no âmbito da qual a Comissão procede, juntamente com os Estados‑Membros, ao exame permanente dos regimes de auxílios existentes e lhes propõe medidas adequadas exigidas pelo desenvolvimento progressivo ou pelo funcionamento do mercado interno (v., neste sentido, acórdãos de 15 de outubro de 1996, IJssel‑Vliet, C-311/94, Colet., p. I-5023, n.os 36 e 37, e de 5 de outubro de 2000, Alemanha/Comissão, C-288/96, Colet., p. I-8237, n.o 64). Na medida em que estas propostas de medidas adequadas sejam aceites por um Estado‑Membro, têm força vinculativa em relação a este último (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, IJssel‑Vliet, n.os 42 e 43, e de 5 de outubro de 2000, Alemanha/Comissão, n.o 65), que, como recordado no artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999, fica obrigado a aplicá‑las.

    53

    No presente caso, a Hungria comunicou, em 7 de fevereiro de 2007, que aceitava as propostas de medidas adequadas previstas no ponto 196 das orientações agrícolas.

    54

    Estas medidas adequadas consistem, designadamente, numa modificação dos regimes de auxílios existentes para investimentos respeitantes à aquisição de terrenos em explorações agrícolas com o objetivo de tornar os referidos regimes conformes com estas orientações, o mais tardar, em 31 de dezembro de 2009.

    55

    Decorre daqui que, em conformidade com o artigo 108.o, n.o 1, TFUE, as medidas adequadas propostas pela Comissão no ponto 196 das orientações agrícolas apenas dizem respeito aos regimes de auxílios existentes.

    56

    Ora, o regime autorizado pela decisão recorrida constitui um regime de auxílios novo.

    57

    Assim, os regimes de auxílios referidos no n.o 16 do presente acórdão só podiam ser considerados regimes de auxílios existentes, em aplicação do artigo 1.o, alínea b), ii), do Regulamento n.o 659/1999, no período durante o qual tinham sido autorizados pelas decisões de 22 de dezembro de 2006, ou seja, até 31 de dezembro de 2009.

    58

    Por conseguinte, tendo em conta que resulta do artigo 1.o, alínea c), deste regulamento que qualquer regime de auxílios que não seja um regime de auxílios existente constitui um regime de auxílios novo e que o regime de auxílios autorizado pela decisão recorrida era aplicável a partir de 1 de janeiro de 2010, este último constituía necessariamente um regime de auxílios novo.

    59

    A circunstância de este regime constituir uma mera prorrogação dos regimes cuja vigência terminou em 31 de dezembro de 2009, presumindo‑se demonstrada, não é determinante, na medida em que a prorrogação de um regime de auxílios existente cria um auxílio novo distinto do regime prorrogado (v., neste sentido, acórdão de 20 de maio de 2010, Todaro Nunziatina & C., C-138/09, Colet., p. I-4561, n.os 46 e 47).

    60

    Por conseguinte, as obrigações que impendem sobre a Hungria, na sequência da sua aceitação das propostas de medidas adequadas, não dizem respeito ao regime considerado compatível com o mercado interno pela decisão recorrida, na medida em que se trata de um regime de auxílios novo que não se confunde com um regime de auxílios existente abrangido pelas medidas adequadas aceites por este Estado‑Membro.

    61

    O Conselho não pode, contudo, invocar o simples caráter novo de um regime de auxílios para reexaminar uma situação que a Comissão já apreciou definitivamente e contradizer assim esta apreciação. O Conselho não é, pois, competente para decidir que um regime de auxílios novo deve ser considerado compatível com o mercado interno quando esse regime seja de tal modo indissociável de um regime de auxílios existente que um Estado‑Membro se comprometeu a modificar ou a suprimir, no quadro previsto no artigo 108.o, n.o 1, TFUE, que se torne muito artificial pretender operar uma distinção entre os dois regimes para efeitos da aplicação do artigo 108.o, n.o 2, TFUE (v., por analogia, acórdão de 29 de junho de 2004, Comissão/Conselho, já referido, n.o 46).

    62

    Porém, não é este o caso.

    63

    A este respeito, pode salientar‑se que decorreu um prazo significativo entre a apreciação efetuada pela Comissão e a efetuada pelo Conselho, dado que a decisão recorrida interveio cerca de três anos após as propostas de medidas adequadas em causa.

    64

    Além disso, essa decisão é especificamente motivada pela intervenção de circunstâncias novas, consideradas excecionais pelo Conselho, que a Comissão não pôde tomar em consideração na sua apreciação da compatibilidade com o mercado interno dos regimes de auxílios existentes para a aquisição de terrenos agrícolas instituídos pela Hungria.

    65

    Assim, apesar de as orientações agrícolas terem sido adotadas em 2006, a decisão recorrida refere amplamente os efeitos produzidos, durante os anos de 2008 e 2009, pela crise económica e financeira no setor agrícola na Hungria. O Conselho evoca, designadamente, a subida das taxas de juro dos empréstimos para a aquisição de terrenos agrícolas e a maior rigidez dos critérios utilizados pela banca para atribuir esses empréstimos durante os anos de 2008 e 2009, bem como o aumento do desemprego e a diminuição do produto interno bruto, especialmente no setor da agricultura.

    66

    Ora, a posição adotada pela Comissão, em apoio da sua proposta de medidas adequadas, quanto à compatibilidade com o mercado interno dos regimes de auxílios mencionados no n.o 16 do presente acórdão, baseava‑se necessariamente na apreciação, à luz dos dados económicos de que dispunha em 2006, das consequências que a aplicação destes regimes podia implicar para o desenvolvimento progressivo ou para o funcionamento do mercado interno.

    67

    Por conseguinte, devido à alteração significativa de circunstâncias referida no n.o 65 do presente acórdão, não se pode considerar que a apreciação destes regimes de auxílios pela Comissão condicione a que teria sido efetuada sobre um regime de auxílios com medidas semelhantes, mas aplicável num contexto económico radicalmente diferente daquele que a Comissão tomou em consideração no âmbito da sua apreciação. Decorre daqui que a compatibilidade com o mercado interno do regime de auxílios novo que foi objeto de um pedido dirigido ao Conselho pela Hungria ao abrigo do artigo 108.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE deve ser avaliada no termo de uma apreciação individual distinta da dos regimes mencionados no n.o 16 do presente acórdão, que tenha em consideração as circunstâncias económicas pertinentes no momento em que estes auxílios são concedidos (v., neste sentido, acórdãos de 3 de outubro de 1991, Itália/Comissão, C-261/89, Colet., p. I-4437, n.o 21, e de 21 de julho de 2011, Freistaat Sachsen e Land Sachsen‑Anhalt/Comissão, C-459/10 P, Colet., p. I-109, n.o 48).

    68

    Assim sendo, a situação em causa no presente processo distingue‑se daquela que o Tribunal de Justiça apreciou nos acórdãos, já referidos, de 29 de junho de 2004, Comissão/Conselho, e de 22 de junho de 2006, Comissão/Conselho.

    69

    Com efeito, contrariamente às decisões do Conselho anuladas nesses dois acórdãos, no presente caso, a decisão recorrida baseia‑se precisamente em elementos novos que resultam de uma alteração significativa de circunstâncias ocorrida entre o momento em que a Comissão examinou os regimes de auxílios existentes aplicados pela Hungria e aquele em que o Conselho apreciou o regime de auxílios novo que foi objeto do pedido que este Estado‑Membro lhe tinha dirigido.

    70

    Por conseguinte, os elementos que tinham justificado a incompetência do Conselho nos dois acórdãos referidos no n.o 68 do presente acórdão não se verificam no presente processo.

    71

    Por outro lado, o reconhecimento da competência do Conselho não pode permitir que se contornem as medidas adequadas aceites pelos Estados‑Membros.

    72

    Com efeito, por um lado, o Conselho só é competente para autorizar um regime de auxílios novo semelhante a um regime de auxílios existente que um Estado‑Membro estava obrigado a alterar ou a suprimir, na sequência da aceitação de propostas de medidas adequadas, na hipótese de, posteriormente às referidas propostas, terem ocorrido circunstâncias novas.

    73

    Por outro lado, o poder conferido ao Conselho pelo artigo 108.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE só é aplicável nos limites indicados por esta disposição, a saber, em presença de circunstâncias excecionais (v., neste sentido, acórdão de 29 de fevereiro de 1996, Comissão/Conselho, C-122/94, Colet., p. I-881, n.o 13).

    74

    Por último, no que respeita ao argumento da Comissão segundo o qual o Conselho não é competente para autorizar um auxílio contrário às diretrizes definidas nas orientações agrícolas, importa recordar que, nestas orientações, só as propostas de medidas adequadas constantes do ponto 196 e aceites pelos Estados‑Membros são suscetíveis de constituir uma tomada de posição definitiva da Comissão sobre a compatibilidade de um regime de auxílios com o mercado interno.

    75

    Com efeito, só essas propostas de medidas adequadas são submetidas à aceitação dos Estados‑Membros, como indicado no ponto 197 das orientações agrícolas, ao passo que as outras disposições destas orientações constituem unicamente regras gerais indicativas que se impõem à Comissão (v., neste sentido, acórdão de 13 de junho de 2002, Países Baixos/Comissão, C-382/99, Colet., p. I-5163, n.o 24 e jurisprudência referida), sem vincular os Estados‑Membros. As referidas disposições não podem, a fortiori, vincular o Conselho, na medida em que o artigo 108.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE lhe atribui o poder de, em circunstâncias excecionais, derrogar o disposto no artigo 107.o TFUE ou nos regulamentos previstos no artigo 109.o TFUE.

    76

    Ora, resulta do ponto 196 destas orientações que, no que respeita aos regimes de auxílios existentes para a aquisição de terrenos agrícolas, os Estados‑Membros se comprometeram unicamente a modificá‑los para os tornarem conformes com as ditas orientações ou, se assim não for, a suprimi‑los, o mais tardar, em 31 de dezembro de 2009.

    77

    Em contrapartida, resulta das considerações expostas nos n.os 61 a 70 do presente acórdão que os Estados‑Membros, mediante a aceitação das propostas de medidas adequadas previstas no ponto 196 das orientações agrícolas, não ficaram privados de qualquer possibilidade de solicitar a autorização para restabelecerem regimes similares ou idênticos durante todo o período de aplicação destas orientações.

    78

    Consequentemente, o primeiro fundamento de recurso invocado pela Comissão, relativo à incompetência do Conselho, é infundado e deve ser julgado improcedente.

    Quanto ao segundo fundamento, relativo a um desvio de poder

    Argumentação das partes

    79

    Com o seu segundo fundamento de recurso, a Comissão alega que o Conselho cometeu um desvio de poder ao procurar neutralizar as consequências da apreciação, por si efetuada, dos regimes de auxílios para a aquisição de terrenos agrícolas, instituídos pela Hungria.

    80

    O Conselho alega que, ao adotar a decisão recorrida, não procurou inviabilizar na totalidade os efeitos de uma apreciação efetuada pela Comissão, visto que esta não tinha adotado nenhuma decisão que declarasse que o regime de auxílios autorizado pela decisão recorrida era incompatível com o mercado interno. O objetivo prosseguido pelo Conselho consistia, na realidade, em ajudar os agricultores húngaros afetados pela crise económica e financeira a comprarem terrenos agrícolas.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    81

    Como o Tribunal de Justiça decidiu em múltiplas ocasiões, um ato só enferma de desvio de poder se se verificar, com base em indícios objetivos, pertinentes e concordantes, que foi adotado exclusivamente, ou pelo menos de forma determinante, com fins diversos dos indicados ou com a finalidade de eludir um processo especialmente previsto pelo Tratado para fazer face às circunstâncias do caso em apreço (v., neste sentido, designadamente, acórdãos de 14 de maio de 1998, Windpark Groothusen/Comissão, C-48/96 P, Colet., p. I-2873, n.o 52, e de 7 de setembro de 2006, Espanha/Conselho, C-310/04, Colet., p. I-7285, n.o 69).

    82

    É imperioso constatar que a Comissão não apresentou tais indícios.

    83

    No que respeita aos objetivos prosseguidos pelo Conselho quando da adoção da decisão recorrida, nada no dossiê apresentado ao Tribunal de Justiça permite afirmar que o Conselho tenha prosseguido um objetivo exclusivo, ou pelo menos determinante, que não fosse auxiliar os agricultores húngaros a adquirirem mais facilmente terrenos agrícolas, a fim de limitar a pobreza nas zonas rurais na Hungria.

    84

    No que respeita ao argumento da Comissão segundo o qual resulta da sucessão dos acontecimentos e da correspondência trocada que a decisão recorrida tinha por objetivo contrariar a posição por si adotada, verifica‑se que o Conselho pôde considerar validamente que a Comissão não tinha tomado posição sobre a compatibilidade do regime de auxílios em causa, como salientado no considerando 8 da decisão recorrida.

    85

    Por conseguinte, o segundo fundamento de recurso, relativo a um desvio de poder, deve ser julgado improcedente.

    Quanto ao terceiro fundamento, relativo a uma violação do princípio da cooperação leal

    Argumentação das partes

    86

    Com o seu terceiro fundamento de recurso, a Comissão alega que a decisão recorrida foi adotada em violação do princípio da cooperação leal entre as instituições, na medida em que, ao adotar essa decisão, o Conselho dispensou a Hungria do dever de cooperação com a Comissão, que incumbe a este Estado‑Membro por força do artigo 108.o, n.o 1, TFUE.

    87

    Com efeito, ao autorizar a prorrogação de regimes de auxílios existentes que a Hungria se tinha comprometido a suprimir, o Conselho pôs em causa os resultados do diálogo anteriormente mantido entre a Comissão e este Estado‑Membro.

    88

    O Conselho considera que não está vinculado pelo dever de cooperação resultante do artigo 108.o, n.o 1, TFUE. Além disso, reafirma que não existia nenhum compromisso da Hungria respeitante ao regime de auxílios aprovado pela decisão recorrida.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    89

    O artigo 108.o, n.o 1, TFUE impõe à Comissão e aos Estados‑Membros uma obrigação de cooperação regular e periódica no âmbito da qual a Comissão procede, com os Estados‑Membros, ao exame permanente dos regimes de auxílios existentes e lhes propõe as medidas adequadas exigidas pelo desenvolvimento progressivo ou pelo funcionamento do mercado interno (v., neste sentido, acórdão de 18 de junho de 2002, Alemanha/Comissão, já referido, n.o 28 e jurisprudência referida).

    90

    A este respeito, resulta do n.o 70 do presente acórdão que a Hungria não tinha assumido nenhum compromisso específico quanto ao regime de auxílios autorizado pela decisão recorrida. Assim, não se pode considerar que a referida decisão tenha dispensado a Hungria de uma obrigação especial de cooperação, na medida em que não pôs de modo algum em causa os resultados do diálogo anteriormente mantido entre a Comissão e este Estado‑Membro.

    91

    À luz destes elementos, o terceiro fundamento da Comissão, relativo a uma violação do princípio da cooperação leal, deve ser julgado improcedente.

    Quanto ao quarto fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação e a uma violação do princípio da proporcionalidade

    92

    Com a primeira parte do seu quarto fundamento de recurso, a Comissão alega que o Conselho cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que existiam circunstâncias excecionais que justificavam as medidas autorizadas. Nos termos da segunda parte do mesmo fundamento de recurso, alega que a decisão recorrida contraria o princípio da proporcionalidade, uma vez que as medidas em causa não permitem alcançar o objetivo prosseguido pela referida decisão e não se limitam ao mínimo necessário para alcançar este objetivo.

    Quanto à primeira parte do quarto fundamento, relativa a um erro manifesto de apreciação quanto à existência de circunstâncias excecionais

    — Argumentação das partes

    93

    A Comissão considera que só podem ser consideradas excecionais, na aceção do artigo 108.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE, circunstâncias que não eram previsíveis antes de terem ocorrido, e que, no presente caso, essas circunstâncias afetam especialmente a Hungria. Portanto, esse não pode ser o caso de um obstáculo estrutural preexistente ou de um problema que afete a maior parte dos Estados‑Membros.

    94

    Ora, a Comissão considera que a estrutura desfavorável das explorações agrícolas na Hungria constitui um problema já antigo que se prende com a própria estrutura da economia agrária húngara. Do mesmo modo, nada indica que a falta de capital com que se defrontam os agricultores húngaros não constitui um problema estrutural, que, por natureza, não pode ser qualificado de excecional. Por outro lado, o risco de aumento do número de aquisições especulativas de terrenos não constitui uma circunstância distinta dos outros elementos salientados pelo Conselho.

    95

    Além disso, embora admita que a crise económica possa constituir uma circunstância excecional, a Comissão considera, no entanto, que esta crise só pode justificar a decisão recorrida na medida em que tenha interagido com os problemas estruturais preexistentes, de modo a gerar circunstâncias excecionais na Hungria, o que o Conselho não demonstrou. A Comissão alega igualmente que a incidência da referida crise na dificuldade de acesso ao crédito, no aumento da pobreza e do desemprego, na diminuição da rentabilidade da produção agrícola e na recessão económica geral na Hungria não tem caráter excecional face ao contexto global da União.

    96

    O Conselho considera que a definição do conceito de circunstâncias excecionais proposta pela Comissão é demasiado restritiva à luz da jurisprudência, pois tais circunstâncias têm apenas de ser imprevistas e podem afetar outros Estados‑Membros ou setores distintos do setor agrícola.

    97

    No presente caso, existem circunstâncias excecionais, constituídas por acontecimentos extraordinários relacionados com a crise económica, que tiveram importantes repercussões nos agricultores húngaros e que, consequentemente, agravaram ainda mais os problemas estruturais que já afetavam as explorações agrícolas húngaras. Assim, a dificuldade acrescida de acesso ao crédito, a diminuição da rentabilidade da produção agrícola, o aumento da pobreza ou ainda a recessão económica resultantes da crise, mais acentuados na Hungria do que noutros Estados‑Membros, tornaram extremamente difícil, se não impossível, a compra de terrenos agrícolas pelos agricultores húngaros.

    — Apreciação do Tribunal de Justiça

    98

    Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, na aplicação do artigo 108.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE, o Conselho goza de um amplo poder de apreciação cujo exercício implica complexas apreciações de ordem económica e social que devem ser efetuadas no contexto da União. Neste quadro, a fiscalização jurisdicional aplicada ao exercício desse poder de apreciação limita‑se à verificação do cumprimento das regras processuais e de fundamentação, bem como ao controlo da exatidão material dos factos considerados e da ausência de erro de direito, de erro manifesto na apreciação dos factos ou de desvio de poder (v., neste sentido, acórdão de 29 de fevereiro de 1996, Comissão/Conselho, já referido, n.os 18 e 19, e, por analogia, acórdão de 22 de dezembro de 2008, Régie Networks, C-333/07, Colet., p. I-10807, n.o 78).

    99

    Ora, perante o caráter inabitual e imprevisível, bem como perante a amplitude dos efeitos da crise económica e financeira na agricultura húngara, não se pode considerar que o Conselho cometeu um erro manifesto de apreciação ao entender que estes efeitos eram constitutivos de circunstâncias excecionais na aceção do artigo 108.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE. Aliás, a Comissão reconheceu, na sua réplica, que a ocorrência desta crise podia constituir uma circunstância excecional dessa natureza.

    100

    O facto de a crise económica e financeira ter tido igualmente efeitos consideráveis noutros Estados‑Membros não é determinante, na medida em que esta circunstância não tem incidência no caráter excecional dos efeitos desta crise no que respeita à evolução da situação económica dos agricultores húngaros.

    101

    Do mesmo modo, a constatação de que a estrutura desfavorável das explorações agrícolas ou a falta de capitais com que se debatem os agricultores constituem problemas estruturais na Hungria não permite demonstrar que o Conselho cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que a dificuldade acrescida de acesso ao crédito e a diminuição da rentabilidade da produção agrícola resultantes da crise deterioraram significativamente a situação dos agricultores húngaros, impedindo assim a resolução dos referidos problemas estruturais e, portanto, a limitação da pobreza nas zonas rurais, através da melhoria da competitividade das explorações agrícolas húngaras (v., por analogia, acórdão de 29 de fevereiro de 1996, Comissão/Conselho, já referido, n.o 21).

    102

    Decorre daqui que a primeira parte do quarto fundamento deve ser julgada improcedente.

    Quanto à segunda parte do quarto fundamento, relativa à violação do princípio da proporcionalidade

    — Argumentação das partes

    103

    Segundo a Comissão, o Conselho infringiu o princípio da proporcionalidade ao adotar a decisão recorrida.

    104

    Com efeito, a Comissão considera que o regime de auxílios em causa não pode permitir alcançar o objetivo indicado na referida decisão. Assim, apesar da existência de dois regimes de auxílios para a aquisição de terrenos agrícolas, a dimensão média de uma exploração agrícola na Hungria evoluiu pouco durante os últimos anos. Não está demonstrado que o regime de auxílios autorizado pela decisão recorrida permita obter melhores resultados, quando os regimes de auxílios preexistentes não permitiram enfrentar as dificuldades acrescidas de acesso ao crédito observadas durante o ano de 2009. Os auxílios para a aquisição de terrenos agrícolas contribuíram, na realidade, mais para o aumento do preço dos terrenos agrícolas do que para a modificação da estrutura da propriedade destes terrenos.

    105

    Por outro lado, o respeito do princípio da proporcionalidade implica, segundo a Comissão, que se tomem inteiramente em consideração as medidas em vigor suscetíveis de responder às necessidades que o Conselho qualifica de circunstâncias excecionais. Ora, a decisão recorrida não teve em conta nenhuma das medidas autorizadas anteriormente pela Comissão ou permitidas pelas suas orientações e pelos seus regulamentos de isenção por categoria. Em especial, o quadro temporário permite aos Estados‑Membros atribuírem auxílios aos agricultores. Do mesmo modo, é possível recorrer aos auxílios de minimis autorizados pelo Regulamento n.o 1535/2007.

    106

    Além disso, o Conselho também não tomou em consideração a existência de outros tipos de instrumentos destinados a resolver alguns dos problemas salientados na decisão recorrida. Assim, por força do ato de adesão, a Hungria, durante um período de transição de sete anos, tinha a possibilidade de refrear a especulação restringindo o direito dos não residentes de adquirirem terrenos agrícolas. No que respeita à progressão do desemprego, o programa de desenvolvimento rural de 2007‑2013 da Hungria prevê diversas ações destinadas a limitá‑la nas zonas rurais, designadamente através da transferência do excedente de mão de obra agrícola para outros setores da economia.

    107

    Por último, as medidas autorizadas pela decisão recorrida não se limitam ao mínimo necessário, porque têm uma duração que excede a data fixada pela Comissão no quadro temporário para a aplicação dos auxílios especificamente destinados a fazer face aos efeitos da crise económica.

    108

    O Conselho afirma que, no que toca ao respeito do princípio da proporcionalidade, a legalidade das medidas adotadas com base no artigo 108.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE só pode ser afetada se estas medidas forem manifestamente inadequadas ao objetivo que o Conselho pretende prosseguir.

    109

    A Comissão não demonstrou que a avaliação de factos económicos complexos a que o Conselho procedeu enfermava de erros manifestos. Este último considera, designadamente, que os regimes de auxílios para a aquisição de terrenos agrícolas aplicados pela Hungria melhoraram a estrutura das explorações agrícolas húngaras em termos de área. O Conselho alega igualmente que a Comissão não demonstrou que esse regime de auxílios contribui para o aumento do preço dos terrenos. Além disso, considera que o aumento da área das explorações agrícolas permite melhorar a competitividade e os rendimentos dos agricultores abrangidos.

    110

    Além disso, o Conselho considera que não tinha de tomar em consideração as medidas já aprovadas pela Comissão, porquanto o poder que o artigo 108.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE lhe confere visa precisamente permitir‑lhe aprovar auxílios que a Comissão não teria podido legalmente aprovar, o que acontece no presente caso. De resto, o regime de auxílios autorizado pela decisão recorrida não está abrangido pelo quadro temporário.

    111

    O Conselho salienta igualmente que as restrições à aquisição de terrenos agrícolas autorizadas pelo ato de adesão não limitam os riscos de compras especulativas por agentes residentes na Hungria e que é oportuno combater o desemprego conjugando diferentes meios, entre os quais figura o regime de auxílios autorizado pela decisão recorrida.

    112

    No entender do Conselho, a duração do referido regime de auxílios não tem de se limitar ao período abrangido pelo quadro temporário e corresponde ao tempo considerado necessário para concluir o processo de privatização dos terrenos agrícolas na Hungria e para reduzir os efeitos da crise.

    113

    A Hungria alega que, para determinar o caráter manifestamente inadequado da medida em causa, é necessário demonstrar que ela não teria eficácia alguma, o que não foi provado nem sequer alegado pela Comissão.

    — Apreciação do Tribunal de Justiça

    114

    Quanto ao respeito do princípio da proporcionalidade, resulta do disposto no n.o 98 do presente acórdão que só o caráter manifestamente inadequado de uma medida adotada com base no artigo 108.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE relativamente ao objetivo que o Conselho pretende prosseguir pode afetar a legalidade de tal medida (v., por analogia, acórdãos de 8 de julho de 2010, Afton Chemical, C-343/09, Colet., p. I-7027, n.o 46, e de 12 de julho de 2012, Association Kokopelli, C‑59/11, n.o 39).

    115

    Por conseguinte, importa determinar se a autorização do regime de auxílios objeto da decisão recorrida é manifestamente inadequada para efeitos da realização do objetivo constante do considerando 9 dessa decisão, que consiste em limitar a pobreza nas zonas rurais na Hungria.

    116

    Admite‑se que este objetivo possa ser parcialmente alcançado através de uma melhoria da eficácia da agricultura na Hungria, o que pressupõe um aumento da área das explorações agrícolas permitida para a aquisição de terrenos agrícolas pelos agricultores húngaros. Ora, não se contesta que os baixos rendimentos e as dificuldades de acesso ao crédito com que se debatem estes agricultores obstam à realização de aquisições deste tipo. Portanto, autorizar o regime de auxílios em causa, que procura compensar estes problemas e o seu agravamento pela crise económica e financeira propondo juros bonificados para os empréstimos destinados à aquisição desses terrenos agrícolas ou um auxílio direto para a aquisição de tais terrenos, não é manifestamente inadequado para realizar o objetivo prosseguido através da adoção da decisão recorrida.

    117

    Nestas condições, a circunstância de o regime de auxílios para a aquisição de terrenos agrícolas aplicado anteriormente não ter permitido um aumento significativo e contínuo da área das explorações agrícolas húngaras não é suscetível de demonstrar o caráter manifestamente inadequado da decisão recorrida para alcançar o objetivo por ela prosseguido, tal como foi recordado no n.o 115 do presente acórdão.

    118

    Com efeito, o reduzido aumento da área média das referidas explorações não basta para demonstrar a manifesta ineficácia do regime de auxílios autorizado pelo Conselho, na medida em que é possível que esse reduzido aumento resulte de circunstâncias que não tendem a manter‑se durante todo o período abrangido pela decisão recorrida.

    119

    Quanto ao argumento da Comissão segundo o qual os regimes de auxílios para a aquisição de terrenos agrícolas contribuem mais para o aumento do preço dos terrenos agrícolas do que para a modificação da estrutura da propriedade destes terrenos, cumpre observar que esta alegação não está suficientemente fundamentada para que se possa estabelecer que o Conselho optou por uma medida manifestamente inadequada relativamente ao objetivo que prosseguia.

    120

    Por outro lado, convém verificar se a autorização do regime de auxílios em causa não excede manifestamente o que é necessário para alcançar o objetivo visado pela decisão recorrida. Com efeito, a Comissão sustenta que o Conselho não teve suficientemente em conta as perspetivas oferecidas por outros instrumentos suscetíveis de contribuir para a realização deste objetivo.

    121

    Tendo em conta o âmbito do poder de apreciação de que o Conselho dispõe no presente caso, não se pode considerar que a decisão recorrida viola o princípio da proporcionalidade pelo simples facto de a Hungria ter tido a hipótese de prosseguir o objetivo referido no n.o 115 do presente acórdão através de outro tipo de regime de auxílios. Com efeito, segundo jurisprudência constante, na apreciação da observância do princípio da proporcionalidade por uma decisão adotada com base num poder de apreciação como aquele de que o Conselho está investido pelo artigo 108.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE, o Tribunal de Justiça não deve determinar se a decisão adotada era a única ou a melhor possível, mas apenas se era manifestamente desproporcionada (v., por analogia, acórdão de 11 de junho de 2009, Agrana Zucker, C-33/08, Colet., p. I-5035, n.o 33 e jurisprudência referida).

    122

    No entanto, como observou o advogado‑geral no n.o 44 das suas conclusões, o amplo poder de apreciação de que dispõe o Conselho não o dispensa de tomar em consideração, na sua apreciação, as medidas preexistentes destinadas especificamente a fazer face às circunstâncias excecionais que justificaram a autorização do regime de auxílios em causa.

    123

    A este respeito, o Regulamento n.o 1535/2007 visa isentar os auxílios de pequeno montante da obrigação de notificação prevista no artigo 108.o, n.o 3, TFUE, e, portanto, não se pode considerar que o mesmo se destina especificamente a sanar os efeitos que a crise económica e financeira teve para os agricultores húngaros.

    124

    Em contrapartida, é verdade que o quadro temporário foi instituído para facilitar o acesso das empresas ao financiamento no contexto da crise económica e financeira. No entanto, os auxílios que este quadro temporário prevê têm uma função geral de apoio ao investimento e, portanto, não são especificamente destinados a permitir a aquisição de terrenos agrícolas. Além disso, na data da adoção da decisão recorrida, o ponto 7 do quadro temporário previa que este não seria aplicado a partir de 31 de dezembro de 2010. Assim, não se pode considerar que a decisão do Conselho de autorizar um regime de auxílios especificamente destinado a limitar a pobreza nas zonas rurais assegurando a conclusão do processo de privatização dos terrenos e a melhoria da estrutura das explorações agrícolas na Hungria por um período mais longo vai manifestamente além do que é necessário para alcançar o objetivo prosseguido pela decisão recorrida.

    125

    Do mesmo modo, embora visem igualmente combater o desemprego nas zonas rurais, algumas das medidas que constam do programa de desenvolvimento rural de 2007‑2013 da Hungria surgem como complementares do regime de auxílios autorizado pela decisão recorrida, na medida em que se destinam principalmente a apoiar a transferência do excedente de mão de obra agrícola para outros setores da economia e não a melhorar a rentabilidade das explorações agrícolas.

    126

    Quanto às restrições à aquisição de terrenos agrícolas autorizadas pelo ato de adesão, é imperioso observar que só têm interesse para reduzir as aquisições especulativas de terrenos, mas não podem, em caso algum, resolver os outros problemas referidos nos fundamentos da decisão recorrida. Além disso, como alega acertadamente o Conselho, estas restrições não permitem combater as aquisições especulativas de terrenos agrícolas realizadas por agentes residentes na Hungria.

    127

    Por último, no que respeita à duração do regime de auxílios autorizado pela decisão recorrida, resulta da própria lógica do artigo 108.o, n.o 2, terceiro parágrafo, TFUE que o Conselho não pode estar vinculado por uma limitação temporal fixada numa comunicação da Comissão. Além disso, tendo em conta o tempo necessário à conclusão do processo de privatização dos terrenos agrícolas e a duração dos efeitos da crise económica e financeira, não há que considerar que o Conselho optou por uma medida manifestamente desproporcionada ao autorizar o regime de auxílios em causa durante o período entre 1 de janeiro de 2010 e 31 de dezembro de 2013.

    128

    Por conseguinte, a segunda parte do quarto fundamento invocado pela Comissão deve igualmente ser julgada improcedente.

    129

    Decorre daqui que o quarto fundamento deve ser julgado improcedente na totalidade.

    130

    Uma vez que nenhum dos fundamentos invocados pela Comissão foi acolhido, há que negar provimento ao recurso.

    Quanto às despesas

    131

    Por força do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Conselho pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

    132

    De acordo com o artigo 140.o, n.o 1, do mesmo regulamento, a República da Lituânia, a Hungria e a República da Polónia suportarão as suas próprias despesas.

     

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

     

    1)

    É negado provimento ao recurso.

     

    2)

    A Comissão Europeia é condenada nas despesas.

     

    3)

    A República da Lituânia, a Hungria e a República da Polónia suportam as suas próprias despesas.

     

    Assinaturas


    ( *1 ) Língua do processo: inglês.

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