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Document 62009TJ0286

Acórdão do Tribunal Geral (Sétima Secção alargada) de 12 de junho de 2014 (Excertos)  .
Intel Corp. contra Comissão Europeia.
Concorrência — Abuso de posição dominante — Mercado dos microprocessadores — Decisão que declara uma infração ao artigo 82.° CE e do artigo 54.° do Acordo EEE — Descontos de fidelidade — Restrições ‘não dissimuladas’ — Qualificação de prática abusiva — Análise do concorrente igualmente eficaz — Competência internacional da Comissão — Obrigação de instrução da Comissão — Limites — Direitos de defesa — Princípio da boa administração — Estratégia de conjunto — Coimas — Infração única e continuada — Orientações de 2006 para o cálculo do montante das coimas.
Processo T‑286/09.

Court reports – general

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2014:547

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada)

12 de junho de 2014 ( *1 )

«Concorrência — Abuso de posição dominante — Mercado dos microprocessadores — Decisão que declara uma infração ao artigo 82.o CE e ao artigo 54.o do Acordo EEE — Descontos de fidelidade — Restrições ‘não dissimuladas’ — Qualificação de prática abusiva — Análise do concorrente igualmente eficaz — Competência internacional da Comissão — Obrigação de instrução da Comissão — Limites — Direitos de defesa — Princípio da boa administração — Estratégia de conjunto — Coimas — Infração única e continuada — Orientações de 2006 para o cálculo do montante das coimas»

No processo T‑286/09,

Intel Corp., com sede em Wilmington, Delaware (Estados Unidos), representada inicialmente por K. Bacon, barrister, M. Hoskins, N. Green, QC, S. Singla, barrister, I. Forrester, QC, A. Parr, R. Mackenzie, solicitors, e D. Piccinin, barrister e, em seguida, por I. Forrester, A. Parr, R. Mackenzie e D. Piccinin,

recorrente,

apoiada por:

Association for Competitive Technology, Inc., com sede em Washington, DC (Estados Unidos), representada por J.‑F. Bellis, advogado,

interveniente,

contra

Comissão Europeia, representada por T. Christoforou, V. Di Bucci, N. Khan e M. Kellerbauer, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Union fédérale des consommateurs — Que choisir (UFC — Que choisir), com sede em Paris (França), representada inicialmente por J. Franck, e em seguida por E. Nasry, advogados,

interveniente,

que tem por objeto um pedido de anulação da Decisão C (2009) 3726 final da Comissão, de 13 de maio de 2009, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.o [CE] e do artigo 54.o do Acordo EEE (Processo COMP/C‑3/37.990 — Intel), ou, a título subsidiário, um pedido de anulação ou de redução do montante da coima aplicada à recorrente,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada),

composto por: A. Dittrich (relator), presidente, I. Wiszniewska‑Białecka, M. Prek, J. Schwarcz e M. Kancheva, juízes,

secretário: E. Coulon e J. Weychert, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 3 au 6 de julho de 2012,

profere o presente

Acórdão ( 1 )

Factos na origem do litígio

1

A recorrente, a Intel Corp., é uma sociedade de direito americano que assegura a conceção, o desenvolvimento, o fabrico e a comercialização de microprocessadores (a seguir «CPU»), «chipsets» (jogos de chips) e outros componentes de produtos semicondutores, bem como de soluções para plataformas no âmbito do tratamento dos dados e dos dispositivos de comunicação.

2

No final de 2008, a Intel empregava cerca de 94100 pessoas no mundo. Em 2007, as receitas líquidas da Intel ascendiam a 38 334 milhões de dólares dos Estados Unidos (USD) e o seu lucro líquido ascendia a 6 976 milhões de USD. Em 2008, as suas receitas líquidas ascendiam a 37 586 milhões USD e seu lucro líquido a 5 292 milhões de USD.

I — Procedimento administrativo

3

Em 18 de outubro de 2000, a Advanced Micro Devices, Inc. (a seguir «AMD») apresentou à Comissão das Comunidades Europeias uma denúncia formal nos termos do artigo 3.o do Regulamento n.o 17 do Conselho, de 6 de fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 1962, 13, p. 204), que a mesma completou apresentando novos factos e novas alegações, no âmbito de uma denúncia complementar de 26 de novembro de 2003.

4

Em maio de 2004, a Comissão lançou uma série de investigações sobre certos elementos contidos na denúncia complementar da AMD. No âmbito dessa investigação e com o apoio de diversas autoridades nacionais da concorrência, em conformidade com o artigo 20.o, n.o 4, do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1), a Comissão procedeu, em julho de 2005, a inspeções em quatro sítios da Intel, no Reino Unido, na Alemanha, em Itália e em Espanha, bem como nos sítios de vários clientes da Intel, em França, na Alemanha, em Itália, em Espanha e no Reino Unido.

5

Em 17 de julho de 2006, a AMD apresentou no Bundeskartellamt (organismo federal dos cartéis alemão) uma denúncia em que afirmou que a Intel tinha instituído, nomeadamente, práticas comerciais de exclusão com a Media‑Saturn‑Holding GmbH (a seguir «MSH»), distribuidor europeu de aparelhos microeletrónicos e primeiro distribuidor europeu de computadores de escritório. O Bundeskartellamt trocou informações com a Comissão sobre esse processo, nos termos do artigo 12.o do Regulamento n.o 1/2003.

6

Em 23 de agosto de 2006, a Comissão reuniu‑se com o Sr. D1, [confidencial] ( 2 ) da Dell Inc., um cliente da Intel. A Comissão não apresentou a lista indicativa dos temas dessa reunião (a seguir «lista indicativa dos temas») no dossiê do processo e não redigiu ata dessa reunião. Um membro da equipa encarregada do dossiê na Comissão redigiu uma nota sobre essa reunião que foi qualificada como interna pela Comissão (a seguir «nota interna»). Em 19 de dezembro de 2008, a Comissão forneceu à recorrente uma versão não confidencial desta nota.

7

Em 26 de julho de 2007, a Comissão enviou à recorrente uma comunicação de acusações (a seguir «comunicação de acusações de 2007») relativa ao seu comportamento respeitante a cinco grandes fabricantes de equipamentos informáticos (Original Equipment Manufacturer, a seguir «OEM»), a saber, a Dell, a Hewlett Packard‑Company (HP), a ACER Inc., NEC Corp. e a International Business Machines Corp. (IBM). A Intel respondeu em 7 de janeiro de 2008 e teve lugar uma audição em 11 e 12 de março 2008. A Intel teve acesso ao processo por três vezes, concretamente, em 31 de julho de 2007, 23 de julho e 19 de dezembro de 2008.

8

A Comissão efetuou diversos atos de instrução relativos às alegações da AMD, incluindo inspeções no local dos vários vendedores de computadores a retalho e em sítios da Intel, em fevereiro de 2008. Além disso, enviou vários pedidos de informações por escrito, ao abrigo do artigo 18.o do Regulamento n.o 1/2003, a diversos grandes OEM.

9

Em 17 de julho de 2008, a Comissão notificou à recorrente a comunicação de acusações complementar relativa ao seu comportamento quanto à MSH. Essa comunicação de acusações (a seguir «comunicação de acusações complementar de 2008») incidia igualmente sobre o comportamento da Intel em relação à Lenovo Group Ltd (a seguir «Lenovo») e continha novos elementos de prova sobre o comportamento da Intel em relação a alguns dos OEM abrangidos pela comunicação de acusações de 2007, que a Comissão tinha obtido após a publicação desta última.

10

A Comissão começou por conceder à INTEL o prazo de oito semanas para apresentar a sua resposta à comunicação de acusações complementar de 2008. Em 15 de setembro de 2008, esse prazo foi prorrogado até 17 de outubro de 2008 pelo auditor.

11

A Intel não respondeu à comunicação de acusações complementar de 2008 no prazo fixado. Em 10 de outubro de 2008, em contrapartida, a Comissão interpôs no Tribunal Geral recurso sob a referência T‑457/08, pedindo‑lhe, em primeiro lugar, que anulasse duas decisões da Comissão relativas à fixação do prazo para responder à comunicação de acusações complementar de 2008 e à recusa da Comissão em obter várias categorias de documentos provenientes, designadamente, do dossiê do contencioso privado que opõe a INTEL e a AMD no Estado americano do Delaware e, em segundo lugar, de prorrogar o prazo para apresentação da sua resposta à comunicação de acusações complementar de 2008 a fim de dispor de um prazo de 30 dias a contar do dia em que obteria o acesso aos documentos pertinentes.

12

A Intel, além disso, apresentou um pedido de medidas provisórias, inscrito sob a referência T‑457/08 R, com vista a obter a suspensão do procedimento da Comissão até que a decisão relativa ao seu pedido quanto ao mérito assim como a suspensão do prazo fixado para a apresentação da sua resposta à comunicação de acusações complementar de 2008 e, subsidiariamente, a concessão de um prazo de 30 dias a contar da data da referida sentença para responder à comunicação de acusações complementar de 2008.

13

Em 19 de dezembro de 2008, a Comissão enviou à INTEL uma carta, chamando a sua atenção para um determinado número de elementos de prova que tinha a intenção de utilizar numa eventual decisão final (a seguir «carta relativa à descrição dos factos»). A Intel não respondeu a esta carta no prazo fixado em 23 de janeiro de 2009.

14

Em 27 de janeiro de 2009, o presidente do Tribunal Geral indeferiu o pedido de medidas provisórias (despacho do presidente do Tribunal Geral de 27 de janeiro de 2009, Intel/Comissão, T‑457/08 R, não publicado na Coletânea). Na sequência desse despacho, a Intel, em 29 de janeiro de 2009, propôs submeter a sua resposta à comunicação de acusações complementar de 2008 e à carta de relativa à descrição dos factos no prazo de 30 dias a contar do despacho do presidente do Tribunal Geral.

15

Em 2 de fevereiro de 2009, a Comissão informou a Intel, por correio, do facto de os seus serviços terem decidido não lhe conceder qualquer prorrogação do prazo concedido para responder à comunicação de acusações complementar de 2008 ou à carta contendo a descrição dos factos. A carta de 2 de fevereiro de 2009 referia igualmente que os serviços da Comissão estavam, contudo, dispostos a ponderar a eventual pertinência de um articulado tardio desde que a Intel submetesse as suas observações até 5 de fevereiro 2009. Por último, a Comissão considerou que não era obrigada a deferir um pedido de inquirição apresentado fora de prazo e que os seus serviços consideravam que o bom desenrolar do procedimento administrativo não requeria a organização de uma audiência.

16

Em 3 de fevereiro de 2009, a Intel desistiu do seu recurso no processo T‑457/08 e o processo foi cancelado no registo do Tribunal por despacho do presidente da Quinta Secção do Tribunal Geral de 24 de março de 2009.

17

Em 5 de fevereiro de 2009, a Intel apresentou um articulado que inclui observações relativas à comunicação de acusações complementar de 2008, assim como a carta relativa à descrição dos factos, por ela qualificadas de «resposta à comunicação de acusações complementar [de 2008]» e de «resposta [à carta relativa à descrição dos factos]».

18

Em 10 de fevereiro de 2009, a Intel escreveu ao auditor para obter uma audição sobre a comunicação de acusações complementar da 2008. O auditor indeferiu este pedido por carta de 17 de fevereiro de 2009.

19

Em 13 de maio de 2009, a Comissão adotou a Decisão C (2009) 3726 final, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.o [CE] e do artigo 54.o do Acordo EEE (Processo COMP/C‑3/37.990 — Intel) (a seguir «decisão impugnada»), cujo resumo consta do Jornal Oficial da União Europeia (JO C 227, p. 13).

II — Decisão impugnada

20

Segundo a decisão impugnada, a Intel cometeu uma violação única e continuada do artigo 82.o CE e do artigo 54.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE), entre outubro de 2002 e dezembro de 2007, ao aplicar uma estratégia destinada a excluir um concorrente, a saber, a AMD, do mercado dos CPU de arquitetura x86 (a seguir «CPU x86»).

A — Mercado em causa

21

Os produtos em causa na decisão impugnada são CPU. O processador é uma componente essencial de qualquer computador, tanto para os desempenhos gerais do sistema como para o seu custo global. É muitas vezes considerado «o cérebro» do computador. O fabrico de CPU exige instalações de ponta dispendiosas.

22

Os CPU utilizados nos computadores podem ser agrupados em duas categorias, a saber, CPU x86 e os CPU baseados noutra arquitetura. A arquitetura x86 é uma norma concebida pela Intel para os seus CPU. Permite o funcionamento dos sistemas operativos Windows e Linux. O Windows está principalmente ligado ao conjunto das instruções x86. Antes de 2000, havia diversos fabricantes de CPU x86. No entanto, a maioria abandonou o mercado. A decisão impugnada refere que desde essa data a INTEL e a AMD são praticamente as duas únicas empresas a fabricar ainda CPU x86.

23

Na no seu inquérito, a Comissão chegou à conclusão de que o mercado de produtos em causa não era mais amplo que o mercado dos CPU x86. A decisão impugnada não se pronuncia sobre a questão de saber se existe um mercado único dos CPU x86 para todos os computadores ou se há que distinguir entre três mercados distintos dos CPU x86, a saber, para os computadores de escritório, para os computadores portáteis e para os servidores. Segundo a decisão impugnada, tendo em conta as quotas de mercado da Intel para cada segmento, as conclusões relativas à posição dominante não diferiam.

24

O mercado geográfico foi definido como sendo de dimensão mundial.

B — Posição dominante

25

Na decisão impugnada, a Comissão conclui que, no período de dez anos em que foi examinada (de 1997 a 2007), a Intel deteve sempre quotas de mercado de cerca de 70% ou mais. Além disso, existem, segundo a decisão impugnada, obstáculos importantes à entrada e à expansão no mercado dos CPU x86. Esses obstáculos resultam dos investimentos irrecuperáveis na investigação e desenvolvimento, na propriedade intelectual e nas instalações de produção necessárias ao fabrico de CPU x86. Por conseguinte, todos os concorrentes da Intel, com exceção de AMD, abandonaram o mercado ou apenas detêm uma quota de mercado pouco expressiva.

26

Baseando‑se nas quotas de mercado detidas pela Intel e nos obstáculos à entrada e à expansão no mercado em causa, a decisão conclui que a Intel ocupou uma posição dominante no referido mercado, pelo menos, ao longo do período abrangido pela referida decisão, ou seja, de outubro de 2002 a dezembro de 2007.

C — Comportamento abusivo e coima

27

A decisão impugnada descreve dois tipos de comportamento adotados pela Intel relativos aos seus parceiros comerciais, a saber, os descontos e as «restrições não dissimuladas» (naked restrições).

28

Em primeiro lugar, segundo a decisão impugnada, a Intel concedeu descontos a quatro OEM, neste caso, a Dell, a Lenovo, a HP e a NEC, desde que lhe comprassem a totalidade ou a quase totalidade dos seus CPU x86. Do mesmo modo, a Intel concedeu pagamentos à MSH, na condição de esta última vender exclusivamente computadores equipados de CPU x86 da Intel.

29

A decisão impugnada conclui que os descontos concedidos pela Intel constituem descontos de fidelidade. No que diz respeito aos pagamentos sob condição da Intel à MSH, a decisão impugnada declara que o mecanismo económico desses pagamentos é equivalente ao dos descontos concedidos aos OEM.

30

Além do mais, a decisão impugnada fornece igualmente uma análise económica sobre a capacidade de os descontos afastarem um concorrente que seria tão eficaz como a INTEL (as efficient competitor test, a seguir «teste AEC») sem ocupar, no entanto, uma posição dominante. Concretamente, a análise estabelece o preço a que um concorrente tão eficaz quanto a Intel deveria propor os seus CPU a fim de indemnizar um OEM pela perda de um desconto concedido pela Intel. Uma análise do mesmo tipo foi realizada para os pagamentos concedidos pela Intel à MSH.

31

Com base nos elementos de prova por ela reunidos, a Comissão chega à conclusão de que os descontos e os pagamentos concedidos pela Intel tiveram como consequência garantir a fidelidade dos OEM estratégicos e da MSH. Essas práticas tiveram efeitos complementares, no sentido de que reduziram sensivelmente a capacidade dos concorrentes de se entregarem a uma concorrência baseada no mérito dos seus CPU x86. O comportamento anticoncorrencial da Intel contribuiu assim para reduzir a escolha oferecida aos consumidores bem como os incitamentos à inovação.

32

Em segundo lugar, no que respeita às restrições não dissimuladas, a Comissão sustenta que a Intel concedeu pagamentos a três OEM, a saber, a HP, a Acer e a Lenovo, na condição de estes últimos diferirem ou anularem o lançamento de produtos equipados com CPU provenientes da AMD (a seguir «CPU AMD»), e/ou imporem restrições à distribuição desses produtos. A decisão impugnada conclui que esse comportamento da Intel causou igualmente um prejuízo direto à concorrência e não está sujeito a uma concorrência normal, baseada no mérito.

33

A Comissão conclui na decisão impugnada que cada um dos comportamentos controvertidos da Intel relativos aos OEM supramencionados e à MSH constitui um abuso na aceção do artigo 82.o CE, uma vez que todos estes abusos se inscrevem igualmente no âmbito de uma estratégia de conjunto com a vista a afastar a AMD, o único concorrente importante da Intel, do mercado dos CPU x86. Estes abusos formam assim uma infração única na aceção do artigo 82.o CE.

34

Aplicando as orientações para o cálculo das coimas aplicadas nos termos do artigo 23.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento n.o 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2, a seguir «orientações de 2006»), a Comissão aplicou à recorrente uma coima de 1, 06 mil milhões de euros (no que respeita ao cálculo da coima, v. n.os 1554 a 1558, infra).

D — Dispositivo

35

O dispositivo da decisão impugnada tem a seguinte redação:

«Artigo 1.o

a Intel violou […] através da sua participação numa infração única e continuada ao artigo 82.o do Tratado e ao artigo 54.o do Acordo EEE, entre outubro de 2002 e dezembro de 2007, mediante a aplicação de uma estratégia destinada a excluir os concorrentes do mercado de CPU x86 dos CPU que consistiu nos seguintes elementos:

a)

Descontos concedidos pela Intel à Dell durante o período de dezembro de 2002 a dezembro de 2005, na condição da Dell adquirir CPU exclusivamente à Intel da Intel;

b)

Descontos concedidos pela Intel à HP durante o período de novembro de 2002 a maio de 2005, na condição específica de a HP lhe adquirir pelo menos 95% dos CPU para o seu segmento de computadores de secretária dos CPU da Intel;

c)

Descontos concedidos pela Intel à NEC durante o período de outubro de 2002 a novembro de 2005, na condição de a NEC adquirir à Intel pelo menos 80% dos CPU para os segmentos de computadores de secretária e portáteis da Intel;

d)

Descontos concedidos pela Intel à Lenovo durante o ano de 2007, na condição de a Lenovo adquirir exclusivamente à Intel os CPU para o seu segmento de computadores portáteis dos CPU da Intel;

e)

pagamentos à [MSH] […], na condição de a MSH vender exclusivamente PC baseados em produtos da Intel da Intel;

f)

Pagamentos concedidos pela Intel à HP, na condição de esta empresa vender computadores de gestão equipados com CPU AMD apenas a pequenas e empresas médias, exclusivamente através de canais de distribuição diretos (e não através de distribuidores), e de adiar por 6 meses o lançamento na Europa do seu primeiro computador de secretária equipado com CPU AMD; a duração desta prática abusiva durou de novembro de 2002 a maio de 2005; ii) a HP proíba aos seus parceiros de distribuição de armazenar os computadores de escritório da HP equipados de CPU x86 de AMD destinados às empresas de maneira que esses computadores estejam unicamente disponíveis para os clientes que os encomendem à HP (, quer diretamente quer através de parceiros de distribuição da HP que exerce uma função de agentes comerciais); iii) a HP de adiar por 6 meses o lançamento na Europa do seu primeiro computador de secretária equipado com um CPU x86 de AMD destinado às empresas na região [Europa, Médio Oriente e África];

g)

conceder dos pagamentos a Acer entre setembro de 2003 e janeiro de 2004 na condição de Acer adiar o lançamento de um computador portátil equipado com um CPU x86 de AMD;

h)

conceder pagamentos Lenovo entre junho de 2006 e dezembro de 2006 na condição de a Lenovo adiar e finalmente anular o lançamento dos seus computadores portáteis equipados de CPU x86 de AMD.

Artigo 2.o

Relativamente à infração referida no artigo 1.o, uma coima de um montante de 1060000000 de euros é aplicada a INTEL […]

Artigo 3.o

Foi imposta à Intel […] uma coima de 1060000000 EUR pela infração.

A Intel […] deve pôr imediatamente termo à infração mencionada no artigo 1.o se ainda o não fez.

A Intel […] abster‑se de reiterar os atos ou comportamentos referidos no artigo 1.o bem como de praticar qualquer ato ou comportamento que tenha um objeto ou efeito idêntico ou equivalente.

[…]»

Tramitação processual e pedidos das partes

36

Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de julho de 2009, a recorrente interpôs o presente recurso.

37

Por requerimento registado na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de outubro de 2009, a AMD pediu para intervir no presente processo em apoio da Comissão. No entanto, em 16 de novembro de 2009, a AMD informou o Tribunal Geral de que retirava o seu pedido de intervenção nesse processo. Por conseguinte, por despacho do presidente da Oitava Secção do Tribunal de 5 de janeiro de 2010, a AMD foi cancelada no processo na qualidade de requerente do pedido de intervenção.

38

Por requerimento registado na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de outubro de 2009, a União federal dos consumidores — Que choisir (UFC — Que choisir) (a seguir «UFC») pediu para intervir no presente processo em apoio da Comissão. Por despacho de 7 de junho de 2010, o presidente da Oitava Secção do Tribunal admitiu essa intervenção. Por carta registada na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de setembro de 2010, a UFC informou o Tribunal de que renunciava à apresentação de alegações de intervenção, mas que apresentaria observações orais na audiência.

39

Por requerimento registado na Secretaria do Tribunal Geral em 2 de novembro de 2009, a Association for Competitive Technology (a seguir «ACT») pediu para intervir no presente processo em apoio da Intel. Por despacho de 7 de junho de 2010, o presidente da Oitava Secção do Tribunal admitiu essa intervenção. A ACT apresentou o seu articulado de intervenção no prazo fixado e as partes apresentaram as suas observações sobre o mesmo.

40

Tendo a composição das Secções do Tribunal Geral sido alterada, tendo o juiz‑relator sido afetado à Sétima Secção, o presente processo foi, por conseguinte, atribuído a esta última.

41

Por decisão de 18 de janeiro de 2012, o Tribunal Geral remeteu o processo à Sétima Secção alargada em aplicação do artigo 14.o, n.o 1, e do artigo 51.o, n.o 1, do seu Regulamento de Processo.

42

Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal decidiu dar início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.o do Regulamento de Processo, fez perguntas às partes, por escrito, e pediu à recorrente e à Comissão que apresentassem alguns documentos. A recorrente, a Comissão e a ACT responderam às perguntas escritas e apresentaram os documentos pedidos no prazo fixado.

43

Tendo a resposta da UFC a uma pergunta escrita do Tribunal Geral chegado à Secretaria do Tribunal Geral fora do prazo fixado, o presidente da Sétima Secção, por decisão de 1 de junho de 2012, decidiu que esta resposta seria, não obstante, ser junta ao autos.

44

Por despacho de 16 de abril de 2012, o Tribunal ordenou à Comissão, nos termos do artigo 65.o, alínea b), do artigo 66.o, n.o 1, e do artigo 67.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Regulamento de Processo, que apresentasse a versão confidencial da nota interna relativa à reunião entre os agentes da Comissão e o Sr. D1, [confidencial] da Dell, que teve lugar em 23 de agosto de 2006. A Comissão cumpriu o solicitado no prazo fixado. Num primeiro momento, este documento não foi comunicado ao recorrente nem aos intervenientes.

45

A Intel e a Comissão pediram que certos elementos confidenciais contidos nos seus articulados e os seus anexos, incluindo respostas às perguntas escritas do Tribunal Geral, fossem excluídos da comunicação às intervenientes. A comunicação aos intervenientes dos referidos documentos e anexos foi limitada às versões não confidenciais apresentados pela demandante e pela Comissão. Os intervenientes não levantaram objeções a este respeito.

46

Em 7 de junho de 2012, a recorrente, a Comissão e a ACT assistiram a uma reunião informal relativa ao tratamento confidencial de determinados dados e à organização da audiência na presença dos cinco membros da Sétima Secção alargada.

47

Por carta registada na Secretaria do Tribunal Geral em 2 de julho de 2012, a recorrente referiu que os diversos OEM em causa bem como a MSH e a AMD davam o seu acordo à divulgação dos dados que lhes diziam respeito, anteriormente identificados como confidenciais na parte na audiência que se realizaria publicamente bem como na versão pública do futuro acórdão, sem prejuízo de algumas exceções.

48

As partes foram ouvidas em alegações e nas suas respostas às perguntas feitas oralmente pelo Tribunal Geral na audiência, que decorreu, em parte, à porta fechada, de 3 e 6 de julho de 2012.

49

Por despacho de 29 de janeiro de 2013, foi reaberta a fase oral. No âmbito das medidas de organização do processo, tendo sido ouvida a Comissão, que, por sua vez, tinha consultado a Dell, e não tendo suscitado objeções, o Tribunal Geral comunicou à recorrente e às intervenientes a versão integral da nota interna relativa à reunião com o Sr. D1, [confidencial] da Dell, e convidou‑as a apresentar as respetivas observações sobre as partes da referida nota que não lhes tinham sido transmitidas anteriormente. A recorrente e a ACT deram cumprimento a esse pedido no prazo fixado. O UFC não apresentou observações no prazo fixado. O Tribunal Geral convidou então a Comissão a apresentar as suas observações sobre as observações da recorrente. A Comissão satisfez este pedido no prazo fixado. O Tribunal convidou também a recorrente e a Comissão a apresentarem as suas observações sobre as observações da ACT. Estas deram cumprimento a este pedido no prazo fixado. A fase oral do processo foi seguidamente bloqueada em 6 de maio de 2013.

50

A recorrente, apoiada pela ACT, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

anular total ou parcialmente a decisão impugnada;

a título subsidiário, anular ou reduzir substancialmente o montante da coima aplicada;

condenar a Comissão nas despesas.

51

A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas;

condenar o ACT nas despesas ligadas à sua intervenção.

52

A UFC apoia, em substância, os pedidos da Comissão e conclui pedindo que a recorrente seja condenada nas despesas.

Questão de direito

I — Quanto à admissibilidade de alguns anexos

53

A Comissão alega que certos documentos apresentados pela recorrente em anexo à petição, que correspondem a testemunhos feitos perante o tribunal do Delaware no qual foi intentado o processo americano (a seguir «tribunal do Delaware», v. n.o 11, supra), são inadmissíveis por força do artigo 43.o, n.o 5, do Regulamento de Processo, segundo o qual, «[s]e, dado o volume de alguma peça ou documento, apenas forem exibidos extratos, deve ser entregue na Secretaria o documento integral ou uma cópia completa do mesmo».

54

A Comissão sublinha que a recorrente não forneceu nem inscreveu no registo os anexos aos depoimentos feitos perante o tribunal do Delaware. A Comissão sublinha, além disso, que, para uma parte dos depoimentos, a recorrente forneceu apenas excertos de da transcrição em lugar da transcrição na íntegra.

55

Há que rejeitar desde já a argumentação da Comissão na parte em que se refere aos depoimentos cuja transcrição foi produzida na íntegra, mas sem os seus anexos. Com efeito, nos termos do artigo 43.o, n.o 5, do Regulamento de Processo, basta apresentar o documento completo na Secretaria. Este artigo não exige que todos os outros documentos aos quais faz referência a um documento anexo a um ato processual sejam igualmente apresentados na Secretaria. Caso determinadas partes dos depoimentos em que se apoia a recorrente não sejam compreensíveis sem ter acesso aos documentos a que os depoimentos se referem, isso apenas diz respeito ao valor probatório das partes dos depoimentos em questão. No entanto, isso não pode pôr em causa a admissibilidade dos depoimentos apresentados pela recorrente em anexo à sua petição.

56

No que respeita aos depoimentos para os quais a recorrente apenas apresentou excertos em anexo aos seus articulados, há que referir o seguinte.

57

Ainda que se devesse interpretar o artigo 43.o, n.o 5, do Regulamento de Processo no sentido de que impõe às partes uma obrigação de apresentar na secretaria uma versão completa de qualquer documento de que as partes apresentam excertos em anexo a um ato processual, a violação desta obrigação poderia, de qualquer modo, ser regularizada.

58

A este respeito, há que observar que, segundo o n.o 57, alínea d), das Instruções práticas às partes adotadas pelo Tribunal Geral em 5 de julho de 2007 (JO L 232, p. 7), conforme alteradas, mesmo a falta de apresentação de anexos mencionados na lista pode ser regularizada. A apresentação de apenas um excerto de um documento por uma parte em vez do documento completo constitui por maioria de razão um vício que pode ser regularizado.

59

No caso em apreço, o Tribunal pediu à recorrente, no âmbito de uma medida de organização do processo, que apresentasse as versões integrais da totalidade dos depoimentos de que tinha apresentado apenas extratos e de que não tinha apresentado na Secretaria uma versão integral. A recorrente deu cumprimento a esse pedido no prazo fixado e o Tribunal Geral deu à Comissão a oportunidade de apresentar as suas observações a respeito desses documentos por escrito.

60

Por conseguinte, há que rejeitar o argumento da Comissão segundo o qual alguns documentos apresentados pela recorrente são inadmissíveis por força do artigo 43.o, n.o 5, do Regulamento de Processo.

II — Quanto ao pedido de anulação da decisão impugnada

A — Questões horizontais relativas às apreciações jurídicas feitas pela Comissão

1. Quanto ao ónus da prova e ao nível da prova exigidos

61

A recorrente refere a jurisprudência do juiz da União Europeia e sublinha, nomeadamente, que os processos de concorrência de natureza igual à do caso vertente revestem caráter penal, o que significa que exigem um nível de prova elevado e a presunção de inocência se aplica.

62

Nos termos do artigo 2.o do Regulamento n.o 1/2003, em todos os procedimentos de aplicação do artigo 82.o CE, o ónus da prova de uma violação deste artigo incumbe à parte ou à autoridade que alega tal violação, a saber, no caso em apreço, à Comissão. Além disso, segundo jurisprudência consolidada, a existência de uma dúvida no espírito do juiz deve aproveitar à empresa destinatária da decisão em que se declara uma infração. O juiz não pode, pois, concluir que a Comissão fez suficientemente prova da existência da infração em causa se no seu espírito subsistir ainda uma dúvida sobre essa questão, nomeadamente no quadro de um recurso que visa a anulação de uma decisão que aplica uma coima (acórdãos do Tribunal Geral de 8 de julho de 2004, JFE Engineering e o./Comissão, T-67/00, T-68/00, T-71/00 e T-78/00, Colet., p. II-2501, a seguir «acórdão JFE», n.o 177, e de 12 de julho de 2011, a Hitachi e o./Comissão, T-112/07, Colet., p. II-3871, n.o 58).

63

Com efeito, nesta última situação, é necessário ter em conta o princípio da presunção de inocência, tal como resulta designadamente do artigo 6.o, n.o 2, da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH), assinada em Roma em 4 de novembro de 1950, e do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Tendo em conta a natureza das infrações em causa, bem como a natureza e grau de severidade das sanções que lhe estão ligadas, o princípio da presunção de inocência aplica‑se, nomeadamente, aos processos relativos a violações das regras de concorrência aplicáveis às empresas suscetíveis de conduzir à aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias (acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de julho de 1999, Hüls/Comissão, C-199/92 P, Colet., p. I-4287, n.os 149 e 150, e Montecatini/Comissão, C-235/92 P, Colet., p. I-4539, n.os 175 e 176; acórdão JFE, n.o 62, supra, n.o 178).

64

Embora seja necessário que a Comissão apresente provas precisas e concordantes para basear a firme convicção de que a infração foi cometida, há que realçar que cada uma das provas apresentadas pela Comissão não tem de corresponder necessariamente a estes testes em relação a cada elemento da infração. basta que o conjunto de indícios invocado pela instituição, apreciado globalmente, preencha este requisito que, tal como a jurisprudência relativa à aplicação do artigo 81.o CE (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C-238/99 P, C-244/99 P, C-245/99 P, C-247/99 P, C-250/99 P a C-252/99 P e C-254/99 P, Colet., p. I-8375, n.os 513 a 523). Este princípio é aplicável igualmente nos assuntos que dissessem respeito a aplicação do artigo 82.o CE (acórdão do Tribunal Geral de 1 de julho de 2010, AstraZeneca/Comissão, T-321/05, Colet., p. II-2805, a seguir «acórdão AstraZeneca», n.o 477).

65

Quanto à força probatória dos elementos de prova considerados pela Comissão, importa distinguir entre duas situações.

66

Por um lado, quando a Comissão declara uma infração às regras de concorrência, baseando‑se na suposição de que os factos apurados só podem ser explicados em função da existência de um comportamento anticoncorrencial, o juiz da União deve anular a decisão em causa quando as empresas implicadas apresentarem uma argumentação que dê uma explicação diferente dos factos provados pela Comissão e que permite assim substituir a explicação acolhida pela Comissão para concluir pela existência de uma infração por outra explicação plausível dos factos. Com efeito, nesse caso, não se pode considerar que a Comissão fez prova da existência de uma infração ao direito da concorrência (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 28 de março de 1984, Compagnie royale asturienne des mines e Rheinzink/Comissão, 29/83 e 30/83, Recueil, p. 1679, n.o 16, e de 31 de março de 1993, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão, C-89/85, C-104/85, C-114/85, C-116/85, C-117/85 e C-125/85 a C-129/85, Recueil, p. I-1307, n.os 126 e 127).

67

Por outro lado, quando a Comissão se baseia em elementos de prova que, em princípio, são suficientes para demonstrar a existência da infração, não basta à empresa em causa evocar a possibilidade de que tenha ocorrido uma circunstância que possa afetar o valor probatório destes elementos de prova para que a Comissão suporte o ónus de provar que esta circunstância não pôde afetar o valor probatório destes. Pelo contrário, salvo nos casos em que essa prova não possa ser fornecida pela empresa em causa devido ao comportamento da própria Comissão, cabe à empresa em causa provar de forma bastante, por um lado, a existência da circunstância que invoca e, por outro, que esta circunstância põe em causa o valor probatório dos elementos de prova nos quais a Comissão se baseia (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 15 de dezembro de 2010, E.ON Energie/Comissão, T-141/08, Colet., p. II-5761, n.o 56, e jurisprudência referida).

68

É à luz das considerações que precedem que há que examinar se a Comissão provou suficientemente as circunstâncias mencionadas na decisão recorrida tendo em conta os fundamentos da recorrente.

2. Quanto à qualificação jurídica dos descontos e dos pagamentos concedidos em contrapartida de um abastecimento exclusivo

69

No considerando 924 da decisão impugnada, a Comissão observou que o montante dos descontos concedidos à Dell, HP, NEC e Lenovo estava, de facto, ligado à condição de essas empresas se abastecerem na Intel para a totalidade ou a quase‑totalidade das suas necessidades em CPU x86, pelo menos num segmento determinado, e que, por conseguinte, a liberdade de escolha destas empresas era restrita. No que respeita aos pagamentos concedidos a MSH, a Comissão constatou, no mesmo considerando, que estes pagamentos estavam sujeitos à condição de a MSH vender apenas computadores contendo CPU x86 da Intel e que portanto limitaram a liberdade de escolha da MSH. A Comissão referiu, no considerando 925 da decisão impugnada, que, na falta de uma justificação objetiva, esta constatação era suficientes para demonstrar uma infração ao artigo 82.o CE.

70

A recorrente contesta a qualificação jurídica dos pagamentos concedidos, tal como é feita pela Comissão. Em substância, alega que a Comissão estava obrigada a proceder a uma apreciação do contexto factual global a fim de determinar se os descontos e os pagamentos imputados eram suscetíveis de restringir o jogo da concorrência. Antes de concluir que uma concessão de descontos é contrária ao artigo 82.o CE, a Comissão deve demonstrar que esses descontos têm efetivamente a capacidade de afastar concorrentes do mercado, em detrimento dos consumidores. Quando o comportamento seja do passado, a Comissão deve provar que os acordos em causa conduziram efetivamente à eliminação de concorrentes.

71

A Comissão alega que os descontos em causa constituíam «descontos de fidelidade na aceção da jurisprudência Hoffmann‑La Roche», tal como a mesma resulta do acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão (85/76, Recueil, p. 461, a seguir «acórdão Hoffmann‑La Roche»). Entende que, para este tipo de prática, não é necessário demonstrar, caso a caso, os efeitos de eliminação dos concorrentes reais ou potenciais.

a) Quanto aos descontos concedidos aos OEM em contrapartida de um abastecimento exclusivo ou quase exclusivo

1) Quanto à qualificação jurídica

72

Segundo jurisprudência assente, o facto de uma empresa em posição dominante num mercado vincular compradores — ainda que a pedido destes —através de uma obrigação ou promessa de se abastecerem na totalidade ou numa parte considerável das suas necessidades exclusivamente junto da referida empresa constitui uma exploração abusiva de uma posição dominante na aceção do artigo 82.o CE, quer a obrigação em questão esteja estipulada sem mais, quer tenha a sua contrapartida na concessão de descontos (acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 71, supra, n.o 89, e acórdão do Tribunal Geral de 9 de setembro de 2010, Tomra Systems e o./Comissão, T-155/06, Colet., p. II-4361, a seguir «acórdão do Tribunal Geral Tomra», n.o 208).

73

A situação é idêntica quando a referida empresa, sem vincular os compradores através de uma obrigação formal, aplica, quer por força de acordos celebrados com os compradores quer unilateralmente, um regime de descontos de fidelidade, isto é, de abatimentos ligados à condição de o cliente — qualquer que seja, aliás, o montante das suas compras — se abastecer na totalidade ou numa parte importante das suas necessidades, junto da empresa em posição dominante (acórdão Hoffmann‑La Roche, já referidos no n.o 71, supra, n.o 89, e acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de abril de 2012, Tomra Systems e o./Comissão, C‑549/10 P, a seguir «acórdão do Tribunal de Justiça Tomra», n.o 70).

74

No que respeita, mais especificamente, à qualificação da concessão de descontos por uma empresa em posição dominante como abusiva, há que distinguir três categorias de descontos (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 9 de novembro de 1983, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, a seguir «acórdão Michelin I», n.os 71 a 73, e de 15 de março de 2007, British Airways/Comissão, C-95/04 P, Colet., p. I-2331, a seguir «acórdão British Airways», n.os 62, 63, 65, 67 e 68).

75

Em primeiro lugar, os regimes de descontos (a seguir «descontos de quantidade»), ligados exclusivamente ao volume das compras efetuadas numa empresa em posição dominante, são geralmente considerados como não produzindo um efeito de preclusão proibido pelo artigo 82.o CE. Se o aumento da quantidade fornecida se traduzir num custo inferior para o fornecedor, este tem com efeito o direito de repercutir essa redução no seu cliente através de uma tarifa mais favorável. É, portanto, suposto os descontos de quantidade refletirem ganhos de eficiência e economias de escala realizados pela empresa em posição dominante (v. acórdão do Tribunal Geral de 30 de setembro de 2003, Michelin/Comissão, T-203/01, Colet., p. II-4071, a seguir «acórdão Michelin II», n.o 58 e jurisprudência referida).

76

Em segundo lugar, existem descontos cuja concessão depende da condição de que o cliente se abasteça, relativamente à totalidade ou a uma parte importante das suas necessidades, junto da empresa em posição dominante. Este tipo de descontos, ao qual a Comissão se refere na expressão «descontos de fidelidade no sentido da jurisprudência Hoffmann‑La Roche», será designado seguidamente «descontos de exclusividade». Há que sublinhar que esta expressão será igualmente utilizada para descontos que não estão ligadas a uma condição de fornecimento a 100%, mas à condição de que o cliente se abasteça, para uma parte importante das suas necessidades, junto da empresa em posição dominante.

77

Esses descontos de exclusividade, concedidos por uma empresa em posição dominante, são incompatíveis com o objetivo de uma concorrência não falseada no mercado comum, porque não assentam — salvo circunstâncias excecionais — numa prestação económica que justifique esse benefício financeiro, mas destinam‑se a retirar ao comprador ou limitar‑lhe a possibilidade de escolha no que respeita às suas fontes de abastecimento e a impedir a entrada no mercado aos outros produtores (v., neste sentido, acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 71, supra, n.o 90, e acórdão do Tribunal Geral Tomra, referido no n.o 72, supra, n.o 209). Com efeito, esses descontos se destinam‑se a impedir, através da concessão de uma vantagem financeira, o abastecimento dos clientes nos produtores concorrentes (acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 71, supra, n.o 90, e acórdão do Tribunal Geral no n.o 72, supra, n.o 210).

78

Em terceiro lugar, existem outros sistemas de descontos em que a concessão de um incitamento não está diretamente ligada a uma condição de um abastecimento exclusivo ou quase exclusivo junto da empresa em posição dominante, mas em que o mecanismo da concessão dos descontos pode também revestir um efeito fidelizador (a seguir «descontos incluídos na terceira categoria»). Esta categoria de descontos inclui, designadamente, sistemas de descontos dependentes da realização de objetivos de vendas individuais que não constituem descontos de exclusividade, uma vez que não contêm qualquer compromisso de exclusividade ou de cobertura de uma determinada quota das suas necessidades junto da empresa em posição dominante. Para examinar se a aplicação de tal desconto constitui um abuso de posição dominante, há que apreciar todas as circunstâncias, nomeadamente os testes e as modalidades da concessão de descontos, e examinar se esse desconto se destinam, através de uma vantagem que não assenta em qualquer prestação económica que a justifique, a retirar ao comprador ou a restringir‑lhe a possibilidade de escolha no que respeita às suas fontes de abastecimento, impedir o acesso ao mercado aos concorrentes ou a reforçar a posição dominante através de uma concorrência falseada (v., neste sentido, acórdãos Michelin I, já referido no n.o 74, supra, n.o 73; do Tribunal de Justiça British Airways, n.o 74, supra, n.os 65 e 67, e Tomra, referido no n.o 73, supra, n.o 71).

79

Os descontos concedidos à Dell, HP, NEC e Lenovo referidos pela Comissão, designadamente no artigo 1.o, alínea a) a d), da decisão impugnada, são descontos que entram na segunda categoria, a saber, descontos de exclusividade. Com efeito, segundo as conclusões da Comissão que constam da decisão recorrida, tratava‑se de descontos que estavam ligados à condição de que o cliente se tivesse abastecido junto da Intel, pelo menos num segmento determinado, para a totalidade das suas necessidades em CPU x86, no que dizia respeito à Dell e à Lenovo, ou seja, para uma parte importante das suas necessidades, neste caso, 95% para a HP e 80% para a NEC.

80

Há que salientar que, contrariamente ao que alega a recorrente, a qualificação de um desconto de exclusividade como abusivo não depende de uma análise das circunstâncias do caso que visa estabelecer um potencial efeito de exclusão.

81

Com efeito, resulta do acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 71, supra (n.os 89 e 90), que este tipo de descontos constitui um abuso de posição dominante se não existir uma justificação objetiva para a sua concessão. O Tribunal de Justiça não exigiu a demonstração de uma capacidade de restringir a concorrência consoante as circunstâncias do caso.

82

Além disso, resulta do acórdão Michelin I, já referido no n.o 74, e acórdão British Airways, já referido no n.o 74, que é necessário apreciar todas as circunstâncias do caso concreto apenas no caso de descontos pertencentes à terceira categoria. Com efeito, no n.o 71 do acórdão Michelin I, já referido no n.o 74, supra, o Tribunal de Justiça recordou a jurisprudência segundo a qual um desconto destinado a impedir, através da concessão de vantagens económicas, o abastecimento dos clientes nos produtores concorrentes, constituía um abuso na aceção do artigo 82.o CE. Em seguida, o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 72 desse acórdão, que o sistema de descontos em causa nesse processo não constituía um simples desconto de quantidade nem um sistema que comporte um compromisso de exclusividade ou de cobertura de uma determinada quota das necessidades junto da empresa em posição dominante. Por último, o Tribunal de Justiça referiu, no n.o 73 do mesmo acórdão, que havia «portanto» que apreciar todas as circunstâncias, nomeadamente os testes e as modalidades da concessão do desconto.

83

No acórdão do Tribunal de Justiça British Airways, n.o 74, supra, esta última, num primeiro momento, recordou, no n.o 62, que a jurisprudência decorrente do acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 71, supra, e, num segundo momento, salientou a diferença entre os factos na base deste último acórdão e os factos na origem do acórdão Michelin I, já referido no n.o 74, sublinhando, no n.o 65, que este acórdão dizia respeito a descontos que não incluíam, por parte dos clientes da empresa em posição dominante, nenhum compromisso de exclusividade ou de cobertura de uma determinada quota das suas necessidades junto desta empresa. Em seguida, referiu, no n.o 67, que resultava da jurisprudência que era necessário apreciar todas as circunstâncias a fim de determinar se uma empresa em posição dominante tinha abusado dessa posição ao aplicar um regime de descontos «como o descrito no n.o 65 do presente acórdão». Por último, no n.o 68, o Tribunal de Justiça salientou que a necessidade de verificar se podia resultar de descontos um efeito de exclusão respeitava a um sistema de descontos ou prémios «que não constitu[íam] nem descontos ou prémios de quantidade nem descontos ou prémios de fidelidade, na aceção do acórdão Hoffmann‑La Roche».

84

Daqui resulta que, segundo a jurisprudência, é unicamente no caso dos descontos incluídos na terceira categoria que é necessário apreciar todas as circunstâncias, e não no caso dos descontos de exclusividade pertencentes à segunda categoria.

85

Esta abordagem justifica‑se pelo facto de os descontos de exclusividade concedidos por uma empresa em posição dominante terem pela sua própria natureza capacidade para restringir a concorrência.

86

Com efeito, a capacidade de vincular os clientes à empresa em posição dominante é inerente aos descontos de exclusividade. o facto de uma empresa em posição dominante, de conceder um desconto em contrapartida de um abastecimento exclusivo ou sobre uma parte importante das necessidades do cliente implica que a empresa em posição dominante concede um benefício financeiro destinado a impedir o abastecimento dos clientes dos produtores concorrentes. não é, portanto, necessário examinar as circunstâncias do caso concreto para determinar se esse desconto destina‑se a impedir de os clientes se abastecerem junto dos concorrentes.

87

Além disso, há que sublinhar que os descontos de exclusividade concedidos por uma empresa em posição dominante dispõem pela sua própria natureza de capacidade para afastar concorrentes. Com efeito, um benefício financeiro concedido para incitar um cliente a abastecer‑se na totalidade ou numa parte importante das suas necessidades, junto da empresa em posição dominante, implica um incitamento, para esse cliente, a não se abastecer, relativamente à parte do seu pedido que é afetada pela condição de exclusividade, junto dos concorrentes da empresa em posição dominante.

88

Neste quadro, há que salientar que um efeito de exclusão não se produz unicamente quando o acesso ao mercado é impossibilitado para os concorrentes, mas também quando esse acesso é dificultado (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça Michelin I, já referido no n.o 74, supra, n.o 85; de 17 de fevereiro de 2011, TeliaSonera Sverige, C-52/09, Colet., p. I-527, a seguir «acórdão TeliaSonera», n.o 63, e acórdão Michelin II, já referido no n.o 75, n.o 244). Um incitamento financeiro concedido por uma empresa em posição dominante com vista a incitar um cliente a não se abastecer, relativamente à parte do seu pedido que é afetada pela condição de exclusividade junto dos seus concorrentes é pela sua própria natureza capaz de dificultar o acesso ao mercado a esses concorrentes.

89

Apesar de as condições de exclusividade poderem, em princípio, apresentar efeitos benéficos para a concorrência, pelo que em situação normal de mercado concorrencial importa apreciar os respetivos efeitos no mercado no seu contexto específico (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de fevereiro de 1991, Delimitis, C-234/89, Colet., p. I-935, n.os 14 a 27), essas considerações não podem ser admitidas no caso de um mercado onde, devido precisamente à posição dominante detida por um dos operadores, a concorrência já está limitada (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de abril de 1995, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, C-310/93 P, Colet., p. I-865, a seguir «acórdão do Tribunal de Justiça, BPB Industries e British Gypsum», n.o 11, e conclusões do advogado‑geral P. Léger relativas a esse acórdão, Colet., p. I‑867, n.os 42 a 45).

90

Esta solução justifica‑se pela responsabilidade especial que incumbe à empresa em posição dominante de não prejudicar uma concorrência efetiva e não falseada no mercado comum e pelo facto de, quando um operador detém uma forte posição no mercado, condições de fornecimento exclusivo relativas a uma proporção significativa das aquisições de um cliente constituem uma restrição inaceitável ao acesso ao mercado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 1 de abril de 1993, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, T-65/89, Colet., p. II-389, a seguir «acórdão do Tribunal Geral BPB Industries e British Gypsum», n.os 65 a 68). Com efeito, nesse caso, a exclusividade de abastecimento tem por efeito um prejuízo suplementar à estrutura concorrencial do mercado. Assim, o conceito de exploração abusiva equivale em princípio a qualquer compromisso de abastecimento exclusivo em proveito de uma empresa em posição dominante (v., neste sentido, acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 71, supra, n.os 120, 121 e 123, acórdão BPB Industries e British Gypsum no n.o 89, supra, n.o 11, e conclusões do advogado‑geral P. Léger relativas a esse acórdão, já referido no n.o 89, supra, n.os 46 e 47).

91

Por outro lado, há também que salientar que é inerente a uma posição dominante forte, como a ocupada pela recorrente, que, quanto a uma boa parte da procura, não exista substituto adequado para o produto fornecido pela empresa que detém a posição dominante. O fornecedor em posição dominante é, pois, em larga medida, um parceiro comercial incontornável (v., neste sentido, acórdãos Hoffmann‑La Roche, n.o 71, supra, n.o 41; do Tribunal de Justiça British Airways, referido no n.o 74, supra, n.o 75, e acórdão do Tribunal Geral no n.o 72, supra, n.o 269). No caso em apreço, a recorrente não contesta as constatações efetuadas na decisão recorrida segundo as quais a sua posição no mercado durante o período da infração declarada no presente processo era a de um parceiro comercial incontornável.

92

Resulta da posição de parceiro comercial incontornável que os clientes se abastecerão de qualquer forma para determinada parte das suas necessidades, junto da empresa em posição dominante (a seguir «parte não contestável»). O concorrente de uma empresa em posição dominante não está, portanto, em condições de competir quanto ao abastecimento total de um cliente, mas apenas acanto à quota‑parte do pedido que excede a parte não contestável (a seguir «parte contestável»). A parte contestável é, assim, a parte das necessidades de um cliente que pode, de forma realista, ser transferida para um concorrente da empresa em posição dominante num período de referência, como refere a Comissão no considerando 1009 da Decisão impugnada. A concessão de descontos de exclusividade por uma empresa em posição dominante torna mais difícil a um concorrente o fornecimento dos seus próprios produtos aos clientes desta. Com efeito, se um cliente da empresa em posição dominante se abastecer junto de um concorrente não respeitando a condição de exclusividade ou de quase‑exclusividade, corre o risco de perder não só os descontos quanto às unidades que transferiu para esse concorrente mas a totalidade do desconto de exclusividade.

93

Para apresentar uma proposta atrativa, não é, portanto, suficiente para o concorrente de uma empresa em posição dominante oferecer condições atrativas para as unidades que pode ele próprio fornecer ao cliente, mas deve igualmente oferecer a este cliente uma compensação pela perda do desconto de exclusividade. A fim de apresentar uma proposta atrativa, o concorrente deve, portanto, repartir o desconto que a empresa em posição dominante concede para a totalidade ou a quase‑totalidade das necessidades do cliente, incluindo a parte não contestável, sobre a parte contestável. Assim, a concessão de um desconto de exclusividade por um parceiro comercial incontornável torna estruturalmente mais difícil a possibilidade de um concorrente de apresentar uma proposta a um preço atrativo e, portanto, de aceder ao mercado. A concessão de descontos de exclusividade permite a uma empresa em posição dominante utilizar o seu poder económico sobre a parte não contestável da procura do cliente como alavanca para garantir igualmente a parte contestável, tornando assim o acesso ao mercado mais difícil para um concorrente.

94

Por último, há que observar que continua a ser permitido à empresa dominante justificar a utilização de um sistema de descontos de exclusividade, em especial demonstrando que o seu comportamento é objetivamente necessário ou que o efeito de preclusão potencial que este comporta pode ser compensado ou mesmo superado por ganhos de eficácia suscetíveis de beneficiar também o consumidor (v., neste sentido, acórdãos Hoffmann‑La Roche, n.o 71, supra, n.o 90; do Tribunal de Justiça British Airways, n.o 74, supra, n.os 85 e 86, e do Tribunal de Justiça de 27 de março de 2012, a Post Danmark, C‑209/10, a seguir «acórdão Post Danmark», n.os 40 e 41, e jurisprudência referida). Ora, no caso em apreço, a recorrente não apresenta nenhum argumento a este respeito.

2) Quanto aos argumentos da recorrente

2.1) Quanto aos argumentos segundo os quais a Comissão é obrigada a efetuar uma análise das circunstâncias do caso em apreço a fim de determinar pelo menos um potencial efeito de exclusão

95

A recorrente alega que a Comissão é obrigada a fazer uma análise das circunstâncias do caso em apreço a fim de determinar, pelo menos, um potencial efeito de exclusão.

96

Em primeiro lugar, a recorrente baseia‑se no n.o 73 do acórdão Michelin I, já referido no n.o 74, e no n.o 67 do acórdão do Tribunal de Justiça British Airways, n.o 74, supra. Estes números dizem respeito no entanto a descontos incluídos na terceira categoria e, portanto, não são pertinentes no que diz respeito aos descontos de exclusividade.

97

A este respeito, há que rejeitar o argumento da recorrente, apresentado na audiência, segundo o qual o Tribunal abandonou a distinção entre os descontos de exclusividade e os descontos incluídos na terceira categoria no acórdão do Tribunal de Justiça Tomra, n.o 73, supra. É certo que, no n.o 70 deste acórdão, o Tribunal de Justiça, num primeiro momento, recordou a fórmula referida no n.o 73, supra, segundo a qual a aplicação de um regime de descontos de fidelidade, por uma empresa em posição dominante, constituía um abuso, e mais tarde, acrescentou, no n.o 71, que, «[nessa] matéria, dev[ia] apreciar todas as circunstâncias […]». Todavia, como a Comissão salientou com razão, resulta do contexto do acórdão que, ao fazê‑lo, o Tribunal de Justiça não alargou o âmbito de aplicação da análise das circunstâncias do caso em apreço aos descontos de exclusividade. Com efeito, as considerações que figuram nos n.os 70 e 71 desse acórdão, nas quais o Tribunal de Justiça recordou a jurisprudência encontram‑se na análise do terceiro fundamento, que não dizia respeito a um sistema de descontos de exclusividade mas a um sistema de descontos pertencentes à terceira categoria, a saber, um sistema de descontos retroativos (acórdão do Tribunal de Justiça, Tomra, referido no n.o 73, supra, n.os 73, 74.°, 77 e 78, e conclusões do advogado‑geral J. Mazák no processo que deu origem a esse acórdão, n.o 27).

98

Em segundo lugar, a recorrente invoca os acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de outubro de 2010, Deutsche Telekom/Comissão, C‑280/08 P (Colet., p. I‑9555, a seguir «acórdão do Tribunal de Justiça Deutsche Telekom», n.o 175), TeliaSonera, n.o 88, supra (n.o 28), e Post Danmark, n.o 94, supra (n.o 26). Nestes acórdãos, o Tribunal de Justiça declarou que, «para determinar se a empresa que ocupa uma posição dominante [tinha] explorado de forma abusiva essa posição ao aplicar as suas práticas tarifárias, [havia] que apreciar todas as circunstâncias […]».

99

Contudo, o alcance desta jurisprudência é limitado a práticas tarifárias e não afeta a qualificação jurídica dos descontos de exclusividade. Com efeito, o acórdão do Tribunal de Justiça Deutsche Telekom, n.o 98, supra, e o acórdão TeliaSonera, referido no n.o 88, diziam respeito a práticas relativas à compressão das margens e o acórdão Post Danmark, n.o 94, supra, dizia respeito a práticas relativas a preços baixos, pelo que estes três casos tinham por objeto práticas tarifárias. Ora, o presente processo não diz respeito a uma prática tarifária. No que respeita aos descontos concedidos às diferentes OEM, a crítica feita à recorrente na decisão impugnada não se baseia o montante exato dos descontos e, portanto, nos preços aplicados pela recorrente, mas no facto de que a sua concessão está sujeita à condição de um abastecimento exclusivo ou quase exclusivo. Um tratamento diferente dos descontos de exclusividade e das práticas tarifárias justifica‑se pelo facto de que, ao contrário de um incitamento a um abastecimento exclusivo, o nível de um preço não pode ser considerado ilícito em si mesmo.

100

A este respeito, há que rejeitar também o argumento da recorrente, apresentado na audiência, segundo o qual o acórdão Post Danmark, n.o 94, supra, trata de descontos de fidelidade comparáveis aos do caso presente. Com efeito, nesse processo, no Tribunal de Justiça, estava em causa a prática da Post Danmark a respeito dos antigos clientes do seu concorrente principal que consistia num tarifário diferente do aplicado à sua clientela existente, sem que a Post Danmark tivesse podido justificar estas diferenças significativas nas suas condições tarifárias e de descontos com base em considerações relativas aos seus custos, visto a referida prática ter sido qualificada pela autoridade dinamarquesa de concorrência de «discriminação principal pelos preços» (acórdão Post Danmark, n.o 94, supra, n.o 8). Ora, esta apresentação das práticas anticoncorrenciais não contém nenhuma referência a um sistema de descontos de exclusividade. Pelo contrário, o processo que originou o reenvio prejudicial dizia respeito unicamente à existência de um abuso em razão de preços baixos e seletivos (acórdão Post Danmark, n.o 94, supra, n.os 15 a 17). Assim, em resposta à questão prejudicial que lhe foi submetida, o Tribunal de Justiça só se pronunciou sobre a questão de saber em que condições é que uma política de preços baixos devia ser considerada constitutiva de uma prática de exclusão abusiva contrária ao artigo 82.o CE (acórdão Post Danmark, n.o 94, supra, n.o 19).

101

Por conseguinte, há que rejeitar esta argumentação da recorrente.

2.2) Quanto ao argumento segundo o qual a Comissão é obrigada a demonstrar os efeitos de exclusão concretos

102

A recorrente alega que, quando o comportamento em causa é um comportamento passado, a Comissão é obrigada a demonstrar efeitos de exclusão concretos. Foi erradamente que a Comissão não tomou em consideração a inexistência de efeitos anticoncorrenciais concretos das suas práticas. Além disso, a recorrente alega que a Comissão deve demonstrar um nexo de causalidade entre as práticas em causa e os efeitos no mercado.

103

Antes de mais, há que observar que, mesmo no quadro de uma análise das circunstâncias do caso em apreço, a Comissão tem apenas de demonstrar a capacidade de uma prática para restringir a concorrência (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça Tomra, referido no n.o 73, supra, n.o 68, e acórdão TeliaSonera, n.o 88, supra, n.o 64). O mecanismo de um desconto de exclusividade concedida por uma empresa em posição dominante que é um parceiro comercial incontornável permite‑lhe utilizar a parte não contestável da procura do cliente como alavanca para garantir igualmente a parte contestável (v. n.o 93, supra). Perante tal instrumento comercial, não é necessário proceder a uma análise dos efeitos concretos dos descontos na concorrência (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça Tomra, referido no n.o 73, supra, n.o 79).

104

Seguidamente, uma vez que não é necessário demonstrar os efeitos concretos dos descontos, daí resulta necessariamente que a Comissão também não é obrigada a demonstrar um nexo de causalidade entre as práticas imputadas e os efeitos concretos no mercado. Assim, a circunstância alegada pela recorrente, segundo a qual os clientes se abasteceram exclusivamente junto dela por razões comerciais perfeitamente independentes dos descontos, admitindo que está demonstrada, não se opõe a que estes descontos tenham sido suscetíveis de incitar os clientes a um abastecimento exclusivo.

105

Por último, há que sublinhar que, por maioria de razão, a Comissão não é obrigada a demonstrar nem um prejuízo imediato para os consumidores nem um nexo de causalidade entre esse prejuízo e as práticas em causa na decisão impugnada. Com efeito, resulta da jurisprudência, que o artigo 82.o CE não visa apenas as práticas suscetíveis de causar um prejuízo imediato aos consumidores mas também aquelas que lhes causam prejuízo por impedirem uma estrutura de concorrência efetiva (acórdão do Tribunal de Justiça British Airways no n.o 74, supra, n.o 106).

2.3) Quanto ao argumento relativo à falta de obrigações formais

106

A recorrente alega que os descontos em causa no presente processo não continham de obrigações de exclusividade formais ou condicionantes. Ora, decorre do acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 71, supra (n.o 89), que uma empresa em posição dominante abusa dessa posição se aplicar um sistema de descontos de exclusividade, mesmo «sem vincular os compradores através de uma obrigação formal». A este respeito, a Comissão sublinha acertadamente que o incitamento anticoncorrencial dos descontos de exclusividade não decorre da imposição de uma obrigação formal de se abastecer exclusivamente ou quase exclusivamente junto da empresa dominante, mas dos benefícios financeiros obtidos ou desvantagens financeiras evitados ao efetuar essas compras. Assim, basta que a empresa em posição dominante assinale, de maneira credível ao seu cliente que a atribuição de um benefício financeiro depende de um abastecimento exclusivo ou quase exclusivo.

2.4) Quanto ao argumento relativo à pertinência do montante do desconto

107

A recorrente afirma que a Comissão não teve em conta a amplitude dos descontos concedidos pela Intel aos OEM em contrapartida do abastecimento exclusivo ou quase exclusivo e que é ilógico condenar descontos de um montante muito reduzido (1 USD por exemplo) que AMD poderia ultrapassar.

108

Ora, como salienta acertadamente a Comissão, não é o nível dos descontos que está em causa na decisão impugnada, mas a exclusividade em contrapartida da qual foram concedidos. Assim, o desconto deve apenas poder incitar o cliente a um abastecimento exclusivo, independentemente da questão de saber se o fornecedor concorrente poderia ter oferecido uma compensação ao cliente pela perda do desconto em caso de mudança de fornecedor.

109

Não é, portanto, necessário examinar a questão de saber se, no exemplo puramente teórico de um desconto de um montante de apenas 1 USD tal como apresentado pela recorrente, esse desconto mínimo é suscetível de constituir um incitamento para o cliente de respeitar a condição de exclusividade. Com efeito, no caso em apreço, a Comissão demonstrou suficientemente que a recorrente tinha concedido descontos aos OEM que se elevavam a milhões de USD por ano. Além disso, a Comissão fez prova bastante de que os descontos eram concedidos, pelo menos em parte, em contrapartida de uma exclusividade (v. n.os 444 a 584, 673 a 798, 900 a 1017, 1145 a 1208 e 1381 a 1502 infra). Estes elementos são suficientes para que se possa concluir que os descontos de exclusividade em causa na decisão impugnada eram suscetíveis de incitar os OEM um abastecimento exclusivo.

2.5) Quanto ao argumento relativo à pertinência da duração

110

Segundo a recorrente, há que ter em conta a duração curta dos seus contratos de fornecimento, bem como do facto de alguns destes contratos poderem ser rescindidos no prazo de 30 dias.

111

Este argumento deve igualmente ser afastado. A este respeito, há que recordar que, em princípio, qualquer incitamento financeiro a um abastecimento exclusivo constitui uma violação suplementar à estrutura concorrencial de um mercado e deve, por conseguinte, ser considerada abusiva quando é posta em prática por uma empresa em posição dominante (v. n.o 90, supra).

112

Quanto ao argumento relativo à possibilidade de rescindir certos contratos num prazo curto, há que sublinhar que o direito de rescisão de um contrato não obsta, de modo nenhum, à sua aplicação efetiva, enquanto não tiver sido feito uso da faculdade de rescisão (acórdão do Tribunal Geral BPB Industries e British Gypsum, n.o 90, supra, n.o 73).

113

Por outro lado, há que observar que, no caso em apreço, em relação à totalidade dos OEM e para a MSH, a o período total de aplicação dos descontos de exclusividade não foi curto. Com efeito, esse período ia de cerca de um ano, no que dizia respeito à Lenovo, até mais de cinco anos, no que dizia respeito à MSH. Neste âmbito, importa salientar que o incitamento dos clientes a abastecerem‑se na totalidade ou quase‑totalidade das suas necessidades junto da empresa em posição dominante subsiste enquanto esta última conceder descontos de exclusividade, independentemente da questão de saber se um contrato de longa duração foi celebrado ou se vários contratos de duração mais curta se sucedem (v., igualmente, n.o 195, infra).

2.6) Quanto ao argumento relativo à parte diminuta do mercado afetada pelo comportamento imputado

114

A recorrente alega que a Comissão deveria ter tido em conta o facto de as práticas postas em causa na decisão impugnada dizerem respeito apenas a uma pequena parte do mercado dos CPU x86, a saber, entre 0,3 e 2% por ano.

115

Importa referir liminarmente que, pelas razões que serão expostas nos n.os 187 a 194 a seguir, este argumento não existe, de facto, uma vez que o método de cálculo utilizado pela recorrente para chegar a estes números reveste um caráter errado.

116

Além disso, o caráter eventualmente diminuto das quotas de mercado afetado pelas práticas em causa não pode constituir um argumento pertinente. Com efeito, tratando‑se de comportamentos de uma empresa em posição dominante no mercado em que, por essa razão, a estrutura concorrencial já está enfraquecida, qualquer restrição suplementar dessa estrutura concorrencial é suscetível de constituir uma exploração abusiva de posição dominante (acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 71, supra, n.o 123). Assim, o Tribunal de Justiça rejeitou a aplicação de um teste de «sensibilidade» ou de um limiar de minimis para efeitos da aplicação do artigo 82.o CE (conclusões do advogado‑geral J. Mazák no acórdão do Tribunal de Justiça Tomra, n.o 97, supra, n.o 17).

117

Além disso, os clientes que se encontram na parte bloqueada do mercado deviam ter a possibilidade de aproveitar todo o grau possível de concorrência no mercado, e os concorrentes deveriam poder concorrer, pelo seu mérito, em todo o mercado, e não apenas numa parte dele (acórdão do Tribunal de Justiça Tomra, referido no n.o 73, supra, n.os 42 e 46). Uma empresa dominante não pode, portanto, justificar a concessão de descontos de exclusivos a certos clientes pela circunstância de os concorrentes são livres de abastecer os outros clientes.

118

Daqui resulta que há que julgar improcedente a argumentação da recorrente.

119

Esta conclusão não é posta em causa pela circunstância de que, no acórdão do Tribunal de Justiça Tomra, n.o 73, supra (n.os 41 a 45), esta última corroborou a consideração do Tribunal Geral de que a parte do mercado que tinha sido bloqueada nesse processo era «significativa». Com efeito, esta consideração não confirma a tese segundo a qual não pode haver um efeito de exclusão quando a parte bloqueada do mercado não é significativa. A este respeito, há que salientar que resulta do acórdão do Tribunal Geral Tomra, n.o 72, supra (n.o 243), que o Tribunal Geral considerou que, «mesmo admitindo a tese das recorrentes de que [o bloqueio] de uma pequena porção da procura não teria importância, esta porção estava longe de ser pequena no caso vertente». Por conseguinte, o Tribunal Geral não tomou posição sobre a questão de saber se esta tese era correta.

120

Bastava ao Tribunal de Justiça corroborar a conclusão do Tribunal Geral segundo a qual, nesse processo, uma parte significativa do mercado tinha sido bloqueada, sem que essa circunstância deva ser entendida no sentido de que o Tribunal de Justiça considerou que o bloqueio de uma parte significativa do mercado constituía uma condição necessária à constatação de um abus. Além disso, o Tribunal de Justiça declarou expressamente, no seu acórdão Tomra, n.o 73, supra (n.o 46) que a determinação de um limiar preciso de bloqueio do mercado para lá do qual as práticas em causa deviam ser consideradas abusivas não era necessária para a aplicação do artigo 82.o CE e que, «de qualquer modo», tinha sido feita prova bastante de que o mercado tinha sido fechado à concorrência pelas práticas em causa.

121

Esta conclusão também não é posta em causa pelo acórdão do Tribunal Geral de 23 de outubro de 2003, Van den Bergh Foods/Comissão (T-65/98, Colet., p. II-4653, n.o 160), que é invocado pela recorrente e pela ACT. Com efeito, este acórdão não dizia respeito a uma prática pela qual um incitamento estava diretamente ligado à condição de que o cliente se abasteça, para a totalidade ou uma parte importante das suas necessidades, junto da empresa em posição dominante. Nesse processo, a empresa em posição dominante tinha posto à disposição de retalhistas irlandeses de gelados congeladores, a título gratuito, desde estes fossem utilizados unicamente para armazenar os gelados fornecidos pela empresa em posição dominante. Os retalhistas continuavam no entanto a ter liberdade para vender os gelados fornecidos por concorrentes, se os armazenassem nos seus próprios congeladores ou em congeladores disponibilizados por outros fabricantes de gelados.

122

Foi nestas circunstâncias que a Comissão considerou que constituía um abuso de posição dominante o facto de a empresa em posição dominante ter incitado os retalhistas irlandeses que não dispusessem do seu próprio congelador nem de congelador(es) provenientes de outros fabricantes de gelados que viessem a ser partes em acordos de fornecimento de congeladores sujeitos a uma condição de exclusividade, propondo‑lhes o fornecimento dos congeladores para o armazenamento de gelados em embalagem individual destinados ao consumo imediato e a assegurar a respetiva manutenção, sem que isso lhes ocasionasse quaisquer despesas diretas (acórdão Van den Bergh Foods/Comissão, n.o 121, supra, n.o 23). A Comissão também tinha declarado nesse processo, que em cerca de 40% da totalidade dos pontos de venda na Irlanda, o único ou os únicos congeladores destinados ao armazenamento de gelados para consumo imediato instalados no ponto de venda tinham sido fornecidos pela empresa em posição dominante (acórdão Van den Bergh Foods/Comissão, n.o 121, supra, n.o 19).

123

Foi nestas circunstâncias que o Tribunal Geral declarou, no acórdão van den Bergh Foods/Comissão, n.o 121, supra (n.o 160), que «[o] facto de uma empresa em posição dominante num mercado vincular de facto — ainda que a pedido deles — 40% dos estabelecimentos do mercado de referência por uma cláusula de exclusividade, que opera na realidade como uma exclusividade imposta a esses estabelecimentos, constitu[ía] uma exploração abusiva de uma posição dominante».

124

Há que salientar que, nesse processo, só para esses 40% dos pontos de venda é que a condição ligada ao armazenamento dos unicamente produtos fornecidos pela empresa em posição dominante operava de facto como um requisito de exclusividade, uma vez que os outros pontos de venda dispunham de outros congeladores nos quais podiam armazenar gelados fornecidas por outros fabricantes. Por conseguinte, não se pode deduzir desse acórdão que, para descontos que estão diretamente ligados à condição de um abastecimento exclusivo ou quase exclusivo, é necessário proceder à determinação da parte do mercado que é bloqueada.

2.7) Quanto ao argumento relativo à falta de cobertura, pelas condições de exclusividade alegadas, de uma grande parte das necessidades de certos OEM

125

A recorrente sublinha que, no que respeita a certos OEM, a saber a HP, a NEC e a Lenovo, a condição de exclusividade a que se refere a Comissão na decisão impugnada não abrangia a integralidade do pedido destes OEM em CPU x86, mas no caso da HP, apenas uma quota‑parte de 95% das suas necessidades em CPU x86 destinados aos seus computadores de escritório, eles próprios destinados às empresas, no caso da NEC, apenas 80% das suas necessidades em CPU x86 destinados a PC «clientes», a saber, os computadores de escritório e os computadores portáteis, com exceção dos servidores, e, no caso da Lenovo, unicamente as suas necessidades em CPU x86 destinados aos computadores portáteis.

126

Na audiência, a recorrente acrescentou que as necessidades da HP em CPU x86 para os computadores de escritório destinados às empresas correspondiam apenas a 30% das necessidades totais HP em CPU x86. Tendo a condição alegada coberto apenas 95% das necessidades da HP em CPU x86 para os computadores de escritório destinados às empresas, a mesma afetou apenas aproximadamente 28% das necessidades totais da HP em CPU x86 e, por conseguinte, não pode ser considerada uma condição de exclusividade.

127

Através deste argumento, a recorrente alega, no essencial, que os descontos concedidos à HP, NEC e Lenovo não podem ser considerados descontos de exclusividade, pois a condição não dizia respeito «à totalidade ou a uma parte considerável», no sentido do acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 71, supra (n.o 89), das necessidades desses OEM em CPU x86.

128

Há que rejeitar esta argumentação.

129

Quanto aos descontos concedidos à HP, importa sublinhar que o comportamento em causa não está ligado à condição segundo a qual a HP devia adquirir, pelo menos, 28% das suas necessidades totais em CPU x86 à Intel, mas à condição segundo a qual a HP devia adquirir, num segmento determinado do mercado, 95% das suas necessidades totais em CPU x86 à Intel. A condição segundo a qual a HP, num determinado setor, abastecer 95% das suas necessidades na empresa em posição dominante não é idêntico nem comparável a uma condição hipotética segundo a qual a HP devia abastecer 28% das suas necessidades em todos os segmentos nessa empresa.

130

A liberdade de a HP de se abastecer junto da AMD para as suas necessidades em CPU x86 para computadores de escritório destinados às empresas era suscetível de ser limitada devido aos descontos de exclusivos concedidos pela Intel. Com efeito, embora a HP tinha decidido se abastecerem mais de 5% das suas necessidades em CPU x86 para computadores de escritório destinados às empresas junto de AMD e, consequentemente, de não respeitar a condição de quase exclusiva, teria a perder o desconto de exclusividade e não apenas para as unidades comprada de AMD. Assim, para poder fornecer mais de 5% dos CPU x86 para os computadores de escritório destinados às empresas de que a HP precisava, AMD deveria não só apresentar uma proposta mais atrativa para os CPU x86 na parte contestável da procura da HP, mas também oferecer uma compensação à HP para a perda do desconto de exclusividade. É precisamente este o mecanismo anticoncorrencial dos descontos de exclusividade.

131

Esse mecanismo não era neutralizado pelo facto de a AMD poder fornecer à HP no que respeita às suas necessidades em CPU x86 para todos os computadores destinados aos particulares, bem como para os computadores portáteis destinados às empresas. Com efeito, a circunstância de a liberdade de escolha da HP não estar limitada nesses segmentos do mercado não põe em causa o facto de a liberdade de escolha da HP ser suscetível de ser limitada no segmento dos computadores de escritório destinados às empresas.

132

Neste quadro, importa recordar que os concorrentes da empresa em posição dominante devem poder praticar livremente uma concorrência pelo mérito, em todo o mercado e não apenas numa parte dele (acórdão do Tribunal de Justiça Tomra, referido no n.o 73, supra, n.o 42). Uma empresa em posição dominante não pode, portanto, justificar a concessão de descontos de exclusivos a certos clientes pela circunstância de que os seus concorrentes podem fornecer livremente os outros clientes (v. n.o 117, supra). Do mesmo modo, uma empresa em posição dominante não pode justificar a concessão de descontos sob condição de um abastecimento quase exclusivo por um cliente num segmento determinado de um mercado pela circunstância de esse cliente se abastecer livremente junto dos concorrentes para as suas necessidades nos outros segmentos.

133

Neste contexto, é desprovida de pertinência a circunstância, invocada pela ACT na audiência, segundo a qual, no âmbito da definição do mercado de produtos em causa, a Comissão não distinguiu entre os CPU utilizados nos computadores destinados aos profissionais e os destinados aos particulares, como resulta do considerando 831, n.o 2, da decisão impugnada. Com efeito, o mecanismo anticoncorrencial dos descontos de exclusividade aplicados no caso em apreço funciona independentemente da questão de saber se os CPU utilizados nos computadores destinados aos profissionais e os destinados aos particulares são permutáveis ou não. No caso em apreço, a condição foi formulada relativamente às necessidades da HP para os seus computadores de escritório destinados às empresas. A HP teve, assim, de utilizar CPU da Intel (a seguir «CPU Intel») em 95% dos computadores de escritório destinados às empresas que contendo CPU x86 por ela produzidos. A questão de saber se esses CPU são diferentes dos CPU x86 utilizados para os computadores destinados aos particulares não é pertinente neste contexto, uma vez que, embora fossem permutáveis, a HP não teria podido utilizar CPU dos concorrentes em mais de 5% das suas computadores de escritório destinados às empresas sem violar a condição do desconto de exclusividade.

134

Daqui resulta que os descontos concedidos à HP devem ser considerados descontos de exclusividade, mesmo que a condição de quase exclusividade dissesse apenas respeito a um segmento das necessidades da HP.

135

Quanto aos descontos concedidos à NEC, importa salientar que a percentagem de 80% coberta pela condição de exclusividade é suficiente para constituir uma «parte considerável» das suas necessidades no sentido do acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 71, supra (n.o 89). Neste âmbito, há que realçar que, neste acórdão, os comportamentos em causa incluíam obrigações de compra que eram relativas, nomeadamente, a 80% ou 75% das necessidades de um cliente (acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 71, supra, n.o 83).

136

Quanto à circunstância segundo a qual a condição de exclusividade em causa apenas respeitava aos computadores de escritório e aos computadores portáteis, com exceção dos servidores, é irrelevante. A este respeito, as considerações feitas nos n.os 130 a 132, supra, aplicam‑se mutatis mutandis.

137

Por último, quanto aos descontos concedidos à Lenovo, a circunstância segundo a qual a condição de exclusividade em causa apenas respeitava aos computadores portáteis é, pelas mesmas razões, irrelevante.

2.8) Quanto ao argumento relativo ao poder de compra dos clientes

138

A recorrente afirma que o poder de compra dos clientes exclui o abuso. No caso em apreço, os clientes utilizaram o seu poder de compra como alavanca para obter descontos mais elevados.

139

Há que rejeitar este argumento. Com efeito, a circunstância, admitindo‑a provada, de que os descontos concedidos pela recorrente constituíam uma resposta aos pedidos e ao poder de compra dos clientes não justifica sujeitá‑los à condição de um abastecimento exclusivo (v., neste sentido, acórdãos Hoffmann‑La Roche, n.o 71, supra, n.o 89; do Tribunal Geral BPB Industries e British Gypsum, n.o 90, supra, n.o 68, e de 25 de junho de 2010, Imperial Chemical Industries/Comissão, T-66/01, Colet., p. II-2631, n.o 305). Como o Tribunal de Justiça salientou, no acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 71, supra (n.o 120), a circunstância de o cocontratante da empresa em posição dominante ser ele próprio uma empresa poderosa e de o contrato não ser manifestamente o resultado de uma pressão exercida pela empresa em posição dominante no seu parceiro não exclui a existência de uma exploração abusiva de posição dominante, porque essa exploração consiste na violação suplementar operada pela exclusividade de abastecimento na estrutura concorrencial de um mercado no qual, na sequência da presença de uma empresa em posição dominante, o grau de concorrência já está enfraquecido. Por outro lado, o poder de compra dos OEM em nada altera a circunstância de que estes dependiam da recorrente enquanto parceiro comercial incontornável no mercado dos CPU x86.

2.9) Quanto à argumentação relativa à pertinência do teste AEC

140

A recorrente sustenta que o teste AEC (v. n.o 30, supra) é um fator importante quando se trata de estabelecer o efeito potencial de exclusão dos descontos em causa. O teste AEC constitui o único elemento de prova que a Comissão apresentou na decisão recorrida para demonstrar que os descontos da Intel podiam exercer um efeito de exclusão anticoncorrencial. A Comissão contesta, todavia, que o teste AEC faça parte da análise jurídica da decisão impugnada. Daqui resulta, segundo a recorrente, que a apreciação jurídica efetuada pela Comissão na decisão impugnada não determinou a capacidade de eliminação dos descontos em causa. Além disso, segundo a recorrente, a Comissão cometeu vários erros na aplicação deste teste. Segundo afirma, a aplicação correta do teste AEC demonstra que os descontos concedidos pela Intel não tinham capacidade de exclusão.

141

Importa salientar, de modo preliminar, que o teste AEC efetuado na decisão impugnada toma como ponto de partida o facto, referido no n.o 93, supra, segundo o qual um concorrente igualmente eficaz, que procura obter a parte contestável das encomendas, até então satisfeitas por uma empresa dominante que é um parceiro comercial incontornável, deve oferecer uma compensação ao cliente para o desconto de exclusividade que perderia se comprasse uma quota mínima definida pela condição de exclusividade ou quase‑exclusividade. O teste AEC visa determinar se o concorrente tão eficiente quanto a empresa em posição dominante, que sofre os mesmos custos que esta, pode sempre cobrir os seus custos nesse caso.

142

Quanto à pertinência do teste AEC respeitante aos descontos de exclusividade, há que referir o seguinte.

143

Antes de mais, há que recordar que a declaração de ilegalidade de um desconto de exclusividade não carece de um exame das circunstâncias do caso concreto (v. n.os 80 a 93, supra). Assim, a Comissão não é obrigada a demonstrar a capacidade de eliminação dos descontos de exclusividade no caso a caso.

144

Seguidamente, resulta da jurisprudência que, mesmo no caso de descontos pertencentes à terceira categoria, para os quais é necessário um exame das circunstâncias do caso concreto, não é indispensável efetuar um teste AEC. Assim, no acórdão Michelin I, n.o 74, supra (n.os 81 a 86), o Tribunal de Justiça baseou‑se no mecanismo fidelizador dos descontos em causa, sem exigir a prova, por meio de um teste quantitativo, que os concorrentes tivessem sido obrigados a vender com prejuízo para poder compensar os descontos incluídos na terceira categoria concedidos pela empresa em posição dominante.

145

Além disso, resulta do acórdão do Tribunal de Justiça Tomra, n.o 73, supra (n.os 73 e 74), que, para concluir pela existência de efeitos anticoncorrenciais, não é necessário que um sistema de descontos force um concorrente igualmente eficaz a faturar preços «negativos», isto é, preços abaixo do preço de custo. Para demonstrar um efeito anticoncorrencial potencial, basta demonstrar a existência de um mecanismo de fidelização (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça Tomra, referido no n.o 73, supra, n.o 79).

146

Daqui se conclui que, mesmo admitindo que uma apreciação das circunstâncias do caso seja necessária a fim de demonstrar os efeitos anticoncorrenciais potenciais dos descontos de exclusividade, não é ainda assim, necessário demonstrar mesmo, através de um teste AEC.

147

Por outro lado, o argumento da recorrente segundo o qual o teste AEC é o único elemento de prova que a Comissão apresentou na decisão recorrida para demonstrar a capacidade de eliminação dos descontos em causa não tem suporte nos factos (v. n.os 173 a 175, infra).

148

Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual esta teria demonstrado através de um teste AEC efetuado de forma correta que os descontos em causa não tinham uma capacidade de exclusão dos concorrentes, há que referir o seguinte.

149

Antes de mais, há que recordar que um efeito de exclusão não se produz unicamente quando o acesso ao mercado é tornado impossível para os concorrentes. Com efeito, basta que esse acesso seja dificultado (v. n.o 88, supra).

150

Ora, há que assinalar que um teste AEC apenas permite verificar a hipótese de um acesso ao mercado tornado impossível e não de afastar a possibilidade de um acesso dificultado ao referido mercado. Na verdade, um resultado negativo implica que é economicamente impossível a um concorrente igualmente eficaz garantir a parte contestável da procura de um cliente. Com efeito, para oferecer ao cliente uma compensação pela perda do desconto de exclusividade, o referido concorrente seria obrigado a vender os seus produtos a um preço que não lhe permite mesmo cobrir os seus custos. Todavia, um resultado positivo apenas significa que um concorrente igualmente eficaz está em condições de cobrir os seus custos (no caso do teste AEC tal como é efetuado na decisão impugnada e proposto pela recorrente, unicamente os custos evitáveis médios). Esta circunstância não significa, contudo, que não existe qualquer efeito de exclusão. Com efeito, o mecanismo dos descontos de exclusividade, tal como foi descrito no n.o 93, supra, é suscetível de tornar mais difícil o acesso ao mercado dos concorrentes da empresa em posição dominante, mesmo que esse acesso não seja economicamente impossível (v., sobre essa distinção, n.o 54 das conclusões do advogado‑geral J. Mazák no processo que deu origem ao acórdão do Tribunal de Justiça Tomra, n.o 97, supra).

151

Resulta do que precede que não é necessário examinar se a Comissão efetuou o teste AEC segundo as regras da arte e que também não é necessário examinar a questão de saber se os cálculos alternativos propostos pela recorrente foram efetuados de forma correta. Com efeito, mesmo um resultado positivo de um teste AEC não é suscetível de excluir o potencial efeito de exclusão que é inerente ao mecanismo descrito no n.o 93, supra.

152

Esta conclusão não é posta em causa pelo acórdão TeliaSonera, referido no n.o 88, supra, pelo acórdão do Tribunal de Justiça Deutsche Telekom, n.o 98, supra, e pelo acórdão Post Danmark, n.o 94, supra. A recorrente considera que resulta destes acórdãos que o teste‑chave é saber se um concorrente tão eficiente como empresa em posição dominante pode continuar a competir. Cumpre todavia recordar que esses processos diziam respeito a práticas de margens pautais (TeliaSonera e a Deutsche Telekom) ou de preços baixos (a Post Danmark). A obrigação resultante desses acórdãos de efetuar análises dos preços e dos custos explica‑se pelo facto de ser impossível apreciar o caráter abusivo de um preço sem o comparar a outros preços e custos. Um preço não pode ser considerado ilícito em si. Em contrapartida, no caso de um desconto de exclusividade, é a condição de um abastecimento exclusivo ou quase exclusivo em que a sua concessão está sujeita e não o montante do desconto que fundamenta o seu caráter abusivo.

153

Por outro lado, resulta do acórdão do Tribunal de Justiça Tomra, n.o 73, supra (n.os 73, 74 e 80), que é posterior aos acórdãos referidos no número precedente, o que não é indispensável, examinar se um sistema de descontos obriga um concorrente igualmente eficaz a faturar a preços negativos, e isto mesmo em presença de descontos pertencentes à terceira categoria. Por maioria de razão, não é necessário fazê‑lo no que respeita aos descontos de exclusividade.

154

Esta conclusão também não é posta em causa pela comunicação da Comissão intitulada «Orientação sobre as prioridades da Comissão na aplicação do artigo 82.o [CE] a comportamentos de exclusão abusivos por parte de empresas em posição dominante» (JO 2009, C 45, p. 7, a seguir «orientações artigo 82.o»).

155

Segundo o n.o 2 das orientações artigo 82.o, «[o] presente documento apresenta as prioridades que irão orientar a ação da Comissão na aplicação do artigo 82.o [CE]». Como a Comissão salientou no considerando 916 da decisão impugnada, as orientações artigo 82.o com vista a determinar as prioridades na escolha dos casos nos quais a Comissão se concentrará no futuro, não são aplicáveis a um processo que a Comissão já tinha iniciado antes da sua publicação. A decisão de abertura do procedimento pela Comissão, uma vez que data de 26 de julho de 2007, esta última era, portanto, em todo o caso, obrigada a seguir as diretrizes artigo 82.o no caso em apreço.

156

A circunstância de a publicação das orientações artigo 82.o se ter verificado antes da adoção da decisão impugnada não significa que fossem aplicáveis. Com efeito, o facto de a Comissão fornecer indicações sobre as prioridades que guiarão a sua ação no futuro não pode obrigar a reconsiderar a questão de saber se se trata como prioritário um processo que ela já tinha decidido tratar como prioritário e cujo tratamento, além disso, se encontra numa fase adiantada.

157

Não é, portanto, necessário examinar a questão de saber se a decisão impugnada é conforme às orientações artigo 82.o

158

A simples circunstância que a Comissão referiu, no considerando 916 da decisão impugnada, de que considerava todavia que essa decisão era conforme com as orientações artigo 82.o não é suscetível de pôr em causa a falta de pertinência das orientações artigo 82.o para o presente processo. Com efeito, trata‑se claramente de uma consideração que a Comissão apresentou por acréscimo, após ter explicado que as orientações artigo 82.o não eram aplicáveis no caso em apreço.

159

Quanto à circunstância, invocada pelo recorrente, segundo a qual o membro da Comissão responsável pela concorrência, à data tinha indicado, num discurso de 17 de julho de 2009, que, no processo Intel, a Comissão tinha aplicado o teste AEC segundo a metodologia definida nas orientações artigo 82.o, há que observar que resulta claramente da decisão impugnada, que foi adotada pelo colégio de comissários, que a Comissão tinha considerado que as orientações artigo 82.o não eram aplicáveis e que o teste AEC não constituía um elemento necessário para demonstrar a ilegalidade das práticas em causa foi, portanto, a título exaustivo que a Comissão efetuou um teste AEC e salientou que a decisão impugnada era conforme às orientações artigo 82.o A circunstância de o membro da Comissão responsável pela concorrência num discurso proferido após a adoção da decisão recorrida no qual se afirmou que a Comissão tinha aplicado um teste AEC no processo Intel, sem precisar neste contexto que esse teste tinha sido efetuado a título exaustivo, não é suscetível de alterar a interpretação a dar à decisão impugnada.

160

Em resposta a uma pergunta feita na audiência, a recorrente indicou que o seu raciocínio relativo à pertinência do teste AEC, que desempenhou um papel importante no procedimento administrativo, devia ser entendido no sentido de que ela se baseava igualmente no princípio da confiança legítima.

161

A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, o direito de exigir a proteção da confiança legítima, que constitui um dos princípios fundamentais da União, é extensivo a qualquer particular que se encontre numa situação da qual resulte que a administração da União, ao fornecer‑lhe garantias precisas, lhe criou expectativas fundadas. Constituem tal tipo de garantias, independentemente da forma pela qual sejam comunicadas, informações precisas, incondicionais e concordantes que emanem de fontes autorizadas e fiáveis. Em contrapartida, ninguém pode invocar uma violação deste princípio na falta de garantias precisas fornecidas pela administração (v. acórdão do Tribunal Geral de 19 de março de 2003, Innova Privat‑Akademie/Comissão, T-273/01, Colet., p. II-1093, n.o 26 e jurisprudência aí referida).

162

No caso em apreço, a recorrente não demonstrou a existência de uma garantia precisa fornecida durante o procedimento administrativo segundo a qual o teste AEC é essencial para a Comissão para demonstrar a existência de uma infração ao artigo 82.o CE. Pelo contrário, como a Comissão corretamente salientou na audiência, resulta do ponto II 1, segundo parágrafo, do relatório final do auditor no presente processo (JO 2009, C 227, p. 7) que, «durante a audição, a Comissão deixou claro à Intel e a Intel compreendeu que a avaliação económica não constituía uma condição para determinar a existência de abuso».

163

Seguidamente, a recorrente precisou, na audiência, que tinha entendido corretamente as declarações do consultor‑auditor. Alegou que resulta, contudo, do n.o 340 da comunicação de acusações de 2007 que, na hipótese de a prova de uma capacidade de exclusão ser necessária, a Comissão se basearia unicamente no teste AEC a fim de provar essa capacidade.

164

Contudo, há que observar que a mera circunstância de a Comissão indicar, no n.o 340 da comunicação de acusações de 2007, que demonstraria que os descontos em causa tinham um efeito de exclusão, uma vez que impediram um concorrente igualmente eficaz de oferecer uma compensação à OEM pela perda do desconto potencial, não pode ser considerada uma garantia precisa de que a Comissão não se basearia em nenhum outro fundamento para demonstrar a capacidade de exclusão. Por outro lado, resulta dos n.os 260 e 329 da comunicação de acusações complementar de 2008 que, na sua análise, a Comissão não se baseou exclusivamente no teste AEC, mas também noutras provas qualitativas e quantitativas.

165

Assim, a Comissão não violou o princípio da confiança legítima através da abordagem que seguiu na decisão impugnada.

166

Resulta do que precede que os argumentos invocados pela recorrente não são suscetíveis de pôr em causa a conclusão de que não é necessário examinar se a Comissão efetuou o teste AEC segundo as regras da arte ou apreciar em detalhe os argumentos da recorrente relativos aos erros que a Comissão cometeu ao pô‑lo em prática, nem a conclusão segundo a qual também não é necessário examinar os cálculos alternativos propostos pela recorrente (v. n.o 151, supra).

b) Quanto aos pagamentos concedidos à MSH

167

A Comissão constata, no essencial, no considerando 1000 da decisão impugnada, que o efeito dos pagamentos concedidos à MSH na condição de esta vender exclusivamente produtos da recorrente era equivalente ao de um desconto de exclusividade e que esses pagamentos preenchiam pois os requisitos estabelecidos pela jurisprudência para os qualificar como abusivos.

168

Na audiência, a recorrente alegou, no essencial, que a Comissão tinha, erradamente, aplicado o mesmo teste para a qualificação jurídica dos descontos de exclusividade concedidos aos OEM e para a qualificação dos pagamentos concedidos à MSH. Alegou nomeadamente que, contrariamente às OEM, a MSH era um ator que estava presente no mercado de retalho. Para examinar se um produtor concorrente é excluído do acesso ao mercado retalhista, a jurisprudência exige uma análise dos efeitos cumulativos produzidos por uma rede de relações de exclusividade. Ora, durante o período em causa, a MSH deteve apenas uma parte muito reduzida do mercado mundial relevante, a saber, cerca de 1%.

169

Importa observar que o argumento da recorrente equivale a afirmar que a Comissão devia ter procedido a uma análise das circunstâncias do caso concreto no mercado retalhista para demonstrar a capacidade das práticas da recorrente perante a MSH para restringir a concorrência. Este argumento não pode, todavia, ser acolhido. Com efeito, como a Comissão corretamente observou na audiência, o mecanismo anticoncorrencial das práticas da recorrente face às OEM e face à MSH era o mesmo, sendo a única diferença o pagamento de exclusividade concedida à MSH não se destinava a impedir o abastecimento de um cliente direto da recorrente junto de um concorrente mas a venda de produtos concorrentes por um retalhista situado mais a jusante na cadeia de abastecimento. Com efeito, os OEM incorporam dos CPU nos computadores que são seguidamente vendidos aos consumidores por retalhistas como MSH. Ao incitar um retalhista a vender computadores exclusivamente equipados de CPU provenientes da Intel, a recorrente privava assim os OEM de um canal de distribuição para os computadores equipados de CPU das empresas concorrentes. Assim, ao privar a MSH da sua liberdade de escolha no que respeita s às suas vendas, restringiu a liberdade de escolha dos OEM relativa aos seus canais de distribuição. Dado que essa restrição era suscetível de ter repercussões no pedido dos OEM em CPU AMD, o facto de incitar a MSH a uma venda exclusiva tendia a tornar mais difícil o acesso de AMD ao mercado dos CPU x86. Nas duas situações, a recorrente utilizou o seu poder económico sobre a parte não contestável da procura como alavanca para se assegurar igualmente da parte contestável da procura, tornando assim o acesso ao mercado mais difícil para AMD (v. n.o 93, supra).

170

Embora seja verdade que, no âmbito do artigo 81.o CE, o Tribunal de Justiça decidiu que, numa situação normal do mercado concorrencial, importava apreciar as relações de exclusividade entre um fornecedor e um retalhista no seu contexto específico, o que implicava, em particular uma análise do efeito cumulativo de uma rede dessas relações, contudo, impõe‑se concluir que estas considerações não podem ser admitidas no âmbito da aplicação do artigo 82.o CE, que tem por objeto mercados onde, devido precisamente à posição dominante detida por um dos operadores, a concorrência já está restringida (v. n.o 89, supra).

171

Portanto, igualmente no que diz respeito aos pagamentos autorizados à MSH, a Comissão não era obrigada a examinar as circunstâncias do caso concreto, mas devia apenas demonstrar a concessão, pela recorrente, de um incitamento financeiro sujeito a uma condição de exclusividade.

c) Análise da capacidade dos descontos de restringir a concorrência segundo as circunstâncias do caso concreto

172

A título exaustivo, no que respeita à questão de saber se, na decisão impugnada, a Comissão demonstrou a capacidade de os descontos e dos pagamentos de exclusividade concedidos à Dell, HP, NEC, Lenovo e MSH restringir a concorrência igualmente na sequência de uma análise das circunstâncias do caso, há que referir o seguinte.

173

A título preliminar, há que observar que, no considerando 924 da decisão impugnada, a Comissão considerou que os descontos e os pagamentos de exclusividade concedidos à Dell, à HP, à NEC, à Lenovo e à MSH faziam parte de uma estratégia de conjunto a longo prazo destinado a afastar concorrentes do mercado. No considerando 925 da decisão impugnada, a Comissão referiu que tinha demonstrado nos n.os VII.4.2.3 a VII.4.2.6 da referida decisão, que, além de preencher as condições definidas pela jurisprudência, as práticas da Intel tinham condições para produzir ou eram suscetíveis de produzir um efeito de eliminação. Embora não indispensável para a demonstração de uma infração ao artigo 82.o CE, uma possibilidade de demonstrar que as práticas da Intel tinham condições para provocar ou eram suscetíveis de provocar a eliminação de concorrentes seria proceder a uma análise do concorrente igualmente eficaz (v. n.o VII.4.2.3 da decisão impugnada). Baseando‑se nos resultados desta análise e nas provas qualitativas e quantitativas (v. n.os VII.4.2.4 e VII.4.2.5 da decisão impugnada), bem como na falta de justificação objetiva e na ausência de ganhos de eficiência (v. n.o VII.4.2.6 da decisão impugnada), a Comissão concluiu, no considerando 925 da decisão impugnada, que os descontos concedidos pela Intel à Dell, à HP, à NEC e à Lenovo bem como os pagamentos da Intel à MSH constituíam uma prática abusiva que merecia uma atenção particular da Comissão.

174

Por outro lado, há que observar que outras partes da decisão impugnada, nomeadamente as relativas à apresentação dos produtos em causa e ao comportamento posto em causa na referida decisão, nos n.os V. e VI. da referida decisão, bem como as relativas à definição do mercado, nos n.os VII.1 e VII.2 da referida decisão, e a posição dominante da recorrente, no n.o VII.3 da decisão, como as partes relativas à qualificação jurídica dos pagamentos de exclusividade, no n.o VII.4.2.2 da referida decisão, devem ser consideradas o fundamento da conclusão da Comissão segundo a qual os pagamentos em causa tinham a capacidade de restringir a concorrência.

175

Contrariamente ao que afirma a recorrente, o teste AEC não constitui, portanto, o único elemento de prova apresentado na decisão impugnada para demonstrar a capacidade dos pagamentos de exclusividade de restringir a concorrência (v. n.o 147, supra).

176

No que respeita à apreciação da capacidade dos descontos e dos pagamentos de exclusividade postos em causa no presente processo de restringir a concorrência, há que notar que, no âmbito de uma análise das circunstâncias do caso, a Comissão deve examinar, nomeadamente à luz dos testes e das modalidades de concessão dos pagamentos de exclusividade, se os descontos e estes pagamentos se destinam, através de uma vantagem que não assenta em qualquer prestação económica que a justifique, a suprimir ou limitar ao comprador a possibilidade de escolha no que respeita às suas fontes de abastecimento, impedir o acesso ao mercado dos concorrentes ou a reforçar a posição dominante através de uma concorrência falseada (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça Tomra, referido no n.o 73, supra, n.o 71).

177

Há que precisar que, mesmo no quadro de uma análise das circunstâncias do caso, a Comissão não é obrigada a demonstrar a existência de um efeito concreto. A Comissão pode limitar‑se a confirmar a capacidade dos comportamentos em causa de restringir a concorrência (v. n.o 103, supra).

178

A este respeito, há que observar que, mesmo no caso de se considerar que a concessão de descontos ou de um pagamento de exclusividade por uma empresa em posição dominante não tem, por si só, capacidade de restringir a concorrência, o certo é que a concessão de tal incitamento financeiro por um parceiro comercial incontornável como a recorrente, constitui, pelo menos, um indício da sua capacidade de restringir a concorrência. Com efeito, uma vez que é concedido por um parceiro comercial incontornável, um desconto de exclusividade permite a este último utilizar o seu poder económico sobre a parte não contestável da procura como alavanca para se assegurar igualmente da parte contestável, tornando assim mais difícil para o concorrente o acesso ao mercado (v. n.os 91 e 92, supra).

179

Esta capacidade inerente aos descontos e aos pagamentos de exclusividade de dificultar o acesso ao mercado de um concorrente é, no caso em apreço, confirmada pelas constatações feitas no considerando 893 da decisão impugnada segundo as quais os descontos eram para os OEM um elemento importante a tomar em consideração devido à forte concorrência no mercado dos OEM e às suas margens operacionais reduzidas. A recorrente não contesta estas características particulares do mercado em que operam os OEMOEM. Ora, a especial importância dos descontos para os seus beneficiários reforça o incitamento para que estes últimos respeitem as condições de um abastecimento exclusivo ou quase exclusivo e contribui assim para a capacidade dos descontos de restringir a concorrência.

180

Além disso, a prova de que o incitamento financeiro foi efetivamente tomado em consideração na decisão, pelos seus beneficiários, de se abastecerem na totalidade ou quase‑totalidade das suas necessidades junto da empresa em posição dominante ou de não venderem produtos concorrentes constitui um elemento que confirma a capacidade deste incitamento de restringir a concorrência. No presente processo, a Comissão demonstrou que os descontos e os pagamentos de exclusividade concedidos pela recorrente têm, pelo menos, um elemento que foi tomado em consideração pela Dell, HP, NEC e Lenovo, na sua decisão de se abastecerem na totalidade ou quase‑totalidade das suas necessidades junto da recorrente, e pela MSH na sua decisão de não vender produtos concorrentes (v. n.os 592 a 599, 882 a 890, 1027 a 1030, 1215 a 1220 e 1513 a 1521, infra).

181

Além disso, a capacidade dos descontos e dos pagamentos de exclusividade concedidos às quatro OEM e à MSH de restringir a concorrência é, no caso em apreço, confirmada pelas constatações feitas na decisão impugnada, segundo as quais a recorrente pôs em prática dois diferentes tipos de abuso, a saber, por um lado, os descontos e os pagamentos de exclusividade e, por outro, as restrições não dissimuladas. Como referiu corretamente a Comissão nos considerandos 917, 1681, conjugado com a nota de pé de página n.o 1999 (n.o 1990 na versão pública), e 1747 da decisão impugnada, estes dois tipos de práticas completam‑se e reforçam‑se mutuamente.

182

Por outro lado, há que observar que a circunstância de uma empresa em posição dominante se esforçar por vincular clientes importantes constitui igualmente um indício que pode ser tomado em consideração na apreciação do caráter anticoncorrencial do seu comportamento (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça Tomra, referido no n.o 73, supra, n.o 75). Há que notar que, segundo a decisão recorrida, nomeadamente a Dell e a HP distinguem‑se de outros OEM pelas suas quotas de mercado mais elevadas, a sua forte presença no segmento do mercado mais rentável e o seu poder de legitimar um novo CPU x86 no mercado. Na decisão impugnada, a Comissão concluiu, no considerando 1597, que o facto de visar essas empresas, que revestem uma importância estratégica especial para o acesso ao mercado, tinha no mercado global um impacto que era mais importante do que o que correspondia unicamente às suas quotas de mercado acumuladas, o que a recorrente não contestou. Consequentemente, a Comissão podia, com razão, concluir que os descontos de exclusividade disseram respeito às OEM importantes.

183

Quanto à MSH, será demonstrado mais pormenorizadamente nos n.os 1507 a 1511, infra, que esta empresa revestia uma importância estratégica especial quanto à distribuição dos computadores equipados de CPU x86 destinados aos consumidores na Europa.

184

Por último, deve observar‑se que o facto de as práticas em causa na decisão impugnada se inserirem numa estratégia de conjunto destinada a impedir o acesso de AMD aos canais de venda mais importantes também constitui uma circunstância que confirma a capacidade dos descontos e dos pagamentos de exclusividade de restringir a concorrência (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça Tomra, referido no n.o 73, supra, n.os 19 e 20). Será demonstrado mais pormenorizadamente nos n.os 1523 a 1552, infra, que a Comissão provou de forma bastante a existência de tal estratégia de conjunto.

185

Em primeiro lugar, a recorrente esforça‑se no sentido de refutar a capacidade das suas práticas de restringir a concorrência, alegando que, durante o período de referência, a AMD obteve o maior sucesso comercial da sua história, registando uma taxa de crescimento sem igual junto dos OEM consideradas alvo de um comportamento abusivo, devido a limitações de capacidade de produção que impediram de responder aos pedidos de CPU e aumentou os seus investimentos em matéria de investigação e desenvolvimento. Além disso, o preço ajustado em função da qualidade dos CPU caiu 36,1% cada ano durante o período visado pela decisão recorrida.

186

Estes argumentos não podem ser acolhidos. Quando uma empresa em posição dominante se entrega efetivamente a práticas que têm capacidade para restringir a concorrência, a circunstância de essa capacidade não se traduzir em efeitos concretos não é suficiente para afastar a aplicação do artigo 82.o CE (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 17 de dezembro de 2003, British Airways/Comissão, T-219/99, Colet., p. II-5917, n.o 297, a seguir «acórdão do Tribunal Geral British Airways»). Ora, o facto de AMD ter, durante o período visado pela decisão recorrida, obtido um grande sucesso comercial e, em consequência disso, ter sofrido restrições de capacidade, poderia, no máximo, demonstrar que as práticas da recorrente não produziram efeitos concretos. Isso não basta, no entanto, para refutar a capacidade das práticas levadas a cabo pela recorrente para restringir a concorrência. De resto, nem o crescimento das quotas de mercado da AMD e dos seus investimentos em matéria de investigação e de desenvolvimento nem a redução dos preços dos CPU x86 durante o período visado pela decisão recorrida significam que as práticas da recorrente tenham sido desprovidas de efeitos. Na falta dessas práticas, é possível considerar que o aumento das quotas de mercado do concorrente e dos seus investimentos em matéria de investigação e de desenvolvimento, bem como a diminuição do preço dos CPU x86 poderiam ter sido mais importantes (v., neste sentido, acórdão Michelin II, n.o 75, supra, n.o 245, e acórdão British Airways, já referido, n.o 298). Por conseguinte, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre as afirmações da Comissão segundo as quais os argumentos da recorrente a respeito do aumento das quotas de mercado de AMD e da redução dos preços dos CPU x86 são errados.

187

Em segundo lugar, a recorrente não pode retirar argumento algum do facto de as práticas em causa na decisão impugnada apenas terem respeitado a uma pequena parte do mercado global dos CPU x86, a saber, entre 0,3 e 2% por ano. Além dos argumentos enunciados nos n.os 116 a 124, supra, há que constatar que a recorrente se baseia num método de cálculo errado para chegar à conclusão de que as suas práticas apenas afetavam entre 0,3 e 2% do mercado dos CPU x86. Com efeito, estes volumes foram calculados tomando em consideração unicamente a parte contestável (v. n.o 92, supra), no que dizia respeito às OEM em causa e à MSH e não à quota de mercado integral que estas empresas detinham.

188

Este método de cálculo tem por efeito reduzir artificialmente o resultado, pois a parte do mercado que é bloqueada por um desconto de exclusividade não se limita à parte contestável. Pelo contrário, a parte das necessidades de um cliente que está vinculada por um desconto de exclusividade está bloqueada na íntegra face aos concorrentes.

189

Daqui resulta que, para determinar a parte do mercado afetado pelo comportamento da empresa em posição dominante, não é possível limitar‑se a tomar em consideração a parte contestável da procura dos clientes.

190

No caso em apreço, a quota de mercado da Dell era de 14,58% no primeiro trimestre de 2003 e aumentou para atingir 16,34% no quarto trimestre de 2005, como resulta do considerando 1580 da decisão impugnada. Dado que, segundo a referida decisão, a Intel concedeu descontos à Dell, depende da condição de e Dell se abastecer na Intel na totalidade das suas necessidades em CPU x86, isso significa que, entre 2003 e 2005, a Intel já tinha bloqueado entre 14,58 e 16,34% do mercado unicamente através dos descontos concedidos à Dell.

191

Nesta parte do mercado deve ser considerada significativa, tomando em consideração a circunstância de os concorrentes da empresa em posição dominante terem o direito de beneficiar de uma concorrência pelo mérito sobre a totalidade do mercado, e não apenas numa parte dele.

192

Durante os anos de 2006 e 2007, a parte do contrato afetada foi mais fraca, porque os comportamentos a que se refere a Comissão na decisão impugnada dizem respeito apenas à MSH, pelos pagamentos de exclusividade, e à Lenovo, por restrições não dissimuladas entre junho de 2006 e dezembro de 2006 e descontos de exclusividade durante o ano de 2007.

193

A este respeito, importa salientar que a Comissão concluiu corretamente pela existência de uma infração única e continuada, como será exposto mais pormenorizadamente nos n.os 1561 a 1563, infra. Perante uma infração única e continuada, não se pode exigir que, durante todo o período abrangido, uma parte significativa do mercado tenha sido afetada pelo comportamento em causa. A este propósito, basta fazer uma apreciação global da média da parte do contrato que foi bloqueada (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral no n.o 72, supra, n.o 243).

194

No caso em apreço, o relatório de peritagem que a recorrente apresentou em anexo à réplica e que diz respeito à referência C.1 indica, no n.o 48, que a quota do mercado global afetado pelo comportamento a que se refere a decisão impugnada era em média de cerca de 14% durante a duração total da infração declarada pela Comissão, se o cálculo não for limitado unicamente à parte contestável da procura dos clientes em questão. Há que salientar que essa parte deve ser considerada significativa.

195

No que respeita, em seguida, ao argumento da recorrente segundo o qual os seus contratos de fornecimento tinham uma duração curta ou podiam ser rescindidos mediante um prazo de 30 dias, importa observar que o teste pertinente não é a duração do prazo de rescisão de um contrato ou a duração de um contrato individual que se insere numa série de contratos, mas o período total durante o qual a recorrente aplica descontos e pagamentos de exclusividade relativamente a um cliente (v. n.os 112 e 113, supra). Este período ascendia, no caso em apreço, a cerca de cinco anos no que respeitava à MSH, cerca de três anos no que respeitava à Dell e à NEC, a mais de dois anos no que respeitava à HP e em cerca de um ano no que dizia respeito à Lenovo. A concessão de descontos e de pagamentos de exclusividade durante esses períodos é geralmente suscetível de restringir a concorrência. Isto vale por maioria de razão num mercado como o dos CPU, que se caracteriza por um forte dinamismo e por curtos ciclos de vida dos produtos.

196

Por último, quanto aos argumentos da recorrente relativos à inexistência de obrigações de exclusividade formais, ao poder de compra dos OEM e à pertinência do teste AEC para a apreciação dos pagamentos de exclusividade, remete‑se, respetivamente, nos n.os 106, 138 e 139 e nos n.os 140 a 166, supra.

197

Por conseguinte, com base nas considerações precedentes, pode concluir‑se que, na decisão impugnada, a Comissão demonstrou de forma bastante e segundo uma análise das circunstâncias do caso concreto que os descontos e os pagamentos de exclusividade concedidos pela recorrente à Dell, à HP, à NEC, à Lenovo e à MSH eram suscetíveis de restringir a concorrência.

3. Quanto à qualificação jurídica das práticas ditas de «restrições não dissimuladas»

198

Na decisão impugnada, a Comissão qualificou de abuso três práticas por ela denominadas «restrições não dissimuladas». Segundo a Comissão, estas três práticas tinham um traço comum, a saber, que a recorrente concedeu pagamentos aos OEM fim que atrasam, cancelam ou restringem de uma forma ou de outra, a comercialização de determinados produtos equipados de CPU AMD. Mais concretamente, a concessão dos pagamentos está sujeita às seguintes condições:

em primeiro lugar, a HP devia orientar seus computadores de escritório destinados às empresas e estão equipados com CPU x86 de AMD mais para as pequenas e médias empresas (PME) e os clientes do setor governamental, educativo e médico (a seguir «GEM»), do que para as grandes empresas;

em segundo lugar, a HP devia proibir aos seus parceiros de distribuição de armazenar os computadores de escritório destinados às empresas e estão equipados com CPU x86 de AMD, de forma que estes computadores estejam unicamente disponíveis para os clientes que os tenham encomendado à HP, quer diretamente quer através de parceiros de distribuição da HP exerce uma função de agentes comerciais;

em terceiro lugar, a Acer, a HP e a Lenovo deviam transferir ou anular o lançamento de computadores equipados de CPU AMD.

199

A fim de fornecer uma fundamentação à qualificação das restrições não dissimuladas de abusivas, a Comissão baseou‑se, nos considerandos 1643 e 1671 da decisão impugnada, no acórdão do Tribunal Geral de 7 de outubro de 1999, Irish Sugar/Comissão (T-228/97, Colet., p. II-2969, a seguir «acórdão Irish Sugar»). Além disso, constatou, no considerando 1643, que uma violação do artigo 82.o CE podia resultar igualmente do objeto das práticas prosseguido por uma empresa em posição dominante. Além disso, a Comissão expôs, nos considerandos 1670, 1672, 1678 e 1679 da decisão impugnada, que as restrições não dissimuladas tinham tido um efeito sobre o processo decisório dos OEM, dado que estes tinham transferido, anulado ou restringido de uma maneira ou de outra a comercialização dos seus computadores equipados de CPU AMD, não obstante o pedido dos consumidores para estes produtos. Por último, no considerando 1642 da decisão impugnada, a Comissão referiu que as restrições se inseriam numa estratégia única que visava excluir a AMD do mercado.

200

A recorrente alega, em primeiro lugar, que a Comissão está obrigada a demonstrar a capacidade das práticas de restringir a concorrência «em termos económicos». Em segundo lugar, as práticas postas em causa no caso em apreço são distintas das que deram lugar ao acórdão Irish Sugar, n.o 199, supra. Em terceiro lugar, a Comissão, ao condenar restrições não dissimuladas, criou, erradamente, um novo tipo de abuso abrangido pelo artigo 82.o CE.

201

Antes de mais, há que recordar que um efeito de exclusão não ocorre unicamente quando o acesso ao mercado é impossibilitado para os concorrentes, mas também quando esse acesso é dificultado (v. n.o 88, supra).

202

No caso em apreço, a concessão de pagamentos sujeitos às três condições enunciadas no n.o 198, supra, era suscetível de entravar o acesso ao mercado para a AMD. Efetivamente, a concessão de pagamentos sujeitos à primeira destas condições era suscetível de tornar mais difícil a comercialização de produtos AMD, uma vez que incitou a HP a não propor de forma proactiva computadores de escritório destinados às empresas e equipados com CPU x86 de AMD a um grupo predefinido de clientes. A concessão de pagamentos sujeitos à segunda dessas condições era suscetível de tornar mais difícil a comercialização de produtos AMD, uma vez que incitou a HP a não vender computadores de escritório destinados às empresas e equipados com CPU x86 de AMD por intermédio dos seus parceiros de distribuição, exceto se estes atuassem na qualidade de agentes comerciais. Por último, a concessão de pagamentos sujeitos à terceira destas condições era suscetível de tornar mais difícil a comercialização de produtos AMD, porque incitou a HP, a Lenovo e a Acer a absterem‑se de qualquer venda de um tipo de computador equipado com CPU x86 de AMD, e isto pelo menos durante um certo período e, no caso da HP, numa determinada região, a saber, a região da Europa, Médio Oriente e de África (a seguir «região EMOA»). O comportamento da recorrente, que consiste em submeter a concessão de pagamentos referidas condições, era, portanto, suscetível de tornar mais difícil a comercialização de computadores equipados de CPU x86 de AMD para os OEM em causa. Dado que estes OEM eram clientes de AMD, o comportamento era ao mesmo tempo suscetível de entravar o acesso ao mercado para a AMD, desta forma violando a estrutura concorrencial do mercado dos CPU x86 onde, tendo precisamente em conta a posição da recorrente, o grau de concorrência já estava enfraquecido.

203

Em seguida, há que salientar que, para efeitos da aplicação do artigo 82.o CE, a demonstração do objetivo pode eventualmente confundir‑se com a demonstração do efeito anticoncorrencial. Se for demonstrado que o objetivo prosseguido pelo comportamento de uma empresa em posição dominante é restringir a concorrência, este comportamento é também suscetível de produzir esse efeito (v. acórdão do Tribunal Geral de 30 de janeiro de 2007, France Télécom/Comissão, T-340/03, Colet., p. II-107, n.o 195 e jurisprudência referida).

204

É esse o caso vertente. Com efeito, o alcance das três condições enunciadas no n.o 198, supra, era limitado a produtos AMD, de forma que esta empresa deve ser considerada o alvo individualizado das práticas da recorrente. Ora, o único interesse que pode ter uma empresa em posição dominante de impedir de forma individualizada a comercialização de produtos equipados com um produto de um concorrente é prejudicar esse concorrente. Por conseguinte, ao aplicar à HP, à Lenovo e à Acer restrições não dissimuladas, a recorrente prosseguiu um objetivo anticoncorrencial.

205

Por último, há que sublinhar que incumbe a uma empresa em posição dominante uma responsabilidade especial de não prejudicar, através de um comportamento alheio à concorrência pelo mérito, uma concorrência efetiva e não falseada no mercado comum (v., neste sentido, acórdão AstraZeneca, já referido no n.o 64, supra, n.o 355 e jurisprudência referida). Ora, o facto de conceder pagamentos a clientes em contrapartida das restrições impostas à comercialização de produtos equipados com um produto de um concorrente não se enquadra, claramente, numa concorrência pelo mérito.

206

Portanto, é possível concluir que a aplicação de cada uma das práticas ditas de «restrições não dissimuladas» constituía um abuso de posição dominante na aceção do artigo 82.o CE.

207

Esta conclusão é igualmente confirmada pelo acórdão Irish Sugar, n.o 199, supra. Nos n.os 226 e 233 desse acórdão, o Tribunal Geral concluiu que existia abuso, uma vez que a empresa dominante tinha acordado com um grossista e um retalhista trocar o açúcar a retalho concorrente pelo seu próprio produto. O Tribunal Geral declarou que a recorrente tinha violado a estrutura da concorrência que o mercado em causa teria podido adquirir através da entrada de um novo produto, ao proceder à troca dos produtos concorrentes num mercado onde detinha mais de 80% do volume das vendas. O raciocínio subjacente a esse acórdão é igualmente aplicável no caso vertente. Com efeito, uma restrição da comercialização que visa os produtos de um concorrente afeta a estrutura da concorrência, uma vez que entrava de maneira individualizada a colocação no mercado de produtos desse concorrente.

208

Os argumentos da recorrente não põem em causa esta conclusão.

209

Em primeiro lugar, há que rejeitar o argumento da recorrente segundo o qual a Comissão está obrigada a demonstrar a capacidade de restringir a concorrência «em termos económicos». A este respeito, há que salientar que a recorrente não precisa sequer o que entende por «termos económicos». Uma vez que as três práticas ditas de «restrições não dissimuladas» não se enquadram, claramente, numa concorrência pelo mérito (v. n.o 205, supra), a Comissão não era obrigada a demonstrar mais pormenorizadamente a capacidade das mesmas de restringir a concorrência. Além disso, há que observar que, baseando‑se no acórdão Irish Sugar, n.o 199, e no objetivo anticoncorrencial das práticas, a Comissão expôs de forma bastante o seu caráter abusivo.

210

A este respeito, há que rejeitar igualmente o argumento da recorrente segundo o qual a Comissão era obrigada a demonstrar a possibilidade ou a probabilidade de uma exclusão da concorrência, em vez de fazer referência ao objeto anticoncorrencial das práticas. Uma vez que o objeto anticoncorrencial se confunde no presente caso com o efeito potencial das práticas ditas de «restrições não dissimuladas» (v. n.os 203 e 204, supra), há que considerar que a Comissão não cometeu qualquer erro ao se basear no objeto anticoncorrencial das mesmas.

211

Além disso, há que observar que, na decisão impugnada, a Comissão não se baseou exclusivamente o objeto anticoncorrencial das três restrições não dissimuladas. Além da referência feita ao acórdão Irish Sugar, referido no n.o 199, supra, baseou‑se em circunstâncias adicionais que confirmam a capacidade das restrições não disfarçadas de restringir a concorrência, embora a menção de tais circunstâncias não seja indispensável para as qualificar como abusivos ao abrigo do artigo 82.o CE.

212

Em primeiro lugar, a Comissão fez prova bastante de que os pagamentos que estavam sujeitos às condições enunciadas no n.o 198, supra, tinham sido um fator que tinha sido tomado em consideração pela HP (v. n.os 882 a 890, infra), pela Lenovo (v. n.os 1215 a 1220,infra) e pela Acer (v. n.os 1367 a 1369, infra) nas suas decisões de adiar, anular ou restringir de outra forma a comercialização dos seus computadores equipados de CPU AMD. Este facto confirma a capacidade desses pagamentos de restringir a concorrência. Neste contexto, deve sublinhar‑se que a qualificação de uma restrição não dissimulada de abusiva depende apenas da capacidade de restringir a concorrência, pelo que não requer a demonstração de um efeito concreto no mercado nem de um nexo de causalidade (v., no que respeita aos descontos de exclusividade, n.os 103 e 104, supra).

213

Em segundo lugar, a Comissão demonstrou que as restrições não dissimuladas não faziam parte de uma estratégia de conjunto a longo prazo destinada a impedir o acesso da AMD aos canais de venda mais importantes de um ponto de vista estratégico (v. n.os 1523 a 1552, infra).

214

Por último, na medida em que a recorrente invoca, nos n.os 307 a 311 da petição, que os pagamentos em matéria de restrição não dissimulada em relação à Lenovo obtêm um resultado positivo ao teste AEC, há que constatar que o teste AEC não constitui um instrumento suscetível de refutar o caráter anticoncorrencial de uma restrição não dissimulada. Admitindo que a recorrente consiga demonstrar que a restrição não dissimulada aplicada à Lenovo obteria um resultado positivo ao teste AEC, isso não privaria esta prática do seu objeto anticoncorrencial nem da sua capacidade para tornar mais difícil para o concorrente o acesso ao mercado.

215

Em segundo lugar, há que rejeitar o argumento da recorrente segundo o qual as restrições não dissimuladas postas em causa na decisão impugnada são demasiado distintas da prática salientada no processo que deu lugar ao acórdão Irish Sugar, referido no n.o 199, supra, para que a Comissão possa qualificá‑las de abusivas. Com efeito, as diferenças invocadas pela recorrente entre o processo Irish Sugar e o presente processo não são juridicamente pertinentes.

216

Em primeiro lugar, embora seja verdade que o acórdão Irish Sugar, n.o 199, supra, tem por objeto a chegada de um novo produto de uma nova empresa ao mercado, não é menos verdade que o artigo 82.o CE proíbe, de forma geral, as práticas abusivas suscetíveis de limitar os mercados, que seja impedida a colocação no mercado de novos produtos de uma nova empresa ou que produtos existentes de um concorrente estabelecido sejam postos em desvantagem. No presente caso, mesmo que a AMD devesse ser considerada um concorrente já estabelecido e mesmo que os produtos visados pelas restrições não dissimuladas não pudessem ser qualificados de novos, essas circunstâncias em nada mudam a capacidade das práticas para dificultar à AMD o acesso ao mercado. Também não põem em causa a forma como as práticas eram dirigidas à AMD. A capacidade de dificultar o acesso ao mercado à AMD nem o objetivo anticoncorrencial das restrições não dissimuladas não dependem da questão de saber se estas restrições dizem respeito a um novo produto de uma nova empresa no mercado.

217

De seguida, na medida em que a recorrente alega que, no acórdão Irish Sugar, n.o 199, supra, o Tribunal Geral se baseou em ameaças financeiras expressas, importa constatar que o facto de a recorrente ter comunicado aos OEM que corriam o risco de perder descontos preferenciais, no caso da HP e da Acer, ou que a mesma se recusaria a aumentar o financiamento, no caso da Lenovo, em caso de violação das condições anticoncorrenciais enunciadas no n.o 198, supra, basta para concluir que os anúncios da recorrente eram de natureza a incitar os OEM em questão a respeitar essas condições.

218

Por último, a recorrente sustenta que o processo que deu lugar ao acórdão Irish Sugar, n.o 199, supra, se distingue do presente caso na medida em que, neste último, a AMD não foi constrangida a abandonar o mercado e terá mesmo aumentado a sua quota de mercado. O facto de a AMD não ter tido mais de sucesso era, segundo a recorrente, devido aos seus próprios limites. Ora, a questão de saber se as restrições não dissimuladas aplicadas pela recorrente tinham a capacidade de restringir a concorrência não depende da eliminação efetiva de AMD. Com efeito, a fim de demonstrar esta capacidade, a demonstração de um efeito concreto no mercado não é necessária (v. n.o 212, supra). Além disso, há que observar que as diferentes vias de comercialização afetadas pelas restrições não dissimuladas estavam bloqueadas para os CPU AMD nos períodos em questão. Além disso, na medida em que a recorrente invoca o sucesso comercial da AMD bem como as restrições comerciais dessa empresa, a sua argumentação deve ser rejeitada pelas razões enunciadas no n.o 186, supra.

219

Em terceiro lugar, há que afastar o argumento da recorrente segundo o qual o emprego do conceito de «restrição não dissimulada» constitui um novo tipo de abuso. Há que observar que a qualificação jurídica de uma prática em matéria de abuso não depende da sua denominação, mas dos critérios materiais adotados a este respeito. Assim, a utilização do conceito de «restrição não dissimulada» não basta, por si, para se poder concluir que os critérios materiais adotados são novos. No que respeita os critérios materiais aplicados no caso em apreço, decorre da redação do artigo 82.o, segundo parágrafo, alínea b), CE que a limitação dos mercados constitui um abuso. Além disso, não é novo em direito da concorrência que uma prática que não se enquadre claramente na concorrência pelo mérito seja considerada ilegal (v., neste sentido, acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 71, supra, n.o 91, e acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de julho de 1991, AKZO/Comissão, C-62/86, Colet., p. I-3359, n.o 70).

220

Por último, mesmo que a qualificação como abusivos das práticas em causa fosse efetivamente «nova», isso não poria em causa o poder da Comissão de as proibir. Com efeito, mesmo no domínio do cálculo das coimas, o Tribunal já declarou que o facto de um comportamento que apresenta as mesmas características ainda não ter sido apreciado em decisões anteriores não isenta a empresa da sua responsabilidade (v., neste sentido, acórdãos Michelin I, já referido no n.o 74, supra, n.o 107, e AstraZeneca, já referido no n.o 64, supra, n.o 901).

B — Quanto à competência da Comissão

1. Argumentos das partes

221

A recorrente, apoiada pela ACT, salienta que o âmbito de aplicação territorial dos artigos 81.° CE e 82.° CE não é ilimitado e que, consequentemente, a fim de se declarar competente para efeitos da apreciação de um comportamento adotado fora da União, a Comissão deve demonstrar um nexo de causalidade direto com o território da União, fornecendo provas sólidas de que a aplicação efetiva das práticas em causa produz um efeito substancial na concorrência na União. Ficou também demonstrado que, em presença de trocas comerciais com países terceiros, e isto mesmo quando as práticas em causa são aplicadas no território da União, a Comissão deve também provar que os seus efeitos na União são imediatos, substanciais, diretos e previsíveis.

222

A recorrente alega que, a título de exemplo, a decisão impugnada não preenche os critérios enunciados no número anterior contestando o acordo celebrado com a Lenovo no segundo semestre de 2006 relativo a um computador portátil destinado ao mercado interno chinês.

223

Mesmo que estivesse correta a abordagem da Comissão segundo a qual, a respeito dos descontos e das restrições não dissimuladas em causa, poderia apurar um abuso de posição dominante sem demonstrar os efeitos destes últimos, a Comissão seria, todavia, obrigada a demonstrar a existência de um efeito na União para demonstrar a sua competência. Com efeito, a questão da competência territorial é uma questão separada e distinta, decorrente do direito internacional público.

224

Durante a fase escrita do processo, a recorrente alega que, quanto ao conjunto dos acordos que impliquem entidades situadas fora da União, concretamente a Dell, a HP, a NEC, a Acer e a Lenovo, a decisão impugnada não demonstrava a competência da Comissão.

225

Na audiência, a recorrente declarou limitar este fundamento aos comportamentos quanto à Acer e à Lenovo, o que ficou registado na ata da audiência.

226

No que respeita à Acer e à Lenovo, a recorrente sublinhou que as suas instalações de produção se encontravam fora do EEE e que não compravam CPU no EEE nem à da Intel nem à AMD. O comportamento em causa respeitou a vendas de CPU a clientes situados na Ásia, a saber, em Taiwan no que respeitava à Acer e na China no que respeitava à Lenovo, e a sua execução teve lugar na Ásia. A circunstância de um certo número de computadores da Acer e da Lenovo ter podido ser em seguida vendidos no EEE não é pertinente para a questão da execução do comportamento imputado.

227

Dado que o comportamento da Intel para com a Acer e a Lenovo disse respeito a vendas de CPU na Ásia, os efeitos imediatos desse comportamento fizeram‑se sentir na Ásia e não no EEE. As vendas de computadores, que apenas podiam dizer respeito ao EEE, foram feitas por terceiros, ou seja, a Acer e a Lenovo, que não são controladas pela Intel.

228

O volume de computadores em causa foi muito fraco e o efeito no EEE não pôde ser considerado substancial.

229

Na audiência, a recorrente alegou igualmente que o comportamento em causa não era suscetível de afetar o comércio entre os Estados‑Membros.

230

A Comissão opõe‑se aos argumentos da recorrente e da ACT.

2. Apreciação do Tribunal Geral

a) Observações preliminares

231

Antes de mais, há que salientar que, na jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral, duas vias foram seguidas para demonstrar que a competência da Comissão era justificada à luz das regras do direito internacional público.

232

A primeira abordagem baseia‑se no princípio da territorialidade. Esta abordagem foi seguida no acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de setembro de 1988, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão, 89/85, 104/85, 114/85, 116/85, 117/85 e 125/85 a 129/85, Colet., p. 5193, a seguir «acórdão pasta de papel»). No n.o 16 desse acórdão, o Tribunal salientou que havia que distinguir dois elementos de comportamento, a saber, a formação do cartel e a sua execução. Fazer depender a aplicabilidade das proibições previstas em direito da concorrência do lugar da formação de um cartel conduziria manifestamente a fornecer às empresas um meio fácil de se subtrair às referidas proibições. Assim, o Tribunal de Justiça declarou que era determinante o local onde o cartel era executado.

233

A segunda abordagem apoia‑se nos efeitos qualificados das práticas na União. Esta abordagem foi seguida no acórdão do Tribunal Geral de 25 de março de 1999, Gencor/Comissão (T-102/96, Colet., p. II-753, a seguir «acórdão Gencor»). No n.o 90 do mesmo acórdão, o Tribunal salienta que, quando seja previsível que uma concentração projetada produz um efeito imediato e substancial na União, a aplicação do Regulamento (CEE) n.o 4064/89 do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO L 395, p. 1), conforme retificado (JO 1990, L 257, p. 13), é justificada à luz do direito internacional público.

234

Sustentando que, perante trocas comerciais com países terceiros, mesmo quando a aplicação das práticas em causa é feita no território da União, a Comissão deve também provar a existência de efeitos imediatos, substanciais, diretos e previsíveis na União, o raciocínio da recorrente equivale a afirmar que a execução e os efeitos qualificados na União são condições cumulativas.

235

A Comissão sublinhou, na audiência, que, no caso vertente, a sua competência era justificada, por um lado, de acordo com a teoria da aplicação das práticas em causa no EEE, seguida no acórdão «pasta de papel» no n.o 232, supra, e, por outro, de acordo com a teoria dos efeitos, seguida no acórdão Gencor, n.o 233, supra.

236

A este respeito, há que salientar que o facto de provar a aplicação das práticas em causa no EEE ou o facto de provar os efeitos qualificados são as vias alternativas e não cumulativas para demonstrar que a competência da Comissão é justificada à luz das regras do direito internacional público.

237

Com efeito, no acórdão «pasta de papel, n.o 232, supra, o Tribunal de Justiça apoiou‑se unicamente a implementação do comportamento em causa no território da União.

238

A recorrente não pode retirar qualquer argumento do facto de o advogado‑geral M. Darmon ter indicado, nas suas conclusões no acórdão «pasta de papel, n.o 232, supra (Colet., 5214, n.o 82), que compete ao Tribunal de Justiça, «para determinar se a Comissão, com razão, exerceu a sua competência no tocante às recorrentes, investigar se os efeitos do comportamento por ela alegado eram substanciais, diretos e previsíveis». Com efeito, o advogado‑geral propôs ao Tribunal de Justiça que se baseasse nos efeitos do comportamento em causa no território da União a fim de declarar a competência da Comissão. O Tribunal de Justiça não seguiu a proposta do advogado‑geral e baseou‑se na execução do acordo na União. Resulta, assim, do acórdão do Tribunal de Justiça nesse processo que, quando a competência da Comissão pode ser declarada com base na execução do comportamento em causa na União, não é necessário examinar a existência dos efeitos para definir a competência da Comissão.

239

A recorrente baseia‑se neste quadro igualmente no acórdão Gencor, n.o 233, supra.

240

No entanto, no acórdão Gencor, n.o 233, supra (n.os 89 a 101), o Tribunal baseou‑se unicamente nos efeitos qualificados para demonstrar que a competência da Comissão era justificada tendo em conta as regras do direito internacional público.

241

É verdade que, no n.o 87 desse acórdão, o Tribunal Geral recordou que, segundo o acórdão «pasta de papel», no n.o 232, supra, o critério da aplicação do acordo estava preenchido pela simples venda na União. Contudo, o referido n.o 87 inscreve‑se no raciocínio do Tribunal Geral, através do qual foi referido que o Regulamento n.o 4064/89 não privilegiava, para efeitos da delimitação do seu âmbito de aplicação territorial, as atividades de produção em relação às atividades de venda (acórdão Gencor, n.o 233, supra, n.os 85 a 88). Neste quadro, o Tribunal Geral rejeitou um argumento da recorrente baseado no acórdão «pasta de papel», n.o 232, supra, salientando que, segundo esse acórdão, o critério da aplicação do acordo estava satisfeito por simples vendas. O Tribunal Geral rejeitou, portanto, o argumento da recorrente segundo o qual resulta do acórdão «pasta de papel» no n.o 232, supra, que as atividades de produção seriam privilegiadas em relação às atividades de venda.

242

Em seguida, o Tribunal Geral examinou, no acórdão Gencor, n.o 233, supra (n.os 89 a 101), se a aplicação do Regulamento n.o 4064/89 nesse processo estava em conformidade com o direito internacional público. Neste quadro, o Tribunal limitou‑se a examinar se os critérios do efeito imediato, substancial e previsível estavam preenchidos.

243

Resulta, portanto, do acórdão Gencor, n.o 233, supra, que, para justificar a competência da Comissão segundo as regras do direito internacional público, basta que os critérios do efeito imediato, substancial e previsível na União estejam preenchidos.

244

Resulta do exposto que, para justificar a competência da Comissão à luz do direito internacional público, basta provar quer os efeitos qualificados da prática quer a sua execução na União.

245

Por outro lado, há que salientar que, na decisão impugnada, a Comissão não trata de maneira explícita a questão de saber se a competência da Comissão é justificada à luz das regras do direito internacional público. A este respeito, a Comissão salienta que tratou, nos considerandos 1749 a 1753 da decisão impugnada, a questão da afetação do comércio entre os Estados‑Membros.

246

Além disso, a Comissão sublinha, sem ser desmentida pela quanto a este ponto, que, no procedimento administrativo, a recorrente nunca pôs em questão a competência internacional da Comissão.

247

Neste quadro, há que sublinhar que a redação do artigo 82.o CE contém dois elementos que dizem respeito a um vínculo com o território da União. Em primeiro lugar, o artigo 82.o CE exige a existência de uma posição dominante «no mercado comum ou numa parte substancial deste». Em segundo lugar, exige que o comércio entre Estados‑Membros seja suscetível de ser afetado pelo comportamento em causa. Na decisão impugnada, a Comissão constatou a existência de uma posição dominante da recorrente a nível mundial, o que inclui o mercado comum. Além disso, nos considerandos 1749 a 1753 da referida decisão, analisou de forma explícita a afetação do comércio entre os Estados‑Membros.

248

É certo que a questão de saber se a competência da Comissão é justificada à luz do direito internacional público constitui uma questão distinta da dos critérios previstos pelo artigo 82.o CE. A este respeito, saliente‑se que o critério da afetação do comércio entre os Estados‑Membros tem por objetivo delimitar na esfera de aplicação das regras comunitárias em relação às legislações nacionais (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de março de 1974, Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão, 6/73 e 7/73, Colet., p. 119, n.o 31).

249

Contudo, vistos os factos, por um lado, de que a Comissão se pronunciou na decisão impugnada quanto aos dois critérios previstos pelo artigo 82.o CE e que dizem respeito a um vínculo com o território da União, e, por outro, de a recorrente não ter posto em causa, durante o procedimento administrativo, a competência internacional da Comissão, não era indispensável a Comissão fornecer na decisão impugnada uma fundamentação expressa quanto a esta questão (v. igualmente, no que respeita à obrigação de fundamentar a competência da Comissão, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de julho de 1972, Imperial Chemical Industries/Comissão, 48/69, Colet., p. 205, n.os 143 a 145). De resto, a recorrente precisou, na audiência, que o seu fundamento não dizia respeito a uma falta de fundamentação, o que foi registado na ata da audiência.

b) Quanto aos efeitos qualificados

1) Observações preliminares

250

A recorrente alega que o facto de a Comissão não ter examinado a existência de efeitos substanciais, diretos e previsíveis na União é particularmente grave quando a Comissão declara, no considerando 1685 da decisão impugnada, que não tem a obrigação de «demonstrar os efeitos concretos de um abuso por força do artigo 82.o [CE]».

251

A este respeito, há que sublinhar que a Comissão não é obrigada a demonstrar a existência de efeitos concretos para justificar a sua competência à luz do direito internacional público. Os critérios do efeito imediato, substancial e previsível não significam que o efeito deva igualmente ser concreto. Com efeito, cabe à Comissão assegurar a proteção da concorrência no seio do mercado comum, contra as ameaças ao seu funcionamento efetivo.

252

Nestas circunstâncias, não se pode considerar que a Comissão se deve limitar a prosseguir e punir comportamentos abusivos que tenham atingido o resultado esperado e para os quais a ameaça para com o funcionamento da concorrência se concretizou. Não se pode condenar a Comissão a manter uma posição passiva quando uma ameaça recai sobre a estrutura de concorrência efetiva no mercado comum e, em consequência, essa instituição pode intervir também quando a ameaça não se concretizou ou ainda não se concretizou.

253

A isto acresce o facto de que, no caso em apreço, o comportamento face à ACER e à Lenovo era destinado a produzir efeitos no mercado comum.

254

Com efeito, o comportamento face à ACER consistiu em conceder‑lhes pagamentos na condição de a ACER atrasar o lançamento em todo o mundo de um computador portátil equipado com um CPU AMD. Tal incitamento financeiro destina‑ se a que, durante um determinado período de tempo, um determinado modelo de computador de ACER não esteja disponível no mercado em parte alguma no mundo, incluindo no EEE.

255

O comportamento face Lenovo consistiu, por um lado, em conceder‑lhes pagamentos na condição de atrasar e finalmente anular o lançamento dos seus computadores portáteis equipados de CPU x86 de AMD. Pretendia‑se, com esse comportamento, que os modelos de computador Lenovo equipados de CPU AMD não estivessem disponíveis em parte alguma no mundo, incluindo no EEE. Por outro lado, o comportamento face à Lenovo consistiu em conceder descontos cujo nível estava condicionado ao facto de a Lenovo comprar à Intel a totalidade dos CPU x86 destinados aos seus computadores portáteis da Intel. Pretendia‑se com esse comportamento que nenhum computador portátil da Lenovo equipado com um CPU AMD estivesse disponível no mercado, incluindo no EEE. O comportamento da Intel visava, portanto, produzir efeitos também no EEE. Nestas circunstâncias, a questão de saber se a recorrente atingiu o resultado pretendido é irrelevante no quadro do exame da justificação da competência da Comissão à luz do direito internacional público.

256

Por outro lado, há que salientar que a própria recorrente se baseia no acórdão do Tribunal Geral de 27 de setembro de 2006, Haladjian Frères/Comissão (T-204/03, Colet., p. II-3779), nomeadamente, no seu n.o 167, no qual o Tribunal Geral observou o seguinte:

«[p] ara justificar a aplicação das regras de concorrência a um acordo relativo a produtos adquiridos nos Estados Unidos para serem vendidos na Comunidade, esse mesmo acordo deve, com base num conjunto de elementos de facto e de direito, permitir que se preveja com um grau suficiente de probabilidade a sua influência mais do que insignificante na concorrência na Comunidade e no comércio entre Estados‑Membros (v., neste sentido, acórdão [do Tribunal de Justiça de 28 de abril de 1998, Javico, C-306/96, Colet., p. I-1983, n.os 16 e 18). O simples facto de um comportamento provocar certos efeitos, quaisquer que eles sejam, na economia da Comunidade não constitui em si um elo suficientemente estreito para justificar a competência comunitária Para poderem ser tido em consideração, é necessário que esse efeito seja substancial, isto é, sensível e não negligenciável.»

257

Este acórdão não impõe, assim, a existência de efeitos sobre a concorrência na União, mas apenas que seja suficientemente provável que o acordo em causa possa exercer uma influência mais que insignificante. Neste âmbito, há que observar que esta consideração não se referia expressamente à questão da justificação da competência da Comissão à luz do direito internacional público, mas que foi efetuada no âmbito da análise da questão de saber se os critérios previstos no artigo 81.o CE estavam preenchidos. Todavia, este acórdão que é invocado pela recorrente constitui um elemento que confirma a circunstância de que os efeitos de um comportamento sobre a concorrência não devem necessariamente ser concretos para constituir um elo suficientemente estreito com a União de molde a servir de base à competência da Comissão.

258

Por conseguinte, há que examinar se os três critérios do efeito substancial, imediato e previsível estão reunidos no caso vertente.

2) Acer

2.1) Efeito substancial

259

A recorrente alega que o adiamento do lançamento a que se refere a Comissão na decisão dizia respeito a um modelo de computador portátil equipado com um CPU AMD com tecnologia a 64 bits. Sublinha que, no quarto trimestre de 2003, apenas 100000 CPU deste tipo estavam disponíveis à escala mundial. Segundo afirma, a Acer podia adquirir no máximo cerca de 4000 unidades (e a maior parte dos computadores da Acer afetados pelo adiamento do lançamento teriam sido vendidos fora do EEE. Os efeitos no EEE não podiam, portanto, em caso algum, ser substanciais.

260

A Comissão contesta o valor de 4000 unidades. Contudo, admitiu na audiência que a quantidade de computadores em causa era modesta. Salientou todavia na audiência que, perante uma estratégia de conjunto destinada a eliminar o único concorrente importante da Intel e perante uma infração única e continuada, não havia que considerar os efeitos dos diversos comportamentos de forma isolada.

261

Quanto ao caráter substancial dos efeitos, há que salientar, antes de mais, que não é necessário que a União ou o EEE fossem mais afetados do que outras regiões do mundo (v., neste sentido, acórdão Gencor, já referido no n.o 233, supra, n.o 98).

262

Por outro lado, o EEE constitui uma parte importante do mercado mundial. A título de ilustração, há que salientar que, segundo o considerando 1775 da decisão impugnada, as vendas de computadores equipados com um CPU x86 da Intel na região EMOA correspondiam aproximadamente a 32% das vendas mundiais. Além disso, a Comissão salientou que o valor das vendas da Intel a empresas estabelecidas no EEE correspondia a cerca de 80% das vendas na região EMOA.

263

Além disso, há que sublinhar que resulta dos elementos de prova referidos na decisão impugnada, designadamente da correspondência eletrónica referida no n.o 1240, infra, que a Acer tinha previsto vender na Europa o modelo a que se referia adiamento do lançamento. Há, portanto, que julgar improcedente o argumento invocado pela recorrente na audiência segundo o qual é possível que os computadores em causa tenham sido todos vendidos fora do EEE.

264

O facto de conceder um incitamento, a fim de incitar um cliente a transferir à escala mundial o lançamento de um computador equipado com um CPU de um concorrente e cujas vendas estavam previstas na Europa, é suscetível de ter efeitos pelo menos potenciais no EEE.

265

A ACT alega que resultava da correspondência eletrónica referida no n.o 1240, infra, que a restrição não dissimulada alegada pela Comissão só dizia respeito a limitações das vendas de Acer para países situados fora da Europa.

266

A este respeito, basta constatar que a Acer finalmente se comprometeu a adiar o lançamento do computador em causa por toda a parte no mundo inteiro (v. n.os 1246, 1247, 1268 e 1269, infra). O argumento da ACT, segundo o qual a Comissão considerou que havia infração que só afetava as vendas de Acer a países situados fora da Europa carece de apoio factual.

267

Por outro lado, há que salientar que a Comissão concluiu corretamente que os vários comportamentos mencionados na decisão impugnada faziam parte de uma infração única e continuada (v. n.os 1561 a 1563, infra).

268

A fim de examinar se os efeitos são substanciais, não há que considerar de forma isolada os diversos comportamentos que fazem parte de uma infração única e continuada. Pelo contrário, basta que a infração única, considerada no seu conjunto, possa ter efeitos substanciais.

269

No que respeita à afetação do comércio entre os Estados‑Membros na aceção do artigo 82.o CE, resulta da jurisprudência que se devem ter em consideração as consequências de um abuso de posição dominante na estrutura de concorrência efetiva no mercado comum (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de outubro de 1979, Greenwich Film Production, 22/79, Recueil, p. 3275, n.o 11 e jurisprudência referida). O Tribunal de Justiça esclareceu igualmente que, para analisar se o artigo 82.o CE era aplicável, a execução de determinados contratos não pode ser apreciada isoladamente, mas devia sê‑lo à luz do conjunto das atividades da empresa em causa (v., neste sentido, acórdão Greenwich Film Production, já referido, n.o 12). No que diz respeito ao critério da afetação do comércio entre os Estados‑Membros, assim, o Tribunal de Justiça declarou expressamente que não havia que considerar determinados contratos de forma isolada.

270

A mesma solução se impõe, perante uma infração única e continuada, quando se trata de examinar se a competência da Comissão é justificada à luz do direito internacional público. Com efeito, não se pode permitir às empresas subtraírem‑se à aplicação das regras de concorrência combinando vários comportamentos que prosseguem um objetivo idêntico, cada um dos quais, considerado isoladamente, não é suscetível de produzir um efeito substancial na União, mas que, considerados no seu conjunto, são suscetíveis de produzir esse efeito.

271

No presente caso, há que recordar que a infração única e continuada, considerada globalmente, afetou em média, segundo os cálculos efetuados pelo advogado da recorrente, cerca de 14% do mercado mundial, na hipótese de estes cálculos não estarem limitados à única parte contestável, o que deve ser considerado como uma parte significativa do mercado (v. n.o 194, supra).

272

Esta circunstância é suficiente para constatar que os efeitos potenciais das práticas da recorrente eram substanciais.

273

Além disso, há que salientar que a Comissão fez prova bastante de que a recorrente tinha prosseguido uma estratégia de conjunto a longo prazo destinado a bloquear o acesso da AMD aos canais de venda mais importantes de um ponto de vista estratégico (v. n.os 1523 a 1552 infra).

274

Resulta da jurisprudência que, relativamente ao critério da afetação do comércio entre os Estados‑Membros, há que tomar em consideração as repercussões na estrutura da concorrência efetiva no mercado comum resultante da eliminação de um concorrente (v., neste sentido, acórdão Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão, n.o 248, supra, n.o 33, e acórdão do Tribunal Geral de 8 de outubro de 1996, Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, T-24/93 a T-26/93 e T-28/93, Colet., p. II-1201, n.o 203). Modificações da estrutura do mercado devem também ser tomadas em consideração quando se trata de determinar a existência de efeitos consideráveis no interior do EEE no quadro do exame da questão de saber se a competência da Comissão é justificada à luz do direito internacional público (v., neste sentido, acórdão Gencor, n.o 233, supra, n.os 94 e 96).

275

Neste quadro, há que sublinhar que, não só a eliminação de um concorrente é suscetível de ter repercussões na estrutura da concorrência no mercado comum, mas que um comportamento suscetível de enfraquecer o único concorrente importante da recorrente a nível mundial, bloqueando‑lhe o acesso aos canais de venda mais importantes, como o comportamento em causa no caso em apreço, é igualmente capaz de ter repercussões na estrutura de concorrência efetiva no mercado comum. Assim, a conclusão de que os efeitos potenciais do comportamento da recorrente devem ser considerados substanciais justifica‑se igualmente em razão dos efeitos potenciais sobre a estrutura da concorrência efetiva no mercado comum.

276

Resulta do que precede que os efeitos potenciais do comportamento da recorrente devem ser considerados substanciais.

2.2) Efeito imediato

277

O comportamento da Intel visava e era suscetível de produzir um efeito imediato no EEE.

278

Com efeito, esse comportamento visava e era suscetível de incitar a Acer a adiar o lançamento de um computador portátil equipado com um CPU AMD, no mundo inteiro, incluindo no EEE. O adiamento do lançamento significa que, durante um certo lapso de tempo, um determinado modelo de computador CPU AMD não está disponível, incluindo no EEE. Trata‑se de um efeito direto e não apenas de um efeito por ricochete.

279

Contrariamente ao que alegam a recorrente e a ACT, a circunstância de a INTEL não ter vendido CPU à ACER no EEE não significa que o efeito do comportamento no EEE só pode ter sido indireto. Com efeito, a condição a que foram sujeitos os pagamentos, a saber, o adiamento do lançamento de um determinado modelo de computador no mundo inteiro, incluindo no EEE, dizia diretamente respeito às vendas de computadores pela ACER.

280

Além disso, a infração única e continuada cometida pela recorrente, considerada no seu conjunto, era suscetível de ter efeito imediato o enfraquecimento do único concorrente importante da recorrente bloqueando‑lhe o acesso aos canais de venda mais importantes e, portanto, de alterar a estrutura da concorrência efetiva no mercado comum.

2.3) Efeito previsível

281

O efeito de que um determinado modelo de computador equipado com um CPU AMD não esteja disponível durante o período de adiamento, incluindo no EEE, era previsível para a recorrente. Com efeito, trata‑se do efeito que era previsto pelo seu comportamento.

282

Do mesmo modo, o enfraquecimento do único concorrente importante da recorrente era previsível para ela e por ela previsto.

3) Lenovo

3.1) Sobre as restrições não dissimuladas

i) Sobre o adiamento do lançamento relativo ao mercado chinês

283

A recorrente alega que o primeiro adiamento do lançamento alegado pela Comissão na decisão impugnada diz respeito ao lançamento atrasado dois modelos de computadores portáteis equipados com um CPU AMD na China (v., a este respeito, os n.os 1035 e 1037, infra). Este acordo só afetou o mercado chinês e não foi executado na União.

284

A este respeito, basta constatar que a Comissão não estabeleceu, na decisão impugnada, a existência de uma infração ao artigo 82.o CE relativamente ao adiamento do lançamento dos computadores portáteis equipados com um CPU AMD na China (v. n.o 1042, infra). A argumentação da recorrente no que respeita à falta de competência da Comissão para punir esse comportamento é, pois, inoperante.

ii) Sobre o adiamento do lançamento relativo ao mercado mundial

285

O adiamento do lançamento em causa na decisão recorrida diz respeito ao lançamento adiado dos referidos modelos de computador no plano mundial. A este propósito, a recorrente sublinhou, na audiência, que resultava do anexo A.120 da petição que, para os dois modelos de computador em causa pelo adiamento do lançamento, o nível de vendas que estava previsto era muito fraco.

286

A este respeito, há que referir que resulta deste anexo que, em 1 de junho de 2006, os volumes de vendas projetados na região EMOA para o quarto trimestre de 2006 para os dois modelos de computador portátil afetados pelo adiamento do lançamento eram de 5400 e de 4250 unidades.

287

Na audiência, a recorrente sugeriu que era possível que a totalidade desses computadores tenham sido destinados a zonas da região EMOA fora do EEE.

288

A este respeito, há que observar que se trata de uma simples especulação por parte da recorrente em apoio da qual não apresentou qualquer argumento. É certo que o volume exato das vendas planeadas no EEE não resulta do anexo A.120 da petição. Todavia, cumpre observar que o EEE constitui uma parte muito importante da região EMOA.

289

Resulta claramente do anexo A.120 da petição que a Lenovo tinha projetado vendas na região EMOA. Esta circunstância é suficiente para constatar efeitos, pelo menos potenciais no EEE, na falta de indícios concretos que permitissem supor que a totalidade das vendas planeadas dizia respeito a partes da região EMOA fora do EEE.

290

É certo que o número de unidades em causa na região EMOA era modesto. Contudo, há que realçar que o comportamento em relação à Lenovo fazia parte de uma infração única e continuada e que é suficiente que essa infração, considerada no seu conjunto, fosse suscetível de ter efeitos substanciais, o que se verifica no caso em apreço (v. n.os 267 a 276, supra).

291

Quanto ao caráter imediato do efeito e à sua previsibilidade, as considerações que figuram nos n.os 277 a 282, supra, aplicam‑se mutatis mutandis.

3.2) Sobre os descontos de exclusividade

292

Segundo a decisão impugnada, a Intel concedeu dos descontos à Lenovo entre janeiro de 2007 e dezembro de 2007 cujo nível estava subordinada à aquisição à Intel, pela Lenovo, de todos os CPU x86 destinados aos seus computadores portáteis da Intel.

293

A decisão impugnada refere, portanto, de um incitamento financeiro concedido pela Intel à Lenovo a fim de a encorajar a utilizar exclusivamente CPU x86 produzidos pela Intel nos seus computadores portáteis. Este comportamento era suscetível de ter efeito imediato que nenhum computador portátil da Lenovo equipado com um CPU x86 de um concorrente da Intel estivesse disponível em parte alguma no mundo, incluindo no EEE. A circunstância de a Intel vender CPU, enquanto Lenovo vende computadores, não significa que o efeito apenas pode ser indireto. Com efeito, embora a Lenovo se abasteça para a totalidade das suas necessidades em CPU x86 destinados aos seus computadores portáteis junto da Intel, isso significa direta e necessariamente que não pode fabricar ou vender nenhum computador portátil equipado com um CPU x86 proveniente de um concorrente.

294

Este efeito era previsível para a Intel e mesmo por ela projetado.

295

Quanto ao caráter substancial do efeito, basta recordar que os descontos de exclusividade faziam parte de uma infração única e continuada que, considerada no seu conjunto, era suscetível de ter efeitos significativos no território da União e do EEE, o que é suficiente (v. n.os 267 a 276, supra). Não é, portanto, necessário analisar a questão de saber se os descontos de exclusividade concedidos à Lenovo, isoladamente considerados, eram suscetíveis de ter um efeito substancial no referido território.

296

Resulta do que precede que o comportamento da Intel que a Comissão refere na decisão impugnada era suscetível de ter um efeito substancial, imediato e previsível no EEE. Daqui se conclui que a competência da Comissão para punir esse comportamento é justificada à luz das regras do direito internacional público.

297

Assim, é a título exaustivo que será examinada, seguidamente, a execução do comportamento em causa no território do EEE.

c) Sobre a execução

298

A recorrente alega que, segundo a jurisprudência, vendas diretas para a União pela própria empresa de produtos abrangidos pelo comportamento em causa são exigidas para determinar a competência da Comissão. No caso em apreço, a Comissão não demonstrou que cada um dos atos de abuso alegados cobria vendas diretas do produto pertinente, a saber, CPU x86, pela Intel a compradores no seio da União ou do EEE.

299

A recorrente sublinha que não vendeu CPU x86 à ACER nem à Lenovo no EEE. A ACER e a Lenovo não venderam os produtos abrangidos pela decisão impugnada, a saber, os CPU x86, mas computadores equipados de CPU x86.

300

A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

1) Acer

301

Importa recordar que a aplicação das práticas em causa na União é suficiente para justificar a competência da Comissão à luz do direito internacional público (v., neste sentido, acórdão «pasta de papel», n.o 232, supra, n.o 16).

302

É verdade que, no processo que deu lugar ao acórdão «pasta de papel», n.o 232, supra (n.os 12, 13, 16 e 17), o Tribunal de Justiça declarou que a execução do acordo em causa no mercado comum tinha tido lugar através de vendas diretas, a preços efetivamente coordenados, pelos participantes no acordo a compradores estabelecidos na União.

303

No entanto, daqui não resulta que as vendas diretas efetuadas pelos destinatários da decisão impugnada da Comissão são o único meio de execução de uma prática na União. A simples circunstância de a recorrente não ter vendido CPU a filiais da ACER e da Lenovo situadas no EEE não exclui por conseguinte a execução no EEE das práticas em causa.

304

No caso em apreço, a Comissão não se referiu, na decisão impugnada, a uma ação iniciada pela própria recorrente no território do EEE para pôr em prática a restrição não dissimulada relativa à ACER.

305

No entanto, o abuso de posição dominante consistiu, no caso em apreço, em conceder um incitamento financeiro para incentivar a ACER a adiar o lançamento de um determinado modelo de computador portátil no mundo inteiro. A condição a que foram sujeitos os pagamentos concedidos pela Intel, a saber, o adiamento de um determinado modelo de computador portátil equipado com um CPU AMD, era, portanto, destinada a ser posta em prática pela ACER no mundo inteiro, incluindo no EEE.

306

Nesse caso, seria artificial limitar‑se a tomar em consideração a aplicação das práticas em causa pela própria empresa em posição dominante. Pelo contrário, há que tomar igualmente em consideração a sua execução pelo cliente desta.

307

Neste quadro, o facto de o cliente da empresa em posição dominante não vender um determinado modelo de computador no EEE durante um certo período deve ser considerado uma aplicação da restrição não dissimulada.

308

Além disso, resulta dos elementos de prova citados na decisão impugnada que a ACER empreendeu ações na região EMOA para adiar o lançamento do computador em causa. Com efeito, resulta do correio eletrónico citado no n.o 1247 a seguir, invocado neste contexto pela Comissão na audiência, que o [confidencial] no seio de ACER recebeu instruções no sentido de «se esquecer» do CPU da AMD em causa para 2003, e que cumpriria esta instrução na região EMOA.

309

Resulta do que precede que a competência da Comissão se justificava igualmente na sequência da prática da infração no território da União e do EEE.

2) Lenovo

310

No que se refere às restrições não dissimuladas, a saber, os descontos concedidos na condição de a Lenovo atrasar o lançamento de dois modelos de computadores, há que assinalar que as mesmas eram destinadas a ser aplicadas através da Lenovo no mundo inteiro, incluindo no EEE. Daqui se conclui que a competência da Comissão se justificava igualmente na sequência da prática da infração no referido território. A este respeito, considerações feitas nos n.os 304 a 307, supra, aplicam‑se mutatis mutandis.

311

Quanto aos descontos de exclusividade, a contrapartida desses descontos, a saber, o fornecimento exclusivo da Lenovo junto da Intel para os CPU x86 destinados aos seus computadores portáteis, destinava‑se a ser executada pela Lenovo no mundo inteiro, incluindo no EEE, ao vender exclusivamente computadores portáteis equipados de CPU x86 da Intel. Nesse âmbito, há que salientar que o destino dos CPU, isto é, a sua utilização pela Lenovo nos computadores portáteis, fazia parte da contrapartida tal como tinha sido definida. Nestas circunstâncias, a recorrente não pode retirar qualquer argumento do facto de o mercado em causa dizer respeito a CPU x86, ao passo que a Lenovo não vendia CPU, mas computadores com CPU incorporados. Com efeito, a contrapartida tal como tinha sido definida demonstrou um nexo direto com os computadores que são produzidos e vendidos pela Lenovo.

312

O comportamento da recorrente destina‑se a que a contrapartida da Lenovo fosse executada em qualquer lugar a Lenovo vendesse computadores portáteis, incluindo no EEE.

313

Uma vez que a contrapartida, tal como tinha sido definido, dizia respeito, de forma específica aos CPU destinados a ser utilizados para um determinado tipo de produtos, a saber, os computadores portáteis, a recorrente não pode utilmente alegar que ela própria não tem influência sobre a utilização feita pela Lenovo dos CPU Intel. Por outro lado, a recorrente não alegou que ignorava que a Lenovo estava presente no mercado comum e que nele vendia os seus computadores portáteis.

314

Resulta do que precede que, no que diz respeito ao comportamento da recorrente perante a Lenovo, a competência da Comissão é igualmente justificada na sequência da prática da infração no território da União e do EEE.

d) Quanto à afetação do comércio entre os Estados‑Membros

315

Na audiência, a recorrente alegou igualmente que o comportamento em causa não era suscetível de afetar o comércio entre os Estados‑Membros.

316

No que diz respeito ao teste da afetação do comércio entre os Estados‑Membros, a Comissão salientou, no considerando 1750 da decisão impugnada, que os abusos que tinham uma influência sobre a estrutura da concorrência em mais de um Estado‑Membro estavam, por natureza, suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados‑Membros.

317

Segundo a jurisprudência, para serem suscetíveis de afetar o comércio entre Estados‑Membros, uma decisão, um acordo ou uma prática devem, com base num conjunto de elementos de facto e de direito, permitir prever com um grau suficiente de probabilidade, que possam exercer uma influência direta ou indireta, atual ou potencial, sobre as correntes comerciais entre Estados‑Membros, de modo a fazer recear que possam entravar a realização de um mercado único entre Estados‑Membros. Além disso, é necessário que essa influência não seja insignificante (v. acórdão Javico, n.o 256, supra, n.o 16 e jurisprudência referida).

318

No caso em apreço, a recorrente não alegou que o seu comportamento face à ACER e a Lenovo tinha afetado o território de um só Estado‑Membro. Para contestar a afetação do comércio entre os Estados‑Membros, a recorrente baseou‑se na circunstância de os efeitos se sentirem em territórios fora do EEE e que, em qualquer caso, o volume de computadores em causa foi muito reduzido, de forma que os efeitos não poderiam em caso algum significativos.

319

No entanto, como foi referido no n.o 269, supra, não há que considerar os efeitos do comportamento da recorrente face à ACER e à Lenovo de forma isolada. A infração única cometida pela recorrente, considerada no seu conjunto, é suscetível de ter um efeito substancial no seio da União e do EEE.

320

Por conseguinte, há que rejeitar a argumentação da recorrente destinada a contestar a afetação das trocas comerciais entre os Estados‑Membros.

321

Resulta do exposto que a argumentação da recorrente que visa contestar a competência da Comissão deve ser julgada improcedente.

C — Vícios processuais

1. Quanto à recusa da Comissão de conceder uma segunda audição à recorrente

322

A recorrente, apoiada pela ACT, alega que a Comissão recusou erradamente a realização de uma segunda audiência a fim de ouvir a Intel sobre a comunicação de acusações complementar de 2008 (v. n.o 9, supra) e sobre a carta contendo a descrição dos factos (v. n.o 13, supra), apesar de esses documentos terem registado todas as novas alegações relativas, nomeadamente, aos descontos e às restrições não dissimuladas implicando a Lenovo, e à concessão de descontos à MSH.

323

Em conformidade com o artigo 10.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 773/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos 81.° e 82.° [CE] (JO L 123, p. 18), ao notificar a comunicação de acusações, a Comissão dará aos interessados diretos a possibilidade de informar por escrito o seu ponto de vista, no prazo por ela fixado. A Comissão não é obrigada a tomar em consideração as observações escritas recebidas após o termo daquele prazo.

324

Nos termos do artigo 12.o do Regulamento n.o 773/2004, a Comissão dará aos interessados diretos a quem tiver dirigido uma comunicação de acusações a oportunidade de desenvolverem os seus argumentos numa audição oral, se aquelas o tiverem solicitado nas suas observações escritas.

325

No que diz respeito à comunicação de acusações complementar de 2008, é pacífico entre as partes que a recorrente tinha, em princípio, direito a uma segunda audição por força das disposições referidas. A Comissão reconheceu a existência desse direito na carta de acompanhamento da comunicação de acusações complementar de 2008. Todavia, há que constatar que a recorrente não pediu a realização de uma segunda audiência em tempo útil. Com efeito, na comunicação de acusações complementar de 2008, a Comissão tinha, em primeiro lugar, concedido à recorrente um prazo de oito semanas para apresentar as suas observações. Em 15 de setembro de 2008, esse prazo foi prorrogado até17 de outubro de 2008 pelo auditor (v. n.o 10, supra). A recorrente não respondeu à comunicação de acusações complementar de 2008 neste último prazo, assim como não pediu uma segunda audição. Por conseguinte, perdeu o seu direito a uma segunda audição.

326

Esta conclusão, que já decorre da redação do artigo 10.o, n.o 2, e do artigo 12.o do Regulamento n.o 773/2004, é confirmada pelo próprio objetivo dessas disposições. A obrigação, sob pena de caducidade, de o destinatário de uma comunicação de acusações, pedir uma audição no prazo fixado pela Comissão justifica‑se por razões de economia processual. Com efeito, a preparação de uma audição implica um esforço de coordenação não negligenciável por parte da Comissão em razão do facto de que assistem a uma audição não só o destinatário da comunicação de acusações e os serviços da Comissão, mas, sendo caso disso, também terceiros e representantes dos Estados‑Membros. Acresce que a Comissão deve dispor de tempo suficiente para poder tomar em consideração as observações feitas numa audição numa decisão final.

327

No que respeita, seguidamente, à carta contendo a descrição dos factos, não se pode deixar de observar que o direito a uma audição previsto pelo artigo 12.o do Regulamento n.o 773/2004 apenas existe na sequência da emissão, pela Comissão, de uma comunicação de acusações. A recorrente não tinha, assim, qualquer direito a uma audição no que respeita à carta contendo a descrição dos factos. Em qualquer caso, há que declarar que, também no que respeita a essa carta, a recorrente não pediu uma audição em tempo útil, dado que não respondeu a esta carta no prazo fixado em 23 de janeiro de 2009.

328

Por conseguinte, a Comissão tinha corretamente recusado a realização de uma audição no que respeita tanto à comunicação de acusações complementar de 2008 como à carta contendo a descrição dos factos. Os argumentos da recorrente e da ACT não são suscetíveis de pôr em causa esta conclusão.

329

Em primeiro lugar, a recorrente alega que, na sua carta de 2 de fevereiro de 2009 (v. n.o 15, supra), a Comissão aceitou expressamente tomar em consideração as observações da recorrente sobre a comunicação de acusações complementar de 2008 e a carta contendo a descrição dos factos, desde que fossem comunicadas antes de 5 de fevereiro de 2009. Segundo a recorrente, a Comissão teria assim prorrogado o prazo para a apresentação de um pedido de audição até 5 de fevereiro de 2009.

330

Esta afirmação deve ser rejeitada. A Comissão refere acertadamente que, durante o procedimento administrativo, tal como na decisão impugnada, a Comissão excluiu expressamente aceitar o articulado tardio da Intel como uma resposta em tempo útil, assim como excluiu que se possa interpretar a tomada em consideração destas observações como uma prorrogação do prazo. Com efeito, nomeadamente, na carta de 2 de fevereiro de 2009, na qual a recorrente se baseia para fundamentar a sua argumentação, a Comissão declarou que não estava obrigada a acolher um pedido de audição apresentado fora de prazo e que os seus serviços consideravam que o bom desenrolar do procedimento administrativo não obrigava à organização de uma audição. Contrariamente ao que afirma a recorrente, na carta de 2 de fevereiro de 2009, a Comissão, por conseguinte, não prorrogou o prazo para a apresentação de um pedido de inquirição até 5 de fevereiro de 2009.

331

Em segundo lugar, a recorrente sustenta que não enviou a sua resposta à comunicação de acusações complementar de 2008 e aa carta contendo a descrição dos factos antes de 5 de fevereiro de 2009 porque tinha interposto no Tribunal Geral um recurso a fim de obter a anulação da decisão do auditor de 15 de setembro de 2008 e a adoção de um despacho provisório destinado a suspender o termo do prazo fixado.

332

Ora, há que constatar que a recorrente pôde apresentar à Comissão, a título cautelar, as suas observações sobre a comunicação de acusações complementar de 2008, exercendo ao mesmo tempo o seu direito de acesso ao Tribunal Geral. Como o presidente do Tribunal Geral declarou no despacho Intel/Comissão, referido no n.o 14, supra (n.o 87), a recorrente não estava de forma alguma impedida, através da interposição do seu recurso de anulação e do seu pedido de medidas provisórias, de preparar e apresentar, em tempo útil, a sua resposta à comunicação de acusações complementar de 2008 com base nos elementos de que dispunha, pelo menos a título cautelar, tanto mais que tinha obtido, por parte do consultor‑auditor, uma prorrogação de prazo de quatro semanas. De qualquer modo, a Intel tinha podido requerer uma audição no prazo fixado pelo auditor, isto é, antes de 17 de outubro de 2008, uma vez que este pedido não dependia de informações suplementares.

333

O mesmo raciocínio se aplica igualmente no que respeita à carta contendo a descrição dos factos, sem prejuízo de o artigo 12.o do Regulamento n.o 773/2004 não prever uma audição na sequência da carta contendo a descrição dos factos (v. n.o 327, supra). A recorrente não foi impedida de pedir uma audição em tempo útil nem no seu recurso de anulação nem através do seu pedido de medidas provisórias.

334

Em terceiro lugar, é verdade que, nas condições previstas no artigo 10.o, n.o 2, e no artigo 12.o do Regulamento n.o 773/2004, a Comissão não dispõe de um poder discricionário quanto ao direito a uma audição. o artigo 12.o do Regulamento n.o 773/2004 dispõe que a Comissão «dará» aos interessados diretos a quem tiver dirigido uma comunicação de acusações a oportunidade de desenvolverem os seus argumentos numa audição, se aqueles o tiverem solicitado nas observações escritas. Todavia, a recorrente não apresentou o pedido em tempo útil, pelo que essa disposição não é aplicável.

335

Em quarto lugar, a recorrente alega que a decisão do auditor de 17 de fevereiro de 2009, no qual este julgou um novo pedido da recorrente para obter uma audição sobre a comunicação de acusações complementar de 2008, é desrazoável e desproporcionada.

336

A este respeito, deve recordar‑se que a recorrente não pediu a realização de uma audição sobre a comunicação de acusações complementar de 2008 em tempo útil. Ora, como o auditor sublinhou com razão, na sua decisão de 17 de fevereiro de 2009, um direito subjetivo à realização de uma audiência existe até ao termo do prazo concedido para responder à notificação das acusações. Após o termo desse prazo, nenhuma obrigação de organizar uma audição incumbe à Comissão.

337

Admitindo que o auditor tinha não obstante um poder discricionário para conceder uma audição a Comissão não violou, por conseguinte, o artigo 12.o do Regulamento n.o 773/2004, mas interpretou o referido regulamento de modo favorável à recorrente. De resto, o auditor expôs os motivos da sua recusa de conceder uma segunda audição de forma detalhada na sua carta de 17 de fevereiro 2009. A recorrente limita‑se, a esse respeito, a afirmar que a realização de uma audição não teria prejudicado a Comissão, dado que, segundo a recorrente, o atraso na tramitação do procedimento administrativo em razão de uma segunda audição teria sido «mínimo». Ora, não se pode deixar de observar que o conselheiro‑auditor não cometeu nenhum erro ao constatar, no essencial, que um atraso indevido no desenrolar do procedimento administrativo teria podido prejudicar não só aos direitos das partes terceiras interessadas pelo procedimento respeitante à recorrente, mas também aos direitos de outras partes em procedimentos paralelos, que tinham requerido das audições em tempo útil.

338

Em quinto lugar, o ACT sustenta, no essencial, que, apesar de o artigo 12.o do Regulamento n.o 773/2004 prever a realização de uma audição apenas após a emissão, pela Comissão, de uma comunicação das acusações, a Comissão estava, no entanto, obrigada a conceder uma audição na sequência do envio da carta contendo a descrição dos factos em razão do direito fundamental da demandante no respeito dos seus direitos de defesa. Este argumento não é convincente. Antes de mais, há que observar que o capítulo V do Regulamento n.o 773/2004, intitulado «Exercício do direito de ser ouvido», que contém as disposições do artigo 10.o, n.o 2, e do artigo 12.o do referido regulamento, constitui uma concretização dos direitos de defesa da recorrente. Nem a recorrente nem a ACT apresentaram argumentos respeitantes a uma eventual ilegalidade dessas disposições. Na medida em que a ACT alega que a Comissão não pode invocar limitações que ela própria fixa nos seus regulamentos para justificar uma violação do direito fundamental de uma parte a ser ouvida, há que constatar que, em conformidade com o artigo 33.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento n.o 1/2003, a Comissão pode aprovar as modalidades das audições. Em seguida, há que notar, a título exaustivo, que, mesmo supondo que os direitos de defesa possam, em circunstâncias particulares, obrigar a Comissão à realização de uma audição na sequência do envio da carta contendo a descrição dos factos, não é menos verdade que esse direito hipotético não é ilimitado. Pode ser limitado pela Comissão através da fixação de prazos para a apresentação de um pedido de audição. Ora, no caso em apreço, a recorrente não respondeu à carta contendo a descrição dos factos em tempo útil (v. n.o 327, supra).

339

Resulta de tudo o que precede que foi sem cometer um erro de direito e sem violar as disposições do Regulamento n.o 773/2004 que a Comissão pôde recusar a realização de uma audição a fim de ouvir a Intel sobre a comunicação de acusações complementar de 2008 e a carta contendo a descrição dos factos.

2. Quanto à recusa da Comissão de obter determinados documentos da AMD

a) Antecedentes do litígio e posições das partes

340

Em 21 de maio de 2008, na sequência de uma publicação em linha dos articulados preparatórios elaborados pela recorrente e AMD no âmbito do processo que as opõe no Estado do Delaware (v. n.o 11, supra), a Comissão pediu tanto à recorrente como à AMD lhe fizessem chegar todos os documentos elaborados ou recebidos por estas e os que eram referidos nos seus articulados preparatórios respetivos.

341

Por requerimento de 6 de agosto de 2008, a recorrente indicou que considerava que o inquérito levado a cabo pela Comissão estava incompleto. Convidou a Comissão a pedir à AMD que apresentasse todos os documentos pertinentes à luz das afirmações contidas na comunicação de acusações complementar de 2008. Além disso, sublinhou que um despacho cautelar (protective Order) do tribunal que conhece do processo no Estado do Delaware de 26 de setembro de 2006 (a seguir «despacho cautelar») a impedia de utilizar os documentos apresentados pela AMD no âmbito do processo no Estado do Delaware fora desse processo.

342

Em anexo a uma carta de 4 de setembro de 2008, a recorrente enviou à Comissão uma lista de 87 números, correspondente a documentos ou a certas categorias de documentos que, segundo propunha, a Comissão podia obter junto da AMD (a seguir «lista»).

343

Por carta de 6 de outubro de 2008, a Comissão indicou à recorrente que tinha decidido solicitar à AMD a apresentação dos documentos em causa na medida em que eram descritos na lista de uma forma que permitisse identificá‑los de forma precisa e enviou à recorrente uma lista indicando os sete documentos que a AMD lhe devia fazer chegar.

344

Nos considerandos 61 a 74 da decisão impugnada, a Comissão explica por que não se considerava obrigada a obter os outros documentos enumerados na lista, sublinhando que o pedido da recorrente não era suficientemente preciso, que era desproporcionado, e que a recorrente não tinha demonstrado ter esgotado todos os meios à sua disposição para fornecer mais documentos do processo no Estado do Delaware à Comissão e que os documentos que a recorrente convidou a Comissão a obter não eram favoráveis à defesa.

345

A recorrente considera que os documentos que tinha convidado a Comissão a obter junto da AMD revestiam especial interesse para a sua defesa para demonstrar, designadamente, que, mesmo na falta do comportamento que lhe era imputado, os OEM não teriam comprado mais CPU AMD e que AMD se confrontava com limitações de capacidade de produção. Ao recusar obter esses documentos adicionais junto da AMD, a Comissão não analisou elementos de prova pertinentes e violou uma obrigação processual substancial. Assim, a Comissão violou os direitos de defesa da Intel.

346

A recorrente sustenta que os sete documentos que a Comissão pediu que a AMD lhe fornecesse não eram os únicos claramente identificados na lista. Em resposta a uma questão escrita colocada pelo Tribunal Geral, a recorrente alegou que não estava em condições de identificar os documentos em causa de forma mais precisa do que o fez na lista sem violar o despacho cautelar.

347

A Comissão responde que o pedido da recorrente não assentava em nenhuma base jurídica, pois os documentos em causa não figuravam no processo de instrução.

348

Por outro lado, os elementos apresentados pela recorrente não poderiam desculpá‑la. Não é necessário provar, para demonstrar a ilegalidade do comportamento da Intel, nem a eliminação efetiva da concorrência nem as limitações de AMD no plano das capacidades, nem os resultados comerciais ou técnicas da AMD, nem um eventual prejuízo para os consumidores.

b) Quanto às condições em que a Comissão pode ser obrigada a obter determinados documentos

1) Jurisprudência existente

349

A recorrente baseia‑se na jurisprudência relativa ao acesso ao processo, segundo a qual não compete unicamente à Comissão decidir quais são os documentos úteis à defesa das empresas implicadas num processo de infração às regras de concorrência (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 29 de junho de 1995, Solvay/Comissão, T-30/91, Colet., p. II-1775, a seguir «acórdão Solvay», n.o 81).

350

Segundo jurisprudência constante, o direito de acesso ao processo, corolário do princípio dos direitos de defesa, implica que a Comissão deve facultar à empresa em causa a possibilidade de proceder a um exame de todos os documentos que figuram no processo de instrução e que possam ser pertinentes para a sua defesa (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de outubro de 2003, Corus UK/Comissão, C-199/99 P, Colet., p. I-11177, n.os 125 a 128, e acórdão Solvay, n.o 349, supra, n.o 81).

351

No entanto, há que sublinhar que esta jurisprudência diz respeito ao direito de acesso aos documentos que faziam parte do processo de instrução da Comissão. É certo que resulta claramente da jurisprudência que a Comissão é obrigada a conceder às partes o acesso à totalidade dos documentos que se encontram no processo administrativo, com exceção dos documentos internos ou confidenciais, e que a Comissão não está autorizada a examinar, por si só, quais os documentos que podem ser úteis à defesa das empresas. Todavia, a obrigação de conceder o acesso a todos os documentos que constam do procedimento administrativo não significa que a Comissão seja obrigada a obter qualquer tipo de documentos que possam ser potencialmente ilibatórios.

352

A jurisprudência já se pronunciou quanto às condições de acesso a documentos que estão na posse da Comissão mas que não fazem parte do processo de instrução propriamente dito. Assim, no que respeita às respostas à comunicação de acusações pelas outras partes num processo, resulta da jurisprudência que, quanto a documentos que não fazem parte do processo constituído no momento da notificação da comunicação de acusações, a Comissão só tem de divulgar as referidas respostas a outras partes interessadas caso se verifique que as mesmas contêm novos elementos de acusação ou de defesa (acórdão do Tribunal Geral de 16 de junho de 2011, Heineken Nederland e Heineken/Comissão, T-240/07, Colet., p. II-3355, n.o 242) ou se essas respostas são indispensáveis para dar à recorrente a possibilidade de contestar os valores utilizados pela Comissão na comunicação de acusações (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 16 de junho de 2011, Ziegler/Comissão, T‑199/08, Colet., p. II‑, n.o 118).

353

Neste contexto, a jurisprudência teve ocasião de precisar que a conclusão que resulta do acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão (C-204/00 P, C-205/00 P, C-211/00 P, C-213/00 P, C-217/00 P e C-219/00 P, Colet., p. I-123, n.o 126), segundo a qual não pode incumbir unicamente à Comissão determinar os documentos úteis à defesa da empresa em causa é relativa aos documentos do processo da Comissão, não se pode aplicar às respostas dadas por outras partes em causa às acusações comunicadas pela Comissão (acórdão Heineken Nederland e Heineken/Comissão, n.o 352, supra, n.o 254).

354

No acórdão de 15 de março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão (T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colet., p. II 491), invocado pela recorrente, o Tribunal Geral analisou uma série de argumentos relativos ao facto de a Comissão não ter concedido o acesso a documentos que, segundo as empresas em causa, teriam sido úteis para a preparação da sua defesa durante o procedimento administrativo. Tratava‑se, para além das respostas à comunicação de acusações de outras destinatárias da decisão, das atas das audições relativas aos acordos nacionais de um processo da Comissão relativo à notificação de um determinado regime, do processo da Comissão relativo a determinados auxílios de Estado, de algumas notas internas da Comissão e das contestações nos outros processos relativos ao mesmo cartel (n.o 380 desse acórdão). Tratava‑se de documentos que, ainda que não fizessem parte do processo de instrução, estavam na posse da Comissão.

355

A presente situação distingue‑se, porém, da que está na base da jurisprudência referida nos n.os 349 a 354, supra. Com efeito, no caso em apreço, trata‑se de documentos que nem sequer estavam na posse da Comissão. A questão suscitada não diz, portanto, respeito à extensão do direito de acesso ao processo.

356

A recorrente alega que o raciocínio seguido pela jurisprudência relativa ao direito de acesso a documentos úteis para sua defesa já incorporados no processo de instrução deve aplicar‑se, a fortiori, quando a Comissão, além de não os ter comunicado não se se muniu dos documentos de defesa pertinentes. A lógica desta argumentação parece ser que, embora não possa ser aceite que só a Comissão verificará os documentos contidos no processo que podem ser úteis à defesa das empresas em causa, a situação é ainda mais grave se certos documentos que não constam de modo nenhum dos autos, pelo que mesmo a Comissão não está em condições de verificar se contêm elementos de defesa.

357

Esta argumentação não é convincente. Com efeito, tal lógica não tem em conta o facto de a ideia na base da jurisprudência quanto ao direito de acesso ao processo completo é a de que a igualdade de armas exige que a empresa interessada tenha um conhecimento do processo utilizado no processo igual àquele de que dispõe a Comissão (v., neste sentido, acórdão Solvay, n.o 349, supra, n.o 83). Quanto aos documentos que a Comissão não tem ela própria em sua posse, não há nenhum risco de que esta última se baseie em elementos de acusação constantes desses documentos e não tome suficientemente em consideração os elementos de defesa. A disparidade constatada no n.o 83 do acórdão Solvay, n.o 349, supra, a saber, que a Comissão pôde decidir, por si só, utilizar ou não documentos contra a recorrente, documentos a que a recorrente não tinha tido acesso e não pôde, portanto, tomar a decisão correspondente de os utilizar ou não em sua defesa, não existe no caso vertente. Não se coloca, portanto, o mesmo problema de igualdade de armas que no caso de documentos que constam do processo administrativo da Comissão.

358

A questão que se coloca no caso vertente é na realidade a do respeito pela Comissão do seu dever de instruir o processo com diligência e imparcialidade.

359

A este respeito, importa observar que, entre as garantias conferidas pela ordem jurídica da União nos procedimentos administrativos figura, designadamente, o princípio da boa administração, consagrado no artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais, ao qual está ligada a obrigação de a instituição competente examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso concreto (v. acórdão do Tribunal Geral de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T-191/98, T-212/98 a T-214/98, Colet., p. II-3275, n.o 404 e jurisprudência referida).

360

No entanto, há que salientar que, em princípio, cabe à Comissão determinar, a forma pela qual deseja desencadear a instrução num processo de concorrência e decidir que documentos deve recolher a fim de ter uma imagem suficientemente completa do processo.

361

Não há que impor à Comissão uma obrigação de obter um máximo de documentos a fim de se certificar de obter qualquer elemento potencial de defesa. Com efeito, à parte o facto de os recursos da Comissão serem limitados, seria impossível para a Comissão assegurar‑se de que nenhum elemento potencial de defesa lhe escapa.

362

Se uma empresa objeto de um procedimento que possa conduzir à aplicação de uma coima por violação do direito da concorrência pedir à Comissão para obter determinados documentos, compete à Comissão examinar este pedido. A Comissão dispõe de uma margem de apreciação para decidir a questão de saber se há que obter os documentos em questão. As partes num processo não dispõem de um direito incondicional a que a Comissão obtenha determinados documentos, pois compete a esta última decidir quanto à maneira como conduz a instrução de um processo.

363

A este respeito, resulta da jurisprudência que não se pode exigir da Comissão que efetue investigações suplementares quando considerar que a instrução do processo foi suficiente (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de maio de 1984, Eisen und Metall/Comissão, 9/83, Recueil, p. 2071, n.o 32, e do Tribunal Geral de 11 de março de 1999, Thyssen Stahl/Comissão, T-141/94, Colet., p. II-347, n.o 110).

364

Tal não exclui que, em determinadas circunstâncias, possa existir uma obrigação para a Comissão de instruir um certo aspeto do processo.

365

Assim, no acórdão Thyssen Stahl/Comissão, n.o 363, supra, o Tribunal Geral declarou no n.o 97 que decorre dos princípios da boa administração e da igualdade de armas que a Comissão tinha a obrigação de instruir de forma séria as alegações da recorrente segundo as quais os funcionários abrangidos por outra direção‑geral da Comissão a tinha incitado a executar as práticas que lhe foram imputadas na decisão, precisando que competia à Comissão e não às recorrentes decidir sobre a forma de proceder a essa instrução. O Tribunal Geral baseou‑se nas circunstâncias segundo as quais, por um lado, a Comissão se viu confrontada com as alegações que tinham uma grande importância para a defesa das empresas em causa e, por outro, que a Comissão estava numa posição privilegiada para demonstrar a sua veracidade ou a sua falsidade, porque se trata do comportamento dos seus próprios serviços (acórdão Thyssen Stahl/Comissão, n.o 363, supra, n.o 96). Há que sublinhar que este acórdão apenas constatou que a Comissão tinha a obrigação de instruir um certo aspeto do processo procedendo a um inquérito interno. Este acórdão não dizia respeito a uma obrigação da Comissão de obter determinados documentos.

366

Resulta da jurisprudência referida nos n.os 363 e 365, supra, que a Comissão tem o controlo do inquérito. Em primeiro lugar, pode, em princípio, decidir em que momento a instrução do processo foi suficiente. Em segundo lugar, mesmo numa situação em que a Comissão tem a obrigação de instruir um certo aspeto do processo, cabe‑lhe decidir sobre a forma de proceder a essa instrução (v., neste sentido, acórdão Thyssen Stahl/Comissão, n.o 363, supra, n.o 97).

367

A recorrente invoca igualmente em apoio da sua argumentação do acórdão do Tribunal Geral de 27 de setembro de 2006, Avebe/Comissão (T-314/01, Colet., p. II-3085).

368

Resulta do n.o 70 do acórdão citado no número anterior que, no processo em causa, a Avebe apresentou uma troca de correspondência entre os seus advogados e os serviços do Department of Justice dos Estados Unidos, da qual resultava que a Avebe tentou, por mais de uma vez, obter junto destes uma cópia de uma alegada declaração de outra empresa perante as autoridades americanas que, segundo a Avebe, era em sua defesa. A Avebe tinha desejado submetê‑la à Comissão no âmbito do procedimento administrativo. No entanto, segundo essa troca de correspondência, esses serviços recusaram estes pedidos, indicando que estavam dispostos a fornecer o documento em questão à Comissão se esta fizesse tal pedido.

369

Nesse acórdão, o Tribunal Geral rejeitou a argumentação da Avebe segundo a qual a Comissão era obrigada a obter uma cópia do documento em causa junto das autoridades competentes dos Estados Unidos, baseando‑se na circunstância de que a Avebe não tinha apresentado, durante o procedimento administrativo, um pedido expresso à Comissão para obter esse documento (n.o 72 desse acórdão). O Tribunal Geral declarou expressamente, no n.o 71 desse acórdão, que não era necessário apreciar se a Comissão devia adotar medidas apropriadas com vista a obter uma cópia da alegada declaração perante as autoridades americanas.

370

Portanto, o Tribunal Geral, nesse acórdão, não definiu as condições nas quais a Comissão podia ser obrigada a obter determinados documentos junto de um terceiro. Podia limitar‑se a definir uma única condição relativa, em concreto, à existência de um pedido expresso nesse sentido no procedimento administrativo, não tendo, em todo o caso, esta condição sido preenchida no processo em causa.

2) Definição dos requisitos

371

Há que salientar que, em certas circunstâncias, pode existir uma obrigação de a Comissão obter determinados documentos a pedido de uma empresa visada por um inquérito. Essa obrigação para a Comissão deve, no entanto, ser limitada a circunstâncias excecionais, pois, compete, em princípio, à Comissão e não às empresas em causa, decidir sobre a forma como esta conduz a instrução de um processo.

372

Quando uma empresa objeto de um inquérito teve conhecimento da existência de um documento de defesa, mas que não pôde obtê‑lo ela própria ou que foi impedida de o apresentar à Comissão, quando esta última pode obter esse documento e utilizá‑lo, é possível, em determinadas circunstâncias, que a Comissão seja obrigada a obter esse documento na sequência de um pedido expresso nesse sentido por parte da empresa em causa. Com efeito, incumbe à Comissão levar a cabo um inquérito de forma diligente e imparcial, pelo que esta não pode limitar‑se a recolher os documentos de acusação fechando os olhos à existência de elementos de defesa.

373

No entanto, é necessário ponderar a obrigação da Comissão de instruir um processo com diligência e imparcialidade, por um lado, e a prerrogativa da Comissão de decidir sobre a forma como pretende levar a cabo a sua instrução e utilizar os seus recursos a fim de garantir, de modo eficaz o respeito do direito da concorrência, por outro.

374

A obrigação de a Comissão obter determinados documentos a pedido de uma empresa deve, portanto, estar sujeita, além da condição de um pedido neste sentido feito no procedimento administrativo (v. n.os 369 e 370, supra), pelo menos às condições cumulativas definidas nos n.os 375 a 382, infra.

375

Esta obrigação é, em primeiro lugar, sujeita à condição de que seja efetivamente impossível para a empresa em causa obter ela própria os documentos em questão ou de os divulgar à Comissão. Com efeito, dado que a Comissão tem o controlo dos seus inquéritos, tal obrigação deve ficar circunscrita a casos excecionais, nos quais a empresa visada pela investigação é confrontada com um obstáculo que não pode contornar por si só, porque tem conhecimento da existência de um elemento de defesa, mas não pode obtê‑lo ou divulgá‑lo à Comissão.

376

Consequentemente, compete à empresa em causa demonstrar que levou a cabo todas as diligências para obter os documentos em causa e/ou obter a autorização para os utilizar no inquérito da Comissão.

377

Além disso, compete‑lhe identificar os documentos cuja obtenção solicita à Comissão de forma tão precisa que lhe é possível. Com efeito, o facto de estabelecer de forma excecional uma obrigação de a Comissão obter determinados documentos a pedido de uma empresa objeto de um inquérito pressupõe uma cooperação por parte dessa empresa.

378

Em seguida, uma obrigação de a Comissão obter determinados documentos a pedido de uma empresa objeto de um inquérito está sujeita à condição de que os documentos em causa revestem provavelmente uma importância considerável para a defesa da empresa em causa.

379

A este respeito, há que recordar que, em princípio, compete à Comissão determinar, quando o seu processo é suficientemente completo para adotar a sua decisão final (v., neste sentido, acórdãos und Metall/Comissão, n.o 363, supra, n.o 32, e Thyssen Stahl/Comissão, n.o 363, supra, n.o 110). O simples facto de determinados documentos serem suscetíveis de conter elementos em sua defesa não basta para demonstrar uma obrigação da Comissão de os obter a pedido de uma parte interessada pelo inquérito. Quando a Comissão entende que a instrução do processo foi suficiente, não é obrigada a prosseguir o inquérito a fim de obter uma imagem ainda mais completa do processo. Com efeito, nos inquéritos relativos a infrações ao direito da concorrência, existe frequentemente uma quantidade extremamente significativa de documentos que podem potencialmente conter elementos de defesa e continua a ser possível esclarecer ainda mais determinados aspetos de um processo, mas os recursos da Comissão são limitados.

380

A Comissão dispõe de uma margem de apreciação para decidir se a importância de pretensos elementos de defesa justifica a sua obtenção e pode, por exemplo, indeferir um pedido com o fundamento de que os elementos potencialmente ilibatórios dizem respeito a questões que não fazem parte das verificações substanciais necessárias para demonstrar uma infração.

381

Há que rejeitar o argumento da recorrente segundo o qual, nas suas conclusões no acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de maio de 1994, SEP/Comissão, C-36/92 P, Colet., p. I-1911, I-1914, n.o 21), o advogado‑geral F. G. Jacobs descreve o critério correto como sendo a questão de saber se a Comissão [pode] razoavelmente pressupor, no momento do pedido, que o documento a ajudará a determinar a existência da infração alegada». Com efeito, essa passagem respeita às condições em que a Comissão pode pedir a comunicação de um documento e não à questão muito diferente de saber em que condições é que a Comissão é obrigada a obter determinados documentos.

382

Por último, há que salientar que a Comissão pode designadamente em indeferir um pedido se o volume dos documentos em causa for desproporcionado em relação à importância que os documentos podem ter no âmbito do inquérito. Neste quadro, é permitido à Comissão tomar em consideração, se for esse o caso, que a obtenção e análise dos documentos em causa podem atrasar substancialmente a instrução do processo. A Comissão pode ponderar o volume dos documentos solicitados e o atraso que a obtenção e o estudo desses documentos poderão ocasionar para a instrução do processo, por um lado, e o grau de pertinência potencial para a defesa da empresa, por outro.

c) Exame das condições no caso em apreço

383

Importa examinar se as condições cumulativas como acima definidas estão preenchidas no caso vertente para os documentos que foram apresentados pela AMD no âmbito do processo no Estado do Delaware e que eram identificados na lista referida no n.o 342, supra (a seguir «documentos AMD do Delaware»).

1) Quanto à obrigação da Intel de tomar todas as medidas a fim de obter a autorização para utilizar os documentos AMD do Delaware no inquérito da Comissão

1.1) Sobre a decisão impugnada e os argumentos das partes

384

No considerando 67 da decisão recorrida, a Comissão observa que a recorrente não provou ter esgotado todos os meios à sua disposição para lhe fornecer mais de documentos provenientes do processo no Estado do Delaware, tendo contudo a recorrente podido fornecer‑lhe rapidamente documentos apresentados pela Dell no âmbito do referido processo.

385

Na contestação, a Comissão alega que a recorrente estava, ela própria, em posição de obter a autorização para utilizar os documentos AMD do Delaware no âmbito do processo em curso perante ela.

386

A Comissão sublinha, além disso, que o despacho cautelar se baseia num acordo de confidencialidade celebrado entre a recorrente e a AMD e aceite pela recorrente no seu próprio interesse. Refere que, ao abrigo do despacho cautelar, todas as informações apresentadas pela AMD e a recorrente no processo no Estado do Delaware foram a priori classificados como confidenciais, mas sem prejuízo do direito das partes de obter o consentimento para que os referidos documentos fossem «utilizados para qualquer efeito legal». Sublinha que, de acordo com o ponto 16 do despacho cautelar, a Intel poderia ter pedido à AMD autorização para divulgar à Comissão os documentos que a AMD tinha apresentado no âmbito do processo no Estado do Delaware, o tribunal americano desempenha um papel árbitro em caso de recusa da AMD. A Comissão alega que, a partir de 26 de setembro de 2006, ou seja, na data do despacho cautelar, a recorrente dispunha de um mecanismo para obter a autorização de utilizar os documentos AMD do Delaware no quadro do procedimento administrativo da Comissão, mas que a recorrente não tentou sequer apresentar esse pedido.

387

Além disso, segundo a Comissão, AMD foi favorável a um pedido de autorização da Intel para efeitos de utilizar os documentos AMD do Delaware no decurso do inquérito da Comissão, uma vez que isso teria permitido à AMD pedir uma autorização recíproca respeitante a documentos da Intel que teriam podido alicerçar a sua própria denúncia.

388

Em resposta a esta argumentação, a recorrente alega que está excluído que a AMD, sua adversária no processo no Estado do Delaware e denunciante perante a Comissão, tivesse dado o seu acordo para assistir a Intel no processo perante a Comissão, quando o processo no Estado do Delaware ainda estava em curso, e que um pedido junto do tribunal do Delaware de retirar a qualificação desses documentos como confidenciais não teria tido qualquer oportunidade de êxito. Além disso, a recorrente sustenta que, na falta de uma disposição legal que exige o esgotamento das vias de recurso administrativas, impor tal exigência limita de forma inapropriada, os direitos de defesa, e cita, a este propósito as conclusões do advogado‑geral J. Mazák no acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de julho de 2010, Knauf Gips/Comissão (C-407/08 P, Colet., p. I-6375, I-6380, n.o 38).

389

No âmbito das respostas às questões escritas colocadas pelo Tribunal, a recorrente alegou, além disso, que a AMD não tinha interesse na reciprocidade antes da adoção da decisão impugnada, dado que o processo da Comissão continha um grande número de documentos da Intel, mas muito poucos documentos da AMD. A Comissão não apresenta qualquer prova contemporânea para sustentar a sua a hipótese segundo a qual a AMD foi favorável a um pedido da Intel durante o inquérito, sob reserva de reciprocidade.

1.2) Apreciação do Tribunal Geral

390

No caso em apreço, a recorrente não demonstrou que lhe era impossível obter da AMD a autorização para utilizar os documentos AMD do Delaware.

391

Antes de mais, há que sublinhar que, em resposta a uma questão do Tribunal colocada na audiência, a recorrente admitiu que não tinha pedido à AMD que lhe concedesse essa autorização.

392

Contudo, não estava de forma alguma excluído que a AMD lhe tivesse concedido tal autorização, se a recorrente lha tivesse pedido. Com efeito, a AMD estava vinculada, tal como a recorrente, pelo despacho cautelar e não pôde fornecer à Comissão os documentos apresentados pela Intel no âmbito do processo no Estado do Delaware sem que o seu estatuto de documentos confidenciais fosse retirado. Por isso, é perfeitamente possível que a AMD autorizasse a recorrente a utilizar os documentos AMD do Delaware desde que a recorrente lhe concedesse a autorização recíproca de utilizar os documentos do processo no Estado do Delaware provenientes da Intel no quadro do procedimento administrativo da Comissão.

393

Há que rejeitar o argumento da recorrente segundo o qual AMD não tinha interesse em que a reciprocidade antes da adoção da decisão impugnada, dado que o processo da Comissão continha um grande número de documentos de Intel mas muito poucos documentos de AMD.

394

Neste quadro, importa referir que, segundo as afirmações da Intel, esta tinha fornecido equivalente eletrónica de mais de 145 milhões de páginas no âmbito do processo no Estado do Delaware, evidentemente, a circunstância de o procedimento administrativo da Comissão continha «um grande número» de documentos da Intel não permite estabelecer que, entre os mais de 145 milhões de páginas fornecidas pela Intel no âmbito do processo no Estado do Delaware, não existiam documentos que AMD teria pretendido invocar como elementos de acusação.

395

A título exaustivo, há que salientar que a recorrente indicou, na audiência, que, se tivesse pedido à AMD no decurso do inquérito da Comissão a autorização para utilizar uma categoria pertinente de documentos, a AMD teria de forma quase inevitável indicado que, se a Intel quisesse certos documentos da AMD, esta última desejaria então apresentar para o processo da Comissão um grande número de documentos adicionais para apoiar a sua denúncia. Esta declaração não está, no entanto, em conformidade com a afirmação da recorrente, no âmbito das respostas às questões escritas, segundo a qual a AMD não tinha interesse na reciprocidade antes da adoção da decisão impugnada.

396

A recorrente também não pode acusar validamente a Comissão de não ter apresentado qualquer prova contemporânea para sustentar a sua a hipótese segundo a qual a AMD foi favorável a um pedido da Intel durante o inquérito, sob reserva de reciprocidade. Com efeito, não cabe à Comissão demonstrar que a AMD teria dado a à Intel autorização para utilizar os documentos AMD do Delaware, mas incumbe à recorrente demonstrar que não pôde obter essa autorização, embora tivesse feito todas as diligências nesse sentido.

397

Dado que não era de excluir que o AMD tivesse concedido à recorrente a autorização para utilizar os documentos AMD do Delaware, cabia a esta última pedir essa autorização. Manifestamente, a simples circunstância de a AMD poder ter pedido uma autorização recíproca não pode isentar a recorrente dessa obrigação. A recorrente acusa a Comissão de ter adotado a decisão impugnada com base num processo incompleto. A este respeito, importa salientar que o processo da Comissão teria sido ainda mais completo se tivesse contido, além dos documentos AMD do Delaware que a recorrente considerava documentos em sua defesa, os documentos fornecidos pela Intel no âmbito do processo no Estado do Delaware, considerados pela AMD como documentos incriminatórios. A recorrente não pode, por um lado, beneficiar do despacho cautelar no sentido de que a AMD não pode fornecer à Comissão eventuais documentos incriminatórios entre os documentos apresentados pela Intel no âmbito do processo no estado do Delaware e, por outro, evitar sofrer as desvantagens deste despacho, ao exigir que a Comissão deve obter junto de AMD os eventuais elementos de defesa entre os documentos que a AMD tinha apresentado no âmbito do processo no Estado do Delaware.

398

A recorrente alega ainda que, na falta de uma disposição legal que exige o esgotamento das vias de recurso administrativas, impor tal exigência limita de forma inapropriada os direitos de defesa, e cita, a este propósito as conclusões do advogado‑geral J. Mazák no acórdão Knauf Gips/Comissão, n.o 388, supra (n.o 38).

399

No processo que deu origem a este acórdão, a Comissão recusou à recorrente o acesso às respostas à comunicação de acusações de outras partes no processo. A recorrente alega uma violação do direito de acesso ao dossiê. A Comissão entendeu que a recorrente não podia validamente invocar uma violação dos seus direitos de defesa. A este respeito, a Comissão apoiou‑se na circunstância de a recorrente nesse processo não ter esgotado as vias de recurso contra a recusa de lhe conceder o acesso solicitado, pois esta não tinha feito apelo ao consultor‑auditor. O advogado‑geral J. Mazák propôs rejeitar essa argumentação e considerou que, na falta de uma qualquer disposição legal que impusesse especificamente a uma parte interessada de esgotar todas as vias de recurso de que dispõe durante o procedimento administrativo perante a Comissão, impor uma condição dessa natureza limita indevidamente os direitos de defesa desta parte e priva‑a de um acesso completo à justiça (conclusões do advogado‑geral J. Mazák no acórdão Knauf Gips/Comissão, n.o 388, supra, n.o 38).

400

A Comissão sublinha que a posição do advogado‑geral J. Mazák foi contrariada por outra jurisprudência, a saber, o acórdão do Tribunal Geral de 8 de julho de 2004, Mannesmannröhren‑Werke/Comissão (T-44/00, Colet., p. II-2223, n.os 51 a 53).

401

No caso em apreço, não é necessário decidir a questão de saber se há que seguir a argumentação do advogado‑geral J. Mazák. Com efeito, os factos na base do presente processo são diferentes dos que estão na base do processo Knauf Gips. Neste último processo, colocava‑se a questão de saber se a recorrente tinha obrigação de esgotar as vias de recurso de que dispunha no procedimento administrativo perante a Comissão contra a recusa da Comissão de conceder o acesso a certos documentos que tinha em sua posse, a saber, as respostas de outras partes à comunicação de acusações.

402

No caso em apreço, a questão que se põe não é a do esgotamento das vias de recurso de uma decisão da Comissão, mas a de saber se uma eventual obrigação da Comissão de obter os documentos AMD do Delaware estava condicionada por esforços da recorrente para obter a própria autorização da AMD de utilizar esses documentos. Era esse efetivamente o caso, uma vez que a obrigação de a Comissão obter determinados documentos a pedido de uma empresa objeto de um inquérito deveria ficar circunscrita a casos excecionais, e é necessário que a empresa em causa esteja na impossibilidade de divulgar ela própria os referidos documentos à Comissão (v. n.o 375, supra).

403

Importa sublinhar que não se trata aqui de restringir um direito de que a recorrente dispõe, por força do seu direito de defesa, ao exigir o esgotamento das vias de recurso contra a recusa da Comissão de conceder esse direito. Trata‑se, pelo contrário, de definir o alcance de um eventual direito da recorrente a que a Comissão procedesse a diligências de instrução concretas a fim de obter determinados documentos.

404

Dado que não era de excluir que o AMD tivesse concedido à INTEL autorização para fornecer os documentos AMD do Delaware à Comissão, sendo caso disso sob condição de reciprocidade, competia à Intel obter essa autorização. Não é necessário analisar a questão de saber se, além disso, um pedido de a Intel levantar a confidencialidade desses documentos junto do tribunal de Delaware teria tido possibilidade de resposta favorável.

405

Resulta do exposto que a Comissão não era obrigada a obter os documentos AMD do Delaware, uma vez que a recorrente não demonstrou que lhe era impossível obter da parte da AMD autorização para utilizar esses documentos.

2) Quanto à importância dos documentos para a defesa da recorrente

406

Resulta da lista que os documentos ou categorias de documentos cuja obtenção a recorrente solicitou à Comissão respeitam às limitações de capacidade da AMD (n.os 1 a 9 da lista), aos seus incumprimentos no processo de execução (n.os 10 a 33 e 85 da lista), à sua estratégia de preços altos na Europa (n.os 34 e 35 da lista), aos seus fracos desempenhos técnicos e comerciais e à sua falta de credibilidade como fornecedor (n.os 36 a 57, 83 e 84 da lista), às práticas correntes na indústria (n.os 58 a 63 da lista), ao facto de a Intel e a AMD terem estado em concorrência (n.os 64 a 82 da lista) e aos dados respeitantes ao teste AEC (n.os 86 e 87 da lista).

407

Importa sublinhar que documentos que respeitam às limitações de capacidade de AMD, aos seus incumprimentos no processo de execução, à sua estratégia de preços altos na Europa e aos fracos desempenhos técnicos e comerciais, tal como alegados pela recorrente, podiam ser pertinentes para demonstrar que os clientes desta última tinham motivos comerciais válidos para se abastecer junto da Intel e não junto da AMD. Contudo, há que observar que a existência desses motivos comerciais válidos, admitindo‑a demonstrada, não é suscetível de ilidir as provas invocadas na decisão impugnada para demonstrar a existência dos descontos de exclusividade e restrições não dissimuladas (v. n.os 540 a 543 e 1096 a 1101, infra). Além disso, quanto à qualificação de abusivas das práticas a que se refere a decisão impugnada, não se pode deixar de observar que a Comissão não está obrigada a demonstrar efeitos concretos destas práticas nem um nexo de causalidade entre estas e as decisões comerciais dos OEM (v. n.os 104 e 212, supra).

408

Por outro lado, há que recordar que o facto de outros motivos poderem favorecer a escolha de se abastecer de forma exclusiva ou quase exclusiva junto da recorrente não exclui que as práticas desta última que são objeto da decisão impugnada pudessem igualmente ser tidas em conta pelos clientes na sua decisão.

409

Por conseguinte, em relação às categorias de documentos enumerados no n.o 407, supra, não está preenchida a condição segundo a qual deve ser provável que sejam de uma importância considerável para a sua defesa os documentos cuja obtenção a empresa solicita à Comissão.

410

Neste âmbito, há que rejeitar o argumento da recorrente baseado no facto de uma empresa objeto de um inquérito poder escolher ela própria a forma de se defender. Com efeito, a utilidade para a defesa da empresa deve ser determinada de forma objetiva e, se foi sem razão que uma empresa objeto de um inquérito considera que determinados argumentos são muito pertinentes para a sua defesa, a Comissão não poderia ser obrigada a obter documentos que, de acordo com essa empresa, podem fundamentar os seus argumentos.

411

No respeitante às práticas correntes na indústria alegadas pela Intel, há que referir o seguinte.

412

os n.os 58 a 60 da lista dizem respeito às práticas correntes na indústria relativas aos acordos de apoio financeiro concluídos entre produtores de CPU e retalhistas de computadores. A este respeito, há que sublinhar que o que é acusado Intel, na decisão impugnada, não é o facto de ter celebrado com a MSH acordos de apoio financeiro, mas o facto de o incitamento estar sujeito a uma condição de exclusividade. Documentos que demonstram que os acordos de apoio financeiro são correntes na indústria não teriam, portanto, servido como defesa à recorrente. O facto de que outros retalhistas pudessem celebrar acordos de apoio financeiro simultaneamente com a Intel e com AMD não poderia pôr em causa a circunstância de que os elementos de prova nos quais a Comissão se baseia na decisão impugnada demonstram a existência de uma condição de exclusividade nos acordos celebrados entre a Intel e a MSH (v. n.o 1487, infra).

413

Os n.os 61 a 63 da lista diziam respeito a documentos que eram, segundo a afirmação que constava da rubrica «Pertinência dos documentos em falta para a [comunicação de acusações de 2007/comunicação de acusações complementar de 2008]», pertinentes ao abrigo táticas agressivas de AMD que eram«reveladoras do clima competitivo desenfreado e que contribu[íam] para clarificar o facto de que as estratégias concorrenciais da Intel fizeram parte de uma concorrência normal de mérito num mercado comercial fortemente competitivo». A este respeito, há que salientar que o facto de a táticas agressivas terem podido ser normais na indústria dos CPU não poderia pôr em causa nem a prova da existência dos descontos de exclusividade e restrições não dissimuladas nem a sua qualificação de abusivos. Também é o caso da existência de um «clima competitivo». Este facto pode, quando muito, demonstrar a inexistência de eliminação real. Em contrapartida, não pode refutar a existência das práticas postas em causa na decisão impugnada nem pôr em causa a sua capacidade de restringir a concorrência.

414

No que diz respeito ao facto de a Intel ter feito face à concorrência (linhas 64 a 82 do quadro que continha a lista), deve salientar‑se o seguinte.

415

O n.o 64 da lista diz respeito à situação de um OEM relativamente ao qual nenhuma infração foi considerada na decisão impugnada. Os documentos que poderiam demonstrar, segundo a recorrente, que AMD não foi impedida de fazer concorrência à Intel relativamente a este OEM não teriam, pois, podido servir de defesa à Intel.

416

os n.os 65 a 71 da lista diz respeito a documentos que, segundo a recorrente, teriam sido pertinentes para demonstrar que «a AMD e a Intel competiam entre si o melhor que podiam para fazer negócios com a Lenovo, o que demonstra a existência de uma concorrência normal de mérito num mercado fortemente competitivo». A recorrente pediu à Comissão que obtivesse junto da AMD documentos relativos às propostas que a AMD tinha submetido à Lenovo e relativas às negociações entre essas empresas. A este respeito, importa realçar que o facto de a AMD ter apresentado propostas à Lenovo e ter negociado com esta não é suscetível de pôr em causa a prova da existência das práticas da Intel relativas à Lenovo a que se refere a decisão impugnada, nem a sua capacidade de restringir a concorrência. Com efeito, o simples facto de a Lenovo ter negociado com a AMD não exclui que a Lenovo tenha recebido incitamentos financeiros sujeitos às condições de adiar o lançamento de produtos equipados com CPU AMD e de se abastecer exclusivamente junto da recorrente nem que esses incitamentos tenham tido uma influência sobre as decisões comerciais da Lenovo (v. n.os 530 e 1089, infra).

417

Os n.os 72 a 82 da lista dizem respeito a documentos que, segundo a recorrente, teriam sido pertinentes para demonstrar que «a AMD e a Intel competiam entre si para fazer negócios com a MSH, beneficiando a AMD de condições equivalentes para rivalizar a fim de obter o contrato se pretendia fazê‑lo». A recorrente pediu à Comissão que obtivesse junto da AMD documentos relativos às propostas da AMD à sociedade alemã Media Markt de 2002 e 2004, relativos ao interesse da MSH pela compra de produtos equipados com CPU AMD e às propostas correspondentes da AMD, bem como dos documentos relativos às propostas da AMD a outros retalhistas. A este respeito, há que observar que a circunstância de a AMD ter feito igualmente propostas à Media Markt e a circunstância de a MSH ter considerado a possibilidade de adquirir produtos equipados de CPU AMD não põem em causa a prova da existência das práticas da Intel relativas à MSH a que se refere a decisão impugnada, nem a sua capacidade de restringir a concorrência. Com efeito, o simples facto de a AMD ter feito propostas à Media Markt e de a MSH ter considerado a possibilidade de adquirir produtos equipados com CPU AMD não exclui que a MSH tenha recebido incitamentos financeiros sujeitos à condição de que esta vendesse exclusivamente produtos equipados de CPU Intel, nem que essas incitamentos tenham tido uma influência sobre as decisões comerciais da MSH (v. n.os 530 e 1089, infra). As propostas feitas pela AMD a outros retalhistas não podem pôr em causa as conclusões da decisão impugnada pelas razões expostas no n.o 412, supra.

418

Quanto aos dados respeitantes ao teste AEC (n.os 86 e 87 da lista), basta recordar, a falta de pertinência do teste AEC no caso em apreço (v. n.os 142 a 166, supra).

419

Resulta do exposto que nenhum dos documentos ou categorias de documentos indicados na lista revestia uma importância tal para a defesa da recorrente que a Comissão poderia ter sido obrigada a obtê‑los.

420

A recorrente baseia‑se por outro lado em documentos novos que apresentou, após a resolução do processo no Estado do Delaware entre ela própria e a AMD, em anexo à réplica e que citou nos n.os 298 a 304 da mesma, sendo os referidos documentos, segundo a recorrente, documentos de defesa. Esses documentos, todavia, não são suscetíveis de pôr em causa o resultado a que chegou a Comissão, sem que seja necessário pronunciar‑se sobre a sua admissibilidade, que é contestada pela Comissão.

421

A este respeito, importa sublinhar que o critério de apreciação não é a questão de saber se certos documentos AMD do Delaware eram de defesa, pois a questão que se coloca no caso em apreço não respeita a uma recusa de dar acesso aos elementos do processo, mas à obrigação de a Comissão desencadear a instrução de forma diligente e imparcial. A existência de uma obrigação de a Comissão obter determinados documentos deve ser analisada em função das condições definidas nos n.os 374 a 382, supra, nomeadamente em função da condição que devia ser provável, durante o procedimento administrativo, que os documentos em causa tivessem uma importância considerável para a defesa da empresa em causa.

422

A título exaustivo, há que referir o seguinte quanto ao conteúdo desses documentos.

423

A recorrente alega que decorre desses documentos, nomeadamente, que a AMD não registou sucesso junto da Dell, pois esta estava preocupada com o facto de AMD não ter cumprido obrigado as suas promessas em matéria de desempenho, que a AMD tinha reconhecido que a Dell tinha razões comerciais válidas para não se abastecer junto dela e que a Dell persistiu em prosseguir relações com a AMD. A este respeito, há que sublinhar que a circunstância segundo a qual Dell pôde ter também outros motivos para não se abastecer junto de AMD não exclui a prova da existência dos descontos de exclusividade nem a sua capacidade de restringir a concorrência (v. n.os 540 a 546, infra). Do mesmo modo, o facto de a Dell ter prosseguido relações com a AMD e ter constantemente avaliado a possibilidade de se abastecer junto desta não põe em causa a existência de um desconto de exclusividade (v. n.o 530, infra).

424

A recorrente alega igualmente que resulta de um dos documentos em causa que o [confidencial] da HP indicou AMD que «os fracassos [de AMD junto da HP] nada tinham a ver com a Intel». A este respeito, há que observar que a Comissão provou suficientemente a existência dos descontos de exclusividade e restrições não dissimuladas, como resulta dos n.os 673 a 873, infra. O documento citado pela Intel apenas pode demonstrar a circunstância de que a HP negou, no decurso de uma reunião com AMD, que os fracassos de AMD junto da HP tivessem tido uma ligação com o comportamento da Intel. Esta circunstância não pode pôr em causa os elementos de prova que demonstram claramente a existência dos descontos de exclusividade e restrições não dissimuladas. Neste âmbito, cabe realçar que a HP tinha interesse em não divulgar à AMD as condições não escritas dos acordos entre ela e a Intel.

425

Do mesmo modo, as reflexões internas da AMD quanto às razões dos seus fracassos bem como os correios eletrónicos internos da AMD relativamente à qualidade dos seus produtos e à sua reputação não podem pôr em causa a existência dos descontos de exclusividade e das restrições não dissimuladas. Poderiam, quando muito, demonstrar a circunstância de os clientes poderem ter tido também outros motivos para se abastecer junto da Intel.

3) Quanto à proporcionalidade do pedido

426

Importa referir que a maioria dos números da lista não dizem respeito a documentos precisos, mas as categorias de documentos.

427

A Comissão sublinha acertadamente que, se tivesse deferido, na íntegra, o pedido da recorrente e solicitado à AMD que fornecesse todas as categorias de documentos enumeradas na lista, a AMD poderia fornecer uma quantidade enorme de documentos. Há que referir que, segundo as próprias recorrentes, a AMD tinha fornecido cerca de 45 milhões de páginas de provas no âmbito do processo no Estado do Delaware. Se a Comissão tivesse pedido, por exemplo, que fornecesse «todos os documentos relativos às limitações de capacidade de AMD» (linhas 1 a 3 do quadro que continha a lista), a AMD poderia fornecer uma quantidade potencialmente enorme de documentos à Comissão. O mesmo se diga no que respeita, por exemplo, a «todos os documentos da AMD respeitantes às previsões de vendas e aos volumes de vendas da AMD» (linhas 6 a 9 do quadro que continha a lista), «todos os documentos da AMD em relação com os seus incumprimentos em matéria de entrega e de conceção» (linhas 10 a 12, 16 a 24, 33 e 52 a 56 do quadro que continha a lista), «todos os documentos da AMD em relação às suas capacidades e a perceção dos seus clientes no segmento empresa» (linhas 13, 37 a 43 e 57 do quadro que continha a lista) ou «no segmento dos portáteis» (n.os 48 a 49 e 51 da lista).

428

O inquérito da Comissão poderia ter sido atrasado de modo considerável se esta tivesse pedido a produção de todos os documentos incluídos nessas amplas categorias, estudado os documentos fornecidos, dado acesso a estes à recorrente e recolhido as observações desta a seu respeito.

429

A Comissão podia, portanto, validamente considerar que o pedido da Intel, considerado no seu conjunto, era desproporcionado relativamente ao valor acrescentado potencial que estes documentos poderiam trazer aos que estavam já na sua posse.

430

A Comissão podia ter também em conta a circunstância de que o processo estava numa fase adiantada no momento em que a recorrente lhe pediu que obtivesse documentos suplementares e que a adoção da decisão impugnada corria o risco de ser adiada de modo considerável se tivesse dado deferimento ao pedido da recorrente.

431

Como a Comissão sublinha, a argumentação da recorrente equivale a conferir à empresa objeto de inquérito em vez de à Comissão um poder discricionário quanto à forma de utilizar recursos para assegurar uma aplicação eficaz do direito da concorrência.

432

Por último, há que recordar que, por carta de 21 de maio de 2008, na sequência de uma publicação em linha dos articulados preparatórios elaborados pela recorrente e pela AMD no âmbito do processo no Estado do Delaware, a Comissão pediu tanto à recorrente como à AMD lhe fizessem chegar todos os documentos que haviam elaborados ou recebidos e que estavam citados nos seus articulados preparatórios respetivos (v. n.o 340, supra).

433

Como sublinha a Comissão, um despacho do tribunal do Delaware de 28 de março de 2008 indicava que esses articulados preparatórios deviam conter para as duas partes «os principais elementos de facto em apoio de cada um dos elementos das suas alegações ou da sua defesa».

434

Portanto, a Comissão tinha o direito de considerar que a recorrente tinha obtido as provas que as partes consideravam como mais pertinentes, tanto de acusação como de defesa. A Comissão pôde considerar ter feito o necessário para ter uma visão suficientemente completa do processo em que pediu à INTEL e à AMD de apresentassem os documentos que foram citados nos seus articulados preparatórios respetivos.

435

Neste quadro, deve recordar‑se que a questão que se coloca no caso vertente é a do respeito pela Comissão do seu dever de instruir o processo com diligência e imparcialidade (v. n.o 358, supra). Tendo a Comissão reclamado a totalidade dos documentos referidos pela recorrente e pelas AMD nos seus articulados preparatórios respetivos, não se pode acusar a Comissão de ter levado a cabo um inquérito parcial.

d) Conclusão quanto a essa acusação

436

Resulta do exposto que a acusação relativa à recusa da Comissão de obter determinados documentos da AMD deve ser afastada. Com efeito, a recorrente deveria ter tentar obter autorização de AMD divulgar à Comissão os documentos AMD do Delaware. A circunstância de que a recorrente não o fez é suficiente para rejeitar essa alegação, pois as condições definidas nos n.os 374 a 382, supra, são cumulativas. Além disso, a Comissão não estava obrigada a obter os documentos AMD do Delaware, pois não era provável que tivessem sido de importância considerável para a defesa da recorrente. Além disso, a Comissão pôde validamente considerar que o pedido da Intel, considerado no seu conjunto, era desproporcionado relativamente ao valor acrescentado potencial que os documentos teriam podido trazer relativamente aos que estavam já na posse da Comissão. Não é, portanto, necessário examinar a questão de saber se a recorrente podia identificar de forma mais precisa os documentos cuja obtenção pediu à Comissão.

D — Erros de apreciação sobre as práticas relativamente aos diversos OEM e à MSH

1. Dell

[omissis]

a) Apreciação das provas apresentadas na decisão impugnada para demonstrar a existência de uma comunicação da Intel à Dell indicando que o nível dos descontos MCP estava sujeito a uma condição de exclusividade

[omissis]

3) Sobre os outros argumentos da recorrente

[omissis]

3.2) Quanto ao argumento de que a Comissão não se pode basear nas projeções internas de um cliente para demonstrar uma infração ao artigo 82.o CE

519

A recorrente, apoiada pela ACT, alega que, na decisão impugnada, a Comissão se baseou, erradamente, nas projeções internas da Dell. Segundo a recorrente, a afirmação segundo a qual Dell estava convencida de que o nível dos descontos MCP se baseava no seu estatuto de vendedor exclusivo da Intel é juridicamente destituída de pertinência por força do princípio da segurança jurídica. A responsabilidade da empresa em posição dominante não se pode basear no que os seus clientes acreditavam. Na audiência, a recorrente precisou a este respeito, em substância, que é possível inferir a existência de um comportamento específico da parte recorrente com base das projeções internas de um cliente, uma vez que tais projeções poderiam ser desrazoáveis.

520

A ACT alega, na audiência, que o facto de a Comissão ter baseado a sua teoria da existência de um abuso em estimativas internas da Dell é confirmado pela circunstância de que o comportamento da recorrente não se alterou nem no início nem no final do período de infração referido na decisão impugnada. Segundo a ACT, a Comissão apoiou‑se unicamente no início e no termo da existência de especulações internas no seio da Dell sobre as consequências de uma decisão de se abastecerem parcialmente junto da AMD para concluir pelo início e pelo final do período de infração. Questionada sobre a sua alegação pelo Tribunal Geral, a ACT esclareceu que não defendia que a duração da infração considerada na decisão impugnada devesse ser reduzida, mas apenas que a teoria da existência de um abuso elaborado pela Comissão assentava em especulações internas da Dell.

521

Importa salientar que, no presente processo, na falta de uma condição formal de exclusividade, a Comissão apoiou‑se nas projeções internas da Dell para demonstrar que a recorrente, de facto, assinalou à Dell durante o período em que o nível dos descontos MCP estava sujeito a essa condição. Esta abordagem, através da qual a Comissão teve em conta as expectativas de um cliente da recorrente apenas para estabelecer a prova de um comportamento específico da recorrente, não pode ser criticada.

522

É verdade que, no acórdão do Tribunal de Justiça Deutsche Telekom, n.o 98, supra (n.os 198 e 202), e no acórdão TeliaSonera, referido no n.o 88, supra (n.os 41 e 44), o Tribunal de Justiça confirmou que, a fim de apreciar a licitude da política de preços aplicada por uma empresa dominante, em princípio, há que fazer referência a critérios de preços baseados nos custos suportados pela empresa dominante e que tal abordagem é tanto mais justificada quanto esta é igualmente conforme com o princípio geral da segurança jurídica, uma vez que a tomada em conta dos custos dos preços da empresa dominante permite a este apreciar a legalidade dos seus próprios comportamentos.

523

Todavia, esta jurisprudência, que limita os critérios jurídicos suscetíveis de serem tomados em consideração quando da apreciação da licitude de uma política de preços, não impede a Comissão de se basear, no plano factual, quanto às expetativas internas de um cliente para estabelecer a prova de um comportamento próprio da empresa em posição dominante. No caso em apreço, a crítica jurídica da existência de um abuso de posição dominante assenta na circunstância segundo a qual a recorrente aplicou um sistema de descontos cujo nível era de facto sujeito a uma condição de exclusividade. esta acusação assenta exclusivamente num comportamento próprio da recorrente de que esta devia ter conhecimento. Em contrapartida, não assenta as projeções internas da Dell, de que se serviu a Comissão unicamente para estabelecer a prova factual da prática posta em causa.

524

Pelas mesmas razões, há que rejeitar o argumento do ACT, segundo o qual a Comissão se apoiou unicamente no início e no final de certas especulações internas no seio da Dell sobre as consequências de uma decisão de se abastecer parcialmente junto da AMD para concluir pelo início e pelo final do período de infração. Com efeito, uma vez que, na decisão impugnada, a Comissão pôs em causa um comportamento específico da recorrente, nada se opunha a que se apoiasse nas projeções internas da Dell para concluir pelo início e pelo final desse comportamento.

525

Por último, há que rejeitar o argumento da recorrente segundo o qual é possível inferir a existência de um comportamento próprio da recorrente com base nas projeções internas de um cliente, uma vez que tais projeções poderiam ser desrazoáveis. É verdade que, em princípio, é permitido à recorrente refutar a prova apresentada pela Comissão na decisão impugnada, demonstrando que as projeções internas da Dell, com base nas quais a Comissão inferiu a aplicação de um desconto de exclusividade pela recorrente, não eram razoáveis e que, portanto, não foram causadas pelo comportamento da recorrente. Todavia, no caso em apreço, a recorrente não demonstrou esse facto. Pelo contrário, o facto de as projeções internas da Dell coincidirem com o conteúdo dos documentos internos da Intel e o do correio eletrónico de 7 de dezembro de 2004 (v. n.os 505 a 515, supra), confirma que estas projeções não eram razoáveis mas que assentavam precisamente no que foi assinalado à Dell pela recorrente.

3.3) Quanto ao argumento de que a Comissão deveria ter demonstrado que os descontos MCP foram efetivamente reduzidos de forma desproporcionada em caso de decisão da Dell de se abastecer parcialmente junto da AMD

526

A recorrente alega, no essencial, que foi sem razão que a Comissão não tinha demonstrado que os descontos MCP foram efetivamente reduzidos de forma desproporcionada em caso de decisão da Dell se abastecer parcialmente junto da AMD. Em especial, os documentos internos da Dell não têm em conta as alterações efetivamente introduzidas nos descontos da Dell. Antes contêm hipóteses sobre o que poderia ter acontecido se a Dell tivesse decidido abastecer‑se junto da AMD.

527

Há que observar que a capacidade anticoncorrencial de um desconto de exclusividade assenta no facto de que o mesmo é suscetível de incitar o cliente a um abastecimento exclusivo (v., neste sentido, acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 71, supra, n.o 90, e acórdão British Airways, já referido no n.o 74, supra, n.o 62). Ora, a existência de tal incitamento não depende da questão de saber se o desconto é reduzido ou suprimido em caso de violação do requisito de exclusividade a que a sua concessão está sujeita (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral Tomra, referido no n.o 72, supra, n.o 300). Com efeito, basta referir a este respeito que a empresa dominante dá a impressão ao cliente de que tal é o caso. O que importa são as circunstâncias que o cliente devia esperar no momento em que fez as encomendas, em conformidade com o que lhe foi assinalado pela empresa em posição dominante, e não a reação efetiva desta última à decisão do cliente mudar a sua fonte de abastecimento.

[omissis]

3.6) Quanto ao argumento de que a Dell se abasteceu exclusivamente junto da recorrente por razões perfeitamente independentes de qualquer receio de redução desproporcionada dos descontos em caso de abastecimento junto de AMD

539

A recorrente alega que a Dell se abasteceu exclusivamente junto dela por razões perfeitamente independentes de qualquer receio de redução desproporcionada dos descontos em caso de abastecimento junto da AMD. Em primeiro lugar, a Dell optou por comprar CPU a título exclusivo à Intel devido ao seu modelo de baixo custo e em razão do custo mais fraco num abastecimento exclusivo junto da Intel. Em segundo lugar, a Dell considerou que os CPU Intel eram, em geral, de qualidade superior à dos CPU AMD e que a Intel era dotada de capacidades superiores enquanto fornecedor. Em terceiro lugar, a Dell manifestou‑se preocupada quanto ao «caráter duradouro da folha de encaminhamento [da AMD] e do bom estado do ecossistema dos chipsets [da AMD]». Em quarto lugar, a Dell duvidou da fiabilidade da AMD enquanto fornecedor. Em quinto lugar, a Dell concluiu que o facto de se abastecer junto da AMD iria provocar graves problemas de logística. Em sexto lugar, a Dell manifestou apreensão quanto a incapacidade da AMD de satisfazer as suas exigências de volumes importantes.

540

A este respeito, há que reconhecer, em primeiro lugar, que os argumentos da recorrente são inoperantes na medida em que se destinam a refutar a prova de que a recorrente referiu à Dell que o nível dos descontos MCP estava sujeito a uma condição de exclusividade.

541

Com efeito, com os seus argumentos, a recorrente esforça‑se por explicar a existência de uma relação de exclusividade entre ela e a Dell durante o período em causa, evocando motivos diferentes da concessão dos descontos de exclusividade. Ora, na decisão impugnada, a Comissão não inferiu a existência dos descontos de exclusividade com base apenas na existência de uma relação de exclusividade entre a recorrente e a Dell, de modo que, para refutar essa prova, a recorrente podia limitar‑se a fornecer uma explicação alternativa. Pelo contrário, ao basear‑se, em particular, nos documentos internos da Intel e da Dell bem como na resposta da Dell ao abrigo do artigo 18.o e no correio eletrónico de 7 de dezembro de 2004, a Comissão demonstrou através de provas precisas e concordantes que a recorrente referiu à Dell que o nível dos descontos MCP estava sujeito a uma condição de abastecimento exclusivo (v. n.os 446 a 515, supra). Os argumentos da recorrente respeitantes aos alegados motivos independentes da Dell para o seu abastecimento exclusivo não se referem diretamente às provas utilizadas na decisão impugnada. limitam‑se antes a pô‑las em causa de forma indireta oferecendo uma explicação alternativa no que respeita à existência de uma relação de exclusividade entre a recorrente e a Dell durante o período posto em causa. Essa contestação indireta não pode bastar para contestar o valor probatório dos elementos de prova considerados na decisão impugnada.

542

Além disso, resulta da jurisprudência que, quando a Comissão se baseia em elementos de prova que, em princípio, são suficientes para demonstrar a existência da infração, não basta à empresa em causa evocar a possibilidade de que tenha ocorrido uma circunstância que possa afetar o valor probatório dos referidos elementos de prova para que a Comissão suporte o ónus de provar que esta circunstância não pôde afetar o valor probatório dos elementos de prova. Pelo contrário, salvo nos casos em que essa prova não possa ser fornecida pela empresa em causa devido ao comportamento da própria Comissão, cabe à empresa em causa provar de forma bastante, por um lado, a existência da circunstância que invoca e, por outro, que esta circunstância põe em causa o valor probatório dos elementos de prova nos quais a Comissão se baseia (acórdão E.ON Energie/Comissão, referido no n.o 67, supra, n.o 56).

543

Ora, há que observar que, ao fornecer uma explicação alternativa no que respeita à existência de uma relação de exclusividade entre a recorrente e Dell a recorrente não põe em causa o facto de o nível dos descontos MCP estar sujeito a uma condição de exclusividade. Mesmo admitindo que a recorrente conseguisse provar que a Dell se abastecia junto dela unicamente pelas razões invocadas pela recorrente, esta circunstância não põe em causa o valor probatório dos elementos de prova nos quais a Comissão se baseou para demonstrar a existência de um desconto de exclusividade. Com efeito, a prova prevista pela recorrente permite apenas refutar o nexo de causalidade entre o desconto de exclusividade, cuja existência foi provada de forma bastante na decisão impugnada, e a decisão da Dell se abastecer exclusivamente junto da recorrente. Não permite no entanto refutar a existência de um desconto de exclusividade enquanto tal.

544

Daqui resulta que os argumentos da recorrente são inoperantes na medida em que se destinam a refutar a prova de que a recorrente referiu à Dell que o nível dos descontos MCP estava sujeito a uma condição de exclusividade.

545

Em segundo lugar, há que constatar que os argumentos do recorrente são igualmente inoperantes na medida em que se destinam a pôr em causa a qualificação jurídica de práticas abusivas dada aos descontos de exclusividade. A este respeito, importa recordar que a qualificação de um desconto de exclusividade de abusivo não requer a demonstração de um efeito concreto no mercado nem de um nexo de causalidade (v. n.os 103 e 104, supra). Esse desconto é ilegal em razão da sua capacidade de restringir a concorrência. Mesmo admitindo que a recorrente tenha conseguido refutar a existência de um nexo de causalidade entre a concessão dos descontos de exclusividade e a decisão da Dell se abastecer exclusivamente junto desta, tal não poria em causa a capacidade inerente aos descontos MCP de restringir a concorrência. Com efeito, qualquer vantagem financeira cuja concessão está sujeita a uma condição de exclusividade é necessariamente suscetível de incitar o cliente a um abastecimento exclusivo, sem que seja relevante saber se o cliente se abasteceu exclusivamente junto da empresa dominante igualmente na falta de um desconto de exclusividade.

546

Consequentemente, há que concluir que os argumentos da recorrente relativos à existência de outras razões pelas quais a Dell se abasteceu exclusivamente junto dela durante o período em causa na decisão impugnada são inoperantes. Não são de maneira nenhuma de molde a refutar a prova da existência de um desconto de exclusividade, nem a sua qualificação jurídica de abusiva. Por conseguinte, estes argumentos devem ser afastados sem que seja necessário analisar a sua procedência e pronunciar‑se sobre a questão de saber se a recorrente demonstrou de forma bastante que a Dell se abasteceu exclusivamente junto da recorrente apenas por razões diferentes da existência de um desconto de exclusividade.

[omissis]

c) Reunião com o Sr. D1 e a Dell

1) Argumentos das partes e tramitação processual

601

A recorrente acusa a Comissão de ter violado os seus direitos de defesa ao não estabelecer uma ata da reunião que se realizou em 23 de agosto de 2006 entre os membros dos serviços da Comissão e o [confidencial], Sr. D1. A Comissão admitiu a organização dessa reunião somente após a recorrente lhe ter demonstrado a existência da lista indicativa dos temas, negando o facto de ter sido redigida uma ata. Alguns meses mais tarde, o conselheiro‑auditor admitiu a existência da nota interna, declarando que se tratava de um documento interno ao qual a recorrente não tinha o direito de acesso. A Comissão finalmente transmitiu, «por cortesia», à Intel em 19 de dezembro de 2008 uma cópia da nota interna da qual numerosas passagens foram ocultadas.

602

Segundo a recorrente, decorre tanto da lista indicativa dos temas como da nota interna que a reunião entre a Comissão e o Sr. D1 incidiu sobre questões‑chave relativas à Dell. É provável que o Sr. D1 tenha fornecido elementos suscetíveis de desculpar a Intel.

[omissis]

2) Apreciação do Tribunal Geral

[omissis]

2.1) Quanto à existência de uma irregularidade processual

612

Quanto à questão de saber se a Comissão viciou de uma irregularidade o procedimento administrativo, há que constatar, em primeiro lugar, que a Comissão não violou o artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, lido em conjugação com o artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004. Com efeito, a Comissão não era obrigada a organizar a reunião com o Sr. D1 enquanto interrogatório formal na aceção destas últimas disposições.

613

O artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003 prevê que a Comissão pode ouvir qualquer pessoa singular ou coletiva que a tal dê o seu consentimento para efeitos da recolha de informações sobre o objeto de um inquérito. O artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004 sujeita os interrogatórios baseados nesta última disposição ao respeito de certas formalidades. Em conformidade com o artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 773/2004, a Comissão indica, no início da audição, a base jurídica em que este assenta bem como o seu objetivo e recorda o seu caráter voluntário. Deve também informar a pessoa ouvida da intenção de registar a audição. Segundo o n.o 3 do referido artigo, a Comissão pode registar sob qualquer forma as declarações feitas pelas pessoas interrogadas. Uma cópia de qualquer registo é posta à disposição da pessoa interrogada para aprovação. Se necessário, a Comissão deve fixar um prazo durante o qual a pessoa ouvida pode transmitir eventuais correções a introduzir nas suas declarações.

614

Ora, há que constatar que o âmbito de aplicação do artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, lido em conjugação com o artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004, não se estende a toadas as audições relativas ao objeto de uma investigação efetuada pela Comissão. Com efeito, há que distinguir os interrogatórios formais efetuados pela Comissão por força das referidas disposições das audições informais. As necessidades práticas do bom funcionamento da administração, bem como o interesse de uma proteção eficaz das regras de concorrência justificam que a Comissão disponha da possibilidade de proceder a audições que não estão sujeitas às formalidades previstas no artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004. Quer por razões de economia processual quer pelos potenciais efeitos dissuasivos que pode ter um interrogatório formal sobre a propensão de uma testemunha para fornecer informações que se opõem à existência de uma obrigação geral de a Comissão submeter qualquer audição às formalidades previstas no artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004. Se a Comissão se propõe utilizar, na sua decisão, um elemento de acusação que lhe foi transmitido quando de uma reunião informal, deve torná‑lo acessível às empresas destinatárias da comunicação de acusações, sendo caso disso, criando, para esse efeito um documento escrito destinado a figurar no processo (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral Atlantic Container Line e o./Comissão, n.o 359, supra, n.o 352, e de 25 de outubro de 2005, Groupe Danone/Comissão, T-38/02, Colet., p. II-4407, n.o 67). Contudo, a Comissão pode servir‑se de informações obtidas por ocasião de uma reunião informal, nomeadamente para obter elementos de prova mais sólidos, ao mesmo tempo que as informações obtidas no âmbito de uma reunião informal acessíveis à empresa em causa.

615

Resulta da redação do artigo 19.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1/2003, segundo o qual a Comissão «pode ouvir» uma pessoa «para efeitos da recolha de informações sobre o objeto de um inquérito», que a Comissão goza de um poder discricionário para decidir se submete uma entrevista aos requisitos formais do artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004. Esta interpretação do conteúdo é confirmada pelo objetivo do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, lido em conjugação com o artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004. Decorre da obrigação de a Comissão pôr qualquer registo à disposição da pessoa interrogada para aprovação que as formalidades previstas no artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004 visam, além de proteger a pessoa ouvida, sobretudo a aumentar a fiabilidade das declarações obtidas. Assim, as referidas disposições não se aplicam a qualquer audição relativa ao objeto de um inquérito, mas apenas às situações relativamente às quais a Comissão prossegue o objetivo de recolher informações, tanto de acusação como de defesa, nas quais a Comissão poderá basear‑se como elemento de prova na sua decisão que põe termo a uma investigação dada. Em contrapartida, estas disposições não têm por finalidade restringir a possibilidade de a Comissão recorrer a audições informais.

616

Esta interpretação do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, lido em conjugação com o artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004, resulta também do considerando 25 do Regulamento n.o 1/2003. Este constata que, sendo a deteção das infrações às regras de concorrência cada vez mais difícil, é necessário, para proteger eficazmente a concorrência, reforçar os poderes de inquérito da Comissão. Este considerando conclui, além disso, que a Comissão deverá, nomeadamente, poder ouvir qualquer pessoa suscetível de dispor de informações úteis e registar as suas declarações. O objetivo do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003 é, portanto, «completar» os outros poderes de investigação de que dispõe a Comissão e conceder‑lhe o «poder» de interrogar e de registar. No entanto, a referida disposição não tem por objetivo restringir o recurso pela Comissão a práticas informais, impondo‑lhe uma obrigação geral de sujeitar qualquer audição sobre informações relativas ao objeto de um inquérito aos requisitos formais do artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004 e colocar um registo à disposição da empresa acusada.

617

Esta interpretação do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, lido em conjugação com o artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004, não significa que a Comissão pode decidir de forma arbitrária, no decurso de uma conversa, quais as informações que deixa consignadas. Com efeito, resulta do artigo 3.o, n.o 1, do Regulamento n.o 773/2004 que, quando a Comissão procede a um interrogatório nos termos do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, deve informar a pessoa ouvida, no início da audição, da base jurídica e da finalidade da audição, bem como a sua intenção de o registar. Daqui se conclui que a Comissão deve decidir, no início de qualquer audição, sempre que pretenda proceder a um interrogatório formal. Se a Comissão optar, com o consentimento da pessoa interrogada, por proceder a esse interrogatório, não pode deixar de registar certos aspetos. Nesse caso, está obrigada a registar o interrogatório na íntegra, sem prejuízo do facto de a primeira frase do artigo 3.o, n.o 3, do Regulamento n.o 773/2004 deixar à Comissão a escolha sobre a forma do registo. Todavia, no caso em apreço, a Comissão salientou, sem ser desmentida quanto a este ponto pela recorrente, que a audição não tinha por finalidade recolher provas sob a forma de um relatório assinado ou de declarações ao abrigo do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, mas apenas examinar se havia indicações suficientes de violações do direito da concorrência relativas às práticas comerciais da Intel relativamente à Dell e explorar novas medidas de instrução a respeito da Dell. A reunião entre os serviços da Comissão e o Sr. D1 não constituía, portanto, num interrogatório formal na aceção do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003.

618

Dado que a reunião entre os serviços da Comissão e o Sr. D1 não constituía um interrogatório formal na aceção do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003 e que a Comissão também não era obrigada a proceder a esse interrogatório, o artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004 não é aplicável ao presente caso, pelo que o argumento relativo a uma pretensa violação das formalidades impostas por esta última disposição é inoperante.

619

Em segundo lugar, no que respeita ao princípio da boa administração, consagrado no artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais, resulta de jurisprudência constante que esse princípio impõe uma obrigação de a instituição competente examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso concreto (acórdãos do Tribunal Geral Atlantic Container Line e o./Comissão, n.o 359, supra, n.o 404, e de 22 de março de 2012, Slovak Telekom/Comissão, T‑458/09 e T‑171/10, n.o 68). Embora não exista qualquer obrigação geral de a Comissão proceder ao registo das discussões que manteve com denunciantes ou outras partes no decurso de reuniões ou conversas telefónicas com estes (v., neste sentido, acórdão Atlantic Container Line e o./Comissão, n.o 359, supra, n.os 351 e 385, e Groupe Danone/Comissão, n.o 614, supra, n.o 66), não é menos verdade que o princípio da boa administração pode, em função das circunstâncias particulares do caso em apreço, impor à Comissão uma obrigação de consignar as declarações por ela recebidas (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 15 de março de 2006, BASF/Comissão, T-15/02, Colet., p. II-497, n.o 501).

620

A este respeito, há que precisar que a existência de uma obrigação para a Comissão de consignar as informações que recebe durante reuniões ou conversas telefónicas, bem como a natureza e o alcance dessa obrigação dependem do conteúdo dessas informações. A Comissão está obrigada a elaborar uma documentação adequada, incluída nos autos a que as empresas em causa têm acesso, sobre os aspetos essenciais relativos ao objeto de um inquérito. Essa conclusão vale para todos os elementos que revestem uma certa importância e que possuem uma ligação objetiva com objeto de inquérito, independentemente do seu caráter de acusação ou de defesa.

621

No caso em apreço, resulta, nomeadamente, da nota interna que os assuntos abordados durante a reunião não diziam respeito a questões puramente formais, tais como, por exemplo, a confidencialidade de certos dados, mas questões que tenham uma relação objetiva com o fundo da investigação. Por outro lado, o Sr. D1 era um dos mais altos dirigentes do maior cliente da Intel. Por último, como foi salientado pela Intel na audiência e nas suas observações de 6 de março de 2013, a reunião durou cinco horas. Estas circunstâncias conferiam à reunião uma importância que impunha à Comissão uma obrigação de juntar aos autos pelo menos uma nota sucinta que contém, sob reserva de eventuais pedidos de confidencialidade, o nome dos participantes bem como um resumo breve dos assuntos abordados. Dado que a Comissão não elaborou esse documento destinado a figurar no processo ao qual a recorrente poderia pedir acesso, é forçoso constatar que a Comissão violou o princípio da boa administração.

622

Todavia, ao colocar à disposição da recorrente, no procedimento administrativo, a versão não confidencial da nota interna e, dando‑lhe a possibilidade de apresentar observações sobre este documento, a Comissão corrigiu a esta lacuna inicial do procedimento administrativo, pelo que esta não está ferida de irregularidade. O facto de a nota interna ter tido elaborada com a finalidade de servir de nota aos membros dos serviços da Comissão e de que apenas foi comunicada à recorrente uma versão na qual certas passagens foram ocultadas não põe em causa esta conclusão. Com efeito, a versão da nota interna que foi comunicada à recorrente durante o procedimento administrativo contém as informações que a Comissão deveria ter consignado num documento destinado a figurar no processo ao qual a recorrente poderia ter pedido acesso. Comporta o nome dos participantes bem como um breve resumo dos assuntos abordados.

623

Em terceiro lugar, o argumento da demandante, suscitado nas suas observações de 6 de março de 2013, segundo o qual a Comissão cometeu uma irregularidade processual ao não lhe revelar durante o procedimento administrativo igualmente as passagens da nota interna tratadas como confidenciais deve ser afastado. Com efeito, nos termos do artigo 27.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003 e do artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 773/2004, o direito de acesso ao processo não abrange os documentos internos da Comissão. Esta restrição justifica‑se pela necessidade de garantir o bom funcionamento da instituição em causa no domínio da repressão das infrações às regras de concorrência do Tratado (v., neste sentido, acórdão Atlantic Container Line e o./Comissão, n.o 359, supra, n.o 394). A nota relativa à reunião entre a Comissão e o Sr. D1 constitui um documento de natureza interna isento do direito de acesso ao dossiê. Contém informações provenientes de fontes diferentes do Sr. D1 bem como apreciações e conclusões pessoais do seu autor (v., igualmente, considerandos 108 e 109 da decisão do Provedor de Justiça). Consequentemente, a Comissão não era obrigada a divulgar as partes suprimidas da nota interna da recorrente.

624

É certo que, no presente processo, a comunicação da versão não confidencial da nota interna da recorrente permitiu à Comissão remediar a lacuna inicial do procedimento, decorrente do facto de que a Comissão não redigiu uma nota relativa à reunião com o Sr. D1, destinada a figurar no processo ao qual a recorrente poderia pedir acesso. Todavia, esta regularização do procedimento administrativo não requeria a comunicação da integralidade da nota interna da recorrente. Dado que a versão da nota interna que foi transmitida ao recorrente constituía apenas o substituto da nota que deveria constar o processo e que continha as informações que a Comissão deveria ter consignado nessa nota, a Comissão não estava obrigada a facultar à recorrente um acesso mais amplo à nota interna.

625

Resulta de tudo o que precede que o procedimento administrativo não padece de uma irregularidade.

2.2) Quanto às eventuais consequências de uma irregularidade processual na legalidade da decisão impugnada

i) Observações preliminares

626

A título exaustivo, há que examinar se uma potencial irregularidade do procedimento administrativo, que decorre de uma violação do artigo 19.o do Regulamento n.o 1/2003, lido em conjugação com o artigo 3.o do Regulamento n.o 773/2004, na falta de regularização da infração ao princípio da boa administração ou de uma violação do direito de acesso ao processo, é suscetível de ter repercussões na legalidade da decisão impugnada. A este respeito, há que observar que uma irregularidade processual só pode conduzir à anulação da decisão impugnada na medida em que seja suscetível de afetar concretamente os direitos de defesa do recorrente e, assim, o conteúdo da referida decisão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 9 de setembro de 2008, Bayer CropScience e o./Comissão, T-75/06, Colet., p. II-2081, n.o 131). Este é igualmente o caso quando a irregularidade consiste numa violação do princípio da boa administração (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de dezembro de 2009, a Evropaïki Dynamiki/Comissão, C‑476/08 P, não publicado na Coletânea, n.o 35).

627

Tratando‑se de uma violação do direito de acesso ao processo, resulta da jurisprudência que, quando o acesso ao processo, e mais particularmente aos documentos de defesa, é assegurado na fase do processo jurisdicional, a empresa em causa não deve demonstrar que, se tivesse tido acesso aos documentos não comunicados, a decisão da Comissão teria tido um conteúdo diferente, mas apenas que os referidos documentos poderiam ter sido úteis para a sua defesa (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de outubro de 2011, Solvay/Comissão, C-110/10 P, Colet., p. I-10439, n.o 52 e jurisprudência referida). Em tal hipótese, cabe à empresa em causa apresentar um primeiro indício da utilidade dos documentos não comunicados para a sua defesa (v., neste sentido, acórdão Heineken Nederland e Heineken/Comissão, n.o 352, supra, n.o 256). A este respeito, quando a Comissão se baseia em provas documentais diretas para demonstrar uma infração, a empresa deve demonstrar que elementos mantidos inacessíveis durante o procedimento administrativo contradizem o teor dessas provas ou, pelo menos, lhes dão uma perspetiva diferente (v., neste sentido, acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, n.o 353, supra, n.o 133).

628

Na medida em que a recorrente sustenta que a Comissão violou os seus direitos de defesa ao não lhe comunicar as passagens da nota interna que tinham sido tratadas de modo confidencial durante o procedimento administrativo, esta jurisprudência é diretamente aplicável ao caso vertente. Dado que a versão integral da nota interna foi comunicada à recorrente na fase do processo jurisdicional, esta tinha a possibilidade de apresentar um primeiro indício da utilidade, para a sua defesa, dos elementos referidos nas passagens tratadas anteriormente como confidenciais.

629

De resto, na medida em que a recorrente acusa a Comissão de não ter demonstrado da ata da reunião, há que reconhecer que, pelo menos, nas circunstâncias do caso concreto, os critérios pertinentes a fim de examinar a questão de saber se uma eventual irregularidade processual relativa a esse aspeto é suscetível de afetar concretamente os direitos de defesa da recorrente são idênticos aos exigidos pela jurisprudência respeitantes ao acesso ao processo. A recorrente deve, pois, apresentar um primeiro indício de que a Comissão não consignou elementos ilibatórios que contradizem o teor das provas documentais diretas em que a Comissão se baseou na decisão impugnada ou, pelo menos, lhes dão uma clareza diferente. No entanto, não basta que tal hipótese não possa ser excluída.

630

Com efeito, no presente processo, mesmo na falta da ata reclamada pela recorrente, o conteúdo da conversa entre a Comissão e o Sr. D1 pode ser reconstituído suficientemente a partir de outras fontes, a saber, nomeadamente, a nota interna e um documento contendo das respostas escritas da Dell a questões orais que foram submetidas ao Sr. D1 na reunião (a seguir «documento de acompanhamento»). Esta circunstância distingue o presente processo do que deu origem ao acórdão Solvay/Comissão, n.o 627, supra (n.os 61 a 63), invocado pela recorrente na audiência e nas suas observações posteriores, no qual o Tribunal de Justiça concluiu por uma violação dos direitos de defesa decorrente do facto de, após ter recusado à recorrente o acesso ao processo durante o procedimento administrativo, a Comissão tinha perdido, na íntegra, um certo número de subdossiês cujo conteúdo não podia ser reconstituído, pelo que não se podia excluir que estes subdossiês pudessem conter elementos de defesa que teriam podido ser pertinentes para a defesa da recorrente.

631

A conclusão segundo a qual a nota interna constitui um dos elementos com base nos quais o conteúdo da conversa entre a Comissão e o Sr. D1 pode ser reconstituído não é posta em causa pela função da nota interna que é servir de auxiliar de memória à Comissão. Com efeito, enquanto tal, a nota interna prosseguia um duplo objetivo. Por um lado, destinava‑se a fixar de forma objetiva as circunstâncias que tinham importância para a Comissão enquanto autoridade responsável pela instrução. Assim, prosseguia os objetivos próprios de uma documentação de natureza objetiva. Por outro lado, a nota interna permitia aos membros dos serviços da Comissão que participaram na reunião conservar as suas avaliações subjetivas. Todavia, essas apreciações subjetivas completem a documentação objetiva que consta da nota interna e não a põem em causa. Além disso, tendo a nota sido redigida como um memorando destinado a ser utilizado apenas para fins internos pela Comissão, não há qualquer razão para pensar que constitui um impasse sobre uma discussão que existiu realmente.

[omissis]

2. HP

[omissis]

a) Relativamente aos descontos de exclusividade

1) Apreciação das provas da condicionalidade dos descontos apresentadas na decisão impugnada

[omissis]

1.1) Resposta da HP ao abrigo do artigo 18.o

[omissis]

ii) Valor probatório

Quanto à fiabilidade inerente à resposta da HP ao abrigo do artigo 18.o

680

Importa salientar que a resposta da HP ao abrigo do artigo 18.o indica de forma expressa e inequívoca que os acordos HPA estavam sujeitos a certas condições não escritas, inter alia, à condição de 95%.

681

Há que sublinhar que a HP era uma empresa terceira, a saber, nem a queixosa nem uma empresa objeto do inquérito da Comissão.

682

Além disso, importa salientar que, no caso em apreço, não se afigura que a HP tenha tido qualquer interesse em fornecer a esse propósito informações inexatas à Comissão e em acusar a Intel sem razão.

683

Neste quadro, há que frisar que é possível que um cliente de uma empresa em posição dominante visada por uma investigação tenha interesse em não divulgar um comportamento ilegal da mesma por receio de eventuais represálias. Assim, no acórdão do Tribunal de Justiça BPB Industries e British Gypsum, n.o 89, supra (n.o 26), esta última referiu a possibilidade de que uma empresa em posição dominante pudesse adotar medidas de retaliação contra os clientes que colaboraram na instrução levada a cabo pela Comissão e concluiu que a Comissão podia tratar respostas a pedidos de informações como sendo confidenciais.

684

Todavia, um cliente de uma empresa em posição dominante não tem habitualmente interesse em acusar esta última erradamente de um comportamento anticoncorrencial. Pelo contrário, o cliente de uma empresa em posição dominante que acusa erradamente esta última de um comportamento anticoncorrencial no âmbito de um inquérito da Comissão pode comportar o risco de se expor a medidas de retaliação por parte dessa empresa.

685

No caso em apreço, é muito improvável que HP, para a qual a Intel era um parceiro comercial incontornável, tiver dado informações inexatas à Comissão que podiam ser tidas em conta por esta para demonstrar a existência de uma infração ao artigo 82.o CE cometida pela Intel.

[omissis]

690

Importa, além disso, salientar que, segundo o artigo 23.o, n.o 1, alínea a), do Regulamento n.o 1/2003, as informações inexatas fornecidos por uma empresa são passíveis de coimas. Ao fornecer informações inexatas à Comissão, a HP teria, portanto, também corrido o risco de aplicação de coimas por parte da Comissão.

691

Por último, como foi recordado no n.o 557, supra, resulta da jurisprudência que as respostas dadas em nome da própria empresa têm uma credibilidade que exceda a que poderia ter a resposta dada por um membro do seu pessoal (acórdão JFE, n.o 62, supra, n.o 205).

692

Por conseguinte, há que concluir que as indicações muito claras e precisas da HP devem ser consideradas particularmente fiáveis, porque a HP não tinha nenhum interesse em fornecer informações inexatas que podiam ser utilizados pela Comissão para demonstrar a existência de uma infração ao artigo 82.o CE cometida pela Intel e que a HP sofreu riscos significativos fornecendo informações inexatas à Comissão.

[omissis]

Importância da resposta da HP ao abrigo do artigo 18.o para demonstrar a existência das condições não escritas

717

Quanto à questão de saber se a resposta da HP ao abrigo do artigo 18.o, pode eventualmente ser suficiente, por si só, para demonstrar a exatidão dos factos da decisão impugnada quanto à existência das condições não escritas dos acordos HPA, há que referir o seguinte.

718

O princípio que prevalece no direito da União é o da livre administração das provas. O único critério pertinente para apreciar as provas apresentadas reside na sua credibilidade (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de janeiro de 2007, Dalmine/Comissão, C-407/04 P, Colet., p. I-829, n.o 63).

719

A jurisprudência precisou igualmente, em relação a um documento utilizado como prova de uma infração ao artigo 81.o CE, que nenhum princípio de direito da União se opõe a que a Comissão se baseasse numa única peça, desde que o valor probatório desta não suscitasse dúvidas e na medida em que, por si só, a referida peça comprovasse com segurança a existência da infração em questão (acórdão Cimenteries CBR e o./Comissão, n.o 354, supra, n.o 1838).

720

Quanto às infrações ao artigo 81.o CE, a jurisprudência estabeleceu a regra segundo a qual a declaração de uma empresa acusada de ter participado num acordo, cuja exatidão é contestada por várias outras empresas acusadas, não pode ser considerada prova suficiente da existência de uma infração cometida por estas últimas sem ser sustentada noutros elementos de prova (v. acórdão JFE, n.o 62, supra, n.o 219 e jurisprudência referida). Foi igualmente esclarecido na jurisprudência que, no caso de um acordo que envolve duas partes apenas a contestação do conteúdo da declaração de uma das empresas pela outra empresa basta para que seja exigido que outros elementos de prova venham apoiá‑la (acórdão Groupe Danone/Comissão, n.o 614, supra, n.o 285).

721

Não há, no entanto, lugar a aplicar essa regra também à declaração de uma empresa terceira, que não é o denunciante ou a empresa visada pela investigação, a uma violação do artigo 82.o CE por outra empresa, quando a empresa em posição dominante visada pelo inquérito contradiz o conteúdo dessa declaração.

722

A este respeito, importa sublinhar que o facto de se estabelecer uma regra geral constitui uma exceção ao princípio da livre administração das provas. No caso de uma empresa que declara ter participado num acordo contrário ao artigo 81.o CE, essa regra é justificada, pois uma empresa objeto de um inquérito, ou que se manifesta junto da Comissão a fim de beneficiar de imunidade ou de uma redução de coima, pode ter tendência para atenuar a sua própria responsabilidade numa infração e para pôr em evidência a responsabilidade de outras empresas.

723

A situação é diferente no que respeita às declarações de uma empresa terceira como a HP que é, em substância, uma testemunha. Efetivamente, essa empresa pode, em certos casos, ter interesse em não divulgar a infração, por receio de medidas de retaliação que a empresa em posição dominante possa adotar a seu respeito (v. n.o 683, supra). Mas é muito improvável que uma empresa como a HP, para a qual a empresa em posição dominante é um parceiro comercial incontornável, acusa a esta empresa erradamente de um comportamento constitutivo de uma infração ao artigo 82.o CE, quando não existem circunstâncias excecionais em razão das quais essa empresa terceira poderia ter interesse em fazê‑lo.

724

Assim, não há que estabelecer uma regra geral segundo a qual a declaração de uma empresa terceira, que indica que uma empresa em posição dominante adotou um certo comportamento, nunca pode, por si só, bastar para demonstrar os factos que consubstanciam uma infração ao artigo 82.o CE.

725

Em casos como o presente, em que não se afigura que a terceira empresa tem interesse incriminar injustamente a empresa em posição dominante, a declaração da empresa terceira pode, em princípio, bastar, por si só, para demonstrar a existência de uma infração.

726

De qualquer forma, a resposta da HP ao abrigo do artigo 18.o é corroborada por uma série de outros elementos de prova, como será explicado mais longe.

[omissis]

3. NEC

[omissis]

4. Lenovo

[omissis]

5. Acer

[omissis]

6. MSH

[omissis]

E — Quanto à prova de uma estratégia de conjunto destinada a impedir o acesso da AMD aos canais de venda mais importantes

1523

Segundo a decisão impugnada, a recorrente pôs em prática uma estratégia de conjunto a longo prazo destinado a impedir a entrada da AMD aos canais de venda mais importantes de um ponto de vista estratégico. Na referida decisão, a Comissão fundamentou a existência dessa estratégia, apoiando‑se, no essencial, nos seguintes indícios:

as práticas em causa na decisão impugnada tiveram lugar durante um período de tempo coerente entre 2002 e 2007 (v. considerandos 1740 e 1745);

situaram‑se no contexto de uma ameaça concorrencial crescente da AMD (v. considerandos 1741 e 149 a 164);

tiveram um traço comum, dado que todas tinham por objetivo ou por efeito excluir a AMD do mercado (v. considerando 1745);

estas diziam respeito não apenas um número significativo de OEM no mundo, mas também a canais de distribuição mais importantes de um ponto de vista estratégico (v. considerandos 1745 e 1747);

eram mutuamente complementares (v. considerando 1747);

dois correios eletrónicos datados de novembro de 1998 e enviados respetivamente pelo [confidencial] da recorrente e pelo seu [confidencial] [v. considerando 1747 com a nota de pé de página n.o 2065 (n.o 2056 na versão pública)];

a recorrente esforçou‑se por dissimular a natureza anticoncorrencial das suas práticas (v. considerandos 1742 e 1743).

1524

A recorrente contesta a existência de uma estratégia de conjunto. Tal conclusão é errada, uma vez que não é conciliável com a natureza fragmentada das alegações da Comissão relativamente a cada uma dos OEM e MSH, no que respeita quer aos produtos em causa quer ao período em causa. A posição da Comissão é incompatível com as observações do professor P3, que refutou a existência de uma estratégia fazendo referência a «indicadores» e, nomeadamente, ao aumento das compras da AMD pelos OEM em causa. A Comissão não fornece nenhuma prova da existência de um plano coerente persistente. Os correios eletrónicos de 1998 não fornecem qualquer prova da existência de um plano coerente destinado a excluir a AMD. Por último, a recorrente contesta ter dissimulado o caráter anticoncorrencial das suas práticas.

1525

A título preliminar, há que observar que a prova da existência de uma estratégia de conjunto não implica forçosamente um elemento de prova direta que demonstre a existência de um plano coerente anticoncorrencial. A Comissão pode antes demonstrar a existência desse plano, igualmente, por um conjunto de indícios.

1526

Em seguida, tratando‑se dos indícios nos quais a Comissão se apoiou na decisão impugnada, importa referir o seguinte.

1527

Em primeiro lugar, na medida em que a recorrente invoca uma pretensa natureza fragmentada das práticas em causa, há que observar que os indícios nos quais a Comissão se baseou na decisão impugnada demonstram a coerência dessas práticas.

1528

Em primeiro lugar, a Comissão apoiou‑se corretamente no facto de que as infrações foram coerentes no tempo. A decisão impugnada sublinha, a este respeito, que as práticas em causa se concentraram entre 2002 e 2005 e que, durante o período compreendido entre setembro de 2003 e janeiro de 2004, seis abusos individuais tiveram lugar, ou seja, descontos ou pagamentos condicionais face à Dell, HP, NEC e MSH, e restrições não dissimuladas face à HP e à Acer. Embora seja verdade que, para uma parte do ano de 2006, a decisão impugnada apenas declara uma única prática ilegal face à MSH e para o resto do ano de 2006, bem como para o ano de 2007 práticas ilegais apenas face à MSH e à Lenovo, esse enfraquecimento da intensidade global do comportamento anticoncorrencial da recorrente no final do período total em causa não põe em causa a circunstância segundo a qual existe continuidade temporal entre as práticas respetivas. Daqui se conclui que o argumento da recorrente de que essas práticas tinham caráter fragmentado no que respeita ao período em causa deve ser afastado.

1529

Em segundo lugar, a Comissão baseou‑se, com razão, no caráter comparável e na complementaridade das práticas em causa na decisão impugnada. Em contrapartida, o argumento da recorrente segundo o qual a natureza fragmentada das infrações decorre das diferenças entre os produtos em causa não convence.

1530

Por um lado, o conjunto das práticas em causa na decisão impugnada reveste um traço comum, dado que tinham todas a capacidade de excluir a AMD do mercado mundial dos CPU x86. Assim, estas práticas estavam relacionadas entre si, pois respeitavam todas o mesmo mercado e o mesmo concorrente da recorrente.

1531

É certo que a recorrente alega que as suas práticas face à MSH se distinguem das suas práticas face aos OEM, desde que digam respeito a um distribuidor de produtos elétricos que não adquire nenhum CPU diretamente à Intel e não recebe verdadeiros descontos da Intel, mas apenas contribuições de marketing. Além disso, censura a Comissão por não ter definido mercado do produto nem mercado geográfico pertinente relativamente às alegações destinadas à MSH.

1532

Todavia, há que assinalar que esses argumentos não podem privar as práticas da recorrente postas em causa na decisão impugnada da sua natureza comparável e a sua complementaridade.

1533

A este respeito, há que recordar que as práticas da recorrente face aos OEM e à MSH são, em princípio, comparáveis, sendo a única diferença que o pagamento de exclusividade concedida a MSH não se destina a impedir o abastecimento de um cliente direto da recorrente junto de um concorrente mas a venda de produtos concorrentes por um distribuidor situado mais a jusante da cadeia de abastecimento. Há que observar que a Comissão não era obrigada a definir um mercado de produto próprio ou um mercado geográfico próprio no que respeita à MSH. Com efeito, as práticas da recorrente perante a MSH tiveram a capacidade de restringir a concorrência no mercado mundial dos CPU x86. ao privar os OEM de um canal de distribuição para os computadores equipados de CPU AMD, estas práticas eram suscetíveis de ter repercussões no pedido dos OEM em CPU AMD no mercado mundial dos CPU x86. Assim, destinavam‑se a tornar mais difícil o acesso da AMD a esse mercado (v. n.o 169, supra). Este mercado constitui, pois, pelo menos um dos mercados em causa pelo comportamento da recorrente perante a MSH. O facto de a prática da recorrente perante a MSH poder dizer igualmente respeito ao mercado em que operava a MSH não põe em causa esta conclusão. Por conseguinte, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre a questão da delimitação correta do mercado no qual a MSH operava.

1534

Por outro lado, os mecanismos anticoncorrenciais das práticas em causa na decisão impugnada são complementares. No que se refere, primeiro, à complementaridade entre, por um lado, os descontos e os pagamentos de exclusividade e, por outro lado, às restrições não dissimuladas, a Comissão expõe com razão, no considerando 1642 da decisão impugnada, que a envergadura das restrições não dissimuladas é mais específica do que a dos descontos e dos pagamentos de exclusividade. Com efeito, as restrições não dissimuladas são de duração mais curta e são concentradas sobre uma ou várias linhas de produtos específicos ou canais de distribuição específicos, enquanto os acordos exclusivos são de duração mais longa e abrangem pelo menos segmentos comerciais inteiros. Assim, no quadro da estratégia de conjunto, as restrições não dissimuladas constituem comportamentos táticos destinados a impedir o acesso da AMD a produtos ou a canais de distribuição específicos bem identificados, ao passo que os descontos e os pagamentos de exclusividade constituem mais estratégias destinadas a impedir o acesso da AMD a segmentos inteiros da procura dos OEM.

1535

No que se refere, em segundo lugar, à complementaridade entre, por um lado, os descontos de exclusividade concedidos aos OEM e, por outro lado, os pagamentos de exclusividade face à MSH, a Comissão considerou, com razão, no considerando 1597 da decisão impugnada, que estas práticas foram aplicadas a dois níveis diferentes da cadeia de abastecimento. Mesmo admitindo, como alega a recorrente, que MSH não ter adquirido uma parte dos seus computadores junto dos OEM aos quais a recorrente concedia descontos de exclusividade, esta circunstância não põe em causa a complementaridade entre, por um lado, os descontos de exclusivos concedidos aos OEM e, por outro lado, os pagamentos de exclusividade concedidos à MSH. Com efeito, incitando MSH a vender exclusivamente computadores equipados de CPU Intel, a recorrente pôs em prática um instrumento anticoncorrencial adicional que foi suscetível de restringir igualmente a liberdade comercial dos OEM que não concediam descontos de exclusividade, privando‑os de um canal de distribuição para os seus computadores equipados de CPU AMD. Assim, a recorrente criou uma barreira suplementar relativamente ao acesso ao mercado da AMD que era complementar à erigida pelos descontos de exclusividade.

1536

Em segundo lugar, a recorrente invoca, por um lado, o facto de as infrações terem coberto apenas uma quota de mercado limitada como contraindicador do caráter estratégico do seu comportamento. Na audiência, sublinhou, a este respeito, que, para uma parte do ano de 2006, a decisão impugnada declara uma única prática ilegal face à MSH e, para o resto do ano de 2006, bem como para o ano de 2007, a existência das práticas ilegais unicamente para a MSH e a Lenovo (v. n.o 1528, supra). Acrescentou que a referida decisão não declara todavia que a Lenovo tinha uma importância estratégica comparável à Dell e à HP. As vendas de computadores portáteis na União potencialmente afetadas pelas suas práticas face à Lenovo seriam negligenciáveis. Seria também o caso das vendas de computadores potencialmente afetadas pelas suas práticas face à MSH se se considerassem estas vendas relativamente às vendas mundiais. Por outro lado, a recorrente invoca o facto de os OEM terem aumentado as suas compras junto da AMD durante o período incriminado e que este aumento era superior ao crescimento das vendas da AMD no resto do mercado como um outro contraindicador do caráter estratégico do seu comportamento.

1537

No entanto, por um lado, na medida em que a recorrente alega que as infrações cobriam apenas uma quota de mercado limitada, há que notar que uma prática pode ser considerada estratégica mesmo que cubra apenas uma parte limitada do mercado. Com efeito, no caso concreto, o caráter estratégico do comportamento da recorrente decorre do facto de que se esforçou por impedir o acesso da AMD aos canais de distribuição mais importantes, a saber, a Dell para o período compreendido entre dezembro de 2002 e dezembro de 2005, e a HP para o período entre novembro de 2002 e de maio de 2005 (v. n.o 182, supra). De resto, no tocante aos anos de 2006 e 2007, não se pode deixar de observar que a coerência entre as infrações individuais que constituem a estratégia de conjunto não é interrompida pela circunstância de que as infrações relativas à Lenovo e à MSH tinham uma menor importância em relação às infrações relativas à Dell e à HP. Esta conclusão é tanto mais válida quanto a MSH revestia uma importância estratégica especial no que diz respeito à distribuição dos computadores equipados de CPU x86 destinados aos consumidores na Europa (v. n.os 183 e 1507 a 1511, supra). De qualquer forma, há que recordar que a média da parte bloqueada do mercado foi significativa (v. n.os 187 a 194, supra).

1538

Por outro lado, na medida em que a recorrente invoca o aumento das aquisições dos OEM junto de AMD durante o período incriminado, há que observar que essa circunstância não pode sequer demonstrar que as práticas da recorrente não produziram efeitos. Na ausência das práticas da recorrente, é possível considerar que o aumento das aquisições dos OEM junto de AMD podia ter sido maior (v. n.o 186, supra).

1539

Em terceiro lugar, contrariamente ao que alega a recorrente, os dois correios eletrónicos de novembro de 1998 dão também indícios relativos à forma estratégica como a recorrente deu execução às suas práticas. Em 27 de novembro de 1998, o [confidencial] Intel escreveu o seguinte: «[n]ão há verdadeiramente nenhuma dúvida de que a longo prazo, gostaria de ver a produção da AMD espalhar‑se pelo mundo como produtos sem marca de baixo custo/baixo valor. As ruelas de Pequim são maravilhosas.» Do mesmo modo, em 20 de novembro de 1998, o [confidencial] Intel escreveu: «Reconhecendo que temos a fazer face a uma concorrência, considero que seria preferível que vendesse os seus produtos com uma penetração limitada no mundo, e não com uma forte penetração no mercado mais visível e mais criador de tendências». Embora seja verdade que, por si só, essas declarações podem ser consideradas na linguagem comercial, certamente agressiva, mas não suspeita, o certo é que, atendendo aos outros elementos de prova acima referidos, os dois correios eletrónicos confirmam que o objetivo da Intel era de limitar o acesso da AMD ao mercado. Além disso, contrariamente ao que alega a recorrente, o simples facto de as duas mensagens datarem de 1998 e, portanto, de cerca de quatro anos antes do período em causa na decisão recorrida não os priva de qualquer valor probatório.

1540

Em quarto lugar, na medida em que a recorrente contesta ter dissimulado a natureza anticoncorrencial das suas práticas, há que observar que a Comissão menciona, a este respeito, nos considerandos 1742 e 1743 da decisão impugnada, nos seguintes indícios:

um correio eletrónico de I2, [confidencial] Intel, ao [confidencial] da Lenovo datado de 18 de junho de 2006, no qual se precisava o seguinte: «[L1] [confidencial], antes de tudo, permito‑me salientar que as informações contidas no presente correio eletrónico são muito sensíveis, e que seria perturbado e, quer para mim quer para a Intel, que fossem divulgadas. Escrevo‑lhe com total confiança pedindo‑lhe que o leia e, em seguida, que o apague sem o comunicar à sua equipa. […] Qualquer programa de alinhamento em matéria de concorrência que possamos ter tido com a Dell será anulado pois introduzem a concorrência — isso abre perspetivas de oportunidades para a Lenovo/a Intel, que no passado apenas esbocei […]»;

o caráter secreto do acordo de exclusividade entre a recorrente e a MSH e a forma como a recorrente insistiu sobre este ponto;

a existência de acordos de descontos que contêm cláusulas não escritas anticoncorrenciais no que respeita à HP;

os esforços da recorrente para apresentar o seu comportamento de forma não suspeita empregando eufemismos.

1541

No que respeita, em primeiro lugar, ao correio eletrónico de 18 de junho de 2006, a recorrente explica que esse correio eletrónico reflete somente os esforços de negociação a serem desenvolvidos pelo seu [confidencial] para persuadir a Lenovo a desenvolver as suas atividades junto dela. Manifestamente, teria sido perturbador para a recorrente que um terceiro, em especial a Dell, ficasse a saber que que a recorrente explorava a decisão da Dell recorrer‑se voltar para um concorrente, no quadro das suas negociações com outro OEM. Este argumento não pode convencer. Com efeito, à luz da declaração segundo a qual qualquer programa de alinhamento em matéria de concorrência seria anulado dado que Dell introduzia a concorrência, o correio eletrónico contém um indício que demonstra que os descontos concedidos pela recorrente à Dell continham uma condição de exclusividade (v. n.os 460, 463 e 1124, supra). Além disso, a declaração de I2 segundo a qual a rutura, pela Dell, desta condição «confere às perspetivas de oportunidades para a Lenovo/a Intel […] unicamente esboçadas no passado» implicava que, na sequência da redução dos descontos concedidos à Dell, a recorrente iria oferecer o estatuto preferencial detido anteriormente pela Dell à Lenovo (v. considerando 526 da decisão impugnada). Por conseguinte, o pedido de I2 ao [confidencial] da Lenovo de apagar o correio eletrónico constitui um indício de que pretendia dissimular o caráter anticoncorrencial das relações da recorrente com a Dell e a Lenovo.

1542

No tocante, em segundo lugar, à natureza secreta do acordo de exclusividade celebrado com a MSH, demonstrou‑se detalhadamente nos n.os 1490 a 1492, supra, que uma cláusula de falta de exclusividade foi inserida nos acordos de exclusividade, de modo que os acordos de contribuição estipulavam o contrário do que tinha sido acordado.

1543

No que diz respeito, em terceiro lugar, à utilização de cláusulas não escritas anticoncorrenciais face à HP, a recorrente limita‑se a alegar que a HP não estava contratualmente vinculada pelas obrigações de exclusividade ou outras condições não escritas. Ora, as condições não escritas dos acordos HPA não deviam ser juridicamente vinculativas para ser suscetível de incitar HP a respeitá‑las (v. n.o 106, supra). Uma vez que a decisão impugnada concluiu acertadamente que os descontos concedidos nos termos dos acordos HPA estavam sujeitos a várias condições anticoncorrenciais não escritas (v. n.os 666 a 873, supra), o caráter não escrito das cláusulas constitui igualmente um indício que testemunha da forma como a recorrente tentou dissimular as suas práticas anticoncorrenciais.

1544

No que respeita, em quarto lugar, à utilização de eufemismos pela recorrente, há que salientar, em primeiro lugar, que a Comissão concluiu, no considerando 661 da decisão impugnada, que a recorrente utilizou o acrónimo «VOC», que significa «fornecedor privilegiado» (vendor of Choice), numa série de documentos como um eufemismo para descrever que a MSH estava ligada a ela através de uma condição de exclusividade. A Comissão precisa, no considerando 662 da decisão impugnada, que existia também um documento intitulado «Cartão de referência para a criação do material de venda e de marketing» (Sales and marketing Creation reference CARD), elaborado pelo serviço jurídico da recorrente. Nesse documento, sob o título «Linguagem delicada», a expressão «fornecedor privilegiado» foi sugerida para substituir palavras que implicam um comportamento potencialmente inadequado para as relações de exclusividade do seguinte modo:

«Evitem qualquer linguagem militarista, agressiva em geral (incluindo as mensagens de correio internas, memorandos […]) p. ex. estabelecer barreiras […] excluir da concorrência […] guerra […] batalha […] ligação […] alavanca […] dominar […] De cima para baixo […] esmagamento […] varrer a concorrência […] ser um assassino […] agrupar […] estagnar em tecnologia Utilizem em substituição: estar à cabeça […] definir as especificações […] aumentar o segmento de mercado […] ser o fornecedor privilegiado […] apoiar‑se […] trazer valor.»

1545

Num segundo momento, o considerando 1743 da decisão recorrida menciona uma série de mensagens de correio eletrónico de 30 de abril de 2004. De acordo com a referida decisão, um quadro da Intel Alemanha fazia referência a tentativas que tinham sido feitas pela Intel para «impedir com sucesso uma maior implementação de Opteron junto dos seus principais clientes». Um quadro da Intel France respondeu a esse correio eletrónico nos seguintes termos: «Peço‑lhe que seja extremamente prudente quando tenha de utilizar expressões como ‘impedir uma maior implementação da Opteron’ que podem ser interpretadas erradamente como formulações anticoncorrenciais. — Penso que quer falar de ganhar com IA relativamente à Opteron’. — Se vir que outras pessoas utilizam expressões semelhantes, queira recordar‑lhes os inquéritos em curso da UE _ FTC, as inspeções inopinadas, etc.» A decisão impugnada precisa que esta comunicação é anterior às inspeções realizadas pela Comissão.

1546

A recorrente admite nunca ter negado o facto de que a expressão «fornecedor privilegiado» pode traduzir a ideia de que um cliente se abastece unicamente ou de maneira predominante junto dela. Ora, em seu entender, nenhuma parte da «Cartão de referência para a criação do material de venda e de marketing» vem sustentar a interpretação da Comissão que envolva uma qualquer forma de compromisso vinculativo. Tratava‑se de um documento visando simplesmente sensibilizar os seus comerciais para evitar qualquer linguagem suscetível de ser mal interpretada pelas autoridades da concorrência. No que respeita ao correio eletrónico de 30 de abril de 2004, a recorrente sublinha que este referia igualmente simplesmente alertar contra a utilização de formulações que «podem ser interpretadas erradamente como formulações anticoncorrenciais», o que constitui um esforço legítimo.

1547

Todavia, há que fazer uma distinção entre uma situação na qual uma empresa presta atenção a que o seu comportamento legal não seja mal compreendido por uma autoridade da concorrência e uma situação na qual uma empresa vela por que as suas práticas anticoncorrenciais não sejam detetadas. É verdade que, para uma empresa, em princípio, é legítimo que compete alertar os seus empregados contra a utilização de fórmulas suscetíveis de ser mal interpretadas por uma autoridade da concorrência. Não é menos verdade que esta circunstância constitui um indício de que uma empresa ocultou a natureza anticoncorrencial das suas práticas quando a sua existência foi estabelecida através de outros elementos de prova.

1548

Por último, a recorrente afirma que a Comissão fez alegações específicas em matéria de dissimulação apenas face à MSH, à HP e à Lenovo. A este respeito, há que recordar que os considerandos 1742 e 1743 da decisão impugnada respeitam à prova da estratégia de conjunto e que os elementos de prova apresentados no n.o 1539, supra, são aí citados enquanto indícios. Há que concluir que estes elementos de prova demonstram de forma bastante que a recorrente se esforçou por dissimular o caráter anticoncorrencial do seu comportamento, pelo menos no que respeita às suas relações com a Dell, a HP, a Lenovo e a MSH. Para demonstrar que a recorrente pôs em prática uma estratégia de conjunto destinada a excluir a AMD do mercado, a Comissão não era obrigada a demonstrar, na decisão impugnada, um esforço de dissimulação em relação a cada prática aplicada, mas podia limitar‑se a uma enumeração de elementos de prova relativos a essas quatro empresas.

1549

Por outro lado, os elementos de prova enunciados na decisão impugnada, nos considerandos 1742 e 1743 enquanto indícios são confirmados pela declaração geral feita no considerando 167 da referida decisão segundo a qual todas as práticas da Intel revestiam um traço comum no sentido de que numerosos acordos entre a Intel e os seus clientes, por vezes até centenas de milhões de euros ou mesmo de mil milhões de USD, eram celebrados com base em acordos amigáveis ou continham importantes cláusulas não escritas. A censura por ter utilizado cláusulas anticoncorrenciais não escritas não é, pois, unicamente dirigida contra o comportamento da recorrente perante a Dell, a HP, a Lenovo e a MSH, mas estende‑se ao comportamento da recorrente perante todos os OEM e a MSH.

1550

É certo que a recorrente sustenta que, no âmbito do mercado dos CPU, que se caracteriza pela rápida introdução de novos produtos e de preços significativos para os produtos existentes, acordos informais são uma consequência do ritmo do setor e dos pedidos dos próprios OEM. Todavia, há que assinalar que, ainda que continue a ser permitido às empresas concluir de forma informal acordos que sejam conformes com as normas da concorrência, o recurso a condições anticoncorrenciais informais pode constituir um indício do esforço de dissimulação. No caso em apreço, tal indício não decorre apenas do caráter informal dos acordos celebrados entre a recorrente e os OEM ou a MSH em si, mas, pelo menos no que respeita à HP e Lenovo, do emprego de cláusulas não escritas anticoncorrenciais fora dos contratos escritos, ou mesmo, no que respeita à MSH, da utilização de cláusulas escritas que indicavam o contrário do que estava realmente acordado.

1551

Com base nas considerações enunciadas nos n.os 1540 a 1550, supra, pode concluir‑se que a Comissão fez prova bastante de que a recorrente tentou dissimular a natureza anticoncorrencial das suas práticas. Consequentemente, não é necessário pronunciar‑se também sobre a admissibilidade e o mérito dos restantes argumentos da Comissão sobre a questão de saber se existem outros elementos que reforçam os elementos de prova acima mencionados ou demonstram de maneira mais concreta que a recorrente também revelou as suas práticas anticoncorrenciais relativas à Acer e à NEC.

1552

Com base no conjunto das considerações que precedem, há que declarar que a Comissão provou de forma bastante que a recorrente pôs em prática uma estratégia de conjunto a longo prazo destinada a impedir a entrada da AMD nos canais de venda mais importantes de um ponto de vista estratégico.

III — Quanto aos pedidos destinados à anulação ou à redução da coima

1553

Segundo o artigo 2.o do dispositivo da decisão recorrida, foi aplicada à recorrente uma coima de mil milhões de euros.

1554

Nos termos do ponto 19 das orientações de 2006, a Comissão determinou o montante de base da coima está ligado a uma proporção do valor das vendas, determinado em função do grau de gravidade da infração, multiplicado pelo número de anos de infração (v. considerando 1778 da decisão impugnada).

1555

A Comissão fixou em 3876827021 euros o valor das vendas a tomar em consideração, o que representa o valor das vendas de CPU x86 faturadas pela Intel a empresas estabelecidas no mercado do EEE durante o último ano da infração (v. considerandos 1773 a 1777 da decisão impugnada).

1556

Quanto à gravidade da infração, a Comissão teve designadamente em conta a natureza da infração, a quota de mercado das partes em causa e a extensão geográfica da infração. A Comissão também teve em conta o facto de que a Intel cometeu uma infração única; que a intensidade desta infração única foi diferente ao longo dos anos e que a maior parte dos abusos individuais em causa se concentraram no o período de 2002‑2005; que os abusos foram diferentes quanto à sua provável incidência anticoncorrencial respetiva; e que a Intel tomou medidas para dissimular as práticas estabelecidas na decisão impugnada. Consequentemente, a Comissão fixou esta proporção em 5% (v. considerandos 1779 a 1786 da referida decisão).

1557

No que diz respeito à duração da infração, a Comissão constatou que o abuso tinha começado em outubro de 2002 e continuou, pelo menos até dezembro de 2007. Assim, teria durado cinco anos e três meses, o que implica, em conformidade com o ponto 24 das orientações de 2006, um fator de multiplicação de 5,5 a fim de tomar em consideração esta duração (v. considerandos 1787 e 1788 da decisão impugnada).

1558

Tendo em conta o exposto, a Comissão considerou que o montante de base da coima a aplicar a INTEL era de 1060000000 euros (v. considerando 1789 da decisão impugnada). Não considerou que existiam circunstâncias agravantes ou atenuantes (v. considerandos 1790 a 1801 da referida decisão).

1559

A recorrente, apoiada pela ACT, alega que, à luz do poder de plena jurisdição do Tribunal Geral, em conformidade com o artigo 261.o TFUE e o artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003, a coima deve ser anulada ou reduzida substancialmente pelos motivos seguintes. Em primeiro lugar, a Comissão não aplicou corretamente as suas orientações de 2006 e não teve em conta considerações desprovidas de qualquer pertinência. Em segundo lugar, a recorrente não violou o artigo 82.o CE, intencionalmente ou por negligência. Em terceiro lugar, o nível da coima é manifestamente desproporcionado.

A — Quanto à aplicação alegadamente incorreta das orientações de 2006 e à alegada tomada em conta de considerações desprovidas de qualquer pertinência

1560

A recorrente alega que o cálculo do montante de base está viciado de uma série de erros. Em primeiro lugar, a Comissão não apreciou corretamente os produtos ou os serviços aos quais a infração se reportava entre janeiro e setembro de 2006. Além disso, a Comissão também aumentou o montante da coima utilizando o montante das vendas da Intel em todos os Estados‑Membros do EEE em dezembro de 2007 quando doze Estados‑Membros aderiram ao EEE no decurso do período infrator. Em segundo lugar, a Comissão considerou, erradamente, a dissimulação como fator para efeitos da determinação da gravidade da infração. Em terceiro lugar, a Comissão utilizou erradamente a sua conclusão relativa à existência de uma infração única como fator agravante relativamente a todo o período visado. Em quarto lugar, a decisão recorrida está errada na medida em que a Comissão aplicou um fator multiplicador de 5,5 referente à duração de cada infração. Em quinto lugar, a Comissão aplicou as suas orientações de forma retroativa.

1561

A título preliminar, há que constatar que, nos considerandos 1747 e 1748 da decisão impugnada, a Comissão inferiu, com razão, a existência de uma infração única e continuada ao artigo 82.o CE, que se estende de outubro de 2002 a dezembro de 2007 e destinada a afastar concorrentes do mercado, à prova da existência de uma estratégia de conjunto destinado a impedir o acesso de AMD aos canais de venda mais importantes de um ponto de vista estratégico (v. n.os 1523 a 1552, supra).

1562

Com efeito, resulta da jurisprudência que o conceito de infração única e continuada tem a ver com um conjunto ações que se inscrevem num plano de conjunto em razão do seu objeto idêntico que falseia o jogo da concorrência no interior do mercado comum. Para efeitos da qualificação de diversas atuações como infração única e continuada, há que verificar se apresentam uma relação de complementaridade, no sentido de que cada uma delas se destina a enfrentar uma ou mais consequências do jogo normal da concorrência, e contribuem, através de uma interação, para a realização dos objetivos visados no quadro desse plano global. A este respeito, haverá que ter em conta todas as circunstâncias suscetíveis de demonstrar ou de pôr em causa o referido nexo, como o período de aplicação, o conteúdo (incluindo os métodos empregues) e, correlativamente, o objetivo das diversas atuações em questão (acórdão AstraZeneca, já referido no n.o 64, supra, n.o 892).

1563

Há que observar que as constatações da decisão impugnada relativas à existência de uma estratégia de conjunto preenchem estas exigências. Por conseguinte, a Comissão podia inferir destas constatações que a recorrente cometeu uma infração única e continuada. A este respeito, há que lembrar nomeadamente a coerência no tempo das infrações em causa na decisão impugnada, bem como a sua comparabilidade e complementaridade. As práticas individuais apontadas prosseguiam um objetivo idêntico porquanto visavam todas elas excluir a AMD do mercado mundial dos CPU x86. A este respeito, eram complementares na medida em que foram aplicadas a dois níveis diferentes da cadeia de abastecimento e em que as restrições não dissimuladas constituíam atos táticos destinados a impedir o acesso da AMD a produtos ou a canais de distribuição específicos bem identificados, ao passo que os descontos e os pagamentos de exclusividade constituíam instrumentos mais estratégicos destinados a impedir o acesso da AMD a segmentos inteiros da procura dos OEM. Além disso, recorde‑se, em particular, que a coerência entre as práticas individuais não é interrompida pela circunstância de que as infrações relativas à Lenovo e à MSH tinham uma menor importância em relação às infrações relativas à Dell e à HP (v. n.os 1525 a 1537, supra).

1564

Segundo a jurisprudência, a Comissão podia impor uma coima única. A este respeito, não era obrigada a individualizar nos fundamentos da decisão impugnada o modo como teve em conta cada um dos elementos considerados para efeitos de fixação da coima (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 6 de outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, T-83/91, Colet., p. II-755, n.o 236, e Michelin II, já referido no n.o 75, n.o 265).

1565

É à luz das considerações precedentes que importa verificar os argumentos da recorrente relativos à alegada aplicação errada das orientações de 2006.

1. Quanto ao argumento relativo a uma apreciação errada dos produtos a que a infração se refere entre janeiro e setembro de 2006 e ao facto de a Comissão ter ignorado que doze Estados‑Membros fizeram parte do EEE durante apenas uma parte do período da infração

1566

Por um lado, a recorrente sustenta que a coima é ilegal, pois o número de 5% por ano foi aplicado a um montante de volume de negócios demasiado elevado entre janeiro e setembro de 2006. A Comissão não definiu o mercado do produto nem o mercado geográfico pertinente relativamente às alegações destinadas à MSH. Dado que o abuso alegado face à MSH é a única infração suscetível de ser ligada ao território do EEE de janeiro de 2006 e setembro de 2006 pelo menos, a Comissão cometeu um erro ao aplicar o volume de negócios que incidia sobre todo o mercado dos CPU x86 no interior do EEE no âmbito de uma alegação sem relação com este mercado. A Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao não tomar em conta o âmbito geográfico limitado da infração alegada durante esse período no cálculo do montante da coima. A MSH não estava ativa em muitos Estados‑Membros no interior do EEE e o alcance dos mercados retalhistas estava em geral confinado no plano nacional.

1567

Por outro lado, a recorrente acusa a Comissão de ter aumentado o montante da coima ao concluir, no considerando 1784 da decisão impugnada, que «a totalidade do EEE estava coberta pelo comportamento ilegal» ao utilizar o montante das vendas da Intel em todos os Estados‑Membros do EEE em dezembro de 2007, isto é, quando o período da infração chegou ao fim. Contudo, doze Estados‑Membros tinham aderido ao EEE ao longo do período da infração e não estavam anteriormente submetidos à autoridade da Comissão. Se a decisão aplicou uma coima separada para cada infração, deveria ter excluído o valor das vendas da Intel nesses Estados ou aplicado um multiplicador inferior.

1568

Estes argumentos não são convincentes.

1569

Por um lado, em conformidade com o ponto 13 das orientações de 2006, para determinar o montante de base da coima a aplicar, a Comissão utilizará o valor das vendas de bens ou serviços, realizadas pela empresa, relacionadas direta ou indiretamente com a infração, no setor geográfico em causa dentro do território do EEE. Esta formulação visa as vendas realizadas no mercado relevante (acórdão do Tribunal Geral de 16 de junho de 2011, Putters International/Comissão, T-211/08, Colet., p. II-3729, n.o 59). Segundo esse mesmo número, a Comissão utilizará em princípio as vendas realizadas pela empresa durante o último ano completo da sua participação na infração.

1570

Por outro lado, decorre do n.o 22 das orientações de 2006 que o âmbito geográfico da infração é um dos elementos suscetíveis de serem tomados em consideração para determinar a gravidade da infração e, portanto, decidir se a proporção do valor das vendas a tomar em consideração deve ser de nível inferior ou superior da escala de 30% prevista no ponto 21 das orientações de 2006.

1571

Por conseguinte, embora seja verdade que tanto o ponto 13 como o ponto 21 das orientações de 2006 referem o âmbito geográfico de uma infração, não se pode deixar de observar que, no caso em apreço, a Comissão não violou o n.o 13 das orientações de 2006 nem o n.o 21 das referidas orientações ao não tomar em consideração tanto o âmbito geográfico do mercado no qual operava a MSH como o facto de doze Estados‑Membros não fazerem parte do EEE durante uma parte do período da infração, como será explicado posteriormente.

a) Quanto à existência de uma violação do n.o 13 das orientações de 2006

1572

Decorre dos considerandos 792 a 836 da decisão impugnada que a Comissão concluiu que o mercado relevante era o mercado mundial dos CPU x86. Segundo o considerando 1773 da referida decisão, o montante de 3876827021 euros, em que a Comissão se baseou como valor das vendas a tomar em consideração, representa o valor das vendas de CPU x86 faturadas pela Intel a empresas estabelecidas no EEE durante o último ano da infração. Esse valor não tem em conta a dimensão geográfica, alegadamente mais estrita do mercado no qual a MSH operava nem o facto de doze Estados‑Membros não fazerem parte do EEE apenas durante uma parte do período da infração.

1573

Todavia, não se pode deixar de observar que, ao não ter em consideração tanto o âmbito geográfico do mercado no qual a MSH operava como o alargamento da União durante o período de infração, a Comissão não aplicou de forma incorreta o n.o 13 das orientações de 2006.

1574

A este respeito, há que recordar que, no caso em apreço, a Comissão tinha o direito de aplicar uma coima única e que não era obrigada a individualizar o modo como tomou em conta cada um dos elementos que concorrem para a fixação da coima (v. n.o 1564, supra).

1575

Por um lado, há que observar que, nos termos do n.o 13 das orientações de 2006, o ano normalmente pertinente para determinar o valor das vendas é o último ano completo da participação na infração, ou seja, no presente caso, o ano de 2007. A recorrente não afirma que a Comissão se devia ter afastado dessa norma e escolher um outro ano como ano de referência. Ora, em relação à totalidade do ano de 2007, a Comissão demonstrou a existência de um abuso não apenas no que respeita à MSH mas também no que respeita à Lenovo. Quanto ao comportamento da recorrente face a esta última empresa em 2007, a recorrente não contesta que o mercado relevante era o mercado mundial dos CPU x86. Dado que pelo menos uma das práticas abusivas cometidas pela recorrente em 2007 respeitava, portanto, ao mercado mundial dos CPU x86, a Comissão não aplicou as suas orientações de forma incorreta na medida em que fixou o valor das vendas fazendo referência apenas ao mercado dos CPU x86 e não ao mercado alegadamente mais limitado de distribuição dos computadores aos consumidores no qual a MSH operava.

1576

De qualquer forma, há que recordar que a Comissão não era obrigada a definir um mercado de produto próprio ou um mercado geográfico próprio no que respeita à MSH e que as práticas da recorrente perante a MSH tinham a capacidade de restringir a concorrência no mercado mundial dos CPU (v. n.o 1533, supra). Uma vez que a Comissão não era obrigada a definir um mercado geográfico próprio no que respeita à MSH, a Comissão também não era obrigada a ter em conta o âmbito geográfico limitado de um tal mercado hipotético na fixação do valor das vendas, em conformidade com o ponto 13 das orientações de 2006.

1577

Por outro lado, não se pode deixar de observar que os doze Estados‑Membros que aderiram ao EEE no decurso do período de infração fizeram parte do EEE durante todo o ano de 2007. Dado que, em conformidade com o ponto 13 das orientações de 2006, o ano pertinente para a determinação do valor das vendas é, no presente caso, o ano de 2007, a Comissão não era obrigada a tomar em consideração, na fixação do montante do valor das vendas, o facto de esses Estados‑Membros terem feito parte do EEE durante apenas uma parte do período da infração.

b) Quanto à existência de uma violação do ponto 21 das orientações de 2006

1578

Há que salientar que, quanto à gravidade da infração, a Comissão concluiu, no considerando 1784 da decisão impugnada, que a estratégia da recorrente que visa excluir a AMD tinha alcance mundial. No contexto da apreciação da gravidade da infração, esta circunstância implica que a totalidade do EEE foi coberto pela infração.

1579

Impõe‑se concluir que, ao não ter tomado em consideração a dimensão geográfica do mercado em que a MSH operava, a Comissão não aplicou de forma incorreta o n.o 21 das suas orientações de 2006.

1580

Com efeito, há que observar que o simples facto de, para uma parte do ano de 2006, a decisão impugnada só ter declarado uma única prática ilegal face à MSH não pode pôr em causa a conclusão de que a estratégia da recorrente que visava excluir a AMD tinha uma dimensão geográfica mundial. Com efeito, há que recordar que a Comissão não era obrigada a definir um mercado de produto próprio ou um mercado geográfico próprio no que respeita à MSH e que as práticas da recorrente perante a MSH tinham a capacidade de restringir a concorrência no mercado mundial dos CPU (v. n.o 1533, supra). Além disso, uma vez que as práticas da recorrente perante a MSH se inscreviam numa estratégia de conjunto coerente, não podem ser consideradas de modo isolado. O âmbito geográfico desta estratégia era mundial. Em consequência, na decisão impugnada, a Comissão concluiu, acertadamente, que todo o EEE estava coberto pela infração.

1581

De resto, há que reconhecer que a Comissão também não era obrigada a ter em conta o facto de que doze Estados‑Membros não faziam parte do EEE apenas durante uma parte do período da infração, quando, no contexto da apreciação da gravidade, considerou que o alcance mundial da estratégia destinada a excluir a AMD implicava que todo o EEE tinha sido abrangido pela infração.

1582

Com efeito, há que sublinhar que a Comissão apenas considerou que todo o EEE foi coberto pela infração. Assim, fez referência de forma dinâmica aos Estados que fizeram, respetivamente, parte do EEE num dado momento durante o período de infração. A Comissão não era obrigada a repartir o âmbito geográfico tomado em consideração quando da avaliação da gravidade de uma infração única em função dos diferentes Estados que tivessem aderido ao EEE num dado momento durante o período de infração. Com efeito, a Comissão não é obrigada a individualizar o modo como tomou em conta cada um dos elementos que concorrem para a fixação da coima (v. n.o 1564, supra).

2. Quanto à tomada em consideração da dissimulação das infrações

1583

Há que salientar que, para apreciar a gravidade da infração, a Comissão, no considerando 1785 da decisão impugnada, teve em conta o facto de a recorrente ter tomado medidas para dissimular as práticas em causa na referida decisão.

1584

A recorrente alega que foi erradamente que a Comissão teve em conta a alegada dissimulação da infração, dado que não chegou a prová‑la. Além disso, as alegações da Comissão relativamente a essa dissimulação apenas respeitam à MSH, à HP e à Lenovo e não devem, por conseguinte, ser aplicadas de forma global, para todas as infrações.

1585

Esses argumentos não podem vingar.

1586

A título preliminar, há que observar que o caráter secreto de uma infração às regras de concorrência da União é uma circunstância suscetível de acentuar a gravidade (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 14 de dezembro de 2006, Raiffeisen Zentralbank Österreich e o./Comissão, T-259/02 a T-264/02 e T-271/02, Colet., p. II-5169, n.o 252, e Imperial Chemical Industries/Comissão, referido no n.o 139, supra, n.o 446). No caso em apreço, a Comissão teve em conta as tentativas da Intel de dissimular a sua conduta, entre muitos outros elementos, para efeitos da apreciação da gravidade da infração.

1587

Importa recordar que os elementos de prova utilizados na decisão impugnada demonstram de forma bastante que a recorrente se esforçou dissimular o caráter anticoncorrencial do seu comportamento, pelo menos no que respeita às suas relações com a Dell, a HP, a Lenovo e a MSH (v. n.os 1540 a 1551, supra). Contrariamente ao que afirma a recorrente, era suficiente que a Comissão fizesse alegações específicas em matéria de dissimulação apenas em relação a essas quatro empresas a fim de tomar em consideração a dissimulação como um dos elementos que determinam a gravidade da infração única. Com efeito, a Comissão não é obrigada a individualizar o modo como tomou em conta cada um dos elementos que concorrem para a fixação da coima (v. n.o 1564, supra).

3. Quanto ao caráter agravante da declaração de uma infração única

1588

Há que salientar que, no considerando 1747 da decisão impugnada, no quadro das conclusões relativas à existência de uma estratégia de conjunto, a Comissão concluiu que, consideradas em conjunto, as práticas individuais da recorrente eram de molde ou suscetíveis de produzir um impacto ainda mais importante no mercado. No considerando 1785 da referida decisão, no âmbito das constatações relativas à gravidade da infração, a Comissão indicou que tinha tido em conta o facto de que a Intel cometeu uma infração única, que a intensidade da infração única tinha sido diferente ao longo dos anos, que a maior parte dos abusos individuais em causa se concentravam no período compreendido entre 2002 e 2005 e que os abusos diferiam quanto à sua provável incidência anticoncorrencial respetiva.

1589

A recorrente alega que a Comissão «provavelmente» utilizou a declaração de uma infração única como fator agravante aquando da determinação da gravidade. A aplicação de uma infração única como fator que reforça a gravidade da infração é errada porque, relativamente a determinados períodos, não pode ser provado que «esse fator» foi suscetível de reforçar a gravidade do comportamento alegado. No que respeita a uma parte do ano de 2006, quando as únicas práticas em relação com o EEE diziam respeito à MSH, não existe nenhum fundamento suscetível de atribuir uma gravidade mais importante ao seu comportamento devido a uma infração única.

1590

Há que rejeitar estes argumentos.

1591

Há que recordar que, no caso em apreço, a Comissão tinha o direito de aplicar uma coima única e que não era obrigada a individualizar o modo como tomou em conta cada um dos elementos que concorrem para a fixação da coima (v. n.o 1564, supra). Além disso, o argumento da recorrente assenta na premissa errada de que a Comissão tinha aumentado a gravidade do comportamento infrator a ter em conta em razão da existência de uma infração única. Não é porém esse o caso. A Comissão considerou que a intensidade da infração única foi diferente ao longo dos anos, que a maior parte dos abusos individuais em causa se concentravam no período compreendido entre 2002 e 2005 e que os abusos diferem quanto à sua provável incidência anticoncorrencial respetiva. Estas conclusões têm em conta, de forma bastante, a circunstância segundo a qual, para uma parte do ano de 2006, a infração relativa à MSH era a única infração relacionada com o EEE considerada na decisão impugnada.

4. Quanto à aplicação de um fator multiplicador de 5,5 pela duração da infração

1592

Há que salientar que, no que diz respeito à duração da infração, a Comissão constatou, nos considerandos 1787 e 1788 da decisão impugnada, que o abuso começou em outubro de 2002 e prosseguiu, pelo menos, até dezembro de 2007. Assim, teria durado cinco anos e três meses, o que implica, em conformidade com o ponto 24 das orientações de 2006, um fator de multiplicação de 5,5 a fim de tomar em consideração esta duração.

1593

Segundo a recorrente, a decisão impugnada está errada na medida em que a Comissão aplicou um coeficiente multiplicador de 5,5 referente à duração de cada infração. Esta abordagem foi feita em seu detrimento, na medida em que cada uma das infrações em relação aos OEM foi de uma duração significativamente mais curta do que o período da infração total.

1594

Este argumento não convence.

1595

Com efeito, contrariamente ao que afirma a recorrente, a Comissão não aplicou um coeficiente multiplicador de 5,5 a cada uma das infrações individuais, mas à infração única. Dado que a Comissão concluiu acertadamente pela existência de uma infração única que vai de outubro de 2002 a dezembro de 2007 (v. n.os 1561 a 1563, supra), esta abordagem não pode ser criticada.

5. Quanto à aplicação retroativa das orientações de 2006

1596

A recorrente alega que a Comissão violou os princípios da não retroatividade e da proteção da confiança legítima, aplicando as orientações de 2006 de forma retroativa. A substituição de determinadas orientações por outras deve ser distinguida da primeira introdução das linhas diretrizes. A primeira introdução das orientações criou pela primeira vez uma confiança legítima inexistente até esse momento, que impede a aplicação das novas orientações de forma retroativa.

1597

Este argumento não pode ser acolhido.

1598

Com efeito, resulta da jurisprudência que nem o princípio da segurança jurídica nem o princípio da legalidade dos delitos e das penas, consagrado no artigo 7.o, n.o 1, da CEDH, se opõem a que a Comissão decida adotar e aplicar novas orientações para o cálculo das coimas mesmo depois de uma infração ter sido cometida. O interesse numa aplicação eficaz das regras de concorrência justifica que, dentro dos limites previstos pelo artigo 23.o do Regulamento n.o 1/2003, uma empresa deve ter em conta a possibilidade de uma modificação da política geral de concorrência da Comissão em matéria de coimas no que respeita tanto o método de cálculo como o nível das coimas (acórdão do Tribunal Geral de 2 de fevereiro de 2012, Denki Kagaku Kogyo e Denka Chemicals/Comissão, T‑83/08, não publicado na Coletânea, n.os 98 a 127). Esta conclusão também é válida no que respeita ao artigo 49.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais. A Comissão podia, assim, por maioria de razão, aplicar as suas orientações de 2006 a uma infração única que só cessou após a sua adoção.

B — Quanto à alegada inexistência de violação do artigo 82.o CE cometida deliberadamente ou por negligência

1599

A recorrente alega que não agiu por negligência. Para alicerçar esta afirmação, a GSK alega, em substância, que os descontos não são sempre ilegais e que as restrições não dissimuladas constituem uma nova categoria de abuso. Provou que a Comissão não demonstrou a existência de uma estratégia de exclusão da AMD. A Comissão cometeu um erro ao considerar que tomou medidas para dissimular o seu comportamento. Não podia prever os resultados a que a Comissão chegou no âmbito da aplicação do teste AEC. Com efeito, estes resultados baseiam‑se em dados internos provenientes de diferentes OEM, informações de que a Intel nunca teria tido conhecimento e às quais não teve acesso.

1600

Esses argumentos não podem vingar.

1601

Segundo jurisprudência assente, a condição segundo a qual a infração foi cometida de forma deliberada ou por negligência está preenchida quando a empresa em causa não pode ignorar o caráter anticoncorrencial do seu comportamento, independentemente de ter ou não tido consciência de infringir as regras de concorrência do Tratado (acórdãos do Tribunal Geral, Tetra Pak/Comissão, n.o 1564, supra, n.o 238, e de 10 de abril de 2008, Deutsche Telekom/Comissão, T-271/03, Colet., p. II-477, n.o 295). Uma empresa tem consciência do caráter anticoncorrencial do seu comportamento quando os elementos de facto materiais que justificam quer a constatação de uma posição dominante no mercado em causa quer a apreciação pela Comissão de um abuso dessa posição eram do seu conhecimento (v., neste sentido, acórdão Michelin I, já referido no n.o 74, supra, n.o 107, e acórdão Raiffeisen Zentralbank Österreich e o./Comissão, n.o 1586, supra, n.os 207 e 210; v., igualmente, conclusões do advogado‑geral J. Mazák no acórdão do Tribunal de Justiça Deutsche Telekom, n.o 98, supra, Colet., p. I‑9567, n.o 39).

1602

Quanto, em primeiro lugar, ao argumento segundo o qual os descontos não são sempre ilegais e segundo o qual as restrições não dissimuladas constituem uma nova categoria de abuso, basta observar que essa argumentação visa unicamente demonstrar o facto de que a recorrente ignorava o caráter ilegal do comportamento imputado na decisão controvertida, à luz do artigo 82.o CE. Deve por isso ser indeferido por força da jurisprudência referida no número anterior (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça Deutsche Telekom, n.o 98, supra, n.o 127). Em qualquer caso, a recorrente não podia ignorar o caráter anticoncorrencial do seu comportamento. Os tribunais da União condenaram por diversas vezes a execução, por uma empresa em posição dominante, de práticas que consistem em conceder incitamentos financeiros que dependem de condições de exclusividade. A este respeito, basta remeter para o acórdão Hoffmann‑La Roche, n.o 71, supra, e para o acórdão BPB Industries e British Gypsum, n.o 89, supra,. Relativamente às restrições não dissimuladas, concluiu‑se nos n.os 219 e 220, supra, que a qualificação dessas práticas de abusivas não pode ser considerada nova e que, em qualquer caso, o facto de um comportamento que apresenta as mesmas características ainda não ter sido apreciado em decisões anteriores não isenta a empresa da sua responsabilidade.

1603

Em segundo lugar, importa recordar que os elementos de prova apresentados na decisão recorrida demonstram de forma bastante que a recorrente pôs em prática uma estratégia de conjunto a longo prazo destinada a impedir a entrada da AMD nos canais de venda mais importantes de um ponto de vista estratégico e que se esforçou por dissimular o caráter anticoncorrencial do seu comportamento, pelo menos no que respeita às suas relações com a Dell, a HP, a Lenovo e a MSH (v. n.os 1523 a 1552, supra). Consequentemente, é possível concluir que a recorrente cometeu a infração considerada, pelo menos, por negligência.

1604

Em terceiro lugar, há que rejeitar o argumento da recorrente segundo o qual não podia prever os resultados a que a Comissão chegou no âmbito da aplicação do teste AEC. Importa recordar que, na decisão impugnada, a Comissão se baseou, a título principal, nos critérios desenvolvidos pela jurisprudência no acórdão Hoffmann‑La Roche, já referidos no n.o 71, supra, a fim de declarar a ilegalidade dos descontos de exclusividade (v. n.os 69, 72 e 73, supra). Em contrapartida, baseou a sua decisão impugnada apenas a título exaustivo no teste AEC (v. n.os 173 e 175, supra). Há que recordar que a aplicação de um teste AEC não é necessária para efeitos de demonstrar a ilegalidade das práticas da recorrente e que esse teste também não pode constituir um refúgio fiável para a empresa em posição dominante a fim de excluir qualquer infração (v. n.os 140 a 166, supra). Mesmo supondo que a recorrente não tenha podido prever os resultados a que a Comissão chegou ao aplicar esse teste, esta circunstância não põe em causa o facto de que a recorrente não podia ignorar os elementos de facto materiais que justificam a declaração pela Comissão de um abuso da sua posição dominante segundo os testes desenvolvidos pela jurisprudência no acórdão Hoffmann‑La Roche, já referidos no n.o 71, supra.

C — Quanto ao caráter alegadamente desproporcionado da coima

1605

A recorrente invoca, no essencial, três argumentos para sustentar a sua conclusão de que o nível da coima era desproporcionada. A coima não foi aplicada por uma autoridade independente. É desproporcionada relativamente às coimas aplicadas noutras decisões. A imposição da coima mais pesada aplicada é desproporcionada tendo em conta a inexistência de efeitos concretos da infração no mercado.

1606

Todos estes argumentos devem ser afastados.

1. Quanto ao argumento baseado na falta de independência da Comissão

1607

Segundo a recorrente, a Comissão não é uma jurisdição independente e imparcial, tal como definida na CEDH. Alega que, uma vez que a coima é de natureza penal, na aceção do artigo 6.o da CEDH, a coima foi aplicada de maneira ilegal e em violação dos seus direitos a que qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela seja decidida por um tribunal independente.

1608

Este argumento não pode ser acolhido.

1609

O direito de acesso a um tribunal independente e imparcial, no qual se apoia a recorrente, faz parte das garantias consagrados pelo artigo 6.o, n.o 1, da CEDH. No direito da União, a proteção conferida por esse artigo é assegurada pelo artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais. Por conseguinte, há que fazer referência unicamente a esta última disposição (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de dezembro de 2011, Chalkor/Comissão, C-386/10 P, Colet., p. I-13085, n.o 51). O artigo 52.o, n.o 3, da Carta dos Direitos Fundamentais precisa que, na medida em que esta contém direitos correspondentes aos garantidos pela CEDH, o sentido e o âmbito desses direitos são iguais aos conferidos por essa Convenção. Segundo a explicação da disposição, que deve ser tomada em consideração pelo juiz da União em conformidade com o artigo 52.o, n.o 7, da Carta dos Direitos Fundamentais, o sentido e o âmbito dos direitos garantidos são determinados não só pelo texto da CEDH mas também, nomeadamente, pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de dezembro de 2010, DEB, C-279/09, Colet., p. I-13849, n.o 35).

1610

Resulta da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que o artigo 6.o, n.o 1, da CEDH não exclui que, num procedimento de natureza administrativa, uma «pena» seja imposta, em primeiro lugar, por uma autoridade administrativa. O mesmo pressupõe, contudo, que a decisão de uma autoridade administrativa que não preencha os requisitos do artigo 6.o, n.o 1, da CEDH seja objeto de fiscalização posterior por um órgão jurisdicional de plena jurisdição. Entre as características de um órgão jurisdicional de plena jurisdição figura o poder de rever, em todos os aspetos, tanto de facto como de direito, a decisão proferida pelo órgão de grau inferior. Deve, nomeadamente, ser competente para conhecer de todas as questões de facto e de direito pertinentes para o litígio que lhe foram submetidos (v. Tribunal eur. D. H., acórdão A. Menarini Diagnostics c. Itália de 27 de setembro de 2011, n.o 43509/08, § 59).

1611

Pode‑se inferir dessa jurisprudência que o facto de a Comissão concentrar os poderes de inquérito, de repressão e de decisão no âmbito de procedimentos de infração às regras de concorrência previstas pelo Regulamento n.o 1/2003 não é, em si, contrário ao artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais, desde que as empresas que a elas estão submetidas tenham direito de recurso contra a decisão da Comissão perante um órgão que satisfaça os requisitos deste artigo (conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo que deu origem ao acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C-521/09 P, Colet., p. I-8947, I-8954, n.o 31).

1612

A este respeito, resulta da jurisprudência que a fiscalização da legalidade prevista no artigo 263.o TFUE, completada pela competência de plena jurisdição quanto ao montante da coima, prevista no artigo 31.o do Regulamento n.o 1/2003, em conformidade com o artigo 261.o TFUE, responde às exigências do princípio da proteção jurisdicional efetiva que figura no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais. Com efeito, a fiscalização prevista pelos Tratados implica que o juiz da União exerça uma fiscalização tanto de direito como de facto e que tenha o poder de apreciar as provas, de anular a decisão impugnada e de alterar o montante das coimas (v., neste sentido, acórdão Chalkor/Comissão, n.o 1609, supra, n.o 67).

2. Quanto ao caráter desproporcionado da coima relativamente a outras coimas

1613

A recorrente afirma que a coima aplicada é desproporcionada em relação a outros processos recentes, incluindo o processo que deu origem ao acórdão do Tribunal Geral de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão (T-201/04, Colet., p. II-3601).

1614

Resulta de jurisprudência constante que a prática decisória anterior da Comissão não serve de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência e que as decisões referentes a outros processos só podem ter caráter indicativo no que respeita à eventual existência de uma violação do princípio da igualdade de tratamento, pois é pouco provável que as circunstâncias próprias destes processos, como os mercados, os produtos, as empresas e os períodos em causa, sejam idênticos (acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de setembro de 2006, JCB Service/Comissão, C-167/04 P, Colet., p. I-8935, n.os 201 e 205, e de 7 de junho de 2007, Britannia Alloys & Chemicals/Comissão, C-76/06 P, Colet., p. I-4405, n.o 60; acórdão do Tribunal Geral de 16 de junho de 2011, Caffaro/Comissão, T-192/06, Colet., p. II-3063, n.o 46).

1615

No entanto, o respeito do princípio da igualdade de tratamento, que se opõe a que situações comparáveis sejam tratadas de modo diferente ou que situações diferentes sejam tratadas de maneira semelhante, salvo se esse tratamento se justificar por razões objetivas, impõe‑se à Comissão quando aplica uma coima a uma empresa por infração às regras de concorrência, como a qualquer instituição no exercício de todas as suas atividades. Não é menos verdade que as decisões anteriores da Comissão em matéria de coimas só podem ter relevância à luz do respeito do princípio da igualdade de tratamento se se demonstrar que os dados circunstanciais dos processos relativos a essas decisões, como os mercados, os produtos, os países, as empresas e os períodos em causa, são comparáveis aos do caso em apreço (acórdão do Tribunal Geral de 29 de junho de 2012, E.ON Ruhrgas e a E.ON/Comissão, T‑360/09, n.os 261 e 262 e jurisprudência referida).

1616

Ora, no caso em apreço, a recorrente não demonstra que os dados circunstanciais dos processos relativos às decisões anteriores que invoca são comparáveis aos do caso vertente. Consequentemente, tendo em conta a jurisprudência referida no n.o 1615, supra, as referidas decisões não são relevantes, à luz do respeito do princípio da igualdade de tratamento.

1617

Com efeito, quanto, em primeiro lugar, ao processo que deu origem ao acórdão Microsoft/Comissão, n.o 1613, supra, a recorrente limita‑se a salientar a diferença entre esse processo e o presente, alegando que, no referido processo, as práticas em causa tinham gerado vários efeitos negativos quantificáveis sobre os concorrentes, o que não sucede no caso vertente. Contudo, a recorrente não apresenta qualquer argumento para demonstrar que os dados circunstanciais do processo que deu lugar ao acórdão Microsoft/Comissão são comparáveis aos do caso vertente. Importa observar que esse processo dizia respeito nomeadamente a outros mercados e outras práticas abusivas diferentes das que estão em causa no presente processo.

1618

Em segundo lugar, a recorrente invoca a decisão da Comissão de 12 de novembro de 2008, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.o [CE] e do artigo 53.o do Acordo EEE (Processo COMP/39125 — vidro automóvel), de que foi publicado um resumo no Jornal Oficial de 25 de julho de 2009 (JO C 173, p. 13), em apoio do seu argumento segundo o qual a coima que lhe foi aplicada é, de longe, superior à coima mais elevada de sempre aplicada a um reincidente num processo de cartel. Todavia, a recorrente não demonstra que os dados circunstanciais do processo que deu lugar à referida decisão, que dizia respeito a um cartel e não a um abuso de posição dominante, são comparáveis às do presente caso.

1619

Em terceiro lugar, quanto à comparação da coima aplicada no presente processo e as impostas nos processos que deram lugar aos acórdãos Hoffmann‑La Roche, n.o 71, supra, Michelin I, já referido no n.o 74, Michelin II, já referido no n.o 75, e do Tribunal Geral British Airways, referido no n.o 186, supra, há que constatar que a recorrente tão‑pouco demonstra que os dados circunstanciais dos referidos processos são comparáveis aos do presente processo. A este respeito, por um lado, há que recordar que os processos Michelin I, já referido no n.o 74, Michelin II, já referido no n.o 75, e do Tribunal Geral British Airways, referido no n.o 186, supra, não diziam respeito a descontos de exclusividade mas a descontos incluídos na terceira categoria (v. n.o 78, supra) e que o presente processo respeita igualmente a restrições não dissimuladas. Por outro lado, importa sublinhar que, mesmo admitindo que os tipos de abusos postos em causa no presente processo sejam semelhantes, ou mesmo iguais, aos postos em causa nos processos que deram lugar aos acórdãos Hoffmann‑La Roche, n.o 71, supra, Michelin I, já referido no n.o 74, Michelin II, já referido no n.o 75, e do Tribunal Geral British Airways, referido no n.o 186, supra, esta circunstância não basta para tornar o presente processo e os invocados pela recorrente comparáveis na aceção da jurisprudência referida no n.o 1615, supra, tendo em conta as diferenças que existem entre esses processos no que respeita, designadamente, às empresas, aos mercados e aos produtos em causa e tendo em conta o lapso de tempo decorrido entre esses processos, bem como a evolução da política da Comissão em matéria de coimas.

3. Quanto à necessidade de demonstrar os efeitos concretos da infração

1620

Há que recordar que, para determinar a gravidade da infração, a Comissão teve designadamente em conta a natureza da infração, a quota de mercado das empresas em causa e a dimensão geográfica da infração. Mais especificamente, quanto à natureza da infração, a Comissão concluiu, no considerando 1780 da decisão recorrida, que o mercado dos CPU x86 revestia uma grande importância económica. Segundo a referida decisão, esse mercado gerou rendimentos de 30 mil milhões de USD em 2007. Isso significa que qualquer comportamento anticoncorrencial neste mercado teve um impacto considerável.

1621

A recorrente sustenta que o nível da coima depende do alegado «impacto considerável» no mercado, mas que não foi feita nenhuma análise dos efeitos reais das práticas ditas abusivas sobre a AMD ou no mercado. Recorda que a sua coima de 1, 06 mil milhões de euros é a coima mais pesada aplicada a uma única empresa por infração às regras de concorrência. Assim, seria necessário, quando da determinação da coima, tomar em consideração os efeitos reais da infração e o nexo de causalidade entre estes efeitos e o prejuízo para os consumidores ou para os concorrentes, independentemente da questão de saber se os efeitos reais são pertinentes para constatar a existência de um abuso. A recorrente alega que os elementos de prova demonstram que, durante o período considerado, o mercado dos CPU era caracterizado por uma concorrência intensa entre a AMD e a Intel, tendo por consequência uma baixa constante dos preços e uma melhoria da qualidade dos produtos, para o maior benefício possível dos consumidores. Além disso, a AMD multiplicou as suas quotas de mercado. Por último, a decisão dos OEM de adquirir produtos da recorrente assentou senão na totalidade, pelo menos em parte, por razões económicas diferentes da fidelização induzida pelos descontos condicionais.

1622

Nos termos do artigo 23.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, para determinar o montante da coima, deve tomar‑se em consideração, além da gravidade da infração, a sua duração. Resulta da jurisprudência que a gravidade das infrações ao direito da concorrência deve ser determinada em função de um grande número de elementos, tais como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o caráter dissuasivo das coimas, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em conta. Por conseguinte, contrariamente ao que alega a recorrente, o impacto concreto da infração no mercado não é, em princípio, segundo os critérios desenvolvidos pela jurisprudência, um elemento obrigatório, mas apenas um elemento pertinente entre outros para apreciar a gravidade da infração e fixar o montante da coima (v., neste sentido e por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de setembro de 2009, Prym e Prym Consumer/Comissão, C-534/07 P, Colet., p. I-7415, a seguir «acórdão Prym», n.os 54 e 55). Além disso, resulta da jurisprudência que os elementos relativos ao objeto de um comportamento podem ter mais importância para efeitos de fixação do montante da coima do que os relativos aos seus efeitos (acórdão AstraZeneca, já referido no n.o 64, supra, n.o 902).

1623

Por força das orientações para o cálculo das coimas aplicadas nos termos do artigo 15.o, n.o 2, do Regulamento n.o 17 e do n.o 5 do artigo 65.o do Tratado [CA] (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações de 1998»), a avaliação do grau de gravidade da infração devia tomar em consideração nomeadamente «o seu impacto concreto no mercado quando este for quantificável» (sob o título 1.a.). A este respeito, resulta da jurisprudência que, pelo menos no que respeita às infrações que podiam ser qualificados de infrações muito graves apenas com base na sua própria natureza, o impacto concreto da infração no mercado apenas constituía um elemento facultativo suscetível de permitir à Comissão aumentar o montante de partida da coima para além do montante mínimo previsto de 20 milhões de euros (v., neste sentido, acórdão Prym, n.o 1622, supra, n.o 75). É verdade que resultava igualmente da jurisprudência que, quando a Comissão considerar oportuno para o cálculo da coima ter em conta este elemento facultativo que era o impacto concreto da infração no mercado, não se podia limitar a apresentar uma mera presunção, mas devia fornecer indícios concretos, credíveis e suficientes que permitam apreciar a influência efetiva que a infração teve na concorrência no referido mercado (acórdão Prym, n.o 1622, supra, n.o 82).

1624

Contudo, no presente processo, a determinação do montante da coima não assenta nas orientações de 1998, mas nas orientações de 2006. Sublinhe‑se que, contrariamente às orientações de 1998, as orientações de 2006 não preveem a tomada em consideração do «impacto concreto no mercado quando este for quantificável» na apreciação da gravidade de uma infração dada. Segundo o n.o 22 das orientações de 2006, a fim de decidir se a proporção do valor das vendas, determinada em função da gravidade deve ser de nível inferior ou superior à escala que pode ir até 30%, a Comissão terá em conta certos fatores, como a natureza da infração, a quota de mercado acumulada de todas as partes em causa, o âmbito geográfico da infração e a execução ou não da infração.

1625

Por conseguinte, embora seja verdade que, segundo as orientações de 2006, a Comissão não está, em regra, obrigada a tomar em consideração o impacto concreto da infração no mercado quando fixa a proporção do valor das vendas, determinada em função da gravidade. Todavia, há que referir que as orientações também não proíbem tomar em consideração o impacto concreto da infração no mercado para aumentar essa proporção. A este respeito, há que constatar que se a Comissão considera oportuno ter em conta o impacto concreto da infração no mercado para aumentar essa proporção, na jurisprudência referida no considerando 1623 aplica‑se também no que se refere às orientações de 2006, pelo que a Comissão deve fornecer indícios concretos, credíveis e suficientes que permitam apreciar a influência efetiva que a infração teve na concorrência no referido mercado. Em contrapartida, a Comissão não deve necessariamente ter em conta a falta de impacto concreto como um fator atenuando na apreciação da gravidade por força do n.o 22 das orientações de 2006. Basta que o nível da proporção do valor das vendas a tomar em consideração fixado pela Comissão seja justificado por outros elementos suscetíveis de influenciar a determinação da gravidade.

1626

É à luz das considerações que precedem que há que apreciar os argumentos da recorrente.

1627

Em primeiro lugar, há que afastar o argumento segundo o qual o nível da coima é, no presente caso, tributário do pretenso «impacto considerável» no mercado ao passo que nenhuma análise dos efeitos reais das práticas ditas abusivas sobre a AMD ou no mercado foi feita. Com efeito, há que reconhecer que, no caso em apreço, a Comissão não tomou em consideração o impacto concreto da infração no mercado a fim de determinar a sua gravidade. Contrariamente ao que alega a recorrente, não se pode deduzir do facto de, na decisão recorrida, a Comissão ter declarado que «qualquer comportamento anticoncorrencial sobre [o mercado dos CPU x86] tem um impacto considerável», que a Comissão tomou em consideração esse impacto. Há que recordar a este respeito que a observação criticada pela recorrente foi feita pela Comissão para descrever a natureza da infração. Dado que a «natureza» de uma infração faz referência às suas características abstratas e gerais, a Comissão podia, neste âmbito, considerar corretamente que, atendendo à importância dos rendimentos gerados no mercado dos CPU x86, qualquer comportamento anticoncorrencial neste mercado tem um impacto considerável. Ao fazê‑lo, a Comissão não teve em consideração os efeitos reais das práticas postas em causa na decisão impugnada no mercado, mas a «natureza» e assim a capacidade dessas práticas de produzir tais efeitos.

1628

O facto de a Comissão não ter tomado em consideração o impacto concreto da infração no mercado para determinar o montante da coima é também confirmado pelas circunstâncias seguintes. Por um lado, enquanto determinadas passagens da decisão impugnada que não se referem à determinação do montante da coima contêm pedidos relativos ao impacto concreto do comportamento da recorrente sobre a liberdade de escolha dos OEM e da MSH (v. considerandos 1001 e 1678.a dessa decisão), bem como sobre o prejuízo sofrido pelos consumidores (v. considerandos 1597 a 1616 da referida decisão), a Comissão não fez referência a estas conclusões, quando determinou a gravidade da infração. Por outro lado, no quadro da conclusão quanto à gravidade, enunciada no considerando 1785 da mesma decisão, a Comissão constatou que os abusos diferem quanto à sua «provável incidência anticoncorrencial» respetiva. O facto de, no quadro da conclusão quanto à gravidade, a Comissão ter feito referência à «provável incidência anticoncorrencial» dos abusos individuais demonstra inequivocamente que não teve em consideração o impacto concreto da infração no mercado, mas apenas o seu impacto provável.

1629

Por conseguinte, há que declarar que a Comissão não se baseou no impacto concreto da infração a fim de aumentar a sua gravidade.

1630

Em segundo lugar, na medida em que a recorrente sustenta que a Comissão não tinha erradamente tomado em consideração a inexistência de efeitos reais da infração e do nexo de causalidade entre esses efeitos e o prejuízo para os consumidores ou os concorrentes como um fator atenuando na apreciação da gravidade, a sua argumentação deve também ser rejeitada. Há que observar que, para fixar a proporção do valor das vendas, determinada em função da gravidade da infração de 5%, a Comissão não era obrigada a tomar em consideração a alegada falta de impacto concreto da infração no mercado. Com efeito, no caso em apreço, os outros elementos nos quais a Comissão se apoiou na decisão impugnada para efeitos da determinação da gravidade da infração justificam a fixação da proporção do valor das vendas a tomar em consideração em 5%.

1631

A este respeito, há que observar, a título preliminar, que o nível de 5% fixado na decisão recorrida se situa no domínio inferior da escala que pode ir, segundo o ponto 21 das orientações de 2006, até 30%.

1632

Seguidamente, no que se refere, em primeiro lugar, à natureza da infração, importa referir que, nos considerandos 1780 e 1781 da decisão recorrida, a Comissão entendeu que, à parte a recorrente, que detinha 80% do mercado, o único concorrente sério existente no mercado era a AMD. Recordou igualmente que a recorrente pôs em prática uma estratégia de conjunto destinada a eliminar a AMD do mercado. Assim, as práticas abusivas da recorrente tinham‑se destinado a eliminar o único concorrente sério ou, pelo menos, a restringir o seu acesso ao mercado. Tendo em conta barreiras de acesso à produção dos CPU x86, é provável que, embora a AMD tivesse sido excluída ou marginalizada, não houve outro operador credível no mercado.

1633

No que diz respeito, em segundo lugar, à quota de mercado das empresas em causa, a Comissão concluiu, no considerando 1783 da decisão impugnada, que, durante a totalidade do período de infração, a recorrente detinha não só uma posição dominante em todos os segmentos do mercado dos CPU x86, mas que a sua quota de mercado era também muito mais elevada que a dos seus concorrentes.

1634

No que se refere, em terceiro lugar, o âmbito geográfico da infração, a Comissão concluiu, no considerando 1784 da decisão impugnada, ter demonstrado que a estratégia da recorrente que visava excluir a AMD tinha um âmbito mundial. No contexto da apreciação da gravidade da infração, esta circunstância implica que a totalidade do EEE foi coberto pela infração (v. n.os 1578 a 1582, supra).

1635

Em quarto lugar, há que recordar que, no quadro da conclusão quanto à gravidade da infração, a Comissão, no considerando 1785 da decisão recorrida, observou nomeadamente que a recorrente cometeu uma infração única cuja intensidade tinha sido diferente ao longo dos anos, que os abusos individuais tenham diferido quanto à sua provável incidência anticoncorrencial respetiva e que a recorrente se esforçou por dissimular o caráter anticoncorrencial do seu comportamento (v. n.os 1583 a 1591, supra).

1636

Estas observações, que não foram contestadas pela recorrente, ou seja, foram suficientemente provadas pela Comissão, bastam para justificar a proporção do valor das vendas em 5%.

1637

Em terceiro lugar, no que respeita aos argumentos da recorrente para provar a inexistência de efeitos concretos no mercado e do nexo de causalidade, há que lembrar, a título exaustivo, que nem o crescimento das quotas de mercado de AMD nem a baixa dos preços dos CPU x86 durante o período visado pela decisão recorrida implicam que as práticas da recorrente tenham sido desprovidas de efeito. Não existindo essas práticas, é possível considerar que o aumento das quotas de mercado do concorrente como a baixa dos preços dos CPU x86 poderiam ter sido mais importantes (v. n.o 186, supra). Do mesmo modo, na medida em que a recorrente invoca razões económicas diferentes da fidelização induzida por descontos condicionais como causas das decisões dos OEM de comprar os seus produtos, impõe‑se observar que essa argumentação não pode excluir qualquer influência dos descontos e dos pagamentos condicionais postos em causa nas decisões comerciais dos OEM (v. n.o 597, supra).

4. Conclusão

1638

Por isso, há que rejeitar o conjunto dos argumentos da recorrente destinados a demonstrar que o nível da coima era desproporcionado.

D — Quanto ao exercício da competência de plena jurisdição

1639

Na audiência, a recorrente sublinhou quatro pontos que justificam uma redução do montante da coima pelo Tribunal Geral no âmbito do exercício da sua competência de plena jurisdição. Em primeiro lugar, realça a complexidade do presente processo e sustenta que era muito difícil de respeitar a lei. No caso em apreço, a Comissão seguiu a abordagem das orientações artigo 82.o Estas não proíbem os descontos em si, mas exigem a aplicação de um teste AEC. A falta de segurança jurídica assim gerada deveria ser tomada em consideração pelo Tribunal Geral. Em segundo lugar, a recorrente invoca que o procedimento administrativo durou nove anos, ao passo que o artigo 6.o da CEDH e o artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais exigem um tratamento rápido dos processos penais. Uma parte substancial desse atraso deveu‑se aos trabalhos necessários à aplicação do teste AEC. Um atraso é um fator que o Tribunal Geral pode ter sempre em consideração. Em terceiro lugar, o Tribunal Geral deveria ter em conta a decisão do Provedor de Justiça de 14 de julho de 2009 que declara que a falta de registo da reunião entre a Comissão e o Sr. D1 constituía um caso de má administração. Em quarto lugar, quanto ao abuso relativo à ACER, o Tribunal Geral devia ter tido em conta o facto de a duração do adiamento do lançamento do computador portátil ter podido alargar‑se de duas a quatro semanas apenas.

1640

Todavia, nenhum destes argumentos é suscetível de conduzir a uma alteração do montante da coima fixado pela Comissão.

1641

Em primeiro lugar, a recorrente não pode retirar qualquer benefício de uma pretensa insegurança jurídica no que respeita à ilegalidade dos descontos de exclusividade. Com efeito, a Comissão e o Tribunal de Justiça por diversas vezes condenaram a execução, por uma empresa em posição dominante, de práticas que consistem em conceder incitações financeiras que dependem das condições de exclusividade (v. n.o 1602, supra). Quanto às orientações artigo 82.o, resulta do considerando 916 da decisão impugnada que a Comissão não as aplicou no presente processo. Foi acima exposto que também não era obrigada a fazê‑lo. Além disso, a recorrente não demonstrou que a Comissão tenha gerado numa confiança legítima no que respeita à aplicação do teste AEC (v. n.os 160 a 165, supra).

1642

Quanto, em segundo lugar, à duração do procedimento administrativo, a argumentação da recorrente não pode proceder.

1643

A este respeito, importa salientar que o exercício da competência de plena jurisdição não equivale a uma fiscalização a título oficioso e que o processo perante os órgãos jurisdicionais da União é contraditório. Com exceção dos fundamentos de ordem pública de que o julgador deve conhecer oficiosamente, como a falta de fundamentação da decisão impugnada, é ao recorrente que compete suscitar fundamentos contra essa decisão e apresentar elementos de prova que alicercem estes fundamentos (acórdão Chalkor/Comissão, n.o 1609, supra, n.o 64).

1644

O fundamento invocado pela recorrente, que se refere unicamente a duração longa do procedimento administrativo, e não a duração do processo no Tribunal Geral, deve ser declarado inadmissível, nos termos do artigo 48.o, n.o 2, do Regulamento de Processo. O referido fundamento, que não foi invocado na petição inicial, não pode ser considerado a ampliação de um fundamento enunciado anteriormente, direta ou implicitamente, na petição inicial, nem tem origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo. Por outro lado, nas circunstâncias do presente processo, não há que examinar oficiosamente o fundamento relativo à duração desrazoável do procedimento na Comissão (v., por analogia, acórdão do Tribunal Geral de 30 de abril de 2009, CD‑Contact Data/Comissão, T-18/03, Colet., p. II-1021, n.o 130).

1645

No que respeita, em terceiro lugar, à falta de registo da reunião entre a Comissão e o Sr. D1, foi acima enunciado que a Comissão corrigiu a lacuna inicial do procedimento administrativo, que decorre da inexistência de redação de uma nota sucinta e da colocação desta à disposição da recorrente, ao pôr à disposição da recorrente a versão confidencial da nota interna (v. n.o 622, supra). Nestas circunstâncias, não há que modificar o montante da coima. A título exaustivo, há que salientar que, mesmo pressupondo que o erro processual não foi regularizado, essa irregularidade não é suscetível de levar o Tribunal a alterar o montante da coima.

1646

Em quarto lugar, quanto ao abuso relativo à ACER, o argumento da recorrente, segundo o qual a duração correspondente ao adiamento do lançamento do computador portátil em causa foi, na realidade, inferior a quatro meses, foi rejeitado nos n.os 1345 a 1357, supra.

1647

De resto, importa referir que, à luz da competência de plena jurisdição de que o Tribunal dispõe em matéria de coimas por infração às regras de concorrência, nada nas acusações, argumentos e elementos de direito e de facto invocados pela recorrente no âmbito do conjunto dos fundamentos acima examinados permite concluir que a coima que lhe foi aplicada pela decisão impugnada apresenta um caráter desproporcionado. Pelo contrário, há que considerar que esta coima é apropriada às circunstâncias do caso vertente. No âmbito desta apreciação, importa nomeadamente ter em conta circunstâncias enunciadas nos n.os 1631 a 1636, supra, bem como o facto de a coima equivaler a 4,15% do volume de negócios anual da Intel, que se situa muito abaixo do limiar de 10% fixado no artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003.

Quanto às despesas

[omissis]

 

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada)

decide:

 

1)

É negado provimento ao recurso.

 

2)

Intel Corp. suportará, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia, com exceção das despesas desta última relativas à intervenção da Association for Competitive Technology, Inc., bem como as da Union fédérale des consommateurs — Que choisir.

 

3)

A Association for Competitive Technology suportará as suas próprias despesas, bem como as despesas da Comissão relativas à sua intervenção.

 

Dittrich

Schwarcz

Wiszniewska‑Białecka

Prek

Kancheva

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de junho de 2014.

Assinaturas


( *1 ) Língua do processo: inglês.

( 1 ) Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.

( 2 ) Dados confidenciais ocultados. A fim de preservar o anonimato, os nomes das pessoas foram substituídos, para as que trabalham na Intel, na Dell, na HP, na NEC, na Lenovo, na Acer ou na MSH, pela letra inicial do nome da empresa em que trabalham, seguida de um número, e, para as que trabalham na AMD, pela letra maiúscula «C», seguida de um número. Além disso, os nomes dos três professores foram substituídos por P1, P2 e P3.

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