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Document 62009CJ0396

Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 20 de Outubro de 2011.
Interedil Srl, em liquidação contra Fallimento Interedil Srl e Intesa Gestione Crediti SpA.
Pedido de decisão prejudicial: Tribunale di Bari - Itália.
Reenvio prejudicial - Poder de que dispõe um órgão jurisdicional inferior de submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça - Regulamento (CE) n.º 1346/2000 - Processos de insolvência - Competência internacional - Centro dos interesses principais do devedor - Transferência da sede estatutária para outro Estado-Membro - Conceito de ‘estabelecimento’.
Processo C-396/09.

Colectânea de Jurisprudência 2011 I-09915

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2011:671

Processo C-396/09

Interedil Srl, em liquidação

contra

Fallimento Interedil Srl

e

Intesa Gestione Crediti SpA

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale di Bari)

«Reenvio prejudicial – Poder de que dispõe um órgão jurisdicional inferior de submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça – Regulamento (CE) n.° 1346/2000 – Processos de insolvência – Competência internacional – Centro dos interesses principais do devedor – Transferência da sede estatutária para outro Estado‑Membro – Conceito de ‘estabelecimento’»

Sumário do acórdão

1.        Questões prejudiciais – Competência do Tribunal de Justiça – Acto adoptado com fundamento no título IV da parte III do Tratado CE

(Artigo 267.º TFUE)

2.        Direito da União – Primado – Direito nacional contrário – Inaplicabilidade de pleno direito das normas existentes – Obrigação de respeitar as instruções de um órgão jurisdicional superior não conformes ao direito da União – Inadmissibilidade

(Artigo 267.º TFUE)

3.        Cooperação judiciária em matéria civil – Processos de insolvência – Regulamento n.º 1346/2000 – Competência internacional para abrir um processo de insolvência – Órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território está situado o centro dos interesses principais do devedor

(Regulamento n.º 1346/2000 do Conselho, artigo 3.º, n.º 1)

4.        Cooperação judiciária em matéria civil – Processos de insolvência – Regulamento n.º 1346/2000 – Competência internacional para abrir um processo de insolvência – Órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território está situado o centro dos interesses principais do devedor – Critérios de determinação

(Regulamento n.º 1346/2000 do Conselho, artigo 3.º, n.º 1, segunda frase)

5.        Cooperação judiciária em matéria civil – Processos de insolvência – Regulamento n.º 1346/2000 – Competência internacional para abrir um processo de insolvência – Processo secundário

(Regulamento n.º 1346/2000 do Conselho, artigo 3.º, n.º 2)

1.        Nos termos do artigo 267.° TFUE, os órgãos jurisdicionais cujas decisões são susceptíveis de recurso judicial em direito interno dispõem, desde 1 de Dezembro de 2009, do direito de submeter questões a título prejudicial ao Tribunal de Justiça, quando estejam em causa actos adoptados com fundamento no título IV do Tratado.

Atendendo ao objectivo de cooperação eficaz entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, prosseguido pelo artigo 267.° TFUE, e ao princípio da economia processual, há que considerar que o Tribunal de Justiça tem, desde 1 de Dezembro de 2009, competência para conhecer de um pedido de decisão prejudicial emanado de um órgão jurisdicional cujas decisões são susceptíveis de recurso judicial de direito interno, e isto mesmo que o pedido tenha sido apresentado antes dessa data.

(cf. n.os 19 e 20)

2.        O direito da União opõe‑se a que um órgão jurisdicional nacional esteja vinculado por uma regra processual nacional, por força da qual deve seguir as apreciações realizadas por um órgão jurisdicional superior nacional, quando se afigure que as apreciações realizadas pelo órgão jurisdicional superior não são conformes ao direito da União, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça.

Com efeito, em primeiro lugar, a existência de uma regra processual nacional, nos termos da qual os órgãos jurisdicionais nacionais que não decidem em última instância estão vinculados às apreciações do tribunal superior, não pode pôr em causa a faculdade de que dispõem os órgãos jurisdicionais nacionais que não decidem em última instância de submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial, quando têm dúvidas sobre a interpretação do direito da União.

Em segundo lugar, um acórdão proferido a título prejudicial pelo Tribunal de Justiça vincula o juiz nacional, quanto à interpretação ou à validade dos actos das instituições da União em causa, para a solução do litígio no processo principal.

Além disso, o juiz nacional encarregado de aplicar, no âmbito da sua competência, as disposições do direito da União tem a obrigação de garantir a plena eficácia dessas disposições, deixando de aplicar, se necessário e por iniciativa própria, qualquer disposição contrária da legislação nacional sem ter de pedir ou esperar a sua revogação prévia por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional.

(cf. n.os 35 e 36, 38 e 39, disp. 1)

3.        O conceito de «centro dos interesses principais» do devedor, referido no artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1346/2000, relativo aos processos de insolvência, deve ser interpretado por referência ao direito da União.

Com efeito, trata‑se de um conceito específico do regulamento e que, por isso, tem um significado autónomo e deve, por conseguinte, ser interpretado de modo uniforme e independente das legislações nacionais.

(cf. n.os 43 e 44, disp. 2)

4.        Para efeitos de determinar o centro dos interesses principais de uma sociedade devedora, o artigo 3.°, n.° 1, segunda frase, do Regulamento n.° 1346/2000, relativo aos processos de insolvência, deve ser interpretado no sentido de que o centro dos interesses principais de uma sociedade devedora deve ser determinado privilegiando o local da administração central dessa sociedade, tal como pode ser demonstrado por elementos objectivos e determináveis por terceiros. Na hipótese de os órgãos de direcção ou de controlo de uma sociedade estarem no local da sua sede estatutária e de as decisões de administração dessa sociedade serem tomadas, de forma determinável por terceiros, nesse local, a presunção prevista nessa disposição não pode ser ilidida. Na hipótese de o local da administração central de uma sociedade não ser o da sede estatutária da mesma, a presença de activos sociais e a existência de contratos relativos à sua exploração financeira num Estado‑Membro diferente do da sede estatutária dessa sociedade não podem ser consideradas elementos suficientes para ilidir essa presunção, a não ser que uma apreciação global de todos os elementos pertinentes permita demonstrar, de forma determinável por terceiros, que o centro efectivo da direcção e de controlo da referida sociedade, bem como da administração dos seus interesses, se situa nesse outro Estado‑Membro.

No caso de transferência da sede estatutária de uma sociedade devedora, antes da apresentação de um pedido de abertura de um processo de insolvência, presume‑se que o centro dos interesses principais dessa sociedade se encontra na nova sede estatutária da mesma.

(cf. n.º 59, disp. 3)

5.        O conceito de «estabelecimento», no sentido do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1346/2000, relativo aos processos de insolvência, deve ser interpretado no sentido de que exige a presença de uma estrutura com um mínimo de organização e uma certa estabilidade, com vista ao exercício de uma actividade económica. A simples presença de bens isolados ou de contas bancárias não corresponde, em princípio, a essa definição.

(cf. n.º 64, disp. 4)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

20 de Outubro de 2011 (*)

«Reenvio prejudicial – Poder de que dispõe um órgão jurisdicional inferior de submeter uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça – Regulamento (CE) n.° 1346/2000 – Processos de insolvência – Competência internacional – Centro dos interesses principais do devedor – Transferência da sede estatutária para outro Estado‑Membro – Conceito de ‘estabelecimento’»

No processo C‑396/09,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Tribunale di Bari (Itália), por decisão de 6 de Julho de 2009, entrado no Tribunal de Justiça em 13 de Outubro de 2009, no processo

Interedil Srl, em liquidação,

contra

Fallimento Interedil Srl,

Intesa Gestione Crediti SpA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano, presidente de secção, M. Safjan, A. Borg Barthet, M. Ilešič e M. Berger (relatora), juízes,

advogada‑geral: J. Kokott,

secretário: A. Impellizzeri, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 13 de Janeiro de 2011,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Interedil Srl, em liquidação, por P. Troianiello, avvocato,

–        em representação da Fallimento Interedil Srl, por G. Labanca, avvocato,

–        em representação da Intesa Gestione Crediti SpA, por G. Costantino, avvocato,

–        em representação da Comissão Europeia, por N. Bambara e S. Petrova, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 10 de Março de 2011,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 3.° do Regulamento (CE) n.° 1346/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo aos processos de insolvência (JO L 160, p. 1, a seguir «regulamento»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Interedil Srl, em liquidação (a seguir «Interedil»), à Fallimento Interedil Srl e à Intesa Gestione Crediti SpA (a seguir «Intesa»), à qual sucedeu a Italfondario SpA, a propósito de uma acção de declaração de insolvência intentada pela Intesa contra a Interedil.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O regulamento foi aprovado com base, designadamente, nos artigos 61.°, alínea c), CE e 67.°, n.° 1, CE.

4        O artigo 2.° do regulamento, dedicado às definições, dispõe:

«Para efeitos do presente regulamento, são aplicáveis as seguintes definições:

a)      ‘processo de insolvência’: os processos colectivos a que se refere o n.° 1 do artigo 1.° A lista destes processos consta do Anexo A;

         [...]

h)      ‘estabelecimento’: o local de operações em que o devedor exerça de maneira estável uma actividade económica com recurso a meios humanos e a bens materiais.»

5        A lista que figura no Anexo A do regulamento menciona designadamente, no que se refere à Itália, o processo de «fallimento».

6        O artigo 3.° do regulamento, que trata da competência internacional, prevê:

«1.      Os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território está situado o centro dos interesses principais do devedor são competentes para abrir o processo de insolvência. Presume‑se, até prova em contrário, que o centro dos interesses principais das sociedades e pessoas colectivas é o local da respectiva sede estatutária.

2.      No caso de o centro dos interesses principais do devedor se situar no território de um Estado‑Membro, os órgãos jurisdicionais de outro Estado‑Membro são competentes para abrir um processo de insolvência relativo ao referido devedor se este possuir um estabelecimento no território desse outro Estado‑Membro. Os efeitos desse processo são limitados aos bens do devedor que se encontrem neste último território.

[...]»

7        O décimo terceiro considerando do regulamento indica que «[o] ‘centro dos interesses principais’ do devedor deve corresponder ao local onde o devedor exerce habitualmente a administração dos seus interesses, pelo que é determinável por terceiros».

 Direito nacional

8        O artigo 382.° do Código de Processo Civil italiano (codice di procedura civile), relativo à resolução das questões de competência pela Corte suprema di Cassazione, dispõe:

«A Corte, quando se pronuncia sobre uma questão de competência, decide sobre a mesma, determinando, se for esse o caso, o órgão jurisdicional competente [...]»

9        Resulta da decisão de reenvio que, segundo jurisprudência assente, a decisão proferida pela Corte suprema di Cassazione com base nessa disposição é definitiva e vinculativa para o órgão jurisdicional chamado a decidir do mérito do processo.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

10      A Interedil foi constituída sob a forma jurídica de uma «società a responsabilità limitata» (sociedade por quotas) de direito italiano, cuja sede estatutária se situava em Monopoli (Itália). Em 18 de Julho de 2001, a sua sede estatutária foi transferida para Londres (Reino Unido). Nessa mesma data, foi cancelada do registo comercial do Estado italiano. Na sequência da transferência da sua sede, a Interedil foi inscrita no registo comercial do Reino Unido, com a menção «FC» («Foreign Company», sociedade estrangeira).

11      Segundo as declarações da Interedil, conforme retomadas na decisão de reenvio, esta sociedade, ao mesmo tempo que transferiu a sua sede, procedeu a transacções que consistiram na sua aquisição pelo grupo britânico Canopus, bem como na negociação e na celebração de contratos de cessão de empresas. De acordo com a Interedil, alguns meses após a transferência da sua sede estatutária, a propriedade dos imóveis que detinha em Tarente (Itália) foi transferida para a Windowmist Limited, enquanto elementos integrantes da empresa transferida. A Interedil também indicou que foi cancelada do registo comercial do Reino Unido em 22 de Julho de 2002.

12      Em 28 de Outubro de 2003, a Intesa pediu ao Tribunale di Bari que abrisse um processo de insolvência («fallimento») contra a Interedil.

13      A Interedil contestou a competência desse órgão jurisdicional, pelo facto de, devido à transferência da sua sede estatutária para o Reino Unido, só os órgãos jurisdicionais deste último Estado‑Membro serem competentes para abrir um processo de insolvência. Em 13 de Dezembro de 2003, a Interedil pediu que a Corte suprema di Cassazione decidisse a título prévio a questão da competência.

14      Em 24 de Maio de 2004, sem esperar pela decisão da Corte suprema di Cassazione, o Tribunale di Bari, considerando que a excepção de incompetência dos tribunais italianos era manifestamente infundada e que a insolvência da empresa em causa estava comprovada, declarou a insolvência da Interedil.

15      Em 18 de Junho de 2004, a Interedil interpôs recurso dessa decisão declarativa de insolvência no órgão jurisdicional de reenvio.

16      Em 20 de Maio de 2005, a Corte suprema di Cassazione decidiu por via de despacho a questão prévia de competência que lhe tinha sido apresentada e declarou que os tribunais italianos eram competentes. Considerou que a presunção estabelecida no artigo 3.°, n.° 1, segunda frase, do Regulamento n.° 1346/2000, nos termos da qual o centro dos interesses principais do devedor corresponde ao local da sede estatutária, podia ser ilidida devido a diversas circunstâncias, a saber, a existência, em Itália, de bens imobiliários pertencentes à Interedil, a existência de um contrato de arrendamento relativo a dois complexos hoteleiros e de um contrato celebrado com uma instituição bancária, bem como a não comunicação da transferência da sede estatutária ao registo comercial de Bari.

17      Duvidando da justeza desta apreciação da Corte suprema di Cassazione à luz dos critérios expostos pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 2 de Maio de 2006, Eurofood IFSC (C‑341/04, Colect., p. I‑3813), o Tribunale di Bari decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O conceito de ‘centro dos interesses principais do devedor’, previsto no artigo 3.°, n.° 1, do regulamento [...], deve ser interpretado à luz do direito comunitário ou do direito nacional e, no caso de dever ser interpretado à luz do direito comunitário, em que consiste o referido conceito e quais os factores ou elementos determinantes para identificar o ‘centro dos interesses principais’?

2)      A presunção instituída pelo artigo 3.°, n.° 1, do regulamento […], nos termos da qual ‘[se] [p]resume [...], até prova em contrário, que o centro dos interesses principais das sociedades [...] é o local da respectiva sede estatutária’, é ilidível com base na prova de uma actividade efectiva da empresa num Estado diferente daquele em que se encontra a sede estatutária da sociedade ou é necessário, para ilidir a referida presunção, provar que a sociedade não exerceu nenhuma actividade empresarial no Estado em que tem a respectiva sede estatutária?

3)      A existência, num Estado‑Membro diferente daquele em que se encontra a sede estatutária da sociedade, de bens imóveis pertencentes à sociedade, de um contrato de arrendamento relativo a dois complexos hoteleiros, celebrado pela sociedade devedora com outra sociedade, e de um contrato celebrado pela sociedade com uma instituição bancária são elementos ou factores suficientes para ilidir a presunção prevista no artigo 3.° do regulamento […] a favor da ‘sede estatutária’ da sociedade e estas circunstâncias são suficientes para considerar que a sociedade tem um ‘estabelecimento’ nesse Estado, na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do regulamento […]?

4)      Se se considerar que a decisão proferida pela Corte [suprema] di Cassazione sobre a questão da competência no referido despacho […] se baseia numa interpretação do artigo 3.° do regulamento […] diferente da do Tribunal de Justiça, o artigo 382.° do Código de Processo Civil italiano, nos termos do qual a Corte [suprema] di Cassazione se pronuncia sobre a questão da competência de modo definitivo e vinculativo, impede a [aplicação] dessa disposição comunitária tal como interpretada pelo Tribunal de Justiça?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à competência do Tribunal de Justiça

18      A Comissão Europeia tem dúvidas sobre a competência do Tribunal de Justiça para responder ao pedido de decisão prejudicial. Observa que o referido pedido foi apresentado sob a forma de um despacho de 6 de Julho de 2009, entrado no Tribunal de Justiça em 13 de Outubro de 2009. Por força do artigo 68.°, n.° 1, CE, em vigor nessa última data, só os órgãos jurisdicionais nacionais cujas decisões não eram susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno podiam recorrer a título prejudicial ao Tribunal de Justiça para obter uma interpretação dos actos adoptados pelas instituições da Comunidade com fundamento no título IV do Tratado CE. Ora, como o regulamento foi adoptado com fundamento nos artigos 61.°, alínea c), CE e 67.°, n.° 1, CE, que fazem parte do título IV do Tratado, as decisões do órgão jurisdicional de reenvio podem, segundo a Comissão, ser objecto de recurso judicial de direito interno.

19      A este respeito, basta observar que o artigo 68.° CE caducou após a entrada em vigor, em 1 de Dezembro de 2009, do Tratado de Lisboa e que a limitação do direito de submeter questões a título prejudicial ao Tribunal de Justiça que previa desapareceu. Nos termos do artigo 267.° TFUE, os órgãos jurisdicionais cujas decisões são susceptíveis de recurso judicial em direito interno dispõem, desde essa data, do direito de submeter questões a título prejudicial ao Tribunal de Justiça, quando estejam em causa actos adoptados com fundamento no título IV do Tratado (v., neste sentido, acórdão de 17 de Fevereiro de 2011, Weryński, C‑283/09, ainda não publicado na Colectânea, n.os 28 e 29).

20      Nos n.os 30 e 31 do acórdão Weryński, já referido, o Tribunal de Justiça decidiu que, atendendo ao objectivo de cooperação eficaz entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, prosseguido pelo artigo 267.° TFUE, e ao princípio da economia processual, há que considerar que o Tribunal de Justiça tem, desde 1 de Dezembro de 2009, competência para conhecer de um pedido de decisão prejudicial emanado de um órgão jurisdicional cujas decisões são susceptíveis de recurso judicial de direito interno, e isto mesmo que o pedido tenha sido apresentado antes dessa data.

21      Assim, o Tribunal de Justiça é de qualquer forma competente para conhecer do presente pedido de decisão prejudicial.

 Quanto à admissibilidade das questões prejudiciais

 Quanto à conexão das questões prejudiciais com o litígio no processo principal

22      Retomando uma questão suscitada pela Comissão nas suas observações escritas, a Interedil alegou na audiência que, tendo sido cancelada do registo comercial do Reino Unido no mês de Julho de 2002, deixou de existir nessa data. Por conseguinte, o pedido de abertura de um processo de insolvência contra ela, apresentado no mês de Outubro de 2003 perante o Tribunale di Bari, não tem objecto e as questões prejudiciais são inadmissíveis.

23      Segundo jurisprudência assente, o Tribunal de Justiça só pode recusar responder a uma questão prejudicial colocada por um órgão jurisdicional nacional, quando, nomeadamente, for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada pelo órgão jurisdicional nacional não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objecto do litígio do processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe foram submetidas (v., designadamente, acórdão de 7 de Dezembro de 2010, VEBIC, C‑439/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 42 e jurisprudência referida).

24      A este respeito, deve observar‑se que o regulamento se limita a uniformizar as regras relativas à competência internacional, ao reconhecimento das decisões e ao direito aplicável no domínio dos processos de insolvência com efeitos transfronteiriços. A questão da admissibilidade de um pedido de declaração de insolvência de um devedor continua a ser regulada pelo direito nacional aplicável.

25      Resulta dos dados fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio que este foi informado pela Interedil do facto de esta sociedade ter sido cancelada do registo comercial do Reino Unido no mês de Julho de 2002. Em contrapartida, não resulta de forma alguma da decisão de reenvio que essa circunstância impeça, segundo o direito nacional, que se abra um processo de insolvência. Com efeito, não se pode excluir que o direito nacional preveja a possibilidade de abrir esse processo para organizar o pagamento dos credores de uma sociedade dissolvida.

26      Consequentemente, não se revela de forma manifesta que a interpretação do direito da União solicitada pelo órgão jurisdicional nacional não tenha nenhuma relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal, ou que o problema seja de natureza hipotética.

27      Assim, a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pela Interedil deve ser julgada improcedente.

 Quanto ao objecto das questões prejudiciais

28      As demandadas no processo principal alegam que as questões são inadmissíveis devido ao seu objecto. Em sua opinião, a primeira e quarta questões não revelam divergências entre as disposições do direito da União e a sua aplicação pelos órgãos jurisdicionais nacionais, e a segunda e terceira questões limitam‑se a convidar o Tribunal de Justiça a aplicar as regras do direito da União ao caso concreto submetido ao órgão jurisdicional de reenvio.

29      No âmbito de um reenvio prejudicial, o Tribunal de Justiça está habilitado a pronunciar‑se sobre a interpretação ou a validade de uma regra da União, com base nos factos que lhe são indicados pelo órgão jurisdicional de reenvio, a quem compete aplicar a referida regra ao caso concreto que lhe foi submetido (v., designadamente, acórdão de 7 de Setembro de 2006, Price, C‑149/05, Colect., p. I‑7691, n.° 52 e jurisprudência referida).

30      Ora, as três primeiras questões têm por objecto, no essencial, a interpretação que deve ser feita do conceito de «centro dos interesses principais» do devedor, na acepção do artigo 3.°, n.° 1, do regulamento. Assim, atendendo ao seu objecto, essas questões são admissíveis.

31      A quarta questão tem por objecto a possibilidade de o órgão jurisdicional de reenvio afastar as apreciações feitas por um órgão jurisdicional superior, na hipótese de considerar, face à interpretação feita pelo Tribunal de Justiça, que essas apreciações não são conformes com o direito da União. Assim, esta questão, que tem por objecto o mecanismo do reenvio prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, também é admissível.

 Quanto à alegada inexistência de litígio

32      As demandadas no processo principal alegam que a questão da competência dos tribunais italianos para abrir um processo de insolvência foi decidida pela Corte suprema di Cassazione, por uma decisão que, segundo elas, adquiriu força de caso julgado. Deduzem deste facto que não existe, portanto, um «litígio pendente» no órgão jurisdicional de reenvio, na acepção do artigo 267.° TFUE, e que, por esse motivo, o pedido de decisão prejudicial é inadmissível.

33      Esta argumentação deve ser examinada com a quarta questão, através da qual o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber em que medida está vinculado pela interpretação do direito da União feita pela Corte suprema di Cassazione.

 Quanto à quarta questão

34      Através da sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o direito da União se opõe a que um órgão jurisdicional nacional esteja vinculado por uma regra processual nacional, por força da qual deve seguir as apreciações realizadas por um órgão jurisdicional superior, quando se afigure que as apreciações realizadas por esse órgão jurisdicional superior não são conformes com o direito da União, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça.

35      O Tribunal de Justiça já decidiu que a existência de uma regra processual nacional não pode pôr em causa a faculdade de que dispõem os órgãos jurisdicionais nacionais que não decidem em última instância de submeter ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial, quando têm dúvidas, como no presente caso, sobre a interpretação do direito da União (acórdão de 5 de Outubro de 2010, Elchinov, C‑173/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 25).

36      Segundo jurisprudência assente, um acórdão proferido a título prejudicial pelo Tribunal de Justiça vincula o juiz nacional, quanto à interpretação ou à validade dos actos das instituições da União em causa, para a solução do litígio no processo principal (v., designadamente, acórdão Elchinov, já referido, n.° 29).

37      Daqui resulta que o juiz nacional, tendo exercido a faculdade que lhe é conferida pelo artigo 267.°, segundo parágrafo, TFUE, está vinculado, para a resolução do litígio no processo principal, pela interpretação das disposições em causa feita pelo Tribunal de Justiça e deve, se for esse o caso, afastar as apreciações do tribunal superior, se considerar, à luz dessa interpretação, que estas não são conformes com o direito da União (v., designadamente, acórdão Elchinov, já referido, n.° 30).

38      A este respeito, há que salientar que, segundo jurisprudência assente, o juiz nacional encarregado de aplicar, no âmbito da sua competência, as disposições do direito da União tem a obrigação de garantir a plena eficácia dessas disposições, deixando de aplicar, se necessário e por iniciativa própria, qualquer disposição contrária da legislação nacional, a saber, no presente caso, a regra processual em causa no processo principal, sem ter de pedir ou esperar a sua revogação prévia por via legislativa ou por qualquer outro procedimento constitucional (v., designadamente, acórdão Elchinov, já referido, n.° 31).

39      À luz das considerações precedentes, há que responder à quarta questão que o direito da União se opõe a que um órgão jurisdicional nacional esteja vinculado por uma regra processual nacional, por força da qual deve seguir as apreciações realizadas por um órgão jurisdicional superior nacional, quando se afigure que as apreciações realizadas pelo órgão jurisdicional superior não são conformes com o direito da União, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça.

40      Pelos mesmos motivos, há que afastar a questão prévia de inadmissibilidade relativa a uma alegada inexistência de litígio invocada pelas demandadas no processo principal.

 Quanto à primeira parte da primeira questão

41      Através da primeira parte da primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o conceito de «centro dos interesses principais» do devedor, referido no artigo 3.°, n.° 1, do regulamento, deve ser interpretado por referência ao direito da União ou ao direito nacional.

42      Segundo jurisprudência assente, decorre das exigências tanto de aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição de direito da União que não contenha nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e alcance devem normalmente ser interpretados de modo autónomo e uniforme em toda a União, interpretação essa que deve ser procurada tendo em conta o contexto da disposição e o objectivo prosseguido pela regulamentação em causa (v., designadamente, acórdão de 29 de Outubro de 2009, NCC Construction Danmark, C‑174/08, Colect., p. I‑10567, n.° 24 e jurisprudência referida).

43      No que diz respeito, mais precisamente, ao conceito de «centro dos interesses principais» do devedor, na acepção do artigo 3.°, n.° 1, do regulamento, o Tribunal de Justiça decidiu, no n.° 31 do seu acórdão Eurofood IFSC, já referido, que se trata de um conceito específico do regulamento e que, por isso, tem um significado autónomo e deve, por conseguinte, ser interpretado de modo uniforme e independente das legislações nacionais.

44      Por conseguinte, deve responder‑se à primeira parte da primeira questão que o conceito de «centro dos interesses principais» do devedor, referido no artigo 3.°, n.° 1, do regulamento, deve ser interpretado por referência ao direito da União.

 Quanto à segunda parte da primeira questão, quanto à segunda questão e quanto à primeira parte da terceira questão

45      Através da segunda parte da primeira questão, da segunda questão e da primeira parte da terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, de que forma deve ser interpretado o artigo 3.°, n.° 1, segunda frase, do regulamento, para determinar o centro dos interesses principais de uma sociedade devedora.

46      Tendo em conta a circunstância de a Interedil, segundo os dados que constam da decisão de reenvio, ter transferido a sua sede estatutária de Itália para o Reino Unido, durante o ano de 2001, e depois ter sido cancelada do registo comercial deste último Estado, durante o ano de 2002, há também que precisar, para dar uma resposta completa ao órgão jurisdicional de reenvio, a data pertinente para determinar o centro dos interesses principais do devedor, tendo em vista identificar o órgão jurisdicional competente para abrir o processo de insolvência principal.

 Critérios pertinentes para a determinação do centro dos interesses principais do devedor

47      Embora o regulamento não forneça uma definição do conceito de centro dos interesses principais do devedor, o alcance deste conceito é, contudo, como o Tribunal de Justiça observou no n.° 32 do acórdão Eurofood IFSC, já referido, esclarecido pelo décimo terceiro considerando do regulamento, nos termos do qual «[o] ‘centro dos interesses principais’ do devedor deve corresponder ao local onde o devedor exerce habitualmente a administração dos seus interesses, pelo que é determinável por terceiros».

48      Como a advogada‑geral observou no n.° 69 das suas conclusões, a presunção estabelecida em favor da sede estatutária, no artigo 3.°, n.° 1, segunda frase, do regulamento, e a referência ao local de administração dos seus interesses, feita no seu décimo terceiro considerando, traduzem a intenção do legislador da União de privilegiar o local da administração central da sociedade como critério de competência.

49      Relativamente ao mesmo considerando, o Tribunal de Justiça precisou, de resto, no n.° 33 do acórdão Eurofood IFSC, já referido, que o centro dos interesses principais deve ser identificado em função de critérios simultaneamente objectivos e determináveis por terceiros, para garantir a segurança jurídica e a previsibilidade relativamente à determinação do órgão jurisdicional competente para abrir o processo principal de insolvência. Há que considerar que esta exigência de objectividade e esta possibilidade de determinação são satisfeitas quando os elementos materiais tidos em consideração para definir o local onde a sociedade devedora administra habitualmente os seus interesses foram objecto de publicidade ou, pelo menos, são suficientemente transparentes, de forma a que os terceiros, isto é, designadamente os credores dessa sociedade, tenham podido tomar conhecimento desse facto.

50      Daqui resulta que, na hipótese de os órgãos de direcção ou de fiscalização de uma sociedade se encontrarem no local da sua sede estatutária e de as decisões de administração dessa sociedade serem tomadas, nesse local, de forma determinável por terceiros, a presunção prevista no artigo 3.°, n.° 1, segunda frase, do regulamento, segundo a qual o centro dos interesses principais da sociedade se situa nesse local, aplica‑se plenamente. Nessa hipótese, como a advogada‑geral observou no n.° 69 das suas conclusões, fica descartada uma outra localização dos interesses principais da sociedade devedora.

51      É, contudo, possível ilidir a presunção prevista no artigo 3.°, n.° 1, segunda frase, do regulamento, quando, do ponto de vista dos terceiros, o local da administração central de uma sociedade não se encontra na sede estatutária. Como o Tribunal de Justiça decidiu no n.° 34 do acórdão Eurofood IFSC, já referido, a presunção simples prevista pelo legislador da União em favor da sede estatutária dessa sociedade só pode ser ilidida se elementos objectivos e determináveis por terceiros permitirem provar a existência de uma situação real diferente daquela que a localização da referida sede aparentemente reflecte.

52      Entre os elementos a tomar em consideração figuram, designadamente, todos os locais onde a sociedade devedora exerce uma actividade económica e aqueles onde possui os seus bens, desde que esses locais sejam visíveis por terceiros. Como a advogada‑geral observou no n.° 70 das suas conclusões, a apreciação a fazer desses elementos deve ser global, atendendo às circunstâncias próprias de cada situação.

53      Neste contexto, a localização, num Estado‑Membro diferente do da sede estatutária, de bens imobiliários pertencentes à sociedade devedora, em relação aos quais esta celebrou contratos de arrendamento, bem como a existência, nesse mesmo Estado‑Membro, de um contrato celebrado com uma instituição financeira, circunstâncias que foram evocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, podem ser considerados elementos objectivos e, atendendo à publicidade de que estes possam ser objecto, elementos determináveis por terceiros. Não deixa de ser verdade que a presença de activos sociais como a existência de contratos relativos à sua exploração financeira num Estado‑Membro diferente do da sede estatutária dessa sociedade não podem ser considerados elementos suficientes para ilidir a presunção estabelecida pelo legislador da União, a não ser que uma apreciação global de todos os elementos pertinentes permita demonstrar, de forma determinável por terceiros, que o centro efectivo da direcção e de controlo da referida sociedade, bem como da administração dos seus interesses, se situa nesse outro Estado‑Membro.

 Data pertinente para localizar o centro dos interesses principais do devedor

54      A título preliminar, deve observar‑se que o regulamento não contém disposições expressas no que diz respeito ao caso especial de uma transferência do centro dos interesses do devedor. Atendendo aos termos gerais em que está redigido o artigo 3.°, n.° 1, do regulamento, há assim que considerar que é o último local onde se encontra esse centro que deve ser considerado pertinente para determinar o órgão jurisdicional competente para abrir um processo principal de insolvência.

55      Esta interpretação é corroborada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça. Com efeito, este decidiu que, na hipótese de transferência do centro dos interesses principais do devedor, após a apresentação de um pedido de abertura de um processo de insolvência, mas antes da abertura do referido processo, os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território estava situado o centro dos interesses principais no momento da introdução do pedido continuam competentes para decidir sobre o mesmo (acórdão de 17 de Janeiro de 2006, Staubitz‑Schreiber, C‑1/04, Colect., p. I‑701, n.° 29). Deve daqui deduzir‑se que, em princípio, é a localização do centro dos interesses principais do devedor, na data da apresentação do pedido de abertura de um processo de insolvência, que é pertinente para determinar o órgão jurisdicional competente.

56      No caso, como no processo principal, de transferência da sede estatutária antes da apresentação de um pedido de abertura de um processo de insolvência, presume‑se, assim, que é na nova sede estatutária que, em conformidade com o artigo 3.°, n.° 1, segunda frase, do regulamento, se encontra o centro dos interesses principais do devedor e que são, consequentemente, os órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em cujo território se encontra a nova sede que, em princípio, se tornam competentes para abrir um processo principal de insolvência, a não ser que a presunção enunciada no artigo 3.°, n.° 1, do regulamento seja ilidida pela prova de que o centro dos interesses principais não mudou com a alteração da sede estatutária.

57      Devem aplicar‑se as mesmas regras no caso de, na data da apresentação do pedido de abertura do processo de insolvência, a sociedade devedora estar cancelada do registo comercial e de, como a Interedil sustenta nas suas observações, esta ter cessado todas as actividades.

58      Com efeito, como resulta dos n.os 47 a 51 do presente acórdão, o conceito de centro dos interesses principais responde à preocupação de estabelecer uma conexão com o local com o qual a sociedade tem as relações mais estreitas, objectivamente e de forma visível por terceiros. Assim, nessa hipótese, é lógico privilegiar o local do último centro dos interesses principais, no momento do cancelamento da sociedade devedora e da cessação de todas as suas actividades.

59      Assim, há que responder à segunda parte da primeira questão, à segunda questão e à primeira parte da terceira questão que, para efeitos de determinar o centro dos interesses principais de uma sociedade devedora, o artigo 3.°, n.° 1, segunda frase, do regulamento deve ser interpretado da seguinte forma:

–        o centro dos interesses principais de uma sociedade devedora deve ser determinado privilegiando o local da administração central dessa sociedade, tal como pode ser demonstrado por elementos objectivos e determináveis por terceiros. Na hipótese de os órgãos de direcção ou de controlo de uma sociedade estarem no local da sua sede estatutária e de as decisões de administração dessa sociedade serem tomadas, de forma determinável por terceiros, nesse local, a presunção prevista nessa disposição não pode ser ilidida. Na hipótese de o local da administração central de uma sociedade não ser o da sede estatutária da mesma, a presença de activos sociais e a existência de contratos relativos à sua exploração financeira num Estado‑Membro diferente do da sede estatutária dessa sociedade não podem ser consideradas elementos suficientes para ilidir essa presunção, a não ser que uma apreciação global de todos os elementos pertinentes permita demonstrar, de forma determinável por terceiros, que o centro efectivo da direcção e de controlo da referida sociedade, bem como da administração dos seus interesses, se situa nesse outro Estado‑Membro;

–        no caso de transferência da sede estatutária de uma sociedade devedora, antes da apresentação de um pedido de abertura de um processo de insolvência, presume‑se que o centro dos interesses principais dessa sociedade se encontra na nova sede estatutária da mesma.

 Quanto à segunda parte da terceira questão

60      Através da segunda parte da terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, de que forma se deve interpretar o conceito de «estabelecimento» na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do regulamento.

61      A este respeito, deve recordar‑se que o artigo 2.°, alínea h), do regulamento define o conceito de estabelecimento como o local de operações onde o devedor exerça de maneira estável uma actividade económica com recurso a meios humanos e a bens materiais.

62      O facto de essa definição ligar o exercício de uma actividade económica à presença de recursos humanos demonstra que é necessário um mínimo de organização e uma certa estabilidade. Daqui resulta que, a contrario, a simples presença de bens isolados ou de contas bancárias não responde, em princípio, às exigências necessárias para a qualificação de «estabelecimento».

63      Na medida em que, em conformidade com o artigo 3.°, n.° 2, do regulamento, a presença de um estabelecimento no território de um Estado‑Membro confere aos órgãos jurisdicionais desse Estado‑Membro competência para abrir um processo secundário de insolvência relativamente ao devedor, há que considerar que, para garantir a segurança jurídica e a previsibilidade relativamente à determinação dos órgãos jurisdicionais competentes, a existência de um estabelecimento deve ser apreciada, à semelhança da localização do centro dos interesses principais, com base em elementos objectivos e determináveis por terceiros.

64      Assim, há que responder à segunda parte da terceira questão que o conceito de «estabelecimento», na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do regulamento, deve ser interpretado no sentido de que exige a presença de uma estrutura com um mínimo de organização e uma certa estabilidade, com vista ao exercício de uma actividade económica. A simples presença de bens isolados ou de contas bancárias não corresponde, em princípio, a essa definição.

 Quanto às despesas

65      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      O direito da União opõe‑se a que um órgão jurisdicional nacional esteja vinculado por uma regra processual nacional, por força da qual deve seguir as apreciações realizadas por um órgão jurisdicional superior nacional, quando se afigure que as apreciações realizadas pelo órgão jurisdicional superior não são conformes com o direito da União, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça.

2)      O conceito de «centro dos interesses principais» do devedor, referido no artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 1346/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo aos processos de insolvência, deve ser interpretado por referência ao direito da União.

3)      Para efeitos de determinar o centro dos interesses principais de uma sociedade devedora, o artigo 3.°, n.° 1, segunda frase, do Regulamento n.° 1346/2000 deve ser interpretado da seguinte forma:

–        o centro dos interesses principais de uma sociedade devedora deve ser determinado privilegiando o local da administração central dessa sociedade, tal como pode ser demonstrado por elementos objectivos e determináveis por terceiros. Na hipótese de os órgãos de direcção ou de controlo de uma sociedade estarem no local da sua sede estatutária e de as decisões de administração dessa sociedade serem tomadas, de forma determinável por terceiros, nesse local, a presunção prevista nessa disposição não pode ser ilidida. Na hipótese de o local da administração central de uma sociedade não ser o da sede estatutária da mesma, a presença de activos sociais e a existência de contratos relativos à sua exploração financeira num Estado‑Membro diferente do da sede estatutária dessa sociedade não podem ser consideradas elementos suficientes para ilidir essa presunção, a não ser que uma apreciação global de todos os elementos pertinentes permita demonstrar, de forma determinável por terceiros, que o centro efectivo da direcção e de controlo da referida sociedade, bem como da administração dos seus interesses, se situa nesse outro Estado‑Membro;

–        no caso de transferência da sede estatutária de uma sociedade devedora, antes da apresentação de um pedido de abertura de um processo de insolvência, presume‑se que o centro dos interesses principais dessa sociedade se encontra na nova sede estatutária da mesma.

4)      O conceito de «estabelecimento», na acepção do artigo 3.°, n.° 2, do mesmo regulamento, deve ser interpretado no sentido de que exige a presença de uma estrutura com um mínimo de organização e uma certa estabilidade, com vista ao exercício de uma actividade económica. A simples presença de bens isolados ou de contas bancárias não corresponde, em princípio, a essa definição.

Assinaturas


* Língua do processo: italiano.

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