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Document 62009CJ0362

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 16 de Dezembro de 2010.
Athinaïki Techniki AE contra Comissão Europeia.
Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Auxílios de Estado - Denúncia - Decisão de arquivamento da denúncia - Revogação da decisão de arquivamento - Condições de legalidade da revogação - Regulamento (CE) n.º 659/1999.
Processo C-362/09 P.

Colectânea de Jurisprudência 2010 I-13275

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2010:783

Processo C‑362/09 P

Athinaïki Techniki AE

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Auxílios de Estado – Denúncia – Decisão de arquivamento da denúncia – Revogação da decisão de arquivamento – Condições de legalidade da revogação – Regulamento (CE) n.° 659/1999»

Sumário do acórdão

Auxílios concedidos pelos Estados – Exame das denúncias – Obrigações da Comissão – Fase de análise preliminar – Obrigação de encerrar esta fase por decisão – Decisão de arquivamento de uma denúncia de um alegado auxilio ilegal – Requisitos

(Artigo 88.°, n.os 2 e 3, CE; Regulamento n.° 659/1999 do Conselho, artigos 4.°, n.° 2, 3.° e 4.°, 13.°, n.° 1, e 20.°, n.° 2)

O artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999, que estabelece as regras de execução do artigo 88.° CE, impõe à Comissão, após terem sido eventualmente apresentadas as observações suplementares dos interessados, ou expirado o prazo razoável, que encerre a fase de análise preliminar, tomando uma decisão ao abrigo do artigo 4.°, n.os 2, 3 ou 4, do mesmo regulamento, ou seja, uma decisão que declare a inexistência de um auxílio, que não levante objecções ou que inicie o procedimento formal de investigação.

Se tivesse o direito de revogar uma decisão de arquivamento de uma denúncia de um alegado auxilio ilegal, a Comissão poderia perpetuar uma situação de inacção durante a fase de análise preliminar, em violação das obrigações que lhe incumbem nos termos dos artigos 13.°, n.° 1, e 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 659/1999 e, assim, subtrair‑se à fiscalização jurisdicional. Admitir essa possibilidade seria, aliás, contrário à segurança jurídica que o Regulamento n.° 659/1999 pretende precisamente aumentar, como resulta dos seus considerandos terceiro, sétimo e undécimo.

Por conseguinte, consideradas as exigências da boa administração e da segurança jurídica, e também o princípio da protecção jurisdicional efectiva, há que concluir, em primeiro lugar, que a Comissão só pode revogar uma decisão de arquivamento de uma denúncia relativa a um auxílio alegadamente ilegal para sanar uma ilegalidade que vicie a decisão e, em segundo lugar, que, na sequência dessa revogação, não pode reiniciar o procedimento numa fase anterior ao ponto preciso em que a ilegalidade foi cometida.

(cf. n.os 63, 68, 70)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

16 de Dezembro de 2010 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral – Auxílios de Estado – Denúncia – Decisão de arquivamento da denúncia – Revogação da decisão de arquivamento – Condições de legalidade da revogação – Regulamento (CE) n.° 659/1999»

No processo C‑362/09 P,

que tem por objecto um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância (actualmente Tribunal Geral), interposto ao abrigo do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, entrado em 7 de Setembro de 2009,

Athinaïki Techniki AE, com sede em Atenas (Grécia), representada por S. Pappas, dikigoros,

recorrente,

sendo as outras partes no processo:

Comissão das Comunidades Europeias, representada por D. Triantafyllou, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida em primeira instância,

Athens Resort Casino AE Symmetochon, com sede em Marrousi (Grécia), representada por N. Korogiannakis, dikigoros,

interveniente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, D. Šváby, R. Silva de Lapuerta, G. Arestis e J. Malenovský (relator), juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: A. Calot Escobar,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 2 de Setembro de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, a Athinaïki Techniki AE (a seguir «Athinaïki Techniki» ou «recorrente») pede a anulação do despacho do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 29 de Junho de 2009, Athinaïki Techniki/Comissão (T‑94/05, a seguir «despacho recorrido»), que declarou que não havia que conhecer do recurso de anulação da decisão da Comissão das Comunidades Europeias, de 2 de Junho de 2004, de arquivar, por falta de objecto, a denúncia da recorrente relativa a um alegado auxílio de Estado concedido pela República Helénica ao consórcio Hyatt Regency no âmbito do contrato público relativo ao «Casino Mont Parnès» (a seguir «acto impugnado»).

 Quadro jurídico

2        Como resulta do seu segundo considerando, o Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [88.°] do Tratado CE (JO L 83, p. 1), codifica e reforça a prática da análise dos auxílios de Estado estabelecida pela Comissão das Comunidades Europeias em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça.

3        Nos termos do terceiro considerando do Regulamento n.° 659/1999:

«[…] Um regulamento processual de execução do artigo [88.°] do Tratado contribuirá para aumentar a transparência e a segurança jurídica.»

4        Nos termos do sétimo considerando do Regulamento n.° 659/1999:

«[…] O prazo em que a Comissão deve concluir a análise preliminar de um auxílio notificado deve ser fixado em dois meses a contar da data de recepção de uma notificação completa ou de uma declaração devidamente fundamentada do Estado‑Membro em causa, nos termos da qual este considera completa a notificação pelo facto de as informações adicionais solicitadas pela Comissão não estarem disponíveis ou já terem sido prestadas; […] por razões de segurança jurídica, este exame deve ser encerrado mediante decisão.»

5        O décimo primeiro considerando do Regulamento n.° 659/1999 prevê:

«[…] a fim de assegurar a observância do artigo [88.°] do Tratado e, em especial, a obrigação de notificação e a cláusula suspensiva estabelecidas no n.° 3 do artigo [88.°], a Comissão deve examinar todos os casos de auxílios ilegais; […] para garantir uma maior transparência e segurança jurídica deve ser estabelecido o procedimento a seguir nestes casos; […] no caso de um Estado‑Membro não respeitar a obrigação de notificação ou a cláusula suspensiva, a Comissão não deve estar vinculada por prazos».

6        No capítulo II desse regulamento, intitulado «Processo aplicável aos auxílios notificados», o artigo 4.° dispõe:

«1.      A Comissão procederá à análise da notificação imediatamente após a sua recepção. Sem prejuízo do disposto no artigo 8.°, a Comissão tomará uma decisão nos termos dos n.os 2, 3 ou 4 do presente artigo.

2.      Quando, após análise preliminar, a Comissão considerar que a medida notificada não constitui um auxílio, fará constar esse facto por via de decisão.

3.      Quando, após a análise preliminar, a Comissão considerar que não há dúvidas quanto à compatibilidade da medida notificada com o mercado comum, na medida em que está abrangida pelo n.° 1 do artigo [87.°] do Tratado, decidirá que essa medida é compatível com o mercado comum, adiante designada ‘decisão de não levantar objecções’. A decisão referirá expressamente a derrogação do Tratado que foi aplicada.

4.      Quando, após a análise preliminar, a Comissão considerar que a medida notificada suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado comum, decidirá dar início ao procedimento formal de investigação nos termos do n.° 2 do artigo [88.°] do Tratado, adiante designada ‘decisão de início de um procedimento formal de investigação’).

[…]»

7        O artigo 7.° do Regulamento n.° 659/1999 indica os casos em que a Comissão decide encerrar o procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE.

8        O capítulo III do referido regulamento regula o procedimento aplicável aos auxílios ilegais.

9        Nos termos do artigo 10.°, n.° 1, deste regulamento:

«Quando a Comissão dispuser de informações relativas a um auxílio alegadamente ilegal, qualquer que seja a fonte, examiná‑las‑á imediatamente.»

10      O artigo 13.°, n.° 1, do referido regulamento prevê:

«O exame de um auxílio eventualmente ilegal conduz a uma decisão nos termos dos n.os 2, 3 ou 4 do artigo 4.° Em caso de decisão de início de um procedimento formal de investigação, este é encerrado por uma decisão, nos termos do artigo 7.° Em caso de incumprimento de uma injunção para prestação de informações, a decisão será tomada com base nas informações disponíveis.»

11      No capítulo VI do Regulamento n.° 659/1999, intitulado «Partes interessadas», o artigo 20.° dispõe:

«1.      Qualquer parte interessada pode apresentar observações nos termos do artigo 6.° na sequência da decisão da Comissão de iniciar o procedimento formal de investigação. Todas as partes interessadas que tenham apresentado observações e todos os beneficiários de um auxílio individual receberão cópia da decisão da Comissão nos termos do artigo 7.°

2.      Qualquer parte interessada pode informar a Comissão sobre qualquer alegado auxílio ilegal e qualquer utilização abusiva de um auxílio. Quando a Comissão considerar que, com base nas informações de que dispõe, não há motivos suficientes para analisar o caso, informará a parte interessada desse facto. Quando a Comissão tomar uma decisão sobre um caso que diga respeito às informações fornecidas, enviará cópia dessa decisão à parte interessada.

3.      A seu pedido, qualquer parte interessada obterá cópia de qualquer decisão nos termos dos artigos 4.° e 7.°, do n.° 3 do artigo 10.° e do artigo 11.°»

12      Nos termos do artigo 25.° do Regulamento n.° 659/1999:

«As decisões tomadas nos termos dos capítulos II, III, IV, V e VII são dirigidas ao Estado‑Membro interessado […]»

 Factos que estão na origem do litígio

13      Os antecedentes do litígio estão expostos pelo Tribunal de Primeira Instância nos n.os 4 a 6 do despacho recorrido, da seguinte forma:

«4      Em Outubro de 2001, as autoridades helénicas abriram um processo de adjudicação de contrato público com vista a ceder 49% do capital do Casino Mont Parnès. Concorreram dois candidatos, a saber, o consórcio Casino Attikis e o Hyatt Consortium. Na sequência de um processo alegadamente viciado, o contrato foi atribuído ao Hyatt Consortium.

5      Membro do consórcio Casino Attikis, a Egnatia SA, a que sucedeu, por fusão, a recorrente Athinaïki Techniki [...], apresentou à Comissão [...] uma denúncia relativa a um auxílio de Estado que teria sido concedido à Hyatt Consortium no quadro da adjudicação de um contrato público. A apresentação da denúncia foi seguida de correspondência entre a Comissão e a recorrente e de pedidos de informações suplementares da Comissão.

6      Em 2 de Dezembro de 2004, a Comissão enviou uma carta à recorrente (a seguir ‘carta controvertida’), nos seguintes termos:

‘Refiro‑me à questão que colocou por telefone para confirmar se a Comissão prossegue a sua investigação no processo mencionado ou se esse processo foi arquivado.

Por carta de 16 de Setembro de 2003, a Comissão informou que, com base nas informações de que dispõe, não há razões suficientes para continuar a investigação desse processo (de harmonia com o artigo 20.° do [Regulamento n.° 659/1999]).

Na falta de informações suplementares que justifiquem o prosseguimento da investigação, a Comissão arquivou administrativamente o processo em 2 de Junho de 2004.’»

 O primeiro processo no Tribunal de Primeira Instância

14      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 18 de Fevereiro de 2005, a Athinaïki Techniki interpôs recurso de anulação do acto impugnado, de que tomou conhecimento através da carta controvertida.

15      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 21 de Abril de 2005, a Comissão suscitou uma excepção de inadmissibilidade ao abrigo do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

16      Por despacho de 26 de Setembro de 2006, Athinaïki Techniki/Comissão (T‑94/05), o Tribunal de Primeira Instância julgou o recurso inadmissível, considerando, em substância, que, com o arquivamento da denúncia, a Comissão não tomara uma posição definitiva sobre a qualificação e a compatibilidade da medida que fora objecto da denúncia com o mercado comum, de modo que a carta controvertida não constituía uma decisão recorrível nos termos do artigo 230.° CE.

17      Em 18 de Dezembro de 2006, a recorrente interpôs recurso deste despacho, ao abrigo do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça.

18      O Tribunal de Justiça julgou o recurso por acórdão de 17 de Julho de 2008, Athinaïki Techniki/Comissão (C‑521/06 P, Colect., p. I‑5829).

 O acórdão Athinaïki Techniki/Comissão

19      Com este acórdão, o Tribunal de Justiça anulou o referido despacho Athinaïki Techniki/Comissão, indeferiu a excepção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão e ordenou a baixa dos autos ao Tribunal de Primeira Instância, deixando para final a decisão sobre despesas.

20      O Tribunal de Justiça determinou, em primeiro lugar, a natureza das decisões subsequentes à fase de análise preliminar dos auxílios de Estado.

21      O Tribunal de Justiça recordou, em primeiro lugar, que, no âmbito do procedimento de controlo dos auxílios de Estado, há que distinguir, por um lado, a fase de análise preliminar dos auxílios, que tem apenas por objectivo permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade parcial ou total do auxílio em causa, e, por outro, a fase de investigação propriamente dita, que se destina a permitir a esta instituição ter uma informação completa de todos os dados do processo, sendo esta fase indispensável quando a Comissão se defronta com dificuldades sérias para apreciar se um auxílio de Estado é compatível com o mercado comum( n.os 33 e 34).

22      O Tribunal de Justiça expôs que só no âmbito desta última fase é que o Tratado CE prevê a obrigação de a Comissão dar aos interessados a oportunidade de apresentarem observações, de modo que, quando a Comissão tomar, no termo da primeira fase, uma decisão que não seja a de iniciar um procedimento formal de investigação, estes interessados têm o direito de a contestar para obter o respeito das suas garantias processuais (n.os 35 e 36).

23      O Tribunal de Justiça indicou ainda que o Regulamento n.° 659/1999 atribui aos referidos interessados o direito de desencadear a fase de análise preliminar, enviando à Comissão informações relativas a um auxílio alegadamente ilegal, cabendo à Comissão analisar, sem demora, a existência eventual de um auxílio e a sua compatibilidade com o mercado comum. Os interessados que não possam invocar direitos de defesa no âmbito desse procedimento dispõem, em contrapartida, do direito de se associarem ao mesmo, de forma adequada, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, o que implica que, quando a Comissão os informar, em conformidade com o artigo 20.°, n.° 2, segundo período, do Regulamento n.° 659/1999, de que não há motivos suficientes para se pronunciar sobre o caso, deve permitir‑lhes a apresentação de observações adicionais, num prazo razoável (n.os 37 a 39).

24      O Tribunal de Justiça prosseguiu assim o seu raciocínio nos n.os 40 e 41 do mesmo acórdão:

«40      Uma vez apresentadas essas observações ou expirado o prazo razoável, o artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999 obriga a Comissão a encerrar a fase de análise preliminar através da adopção de uma decisão ao abrigo do artigo 4.°, n.os 2, 3 ou 4, desse regulamento, a saber, uma decisão que declare a inexistência de auxílio, ou não levantar objecções ou dar início ao procedimento formal de investigação. Assim, essa instituição não está autorizada a perpetuar um estado de inacção durante a fase de análise preliminar. Chegado o momento, incumbe‑lhe dar início à fase seguinte da investigação ou arquivar o processo mediante a adopção de uma decisão nesse sentido (v., no âmbito do procedimento em matéria de concorrência, acórdão de 18 de Março de 1997, Guérin automobiles/Comissão, C‑282/95 P, Colect., p. I‑1503, n.° 36). Nos termos do artigo 20.°, n.° 2, terceiro período, do Regulamento n.° 659/1999, quando a Comissão toma tal decisão na sequência de informações fornecidas por uma parte interessada, enviar‑lhe‑á cópia dessa decisão.

41      Neste contexto, há que assinalar que a Comissão pode adoptar uma das decisões acima mencionadas, previstas no artigo 4.° do Regulamento n.° 659/1999, sem, todavia, a designar como uma decisão ao abrigo dessa disposição.»

25      A este respeito, o Tribunal de Justiça recordou a sua jurisprudência constante relativa à admissibilidade dos recursos de anulação, segundo a qual há que atender à própria essência dos actos impugnados e à intenção dos seus autores na qualificação desses actos. Indicou que constituem, em princípio, actos recorríveis as medidas que fixam definitivamente a posição da Comissão no termo de um processo administrativo e que visam produzir efeitos jurídicos vinculativos susceptíveis de afectar os interesses do recorrente, independentemente da forma dos actos, do cumprimento ou não de requisitos formais, como a denominação, a fundamentação ou a indicação das disposições que constituem a sua base legal (n.os 42 a 44).

26      O Tribunal de Justiça deduziu daqui que é irrelevante que o acto impugnado não seja designado por «decisão» ou que não se refira aos n.os 2, 3 ou 4 do artigo 4.° do Regulamento n.° 659/1999, ou ainda que não tenha sido notificado pela Comissão ao Estado‑Membro em causa, em violação do artigo 25.° desse regulamento.

27      O Tribunal de Justiça analisou em seguida se o Tribunal de Primeira Instância concluiu correctamente que a decisão de arquivamento é um acto irrecorrível. O Tribunal de Justiça considerou o seguinte nos n.os 52 a 62 do mesmo acórdão:

52      Decorre da substância [do] acto [impugnado] e da intenção da Comissão que esta decidiu, assim, pôr termo ao procedimento de análise preliminar desencadeado pela Athinaïki Techniki. Através desse acto, a Comissão declarou que a investigação iniciada não tinha permitido concluir pela existência de um auxílio na acepção do artigo 87.° CE e recusou‑se implicitamente a dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE (v., neste sentido, acórdão [de 2 de Abril de 1998,] Comissão/Sytraval e Brink’s France, [C‑367/95 P, Colect., p. 1719,] n.° 47).

53      Além disso, resulta da jurisprudência citada no n.° 36 do presente acórdão que, numa situação desse tipo, os beneficiários das garantias processuais previstas nessa disposição só podem conseguir que elas sejam respeitadas se tiverem a possibilidade de impugnar essa decisão perante o órgão jurisdicional comunitário, em conformidade com o artigo 230.°, quarto parágrafo, CE. Este princípio aplica‑se tanto no caso de a Comissão adoptar uma decisão em que considera que o auxílio é compatível com o mercado comum como quando considera que se deve descartar a própria existência de um auxílio.

54      O acto impugnado não pode ser qualificado como preliminar ou preparatório, visto que, no âmbito do procedimento administrativo iniciado, não é seguido de nenhum outro acto susceptível de dar lugar a um recurso de anulação (v., neste sentido, designadamente, acórdão [de 16 de Junho de 1994] SFEI e o./Comissão, [C‑39/93 P, Colect., p. I‑2681,] n.° 28).

55      Contrariamente ao que foi declarado pelo Tribunal de Primeira Instância, não é pertinente nesta matéria que a parte interessada ainda possa fornecer à Comissão informações suplementares que possam obrigar esta última a rever a sua posição sobre a medida estatal em causa.

[…]

57      Se uma parte interessada fornecer informações suplementares após o arquivamento do processo, a Comissão pode ver‑se obrigada a dar início, sendo caso disso, a um novo procedimento administrativo. Em contrapartida, essas informações não se repercutem no facto de o primeiro procedimento de análise preliminar já estar encerrado.

58      […] contrariamente ao declarado pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 29 do despacho recorrido, a Comissão adoptou uma posição definitiva sobre o pedido da [recorrente] de declaração de uma violação dos artigos 87.° CE e 88.° CE.

[…]

60      […] O acto impugnado deve, pois, ser qualificado como decisão, na acepção do artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 659/1999, lido em conjugação com os artigos 13.°, n.° 1, e 20.°, n.° 2, terceiro período, desse regulamento.

61      Visto que esse acto impediu a [recorrente] de apresentar as suas observações no âmbito de um procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, produziu efeitos jurídicos obrigatórios susceptíveis de afectar os interesses dessa sociedade.

62      O acto impugnado constitui, portanto, um acto impugnável na acepção do artigo 230.° CE.»

28      Com base neste raciocínio, o Tribunal de Justiça concluiu que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao declarar que a recorrente interpôs um recurso de anulação de um acto que não produz efeitos jurídicos e que, como tal, não é susceptível de recurso ao abrigo do artigo 230.° CE, e, em consequência, anulou o despacho Athinaïki Techniki/Comissão, já referido, remetendo o processo ao Tribunal de Primeira Instância, para que este decida o pedido da Athinaïki Techniki de anulação da decisão de 2 de Junho de 2004 de arquivar a sua denúncia relativa a um alegado auxílio de Estado concedido pela República Helénica ao consórcio Hyatt Regency no âmbito do contrato público relativo à cessão de 49% do capital do Casino Mont Parnès.

 O segundo processo no Tribunal de Primeira Instância

29      Por requerimento de 2 de Outubro de 2008, a Comissão informou o Tribunal de Primeira Instância de que, em 26 de Setembro de 2008, enviara à recorrente uma carta do seguinte teor:

«Reporto‑me à carta de [2 de Dezembro de 2004] pela qual os serviços da DG concorrência informaram que, com base nas informações de que dispõem, não havia razões suficientes para continuar a apreciação do processo em apreço e que, na falta de informações complementares que justifiquem a continuação dessa análise, a Comissão arquivou, a nível administrativo, o processo em questão.

Considerando o acórdão [Athinaïki Techniki/Comissão, já referido], os serviços da DG concorrência informam V. Ex.as de que consideram sem efeito a identificada carta e que procederam à reabertura do processo acima referenciado.

Por conseguinte, reiteramos o nosso pedido anterior e solicitamos novamente a V. Ex.as que nos forneçam elementos que demonstrem a concessão de um auxílio de Estado ilegal no âmbito da venda do Casino Mont Parnès.»

30      Segundo a Comissão, a carta de 26 de Setembro de 2008 implicava que, tendo o processo ficado sem objecto, não haveria que decidir de mérito.

31      Nas suas observações de 26 de Novembro de 2008, apresentadas em resposta ao pedido de não conhecimento de mérito deduzido pela Comissão, a recorrente contestou‑o.

32      Para esse efeito, alegou quatro fundamentos: a carta de 26 de Setembro de 2008 não tinha por efeito a eliminação do acto impugnado; o acto impugnado, que terminou a análise preliminar, era irrevogável; a carta de 26 de Setembro de 2008 tinha essencialmente por objectivo subtrair o acto impugnado à fiscalização jurisdicional; a referida carta violava o efeito de caso julgado do referido acórdão Athinaïki Techniki/Comissão.

33      Nas suas observações de 27 de Novembro de 2008, a Athens Resort Casino AE Symmetochon louvou‑se no pedido de não conhecimento de mérito deduzido pela Comissão.

 O despacho recorrido

34      O Tribunal de Primeira Instância decidiu não conhecer do mérito do recurso de anulação do acto impugnado, com os seguintes fundamentos expostos nos n.os 31 a 37 do despacho recorrido:

«31      O Tribunal entende que a carta da Comissão de 26 de Setembro de 2008 suscita um incidente da instância, que cabe decidir sem necessidade de fase oral, nos termos do n.° 3 do artigo 114.° do Regulamento de Processo.

32      Em primeiro lugar, há que salientar que o Tribunal de Justiça teve já oportunidade de declarar, no seu despacho de 18 de Novembro de 1992, SFEI e o./Comissão (C‑222/92, [...] n.os 1 e 2), que, no caso de um recurso de uma decisão administrativa de arquivamento de uma denúncia sobre um alegado auxílio de Estado, a reabertura do processo de análise preliminar constitui a revogação da decisão de arquivamento. A seguir, o Tribunal de Justiça considerou que o mesmo recurso ficou sem objecto e declarou que não tinha que conhecer de mérito (despacho SFEI e o./Comissão, já referido, n.os 5 e 7; v., neste sentido, igualmente, o acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C‑341/06 P e C‑342/06 P, [Colect., p. I‑4777,] n.° 3, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Junho de 2006, UFEX e o./Comissão, T‑613/97, Colect., p. II‑1531, n.os 8 e 11).

33      Em segundo lugar, resulta dos n.os 52, 54 e 58 do acórdão [Athinaïki Techniki/Comissão, já referido,] que a constatação do Tribunal de Justiça de que o acto impugnado fixou definitivamente a posição da Comissão relativamente à medida em litígio era necessária para que o referido acto pudesse ser qualificado como recorrível. Ora, após ter sido reaberto o processo de análise preliminar e depois de o recorrente ter sido convidado a apresentar documentos em apoio da denúncia, deixa de existir o acto que fixa definitivamente a posição da Comissão e que é, portanto, recorrível.

34      Em terceiro lugar, há que salientar que o acto impugnado culminou o processo de análise preliminar e deve ser interpretado, segundo o acórdão [Athinaïki Techniki/Comissão, já referido], quer como uma decisão implícita que declara que a medida em causa não é um auxílio, na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, quer como uma decisão implícita de não levantar objecções. Assim, em caso de anulação, a Comissão seria obrigada a reabrir o processo de análise preliminar e, como precisou o Tribunal de Justiça no n.° 40 do acórdão [Athinaïki Techniki/Comissão, já referido], a tomar formalmente uma das decisões referidas no artigo 4.° do Regulamento n.° 659/1999 ou uma decisão de arquivamento que constituiria um novo acto recorrível.

35      Nestas circunstâncias, deve considerar‑se que a revogação do acto impugnado produz efeitos equivalentes aos de um acórdão que anulasse o acto impugnado, pois o processo de análise preliminar reaberto seria encerrado por uma das decisões formais referidas no artigo 4.° do Regulamento n.° 659/1999 ou por uma decisão de arquivamento. Com efeito, um acórdão que anulasse o acto impugnado não traria nenhuma outra consequência jurídica aos efeitos da revogação (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Dezembro de 1999, Elder/Comissão, T‑178/99, Colect., p. II‑3509, n.° 20).

36      A recorrente não tem, portanto, interesse na anulação do acto impugnado (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Maio de 1997, Proderec/Comissão, T‑145/95, Colect., p. II‑823, n.° 27, e despacho Elder/Comissão, já referido, n.° 21).

37      Destarte, há que salientar que o presente recurso ficou sem objecto e que, assim, não há que decidir de mérito.»

35      O Tribunal de Primeira Instância expôs, em seguida, as razões por que considerou que os argumentos da recorrente não punham em causa a sua conclusão.

36      Sobre esta matéria, o Tribunal de Primeira Instância indicou, em primeiro lugar, que o argumento da recorrente segundo o qual a carta controvertida referia a Comissão, ao passo que a carta de 26 de Setembro de 2008 referia os serviços da Comissão, não altera a qualificação dessa carta.

37      Em segundo lugar, o argumento segundo o qual a Comissão não podia deixar de agir, tendo de iniciar o procedimento formal de investigação, o Tribunal de Primeira Instância indicou que a recorrente não invocou nenhuma regra jurídica que obrigasse a Comissão, após a revogação da decisão de arquivamento, a iniciar um procedimento diferente daquele que culminou nessa decisão.

38      Em terceiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância considerou que as alegações da recorrente de que o procedimento da Comissão visou subtrair a decisão de arquivamento à fiscalização jurisdicional e de que o convite para apresentar informações não era pertinente não constituíam um argumento jurídico.

39      O Tribunal de Primeira Instância acrescentou não resultar dos documentos juntos pela recorrente ao processo nesse Tribunal que a mesma tivesse já explicado no processo administrativo as razões por que as medidas contestadas preenchiam as condições de qualificação como auxílio de Estado, de modo que a recorrente não pode validamente pôr em causa que o convite da Comissão para fornecer informações suplementares constituísse, in casu, o procedimento adequado.

40      Em quarto lugar, no que se refere aos argumentos da recorrente relativos ao caso julgado, o Tribunal de Primeira Instância salientou que o Tribunal de Justiça, no acórdão Athinaïki Techniki/Comissão, já referido, anulou o despacho Athinaïki/Comissão, já referido, não tendo o acórdão incidência na validade da decisão de arquivamento.

 Pedidos das partes

41      No seu recurso, a Athinaïki Techniki pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        anular o despacho recorrido;

–        julgar procedentes os pedidos apresentados em primeira instância; e

–        condenar a Comissão nas despesas.

42      A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        negar provimento ao recurso por ser manifestamente improcedente; e

–        condenar a recorrente nas despesas.

43      A Athens Resort Casino AE Symmetochon pede ao Tribunal de Justiça que se digne:

–        negar provimento ao recurso por ser manifestamente improcedente; e

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Quanto ao recurso

 Argumentos das partes

44      A recorrente invoca quatro fundamentos em apoio do seu recurso.

45      No seu primeiro fundamento, a recorrente alega que o Tribunal de Primeira Instância interpretou incorrectamente a jurisprudência relativa às condições de legalidade da revogação de um acto administrativo, segundo a qual tal revogação é legal desde que o acto revogado seja ilegal e a revogação seja feita num prazo razoável. Ora, a decisão de revogação foi tomada mais de quatro anos e meio depois da decisão inicial, ou seja, fora de um prazo razoável e, além disso, a sua fundamentação reporta‑se, não à ilegalidade da decisão de arquivamento mas apenas ao referido acórdão Athinaïki Techniki/Comissão. Ora, sendo a fundamentação da decisão uma questão de ordem pública, o Tribunal de Primeira Instância devia ter tido oficiosamente em consideração essa falta de fundamentação, declarando a ilegalidade da decisão revogatória.

46      No seu segundo fundamento, a recorrente imputa ao Tribunal de Primeira Instância um erro de direito por não ter apreciado a questão do desvio de poder. A este respeito, alega que a revogação de um acto só pode ter por objectivo permitir à Administração assegurar o respeito do princípio da legalidade. Ora, a fundamentação da revogação em causa limitou‑se a uma simples referência ao acórdão Athinaïki Techniki/Comissão, já referido, o qual não se pronuncia sobre a legalidade do acto impugnado. Assim, a Comissão terá revogado esse acto, não para respeitar o princípio da legalidade mas simplesmente para se subtrair à fiscalização jurisdicional comunitária.

47      No terceiro fundamento, a recorrente alega que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar que a única consequência da anulação da decisão de arquivamento era a obrigação de reabrir o processo de análise preliminar. Ora, no caso de o juiz constatar directamente uma violação do artigo 87.° CE, a Comissão deve retirar as consequências do facto de existir um auxílio de Estado, o que, nos termos do artigo 88.°, n.° 2, CE, implica que o Estado em causa deve suprimir ou modificar o auxílio no prazo que lhe for fixado pela Comissão.

48      No seu quarto fundamento, a recorrente acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter cometido um erro de direito ao ignorar a força de caso julgado do acórdão Athinaïki Techniki/Comissão, já referido. Com efeito, segundo alega, resulta do n.° 40 deste acórdão que a Comissão não pode perpetuar uma situação de inacção no quadro do processo de análise de auxílios de Estado. Ora, com a revogação da decisão impugnada, a Comissão voltou precisamente à situação que existia antes de ter tomado essa decisão, pelo que o Tribunal de Primeira Instância incorreu em erro de direito ao não censurar a dita revogação. Segundo a recorrente, a Comissão não pode manter uma situação de incerteza, sendo, pelo contrário, obrigada a decidir, submetendo‑se eventualmente a uma decisão jurisdicional comunitária.

49      A Comissão responde, antes de mais, que os fundamentos relativos à revogação do acto impugnado, na sua totalidade, não dizem respeito ao despacho recorrido, mas apenas à própria revogação desse acto, que não era objecto do processo julgado pelo Tribunal de Primeira Instância. Além disso, a parte do recurso relativa à legalidade da decisão de revogação do acto impugnado é abusiva. Com efeito, a Comissão revogou o acto impugnado no interesse da recorrente e, virtualmente, em detrimento da sua concorrente. A recorrente não tem, por isso, interesse em suscitar a questão do prazo relativamente a uma revogação que é suposto favorecê‑la. O mesmo se aplicaria ao argumento relativo à fundamentação da decisão de revogação. Assim, estes argumentos devem ser rejeitados por serem manifestamente inadmissíveis. De qualquer modo, a Comissão considera ter indicado claramente na sua carta de 26 de Setembro de 2008 que a revogação era uma consequência do acórdão Athinaïki Techniki/Comissão, já referido, que era conhecido da recorrente, pois ela era a recorrente no processo em que o mesmo foi proferido.

50      Quanto ao mérito, a Comissão responde globalmente aos fundamentos relativos ao desvio de poder e aos efeitos do acórdão Athinaïki Techniki/Comissão, já referido, uma vez que esses argumentos, segundo a Comissão, andam à volta da ideia de que a sua intenção teria sido apenas a de se subtrair à fiscalização jurisdicional do acto impugnado, voltando a uma situação de inacção. Estas asserções, segundo a Comissão, são, contudo, erradas, pois, ao reabrir a fase de análise preliminar, ela examina de novo os elementos constantes do dossier.

51      Mais ainda, a recorrente não demonstra as razões pelas quais a Comissão estaria obrigada a iniciar um procedimento formal de investigação. Aliás, o Tribunal de Primeira Instância não pode decidir ultra petita. Ora, na sequência da revogação do acto impugnado, o recurso de anulação ficou sem objecto e qualquer outra alegação relativa ao modus operandi da Comissão não está abrangida pelos pedidos formulados no requerimento inicial.

52      A Athens Resort Casino AE Symmetochon, por sua parte, alega que, na falta de normas especiais, os princípios gerais que se aplicam à revogação dos actos administrativos são os princípios da legalidade e da protecção da confiança legítima do particular. Ora, visto que a recorrente contesta, desde o início, a legalidade do acto impugnado, não pode invocar este princípio da protecção da confiança legítima. Além disso, no que se refere à fundamentação do acto, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, não é necessário que a mesma conste do próprio acto, podendo ser inferida de forma indirecta das regras aplicáveis ou do contexto do próprio acto.

53      Além disso, a Athens Resort Casino AE Symmetochon considera, primeiro, que a Comissão não só não se subtraiu à fiscalização jurisdicional como até foi «mais longe» do que o acórdão Athinaïki Techniki/Comissão, já referido, ao decidir reabrir o inquérito, aceitando assim descobrir novos elementos de que não tinha conhecimento. Em segundo lugar, do acórdão apenas resultava que a Comissão não podia permanecer inactiva, devendo encerrar, com uma decisão, o processo num prazo razoável após a apresentação da denúncia, e não que a Comissão devia retomar o processo de análise preliminar, o que, no quadro desse processo, já não era possível.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

 Quanto à admissibilidade

54      No que toca à inadmissibilidade alegada, há que salientar que os fundamentos que põem em causa a legalidade da revogação do acto impugnado pelo facto de se referirem à decisão de revogação são efectivamente dirigidos contra o despacho recorrido e não contra o acto de revogação. Com efeito, a recorrente, nos seus diferentes fundamentos, em substância, acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter cometido um erro de direito ao ter tido em consideração a revogação do acto impugnado, quando tal revogação era ilegal.

55      No que toca ao argumento segundo o qual esses fundamentos são inadmissíveis porque a decisão de revogação não é objecto do litígio do Tribunal de Primeira Instância, há que constatar que, pelo contrário, resulta do despacho recorrido que esses fundamentos foram efectivamente alegados pela recorrente no Tribunal de Primeira Instância e que são objecto do litígio. Com efeito, no despacho recorrido, o Tribunal de Primeira Instância pronunciou‑se sobre a questão de saber se, devido à carta da Comissão de 26 de Setembro de 2008, em que esta instituição comunicou a revogação do acto impugnado, o recurso interposto contra este acto ficou sem objecto. Aliás, como resulta dos n.os 23 a 30 desse despacho, a recorrente contestou no Tribunal de Primeira Instância a legalidade da revogação comunicada na referida carta de 26 de Setembro de 2008.

56      Finalmente, não é correcto sustentar que a recorrente não tivesse interesse em contestar a apreciação do Tribunal de Primeira Instância relativa à legalidade da revogação do acto impugnado, pois esse interesse dependia directamente da resposta à questão de saber se o recurso interposto contra o acto impugnado tinha ou não ficado sem objecto, o que é objecto do presente recurso.

57      Donde resulta que os fundamentos do recurso são todos admissíveis.

 Quanto ao mérito

58      No primeiro, segundo e quarto fundamentos, a recorrente acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter cometido um erro de direito ao decidir não julgar o mérito do recurso por considerar que a decisão da Comissão de 26 de Setembro de 2008 constituía um acto de revogação do acto impugnado, uma vez que a revogação era ilegal.

59      A título preliminar, há que salientar que, ao alegar, a este propósito, que a revogação do acto impugnado não foi feita dentro de um prazo razoável, a recorrente se baseia numa jurisprudência que diz respeito à revogação retroactiva de actos administrativos constitutivos de direitos (v. acórdãos de 9 de Março de 1978, Herpels/Comissão, 54/77, Colect., p. 585, n.° 38; de 3 de Março de 1982, Alpha Steel/Comissão, 14/81, Colect., p. 749, n.° 10; de 26 de Fevereiro de 1987, Consorzio Cooperative d’Abruzzo/Comissão, 15/85, Colect., p. 1005, n.° 12; e de 17 de Abril de 1997, de Compte/Parlamento, C‑90/95 P, Colect., p. I‑1999, n.° 35).

60      Todavia, é óbvio que o acto impugnado não constitui, do ponto de vista da recorrente, um acto constitutivo de direitos, mas antes um acto que a prejudica. Assim, a jurisprudência citada no número anterior não é pertinente.

61      Assim sendo, cumpre salientar que a Comissão comunicou à recorrente, na sua carta de 26 de Setembro de 2008, que, tendo em conta o acórdão Athinaïki Techniki/Comissão, já referido, revogava a carta em litígio, reabria o procedimento de análise preliminar, reiterava o seu pedido anterior, em que a convidava a submeter‑lhe elementos que lhe demonstrassem a concessão de um auxílio de Estado, e já tinha procedido à revogação do acto impugnado.

62      Ora, no acórdão Athinaïki Techniki/Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça recordou quais as obrigações da Comissão, se um interessado desencadear, nos termos dos artigos 10.°, n.° 1, e 20.°, n.° 2, primeiro período, do Regulamento n.° 659/1999, a fase de análise preliminar prevista no artigo 88.°, n.° 3, CE.

63      O Tribunal de Justiça considerou que o artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999 impõe à Comissão, após terem sido eventualmente apresentadas as observações suplementares dos interessados, ou expirado o prazo razoável, que encerre a fase de análise preliminar, tomando uma decisão ao abrigo do artigo 4.°, n.os 2, 3 ou 4, do mesmo regulamento, ou seja, uma decisão que declare a inexistência de um auxílio, que não levante objecções ou que inicie o procedimento formal de investigação (v. acórdão Athinaïki Techniki/Comissão, já referido, n.° 40).

64      A Comissão não pode, por isso, perpetuar uma situação de inacção durante a fase de análise preliminar. No momento próprio, cabe‑lhe iniciar a fase de análise seguinte ou arquivar o processo mediante uma decisão nesse sentido e, quando tomar essa decisão na sequência de informações prestadas por uma parte interessada, deve enviar‑lhe uma cópia da mesma (v. acórdão Athinaïki Techniki/Comissão, já referido n.° 40).

65      Ora, no caso em apreço, o Tribunal de Justiça declarou que a Comissão, com o acto impugnado, decidiu o arquivamento administrativo do processo. Com esse acto, esta instituição decidiu encerrar o processo de análise preliminar desencadeado pela recorrente, verificou que o inquérito não permitira concluir pela existência de um auxílio na acepção do artigo 87.° CE e recusou‑se implicitamente a iniciar o procedimento formal de investigação previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE (v. acórdão Athinaïki Techniki/Comissão, já referido, n.os 51 e 52).

66      O Tribunal de Justiça considerou que a Comissão tomou uma posição definitiva sobre o pedido da recorrente no sentido de constatar uma violação dos artigos 87.° CE e 88.° CE. Além disso, como o acto impugnado impediu a recorrente de apresentar as suas observações no quadro de um procedimento formal de investigação, produziu efeitos jurídicos vinculativos susceptíveis de afectar os seus interesses. Assim, segundo o Tribunal de Justiça, o acto impugnado constitui um acto recorrível nos termos do artigo 230.° CE (v. acórdão Athinaïki Techniki/Comissão, já referido, n.os 58, 61 e 62).

67      A recorrente, na qualidade de beneficiária das garantias processuais previstas no artigo 88.°, n.° 2, CE, tinha o direito de contestar a legalidade do acto impugnado, como pessoa directa e individualmente afectada pelo acto em causa, na acepção do quarto parágrafo do artigo 230.° CE (v., neste sentido, acórdão de 2 de Abril de 1988, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.os  41 e 48). Mais precisamente, tinha o direito de pedir a fiscalização jurisdicional comunitária da conclusão da Comissão de que, face aos elementos de que dispunha em 2 de Junho de 2004, podia legitimamente arquivar o processo e decidir implicitamente não iniciar um procedimento formal de investigação.

68      Se a Comissão tivesse o direito de revogar um acto como o acto impugnado nas condições do caso concreto, poderia perpetuar uma situação de inacção durante a fase de análise preliminar, em violação das obrigações que lhe incumbem nos termos dos artigos 13.°, n.° 1, e 20.°, n.° 2, do Regulamento n.° 659/1999 e, assim, subtrair‑se à fiscalização jurisdicional. Com efeito, como salientou o advogado‑geral no n.° 101 das suas conclusões, bastaria à Comissão arquivar uma denúncia apresentada por um interessado e, depois, após o recurso deste, revogar a decisão de arquivamento, reabrir a fase de análise preliminar e repetir estes procedimentos tantas vezes quantas as necessárias para se subtrair à fiscalização jurisdicional.

69      Admitir essa possibilidade seria, aliás, contrário à segurança jurídica que o Regulamento n.° 659/1999 pretende precisamente aumentar, como resulta dos seus considerandos terceiro, sétimo e undécimo.

70      Ora, consideradas as exigências da boa administração e da segurança jurídica, e também o princípio da protecção jurisdicional efectiva, há que concluir, em primeiro lugar, que a Comissão só pode revogar uma decisão de arquivamento de uma denúncia relativa a um auxílio alegadamente ilegal para sanar uma ilegalidade que vicie a decisão e, em segundo lugar, que, na sequência dessa revogação, não pode reiniciar o procedimento numa fase anterior ao ponto preciso em que a ilegalidade foi cometida.

71      No caso em apreço, não se vê que a carta de 26 de Setembro de 2008 pretendesse reparar uma ilegalidade de que padecesse o acto impugnado. Com efeito, a carta não indica qual a ilegalidade de que o acto impugnado estava viciado, que seria o único fundamento para a revogação.

72      Nessa carta, a Comissão comunicou simplesmente à recorrente: «[c]onsiderando o acórdão [Athinaïki Techniki/Comissão, já referido], ficam V. Ex.as notificados de que a DG concorrência revogou a referida carta e procedeu à reabertura do processo identificado». Ora, é manifesto que, naquele acórdão, o Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre a legalidade do acto impugnado, mas tão‑somente sobre a sua qualificação como acto recorrível, de forma que esta simples remissão não pode justificar a decisão de revogação do acto impugnado.

73      Aliás, quanto ao argumento da Comissão de que a revogação do acto impugnado seria necessária por carecer de fundamentação suficiente, há que observar que essa ilegalidade teria podido ser sanada por uma nova decisão de arquivamento, o que não justificaria a reabertura da fase de análise preliminar.

74      À luz de todos estes elementos, há que concluir que o Tribunal de Primeira Instância considerou erradamente que a Comissão tinha o direito de revogar o acto impugnado nas condições indicadas na carta de 26 de Setembro de 2008.

75      Daqui decorre que são procedentes o primeiro, segundo e quarto fundamentos alegados pela recorrente no seu recurso, em que censura o Tribunal de Primeira Instância por ter considerado que o acto impugnado foi revogado, quando essa revogação era ilegal.

76      Nestas condições, não é necessário analisar o terceiro fundamento invocado pela recorrente.

77      De quanto precede resulta que se deve dar provimento ao recurso, anulando‑se o despacho recorrido.

 Quanto à remessa dos autos ao Tribunal Geral

78      Nos termos do artigo 61.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal de Justiça pode decidir definitivamente o litígio, se estiver em condições de ser julgado, ou remeter o processo ao Tribunal Geral, para julgamento.

79      Nas circunstâncias do caso em apreço, o Tribunal de Justiça considera não estar em condições de julgar o processo, pois o recurso da recorrente contra o acto impugnado não foi julgado de mérito pelo Tribunal de Primeira Instância.

80      Por conseguinte, há que remeter o processo ao Tribunal Geral, para que este aprecie o pedido de anulação do acto impugnado formulado pela recorrente.

 Quanto às despesas

81      Sendo o processo remetido ao Tribunal Geral, há que reservar para final a decisão quanto às despesas do presente recurso.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:

1)      É anulado o despacho do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 29 de Junho de 2009, Athinaïki Techniki/Comissão (T‑94/05).

2)      O processo é remetido ao Tribunal Geral da União Europeia.

3)      Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.

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