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Document 62009CJ0227

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 21 de Outubro de 2010.
    Antonino Accardo e outros contra Comune di Torino.
    Pedido de decisão prejudicial: Tribunale ordinario di Torino, Sezione Lavoro - Itália.
    Política social - Protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores - Organização do tempo de trabalho - Agentes da polícia municipal - Directiva 93/104/CE - Directiva 93/104/CE conforme alterada pela Directiva 2000/34/CE - Directiva 2003/88/CE - Artigos 5.º, 17.º e 18.º - Duração máxima semanal de trabalho - Convenções colectivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais a nível nacional ou regional - Derrogações relativas ao descanso semanal diferido e ao descanso compensatório - Efeito directo - Interpretação conforme.
    Processo C-227/09.

    Colectânea de Jurisprudência 2010 I-10273

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2010:624

    Processo C‑227/09

    Antonino Accardo e o.

    contra

    Comune di Torino

    (pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale ordinario di Torino)

    «Política social – Protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores – Organização do tempo de trabalho – Agentes da polícia municipal – Directiva 93/104/CE – Directiva 93/104/CE, conforme alterada pela Directiva 2000/34/CE – Directiva 2003/88/CE – Artigos 5.°, 17.° e 18.° – Duração máxima semanal de trabalho – Convenções colectivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais a nível nacional ou regional – Derrogações relativas ao descanso semanal diferido e ao descanso compensatório – Efeito directo – Interpretação conforme»

    Sumário do acórdão

    1.        Política social – Protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores – Directiva 93/104 relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho

    (Directiva 2000/34 do Parlamento Europeu e do Conselho; Directiva 93/104 do Conselho, artigo 17.°, n.° 3)

    2.        Política social – Protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores – Directivas 93/104 e 2003/88 relativas a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho

    (Directivas do Parlamento Europeu e do Conselho 2000/34 e 2003/88, artigos 17.° e 18.°; Directiva 93/104 do Conselho, artigo 17.°)

    3.        Política social – Protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores – Directivas 93/104 e 2003/88 relativas a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho

    (Directivas do Parlamento Europeu e do Conselho 2000/34 e 2003/88, artigos 17.° e 18.°; Directiva 93/104 do Conselho, artigo 17.°)

    1.        O artigo 17.°, n.° 3, da Directiva 93/104 relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, tanto na sua redacção original como na redacção da Directiva 2000/34, tem alcance autónomo em relação ao n.° 2 desse mesmo artigo, de modo que o facto de uma profissão não se encontrar enumerada no referido n.° 2 não impede que possa ser abrangida pela derrogação prevista no artigo 17.°, n.° 3, da Directiva 93/104, nas duas referidas redacções da Directiva 93/104.

    (cf. n.° 36, disp. 1)

    2.        As derrogações facultativas previstas no artigo 17.° da Directiva 93/104 relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, tanto na sua redacção original como na redacção da Directiva 2000/34, e, eventualmente, nos artigos 17.° e/ou 18.° da Directiva 2003/88, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, não podem ser invocadas contra particulares. Além disso, estas disposições não podem ser interpretadas no sentido de que permitem ou proíbem a aplicação de convenções colectivas que estabelecem derrogações das regras que transpõem o artigo 5.° dessa directiva, uma vez que a aplicação destas depende do direito interno.

    (cf. n.os 47, 53‑54, 59, disp. 2)

    3.        Dado que as derrogações previstas no artigo 17.° da Directiva 93/104 relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, tanto na sua redacção original como na redacção da Directiva 2000/34, e, eventualmente, nos artigos 17.° e/ou 18.° da Directiva 2003/88, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, são facultativas, o direito da União não impõe aos Estados‑Membros que as implementem no direito nacional. Para poderem beneficiar da faculdade prevista nestas disposições de estabelecer derrogações, em determinadas circunstâncias, às exigências, nomeadamente, do artigo 5.° das directivas «tempo de trabalho», os Estados‑Membros devem fazer a opção de a exercer.

    Para tanto, compete aos Estados‑Membros optar pela técnica normativa que lhes parecer mais adequada, tendo em conta que, nos próprios termos das disposições derrogatórias em causa, essas derrogações podem ser efectuadas, nomeadamente, por convenções colectivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais.

    Quando o direito da União confere aos Estados‑Membros a faculdade de estabelecer derrogações a determinadas disposições de uma directiva, estes têm a obrigação de exercer o seu poder discricionário no respeito pelos princípios gerais do direito da União, entre os quais figura o princípio da segurança jurídica. Para tanto, as disposições que permitem derrogações facultativas aos princípios fixados por uma directiva devem ser aplicadas com a precisão e a clareza requeridas para poderem satisfazer as exigências decorrentes do referido princípio.

    (cf. n.os 51‑52, 55)







    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

    21 de Outubro de 2010 (*)

    «Política social – Protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores – Organização do tempo de trabalho – Agentes da polícia municipal – Directiva 93/104/CE – Directiva 93/104/CE, conforme alterada pela Directiva 2000/34/CE – Directiva 2003/88/CE – Artigos 5.°, 17.° e 18.° – Duração máxima semanal de trabalho – Convenções colectivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais a nível nacional ou regional – Derrogações relativas ao descanso semanal diferido e ao descanso compensatório – Efeito directo – Interpretação conforme»

    No processo C‑227/09,

    que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Tribunale ordinario di Torino, Sezione Lavoro (Itália), por decisão de 3 de Junho de 2009, entrado no Tribunal de Justiça em 22 de Junho de 2009, no processo

    Antonino Accardo,

    Viola Acella,

    Antonio Acuto,

    Domenico Ambrisi,

    Paolo Battaglino,

    Riccardo Bevilacqua,

    Fabrizio Bolla,

    Daniela Bottazzi,

    Roberto Brossa,

    Luigi Calabro,

    Roberto Cammardella,

    Michelangelo Capaldi,

    Giorgio Castellaro,

    Davide Cauda,

    Tatiana Chiampo,

    Alessia Ciaravino,

    Alessandro Cicero,

    Paolo Curtabbi,

    Paolo Dabbene,

    Mauro D’Angelo,

    Giancarlo Destefanis,

    Mario Di Brita,

    Bianca Di Capua,

    Michele Di Chio,

    Marina Ferrero,

    Gino Forlani,

    Giovanni Galvagno,

    Sonia Genisio,

    Laura Dora Genovese,

    Sonia Gili,

    Maria Gualtieri,

    Gaetano La Spina,

    Maurizio Loggia,

    Giovanni Lucchetta,

    Sandra Magoga,

    Manuela Manfredi,

    Fabrizio Maschio,

    Sonia Mignone,

    Daniela Minissale,

    Domenico Mondello,

    Veronnica Mossa,

    Plinio Paduano,

    Barbaro Pallavidino,

    Monica Palumbo,

    Michele Paschetto,

    Frederica Peinetti,

    Nadia Pizzimenti,

    Gianluca Ponzo,

    Enrico Pozzato,

    Gaetano Puccio,

    Danilo Ranzani,

    Pergianni Risso,

    Luisa Rossi,

    Paola Sabia,

    Renzo Sangiano,

    Davide Scagno,

    Paola Settia,

    Raffaella Sottoriva,

    Rossana Trancuccio,

    Fulvia Varotto,

    Giampiero Zucca,

    Fabrizio Lacognata,

    Guido Mandia,

    Luigi Rigon,

    Daniele Sgavetti

    contra

    Comune di Torino,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

    composto por: J. N. Cunha Rodrigues, presidente de secção, A. Arabadjiev, U. Lõhmus, A. Ó Caoimh (relator) e P. Lindh, juízes,

    advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

    secretário: M.‑A. Gaudissart, chefe de unidade,

    vistos os autos e após a audiência de 24 de Junho de 2010,

    vistas as observações apresentadas:

    –        em representação de A. Accardo e o., por R. Lamacchia, avvocato,

    –        em representação de F. Lacognata e o., por A. Grespan, avvocatessa,

    –        em representação da Comune di Torino, por M. Li Volti, S. Tuccari e A. Melidoro, avvocatesse,

    –        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por W. Ferrante e L. Ventrella, avvocati dello Stato,

    –        em representação do Governo checo, por M. Smolek e D. Hadrouška, na qualidade de agentes,

    –        em representação da Comissão Europeia, por M. van Beek e C. Cattabriga, na qualidade de agentes,

    vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

    profere o presente

    Acórdão

    1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 5.°, 17.° e 18.° da Directiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de Novembro de 1993, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho (JO L 307, p. 18).

    2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe A. Accardo e o., bem como F. Lacognata e o., à Comune di Torino, a respeito de um pedido de indemnização pelo prejuízo que alegam ter sofrido, durante os anos de 1998 a 2007, devido à não observância dos períodos de descanso semanal de que deveriam ter beneficiado os agentes da polícia municipal do município de Turim.

     Quadro jurídico

     Regulamentação da União

    3        A Directiva 89/391/CEE do Conselho, de 12 de Junho de 1989, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho (JO L 183, p. 1), é a directiva‑quadro que estabelece os princípios gerais em matéria de segurança e de saúde dos trabalhadores. Estes princípios foram posteriormente desenvolvidos numa série de directivas específicas. Entre estas directivas encontra‑se a Directiva 93/104, a Directiva 93/104, conforme alterada pela Directiva 2000/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Junho de 2000 (JO L 195, p. 41, a seguir «Directiva 93/104 alterada»), e a Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho (JO L 299, p. 9) (a seguir, conjuntamente, «directivas ‘tempo de trabalho’»).

    4        O artigo 2.° da Directiva 89/391 define o âmbito de aplicação desta do seguinte modo:

    «1.      A presente directiva aplica‑se a todos os sectores de actividade, privados ou públicos (actividades industriais, agrícolas, comerciais, administrativas, de serviços, educativas, culturais, de ocupação de tempos livres, etc.).

    2.      A presente directiva não é aplicável sempre que se lhe oponham de forma vinculativa determinadas particularidades inerentes a certas actividades específicas da função pública, nomeadamente das forças armadas ou da polícia, ou a outras actividades específicas dos serviços de protecção civil.

    Neste caso, há que zelar por que sejam asseguradas, na medida do possível, a segurança e a saúde dos trabalhadores, tendo em conta os objectivos da presente directiva.»

    5        A Directiva 93/104 foi alterada em primeiro lugar pela Directiva 2000/34. Posteriormente, a Directiva 2003/88 revogou e substituiu, codificando‑a, com efeitos a partir de 2 de Agosto de 2004, a Directiva 93/104 assim alterada.

    6        Nos termos do artigo 1.° das directivas «tempo de trabalho», sob a epígrafe «Objectivo e âmbito de aplicação»:

    «1.      A presente directiva estabelece prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho.

    2.      A presente directiva aplica‑se:

    a)      Aos períodos mínimos de descanso diário, semanal e anual, bem como aos períodos de pausa e à duração máxima do trabalho semanal; e

    b)      A certos aspectos do trabalho nocturno, do trabalho por turnos e do ritmo de trabalho.

    3.      A presente directiva é aplicável a todos os sectores de actividade, privados e públicos, na acepção do artigo 2.° da Directiva 89/391/CEE, sem prejuízo [...].

    [...]

    4.      O disposto na Directiva 89/391/CEE é integralmente aplicável às áreas referidas no n.° 2, sem prejuízo de disposições mais restritivas e/ou específicas contidas na presente directiva.»

    7        Sob a epígrafe «Definições», o artigo 2.° das directivas «tempo de trabalho» dispõe:

    «Para efeitos do disposto na presente directiva, entende‑se por:

    1.      Tempo de trabalho: qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade patronal e no exercício da sua actividade ou das suas funções, de acordo com a legislação e/ou a prática nacional.

    2.      Período de descanso: qualquer período que não seja tempo de trabalho.

    […]»

    8        Os artigos 3.° a 7.° das directivas «tempo de trabalho» prevêem as medidas que os Estados‑Membros são obrigados a tomar para que todos os trabalhadores beneficiem de um período mínimo de descanso diário, de descanso semanal e de férias anuais remuneradas. Regulamentam igualmente o tempo de pausa e a duração máxima semanal de trabalho.

    9        Nos termos do artigo 3.° das directivas «tempo de trabalho», intitulado «Descanso diário», «[o]s Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de um período mínimo de descanso de 11 horas consecutivas por cada período de 24 horas».

    10      No que respeita ao descanso semanal, o artigo 5.°, primeiro parágrafo, das directivas «tempo de trabalho» prevê que os Estados‑Membros «tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem, por cada período de sete dias, de um período mínimo de descanso ininterrupto de 24 horas às quais se adicionam as 11 horas de descanso diário previstas no artigo 3.°». Resulta igualmente do referido artigo 5.° que, caso condições objectivas, técnicas ou de organização do trabalho o justifiquem, pode ser adoptado um período mínimo de descanso de 24 horas.

    11      O artigo 16.° das directivas «tempo de trabalho» fixa, para efeitos de aplicação do artigo 5.° das mesmas, um período de referência não superior a catorze dias.

    12      As directivas «tempo de trabalho» enumeram uma série de derrogações de várias regras de base que estabelecem, tendo em conta as particularidades de determinadas actividades e desde que estejam preenchidas determinadas condições.

    13      A este respeito, o artigo 17.° da Directiva 93/104 e da Directiva 93/104 alterada dispõe:

    «[...]

    2.      Podem ser previstas derrogações por via legislativa, regulamentar ou administrativa, ou ainda por via de convenções colectivas ou de acordos celebrados entre parceiros sociais, desde que sejam concedidos aos trabalhadores em causa períodos equivalentes de descanso compensatório ou que, nos casos excepcionais em que não seja possível, por razões objectivas, a concessão de períodos equivalentes de descanso compensatório, seja concedida aos trabalhadores em causa uma protecção adequada:

    2.1.      Aos artigos 3.°, 4.°, 5.°, 8.° e 16.°:

    [...]

    b)      No caso de actividades de guarda, de vigilância e de permanência caracterizada pela necessidade de assegurar a protecção de pessoas e bens, nomeadamente quando se trate de guardas e porteiros ou de empresas de segurança;

    c)      No caso de actividades caracterizadas pela necessidade de assegurar a continuidade do serviço ou da produção, nomeadamente quando se trate:

    [...]

    iii)      de serviços de [...], ambulância, sapadores‑bombeiros ou protecção civil,

    [...]

    3.      Pode‑se derrogar ao disposto nos artigos 3.°, 4.°, 5.°, 8.° e 16.° por meio de convenções colectivas ou de acordos celebrados entre parceiros sociais a nível nacional ou regional ou, nos termos das regras fixadas por estes parceiros sociais, através de convenções colectivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais a um nível inferior.

    Os Estados‑Membros em que, juridicamente, não exista um sistema que garanta a celebração de convenções colectivas ou de acordos celebrados entre parceiros sociais a nível nacional ou regional, nas matérias abrangidas pela presente directiva, ou os Estados‑Membros em que exista uma estrutura legislativa específica para o efeito e nos limites da mesma podem, nos termos das legislações e/ou práticas nacionais, autorizar derrogações aos artigos 3.°, 4.°, 5.°, 8.° e 16.°, por meio de convenções colectivas ou de acordos celebrados entre parceiros sociais ao nível colectivo adequado.

    As derrogações previstas no primeiro e segundo parágrafos só serão permitidas desde que sejam concedidos aos trabalhadores em causa períodos equivalentes de descanso compensatório ou que, nos casos excepcionais em que não seja possível, por razões objectivas, a concessão destes períodos de descanso compensatório, seja concedida aos trabalhadores em causa uma protecção adequada.

    Os Estados‑Membros podem prever regras destinadas:

    –        à aplicação do presente número pelos parceiros sociais, e

    –        ao alargamento das disposições das convenções colectivas ou dos acordos celebrados nos termos do presente número a outros trabalhadores, de acordo com as legislações e/ou práticas nacionais.

    [...]»

    14      Em conformidade com o artigo 18.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 93/104 e da Directiva 93/104 alterada, os Estados‑Membros deviam pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à directiva, o mais tardar até 23 de Novembro de 1996, ou providenciar, o mais tardar até essa data, para que os parceiros sociais tivessem aplicado as disposições necessárias, por via de acordo, devendo os Estados‑Membros tomar todas as medidas adequadas para, em qualquer momento, garantir os resultados impostos pela referida directiva.

    15      Como resulta do n.° 5 do presente acórdão, a Directiva 93/104 alterada foi revogada e substituída, a partir de 2 de Agosto de 2004, pela Directiva 2003/88. De acordo com o primeiro considerando da Directiva 2003/88, esta visa, por uma questão de clareza, codificar as disposições da Directiva 93/104 alterada. Assim, o teor e a numeração, nomeadamente dos artigos 1.° a 3.°, 5.° e 16.°, são reproduzidos, de modo idêntico, na Directiva 2003/88. Os pontos 2.1 e 2.2 do artigo 17.°, n.° 2, da Directiva 93/104 alterada estão actualmente repartidos entre os n.os 2 e 3 do artigo 17.° da Directiva 2003/88. O n.° 3 do artigo 17.° da Directiva 93/104 alterada está reproduzido no artigo 18.° da Directiva 2003/88.

     Legislação nacional

    16      Resulta da decisão de reenvio que o período controvertido no processo principal, compreendido entre 1998 e 2007, é composto por três partes distintas do ponto de vista da legislação nacional aplicável.

    17      Antes de mais, até 29 de Abril de 2003, o direito do trabalhador ao descanso semanal baseava‑se, por um lado, no artigo 36.°, terceiro parágrafo, da Constituição, nos termos do qual «o trabalhador tem direito ao descanso semanal […] e não pode renunciar ao mesmo», e, por outro, no artigo 2109.°, n.° 1, do Código Civil, segundo o qual «o trabalhador tem direito a um dia de descanso em cada semana, que normalmente coincidirá com o domingo». Resulta das observações escritas submetidas ao Tribunal de Justiça por A. Accardo e o. que estas duas disposições foram promulgadas muito antes da adopção da Directiva 93/104.

    18      Seguidamente, a partir de 29 de Abril de 2003, data da entrada em vigor do Decreto Legislativo n.° 66, de 8 de Abril de 2003, que transpõe para a ordem jurídica interna as Directivas 93/104/CE e 2000/34/CE, relativas a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho (suplemento ordinário do GURI n.° 87, de 14 de Abril de 2003, a seguir «Decreto Legislativo n.° 66/2003»), o regime geral de descanso semanal baseia‑se no artigo 9.°, n.° 1, deste decreto, que confere ao trabalhador o direito de beneficiar, em cada período de sete dias, de um período de descanso de, pelo menos, 24 horas consecutivas, que normalmente coincidirão com o domingo, às quais se adicionam as horas de descanso diário referidas no artigo 7.° do referido decreto. Nos termos do artigo 9.°, n.° 2, alínea b), e do artigo 17.°, n.° 4, do mesmo decreto, podem ser estabelecidas derrogações deste direito por convenções colectivas, desde que sejam concedidos períodos equivalentes de descanso compensatório.

    19      Por último, desde 1 de Setembro de 2004, na sequência de uma alteração introduzida pelo artigo 1.°, n.° 1, alínea b), do Decreto Legislativo n.° 213, de 19 de Julho de 2004, que altera e complementa o Decreto Legislativo n.° 66, de 8 de Abril de 2003, relativamente às normas sancionatórias em matéria de tempo de trabalho (GURI n.° 192, de 17 de Agosto de 2004, a seguir «Decreto Legislativo n.° 213/2004»), as disposições do Decreto Legislativo n.° 66/2003 deixaram de ser aplicáveis aos agentes da polícia municipal.

    20      Tanto antes da entrada em vigor do Decreto Legislativo n.° 66/2003 como depois da adopção do Decreto Legislativo n.° 213/2004, as derrogações do regime ordinário de descanso semanal aplicáveis aos agentes da polícia municipal estavam previstas em três «convenções colectivas nacionais de trabalho» do sector das autarquias locais, que foram celebradas, respectivamente, nos anos de 1987, 2000 e 2001 (a seguir, conjuntamente, «convenções colectivas em causa no processo principal»). Cada uma destas convenções previa, para o «trabalhador por conta de outrem que, por particulares exigências de serviço», não beneficiasse do dia de descanso semanal, o «direito ao descanso compensatório, a gozar em regra no prazo de quinze dias, mas nunca depois dos dois meses seguintes». Além disso, a convenção colectiva assinada em 1987 previa, para esses trabalhadores por conta de outrem, um acréscimo de 20% da sua remuneração diária normal, enquanto o acréscimo correspondente previsto nas convenções colectivas celebradas em 2000 e 2001 era de 50%.

    21      Resulta da decisão de reenvio que os demandantes no processo principal invocam os artigos 1418.° e 1419.° do Código Civil, que sancionam com a nulidade as cláusulas contratuais «contrárias às normas imperativas», ao mesmo tempo que prevêem que essas cláusulas «são substituídas de pleno direito pelas referidas normas imperativas».

     Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    22      Os demandantes no processo principal são agentes da polícia municipal de Turim, com um horário semanal de 35 horas. Entre 1998 e 2007, trabalhavam em serviços organizados por turnos que previam que, de cinco em cinco semanas, trabalhariam sete dias consecutivos, seguidos, segundo a decisão de reenvio, de um período de descanso compensatório, o que levou a que o período de descanso não fosse suprimido, mas simplesmente adiado.

    23      Este sistema de trabalho por turnos e o correspondente adiamento do descanso ao sétimo dia da quinta semana resultavam de um acordo sindical celebrado em 2 de Julho de 1986 entre a administração comunal e os representantes locais das principais organizações sindicais italianas (a seguir «acordo de 1986»).

    24      Os demandantes no processo principal intentaram uma acção contra a Comune di Torino no órgão jurisdicional de reenvio, para serem indemnizados pelos danos morais e físicos alegadamente sofridos pelo facto de não ter sido respeitado o período de descanso semanal previsto no direito interno, uma vez que tinham trabalhado sete dias consecutivos e, em seguida, tinham beneficiado apenas de um dia de descanso como descanso compensatório. Alegaram como fundamento de recurso que, dado que o artigo 36.°, terceiro parágrafo, da Constituição e o artigo 2109.°, n.° 1, do Código Civil continham disposições imperativas, deviam considerar‑se ilegais, na falta de disposições legais adequadas, as cláusulas pertinentes constantes do acordo de 1986 e das convenções colectivas em causa no processo principal.

    25      A Comune di Torino afirmou que, em conformidade com o artigo 17.°, n.° 3, da Directiva 93/104, podem ser introduzidas derrogações do descanso semanal previsto no artigo 5.° da Directiva 93/104 por convenções colectivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais a nível nacional ou regional, desde que sejam concedidos aos trabalhadores em causa períodos equivalentes de descanso compensatório.

    26      No entanto, os demandantes no processo principal contestam tanto o efeito directo do artigo 17.° da Directiva 93/104 antes da adopção do Decreto Legislativo n.° 66/2003 como a própria aplicabilidade do n.° 3 desse artigo aos polícias municipais. Com efeito, este sector não constava expressamente do elenco referido no artigo 17.°, n.° 2, ponto 2.1, da Directiva 93/104 e, por isso, não beneficiava da faculdade de derrogação prevista no n.° 3 dessa mesma disposição. Esta última faculdade não constitui uma norma autónoma, mas uma mera precisão do referido artigo 17.°, n.° 2.

    27      Por outro lado, segundo os demandantes no processo principal, na sequência da alteração introduzida pelo Decreto Legislativo n.° 213/2004, o Decreto Legislativo n.° 66/2003 deixou, em todo o caso, de ser aplicável, na sua totalidade, à polícia municipal, significando que não lhes era aplicável o artigo 17.° da Directiva 93/104 e lhes eram novamente aplicáveis o artigo 36.° da Constituição e o artigo 2109.° do Código Civil.

    28      Nestas condições, o Tribunale ordinario di Torino, Sezione Lavoro, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)      Os artigos 5.°, 17.° e 18.° da Directiva 93/104[...] devem ser interpretados no sentido de que são directamente aplicáveis no ordenamento jurídico de um Estado‑Membro, independentemente de terem sido formalmente transpostos ou independentemente de disposições de direito interno que restrinjam a sua aplicabilidade a determinadas categorias profissionais, num litígio em que tenha havido um acordo dos parceiros sociais conforme com a referida directiva?

    2)      Constitui em qualquer caso obrigação do órgão jurisdicional do Estado‑Membro, independentemente do referido efeito directo, utilizar uma directiva ainda não transposta ou cuja aplicabilidade, depois da sua transposição, parece excluída por disposições de direito interno, como parâmetro interpretativo do direito interno, ou seja, como referência para dissipar eventuais dúvidas exegéticas?

    3)      O órgão jurisdicional do Estado‑Membro está impedido de declarar ilegal um comportamento, não podendo, em consequência, conceder indemnizações pelos prejuízos causados por facto injustificado e ilícito, quando o referido comportamento é autorizado pelos parceiros sociais e essa autorização é compatível com o direito comunitário, ainda que à luz de uma directiva não transposta?

    4)      O artigo 17.°, n.° 3, da Directiva 93/104 deve ser interpretado no sentido de que permite autonomamente, ou seja, de modo inteiramente dissociado do n.° 2 do mesmo artigo e do elenco de actividades e profissões que neste se indicam, a intervenção dos parceiros sociais e a introdução, por estes, de normas derrogatórias em matéria de descanso semanal?»

     Quanto às questões prejudiciais

    29      A título preliminar, importa observar que, embora a decisão de reenvio se refira expressamente apenas à redacção original da Directiva 93/104, resulta dos autos que, no período em causa no processo principal, as directivas «tempo de trabalho» estiveram sucessivamente em vigor. Caso seja necessário para respostas a dar às questões prejudiciais, há que ter em conta esta circunstância.

     Quanto à quarta questão

    30      Com a quarta questão, que importa examinar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se o artigo 17.°, n.° 3, da Directiva 93/104 tem carácter autónomo em relação ao n.° 2 desse mesmo artigo, de modo que o facto de uma profissão não se encontrar enumerada no referido n.° 2 não impede que possa ser abrangida pela derrogação prevista no artigo 17.°, n.° 3, da Directiva 93/104.

    31      Como decorre, nomeadamente, do n.° 26 do presente acórdão, esta questão tem origem na argumentação dos demandantes no processo principal, segundo a qual o artigo 17.°, n.° 3, da Directiva 93/104 não pode ser lido nem aplicado separadamente do n.° 2 desse mesmo artigo. Segundo estes, não é possível interpretar o artigo 17.°, n.° 3, da Directiva 93/104 no sentido de que permite derrogações mais amplas do que as previstas no n.° 2 desse mesmo artigo e que, por isso, estabelece um sistema derrogatório autónomo e distinto.

    32      Todavia, esta argumentação não pode ser acolhida.

    33      Com efeito, como sustenta, no essencial, a Comune di Torino, os Governos italiano e checo e a Comissão Europeia, nada na economia ou na letra do artigo 17.° da Directiva 93/104 e da Directiva 93/104 alterada sugere que o âmbito de aplicação do seu n.° 3 está condicionado pelo do seu n.° 2.

    34      Além disso, como observa a Comissão, por um lado, estes últimos números não fazem nenhuma remissão entre si e, por outro, para cada uma das categorias de derrogações autorizadas, os referidos números repetem as condições idênticas às quais está subordinada a possibilidade de adiar o descanso semanal em todos os casos.

    35      Acresce que, como resulta do n.° 15 do presente acórdão, na codificação efectuada pela Directiva 2003/88, os termos do artigo 17.°, n.° 3, das Directivas 93/104 e 93/104 alterada foram reproduzidos, de modo idêntico, no novo artigo 18.°, enquanto o teor do artigo 17.°, n.° 2, das Directivas 93/104 e 93/104 alterada foi repartido entre os n.os 2 e 3 do artigo 17.° da Directiva 2003/88. Daqui decorre que o legislador da União considerou que os n.os 2 e 3 do artigo 17.° das Directivas 93/104 e 93/104 alterada podiam, ou até deviam, ser lidos de forma distinta, permitindo assim a sua dissociação no momento da codificação.

    36      Por conseguinte, deve responder‑se à quarta questão que o artigo 17.°, n.° 3, das Directivas 93/104 e 93/104 alterada tem alcance autónomo em relação ao n.° 2 desse mesmo artigo, de modo que o facto de uma profissão não se encontrar enumerada no referido n.° 2 não impede que possa ser abrangida pela derrogação prevista no artigo 17.°, n.° 3, das Directivas 93/104 e 93/104 alterada.

     Quanto às três primeiras questões

    37      Como resulta, nomeadamente, da decisão de reenvio, é ponto assente no processo principal que, relativamente ao período compreendido entre 29 de Abril de 2003 e 29 de Agosto de 2004, o Decreto Legislativo n.° 66/2003 permitia, em princípio, em conformidade com o artigo 17.° das Directivas 93/104 e 93/104 alterada, estabelecer derrogações, por meio da convenção colectiva assinada em 2001, do período de descanso semanal previsto no artigo 36.°, terceiro parágrafo, da Constituição e no artigo 2109.°, n.° 1, do Código Civil.

    38      Todavia, resulta igualmente da decisão de reenvio que, fora deste último período, essas disposições da Constituição e do Código Civil eram susceptíveis de se opor, no que respeita ao direito interno, a que a Comune di Torino pudesse validamente basear‑se, em defesa do seu ponto de vista, nas convenções colectivas em causa no processo principal, a fim de legitimar o sistema de trabalho por turnos em causa no processo principal, que, em conformidade com o acordo de 1986, prevê, nomeadamente, que o descanso do sétimo dia da quinta semana seja adiado.

    39      Como alegou a Comissão nas suas observações escritas, as actividades dos serviços de polícia municipal exercidas em condições normais são abrangidas pelo âmbito de aplicação da Directiva 89/391 e, devido à remissão para o artigo 2.° desta directiva constante do artigo 1.°, n.° 3, das directivas «tempo de trabalho», pelo âmbito de aplicação destas (v., por analogia, designadamente, despacho de 14 de Julho de 2005, Personalrat der Feuerwehr Hamburg, C‑52/04, Colect., p. I‑7111, n.os 51 a 61 e jurisprudência aí referida).

    40      Dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça decorre que o artigo 36.°, terceiro parágrafo, da Constituição e o artigo 2109.°, n.° 1, do Código Civil podem constituir, a priori, na medida em que sejam aplicados tendo em conta as exigências dos artigos 3.° e 16.° da Directiva 93/104, a transposição, para a ordem jurídica italiana, do artigo 5.° das directivas «tempo de trabalho», o que, se necessário, deve ser verificado pelo órgão jurisdicional de reenvio. Em todo o caso, não foi sugerido perante o Tribunal de Justiça que as referidas disposições nacionais violassem as exigências do referido artigo 5.°

    41      Pelo contrário, ainda que, na decisão de reenvio, o órgão jurisdicional nacional parta do pressuposto de que o regime de descanso semanal previsto no acordo de 1986 é, em princípio, permitido pelas derrogações facultativas previstas no artigo 17.° das Directivas 93/104 e 93/104 alterada ou nos artigos 17.° e 18.° da Directiva 2003/88 (a seguir, conjuntamente, «disposições derrogatórias em causa»), o que lhe compete verificar, esse órgão jurisdicional tem dúvidas sobre a questão de saber se esse acordo e as convenções colectivas em causa no processo principal podem estabelecer derrogações do artigo 36.°, terceiro parágrafo, da Constituição e do artigo 2109.°, n.° 1, do Código Civil.

    42      Assim, interroga‑­se, no essencial, sobre a possibilidade de recorrer, directa ou indirectamente, às disposições derrogatórias em causa para superar eventuais obstáculos decorrentes do direito interno à aplicação das convenções colectivas em causa no processo principal.

    43      Nestas condições, importa compreender as três primeiras questões, que podem ser examinadas conjuntamente, no sentido de que se destinam a saber, no essencial, se as disposições derrogatórias em causa podem ser aplicadas directamente a factos como os que estão em causa no processo principal, ou se, não tendo efeito directo, o órgão jurisdicional nacional deve ou pode interpretar as disposições de direito interno em causa no processo principal de modo a permitir uma derrogação do período de descanso semanal previsto no artigo 36.°, terceiro parágrafo, da Constituição e no artigo 2109.°, n.° 1, do Código Civil.

     Quanto à possibilidade de aplicação directa das disposições derrogatórias em causa

    44      Embora seja verdade que a primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio visa, em especial, o artigo 5.° das directivas «tempo de trabalho», não se pode deixar de observar que, como resulta nomeadamente do n.° 42 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio, com a referida questão, pretende antes de mais saber se a demandada no processo principal pode invocar as disposições derrogatórias em causa directamente contra os demandantes no processo principal, a fim de serem julgadas improcedentes as reclamações que deram origem ao litígio no processo principal.

    45      Ora, importa recordar a este respeito que, segundo jurisprudência bem assente do Tribunal de Justiça, uma directiva não pode, por si mesma, criar obrigações na esfera jurídica de um particular, nem pode, por conseguinte, ser invocada, enquanto tal, contra ele (v., designadamente, acórdãos de 26 de Fevereiro de 1986, Marshall, 152/84, Colect., p. 723, n.° 48; de 14 de Julho de 1994, Faccini Dori, C‑91/92, Colect., p. I‑3325, n.° 20; de 7 de Janeiro de 2004, Wells, C‑201/02, Colect., p. I‑723, n.° 56; de 5 de Outubro de 2004, Pfeiffer e o., C‑397/01 a C‑403/01, Colect., p. I‑8835, n.° 108; e de 19 de Janeiro de 2010, Kücükdeveci, C‑555/07, Colect., p. I‑0000, n.° 46).

    46      Assim, na medida em que as disposições derrogatórias em causa não tenham sido correctamente transpostas, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar no caso em apreço, as autoridades de um Estado‑Membro que não tenham exercido essa faculdade não podem invocar a sua própria omissão para negar a particulares, como os demandantes no processo principal, o benefício de um período de descanso semanal que, em princípio, sob reserva da verificação a efectuar a este respeito pelo órgão jurisdicional de reenvio, respeita as exigências do artigo 5.° das directivas «tempo de trabalho» (v., por analogia, acórdão de 17 de Julho de 2008, Flughafen Köln/Bonn, C‑226/07, Colect., p. I‑5999, n.° 32 e jurisprudência aí referida).

    47      Daqui decorre que, em circunstâncias como as do litígio no processo principal, as disposições derrogatórias em causa não podem ser invocadas directamente contra particulares, como os demandantes no processo principal.

     Quanto à obrigação ou faculdade de uma interpretação conforme do direito interno

    48      Como resulta da decisão de reenvio, o Tribunale ordinario di Torino, Sezione Lavoro, com a segunda e terceira questões, interroga‑se sobre se não se deve, no entanto, interpretar o direito interno à luz das disposições derrogatórias em causa, para determinar se a Comune di Torino poderia validamente basear‑se nas convenções colectivas em causa no processo principal para estabelecer derrogações às exigências do artigo 36.°, terceiro parágrafo, da Constituição e do artigo 2109.°, n.° 1, do Código Civil.

    49      A este respeito, é verdade que a obrigação, decorrente de uma directiva, de os Estados‑Membros alcançarem o resultado nela previsto assim como o dever de tomarem todas as medidas gerais ou especiais adequadas para assegurar o cumprimento dessa obrigação se impõem a todas as autoridades dos Estados‑Membros, incluindo, no âmbito das suas competências, às autoridades jurisdicionais (v., designadamente, acórdãos de 10 de Abril de 1984, von Colson e Kamann, 14/83, Recueil, p. 1891, n.° 26, e Kücükdeveci, já referido, n.° 47 e jurisprudência aí referida).

    50      Todavia, deve ser excluída a existência de uma obrigação decorrente das directivas «tempo de trabalho» de interpretar o direito interno para privilegiar a aplicação das convenções colectivas que estabelecem derrogações das regras que transpõem o artigo 5.° dessas directivas.

    51      Com efeito, dado que as derrogações previstas nas disposições derrogatórias em causa são facultativas, o direito da União não impõe aos Estados‑Membros que as implementem no direito nacional. Para poderem beneficiar da faculdade prevista nestas disposições de estabelecer derrogações, em determinadas circunstâncias, às exigências, nomeadamente, do artigo 5.° das directivas «tempo de trabalho», os Estados‑Membros devem fazer a opção de a exercer (v., por analogia, acórdão de 4 de Junho de 2009, SALIX Grundstücks‑Vermietungsgesellschaft, C‑102/08, Colect., p. I‑4629, n.os 51, 52 e 55).

    52      Para tanto, compete aos Estados‑Membros optar pela técnica normativa que lhes parecer mais adequada (v., por analogia, acórdão SALIX Grundstücks‑Vermietungsgesellschaft, já referido, n.° 56), tendo em conta que, nos próprios termos das disposições derrogatórias em causa, essas derrogações podem ser efectuadas, nomeadamente, por convenções colectivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais.

    53      As directivas «tempo de trabalho», enquanto tais, não podem ser interpretadas no sentido de que obstam à aplicabilidade de convenções colectivas como as que estão em causa no processo principal, nem, ao invés, no sentido de que impõem tal aplicabilidade, apesar de existirem outras disposições pertinentes de direito interno.

    54      Nestas condições, a questão de saber se a Comune di Torino pode validamente basear‑se, no litígio no processo principal, no acordo de 1986, bem como nas convenções colectivas em causa no processo principal, é, antes de mais, uma questão que o órgão jurisdicional de reenvio deve resolver em conformidade com as normas de direito interno (v., por analogia, acórdão de 3 de Outubro de 2000, Simap, C‑303/98, Colect., p. I‑7963, n.os 55 a 57).

    55      Importa, contudo, observar que, quando o direito da União confere aos Estados‑Membros a faculdade de estabelecer derrogações a determinadas disposições de uma directiva, estes têm a obrigação de exercer o seu poder discricionário no respeito pelos princípios gerais do direito da União, entre os quais figura o princípio da segurança jurídica. Para tanto, as disposições que permitem derrogações facultativas aos princípios fixados por uma directiva devem ser aplicadas com a precisão e a clareza requeridas para poderem satisfazer as exigências decorrentes do referido princípio.

    56      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio será confrontado com duas alternativas: ou as convenções colectivas em causa no processo principal não satisfazem o princípio geral da segurança jurídica e as exigências estabelecidas no direito interno para aplicar validamente as disposições derrogatórias em causa ou essas convenções constituem a aplicação, em conformidade com o direito italiano e no respeito pelo princípio geral da segurança jurídica, das derrogações admitidas das referidas disposições da União.

    57      Na primeira destas hipóteses, como sustentou o Governo checo e como decorre da jurisprudência mencionada no n.° 45 do presente acórdão, se o direito interno italiano obsta à aplicação do acordo de 1986 e das convenções colectivas em causa no processo principal, as directivas «tempo de trabalho» não podem, por si só, ser invocadas contra particulares para assegurar tal aplicação (v., também, por analogia, acórdãos de 11 de Junho de 1987, Pretore di Salò/X, 14/86, Colect., p. 2545, n.os 19 e 20; de 3 de Maio de 2005, Berlusconi e o., C‑387/02, C‑391/02 e C‑403/02, Colect., p. I‑3565, n.os 73 e 74; e de 5 de Julho de 2007, Kofoed, C‑321/05, Colect., p. I‑5795, n.° 42 e jurisprudência aí referida).

    58      Na segunda hipótese, evocada no n.° 56 do presente acórdão, as directivas «tempo de trabalho» também não obstam, a este respeito, a uma interpretação de direito interno que permite à Comune di Torino recorrer às convenções colectivas em causa no processo principal, desde que as disposições pertinentes das referidas convenções respeitem plenamente as condições estabelecidas nas disposições derrogatórias em causa, o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar. Sobre este ponto, importa recordar que, enquanto excepções ao regime comunitário em matéria de organização do tempo de trabalho instituído pela Directiva 93/104, as disposições derrogatórias em causa devem ser objecto de uma interpretação que limite o seu alcance ao estritamente necessário para salvaguardar os interesses que essas derrogações permitem proteger (v. acórdão de 9 de Setembro de 2003, Jaeger, C‑151/02, Colect., p. I‑8389, n.° 89).

    59      À luz do exposto, importa responder às três primeiras questões que, em circunstâncias como as do processo principal, as disposições derrogatórias em causa não podem ser invocadas contra particulares como os demandantes no processo principal. Além disso, estas disposições não podem ser interpretadas no sentido de que permitem ou proíbem a aplicação de convenções colectivas como as que estão em causa no processo principal, uma vez que a aplicação destas depende do direito interno.

     Quanto às despesas

    60      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

    1)      O artigo 17.°, n.° 3, da Directiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de Novembro de 1993, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, tanto na sua redacção original como na redacção da Directiva 2000/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Junho de 2000, tem alcance autónomo em relação ao n.° 2 desse mesmo artigo, de modo que o facto de uma profissão não se encontrar enumerada no referido n.° 2 não impede que possa ser abrangida pela derrogação prevista no artigo 17.°, n.° 3, da Directiva 93/104, nas duas referidas redacções.

    2)      Em circunstâncias como as do processo principal, as derrogações facultativas previstas no artigo 17.° das Directivas 93/104 e 93/104, conforme alterada pela Directiva 2000/34, e, eventualmente, nos artigos 17.° e/ou 18.° da Directiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Novembro de 2003, relativa a determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, não podem ser invocadas contra particulares como os demandantes no processo principal. Além disso, estas disposições não podem ser interpretadas no sentido de que permitem ou proíbem a aplicação de convenções colectivas como as que estão em causa no processo principal, uma vez que a aplicação destas depende do direito interno.

    Assinaturas


    * Língua do processo: italiano.

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