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Document 62009CJ0020

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 7 de Abril de 2011.
Comissão Europeia contra República Portuguesa.
Incumprimento de Estado - Admissibilidade da acção - Livre circulação de capitais - Artigo 56.º CE - Artigo 40.º do Acordo EEE - Títulos de dívida pública - Tratamento fiscal preferencial - Justificação - Combate à fraude fiscal - Combate à evasão fiscal.
Processo C-20/09.

Colectânea de Jurisprudência 2011 I-02637

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2011:214

Processo C‑20/09

Comissão Europeia

contra

República Portuguesa

«Incumprimento de Estado – Admissibilidade da acção – Livre circulação de capitais – Artigo 56.° CE – Artigo 40.° do Acordo EEE – Títulos de dívida pública – Tratamento fiscal preferencial – Justificação – Combate à fraude fiscal – Combate à evasão fiscal»

Sumário do acórdão

1.        Acção por incumprimento – Procedimento pré‑contencioso – Notificação para cumprir – Delimitação do objecto do litígio – Parecer fundamentado – Enumeração detalhada das acusações

(Artigo 226.° CE)

2.        Acção por incumprimento – Exame do mérito pelo Tribunal de Justiça – Situação a tomar em consideração – Situação no termo do prazo fixado no parecer fundamentado

(Artigo 226.°, parágrafo segundo, CE)

3.        Livre circulação de capitais – Restrições – Legislação fiscal

(Artigo 56.° CE; Acordo EEE, artigo 40.°)

1.        No âmbito de um procedimento pré‑contencioso de incumprimento, embora o parecer fundamentado deva conter uma exposição coerente e detalhada das razões que levaram a Comissão à convicção de que o Estado‑Membro interessado não cumpriu uma das obrigações que lhe incumbem por força do Tratado, a notificação para cumprir não pode estar sujeita a exigências de precisão tão rigorosas como o parecer fundamentado, uma vez que, necessariamente, aquela apenas pode consistir num primeiro resumo sucinto das acusações. Por conseguinte, nada impede a Comissão de pormenorizar no parecer fundamentado as acusações que já alegou em termos mais gerais na notificação para cumprir.

(cf. n.os 17, 20)

2.        A existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado. Assim, uma acção por incumprimento que tem por objecto um regime temporário de regularização fiscal que já não está em vigor no termo da data fixada no parecer fundamentado, mas continua a produzir efeitos nessa data, que é a data pertinente para a apreciação da admissibilidade da acção, não é desprovida de objecto.

(cf. n.os 31, 33‑34, 42)

3.        Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 56.° CE e do artigo 40.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE), um Estado‑Membro que prevê, no âmbito de um regime excepcional de regularização tributária de elementos patrimoniais que não se encontrem no território nacional, um tratamento fiscal preferencial aos títulos de dívida pública emitidos unicamente por este Estado.

Embora os objectivos de combate à fraude e à evasão fiscais possam justificar uma restrição à livre circulação de capitais, é, todavia, necessário que esta restrição seja adequada a garantir a realização destes objectivos e não ultrapasse o que é necessário para os atingir.

Um regime que preveja um tratamento diferenciado no que diz respeito aos títulos de dívida pública emitidos pelo referido Estado‑Membro em relação aos emitidos por outros Estados‑Membros não respeita estas exigências. Além disso, essa diferença de taxas de regularização não se pode justificar pela prossecução de um objectivo de natureza económica, a saber, o da compensação da redução de receitas fiscais do Estado‑Membro em causa. Um objectivo de natureza meramente económica não pode justificar uma restrição a uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado.

(cf. n.os 60‑62, 64‑65, 70 e disp.)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

7 de Abril de 2011 (*)

«Incumprimento de Estado – Admissibilidade da acção – Livre circulação de capitais – Artigo 56.° CE – Artigo 40.° do Acordo EEE – Títulos de dívida pública – Tratamento fiscal preferencial – Justificação – Combate à fraude fiscal – Combate à evasão fiscal»

No processo C‑20/09,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 15 de Janeiro de 2009,

Comissão Europeia, representada por R. Lyal e A. Caeiros, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Portuguesa, representada por L. Inez Fernandes, C. Guerra Santos e J. Menezes Leitão, na qualidade de agentes,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: J. N. Cunha Rodrigues, presidente de secção, A. Arabadjiev, A. Rosas (relator), U. Lõhmus e P. Lindh, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 11 de Maio de 2010,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 17 de Junho de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        Com a sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede que o Tribunal de Justiça se digne declarar que, ao prever, no quadro da regularização tributária criada por força da Lei n.° 39‑A/2005, de 29 de Julho de 2005 (Diário da República, I série‑A, n.° 145, de 29 de Julho de 2005), um tratamento fiscal preferencial para os títulos de dívida pública emitidos unicamente pelo Estado português, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 56.° CE e do artigo 40.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3, a seguir «Acordo EEE»).

 Quadro jurídico

 Acordo EEE

2        O artigo 40.° do Acordo EEE dispõe:

«No âmbito do disposto no presente Acordo, são proibidas quaisquer restrições entre as Partes Contratantes aos movimentos de capitais pertencentes a pessoas residentes nos Estados‑Membros das Comunidades Europeias ou nos Estados da [Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA)], e quaisquer discriminações de tratamento em razão da nacionalidade ou da residência das partes, ou do lugar do investimento. As disposições necessárias à aplicação do presente artigo constam do Anexo XII.»

3        O dito Anexo XII, que tem por epígrafe «Livre circulação de capitais», refere‑se à Directiva 88/361/CEE do Conselho, de 24 de Junho de 1988, para a execução do artigo 67.° do Tratado [artigo revogado pelo Tratado de Amesterdão] (JO L 178, p. 5).

 Direito nacional

4        O Regime Excepcional de Regularização Tributária de elementos patrimoniais que não se encontrem no território português em 31 de Dezembro de 2004 (a seguir «RERT») foi criado pela Lei n.° 39‑A/2005.

5        O artigo 1.° do RERT dispõe:

«O [RERT] aplica‑se a elementos patrimoniais que não se encontrem no território português em 31 de Dezembro de 2004, que consistam em depósitos, certificados de depósito, valores mobiliários e outros instrumentos financeiros, incluindo apólices de seguro do ramo ‘Vida’ ligados a fundos de investimento e operações de capitalização do ramo ‘Vida’.»

6        Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, do RERT, podem beneficiar deste regime os sujeitos passivos pessoas singulares que possuam elementos patrimoniais referidos no artigo 1.°

7        O artigo 2.°, n.° 2, do RERT prevê:

«Para efeitos do presente regime, os sujeitos passivos devem:

a)      Apresentar a declaração de regularização tributária prevista no artigo 5.°;

b)      Proceder ao pagamento da importância correspondente à aplicação de uma taxa de 5% sobre o valor dos elementos patrimoniais constantes da declaração referida na alínea anterior.»

8        O artigo 5.° do RERT dispõe:

«1 ‑ A declaração de regularização tributária a que se refere a alínea a) do n.° 2 do artigo 2.° obedece a modelo aprovado por portaria do Ministro das Finanças e deve ser acompanhada dos documentos comprovativos da titularidade e do depósito ou registo dos elementos patrimoniais dela constantes.

2 ‑ A declaração de regularização tributária deve ser entregue até ao dia 16 de Dezembro de 2005, junto do Banco de Portugal ou de outros bancos estabelecidos em Portugal.

3 ‑ O pagamento previsto na alínea b) do n.° 2 do artigo 2.° é efectuado junto das entidades referidas no número anterior, em simultâneo com a entrega da declaração a que se refere a alínea a) do mesmo número e artigo, ou nos 10 dias úteis posteriores contados da data da recepção daquela declaração.

4 ‑ A entidade bancária interveniente entrega ao declarante, no acto do pagamento, um documento nominativo comprovativo da entrega da declaração e do respectivo pagamento.

5 ‑ Nos limites da presente lei, a declaração de regularização tributária não pode ser, por qualquer modo, utilizada como indício ou elemento relevante para efeitos de qualquer procedimento tributário, penal ou contra‑ordenacional, devendo os bancos intervenientes assegurar o sigilo sobre a informação prestada.

6 ‑ No caso de a entrega da declaração e o pagamento não serem efectuados directamente junto do Banco de Portugal, o banco interveniente deverá remeter ao Banco de Portugal a referida declaração, bem como uma cópia do documento comprovativo, nos 10 dias úteis posteriores à data da entrega da declaração.

7 ‑ Nos casos previstos no número anterior, o banco interveniente deverá transferir para o Banco de Portugal as importâncias recebidas nos 10 dias úteis posteriores ao respectivo pagamento.»

9        O artigo 6.° do RERT prevê:

«1 ‑ Se todos ou alguns dos elementos patrimoniais objecto da declaração de regularização tributária forem títulos do Estado [p]ortuguês, a taxa referida na alínea b) do n.° 2 do artigo 2.° é reduzida a metade na parte referente a esses títulos.

2 ‑ A redução de taxa a que se refere o número anterior é igualmente aplicável a outros elementos patrimoniais se o respectivo valor for reinvestido em títulos do Estado [p]ortuguês até à data da apresentação da declaração de regularização tributária.

3 ‑ No caso de reinvestimento parcial, a redução de taxa respeita apenas à parte do valor reinvestido.

4 ‑ Os títulos do Estado [p]ortuguês que beneficiarem do regime previsto no presente artigo devem permanecer na titularidade do declarante durante, pelo menos, três anos a contar da data da apresentação de declaração de regularização tributária e independentemente da data da respectiva aquisição.

5 ‑ O incumprimento do período mínimo de detenção previsto no número anterior implica o pagamento da diferença face ao valor que resultaria da aplicação da taxa referida na alínea b) do n.° 2 do artigo 2.°, acrescida dos correspondentes juros compensatórios majorados em 5 pontos percentuais.»

 Procedimento pré‑contencioso

10      Na sequência de uma queixa, a Comissão enviou à República Portuguesa, em 19 de Dezembro de 2005, uma notificação para cumprir, considerando que este Estado‑Membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 56.° CE e do artigo 40.° do Acordo EEE, na medida em que aplicava, no quadro do RERT, uma taxa mais favorável à regularização dos elementos patrimoniais que sejam títulos do Estado português ou elementos patrimoniais reinvestidos em títulos do Estado português até à data da apresentação da declaração de regularização tributária (a seguir «regime controvertido»).

11      Por ofício de 27 de Fevereiro de 2006, a República Portuguesa suscitou uma questão prévia relativa à cessação de vigência do RERT. Segundo este Estado‑Membro, dada a caducidade e a não renovação do RERT e, por conseguinte, do regime controvertido, devia considerar‑se que a notificação para cumprir carecia de objecto, pois a legislação constitutiva do alegado incumprimento já não existia. No que diz respeito ao mérito, o referido Estado‑Membro considerava que não existia uma incompatibilidade com o direito da União e que, de qualquer modo, o regime controvertido era justificado por razões de interesse geral reconhecidas pelo direito da União, designadamente pelo objectivo de combate à fraude e à evasão fiscais.

12      Não satisfeita com esta resposta, a Comissão enviou à República Portuguesa, em 11 de Maio de 2007, um parecer fundamentado no qual contestou a pertinência da questão prévia relativa à cessação de vigência do RERT e acusou este Estado‑Membro de ter concedido um tratamento fiscal preferencial aos títulos de dívida pública emitidos unicamente por este Estado. A Comissão convidou a República Portuguesa a tomar as medidas necessárias para dar cumprimento ao referido parecer no prazo de dois meses a contar da sua recepção.

13      Tendo a República Portuguesa mantido a sua posição anterior na resposta ao referido parecer fundamentado, a Comissão decidiu intentar a presente acção.

 Quanto à acção

 Quanto à admissibilidade

14      A República Portuguesa considera que a acção intentada pela Comissão é inadmissível por dois motivos. Por um lado, existe uma discordância entre a notificação para cumprir e o parecer fundamentado, mencionados, respectivamente, nos n.os 10 e 12 do presente acórdão. Por outro lado, devido à cessação de vigência do RERT e, por conseguinte, do regime controvertido, a referida acção carece de objecto.

 Quanto ao fundamento de inadmissibilidade relativo à falta de concordância entre a notificação para cumprir e o parecer fundamentado

–       Argumentos das partes

15      Segundo a República Portuguesa, foi apenas no parecer fundamentado enviado em 11 de Maio de 2007, ou seja, após a cessação de vigência do regime controvertido em 2005, que a Comissão explicou que o alegado incumprimento residia no tratamento preferencial dos títulos do Estado português em relação, não aos restantes elementos patrimoniais, como foi indicado na notificação para cumprir enviada em 19 de Dezembro de 2005, mas apenas aos títulos de dívida pública de outros Estados‑Membros e dos outros Estados partes no Acordo EEE. Assim sendo, o objecto do incumprimento invocado no parecer fundamentado não coincidia com o descrito na referida notificação para cumprir.

16      A Comissão considera, por seu lado, que não há nenhuma divergência entre a notificação para cumprir e o parecer fundamentado acima mencionados, quanto ao objecto do incumprimento alegado. Foi na sequência dos argumentos invocados pela República Portuguesa na sua resposta à notificação para cumprir que a Comissão precisou no parecer fundamentado a sua acusação, sem de maneira nenhuma alterar as acusações formuladas na notificação para cumprir. Esta acusação, na base da presente acção, constava já, necessariamente, desta última.

–       Apreciação do Tribunal de Justiça

17      Resulta de jurisprudência assente que o procedimento pré‑contencioso tem por objectivo dar ao Estado‑Membro em causa a oportunidade de, por um lado, dar cumprimento às obrigações decorrentes do direito da União e, por outro, apresentar utilmente os seus meios de defesa face às acusações formuladas pela Comissão (v., designadamente, acórdãos de 10 de Maio de 2001, Comissão/Países Baixos, C‑152/98, Colect., p. I‑3463, n.° 23; de 5 de Novembro de 2002, Comissão/Alemanha, C‑476/98, Colect., p. I‑9855, n.° 46; e de 8 de Abril de 2008, Comissão/Itália, C‑337/05, Colect., p. I‑2173, n.° 19).

18      A regularidade desse procedimento constitui uma garantia essencial pretendida pelo Tratado FUE, não apenas para a protecção dos direitos do Estado‑Membro em causa mas igualmente para assegurar que o eventual processo contencioso tenha por objecto um litígio claramente definido (v., designadamente, acórdãos Comissão/Alemanha, já referido, n.° 46, e de 10 de Abril de 2008, Comissão/Itália, C‑442/06, Colect., p. I‑2413, n.° 22).

19      Desse objectivo resulta que a notificação para cumprir tem por fim, por um lado, circunscrever o objecto do litígio e fornecer ao Estado‑Membro convidado a apresentar as suas observações os elementos necessários à preparação da sua defesa e, por outro, dar‑lhe a possibilidade de regularizar a situação antes de o processo ser submetido ao Tribunal de Justiça (v., nomeadamente, acórdãos, já referidos, Comissão/Alemanha, n.° 47, e de 10 de Abril de 2008, Comissão/Itália, n.° 22).

20      Importa igualmente recordar que, embora o parecer fundamentado deva conter uma exposição coerente e detalhada das razões que levaram a Comissão à convicção de que o Estado‑Membro interessado não cumpriu uma das obrigações que lhe incumbem por força do Tratado, a notificação para cumprir não pode estar sujeita a exigências de precisão tão rigorosas como o parecer fundamentado, uma vez que, necessariamente, aquela apenas pode consistir num primeiro resumo sucinto das acusações. Por conseguinte, nada impede a Comissão de pormenorizar no parecer fundamentado as acusações que já alegou em termos mais gerais na notificação para cumprir (v., nomeadamente, acórdãos de 31 de Janeiro de 1984, Comissão/Irlanda, 74/82, Recueil, p. 317, n.° 20; de 28 de Março de 1985, Comissão/Itália, 274/83, Recueil, p. 1077, n.° 21; e de 6 de Novembro de 2003, Comissão/Espanha, C‑358/01, Colect., p. I‑13145, n.° 29).

21      No caso em apreço, pela notificação para cumprir, a República Portuguesa foi informada da natureza das acusações de que era destinatária, tendo‑lhe sido dada a possibilidade de apresentar a sua defesa. É verdade que, na notificação para cumprir, a Comissão comparou o tratamento preferencial relativo aos títulos de dívida pública do Estado português com todos os outros elementos patrimoniais previstos no RERT, enquanto, no parecer fundamentado, apenas estabeleceu uma comparação entre os referidos títulos e os títulos de dívida pública emitidos por outros Estados‑Membros e pelos outros Estados partes no Acordo EEE. Todavia, como salienta o advogado‑geral no n.° 21 das suas conclusões, não deixa de ser verdade que os referidos elementos patrimoniais constituem uma categoria mais geral que a dos títulos de dívida pública emitidos pelos Estados, que abrange necessariamente a segunda.

22      Assim, no parecer fundamentado, a Comissão apenas precisou as acusações apresentadas na notificação para cumprir. Ao agir nestes termos, circunscreveu o objecto do litígio ao tratamento diferente concedido aos títulos de dívida pública do Estado português em relação aos títulos de dívida pública emitidos por outros Estados‑Membros e pelos outros Estados partes no Acordo EEE, sem que o dito objecto tenha sido alargado (v., neste sentido, acórdão de 9 de Novembro de 1999, Comissão/Itália, C‑365/97, Colect., p. I‑7773, n.° 25 e, por analogia, acórdão de 18 de Maio de 2006, Comissão/Espanha, C‑221/04, Colect., p. I‑4515, n.° 33).

23      Por conseguinte, o fundamento de inadmissibilidade relativo à falta de concordância entre a notificação para cumprir e o parecer fundamentado, suscitado pela República Portuguesa, deve ser considerado improcedente.

 Quanto ao fundamento de inadmissibilidade relativo à falta de objecto da acção

–       Argumentos das partes

24      A República Portuguesa alega que a acção é inadmissível por falta de objecto. O RERT foi aplicado de forma muito limitada no tempo, sendo esta limitação temporal essencial ao objectivo visado por este regime, a saber, incentivar os contribuintes à regularização espontânea da sua situação tributária.

25      Ora, uma acção por incumprimento ao abrigo do artigo 226.° CE é inadmissível quando já não se verifique, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, a violação das obrigações decorrentes do direito da União. É precisamente o que sucede na situação em apreço, já que a possibilidade de utilizar o regime controvertido cessou no fim de 2005. Com efeito, o benefício do referido regime dependia do pagamento da importância devida pela regularização tributária, o qual, nos termos do artigo 5.°, n.os 2 e 3, do RERT, tinha de ser efectuado nos dez dias úteis posteriores à data da recepção da declaração de regularização tributária, a qual deveria ser entregue até ao dia 16 de Dezembro de 2005.

26      No caso concreto, não existe uma situação duradoura. Com efeito, o pagamento integral de uma quantia monetária de maior ou menor montante é um facto instantâneo. A desvantagem financeira suportada pelas pessoas que não puderam obter o benefício de um tratamento fiscal mais favorável esgotou‑se no momento do pagamento da importância resultante da aplicação da taxa fixada pelo RERT. Este é o momento juridicamente relevante para verificar se o incumprimento alegado já tinha esgotado todos os seus efeitos antes de ter expirado o prazo fixado no parecer fundamentado.

27      Em apoio desta tese, a República Portuguesa invoca, nomeadamente, o n.° 73 do acórdão de 4 de Maio de 2006, Comissão/Reino Unido (C‑508/03, Colect., p. I‑3969), segundo o qual uma acção que visa um incumprimento que, à data de extinção do prazo fixado no parecer fundamentado, já não existia é inadmissível por falta de objecto.

28      A Comissão entende, pelo contrário, que a presente acção é admissível.

29      Considera que a República Portuguesa não regularizou voluntariamente o seu alegado incumprimento para repor a legalidade. O RERT já não está em vigor porque, desde o início e devido à sua natureza, este regime era temporário. O procedimento por incumprimento poderia ser prosseguido a fim de determinar se um Estado‑Membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbem, mesmo quando a situação em causa deixou de existir, desde que continue a haver interesse em prosseguir esse procedimento. Segundo a Comissão, pode continuar a haver esse interesse, em especial, quando os efeitos de uma medida temporária são de natureza duradoura. Ora, as pessoas que não puderam obter o benefício de um tratamento fiscal mais favorável ficam numa situação de desvantagem financeira em relação às que tiveram essa possibilidade. Um efeito é duradouro pelo facto de se manter, mesmo que não se repita.

30      Na audiência, a Comissão acrescentou que o carácter duradouro dos efeitos do regime controvertido é demonstrado por um elemento suplementar, a saber, a obrigação, imposta aos detentores de títulos de dívida pública emitidos pelo Estado português, que pretendam beneficiar da taxa de regularização mais favorável concedida pelo RERT, de conservar estes títulos por um período de, pelo menos, três anos após a apresentação da sua declaração de regularização tributária, nos termos do artigo 6.°, n.° 4, do RERT.

–        Apreciação do Tribunal de Justiça

31      A título preliminar, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado (v., nomeadamente, acórdãos de 27 de Outubro de 2005, Comissão/Itália, C‑525/03, Colect., p. I‑9405, n.° 14, e de 6 de Dezembro de 2007, Comissão/Alemanha, C‑456/05, Colect., p. I‑10517, n.° 15).

32      No caso concreto, o prazo previsto no parecer fundamentado para a República Portuguesa lhe dar cumprimento expirou em Julho de 2007.

33      Por conseguinte, importa verificar se, nessa data, o regime controvertido continuava a produzir efeitos (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, de 27 de Outubro de 2005, Comissão/Itália, n.° 16, de 18 de Maio de 2006, Comissão/Espanha, n.° 25, e de 6 de Dezembro de 2007, Comissão/Alemanha, n.° 16).

34      A este respeito, resulta do RERT que o benefício deste regime dependia do pagamento da importância devida para a regularização tributária, o qual tinha de ser feito nos dez dias úteis posteriores à data da entrega da declaração de regularização tributária. A entrega desta deveria ser efectuada, em conformidade com o artigo 5.°, n.° 2, do RERT, até ao dia 16 de Dezembro de 2005.

35      Além disso, importa salientar que os títulos de dívida pública emitidos pelo Estado português, detidos por sujeitos passivos que desejassem beneficiar do tratamento fiscal preferencial, deviam, em conformidade com o artigo 6.°, n.os 4 e 5, do RERT, permanecer na titularidade destes sujeitos passivos durante, pelo menos, três anos a contar da data da apresentação da declaração de regularização tributária, independentemente da data da sua aquisição, implicando o seu incumprimento o pagamento, pelos sujeitos passivos, da diferença entre o valor correspondente à aplicação da taxa geral de regularização e o que pagaram com base na taxa preferencial, acrescida dos correspondentes juros compensatórios majorados em 5 pontos percentuais.

36      Como salientou o advogado‑geral no n.° 49 das suas conclusões, o benefício do tratamento fiscal preferencial apenas se poderia, portanto, realizar plenamente no termo do prazo de três anos após a apresentação da declaração de regularização tributária, isto é, a partir do fim de Julho de 2008 e, o mais tardar, até 16 de Dezembro de 2008.

37      Importa acrescentar que o artigo 6.°, n.° 5, do RERT dava a este Estado‑Membro a possibilidade de aplicar, após o termo do período de aplicação do RERT, a taxa geral de 5%, acrescida de juros compensatórios, aos sujeitos passivos que tivessem cedido os títulos de dívida pública emitidos pelo Estado português, cuja posse tinha justificado a aplicação da taxa especial de 2,5%, durante o período de três anos referido no artigo 6.°, n.° 4, do RERT. Assim, a República Portuguesa dispunha, até 16 de Dezembro de 2008, da faculdade de aplicar aos sujeitos passivos que cedessem os títulos de dívida pública emitidos pelo Estado português um tratamento diferenciado em relação aos que conservavam tais títulos. Por conseguinte, há que declarar que esta faculdade ainda existia na data da expiração do prazo fixado para dar cumprimento ao parecer fundamentado.

38      Daqui decorre que o regime controvertido continuava a produzir efeitos no termo do prazo fixado no parecer fundamentado.

39      Na audiência, a República Portuguesa defendeu, no essencial, que a Comissão não a critica por ter imposto uma obrigação de conservar durante três anos os títulos de dívida pública emitidos pelo Estado português que foram objecto da aplicação da taxa de regularização preferencial, mas que se limita a pedir‑lhe que alargue o tratamento preferencial aos detentores de títulos emitidos por outros Estados‑Membros ou por outros Estados partes no Acordo EEE. Ora, segundo o Estado‑Membro demandado, a obrigação em causa constitui não uma vantagem mas um encargo para os sujeitos passivos em causa.

40      Importa, porém, salientar que esta argumentação da República Portuguesa não é pertinente para determinar se o regime controvertido tinha ou não esgotado todos os seus efeitos no termo do prazo fixado no parecer fundamentado.

41      Além disso, importa recordar que incumbe à Comissão velar oficiosamente e no interesse geral pela aplicação do direito da União pelos Estados‑Membros e obter a declaração da existência de eventuais incumprimentos das obrigações dele derivadas, tendo como objectivo a sua cessação (v. acórdãos de 1 de Fevereiro de 2001, Comissão/França, C‑333/99, Colect., p. I‑1025, n.° 23, e de 2 de Junho de 2005, Comissão/Grécia, C‑394/02, Colect., p. I‑4713, n.° 15). Ora, no caso em apreço, a Comissão limita‑se, legitimamente, a pedir que o Tribunal de Justiça declare a existência do incumprimento alegado e a ordenar que a República Portuguesa ponha termo ao dito incumprimento, sem a instar, ao invés do que pretende este Estado‑Membro, a adoptar um determinado comportamento com vista a restabelecer a igualdade de tratamento alegadamente violada.

42      Tendo em conta o conjunto dos elementos precedentes e sem que seja necessário que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre o argumento da Comissão segundo o qual a desvantagem financeira que as pessoas que não puderam beneficiar do tratamento fiscal preferencial sofreram em relação às que tiveram esta possibilidade constitui, em si, um efeito duradouro do regime controvertido, importa declarar que este regime continua a produzir efeitos à data pertinente para a apreciação da admissibilidade da acção, de modo que o fundamento de inadmissibilidade relativo à falta de objecto desta deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao mérito

 Argumentos das partes

43      A Comissão acusa a República Portuguesa de ter violado o artigo 56.° CE e o artigo 40.° do Acordo EEE, ao prever, no contexto do RERT, um tratamento fiscal preferencial para os títulos de dívida pública emitidos pelo Estado português.

44      A Comissão salienta que, em aplicação dos artigos 2.° e 6.° do RERT, a taxa de 5% aplicável ao valor dos elementos patrimoniais constantes da declaração de regularização tributária é reduzida a 2,5% no que diz respeito quer aos elementos patrimoniais correspondentes a títulos do Estado português quer a outros elementos patrimoniais se o respectivo valor tiver sido reinvestido nesses títulos até à data da apresentação da referida declaração.

45      Apesar de não pôr em causa o facto de os títulos de dívida pública emitidos por Estados poderem beneficiar de tratamento preferencial, a Comissão considera que uma taxa de tributação inferior aplicável apenas aos elementos patrimoniais regularizados que sejam títulos do Estado português constitui uma restrição à livre circulação de capitais, proibida pelo artigo 56.° CE, na medida em que os sujeitos passivos susceptíveis de beneficiar do RERT foram dissuadidos de manter os seus elementos patrimoniais regularizados sob outras formas que não títulos do Estado português. Ora, uma disposição fiscal nacional susceptível de dissuadir os sujeitos passivos de efectuarem investimentos noutros Estados‑Membros constitui uma restrição à livre circulação de capitais, na acepção do artigo 56.° CE, por referência ao acórdão de 21 de Novembro de 2002, X e Y, (C‑436/00, Colect., p. I‑10829, n.° 70). Segundo a Comissão, esta restrição não pode ser justificada com base no artigo 58.°, n.° 1, CE.

46      Em apoio da sua tese, a Comissão invoca o acórdão de 6 de Junho de 2000, Verkooijen (C‑35/98, Colect., p. I‑4071, n.os 43 e 44). Não há justificação objectiva para a aplicação de duas taxas de regularização diferentes, na medida em que os sujeitos passivos em causa se encontram numa situação idêntica, caracterizada pela vontade de regularizarem a sua situação fiscal.

47      Na réplica, a Comissão acrescenta que a Directiva 2003/48/CE do Conselho, de 3 de Junho de 2003, relativa à tributação dos rendimentos da poupança sob a forma de juros (JO L 157, p. 38), não justifica o tratamento preferencial atribuído aos títulos emitidos pelo Estado português.

48      A República Portuguesa considera que o regime controvertido se justifica em atenção ao objectivo de interesse geral que prossegue, que consiste no combate à evasão e à fraude fiscais. Neste contexto, invoca o artigo 58.°, n.° 1, alínea b), CE, precisando que o regime controvertido satisfaz igualmente as exigências do n.° 3 do referido artigo, e refere‑se igualmente ao conceito de razões imperativas de interesse geral, remetendo, a este respeito, para o acórdão de 15 de Julho de 2004, Lenz (C‑315/02, Colect., p. I‑7063, n.° 27).

49      A República Portuguesa recorda que o RERT foi criado com vista à regularização tributária de elementos patrimoniais que foram subtraídos ao imposto em Portugal. Neste contexto, o pagamento da importância correspondente à aplicação de uma taxa de 2,5% ou de 5% funcionou, verdadeiramente, como «custo de regularização» da situação fiscal das pessoas em causa. Este pagamento revestiu a forma de uma indemnização compensatória pela extinção das obrigações fiscais devidas ao Estado português em relação aos elementos patrimoniais objecto de uma declaração.

50      Esta função indemnizatória justifica que se preveja, exclusivamente no caso dos títulos do Estado português, um custo de regularização reduzido, dado que, no contexto do RERT, eram levadas em consideração as receitas fiscais deste Estado‑Membro, através da extinção das obrigações fiscais relativas aos elementos patrimoniais em causa. O Estado português dispunha, assim, por via indirecta, de receitas tributárias que lhe cabiam.

51      Além disso, a previsão de uma redução de taxa era susceptível de promover uma adesão mais geral ao RERT, contribuindo, de modo mais eficaz, para o combate à fraude e à evasão fiscais.

52      Por conseguinte, o regime controvertido é compatível com o direito da União e proporcionado ao objectivo prosseguido, visto limitar‑se a uma categoria bem delimitada de títulos e não suscitar, em nenhuma hipótese, uma segmentação dos mercados.

53      A República Portuguesa apoia‑se igualmente na Directiva 2003/48. Dado que esta directiva admitiu este tipo de diferenciação para os títulos de crédito negociáveis emitidos por uma Administração Pública, considerou‑se igualmente legítimo, quando da elaboração do RERT, atribuir um tratamento preferencial aos títulos emitidos pelo Estado português.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

–       Quanto à existência de uma restrição à livre circulação de capitais

54      Importa recordar que constituem restrições à livre circulação de capitais, na acepção do artigo 56.° CE, as medidas impostas por um Estado‑Membro, susceptíveis de dissuadir os seus residentes de contraírem empréstimos ou de efectuarem investimentos noutros Estados‑Membros (v., neste sentido, acórdãos de 14 de Novembro de 1995, Svensson e Gustavsson, C‑484/93, Colect., p. I‑3955, n.° 10, de 16 de Março de 1999, Trummer e Mayer, C‑222/97, Colect., p. I‑1661, n.° 26, e de 14 de Outubro de 1999, Sandoz, C‑439/97, Colect., p. I‑7041, n.° 19).

55      Ora, no caso concreto, é pacífico que os sujeitos passivos detentores de títulos de dívida pública emitidos pelo Estado português podiam beneficiar de um tratamento fiscal preferencial, previsto no artigo 6.°, n.° 1, do RERT, em relação aos sujeitos passivos detentores de títulos de dívida pública emitidos por outros Estados‑Membros. Com efeito, enquanto estes últimos deviam pagar uma importância correspondente à aplicação de uma taxa de 5% sobre o valor dos elementos patrimoniais constantes da sua declaração de regularização tributária, os sujeitos passivos que tivessem investido em títulos de dívida pública emitidos pelo Estado português apenas deveriam pagar uma taxa reduzida de 2,5% na parte correspondente a estes. Além disso, nos termos do artigo 6.°, n.° 2, do RERT, esta taxa reduzida era igualmente aplicável a outros elementos patrimoniais declarados, se o seu valor tivesse sido reinvestido em títulos do Estado português até à data da apresentação da declaração de regularização tributária.

56      Assim, o regime controvertido previa um tratamento diferenciado em função da detenção, por parte dos sujeitos passivos, de títulos de dívida pública emitidos pelo Estado português ou de títulos de dívida pública emitidos por outros Estados‑Membros, desfavorável à segunda categoria de sujeitos passivos. Por conseguinte, tal diferença de tratamento é susceptível de dissuadir os sujeitos passivos de investirem em títulos de dívida pública emitidos por outros Estados‑Membros ou de conservarem tais títulos.

57      Daqui resulta que o regime controvertido constitui uma restrição à livre circulação de capitais, proibida, em princípio, pelo artigo 56.°, n.° 1, CE.

–       Quanto à justificação da restrição à livre circulação de capitais

58      Importa examinar se a restrição à livre circulação de capitais assim constatada pode ser objectivamente justificada por interesses legítimos reconhecidos pelo direito da União.

59      Como o Tribunal de Justiça tem decidido reiteradamente, a livre circulação de capitais só pode ser limitada por uma regulamentação nacional se esta se justificar pelas razões referidas no artigo 58.° CE ou por razões imperiosas de interesse geral na acepção da jurisprudência do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, acórdãos de 4 de Junho de 2002, Comissão/Portugal, C‑367/98, Colect., p. I‑4731, n.° 49, e de 14 de Fevereiro de 2008, Comissão/Espanha, C‑274/06, n.° 35).

60      É pacífico que os objectivos de combate à fraude e à evasão fiscais, invocados pela República Portuguesa, podem justificar uma restrição à livre circulação de capitais (v., neste sentido, no que se refere ao combate à evasão fiscal, acórdão de 26 de Setembro de 2000, Comissão/Bélgica, C‑478/98, Colect., p. I‑7587, n.° 39, e, no que se refere ao combate à fraude fiscal, acórdão de 19 de Novembro de 2009, Comissão/Itália, C‑540/07, Colect., p. I‑10983, n.° 55).

61      É, todavia, necessário que a restrição à liberdade de circulação de capitais seja adequada a garantir a realização destes objectivos e não ultrapasse o que é necessário para os atingir (v., neste sentido, nomeadamente, acórdão de 19 de Novembro de 2009, Comissão/Itália, já referido, n.° 57).

62      A este respeito, importa declarar que, mesmo partindo do pressuposto de que a regularização tributária criada pelo RERT tenha contribuído, em termos gerais, para atingir os objectivos de combate à fraude e à evasão fiscais, não parece que o regime controvertido, ao prever um tratamento diferenciado no que diz respeito aos títulos de dívida pública emitidos pelo Estado português em relação aos emitidos por outros Estados‑Membros, respeite estas exigências.

63      Com efeito, importa recordar que este regime previa, no quadro da referida regularização tributária, a aplicação de taxas de regularização diferentes consoante os elementos patrimoniais declarados correspondessem a títulos de dívida pública emitidos pelo Estado português ou a títulos de dívida pública emitidos por outros Estados‑Membros, ao passo que as outras normas do RERT aplicáveis aos sujeitos passivos que desejassem regularizar a sua situação tributária eram aplicáveis, por seu lado, independentemente do Estado de origem dos elementos patrimoniais.

64      No que diz respeito ao argumento da República Portuguesa segundo o qual esta diferença de taxa de regularização se justifica pelo facto de o pagamento da importância correspondente à aplicação dessa taxa constituir uma indemnização compensatória que pode, no essencial, ser mais significativa para os investimentos regularizados relativos aos títulos emitidos por outros Estados‑Membros, este argumento reduz‑se, na realidade, como salientou o advogado‑geral no n.° 89 das suas conclusões, a pretender justificar uma medida restritiva da livre circulação de capitais através da prossecução de um objectivo de natureza económica, a saber, o da compensação da redução de receitas fiscais do Estado‑Membro em causa.

65      A este respeito, basta recordar que, em conformidade com jurisprudência assente, um objectivo de natureza meramente económica não pode justificar uma restrição a uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado (v., neste sentido, acórdão de 28 de Abril de 1998, Decker, C‑120/95, Colect., p. I‑1831, n.° 39; acórdão Verkooijen, já referido, n.° 48; e acórdão de 8 de Julho de 2010, Comissão/Portugal, C‑171/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 71).

66      No que diz respeito ao argumento da República Portuguesa de que a Directiva 2003/48 permitiria justificar uma diferença de tratamento entre os títulos de crédito negociáveis emitidos por uma Administração Pública e os títulos emitidos por privados, importa declarar que, mesmo pressupondo que a referida directiva autorize o estabelecimento desta diferença de tratamento, tal não permite justificar uma diferença de tratamento entre títulos de natureza idêntica, a saber, no caso concreto, os títulos de dívida pública emitidos pelo Estado português e os emitidos por outros Estados‑Membros.

67      Daqui decorre que a restrição à livre circulação de capitais que resulta do regime controvertido não é susceptível de ser justificada pelas razões invocadas pela República Portuguesa.

68      Dado que as disposições do artigo 40.° do Acordo EEE têm o mesmo alcance jurídico que as disposições, essencialmente idênticas, do artigo 56.° CE (v. acórdãos de 11 de Junho de 2009, Comissão/Países Baixos, C‑521/07, Colect., p. I‑4873, n.° 33, e de 6 de Outubro de 2009, Comissão/Espanha, C‑562/07, Colect., p. I‑9553, n.° 67), as considerações precedentes, em circunstâncias como as da presente acção, são aplicáveis mutatis mutandis ao referido artigo 40.°

69      Por isso, a acção proposta pela Comissão deve ser julgada procedente.

70      Por conseguinte, importa declarar que, ao prever, no quadro do RERT, criado pela Lei n.° 39‑A/2005, um tratamento fiscal preferencial para os títulos de dívida pública emitidos unicamente pelo Estado português, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 56.° CE e do artigo 40.° do Acordo EEE.

 Quanto às despesas

71      Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Portuguesa e tendo esta sido vencida, há que a condenar nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

1)      Ao prever, no quadro do Regime Excepcional de Regularização Tributária de elementos patrimoniais que não se encontrem no território português em 31 de Dezembro de 2004, criado pela Lei n.° 39‑A/2005, de 29 de Julho de 2005, um tratamento fiscal preferencial para os títulos de dívida pública emitidos unicamente pelo Estado português, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 56.° CE e do artigo 40.° do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992.

2)      A República Portuguesa é condenada nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: português.

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