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Document 62009CC0104

Conclusões da advogada-geral Kokott apresentadas em 6 de Maio de 2010.
Pedro Manuel Roca Álvarez contra Sesa Start España ETT SA.
Pedido de decisão prejudicial: Tribunal Superior de Justicia de Galicia - Espanha.
Política social - Igualdade de tratamento entre trabalhadores do sexo masculino e trabalhadores do sexo feminino - Directiva 76/207/CEE - Artigos 2.º e 5.º - Direito a uma dispensa a favor das mães que trabalham por conta de outrem - Possibilidade de gozo pela mãe ou pelo pai que trabalham por conta de outrem - Mãe que exerce uma actividade independente - Exclusão do direito à dispensa do pai que trabalha por conta de outrem.
Processo C-104/09.

Colectânea de Jurisprudência 2010 I-08661

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2010:254

CONCLUSÕES DA ADVOGADA-GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 6 de Maio de 2010 1(1)

Processo C‑104/09

Pedro Manuel Roca Álvarez

contra

Sesa Start España ETT SA

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Superior de Justicia de Galicia, Espanha)

«Política social – Igualdade de tratamento entre homens e mulheres – Licença para aleitação»





I –    Introdução

1.        O presente pedido de decisão prejudicial permite ao Tribunal de Justiça precisar a sua jurisprudência em matéria de proibição de discriminação em razão do sexo.

2.        A legislação espanhola confere às mães que exerçam uma actividade assalariada o direito a uma redução diária do tempo de trabalho durante os primeiros nove meses após o nascimento do seu filho. Apesar de a lei se referir a uma dispensa do trabalho «para fins de aleitação», a jurisprudência espanhola também concede a referida dispensa a mães que não aleitam. Importa desde logo observar que o conceito de «dispensa para aleitação» é equívoco, na medida em que a aleitação não constitui um pressuposto para a atribuição da dispensa do trabalho. Se uma trabalhadora não gozar a referida dispensa, o pai da criança, desde que também exerça uma actividade assalariada, pode gozá‑la em lugar da mãe.

3.        Pedro Manuel Roca Álvarez solicitou à sua entidade patronal uma dispensa deste tipo, que lhe foi recusada pelo motivo de a mãe da criança ser trabalhadora independente e, por conseguinte, não ter um direito próprio à dispensa de trabalho. Por conseguinte, também não assiste a P. M. Roca Álvarez qualquer direito derivado, na medida em que a legislação espanhola não reconhece um direito autónomo do pai que exerça uma actividade assalariada à dispensa do trabalho, o que P. M. Roca Álvarez considera constituir uma discriminação em razão do sexo.

II – Quadro jurídico

A –    Direito da União Europeia

4.        O direito da União que constitui o quadro jurídico do presente processo é definido pela Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (2).

1.      Directiva 76/207

5.        O artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 76/207 dispõe o seguinte:

«A presente directiva tem em vista a realização, nos Estados‑Membros, do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, incluindo a promoção, e à formação profissional, assim como no que se refere às condições de trabalho e, nas condições previstas no n.° 2, à segurança social. Este princípio será a seguir denominado por ‘princípio da igualdade de tratamento’.»

6.        O artigo 2.°, n.os 1 e 3, da referida directiva prevê o seguinte:

«1. O princípio da igualdade de tratamento, na acepção das disposições adiante referidas, implica a ausência de qualquer discriminação em razão do sexo, quer directa, quer indirectamente, nomeadamente pela referência à situação matrimonial ou familiar.

3. A presente directiva não constitui obstáculo às disposições relativas à protecção da mulher, nomeadamente no que se refere à gravidez e à maternidade.»

7.        Do artigo 5.°, n.° 1, da directiva consta a seguinte precisão:

«1. A aplicação do princípio da igualdade de tratamento no que se refere às condições de trabalho, incluindo as condições de despedimento, implica que sejam asseguradas aos homens e às mulheres as mesmas condições, sem discriminação em razão do sexo.»

2.      Directiva 96/34

8.        A título complementar, importa ainda remeter para a Directiva 96/34/CE do Conselho, de 3 de Junho de 1996, relativa ao Acordo‑quadro sobre a licença parental celebrado pela UNICE, pelo CEEP e pela CES (3).

9.        A referida directiva transpõe o Acordo‑quadro sobre a licença parental celebrado pelas organizações interprofissionais de vocação geral (UNICE, CEEP e CES) em 14 de Dezembro de 1995. O referido Acordo‑quadro está anexo à directiva.

10.      A cláusula 2, n.° 1, do Acordo‑quadro dispõe o seguinte:

«1. Por força do presente acordo, e sob reserva do n.° 2 da presente cláusula, é concedido aos trabalhadores de ambos os sexos um direito individual à licença parental, com fundamento no nascimento ou na adopção de um filho, para dele poderem cuidar durante pelo menos três meses até uma determinada idade, que poderá ir até aos oito anos de idade, a definir pelos Estados‑Membros e/ou pelos parceiros sociais.»

B –    Direito nacional

11.      Em Espanha, as relações laborais são reguladas pelo Estatuto de los Trabajadores (a seguir «Estatuto dos Trabalhadores»), com a redacção que lhe foi dada pelo Real Decreto Legislativo N.° 1/1995, de 24 de Março de 1995 (4). O seu artigo 1.° dispõe que esta lei se aplica às pessoas que prestam voluntariamente os seus serviços, recebendo em contrapartida um pagamento de outrem, no âmbito de uma organização e sob a direcção de uma pessoa singular ou colectiva, designada entidade empregadora.

12.      O artigo 1.°, n.° 3, do Estatuto dos Trabalhadores esclarece que qualquer actividade exercida num âmbito divergente do definido no artigo 1.°, n.° 1, está excluída da aplicação do Estatuto dos Trabalhadores.

13.      Nos termos da redacção aplicável à data da interposição do recurso, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 37.°, n.° 4, do Estatuto dos Trabalhadores dispunha o seguinte:

«As trabalhadoras têm direito a uma hora de dispensa do trabalho para aleitação de um filho menor de nove meses, podendo dividi‑la em duas fracções. A mulher poderá, se assim o quiser e para esse mesmo efeito, substituir esse direito por uma redução da jornada de trabalho em meia hora. A dispensa poderá ser gozada indistintamente pela mãe ou pelo pai, no caso de ambos trabalharem.»

14.      O artigo 37.° do Estatuto dos Trabalhadores foi alterado pela Lei n.° 3/2007, de 22 de Março de 2007 (5). A redacção alterada prevê, em particular, divergindo da redacção anterior, que a trabalhadora poderá, em vez de uma hora de dispensa do trabalho, optar pela redução da jornada de trabalho ou, nos termos de uma convenção colectiva ou por acordo com a entidade patronal respeitando o disposto na convenção colectiva, acumular o direito em jornadas completas.

III – Matéria de facto e questão prejudicial

15.      P. M. Roca Álvarez (a seguir «recorrente») é trabalhador por conta de outrem na empresa Sesa Start España ETT SA (a seguir «entidade patronal»).

16.      Em 7 de Março de 2005, o recorrente solicitou à sua entidade patronal a dispensa de trabalho remunerada, de acordo com o disposto no artigo 37.°, n.° 4, do Estatuto dos Trabalhadores. A entidade patronal indeferiu este pedido com o fundamento de a esposa do recorrente ser trabalhadora independente e não uma trabalhadora por conta de outrem, o que constitui um requisito imprescindível para o direito à dispensa requerida.

17.      O recorrente impugnou esta decisão. O órgão jurisdicional de primeira instância entendeu que o direito à dispensa para aleitação assiste exclusivamente à mãe, tendo em conta a redacção da norma do Estatuto dos Trabalhadores, que começa com a expressão «As trabalhadoras...». Para além disso, estas devem exercer uma actividade por conta de outrem, na medida em que, em caso contrário, o Estatuto dos Trabalhadores não se aplica. Por conseguinte, o referido órgão jurisdicional não reconheceu ao recorrente o direito à dispensa de trabalho devido ao facto de a sua esposa ser trabalhadora independente. Na medida em que a mãe não dispõe do referido direito, também ao pai não assiste qualquer direito derivado.

18.      O recorrente interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Superior de Justicia de Galicia, o qual entende que o pedido de reconhecimento do direito reivindicado pelo demandante só será procedente no caso de se concluir que a atribuição exclusiva de tal direito à mãe viola o princípio da igualdade de tratamento.

19.      Tendo em consideração o acima exposto, o Tribunal Superior de Justicia de Galicia decidiu submeter a seguinte questão prejudicial ao Tribunal de Justiça:

Uma lei nacional (concretamente o artigo 37.°, n.° 4 do Estatuto dos Trabalhadores), que reconhece exclusivamente às mães que trabalhem por conta de outrem a titularidade do direito a uma dispensa remunerada para aleitação, que consiste numa redução da jornada de trabalho em meia hora ou numa ausência do trabalho durante uma hora que pode ser dividida em duas fracções, de carácter voluntário e remunerado pela entidade patronal até a criança cumprir a idade de nove meses, e que não reconhece essa titularidade aos pais trabalhadores por conta de outrem, viola o princípio da igualdade de tratamento, que impede qualquer discriminação em razão do sexo, consagrado no artigo 13.° do Tratado, na Directiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho, e na Directiva 2002/73/CE, que altera a primeira?

20.      No processo perante o Tribunal de Justiça, apresentaram observações os Governos espanhol e irlandês, bem como a Comissão.

IV – Apreciação jurídica

21.      Com a presente questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se uma regulamentação nacional que apenas concede às trabalhadoras um direito autónomo a «dispensa para aleitação» viola o princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres, garantido pelo direito da União. Neste sentido, a questão prejudicial diz respeito ao artigo 13.° CE (actual artigo 19.° TFUE), bem como às Directivas 76/207 e 2002/73 (6).

22.      A apreciação jurídica será a seguir realizada apenas com base na Directiva 76/207, na medida em que a Directiva 2002/73 não pode ser aplicável ratione temporis ao caso vertente. O prazo para transposição da Directiva 2002/73 terminou em 5 de Outubro de 2005. O pedido do recorrente de concessão de «dispensa para aleitação» data já de 7 de Março de 2005, sendo, por conseguinte, anterior ao termo do prazo para transposição. Também o período da dispensa para aleitação requerida se situaria em momento anterior ao do termo do prazo para transposição; deveria decorrer de 4 de Janeiro de 2005 a 4 de Outubro do mesmo ano.

23.      Caso o direito espanhol não se baseie, para a decisão do processo principal, no regime jurídico vigente no momento da apresentação do pedido, mas sim num momento posterior – por exemplo no da decisão do órgão jurisdicional de última instância – o prazo para transposição da directiva já teria decorrido. No entanto, tal não alteraria o resultado da apreciação jurídica, na medida em que a Directiva 2002/73 não alterou de forma significativa as disposições pertinentes para o presente caso.

24.      O órgão jurisdicional de reenvio não colocou a questão relativa à nova redacção da directiva dada pela Directiva 2006/54 (7), que deveria ter sido transposta até 15 de Agosto de 2008. Para além disso, a sua aplicação deveria, por maioria de razão, ser negada ratione temporis.

A –    Directiva 76/207

25.      A Directiva 76/207 tem por objectivo a concretização nos Estados‑Membros do princípio da igualdade de tratamento de homens e mulheres no contexto profissional. Neste sentido, o seu artigo 2.°, n.° 1, proíbe qualquer discriminação em razão do sexo, quer directa, quer indirecta. O artigo 5.°, n.° 1, esclarece que a aplicação do princípio da igualdade de tratamento no que se refere às condições de trabalho implica que sejam asseguradas aos homens e às mulheres as mesmas condições, sem discriminação em razão do sexo. Por conseguinte, importa agora apreciar se as disposições controvertidas dizem respeito às condições de trabalho e têm por efeito uma desigualdade de tratamento em razão do sexo.

1.      Desigualdade de tratamento no que respeita às condições de trabalho

26.      O artigo 37.°, n.° 4, do Estatuto dos Trabalhadores espanhol confere a possibilidade de redução do tempo de trabalho durante os primeiros nove meses após o nascimento da criança, que pode consistir numa redução da jornada de trabalho em meia hora ou numa hora de dispensa do trabalho que pode ser dividida em duas fracções. Neste sentido, a regulamentação controvertida diz respeito à duração da prestação de trabalho e, por conseguinte, às condições de trabalho, pelo que é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 5.° da Directiva 76/207.

27.      Esta regulamentação implica igualmente uma desigualdade de tratamento em razão do sexo.

28.      De acordo com o seu teor, o artigo 37.°, n.° 4, do Estatuto dos Trabalhadores confere o direito à redução do tempo de trabalho apenas às trabalhadoras, não assistindo aos trabalhadores masculinos, pelo contrário, um direito autónomo à redução do tempo de trabalho. Quanto muito, dispõem de um direito derivado: apenas quando a mãe dispõe de um direito autónomo este pode também ser exercido pelo pai.

29.      A desigualdade de tratamento deve‑se, por conseguinte, ao facto de as trabalhadoras disporem de um direito autónomo à redução do tempo de trabalho, enquanto os trabalhadores masculinos apenas dispõem de um direito derivado do direito da mãe da criança. Neste sentido, enquanto a uma mãe que exerça uma actividade assalariada assiste sempre um direito à dispensa do trabalho, um pai que exerça uma actividade assalariada apenas pode gozar de uma dispensa do trabalho quando a mãe da criança também exerça uma actividade assalariada. Em contrapartida, caso a mãe exerça uma actividade como trabalhadora independente e, por conseguinte, não tenha direito à dispensa do trabalho, também ao pai não assiste o direito correspondente. A trabalhadora por conta de outrem, pelo contrário, dispõe do referido direito mesmo que o pai do seu filho exerça uma actividade como trabalhador independente.

30.      Em princípio, no presente contexto, homens e mulheres encontram‑se numa situação equiparável, na medida em que a dispensa do trabalho em causa no presente processo visa em primeira linha resolver a questão da assistência a prestar a uma criança – como será demonstrado de seguida. Na medida em que a disposição controvertida apenas confere expressamente o direito às trabalhadoras, existe por conseguinte uma desigualdade de tratamento em razão do sexo.

31.      De seguida, importa apreciar se esta desigualdade de tratamento é admissível em virtude de uma das situações de excepção previstas pela directiva.

2.      Disposições relativas à protecção da mulher durante a gravidez e a maternidade

32.      O artigo 2.°, n.° 3, da directiva reserva aos Estados‑Membros o direito de manter ou introduzir disposições relativas à protecção da mulher «no que se refere à gravidez e à maternidade». Esta disposição constitui uma excepção ao princípio da igualdade de tratamento, que deve ser objecto de interpretação estrita (8) de modo a que o regime geral não seja esvaziado de conteúdo (9).

33.      Nos termos da jurisprudência, o artigo 2.°, n.° 3, da directiva visa proteger as necessidades da mulher sob dois aspectos: por um lado, tem por objectivo a protecção da condição biológica da mulher no decurso da sua gravidez e na sequência desta e, por outro, a protecção das relações especiais entre a mulher e o seu filho durante o período que se segue à gravidez e ao parto (10).

34.      A regulamentação espanhola controvertida não integra, no entanto, uma desigualdade de tratamento admissível nos termos do artigo 2.°, n.° 3, da directiva, na medida em que, após uma análise mais detalhada, se conclui que não se trata de uma disposição relativa à protecção da mulher durante a gravidez e a maternidade na acepção da directiva.

35.      Uma disposição que concedesse determinados benefícios às trabalhadoras aleitantes teria inquestionavelmente por objectivo a protecção da mulher durante a maternidade. Apenas as mulheres podem amamentar o seu filho e, além disso, existe uma relação directa entre a aleitação e a maternidade. Por conseguinte, há que concordar com o Governo irlandês quando afirma que uma beneficiação das trabalhadoras durante o período de aleitação não constitui uma discriminação inadmissível dos trabalhadores masculinos.

36.      Contrariamente à sua designação, que faz referência ao período de aleitação, a dispensa do trabalho em questão concedida pela lei espanhola não tem como objectivo primordial a protecção das mães durante o período de aleitação. Como o órgão jurisdicional de reenvio expôs, a referida regulamentação, que remonta ao ano de 1900, visava originariamente possibilitar a amamentação pela mãe, tendo entretanto deixada de estar ligada à referida finalidade. Actualmente, a amamentação já não representa um pressuposto da dispensa do trabalho, aplicando a jurisprudência espanhola actual a referida disposição também no caso da alimentação da criança por meios artificiais.

37.      Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio qualifica correctamente o objectivo da dispensa do trabalho como um simples tempo de dedicação ao filho. O facto de o objectivo da dispensa do trabalho controvertida se ter afastado não apenas da aleitação, mas também de um modo geral da alimentação, é ainda demonstrado pela última alteração do artigo 37.° do Estatuto dos Trabalhadores (11), que permite a acumulação da redução da jornada de trabalho de uma hora com o direito ao período de férias. Neste caso, nos dias de trabalho não existe a possibilidade de dispor de tempo adicional para aleitação ou alimentação da criança.

38.      Para além disso, nos termos do direito espanhol, a dispensa do trabalho também pode ser gozada pelo pai, desde que a mãe possa requerer esse benefício, o que confirma a natureza da disposição espanhola enquanto medida que visa facilitar a guarda da criança e não como medida destinada à protecção da condição biológica da mulher. Por um lado, tanto a alimentação da criança por meios artificiais como a guarda da mesma podem ser assumidas da mesma forma pelo pai. Por outro, não é possível depreender em que medida se pretende proteger a condição biológica da mulher se esta pessoalmente não requer a redução do tempo de trabalho e continua a trabalhar a tempo inteiro enquanto o seu cônjuge goza da referida redução.

39.      O Tribunal de Justiça já reiterou em diversas ocasiões que a directiva confere aos Estados‑Membros uma margem de apreciação no que diz respeito às medidas de carácter social que adoptam para garantir a protecção da mulher durante a gravidez e a maternidade (12), o que significa que os Estados‑Membros dispõem de uma ampla margem de discricionariedade para decidir quais as medidas que consideram necessárias para garantir a referida protecção. Por conseguinte, estas medidas também podem variar de Estado‑Membro para Estado‑Membro.

40.      Ao admitir igualmente o gozo da dispensa do trabalho por parte do pai caso a mãe disponha do referido direito, a regulamentação espanhola revela claramente que o seu objectivo primordial não está relacionado com a protecção da mãe. Pelo contrário, esta regulamentação explica‑se na perspectiva da criança, cuja necessidade de assistência pode ser assegurada em alternância tanto pela dispensa do trabalho da mãe como do pai.

41.      Neste sentido, o presente caso difere igualmente da matéria de facto subjacente ao acórdão no processo Hofmann, no qual estava em causa uma disposição nacional que concedia apenas às mães uma licença de maternidade, subsidiada pelo Estado, após o termo do prazo legal de protecção. Em caso algum esta licença podia ser também gozada pelo pai. No referido contexto, o Tribunal de Justiça concluiu que a Directiva 76/207 não impõe aos Estados‑Membros a obrigação de atribuir, em alternativa, uma licença deste tipo igualmente ao pai, na medida em que a licença de maternidade tem por objectivo proteger a mulher no que respeita às consequências da gravidez e da maternidade.

42.      A este respeito, o Tribunal de Justiça realçou que a função da licença de maternidade é a de proteger a relação especial entre a mulher e o seu filho durante o período subsequente ao parto, evitando que tal relação seja perturbada pelo exercício simultâneo de uma actividade profissional (13). Em parte, este aspecto da protecção é considerado antiquado, na medida em que a necessária dedicação ao filho também pode ser assegurada pelo pai (14). A hipótese da duplicação de encargos por parte da mãe pode, em todo o caso, ser também evitada se o pai assumir o cuidado da criança. No presente caso, a importância do referido aspecto da protecção no direito da União não necessita, no entanto, de ser esclarecida de forma definitiva, na medida em que o próprio direito espanhol – ao permitir em muitos casos que o pai possa gozar igualmente da dispensa do trabalho – revela que não visa a protecção da relação especial entre a mãe e o filho.

43.      Por fim, importa ainda apreciar a objecção formulada pelo Governo espanhol, nos termos da qual um direito individual à dispensa do trabalho em análise apenas deve ser conferido às mulheres, na medida em que apenas estas podem decidir sobre o tipo de alimentação da criança. Mas também esta objecção não é pertinente, na medida em que a referida dispensa do trabalho apenas corresponde a um «período de aleitação» num contexto histórico e pela sua designação, tendo‑se afastado por completo, na prática jurídica espanhola, da questão da alimentação da criança. Em termos gerais, na verdade, coloca‑se a questão de saber a quem deve ser concedida a dispensa do trabalho quando os próprios pais não conseguem chegar a acordo nesta questão. De forma a resolver esta situação de conflito não é, no entanto, necessário recusar desde logo ao pai um direito individual à dispensa do trabalho. Pelo contrário, compete ao direito nacional proceder a uma ponderação dos interesses que respeite o princípio da igualdade de tratamento.

3.      Medidas que visam promover a igualdade de oportunidades

44.      Por último, há que analisar se uma regulamentação como a que está em causa no processo principal é admissível nos termos do artigo 2.°, n.° 4, da Directiva 76/207, segundo o qual a directiva não constitui obstáculo às medidas que tenham em vista promover a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, em particular as que visem corrigir as desigualdades de facto que afectam as oportunidades das mulheres.

45.      Resulta, a este respeito, de jurisprudência assente, que esta última disposição tem como finalidade precisa e limitada autorizar medidas que, embora aparentemente discriminatórias, visam efectivamente eliminar ou reduzir as desigualdades de facto que possam existir na realidade da vida social (15).

46.      Não é, desde logo, evidente que a previsão de uma dispensa parcial do trabalho, como prevista pela regulamentação espanhola, possa ser adequada a eliminar ou reduzir as desigualdades de facto em desfavor da mulher que possam existir. Sucede antes o contrário: uma regulamentação como a espanhola pode contribuir para um tratamento menos favorável das mulheres que exercem uma actividade profissional.

47.      Caso apenas exista um direito individual à dispensa do trabalho em análise para as trabalhadoras, dispondo os trabalhadores masculinos apenas de um direito à dispensa derivado do da mãe da criança, esta situação contribui para perpetuar a distribuição tradicional das funções entre homens e mulheres (16) e restringe mesmo as possibilidades de os pais que exercem uma actividade assalariada assumirem o cuidado da criança. Apenas quando os dois progenitores exercem uma actividade assalariada podem decidir livremente quem recorre à dispensa do trabalho para tomar conta da criança. Caso apenas o pai exerça uma actividade assalariada e a mãe, por seu lado, exerça uma actividade independente, o pai não dispõe de qualquer direito à referida dispensa: neste caso, o tempo de assistência suplementar que o Estatuto dos Trabalhadores espanhol pretende assegurar tem de ser assumido pela mãe, que terá de restringir a sua actividade independente e, por conseguinte, suportar as correspondentes desvantagens económicas, ou então realizar um esforço adicional. Neste caso, o pai que exerce uma actividade profissional por conta de outrem não poderá tornar menos pesada a tarefa da mãe.

48.      O órgão jurisdicional de reenvio argumentou igualmente neste sentido, tendo remetido para as consequências da regulamentação espanhola, que designou de «efeito bumerangue». Do ponto de vista da entidade empregadora, a forma como o direito à dispensa do trabalho está concebido na regulamentação espanhola fornece mesmo um motivo para optar preferencialmente pela contratação de um candidato masculino em detrimento de uma candidata quando da admissão de pessoal. Embora, quando contrata uma mulher, a entidade empregadora já tenha de contar com a possibilidade de uma gravidez ou maternidade ulteriores e com os direitos que cabem à trabalhadora neste âmbito, a esta ainda assiste, em qualquer caso, o direito à concessão da dispensa de trabalho controvertida. Se contratar um candidato masculino, a entidade empregadora não só corre um menor risco de este recorrer à dispensa do trabalho como ainda, no caso de a mãe da criança exercer uma actividade independente, o trabalhador nem sequer tem um direito à dispensa do trabalho controvertida.

49.      Por conseguinte, também o artigo 2.°, n.° 4, não justifica a presente desigualdade de tratamento.

B –    Directiva 96/34

50.      Nas suas observações, a Comissão concluiu que uma disposição como a que está em causa no presente processo também viola o acordo‑quadro sobre a licença parental. A dispensa do trabalho concedida para tomar conta de uma criança corresponde a uma licença parental na acepção da referida directiva. A cláusula 2 do acordo‑quadro confere aos trabalhadores de ambos os sexos um direito individual à licença parental. A esta disposição opõe‑se uma regulamentação nacional que no contexto controvertido apenas concede às mulheres um direito individual à dispensa do trabalho.

51.      Na sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio não faz qualquer referência à Directiva 96/34. No entanto, na fundamentação do reenvio prejudicial refere que não existe no direito espanhol uma licença parental única, sendo a finalidade da directiva cumprida através de institutos diversos, um dos quais é a dispensa do trabalho em causa no presente processo. A decisão de reenvio não contém, porém, quaisquer informações adicionais a este respeito, pelo que faltam, em particular, dados precisos quanto às restantes regulamentações espanholas em matéria de licença parental. Neste contexto, não é possível apreciar a existência de uma violação da Directiva 96/34. No entanto, na medida em que já se concluiu que existe uma violação da Directiva 76/207, não é necessário analisar se há violação da Directiva 96/34.

C –    Conclusão intercalar

52.      Uma regulamentação nacional como a controvertida não é compatível com a Directiva 76/207.

D –    Consequências para o processo principal

53.      Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar as consequências que decorrem da referida conclusão para o processo principal, que se enquadra no âmbito das relações laborais de direito privado.

54.      A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, uma directiva não pode, por si só, criar obrigações para um particular e não pode, portanto, ser invocada, enquanto tal, contra ele (17).

55.      Por outro lado, o Tribunal de Justiça concluiu, em dois acórdãos mais recentes, que também em litígios entre privados incumbe aos órgãos jurisdicionais nacionais afastar a aplicação de todas as disposições da lei nacional eventualmente contrárias à proibição de discriminação em razão da idade (18). Há que aguardar para saber se o Tribunal de Justiça irá estender um efeito directo horizontal deste tipo a outros princípios gerais de direito como a proibição da discriminação em razão do sexo. Antes de uma evolução desta natureza seria necessário analisar os fundamentos dogmáticos deste controverso efeito directo horizontal e os seus limites (19).

56.      Na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio não submeteu ao Tribunal de Justiça qualquer questão a este respeito, uma análise deste tipo seria agora despropositada.

57.      Para além disso, deve ser sempre dada primazia ao princípio da interpretação do direito nacional em conformidade com a directiva. Os tribunais nacionais estão obrigados a fazer tudo o que for da sua competência, tomando em consideração todo o direito interno e mediante a aplicação dos métodos de interpretação por este reconhecidos, para garantir a plena eficácia da directiva em causa e alcançar uma solução conforme ao objectivo por ela prosseguido (20). O facto de a interpretação do direito nacional conforme à directiva poder possivelmente ser desvantajosa para os particulares não se opõe a este tipo de interpretação (21). Assim, o dever de interpretação do direito nacional em conformidade com a directiva também se aplica reconhecidamente nas relações jurídicas horizontais, em que forçosamente um particular é indirectamente onerado (22).

58.      No presente caso, há vários factores que indiciam que o órgão jurisdicional de reenvio poderia chegar a uma conclusão conforme à directiva por via da interpretação. Afinal, no passado, a norma controvertida já foi interpretada de forma extensiva e desvinculada da aleitação, tendo em consideração a evolução social, para além de, em determinados casos, ter mesmo sido conferido um direito aos pais. O órgão jurisdicional de reenvio também não referiu que teria dificuldades em obter o resultado aqui defendido através da interpretação do direito espanhol.

V –    Conclusão

59.      Com base nas considerações expostas, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo à questão prejudicial:

Uma regulamentação nacional que reconhece exclusivamente às mães que trabalhem por conta de outrem um direito autónomo a uma dispensa do trabalho remunerada para cuidar de uma criança, que consiste numa redução da jornada de trabalho em meia hora ou numa ausência do trabalho durante uma hora que pode ser dividida em duas fracções, e que não reconhece esse direito aos pais trabalhadores por conta de outrem, viola o princípio da igualdade de tratamento na acepção da Directiva 76/207/CEE, do Conselho, de 9 de Fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho.


1 – Língua original: alemão.


2 – JO L 39, p. 40; EE 05 F2 p. 70.


3 – JO L 145, p. 4.


4 – BOE n.° 75, de 29 de Março de 1995, p. 9654.


5 – BOE n.° 71, de 23 de Março de 2007, p. 12611.


6 – Directiva 2002/73/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro de 2002, que altera a Directiva 76/207/CEE do Conselho relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (JO L 269, p. 15).


7 – Directiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à actividade profissional (reformulação) (JO L 204, p. 23).


8 – Acórdão de 15 de Maio de 1986, Johnston (222/84, Colect., p. 1651, n.° 44).


9 – V., neste sentido, acórdão de 22 de Abril de 2010, Comissão/Reino Unido (C‑346/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 39).


10 – Acórdãos de 12 de Julho de 1984, Hofmann (184/83, Recueil, p. 3047, n.° 25); de 30 de Abril de 1998, Thibault (C‑136/95, Colect., p. I‑2011, n.° 25); de 18 de Março de 2004, Merino Gómez (C‑342/01, Colect., p. I‑2605, n.° 32); de 29 de Novembro de 2001, Griesmar (C‑366/99, Colect., p. I‑9383, n.° 43), e de 20 de Setembro de 2007, Kiiski (C‑116/06, Colect., p. I‑7643, n.° 46). Quanto à relação pais‑filho, v. n.° 42 das presentes conclusões.


11 – De acordo com as informações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, a referida alteração não é cronologicamente aplicável à presente matéria de facto, mas é possível utilizá‑la para apreciar a natureza da dispensa do trabalho em causa no presente processo.


12 – Acórdão Hofmann (já referido na nota 10, n.° 27).


13 – V. os acórdãos referidos na nota 10.


14 – V., por exemplo, Langenfeld, in Grabitz/Hilf, Das Recht der Europaïschen Union, Janeiro de 2008, artigo 141.°, n.° 101.


15 – Acórdãos de 17 de Outubro de 1995, Kalanke (C‑450/93, Colect., p. I‑3051, n.° 18); de 11 de Novembro de 1997, Marschall (C‑409/95, Colect., p. I‑6363, n.° 26), e de 19 de Março de 2002, Lommers (C‑476/99, Colect., p. I‑2891, n.° 32).


16 – Já no seu acórdão de 19 de Março de 2002 no processo Lommers (já referido na nota 15, n.° 41) o Tribunal de Justiça tinha alertado para o referido risco.


17 – Acórdãos de 26 de Fevereiro de 1986, Marshall (152/84, Colect., p. 723, n.° 48); de 14 de Julho de 1994, Faccini Dori (C‑91/92, Colect., p. I‑3325, n.° 20); de 5 de Outubro de 2004, Pfeiffer e o. (C‑397/01 a C‑403/01, Colect., p. I‑8835, n.os 108 e 109); de 7 de Junho de 2007 (Carp, C‑80/06, Colect., p. I‑4473, n.° 20), e de 19 de Janeiro de 2010 (Kücükdeveci, C‑555/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 46).


18 – Acórdãos de 22 de Novembro de 2005, Mangold (C‑144/04, Colect., p. I‑9981, n.° 77), e Kücükdeveci (já referido na nota 17, n.° 51). V., a este respeito, igualmente as minhas conclusões hoje apresentadas no processo Andersen (C‑499/08, ainda não publicadas na Colectânea, n.os 22 e segs.).


19 – V., a este respeito, as conclusões do advogado‑geral A. Tizzano, de 30 de Junho de 2005, no processo Mangold (Colect., p. I‑9987, n.os 83, 84 e 100), do advogado‑geral J. Mazák, de 15 de Fevereiro de 2007, no processo Palacios de la Villa (Colect., p. I‑8531, n.os 133 a 138), e da advogada‑geral E. Sharpston, de 22 de Maio de 2008, no processo Bartsch (Colect., p. I‑7245, n.os 79 bis 93), todos com outras referências.


20 – Acórdãos Pfeiffer e o. (já referido na nota 17, n.os 115 e segs.); de 4 de Julho de 2006, Adeneler e o. (C‑212/04, Colect., p. I‑6057, n.° 111); de 15 de Abril de 2008, Impact (C‑268/06, Colect., p. I‑2483, n.° 101), e de 23 de Abril de 2009, Angelidaki e o. (C‑378/07 a C‑380/07, ainda não publicado na Colectânea, n.° 200).


21 – V. minhas conclusões de 8 de Fevereiro de 2007 no processo Kofoed (C‑321/05, Colect., p. I‑5795, n.° 65) e jurisprudência aí referida.


22 – V., por exemplo, acórdãos de 13 de Novembro de 1990, Marleasing (C‑106/89, Colect., p. I‑4135, n.os 6 e 8), e Faccini Dori (já referido na nota 17, n.os 20, 25 e 26).

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