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Document 62008CJ0389

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção) de 6 de Outubro de 2010.
    Base NV e o. contra Ministerraad.
    Pedido de decisão prejudicial: Grondwettelijk Hof - Bélgica.
    Comunicações electrónicas - Directiva 2002/21/CE (directiva-quadro) - Artigos 2.º, alínea g), 3.º e 4.º - Autoridade reguladora nacional - Legislador nacional que age na qualidade de autoridade reguladora nacional - Directiva 2002/22/CE (directiva serviço universal) - Redes e serviços - Artigo 12.º - Cálculo do custo das obrigações de serviço universal - Componente social do serviço universal - Artigo 13.º - Financiamento das obrigações de serviço universal - Determinação do encargo injustificado.
    Processo C-389/08.

    Colectânea de Jurisprudência 2010 I-09073

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2010:584

    Processo C-389/08

    Base NV e o.

    contra

    Ministerraad

    (pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Grondwettelijk Hof)

    «Comunicações electrónicas – Directiva 2002/21/CE (directiva‑quadro) – Artigos 2.°, alínea g), 3.° e 4.° – Autoridade reguladora nacional – Legislador nacional que age na qualidade de autoridade reguladora nacional – Directiva 2002/22/CE (directiva serviço universal) – Redes e serviços – Artigo 12.° – Cálculo do custo das obrigações de serviço universal – Componente social do serviço universal – Artigo 13.° – Financiamento das obrigações de serviço universal – Determinação do encargo injustificado»

    Sumário do acórdão

    1.        Aproximação das legislações – Redes e serviços de comunicações electrónicas – Quadro regulamentar – Serviço universal e direitos dos utilizadores – Directivas 2002/21 e 2002/22 – Autoridade reguladora nacional

    (Directivas do Parlamento Europeu e do Conselho 2002/19, artigos 2.°, alínea g), 3.° e 4.°, e 2002/21, artigo 2.°, n.° 1)

    2.        Aproximação das legislações – Sector das telecomunicações – Serviço universal e direitos dos utilizadores – Directiva 2002/22 – Obrigações de serviço universal, incluindo as obrigações de serviço social – Cálculo do custo – Encargo injustificado

    (Directiva 2002/22 do Parlamento Europeu e do Conselho, vigésimo primeiro considerando)

    3.        Aproximação das legislações – Sector das telecomunicações – Serviço universal e direitos dos utilizadores – Directiva 2002/22 – Obrigações de serviço universal, incluindo as obrigações de serviço social – Cálculo do custo – Encargo injustificado

    (Directiva 2002/22 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 12.°, n.° 1, e anexo IV)

    4.        Aproximação das legislações – Sector das telecomunicações – Serviço universal e direitos dos utilizadores – Directiva 2002/22 – Obrigações de serviço universal, incluindo as obrigações de serviço social – Cálculo do custo – Encargo injustificado

    (Directiva 2002/22 do Parlamento Europeu e do Conselho, Artigo 13.°, n.° 1)

    1.        A Directiva 2002/22/CE, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações electrónicas, não se opõe, em princípio e por si só, a que o legislador nacional intervenha na qualidade de autoridade reguladora nacional, na acepção da Directiva 2002/21, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações electrónicas, desde que, no exercício dessa função, cumpra os requisitos de competência, independência, imparcialidade e transparência definidos nas referidas directivas e que as decisões que tome no exercício dessa função possam ser objecto de recurso efectivo para um organismo independente das partes envolvidas, cabendo ao órgão jurisdicional nacional efectuar essa verificação.

    (cf. n.os 30, 31, 53, disp. 1)

    2.        Resulta do vigésimo primeiro considerando da Directiva 2002/22, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações electrónicas, que o legislador comunitário pretendeu associar os mecanismos de cobertura dos custos líquidos que o fornecimento do serviço universal pode gerar para uma empresa à existência de um encargo excessivo para essa empresa. Neste contexto, ao considerar que o custo líquido do serviço universal não representa necessariamente um encargo excessivo para todas as empresas em causa, decidiu excluir que os custos líquidos de fornecimento do serviço universal dêem automaticamente direito à indemnização. Nestas condições, o encargo injustificado cuja existência deve ser declarada pela autoridade reguladora nacional antes de qualquer indemnização é o encargo que, para cada empresa em causa, tem um carácter excessivo na perspectiva da sua capacidade para o suportar, tendo em conta o conjunto das suas características especificas, designadamente o nível dos seus equipamentos, a sua situação económica e financeira e a sua quota de mercado.

    (cf. n.° 42)

    3.        O artigo 12.° da Directiva 2002/22, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações electrónicas, não se opõe a que a autoridade reguladora nacional considere em termos gerais e com base no cálculo dos custos líquidos do fornecedor do serviço universal que anteriormente era o seu único fornecedor que o fornecimento desse serviço pode constituir um encargo injustificado para as empresas que passaram a ser designadas fornecedoras do serviço universal.

    Com efeito, não resulta do referido artigo 12.°, n.° 1, nem do anexo IV da Directiva 2002/22 nem de qualquer outra disposição desta directiva que o legislador comunitário pretendeu definir as condições em que as ditas autoridades são induzidas a considerar, previamente, que esse fornecimento pode constituir esse encargo injustificado.

    (cf. n.os 36, 53, disp. 2)

    4.        O artigo 13.° da Directiva 2002/22, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações electrónicas, opõe‑se a que a autoridade reguladora nacional considere em termos gerais e com base no cálculo dos custos líquidos do fornecedor do serviço universal que anteriormente era o seu único fornecedor que as empresas que passaram a ser designadas fornecedoras do serviço universal estão efectivamente sujeitas a um encargo injustificado devido a esse fornecimento, sem previamente proceder a um exame específico da situação de cada uma.

    Se a autoridade reguladora nacional concluir que uma ou mais empresas designadas fornecedores do serviço universal estão sujeitas a um encargo injustificado e se essa ou essas empresas pedirem para ser indemnizadas, cabe então ao Estado‑Membro pôr em prática os mecanismos necessários para o efeito, em conformidade com o disposto no artigo 13.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2002/22, do qual resulta também que essa indemnização se deve basear nos custos líquidos tal como foram calculados ao abrigo do disposto no artigo 12.° desse diploma.

    (cf. n.os 44, 53, disp. 3)







    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

    6 de Outubro de 2010 (*)

    «Comunicações electrónicas – Directiva 2002/21/CE (directiva‑quadro) – Artigos 2.°, alínea g), 3.° e 4.° – Autoridade reguladora nacional – Legislador nacional que age na qualidade de autoridade reguladora nacional – Directiva 2002/22/CE (directiva serviço universal) – Redes e serviços – Artigo 12.° – Cálculo do custo das obrigações de serviço universal – Componente social do serviço universal – Artigo 13.° – Financiamento das obrigações de serviço universal – Determinação do encargo injustificado»

    No processo C‑389/08,

    que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Grondwettelijk Hof (Bélgica), por decisão de 1 de Setembro de 2008, entrado no Tribunal de Justiça em 8 de Setembro de 2008, no processo

    Base NV e o.

    contra

    Ministerraad,

    sendo interveniente:

    Belgacom NV,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

    composto por: J.‑C. Bonichot (relator), presidente de secção, C. Toader, K. Schiemann, P. Kūris e L. Bay Larsen, juízes,

    advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

    secretário: M. Ferreira, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 17 de Março de 2010,

    vistas as observações apresentadas:

    –        em representação da Base NV e o., por D. Arts e T. De Cordier, advocaten,

    –        em representação da Belgacom NV, por F. Vandendriessche e H. Viaene, advocaten,

    –        em representação do Governo belga, por M. Jacobs, na qualidade de agente, assistida por S. Depré, advocaat,

    –        em representação da Comissão Europeia, por H. van Vliet e A. Nijenhuis, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 22 de Junho de 2010,

    profere o presente

    Acórdão

    1        O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação do artigo 12.° da Directiva 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva serviço universal) (JO L 108, p. 51).

    2        Este pedido foi apresentado no âmbito da apreciação de um recurso interposto pela Base NV e o. (a seguir «Base e o.»), que tem por objecto a anulação dos artigos 173.°, terceiro e quarto parágrafos, 200.°, 202.° e 203.° da Lei de 25 de Abril de 2007, que contém disposições diversas (IV) (Moniteur belge de 8 de Maio de 2007, p. 25103, a seguir «Lei de 25 de Abril de 2007»), que altera a Lei de 13 de Junho de 2005 relativa às telecomunicações electrónicas (Moniteur belge de 20 de Junho de 2005, p. 28070, a seguir «Lei de 13 de Junho de 2005»), que define as condições em que é fixada a indemnização pelos encargos ditos «injustificados» em que incorrem os operadores que oferecem um serviço telefónico público devido às obrigações de serviço universal.

     Quadro jurídico

     Direito da União

     Directiva‑quadro

    3        Nos termos do décimo primeiro considerando da Directiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva‑quadro) (JO L 108, p. 33, a seguir «directiva‑quadro»):

    «De acordo com o princípio da separação das funções de regulação e operacional, os Estados‑Membros devem garantir a independência da autoridade ou autoridades reguladoras nacionais, com vista a garantir a imparcialidade das suas decisões. Este requisito de independência não prejudica a autonomia institucional e as obrigações constitucionais dos Estados‑Membros, nem o princípio, estabelecido no artigo 295.° [CE], da neutralidade no que respeita ao regime da propriedade nos Estados‑Membros. As autoridades reguladoras nacionais devem dispor de todos os recursos necessários em termos de pessoal, competências e meios financeiros para o desempenho das suas funções.»

    4        O artigo 2.°, alínea g), da directiva‑quadro define «autoridade reguladora nacional» como «o organismo ou organismos encarregados por um Estado‑Membro de desempenhar as funções de regulação previstas na presente directiva e nas directivas específicas».

    5        Nos termos do artigo 3.° da directiva‑quadro, sob a epígrafe «Autoridades reguladoras nacionais»:

    «1.      Os Estados‑Membros deverão assegurar que cada uma das funções atribuídas às autoridades reguladoras nacionais pela presente directiva e pelas directivas específicas seja desempenhada por um organismo competente.

    2.      Os Estados‑Membros garantirão a independência das autoridades reguladoras nacionais, providenciando para que sejam juridicamente distintas e funcionalmente independentes de todas as organizações que asseguram a oferta de redes, equipamentos ou serviços de comunicações electrónicas. Os Estados‑Membros que mantenham a propriedade ou o controlo de empresas que assegurem o fornecimento de redes e/ou serviços de comunicações electrónicas garantirão uma separação total e efectiva entre a função de regulação, por um lado, e as actividades ligadas à propriedade ou à direcção dessas empresas, por outro.

    3.      Os Estados‑Membros deverão assegurar que as autoridades reguladoras nacionais exerçam as suas competências com imparcialidade e transparência.

    […]»

    6        Nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da directiva‑quadro:

    «Os Estados‑Membros deverão assegurar a existência de mecanismos eficazes, a nível nacional, através dos quais qualquer utilizador ou empresa que ofereça redes e/ou serviços de comunicações electrónicas que tenha sido prejudicado/a por uma decisão de uma autoridade reguladora nacional[…] tenha o direito de interpor recurso contra essa decisão junto de um organismo de recurso, que pode ser um tribunal, independente das partes envolvidas e que disponha dos conhecimentos especializados necessários ao desempenho das suas funções. Os Estados‑Membros assegurarão que o mérito da causa seja devidamente apreciado e que exista um mecanismo de recurso efectivo. Enquanto não for reconhecido o resultado do recurso, mantém‑se a decisão da autoridade reguladora nacional, a não ser que o organismo de recurso decida em contrário.»

     Directiva 2002/22

    7        O quarto considerando da Directiva 2002/22 enuncia que o facto de «garantir um serviço universal (ou seja, a oferta de um determinado conjunto mínimo de serviços a todos os utilizadores finais, a um preço acessível) pode implicar a oferta de alguns serviços a alguns utilizadores finais a preços que se afastam das condições normais do mercado. No entanto, a compensação das empresas designadas para oferecer esses serviços em tais circunstâncias não tem necessariamente de resultar numa distorção da concorrência, desde que as empresas designadas sejam compensadas pelo custo líquido específico envolvido e que os custos líquidos sejam recuperados de modo neutro, do ponto de vista da concorrência».

    8        Nos termos do artigo 3.° da Directiva 2002/22, sob a epígrafe «Disponibilidade do serviço universal»:

    «1.      Os Estados‑Membros garantirão que os serviços definidos neste capítulo sejam disponibilizados, com a qualidade especificada, a todos os utilizadores finais no seu território, independentemente da sua localização geográfica, e a um preço acessível em função das condições nacionais específicas.

    2.      Os Estados‑Membros determinarão a abordagem mais eficiente e adequada para assegurar a realização do serviço universal, respeitando simultaneamente os princípios da objectividade, da transparência, da não discriminação e da proporcionalidade. Procurarão reduzir ao mínimo as distorções do mercado, em especial a prestação de serviços a preços ou em termos ou condições que se afastem das condições comerciais normais, salvaguardando simultaneamente o interesse público.»

    9        O artigo 8.° da Directiva 2002/22, intitulado «Designação das empresas», determina:

    «1.      Os Estados‑Membros poderão designar uma ou mais empresas para garantir a prestação do serviço universal […]

    2.      Quando designarem as empresas com obrigações de serviço universal numa parte ou na totalidade do território nacional, os Estados‑Membros devem utilizar um mecanismo de designação eficaz, objectivo, transparente e não discriminatório, em que nenhuma empresa esteja a priori excluída da possibilidade de ser designada. Esses métodos de designação devem assegurar a oferta do serviço universal de modo economicamente eficiente e podem ser utilizados como meio para determinar o custo líquido da obrigação de serviço universal nos termos do artigo 12.°»

    10      O artigo 9.° da Directiva 2002/22, sob a epígrafe «Acessibilidade das tarifas», prevê:

    «1.      As autoridades reguladoras nacionais acompanharão a evolução e o nível das tarifas a retalho dos serviços identificados nos artigos 4.°, 5.°, 6.° e 7.° como fazendo parte das obrigações de serviço universal e prestados por empresas designadas, em especial no que diz respeito aos preços nacionais no consumidor e ao rendimento nacional.

    2.      Em função das condições nacionais, os Estados‑Membros podem exigir que as empresas designadas ofereçam aos consumidores opções ou pacotes tarifários diferentes dos oferecidos em condições comerciais normais, sobretudo com o intuito de assegurar que os consumidores com baixos rendimentos ou com necessidades sociais especiais não sejam impedidos de aceder ao serviço telefónico acessível ao público ou de o utilizar.

    [...]»

    11      O artigo 12.° da Directiva 2002/22, intitulado «Determinação dos custos das obrigações de serviço universal», estabelece, no n.° 1:

    «Sempre que as autoridades reguladoras nacionais considerem que a prestação do serviço universal tal como estabelecido nos artigos 3.° a 10.° pode constituir um encargo excessivo para as empresas designadas para prestar esse serviço, calcularão os custos líquidos da sua prestação.

    Para esse efeito, as autoridades reguladoras nacionais devem:

    a)      Calcular o custo líquido da obrigação de serviço universal, tendo em conta quaisquer vantagens de mercado adicionais de que beneficie a empresa designada para prestar o serviço universal, de acordo com a parte A do anexo IV; ou

    b)      Utilizar o custo líquido da prestação do serviço universal identificado por um mecanismo de designação nos termos do n.° 2 do artigo 8.°»

    12      Nos termos do artigo 13.° da Directiva 2002/22, sob a epígrafe «Financiamento das obrigações de serviço universal»:

    «1.      Quando, com base no cálculo do custo líquido referido no artigo 12.°, as autoridades reguladoras nacionais considerarem que uma empresa está sujeita a encargos excessivos, os Estados‑Membros devem, a pedido da empresa designada, decidir:

    a)      Introduzir um mecanismo para compensar essa empresa pelos custos líquidos apurados em condições de transparência e a partir de fundos públicos; e/ou

    b)      Repartir o custo líquido das obrigações de serviço universal pelos operadores de redes e serviços de comunicações electrónicas.

    [...]»

    13      O anexo IV, parte A, da Directiva 2002/22 descreve a forma como se deve calcular o custo líquido das obrigações de serviço universal nos seguintes termos:

    «[…]

    As autoridades reguladoras nacionais analisarão todos os meios para assegurar incentivos adequados, de modo que as empresas (designadas ou não) cumpram as obrigações de serviço universal de forma economicamente eficiente. O custo líquido das obrigações de serviço universal será calculado como a diferença entre os custos líquidos, para uma empresa designada, do funcionamento com as obrigações de serviço universal e do funcionamento sem essas obrigações. Isto aplica‑se quer a rede de um determinado Estado‑Membro esteja plenamente desenvolvida quer esteja ainda em fase de desenvolvimento e expansão. Há que ter em atenção a necessidade de avaliar correctamente os custos que qualquer empresa designada teria decidido evitar se não existisse qualquer obrigação de serviço universal. O cálculo do custo líquido deve ter em conta os benefícios, incluindo os benefícios não materiais, obtidos pelo operador do serviço universal.

    […]»

     Legislação nacional

    14      O artigo 74.° da Lei de 13 de Junho de 2005, conforme alterada pela Lei de 25 de Abril de 2007, tem a seguinte redacção:

    «A componente social do serviço universal consiste na oferta, pelos operadores que prestem um serviço telefónico público aos consumidores, de condições tarifárias especiais a algumas categorias de beneficiários.

    As categorias de beneficiários e as condições tarifárias referidas no parágrafo anterior, bem como os procedimentos com vista à obtenção dessas condições tarifárias, encontram‑se definidos em anexo.

    Compete ao Institut [belga dos serviços postais e das telecomunicações (a seguir ‘Institut’)] enviar todos os anos ao Ministro um relatório sobre as quotas dos operadores relativamente ao número total de assinantes sociais com referência às respectivas quotas de mercado com base no volume de negócios no mercado da telefonia pública.

    É instituído um fundo para o serviço universal em matéria de tarifas sociais encarregado de indemnizar os prestadores de tarifas sociais que, para esse efeito, apresentem um pedido ao Institut. Esse fundo é dotado de personalidade jurídica e é gerido pelo Institut.

    O Rei determinará, por despacho aprovado em Conselho de Ministros, após parecer do Institut, as regras de funcionamento desse mecanismo.

    Se o número de reduções de tarifas concedidas por um operador for inferior ao número de reduções de tarifas correspondente à sua quota do volume de negócios global do mercado da telefonia pública, esse operador fica obrigado a compensar essa diferença.

    Se o número de reduções de tarifas concedidas por um operador for superior ao número de reduções de tarifas correspondente à sua quota do volume de negócios global do mercado da telefonia pública, esse operador receberá uma indemnização de montante igual a essa diferença.

    As compensações referidas nos parágrafos anteriores são imediatamente devidas. A compensação efectiva a efectuar através do fundo só ocorrerá quando este estiver operacional ou, o mais tardar, no decurso do ano seguinte à entrada em vigor do presente artigo.

    O Institut, utilizando a metodologia definida no anexo, calculará, para cada operador que lhe tenha apresentado um pedido nesse sentido, o custo líquido das tarifas sociais.

    O Institut pode determinar as modalidades de cálculo dos custos e das compensações dentro dos limites estabelecidos na presente lei e no seu anexo.»

    15      O artigo 45.° bis do anexo da Lei de 13 de Junho de 2005, aditado pelo artigo 200.° da Lei de 25 de Abril de 2007, define a metodologia a utilizar no cálculo do custo líquido das tarifas sociais. O referido artigo 45.° bis determina:

    «O custo líquido das tarifas sociais do serviço universal corresponde à diferença entre as receitas que o prestador das tarifas sociais obteria em condições comerciais normais e aquelas que recebe na sequência das reduções previstas na presente lei a favor dos beneficiários das tarifas sociais.

    Nos cinco primeiros anos após a entrada em vigor da lei, a compensação, quando devida, do prestador histórico das tarifas sociais sofrerá uma redução que o Institut fixará em termos de percentagem.

    A percentagem em causa no parágrafo anterior é determinada com base no benefício indirecto. O Institut basear‑se‑á nos cálculos que efectuou ao determinar os custos líquidos do prestador histórico das tarifas sociais.»

    16      Nos termos do artigo 202.° da Lei de 25 de Abril de 2007:

    «A expressão ‘As compensações referidas nos parágrafos anteriores são imediatamente devidas’, constante do artigo 74.°, último parágrafo, da Lei de 13 de Junho de 2005 […], deve ser interpretada do seguinte modo:

    Durante a preparação da Lei de 13 de Junho de 2005 [...], dadas as condições definidas na [D]irectiva [2002/22] e na sequência de um pedido nesse sentido do operador histórico do serviço universal e depois da fixação do custo líquido desse serviço pelo Institut, o legislador procedeu, na qualidade de autoridade reguladora nacional, a uma avaliação da razoabilidade dos encargos. A este propósito, o legislador, como de resto o Conseil d’État já havia observado, considerou que, uma vez que se deve tomar em consideração qualquer benefício indirecto, mesmo os imateriais, que possa decorrer dessa prestação, toda a situação deficitária revelada por esse cálculo é, efectivamente, irrazoável.»

     Litígio no processo principal e questão prejudicial

    17      A Base e o. são empresas activas no sector das telecomunicações, que podem oferecer o serviço universal em matéria de telecomunicações.

    18      Em 6 de Novembro de 2007, interpuseram um recurso no Grondwettelijk Hof (Tribunal Constitucional) que tem por objecto a anulação dos artigos 173.°, terceiro e quarto parágrafos, 200.°, 202.° e 203.° da Lei de 25 de Abril de 2007. Sustentam que essas disposições, que definem as regras de apreciação do carácter injustificado do encargo resultante das obrigações de serviço universal, em especial da oferta de tarifas sociais, são contrárias ao princípio constitucional da não discriminação. Com efeito, essas normas legais colocam a Belgacom NV, que era a única a oferecer o serviço universal antes da entrada em vigor da Lei de 13 de Junho de 2005, numa situação de vantagem relativamente à da Base e o., pois o legislador considerou, por princípio, que a oferta do serviço universal representava para a Belgacom NV um «encargo injustificado», enquanto, para elas, a existência desse encargo devia ser verificado e podia ser, no futuro, objecto de revisão pelo Institut. Defendem ainda que, para efeitos da determinação do custo líquido da obrigação de serviço universal relativamente à Belgacom NV, o legislador se baseou nos dados contabilísticos de 2001, enquanto, em relação às recorrentes, se baseia em dados actuais.

    19      Por considerar que a interpretação do artigo 12.° da Directiva 2002/22 era necessária para se poder pronunciar sobre o recurso que lhe foi submetido, o Grondwettelijk Hof decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «O artigo 12.° da Directiva 2002/22[…] pode ser interpretado no sentido de que permite ao legislador competente de um Estado‑Membro, que age na qualidade de autoridade reguladora nacional, estabelecer, em termos gerais e com base na determinação do custo líquido do operador do serviço universal que foi no passado o único [prestador desse serviço], que a prestação do serviço universal pode constituir um encargo [injustificado] para as empresas designadas para prestar esse serviço?»

     Quanto à questão prejudicial

    20      A título preliminar, observe‑se que a questão submetida abrange dois aspectos. Por um lado, pretende saber se o artigo 12.° da Directiva 2002/22, na medida em que atribui às autoridades reguladoras nacionais a missão de apreciar se o fornecimento do serviço universal pode constituir um encargo injustificado para as empresas designadas para o efeito, se opõe a que essa apreciação seja formalmente efectuada pelo legislador nacional. Por outro, tem por objectivo saber se o referido artigo 12.° se opõe a que essa apreciação seja efectuada, no plano material, em termos gerais para todas as empresas e com referência aos custos líquidos do fornecedor exclusivo do serviço universal que anteriormente era o operador histórico.

    21      O Tribunal de Justiça deve examinar separadamente estes dois aspectos da questão.

     No que respeita à intervenção do legislador nacional na qualidade de autoridade reguladora nacional

    22      O artigo 2.°, alínea g), da directiva‑quadro define a autoridade reguladora nacional como sendo o organismo ou organismos encarregados por um Estado‑Membro de desempenhar as funções de regulação previstas nessa directiva e nas directivas específicas. Esta definição, por força do disposto no artigo 2.°, primeiro parágrafo, da Directiva 2002/22, é aplicável para efeitos deste diploma, que é uma das directivas específicas a que se refere o artigo 2.°, alínea g), da directiva‑quadro.

    23      Nem a directiva‑quadro nem a Directiva 2002/22 designam os organismos dos Estados‑Membros a quem estes devem confiar a missão de regulamentação atribuída à referida autoridade.

    24      A este propósito, recorde‑se que decorre do artigo 249.° CE que os Estados‑Membros, aquando da transposição de uma directiva, têm a obrigação de assegurar a sua plena eficácia, ao mesmo tempo que dispõem de uma ampla margem de apreciação quanto à escolha dos meios (v., designadamente, acórdão de 9 de Novembro de 2006, Comissão/Irlanda, C‑216/05, Colect., p. I‑10787, n.° 26).

    25      Além disso, há que recordar que a liberdade de escolha das vias e dos meios destinados a garantir a aplicação de uma directiva deixa intacta a obrigação de cada um dos Estados‑Membros destinatários adoptar todas as medidas necessárias para assegurar a plena eficácia da directiva em causa, em conformidade com o objectivo por ela prosseguido (v., designadamente, acórdão de 15 de Abril de 2008, Impact, C‑268/06, Colect., p. I‑2483, n.° 40).

    26      Embora, nestas condições, os Estados‑Membros gozem de uma autonomia institucional na organização e estruturação das suas autoridades reguladoras, na acepção do artigo 2.°, alínea g), da directiva‑quadro, só a podem exercer respeitando integralmente os objectivos e as obrigações definidos nessa directiva (acórdão de 6 de Março de 2008, Comisión del Mercado de las Telecomunicaciones, C‑82/07, Colect., p. I‑1265, n.° 24).

    27      Assim, um Estado‑Membro só pode confiar ao legislador nacional as tarefas que, por força da directiva‑quadro e da Directiva 2002/22, incumbem às autoridades reguladoras nacionais se o órgão legislativo, no desempenho dessas funções, satisfizer os requisitos de organização e de funcionamento a que essas directivas submetem essas autoridades.

    28      A este respeito, resulta do décimo primeiro considerando da directiva‑quadro que, de acordo com o princípio da separação das funções de regulação e operacional, os Estados‑Membros devem garantir a independência da autoridade ou autoridades reguladoras nacionais, com vista a garantir a imparcialidade das suas decisões, e que estas devem dispor de todos os recursos necessários em termos de pessoal, competências e meios financeiros para o desempenho das suas funções.

    29      É assim que, nos termos do disposto no artigo 3.° da directiva‑quadro, os Estados‑Membros deverão, nomeadamente, assegurar que cada uma das funções atribuídas às autoridades reguladoras nacionais seja desempenhada por um organismo competente, garantir a independência dessas autoridades, providenciando para que sejam juridicamente distintas e funcionalmente independentes de todas as organizações que asseguram a oferta de redes, equipamentos ou serviços de comunicações electrónicas, e assegurar que essas autoridades exercem as suas competências com imparcialidade e transparência. Além disso, nos termos do artigo 4.° do mesmo diploma, as decisões dessas autoridades devem poder ser objecto de recurso efectivo para um organismo independente das partes envolvidas.

    30      Por conseguinte, conclui‑se que a Directiva 2002/22 não se opõe, em princípio e por si só, a que o legislador nacional intervenha na qualidade de autoridade reguladora nacional, na acepção da directiva‑quadro, desde que, no exercício dessa função, cumpra os requisitos de competência, independência, imparcialidade e transparência definidos nas referidas directivas e que as decisões que tome no exercício dessa função possam ser objecto de recurso efectivo para um organismo independente das partes envolvidas.

    31      Cabe ao Grondwettelijk Hof verificar se o legislador belga, quando intervém no domínio dos serviços de comunicações electrónicas na qualidade de autoridade reguladora nacional, pode ser considerado uma autoridade reguladora nacional que cumpre o conjunto dos requisitos definidos na directiva‑quadro e na Directiva 2002/22.

     No que respeita às regras da apreciação, pela autoridade reguladora nacional, do carácter injustificado do encargo que pode representar o fornecimento do serviço universal

    32      Recorde‑se que a Directiva 2002/22 tem por objectivo criar um quadro regulamentar harmonizado que garanta, no sector das comunicações electrónicas, o fornecimento de um serviço universal, ou seja, de um conjunto mínimo de serviços específicos a todos os utilizadores finais a um preço acessível. Nos termos do seu artigo 1.°, n.° 1, um dos objectivos desse diploma é o de garantir a disponibilidade, em toda a Comunidade Europeia, de serviços de boa qualidade acessíveis ao público, através de uma concorrência e de uma possibilidade de escolha efectivas (acórdão de 19 de Junho de 2008, Comissão/França, C‑220/07, Colect., p. I‑95, n.° 28).

    33      Nos termos do artigo 3.°, n.° 2, da referida directiva, os Estados‑Membros determinarão a abordagem mais eficiente e adequada para assegurar a realização do serviço universal, respeitando os princípios da objectividade, da transparência, da não discriminação e da proporcionalidade, e procurarão reduzir ao mínimo as distorções do mercado, salvaguardando simultaneamente o interesse público (acórdão Comissão/França, já referido, n.° 29).

    34      Como enuncia o quarto considerando da Directiva 2002/22, o facto de garantir um serviço universal pode implicar a oferta de alguns serviços a alguns utilizadores finais a preços que se afastam das condições normais do mercado. Foi por isso que, como decorre do décimo oitavo considerando da mesma directiva, o legislador comunitário previu que os Estados‑Membros podem, sempre que necessário, estabelecer mecanismos de financiamento do custo líquido das obrigações de serviço universal, nos casos em que se demonstre que essas obrigações só podem ser asseguradas com prejuízo ou com um custo líquido que ultrapassa os padrões comerciais normais.

    35      Assim, em conformidade com o disposto no artigo 12.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Directiva 2002/22, as autoridades reguladoras nacionais, sempre que considerem que a prestação do serviço universal, tal como definida nos artigos 3.° a 10.°, pode constituir um encargo injustificado para as empresas designadas para o prestarem, devem calcular o custo líquido dessa prestação.

    36      Observe‑se que, apesar de as disposições do segundo parágrafo do artigo 12.°, n.° 1, e do anexo IV da Directiva 2002/22 definirem as regras segundo as quais deve ser calculado o custo líquido do fornecimento do serviço universal quando as autoridades reguladoras nacionais considerem que esse fornecimento pode constituir um encargo injustificado, não resulta do referido artigo 12.°, n.° 1, nem de qualquer outra disposição desta directiva que o legislador comunitário pretendeu definir as condições em que as ditas autoridades são induzidas a considerar, previamente, que esse fornecimento pode constituir esse encargo injustificado.

    37      Em contrapartida, resulta do disposto no artigo 13.° da Directiva 2002/22 que é apenas com base no cálculo do custo líquido do fornecimento do serviço universal, conforme definido no artigo 12.° desse diploma, que as autoridades reguladoras nacionais podem declarar que uma empresa designada fornecedora do serviço universal está efectivamente sujeita a um encargo injustificado, devendo então os Estados‑Membros decidir, a pedido dessa empresa, as modalidades de indemnização em função desses custos.

    38      Em face destas considerações, embora, no plano formal, o órgão jurisdicional de reenvio tenha limitado a sua questão à interpretação do artigo 12.° da Directiva 2002/22, cabe recordar que tal circunstância não obsta a que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos de interpretação do direito da União que possam ser úteis para a decisão do processo que lhe está submetido, quer tal órgão lhes tenha ou não feito referência no enunciado da sua questão (v., designadamente, acórdão de 8 de Novembro de 2007, ING. AUER, C‑251/06, Colect., p. I‑9689, n.° 38 e jurisprudência aí referida).

    39      Assim, tendo em conta o litígio apresentado ao Grondwettelijk Hof no âmbito do recurso que lhe foi submetido, há que examinar se o artigo 13.° da Directiva 2002/22 se opõe às regras através das quais um legislador nacional como o legislador belga, que age na qualidade de autoridade reguladora nacional, concluiu que o fornecimento do serviço universal constituía um encargo injustificado.

    40      Nesta perspectiva, sublinhe‑se que, nos termos do disposto no artigo 12.°, n.° 1, segundo parágrafo, alínea a), da Directiva 2002/22 e do seu anexo IV, o cálculo do custo líquido deve ser efectuado relativamente a cada uma das empresas designadas para fornecer o serviço universal.

    41      Por outro lado, uma vez que a conclusão de que o fornecimento do serviço universal representa um encargo injustificado para uma ou mais dessas empresas constitui o pressuposto necessário para a aprovação, pelos Estados‑Membros, de mecanismos de indemnização em razão dos custos suportados por essa ou essas empresas, importa determinar o que se deve entender por «encargo injustificado», já que esse conceito não se encontra definido na Directiva 2002/22.

    42      A este propósito, resulta do vigésimo primeiro considerando da Directiva 2002/22 que o legislador comunitário pretendeu associar os mecanismos de cobertura dos custos líquidos que o fornecimento do serviço universal pode gerar para uma empresa à existência de um encargo excessivo para essa empresa. Neste contexto, ao considerar que o custo líquido do serviço universal não representa necessariamente um encargo excessivo para todas as empresas em causa, decidiu excluir que os custos líquidos de fornecimento do serviço universal dêem automaticamente direito à indemnização. Nestas condições, o encargo injustificado cuja existência deve ser declarada pela autoridade reguladora nacional antes de qualquer indemnização é o encargo que, para cada empresa em causa, tem um carácter excessivo na perspectiva da sua capacidade para o suportar, tendo em conta o conjunto das suas características especificas, designadamente o nível dos seus equipamentos, a sua situação económica e financeira e a sua quota de mercado.

    43      Embora, por nada ser dito na Directiva 2002/22 a este respeito, caiba à autoridade reguladora nacional fixar, de modo geral e abstracto, os critérios que permitem determinar os limiares a partir dos quais, tendo em conta as características indicadas no número anterior, um encargo pode ser considerado excessivo, também é verdade que a referida autoridade só pode declarar que o encargo representado pelo fornecimento do serviço universal é injustificado, por força da aplicação do artigo 13.° desta directiva, se proceder ao exame específico da situação de cada empresa em causa à luz desses critérios.

    44      Se a autoridade reguladora nacional concluir que uma ou mais empresas designadas fornecedores do serviço universal estão sujeitas a um encargo injustificado e se essa ou essas empresas pedirem para ser indemnizadas, cabe então ao Estado‑Membro pôr em prática os mecanismos necessários para o efeito, em conformidade com o disposto no artigo 13.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2002/22, do qual resulta também que essa indemnização se deve basear nos custos líquidos tal como foram calculados ao abrigo do disposto no artigo 12.° desse diploma.

    45      Resulta de tudo o que precede que os Estados‑Membros não podem, sem violar as obrigações decorrentes da Directiva 2002/22, declarar que o fornecimento do serviço universal constitui efectivamente um encargo injustificado passível de ser indemnizado sem ter calculado o custo líquido que esse encargo representa para cada empresa a quem incumbe esse fornecimento nem apreciado se esse custo constitui um encargo excessivo para a referida empresa. Também não podem aprovar um regime de indemnizações em que estas não tenham nenhuma relação com o referido custo líquido.

    46      Resulta do artigo 74.° da Lei de 13 de Junho de 2005, conforme interpretado pela Lei de 25 de Abril de 2007, que, para concluir que o fornecimento da componente social do serviço universal representa um encargo injustificado, o legislador belga considerou que, na medida em que se atendeu, no cálculo do custo líquido desse serviço, a todos os benefícios indirectos, mesmo os imateriais, que podem decorrer dessa prestação, «toda a situação deficitária revelada por esse cálculo é […] irrazoável». Resulta do mesmo artigo 74.° que o dito legislador decidiu que, se o número de reduções de tarifas concedidas por um operador for superior ao número de reduções de tarifas correspondente à sua quota do volume de negócios global do mercado da telefonia pública, esse operador deverá receber uma indemnização cujo montante será fixado em função dessa diferença.

    47      Para se pronunciar assim, em 2005, sobre o carácter injustificado do encargo que representa o fornecimento de tarifas sociais a título do serviço universal, o legislador belga fundou‑se num parecer de 2002 do Institut sobre os custos suportados pelo operador histórico – Belgacom NV – e relativo a estimativas para 2003.

    48      Como resulta da conclusão constante do n.° 36 do presente acórdão, nada obsta a que a autoridade reguladora nacional, a partir do momento em que a legislação passou a obrigar todos os operadores de telecomunicações a propor tarifas sociais, considere, com base nos referidos dados, que o custo do fornecimento do serviço universal «pode» representar um encargo injustificado, na acepção do artigo 12.° da Directiva 2002/22.

    49      Ao invés, as regras de determinação do encargo injustificado que concedem direito a uma indemnização previstas numa lei como a em causa no processo principal não estão em conformidade com as exigências enunciadas no artigo 13.° da Directiva 2002/22.

    50      Com efeito, em primeiro lugar, ao considerar que todas as situações deficitárias reveladas pelo cálculo do custo líquido são «encargos irrazoáveis», uma autoridade reguladora nacional como, no quadro do processo principal, o legislador belga concede, sem mais, um direito à indemnização a favor dos operadores cujos custos líquidos suportados devido às obrigações de serviço universal a que estão sujeitos não representam, contudo, um encargo excessivo, quando decorre do n.° 42 do presente acórdão que, embora uma situação deficitária seja um encargo, não é necessariamente um encargo excessivo para todo o operador.

    51      Em segundo lugar, a apreciação desse carácter excessivo do encargo ligado ao fornecimento do serviço universal pressupõe um exame específico tanto do custo líquido que esse fornecimento representa para cada operador em causa como do conjunto das características específicas desses operadores, tais como o nível dos seus equipamentos, a sua situação económica e financeira e a sua quota de mercado, como decorre dos n.os 40 e 42 do presente acórdão. Porém, dos elementos dos autos submetidos a este Tribunal não resulta que o legislador nacional atendeu, no presente caso, ao conjunto dessas características quando chegou à conclusão de que o fornecimento do serviço universal representa um encargo injustificado.

    52      Em terceiro lugar, ao determinar que todos os custos suportados devido ao número de reduções de tarifas concedidas por um operador exceder proporcionalmente a sua quota de mercado devem ser automaticamente indemnizados, uma lei tal como a Lei de 13 de Junho de 2005 institui um mecanismo que conduz a uma indemnização não relacionada com o custo líquido do fornecimento do serviço universal, como for calculado nas condições evocadas no n.° 40 do presente acórdão.

    53      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida nos seguintes termos:

    –        a Directiva 2002/22 não se opõe, em princípio e por si só, a que o legislador nacional intervenha na qualidade de autoridade reguladora nacional, na acepção da directiva‑quadro, desde que, no exercício dessa função, cumpra os requisitos de competência, independência, imparcialidade e transparência definidos nas referidas directivas e que as decisões que tome no exercício dessa função possam ser objecto de recurso efectivo para um organismo independente das partes envolvidas, cabendo ao Grondwettelijk Hof efectuar essa verificação;

    –        o artigo 12.° da Directiva 2002/22 não se opõe a que a autoridade reguladora nacional considere em termos gerais e com base no cálculo dos custos líquidos do fornecedor do serviço universal que anteriormente era o seu único fornecedor que o fornecimento desse serviço pode constituir um encargo injustificado para as empresas que passaram a ser designadas fornecedoras do serviço universal; e

    –        o artigo 13.° da Directiva 2002/22 opõe‑se a que a referida autoridade considere, da mesma forma e com base no mesmo cálculo, que essas empresas estão efectivamente sujeitas a um encargo injustificado devido a esse fornecimento, sem previamente proceder a um exame específico da situação de cada uma.

     Quanto às despesas

    54      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

    1)      A Directiva 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva serviço universal), não se opõe, em princípio e por si só, a que o legislador nacional intervenha na qualidade de autoridade reguladora nacional, na acepção da Directiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva‑quadro), desde que, no exercício dessa função, cumpra os requisitos de competência, independência, imparcialidade e transparência definidos nas referidas directivas e que as decisões que tome no exercício dessa função possam ser objecto de recurso efectivo para um organismo independente das partes envolvidas, cabendo ao Grondwettelijk Hof efectuar essa verificação.

    2)      O artigo 12.° da Directiva 2002/22 não se opõe a que a autoridade reguladora nacional considere em termos gerais e com base no cálculo dos custos líquidos do fornecedor do serviço universal que anteriormente era o seu único fornecedor que o fornecimento desse serviço pode constituir um encargo injustificado para as empresas que passaram a ser designadas fornecedoras do serviço universal.

    3)      O artigo 13.° da Directiva 2002/22 opõe‑se a que a referida autoridade considere, da mesma forma e com base no mesmo cálculo, que essas empresas estão efectivamente sujeitas a um encargo injustificado devido a esse fornecimento, sem previamente proceder a um exame específico da situação de cada uma.

    Assinaturas


    * Língua do processo: neerlandês.

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