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Document 62007TJ0138

Acórdão do Tribunal Geral (Oitava Secção) de 13 de Julho de 2011.
Schindler Holding Ltd e outros contra Comissão Europeia.
Concorrência - Acordos, decisões e práticas concertadas - Mercado de instalação e manutenção de elevadores e escadas rolantes - Decisão que declara uma infracção ao artigo 81.º CE - Manipulação dos concursos públicos - Repartição dos mercados - Fixação dos preços.
Processo T-138/07.

Colectânea de Jurisprudência 2011 II-04819

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2011:362

Processo T‑138/07

Schindler Holding Ltd e o.

contra

Comissão Europeia

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Mercado da instalação e manutenção de elevadores e escadas rolantes – Decisão que declara uma infracção ao artigo 81.° CE – Manipulação dos concursos públicos – Repartição dos mercados – Fixação dos preços»

Sumário do acórdão

1.      Concorrência – Procedimento administrativo – Direito a um processo equitativo – Inaplicabilidade do artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem

(Artigo 81.° CE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 47.°)

2.      Concorrência – Procedimento administrativo – Decisão da Comissão que declara uma infracção e aplica coimas – Carácter penal – Inexistência

(Artigos 81.° CE e 229.° CE; Regulamento n.° 1/2003, artigos 23.°, n.° 5, e 31.°)

3.      Concorrência – Procedimento administrativo – Decisão da Comissão que declara a existência de uma infracção – Utilização de declarações de outras empresas que participaram na infracção como meio de prova – Admissibilidade – Requisitos

(Artigos 81.° CE e 82.° CE)

4.      Actos das instituições – Notificação – Irregularidades – Efeitos – Suspensão do prazo para interposição de recurso

(Artigos 230.°, quinto parágrafo, CE, e 254.°, n.° 3, CE)

5.      Concorrência – Regras da União – Infracções – Imputação – Sociedade‑mãe e filiais – Unidade económica – Critérios de apreciação – Presunção de influência determinante exercida pela sociedade‑mãe sobre as filiais detidas a 100% por esta

(Artigo 81.° CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2)

6.      Concorrência – Regras da União – Infracções – Imputação – Sociedade‑mãe e filiais – Presunção de influência determinante exercida pela sociedade‑mãe sobre as filiais detidas a 100% por esta

(Artigo 81.° CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2)

7.      Direito da União – Princípios gerais de direito – Segurança jurídica – Legalidade das penas – Alcance

8.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Poder de apreciação conferido à Comissão pelo artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 – Violação do princípio da legalidade das penas – Inexistência – Carácter previsível das alterações introduzidas pelas Orientações

(Artigo 229.° CE; Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigos 23.°, n.° 2, e 31.°; Comunicações da Comissão 98/C 9/03 e 2002/C 45/03)

9.      Concorrência – Regras da União – Infracções – Coimas – Determinação – Critérios – Aumento do nível geral das coimas

(Regulamentos n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 2)

10.    Concorrência – Coimas – Competência própria da Comissão que decorre do Tratado

[Artigos 81.° CE, 82.° CE, 83.°, n.os 1 e 2, alíneas a) e d), CE, 202.°, terceiro travessão, CE e 211.°, primeiro travessão, CE; Regulamentos do Conselho n.° 17 e n.° 1/2003)

11.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Aplicação das Orientações para o cálculo das coimas – Violação do princípio da não retroactividade das leis penais – Inexistência

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

12.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Aplicação das Orientações para o cálculo das coimas – Admissibilidade – Violação dos princípios da protecção da confiança legítima, da transparência e da previsibilidade – Inexistência

(Comunicação 1998/C 9/03 da Comissão)

13.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Aplicação da comunicação sobre a cooperação – Violação dos princípios da não retroactividade e da protecção da confiança legítima – Inexistência

(Comunicação 2002/C 45/03 da Comissão)

14.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Não aplicação ou redução da coima em contrapartida da cooperação da empresa acusada – Violação do direito de não contribuir para a sua própria incriminação e dos princípios da presunção de inocência e da proporcionalidade – Inexistência – Ultrapassagem do poder de apreciação da Comissão na adopção da comunicação sobre a cooperação – Inexistência

(Artigo 81.° CE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 48.°; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigos 18.° a 21.° e 23.°; Comunicação 2002/C 45/03 da Comissão, pontos 11 e 23)

15.    Direito da União – Princípios – Direitos fundamentais – Direito de propriedade – Restrições – Admissibilidade

(Artigos 81.° CE, 82.° CE e 295.° CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2)

16.    Concorrência – Coimas – Orientações para o cálculo das coimas – Natureza jurídica

(Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

17.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Obrigação de ter em consideração o impacto concreto no mercado – Inexistência – Papel preponderante do critério relativo à natureza da infracção

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 1 A)

18.    Concorrência – Coimas – Decisão que aplica coimas – Dever de fundamentação – Alcance

(Artigo 253.° CE; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

19.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Obrigação de ter em consideração a dimensão do mercado – Inexistência

(Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 1 A, segundo parágrafo, terceiro travessão)

20.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Tomada em consideração da capacidade económica efectiva da empresa para causar um prejuízo – Obrigação de fixar o montante da coima de modo proporcional à dimensão da empresa – Inexistência – Fixação do montante da coima em função da repartição dos membros do acordo por categorias – Requisitos – Fiscalização jurisdicional

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 1 A)

21.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Circunstâncias atenuantes – Cessação da infracção anteriormente à intervenção da Comissão – Caso de uma infracção grave – Exclusão

(Artigo 81.° CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 3, terceiro travessão)

22.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Circunstâncias atenuantes – Obrigação da Comissão de ter em conta um programa de conformidade da empresa em causa com as regras de concorrência – Inexistência

(Artigo 81.° CE; Regulamento n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

23.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Redução do montante da coima em contrapartida da cooperação da empresa acusada

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 2002/C 45/03 da Comissão)

24.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Atitude da empresa durante o procedimento administrativo – Apreciação do grau da cooperação de cada uma das empresas participantes no acordo

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 2002/C 45/03 da Comissão)

25.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Margem de apreciação reservada à Comissão – Limites – Respeito do princípio da proporcionalidade – Requisitos

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2)

1.      O princípio nos termos do qual qualquer pessoa tem direito a um processo equitativo é um princípio geral de direito da União, reafirmado pelo artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e garantido pelo artigo 6.° da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Este princípio inspira‑se nos direitos fundamentais que fazem parte integrante dos princípios gerais de direito da União, cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça, inspirando‑se nas tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros bem como nas indicações fornecidas, nomeadamente, pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Embora, ao adoptar uma interpretação autónoma do conceito de «acusação em matéria penal», os órgãos da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais tenham laçado as bases de um alargamento progressivo da aplicação da vertente penal do artigo 6.° a domínios que não se integram formalmente nas categorias tradicionais do direito penal, tais como as sanções pecuniárias aplicadas por violação do direito da concorrência, no entanto, quanto às categorias que não fazem parte do núcleo duro do direito penal, as garantias proporcionadas pela vertente penal desta disposição não devem necessariamente aplicar‑se em todo o seu rigor.

(cf. n.os 51‑52)

2.      As decisões da Comissão que aplicam coimas pela violação do direito da concorrência não têm natureza penal. Assim, um procedimento em cujo âmbito a Comissão adopta uma decisão que declara uma infracção e aplica coimas que pode depois ser submetido ao controlo dos órgãos jurisdicionais da União preenche os requisitos do artigo 6.°, n.° 1, da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Embora seja verdade que a Comissão não é um tribunal na acepção do artigo 6.° desta Convenção, deve, no entanto, respeitar os princípios gerais de direito da União no decurso do procedimento administrativo.

Além disso, o controlo exercido pelo juiz da União sobre as decisões da Comissão garante que são cumpridos os requisitos de um processo equitativo, tal como consagrado pelo artigo 6.°, n.° 1, da referida Convenção. A este respeito, é necessário que a empresa em causa possa submeter qualquer decisão que lhe seja aplicada a um órgão jurisdicional de plena jurisdição, que tenha designadamente o poder de rever a decisão adoptada em todos os âmbitos, tanto de facto como de direito. Ora, quando o juiz da União controla a legalidade de uma decisão que declara uma infracção ao artigo 81.° CE, pode ser chamado pelos recorrentes a proceder a uma análise exaustiva tanto da verificação material dos factos como da sua apreciação jurídica pela Comissão. Além disso, no que respeita às coimas, goza de competência de plena jurisdição por força do artigo 229.° CE e do artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003.

(cf. n.os 53‑56)

3.      Nenhuma disposição nem nenhum princípio geral de direito da União proíbe a Comissão de invocar contra uma empresa declarações de outras empresas. Se não fosse assim, o ónus da prova de comportamentos contrários aos artigos 81.° CE e 82.° CE, que incumbe à Comissão, seria insustentável e incompatível com a missão de vigilância da boa aplicação dessas disposições que lhe é atribuída pelo Tratado. Todavia, a declaração de uma empresa acusada de ter participado num acordo, cuja exactidão é contestada por várias empresas incriminadas, não pode ser considerada prova suficiente dos factos em causa sem ser apoiada por outros elementos de prova.

(cf. n.° 57)

4.      As irregularidades no processo de notificação de uma decisão são alheias ao acto e, portanto, não podem afectá‑lo. Estas irregularidades podem apenas, em certas circunstâncias, impedir o início da contagem do prazo referido no artigo 230.°, quinto parágrafo, CE, para interposição de recurso. Não é esse o caso quando a recorrente teve incontestavelmente conhecimento do conteúdo da decisão impugnada e fez uso do seu direito de recurso no prazo referido neste artigo.

(cf. n.° 61)

5.      O comportamento de uma filial pode ser imputado à sociedade‑mãe, designadamente quando, apesar de ter personalidade jurídica distinta, essa filial não determinar de forma autónoma o seu comportamento no mercado, mas aplicar no essencial as instruções que lhe são dadas pela sociedade‑mãe, atendendo em particular aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem essas duas entidades jurídicas. Com efeito, nessa situação, a sociedade‑mãe e a sua filial fazem parte de uma mesma unidade económica e, portanto, formam uma única empresa. Assim, o facto de uma sociedade‑mãe e a sua filial constituírem uma única empresa na acepção do artigo 81.° CE permite à Comissão dirigir à sociedade‑mãe uma decisão que aplica coimas, sem que seja necessário demonstrar a implicação pessoal desta última na infracção.

No caso especial de uma sociedade‑mãe deter 100% do capital da sua filial que cometeu uma infracção às regras de concorrência da União, por um lado, essa sociedade‑mãe pode exercer uma influência determinante no comportamento dessa filial, e, por outro, existe uma presunção ilidível segundo a qual a referida sociedade‑mãe exerce efectivamente uma influência determinante no comportamento da sua filial.

Nestas condições, basta que a Comissão prove que a totalidade do capital de uma filial é detida pela respectiva sociedade‑mãe para se presumir que esta exerce uma influência determinante na política comercial dessa filial. A Comissão pode, em seguida, considerar que a sociedade‑mãe é solidariamente responsável pelo pagamento da coima aplicada à sua filial, a menos que essa sociedade‑mãe, a quem incumbe ilidir a referida presunção, apresente elementos de prova suficientes, susceptíveis de demonstrar que a sua filial se comporta de forma autónoma no mercado.

(cf. n.os 69‑72, 82)

6.      No caso especial de uma sociedade‑mãe deter 100% do capital da sua filial que cometeu uma infracção às regras da concorrência da União, a imputação do comportamento ilícito de uma filial à sua sociedade‑mãe não necessita da prova de que a sociedade‑mãe influencia a política da sua filial no domínio específico que foi objecto da infracção. Em contrapartida, os vínculos organizacionais, económicos e jurídicos existentes entre a sociedade‑mãe e a sua filial podem demonstrar a existência de uma influência da primeira sobre a estratégia da segunda e, logo, justificar que sejam consideradas uma só entidade económica. Assim, se a Comissão provar que a totalidade do capital de uma filial é detida pela sua sociedade‑mãe, pode responsabilizar solidariamente a sociedade‑mãe pelo pagamento da coima aplicada à sua filial, excepto se a sociedade‑mãe provar que a sua filial se comporta de maneira autónoma no mercado. Com efeito, não é uma relação de instigação entre a sociedade‑mãe e a sua filial relativamente à infracção nem, por maioria de razão, uma implicação da primeira na referida infracção, mas o facto de constituírem uma única empresa na acepção do artigo 81.° CE que permite à Comissão dirigir uma decisão que impõe coimas à sociedade‑mãe de um grupo de sociedades.

A circunstância de a sociedade‑mãe não ter dado às suas filiais instruções que permitissem ou encorajassem contactos contrários ao artigo 81.° CE e não ter tido conhecimento de tais contactos, não constitui um elemento susceptível de provar a autonomia das referidas filiais. O facto de as filiais terem participado em infracções distintas, de natureza diferente, em quatro países diferentes, também não pode ilidir a presunção de responsabilidade uma vez que a Comissão não se baseou num possível paralelismo entre as infracções verificadas para imputar à sociedade‑mãe o comportamento das suas filiais. Do mesmo modo, o facto de a sociedade‑mãe ter adoptado um código de conduta destinado a impedir as violações, pelas suas filiais, do direito da concorrência e das orientações relativas ao mesmo, por um lado, não altera nada à realidade da infracção verificada em relação à mesma e, por outro, não permite demonstrar que as referidas filiais determinavam de maneira autónoma a sua política comercial. Pelo contrário, a aplicação do referido código de conduta sugere antes um controlo efectivo pela sociedade‑mãe da política comercial das suas filiais.

(cf. n.os 82, 85, 87‑88)

7.      O princípio da legalidade das penas é um corolário do princípio da segurança jurídica, o qual constitui um princípio geral do direito da União que exige, designadamente, que qualquer regulamentação comunitária, especialmente quando esta aplica ou permite aplicar sanções, seja clara e precisa, a fim de que os interessados possam conhecer, sem ambiguidade, os direitos e obrigações dela resultantes e agir em conformidade.

O princípio da legalidade das penas, que faz parte dos princípios gerais de direito da União na base das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, foi igualmente consagrado por vários tratados internacionais, designadamente no artigo 7.° da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

Este princípio exige que a lei defina claramente as infracções e as penas que as punem. Esta condição está preenchida quando o sujeito de direito pode saber, a partir da redacção da disposição pertinente e, se necessário, com a ajuda da interpretação que dela é feita pelos tribunais, que actos e omissões accionam a sua responsabilidade penal. Além disso, segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a clareza da lei é apreciada não só na perspectiva da disposição pertinente mas também na das precisões efectuadas por jurisprudência constante e publicada.

Este princípio impõe‑se tanto às normas de natureza penal como aos instrumentos administrativos específicos que impõem ou permitem impor sanções administrativas. Aplica‑se não só às normas que estabelecem os elementos constitutivos de uma infracção, mas também às que definem as consequências que decorrem de uma infracção às primeiras.

O artigo 7.°, n.° 1, da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais não exige que os termos das disposições por força das quais essas sanções são aplicadas sejam a tal ponto precisos que as consequências que podem decorrer da infracção a essas disposições sejam previsíveis com uma certeza absoluta. Com efeito, segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o facto de uma lei conferir um poder de apreciação não colide, em si, com a exigência de previsibilidade, desde que o alcance e as modalidades de exercício desse poder estejam definidos com uma clareza suficiente, tendo em conta o objectivo legítimo em jogo, para proporcionar ao indivíduo uma protecção adequada contra a arbitrariedade. A este propósito, além do texto da própria lei, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem em conta a questão de saber se os conceitos indeterminados utilizados foram precisados em jurisprudência assente e publicada.

(cf. n.os 95‑97, 99)

8.      No que respeita à legalidade do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 face ao princípio da legalidade das penas, o legislador da União não atribuiu à Comissão uma margem de apreciação excessiva ou arbitrária para a fixação das coimas por infracção às regras da concorrência.

Com efeito, em primeiro lugar, esta disposição limita o exercício da referida margem de apreciação ao estabelecer critérios objectivos que a Comissão deve ter em conta. A este respeito, por um lado, recorde‑se que o montante da coima que pode ser aplicada conhece um limite quantificável e absoluto, calculado em função de cada empresa, para cada infracção, pelo que o montante máximo da coima que pode ser aplicada a uma dada empresa é determinável antecipadamente. Por outro lado, esta disposição impõe à Comissão que fixe as coimas em cada caso concreto tomando em consideração, além da gravidade da infracção, a duração da mesma.

Em segundo lugar, no exercício do seu poder de apreciação para fixar coimas nos termos do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, a Comissão é obrigada a observar os princípios gerais de direito, especialmente os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade.

Em terceiro lugar, para efeitos de assegurar a previsibilidade e a transparência da sua acção, o exercício pela Comissão do seu poder de apreciação é igualmente limitado pelas regras de conduta que a si mesma impôs na Comunicação relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis e nas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA. Para este efeito, as referidas comunicação e orientações, por um lado, enunciam regras de conduta de que a Comissão não pode afastar‑se sob pena de ser sancionada por violação dos princípios gerais do direito, como a igualdade de tratamento e a protecção da confiança legítima e, por outro, garantem a segurança jurídica das empresas em causa ao determinar a metodologia que a Comissão impôs a si própria para efeitos da fixação do montante das coimas aplicadas nos termos do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

Além disso, a adopção, pela Comissão, das referidas orientações e, em seguida, das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2, alínea a), do artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003, na medida em que está inserida no quadro jurídico imposto pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e pelo artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, contribuiu unicamente para precisar os limites do exercício do poder de apreciação da Comissão que resultavam já destas disposições, sem que daí se possa deduzir uma insuficiência inicial da determinação, pelo legislador da União, dos limites da competência da Comissão no domínio em causa.

Em quarto lugar, nos termos do artigo 229.° CE e do artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003, o juiz da União decide com competência de plena jurisdição dos recursos interpostos das decisões através das quais a Comissão tenha fixado coimas, podendo, assim, não só anular estas decisões, mas também suprimir, reduzir ou elevar a coima aplicada. Deste modo, a prática administrativa conhecida e acessível da Comissão está sujeita à plena fiscalização do juiz da União. Esta fiscalização permitiu esclarecer, em jurisprudência assente e publicada, os conceitos indeterminados que podia conter o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e, depois, o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003. Assim, um operador avisado pode, recorrendo, se necessário, a aconselhamento jurídico, prever de forma suficientemente precisa o método de cálculo e a ordem de grandeza das coimas em que incorre por um determinado comportamento. O facto de esse operador não poder, antecipadamente, conhecer com precisão o nível das coimas que a Comissão aplicará em cada caso concreto não pode constituir uma violação do princípio da legalidade das penas.

(cf. n.os 101‑102, 105‑108)

9.      Em matéria de aumento do nível das coimas na sequência da adopção das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, a Comissão pode, a todo o tempo, adaptar o nível das coimas se a aplicação eficaz das regras de concorrência da União o exigir, podendo então essa alteração da prática administrativa da Comissão ser objectivamente justificada pelo objectivo de prevenção geral das infracções às regras de concorrência da União. O aumento do nível das coimas não pode, pois, em si, ser considerado ilegal face ao princípio da legalidade das penas, uma vez que se mantém no quadro legal definido pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e pelo artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

(cf. n.° 112)

10.    Em matéria de competência da Comissão para aplicar coimas por infracções às regras de concorrência da União, não se pode considerar que o poder de aplicar essas coimas pertence originariamente ao Conselho, que o transferiu para a Comissão ou delegou nesta a respectiva execução, na acepção do artigo 202.°, terceiro travessão, CE. De acordo com as disposições dos artigos 81.° CE, 82.° CE, 83.°, n.os 1 e 2, alíneas a) e d), CE e 202.°, terceiro travessão, CE, este poder integra‑se no papel específico da Comissão de velar pela aplicação do direito da União, papel este que, tratando‑se da aplicação dos artigos 81.° CE e 82.° CE, foi precisado, enquadrado e formalizado pelos Regulamentos n.os 17 e 1/2003. O poder de aplicar coimas que estes regulamentos atribuem à Comissão decorre, pois, das previsões do próprio Tratado e destina‑se a permitir a aplicação efectiva das proibições previstas nos referidos artigos.

(cf. n.° 115)

11.    O princípio da não retroactividade das disposições penais, consagrado no artigo 7.° da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, constitui um princípio geral do direito da União cujo respeito se impõe quando são aplicadas coimas por infracção às regras da concorrência e exige que as sanções aplicadas correspondam às que estavam fixadas na época em que a infracção foi cometida. A adopção de orientações susceptíveis de modificar a política geral de concorrência da Comissão em matéria de coimas pode, em princípio, ser abrangida pelo âmbito de aplicação do princípio da não retroactividade.

No que se refere ao respeito do princípio da não retroactividade pelas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, o aumento do nível das coimas inscreve‑se no quadro legal fixado pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e pelo artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, na medida em que as orientações dispõem expressamente, no n.° 5, alínea a), que as coimas aplicadas nunca poderão ultrapassar 10% do volume de negócios previsto pelas referidas disposições.

A principal inovação das referidas orientações consiste em tomar como ponto de partida do cálculo um montante de base, determinado a partir de margens previstas para este efeito pelas referidas orientações, reflectindo essas margens diferentes graus de gravidade das infracções, mas que, enquanto tais, não têm relação com o volume de negócios pertinente. Este método assenta assim essencialmente numa tarifação, ainda que relativa e flexível, das coimas.

O facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de um certo nível a determinados tipos de infracções não a pode privar da possibilidade de aumentar esse nível dentro dos limites indicados nos Regulamentos n.os 17 e 1/2003, se isso se revelar necessário para assegurar que seja posta em prática a política de concorrência da União. Pelo contrário, a aplicação eficaz das regras da concorrência exige que a Comissão possa, em qualquer momento, adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política.

Daí decorre que as empresas implicadas num procedimento administrativo que possa dar lugar a uma coima não podem confiar legitimamente que a Comissão não ultrapassará o nível das coimas praticado anteriormente, nem num método de cálculo destas. Por conseguinte, as referidas empresas devem contar com a possibilidade de que, a todo o momento, a Comissão decida aumentar o nível do montante das coimas em relação ao aplicado no passado.

Nestas condições, as referidas orientações não violam o princípio da não retroactividade na medida em que levaram à aplicação de coimas mais elevadas do que as aplicadas no passado ou em que os limites da previsibilidade foram ultrapassados. As orientações e, em especial, o novo método de cálculo das coimas que as mesmas comportam, admitindo que tenha tido um efeito agravante quanto ao nível das coimas infligidas, eram com efeito razoavelmente previsíveis.

(cf. n.os 118‑119, 123‑128, 133)

12.    Foi com um intuito de transparência e para aumentar a segurança jurídica das empresas em causa que a Comissão publicou as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA e nelas enunciou o método de cálculo que impôs a si mesma em cada situação. Ao adoptar tais regras de conduta e ao anunciar, através da sua publicação, que as aplicará no futuro aos casos a que essas regras dizem respeito, a Comissão autolimita‑se no exercício do seu poder de apreciação e não pode afastar‑se dessas regras sob pena de poder ser sancionada, eventualmente, por violação de princípios gerais do direito, como os da igualdade de tratamento ou da protecção da confiança legítima. As orientações determinam, de maneira geral e abstracta, a metodologia que a Comissão impôs a si própria para efeitos da fixação do montante das coimas e asseguram, por conseguinte, a segurança jurídica das empresas. Por outro lado, um operador avisado pode, recorrendo, se necessário, a aconselhamento jurídico, prever de forma suficientemente precisa o método de cálculo e a ordem de grandeza das coimas em que incorre por um determinado comportamento. É certo que um operador não pode, antecipadamente, perante as referidas orientações, prever o montante preciso da coima que a Comissão aplicará em cada caso concreto. Todavia, devido à gravidade das infracções que a Comissão é chamada a punir, os objectivos de repressão e de dissuasão justificam que se evite que as empresas possam avaliar os benefícios que retirariam da sua participação numa infracção tendo em conta, por antecipação, o montante da coima que lhes seria aplicada devido a esse comportamento ilícito.

(cf. n.os 135‑136, 201‑202)

13.    Não viola o princípio da não retroactividade nem o da protecção da confiança legítima a tomada em conta, quando da determinação do montante de coimas aplicadas por infracção às regras de concorrência da União, da comunicação sobre a imunidade de coimas e a redução do seu montante nos processos relativos a cartéis. Com efeito, destes dois princípios, o primeiro não se opõe à aplicação de orientações que tenham, por hipótese, um efeito agravante quanto ao nível das coimas desde que a política que implementam seja razoavelmente previsível. Quanto ao segundo, os operadores económicos não podem confiar legitimamente na manutenção de uma situação existente que pode ser alterada pelas instituições no âmbito do respectivo poder de apreciação.

(cf. n.os 143‑144)

14.    Embora seja verdade que, ao abrigo dos princípios gerais do direito da União, dos quais fazem parte integrante os direitos fundamentais e à luz dos quais todos os textos de direito da União devem ser interpretados, as empresas têm o direito não serem coagidas pela Comissão a confessarem a sua participação numa infracção às regras da concorrência, esta última não fica por essa razão impedida de tomar em consideração, na fixação do montante da coima, o auxílio que uma empresa, por sua própria vontade, lhe tenha prestado para demonstrar a existência da infracção. A este respeito, a cooperação a título da comunicação sobre a imunidade de coimas e a redução do seu montante nos processos relativos a cartéis tem carácter puramente voluntário para a empresa em causa. Esta não é, com efeito, de modo algum obrigada a fornecer elementos de prova relativos ao alegado cartel. O nível de cooperação que a empresa pretende oferecer durante o procedimento administrativo depende exclusivamente da sua livre escolha, não sendo, em caso algum, imposto pela comunicação sobre a cooperação. Além disso, nenhuma disposição desta comunicação exige que a empresa em causa se abstenha de contestar ou de corrigir factos errados apresentados por outra empresa.

Esta comunicação também não ignora o princípio in dubio pro reo e o princípio da presunção de inocência, tal como resulta designadamente do artigo 6.°, n.° 2, da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o qual faz parte também dos direitos fundamentais que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, reafirmada no artigo 6.°, n.° 2, UE, bem como no artigo 48.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, são reconhecidos na ordem jurídica da União. Com efeito, a cooperação ao abrigo desta comunicação, por um lado, tem carácter puramente voluntário para a empresa em causa e não implica nenhuma obrigação de fornecer elementos de prova e, por outro, não afecta a obrigação que incumbe à Comissão, que tem o ónus da prova das infracções que declara, de apresentar os elementos de prova adequados para demonstrar, de forma juridicamente adequada, a existência dos factos constitutivos da infracção. Para este fim, a Comissão pode basear‑se, sem violar o princípio da presunção de inocência, não apenas em documentos que tenha recolhido quando de inspecções nos termos dos Regulamentos n.os 17 e 1/2003 ou que tenha recebido em resposta a pedidos de informação ao abrigo dos referidos regulamentos, mas também em elementos de prova que uma empresa lhe tenha apresentado voluntariamente nos termos desta comunicação.

A comunicação sobre a cooperação também não ignora o princípio da proporcionalidade. Esta comunicação afigura‑se um instrumento apropriado e indispensável para demonstrar a existência de cartéis horizontais secretos e, portanto, orientar o comportamento das empresas no sentido do respeito das regras de concorrência. Com efeito, ainda que os instrumentos previstos nos artigos 18.° a 21.° do Regulamento n.° 1/2003, a saber, os pedidos de informações e as inspecções, constituam medidas indispensáveis no âmbito do combate a violações ao direito da concorrência, os cartéis secretos são frequentemente difíceis de detectar e de instruir sem a cooperação das empresas em causa. Assim, uma parte num cartel que pretenda pôr termo à sua participação pode ser dissuadida de informar a Comissão devido à elevada coima que lhe pode ser aplicada. Ao estabelecer a atribuição de uma imunidade ou de uma redução significativa das coimas para as empresas que forneçam à Comissão elementos de prova da existência de um cartel horizontal, a comunicação sobre a cooperação visa evitar que essa parte renuncie a informar a Comissão da existência de um cartel.

Por último, a Comissão não ultrapassou os poderes que lhe confere o Regulamento n.° 1/2003 quando se dotou de regras de conduta na comunicação sobre a cooperação destinadas a guiá‑la no exercício do seu poder de apreciação em matéria de fixação das coimas, com o objectivo de ter em conta designadamente o comportamento das empresas durante o procedimento administrativo e assim melhor garantir a igualdade de tratamento entre as empresas em causa. Com efeito, a Comissão tem a faculdade, mas não a obrigação, de aplicar uma coima a uma empresa autora de uma violação do artigo 81.° CE. Além disso, o artigo 23.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1/2003 não enumera de forma limitativa os critérios que a Comissão pode ter em conta para fixar o montante da coima. O comportamento da empresa no decurso do procedimento administrativo pode, assim, fazer parte dos elementos que há que ter em consideração no momento dessa fixação.

(cf. n.os 149‑150, 153, 155, 160, 162‑163, 168‑169, 171, 174‑176)

15.    As competências da União devem ser exercidas com observância do direito internacional. O direito de propriedade é protegido não só pelo direito internacional, mas faz igualmente parte dos princípios gerais do direito da União. Todavia, a prevalência do direito internacional sobre o direito da União não é extensiva ao direito primário e, em particular, aos princípios gerais de que fazem parte os direitos fundamentais. A este propósito, o direito de propriedade não constitui uma prerrogativa absoluta, devendo ser tomado em consideração relativamente à sua função na sociedade. Por conseguinte, podem ser impostas restrições ao exercício do direito de propriedade, desde que tais restrições correspondam efectivamente a objectivos de interesse geral prosseguidos pela União e não constituam, atendendo ao fim prosseguido, uma intervenção excessiva e intolerável que atente contra a própria substância do direito assim garantido. Dado que a aplicação dos artigos 81.° CE e 86.° CE constitui um dos aspectos do interesse público comunitário, podem ser feitas restrições, em aplicação destes artigos, ao uso do direito de propriedade, na condição de não serem desmesuradas e de não violarem a própria substância deste direito.

(cf. n.os 187‑190)

16.    Mesmo que as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA não possam ser qualificadas como norma jurídica que, de qualquer forma, a Administração está obrigada a observar, elas enunciam no entanto uma norma de conduta indicativa da prática a seguir, à qual a Administração não se pode furtar, num caso específico, sem apresentar razões compatíveis com o princípio da igualdade de tratamento. Ao adoptar essas regras de conduta e ao anunciar, através da sua publicação, que as aplicará no futuro aos casos a que essas regras dizem respeito, a Comissão autolimita‑se no exercício do seu poder de apreciação e não pode afastar‑se dessas regras sob pena de poder ser sancionada, eventualmente, por violação de princípios gerais do direito, como os da igualdade de tratamento ou da protecção da confiança legítima. Além disso, as referidas orientações determinam, de maneira geral e abstracta, a metodologia que a Comissão impôs a si própria para efeitos da fixação do montante das coimas aplicadas por esta decisão e asseguram, por conseguinte, a segurança jurídica das empresas.

(cf. n.os 200‑202)

17.    A gravidade das infracções ao direito da concorrência da União deve ser estabelecida em função de um grande número de elementos, como, designadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração.

Em conformidade com o ponto 1 A, primeiro parágrafo, das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, a Comissão deve, no âmbito da avaliação da gravidade da infracção, proceder a uma análise do impacto concreto no mercado apenas quando se verificar que esse impacto é quantificável. Para apreciar esse impacto, compete à Comissão referir‑se ao jogo da concorrência que teria normalmente existido se não tivesse existido infracção. Assim, dado que as recorrentes não demonstram que o impacto concreto dos cartéis era mensurável, a Comissão não é obrigada a ter em conta o impacto concreto das infracções para efeitos da apreciação da sua gravidade. O efeito de uma prática anticoncorrencial não constitui, com efeito, um critério determinante para a apreciação da gravidade de uma infracção. Elementos atinentes ao aspecto intencional podem ter mais importância do que os que dizem respeito aos referidos efeitos, sobretudo quando estão em causa infracções intrinsecamente graves como a repartição dos mercados. É deste modo que a natureza da infracção desempenha um papel primordial, designadamente, para caracterizar as infracções de «muito graves». Resulta da descrição das infracções muito graves pelas referidas orientações que acordos ou práticas concertadas que tenham por objectivo, designadamente, a repartição dos mercados podem ser qualificados de infracções «muito graves» apenas com base na sua natureza, não sendo necessário caracterizar esses comportamentos mediante um impacto ou um âmbito geográfico específicos e sem que a não tomada em consideração do impacto concreto das infracções possa dar lugar a uma violação do princípio da presunção de inocência.

Nestas condições, independentemente da estrutura alegadamente variada dos cartéis, pela sua própria natureza, as infracções às regras de concorrência declaradas numa decisão da Comissão figuram entre as violações mais graves do artigo 81.° CE uma vez que têm por objecto uma concertação secreta entre concorrentes para repartirem os mercados ou bloquearem partes de mercado, repartindo os projectos de venda e de instalação de elevadores e/ou escadas rolantes novas, e para não concorrerem entre si quanto à manutenção e modernização de elevadores e escadas rolantes. Além da grave alteração da concorrência que implicam, estes acordos, na medida em que obrigam as partes a respeitar mercados distintos, frequentemente delimitados pelas fronteiras nacionais, provocam o isolamento desses mercados, contrariando assim o objectivo principal do Tratado de integração do mercado da União. Também as infracções deste tipo, em especial quando se trata de acordos horizontais, são qualificadas de particularmente graves ou de infracções manifestas.

(cf. n.os 198, 214‑215, 221‑223, 234‑235, 254)

18.    Em matéria de decisões da Comissão que declaram uma infracção às regras de concorrência da União e aplicam coimas, os requisitos da formalidade essencial que constitui o dever de fundamentação estão preenchidos quando a Comissão indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade da infracção e a sua duração, sem que seja obrigada a apresentar uma exposição mais detalhada ou os elementos quantificados relativos ao modo de cálculo da coima. Uma vez que, na decisão impugnada, a Comissão indicou que os montantes iniciais das coimas foram determinados tendo em conta a natureza das infracções e o âmbito do mercado geográfico em causa e analisou a gravidade das infracções em relação às características dos participantes, procedendo, para cada infracção, a uma diferenciação das empresas em causa em função dos seus volumes de negócios relativos aos produtos objecto do cartel no país abrangido pela infracção, os elementos de apreciação que permitiram à Comissão medir a gravidade das infracções constatadas foram, pois, suficientemente expostos na decisão impugnada no respeito pelo disposto no artigo 253.° CE.

(cf. n.os 203, 240, 243‑245)

19.    Em matéria de decisões da Comissão que declaram uma infracção às regras de concorrência da União e aplicam coimas, a dimensão do mercado em causa não é, em princípio, um elemento obrigatório, mas apenas um elemento pertinente, entre outros, para apreciar a gravidade da infracção, não estando, aliás, a Comissão obrigada a proceder a uma delimitação do mercado em causa ou a uma apreciação da sua dimensão quando a infracção em causa tem um objectivo anticoncorrencial. Com efeito, as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA não prevêem que o montante das coimas seja calculado em função do volume de negócios global ou do volume de negócios realizado pelas empresas no mercado em causa. Contudo, também não se opõem a que tais volumes de negócios sejam tomados em consideração para a determinação do montante da coima a fim de serem respeitados os princípios gerais de direito comunitário e quando as circunstâncias o exijam.

Nestas condições, não revestem carácter excessivo os montantes iniciais das coimas que foram fixados para a infracção no Luxemburgo, que correspondem a metade do limite mínimo normalmente previsto pelas orientações para uma infracção muito grave.

(cf. n.os 247‑248)

20.    No âmbito do cálculo do montante das coimas aplicadas nos termos do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, um tratamento diferenciado entre as empresas em questão é inerente ao exercício dos poderes atribuídos à Comissão por esta disposição. Com efeito, no âmbito da sua margem de apreciação, a Comissão deve individualizar a sanção em função dos comportamentos e das características próprias das empresas em questão, para garantir, em cada caso concreto, a plena eficácia das regras comunitárias de concorrência. Assim, segundo as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA para uma infracção de determinada gravidade, pode haver lugar, nos casos que envolvam várias empresas como os cartéis, a ponderar o montante inicial geral para determinar um montante inicial específico tendo em conta o peso, e portanto o impacto real, do comportamento ilícito de cada empresa sobre a concorrência, designadamente quando existe uma disparidade considerável na dimensão das empresas autoras de uma infracção da mesma natureza. Em particular, é necessário tomar em consideração a capacidade económica efectiva dos autores da infracção de causarem um prejuízo importante aos outros operadores, nomeadamente aos consumidores.

Por outro lado, o direito da União não contém qualquer princípio de aplicação geral segundo o qual a sanção deva ser proporcional à importância da empresa no mercado dos produtos que são objecto da infracção.

Por último, no que se refere à apreciação da gravidade da infracção em função da classificação dos membros de um cartel em categorias, para verificar se essa repartição é conforme aos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, o juiz da União, no âmbito da sua fiscalização da legalidade do exercício do poder de apreciação de que a Comissão goza na matéria, deve limitar‑se a verificar se esta repartição é coerente e objectivamente justificada. Além disso, segundo as orientações para o cálculo das coimas acima referidas, o princípio de igualdade de sanção para um mesmo comportamento pode levar à aplicação de montantes diferenciados para as empresas em causa sem que essa diferenciação obedeça a um cálculo aritmético.

(cf. n.os 255‑258, 263, 265)

21.    Uma circunstância atenuante, só pode ser reconhecida na acepção do ponto 3, terceiro travessão, das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, no caso de a infracção já ter cessado antes das primeiras intervenções da Comissão. Não pode falar‑se de uma circunstância atenuante, na acepção da referida disposição, se as empresas em causa foram incentivadas a pôr termo aos seus comportamentos anticoncorrenciais pelas intervenções da Comissão. A finalidade desta disposição consiste em encorajar as empresas a pôr termo aos seus comportamentos anticoncorrenciais imediatamente após a Comissão dar início a uma investigação a esse respeito, de forma que não se pode aplicar uma redução da coima a esse título no caso de já ter sido posto termo à infracção antes da data das primeiras intervenções da Comissão. Com efeito, a aplicação de uma redução nessas circunstâncias constituiria uma duplicação da tomada em conta da duração das infracções no cálculo do montante das coimas.

(cf. n.° 274)

22.    A adopção, por uma empresa que cometeu uma infracção às regras de concorrência da União, de um programa de conformidade não obriga a Comissão a conceder uma redução da coima em razão desta circunstância. Além disso, embora seja certamente importante que uma empresa adopte medidas para impedir que membros do seu pessoal cometam no futuro novas infracções ao direito da concorrência da União, esse facto em nada altera a realidade da infracção que foi constatada. Assim sendo, a Comissão não é obrigada a considerar esse elemento uma circunstância atenuante, muito menos quando as infracções declaradas na decisão impugnada constituem, uma violação manifesta do artigo 81.° CE.

(cf. n.° 282)

23.    A comunicação relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis constitui um instrumento destinado a especificar, no respeito do direito de nível superior, os critérios que a Comissão pretende aplicar no âmbito do exercício do seu poder de apreciação na fixação das coimas aplicadas por infracção às regras da concorrência da União. Resulta daí uma autolimitação deste poder que não é, porém, incompatível com a manutenção de uma margem de apreciação substancial pela Comissão.

Assim, a Comissão dispõe de uma ampla margem de apreciação quando é chamada a avaliar se elementos de prova fornecidos por uma empresa que tenha manifestado a sua intenção de beneficiar da comunicação sobre a cooperação apresentam um valor acrescentado significativo na acepção do ponto 21 da referida comunicação.

Do mesmo modo, a Comissão, depois de ter verificado existirem elementos de prova com um valor acrescentado significativo na acepção do ponto 21 da comunicação sobre a cooperação, dispõe de uma margem de apreciação quando é chamada a determinar o nível exacto da redução do montante da coima a atribuir à empresa em causa. Com efeito, o ponto 23, alínea b), primeiro parágrafo, da comunicação sobre a cooperação prevê margens para a redução do montante da coima para as diferentes categorias de empresas abrangidas. Tendo em consideração a referida margem de apreciação, só um excesso manifesto desta margem pode ser censurado pelo juiz da União.

Nestas condições, a Comissão não excedeu manifestamente a sua margem de apreciação ao considerar que não apresentava valor acrescentado significativo uma declaração de que a Comissão já dispunha, uma vez que essa declaração não facilita significativamente a tarefa da Comissão e, portanto, não é suficiente para justificar uma redução do montante da coima a título da cooperação.

(cf. n.os 295‑296, 298‑300, 309, 311)

24.    No âmbito da apreciação da cooperação prestada pelos membros de um cartel durante o procedimento administrativo, a Comissão não pode desrespeitar o princípio da igualdade de tratamento. Com efeito, dado que não são comparáveis as situações das diferentes empresas a quem foi aplicada uma coima por infracção às regras de concorrência da União, a Comissão não cometeu uma violação do princípio de igualdade de tratamento ao conceder reduções do montante das coimas, consoante o valor acrescentado da respectiva cooperação, e recusar a outra empresa essa redução nos termos da comunicação relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis. A este respeito, a apreciação do valor acrescentado de uma cooperação é efectuada em função dos elementos de prova já na posse da Comissão. Assim, quando uma empresa fornece elementos de prova que não são determinantes para demonstrar a existência de um cartel mas que simplesmente reforçam a capacidade da Comissão de provar a infracção corroborando os elementos de prova já na sua posse, ou quando essa empresa apenas comunica à Comissão os elementos de prova que têm um valor acrescentado significativo vários meses após as comunicações de outras empresas e, em todo o caso, não comunica provas documentais contemporâneas, a Comissão não excede manifestamente a sua margem de apreciação ao fixar a redução do montante da coima para essa empresa numa percentagem muito pequena.

(cf. n.os 313, 315, 319, 335‑336, 344, 347)

25.    No que se refere ao respeito do princípio da proporcionalidade no quadro da determinação do montante das coimas por infracção às regras de concorrência da União, essas coimas não devem ser desproporcionadas em relação aos objectivos pretendidos, ou seja, em relação ao respeito das regras de concorrência, e o montante da coima aplicada a uma empresa a título de uma infracção em matéria de concorrência deve ser proporcionado à infracção, apreciada no seu conjunto, tendo em conta, designadamente, a gravidade da mesma. Além disso, na determinação do montante das coimas, a Comissão tem legitimidade para tomar em consideração a necessidade de lhes assegurar um efeito suficientemente dissuasivo.

A este respeito, em primeiro lugar, os cartéis que consistem principalmente numa concertação secreta entre concorrentes para repartirem os mercados ou bloquearem quotas de mercado, repartindo entre si os projectos de venda e de instalação de elevadores e/ou escadas rolantes novos, e para não concorrerem entre si no que respeita à manutenção e modernização de elevadores e de escadas rolantes constituem infracções que, pela sua própria natureza, figuram entre as violações mais graves do artigo 81.° CE.

Em segundo lugar, a Comissão, quando do cálculo do montante das coimas, pode tomar em consideração, designadamente, a dimensão e a capacidade económica da unidade económica que actua na qualidade de empresa na acepção do artigo 81.° CE. No entanto, a empresa pertinente a tomar em consideração não corresponde a cada filial que tenha participado nas infracções, mas à sociedade‑mãe e às suas filiais. Em terceiro lugar, no que respeita à proporcionalidade das coimas em relação à dimensão e à capacidade económica das unidades económicas em causa, a Comissão está vinculada pelo limite de 10% referido no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, que tem por objectivo evitar que as coimas sejam desproporcionadas em relação à importância da empresa. Ora um montante total de coimas que representa cerca de 2% do volume de negócios consolidado durante o exercício social que precedeu a adopção da decisão impugnada não pode ser considerado desproporcionado em relação à dimensão desta empresa.

(cf. n.os 367‑370)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

13 de Julho de 2011 (*)

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Mercado da instalação e manutenção de elevadores e escadas rolantes – Decisão que declara uma infracção ao artigo 81.° CE – Manipulação dos concursos públicos – Repartição dos mercados – Fixação dos preços»

No processo T‑138/07,

Schindler Holding Ltd, com sede em Hergiswil (Suíça),

Schindler Management AG, com sede em Ebikon (Suíça),

Schindler SA, com sede em Bruxelas (Bélgica),

Schindler Deutschland Holding GmbH, com sede em Berlim (Alemanha),

Schindler Sàrl, com sede em Luxemburgo (Luxemburgo),

Schindler Liften BV, com sede em Haia (Países Baixos),

representadas por R. Bechtold, W. Bosch, U. Soltész e S. Hirsbrunner, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por K. Mojzesowicz e R. Sauer, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Conselho da União Europeia, representado por M. Simm e G. Kimberley, na qualidade de agentes,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão C (2007) 512 final da Comissão, de 21 de Fevereiro de 2007, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° [CE] (Processo COMP/E‑1/38.823 – Elevadores e escadas rolantes), ou, a título subsidiário, redução do montante das coimas aplicadas às recorrentes,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

composto por: M. E. Martins Ribeiro (relatora), presidente, N. Wahl e A. Dittrich, juízes,

secretário: K. Andová, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 17 de Setembro de 2009,

profere o presente

Acórdão

1        O presente processo tem por objecto um pedido de anulação da Decisão C (2007) 512 final da Comissão, de 21 de Fevereiro de 2007, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° [CE] (Processo COMP/E‑1/38.823 – Elevadores e escadas rolantes) (a seguir «decisão impugnada»), da qual foi publicado um resumo no Jornal Oficial da União Europeia de 26 de Março de 2008 (JO C 75, p. 19) ou, a título subsidiário, redução do montante das coimas aplicadas às recorrentes.

2        Na decisão impugnada, a Comissão das Comunidades Europeias considerou que as seguintes sociedades violaram o artigo 81.° CE:

–        KONE Belgium S.A. (a seguir «Kone Bélgica»), KONE GmbH (a seguir «Kone Alemanha»), KONE Luxembourg S.à.r.l. (a seguir «Kone Luxemburgo»), KONE B.V. Liften en Roltrappen (a seguir «Kone Países Baixos») e Kone Oyg (a seguir «KC») (a seguir, em conjunto ou separadamente, «Kone»);

–        Otis S.A. (a seguir «Otis Bélgica»), Otis GmbH & Co. OHG (a seguir «Otis Alemanha»), General Technic‑Otis S.à.r.l. (a seguir «GTO»), General Technic S.à.r.l. (a seguir «GT»), Otis B.V. (a seguir «Otis Países Baixos»), Otis Elevator Company (a seguir «OEC») e United Technologies Corp. (a seguir «UTC»), (a seguir, em conjunto ou separadamente, «Otis»);

–        Schindler S.A. (a seguir «Schindler Bélgica»), Schindler Deutschland Holding GmbH (a seguir «Schindler Alemanha»), Schindler S.à.r.l. (a seguir «Schindler Luxemburgo»), Schindler Liften B.V. (a seguir «Schindler Países Baixos»), Schindler Holding Ltd. (a seguir, em conjunto ou separadamente, «Schindler»);

–        ThyssenKrupp Liften Ascenseurs NV (a seguir «TKLA»), ThyssenKrupp Aufzüge GmbH (a seguir «TKA»), ThyssenKrupp Fahrtreppen GmbH (a seguir «TKF»), ThyssenKrupp Elevator AG (a seguir «TKE»), ThyssenKrupp AG (a seguir «TKAG»), ThyssenKrupp Ascenseurs Luxembourg S.à.r.l (a seguir «TKAL») e ThyssenKrupp Liften B.V. (a seguir «TKL»), (a seguir, em conjunto ou separadamente, «ThyssenKrupp»); e

–        Mitsubishi Elevator Europe BV (a seguir «MEE»).

3        A Schindler é um dos principais grupos mundiais fornecedores de elevadores e escadas rolantes. A sua sociedade‑mãe é a Schindler Holding, com sede na Suíça (vigésimo sétimo considerando da decisão impugnada). A Schindler exerce as suas actividades no domínio dos elevadores e escadas rolantes através de filiais nacionais, designadamente, na Bélgica, a Schindler Bélgica, na Alemanha, a Schindler Alemanha, no Luxemburgo, a Schindler Luxemburgo e, nos Países Baixos, a Schindler Países Baixos (vigésimo oitavo a trigésimo segundo considerandos da decisão impugnada).

 Procedimento administrativo

1.     Investigação da Comissão

4        Durante o verão de 2003, foram transmitidas à Comissão informações sobre a possível existência de um cartel entre os quatro principais fabricantes europeus de elevadores e escadas rolantes que exercem actividades comerciais na União, a saber, a Kone, a Otis, a Schindler e a ThyssenKrupp (considerandos 3 e 93 da decisão impugnada).

 Bélgica

5        A partir de 28 de Janeiro de 2004 e ao longo do mês de Março de 2004, a Comissão, nos termos do artigo 14.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de execução dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p.22), procedeu a inspecções nas instalações das filiais da Kone, da Otis, da Schindler e da ThyssenKrupp na Bélgica (considerandos 92, 93, 95 e 97 da decisão impugnada).

6        A Kone, a Otis, a ThyssenKrupp e a Schindler apresentaram sucessivamente pedidos nos termos da Comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2002 C 45, p. 3) (a seguir «comunicação sobre a cooperação de 2002»). Estes pedidos foram completados pelas empresas em causa (considerandos 94, 96, 99 e 103 da decisão impugnada).

7        Em 29 de Junho de 2004, foi concedida à Kone uma imunidade condicional, nos termos do n.° 8, alínea b), desta comunicação (considerando 99 da decisão impugnada).

8        Entre Setembro e Dezembro de 2004, a Comissão enviou igualmente pedidos de informações, nos termos do artigo 18.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1), às empresas que participaram na infracção na Bélgica, a vários clientes neste Estado‑Membro e à associação belga Agoria (considerandos 101 e 102 da decisão impugnada).

 Alemanha

9        A partir de 28 de Janeiro de 2004 e ao longo do mês de Março de 2004, a Comissão, nos termos do artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17, procedeu a inspecções, designadamente nas instalações das filiais da Otis e da ThyssenKrupp na Alemanha (considerandos 104 e 106 da decisão impugnada).

10      Em 12 e 18 de Fevereiro de 2004, a Kone completou nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002 o seu pedido de 2 de Fevereiro de 2004, relativo à Bélgica, com informações respeitantes à Alemanha. Também a Otis, entre 23 de Março de 2004 e 25 de Fevereiro de 2005, completou o seu pedido de 11 de Março de 2004 relativo à Bélgica com informações relativas à Alemanha. Em 25 de Novembro de 2004, a Schindler apresentou um pedido nos termos da referida comunicação, que continha informações relativas à Alemanha, o qual foi completado entre 18 de Dezembro de 2004 e Fevereiro de 2005. Finalmente, em 18 de Dezembro de 2005, a ThyssenKrupp apresentou à Comissão um pedido respeitante à Alemanha, igualmente nos termos desta comunicação (considerandos 105, 107, 112 e 114 da decisão impugnada).

11      Entre Setembro e Novembro de 2004, a Comissão enviou igualmente pedidos de informações, nos termos do artigo 18.° do Regulamento n.° 1/2003, às empresas que participaram na infracção na Alemanha, a vários clientes neste Estado‑Membro e às associações VDMA, VFA e VMA (considerandos 110, 111 e 113 da decisão impugnada).

 Luxemburgo

12      Em 5 de Fevereiro de 2004, a Kone completou o seu pedido de 2 de Fevereiro de 2004, relativo à Bélgica, com informações respeitantes ao Luxemburgo. A Otis e a ThyssenKrupp apresentaram verbalmente um pedido nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002, relativo ao Luxemburgo, respectivamente em 11 de Março de 2004 e 29 de Abril de 2004. A Schindler apresentou igualmente um pedido nos termos da mesma comunicação relativo ao Luxemburgo em 4 de Novembro de 2004 (considerandos 115, 118, 119 e 124 da decisão impugnada).

13      A partir de 9 de Março de 2004, a Comissão, nos termos do artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17, procedeu a inspecções, designadamente nas instalações das filiais da Schindler e da ThyssenKrupp no Luxemburgo (considerando 116 da decisão impugnada).

14      Em 29 de Junho de 2004, foi concedida à Kone uma imunidade condicional nos termos do n.° 8, alínea b), da comunicação sobre a cooperação de 2002, quanto à parte do seu pedido relativa ao Luxemburgo (considerando 120 da decisão impugnada).

15      Em Setembro e Outubro de 2004, a Comissão enviou pedidos de informações nos termos do artigo 18.° do Regulamento n.° 1/2003 às empresas que participaram na infracção no Luxemburgo, a vários clientes neste Estado‑Membro e à Fédération luxemburgeoise des ascensoristes (considerandos 122 e 123 da decisão impugnada).

 Países Baixos

16      Em 11 de Março de 2004, a Otis apresentou um pedido nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002 relativo aos Países Baixos, que foi posteriormente completado em 15 e 17 de Março de 2004. Em 28 de Abril de 2004, a ThyssenKrupp apresentou um pedido nos termos desta comunicação, que posteriormente foi também completado por diversas vezes. Finalmente, em 19 de Julho de 2004, a Kone completou o seu pedido de 2 de Fevereiro de 2004, relativo à Bélgica, com informações relativas aos Países Baixos (considerandos 127, 129 e 130 da decisão impugnada).

17      Em 27 de Julho de 2004, foi concedida à Otis uma imunidade condicional nos termos do n.° 8, alínea b), da referida comunicação (considerando 131 da decisão impugnada).

18      A partir de 28 de Abril de 2004, a Comissão, nos termos do artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17, procedeu a inspecções, designadamente nas instalações das filiais da Kone, da Schindler, da ThyssenKrupp e da MEE nos Países Baixos, bem como nas instalações da associação Boschduin (considerando 128 da decisão impugnada).

19      Em Setembro de 2004, a Comissão enviou pedidos de informações nos termos do artigo 18.° do Regulamento n.° 1/2003, às empresas que participaram na infracção nos Países Baixos, a vários clientes neste Estado‑Membro e às associações VLR e Boschduin (considerandos 133 e 134 da decisão impugnada).

2.     Comunicação de acusações

20      Em 7 de Outubro de 2005, a Comissão adoptou uma comunicação de acusações dirigida designadamente às sociedades referidas no n.° 2 supra. Todos os destinatários da comunicação de acusações apresentaram observações escritas em resposta às acusações da Comissão (considerandos 135 e 137 da decisão impugnada).

21      Não teve lugar qualquer audição, dado que nenhum destinatário da comunicação de acusações o solicitou (considerando 138 da decisão impugnada).

3.     Decisão impugnada

22      Em 21 de Fevereiro de 2007, a Comissão adoptou a decisão impugnada, na qual declarou que as sociedades destinatárias da mesma participaram em quatro infracções únicas, complexas e continuadas ao artigo 81.°, n.° 1, CE em quatro Estados‑Membros, repartindo mercados, através da atribuição ou concertação para a atribuição de concursos e de contratos relativos à venda, instalação, manutenção e modernização de elevadores e escadas rolantes (considerando 2 da decisão impugnada).

23      No que respeita aos destinatários da decisão impugnada, a Comissão considerou que, além das filiais das empresas em causa na Bélgica, Alemanha, Luxemburgo e Países Baixos, as sociedades‑mãe das referidas filiais deviam ser consideradas solidariamente responsáveis pelas infracções ao artigo 81.° CE praticadas pelas respectivas filiais, devido ao facto de que podiam exercer uma influência decisiva sobre a sua política comercial durante o período da infracção e que se podia presumir que tinham feito uso desse poder (considerandos 608, 615, 622, 627 e 634 a 641 da decisão impugnada). As sociedades‑mãe da MEE não foram consideradas solidariamente responsáveis pelo comportamento da sua filial, por não se ter podido provar que exerceram uma influência decisiva sobre o comportamento desta (considerando 643 da decisão impugnada).

24      Para efeitos do cálculo do montante das coimas, a Comissão, na decisão impugnada, aplicou a metodologia exposta nas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° [CA] (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações de 1998»). Analisou igualmente se, e em que medida, as empresas em causa cumpriam os requisitos estabelecidos pela comunicação sobre a cooperação de 2002.

25      A Comissão qualificou as infracções de «muito graves» tendo em conta a sua natureza e o facto de todas elas abrangerem a totalidade do território de um Estado‑Membro (Bélgica, Alemanha, Luxemburgo ou Países Baixos), ainda que o seu impacto real não pudesse ser medido (considerando 671 da decisão impugnada).

26      Com o objectivo de ter em conta a capacidade económica efectiva das empresas em apreço de causarem um prejuízo significativo à concorrência, a Comissão, em relação a cada país, repartiu‑as em várias categorias em função do volume de negócios realizado no mercado dos elevadores e/ou das escadas rolantes, incluindo, sendo esse o caso, nos serviços de manutenção e de modernização (considerandos 672 e 673 da decisão impugnada).

27      No que respeita ao cartel na Bélgica, a Kone e a Schindler foram colocadas na primeira categoria, com um montante inicial da coima, determinado em função da gravidade da infracção, de 40 000 000 euros. A Otis foi colocada na segunda categoria, com um montante inicial da coima de 27 000 000 euros. A ThyssenKrupp foi colocada na terceira categoria, com um montante inicial da coima de 16 500 000 euros (considerandos 674 e 675 da decisão impugnada). Foi aplicado um coeficiente multiplicador de 1,7 ao montante inicial da coima a aplicar à Otis e um coeficiente multiplicador de 2 ao montante inicial da coima da ThyssenKrupp, para ter em conta a sua dimensão e os seus recursos globais, de modo que os montantes iniciais das suas coimas ascenderam, respectivamente, a 45 900 000 euros e a 33 000 000 euros (considerandos 690 e 691 da decisão impugnada). Dado que a infracção teve a duração de sete anos e oito meses (de 9 de Maio de 1996 a 29 de Janeiro de 2004), a Comissão majorou o montante inicial da coima para as empresas em causa em 75%. Deste modo, o montante de base da coima ascendeu a 70 000 000 euros para a Kone, 80 325 000 euros para a Otis, 70 000 000 euros para a Schindler e 57 750 000 para a ThyssenKrupp (considerandos 692 e 696 da decisão impugnada). A Comissão considerou que a ThyssenKrupp devia ser considerada reincidente e majorou o montante da coima da mesma em 50% em razão desta circunstância agravante (considerandos 697, 698 e 708 a 710 da decisão impugnada). Não foi tida em conta qualquer circunstância atenuante em benefício das empresas em causa (considerandos 733, 734, 749, 750 e 753 a 755 da decisão impugnada). Nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002, a Kone beneficiou de uma imunidade total de coimas. A Otis beneficiou, por um lado, de uma redução de 40% do montante da coima na margem prevista no ponto 23, alínea b), primeiro parágrafo, primeiro travessão, da referida comunicação e, por outro, de uma redução de 1% do montante da coima por não contestação dos factos. A ThyssenKrupp beneficiou, por um lado, de uma redução de 20% do montante da coima na margem prevista no ponto 23, alínea b), primeiro parágrafo, segundo travessão, desta comunicação e, por outro, de uma redução de 1% do montante da coima por não contestação dos factos. A Schindler beneficiou de uma redução de 1% do montante da coima por não contestação dos factos (considerandos 760 a 777 da decisão impugnada).

28      No que respeita ao cartel na Alemanha, a Kone, a Otis e a ThyssenKrupp foram colocadas na primeira categoria, com um montante inicial da coima de 70 000 000 euros. A Schindler foi colocada na segunda categoria, com um montante inicial da coima de 17 000 000 euros (considerandos 676 a 679 da decisão impugnada). Foi aplicado um coeficiente multiplicador de 1,7 ao montante inicial da coima da Otis e um coeficiente multiplicador de 2 ao montante inicial da coima da ThyssenKrupp, para ter a conta a sua dimensão e os seus recursos globais, de modo que os montantes iniciais das suas coimas ascenderam, respectivamente, a 119 000 000 euros e a 140 000 000 euros (considerandos 690 e 691 da decisão impugnada). Dado que a infracção cometida pela Kone, pela Otis e pela ThyssenKrupp teve a duração de oito anos e quatro meses (de 1 de Agosto de 1995 a 5 de Dezembro de 2003), a Comissão majorou o montante inicial da coima para estas empresas em 80%. Dado que a infracção cometida pela Schindler durou cinco anos e quatro meses (de 1 de Agosto de 1995 a 6 de Dezembro de 2000), a Comissão majorou o montante inicial da coima para esta empresa em 50%. Deste modo, o montante de base da coima ascendeu a 126 000 000 euros para a Kone, 214 000 000 euros para a Otis, 25 000 000 euros para a Schindler e 252 000 000 euros para a ThyssenKrupp (considerandos 693 e 696 da decisão impugnada). A Comissão considerou que a ThyssenKrupp devia ser considerada reincidente e majorou o montante da coima da mesma em 50% em razão desta circunstância agravante (considerandos 697 a 707 da decisão impugnada). Não foi tida em conta qualquer circunstância atenuante em benefício das empresas em causa (considerandos 727 a 729, 735, 736, 742 a 744, 749, 750 e 753 a 755 da decisão impugnada). A Kone beneficiou, por um lado, da redução máxima de 50% do montante da coima prevista no ponto 23, alínea b), primeiro parágrafo, primeiro travessão, da comunicação sobre a cooperação de 2002 e, por outro, de uma redução de 1% do montante da coima por não contestação dos factos. A Otis beneficiou, por um lado, de uma redução de 25% do montante da coima na margem prevista no ponto 23, alínea b), primeiro parágrafo, segundo travessão, da referida comunicação e, por outro, de uma redução de 1% do montante da coima por não contestação dos factos. A Schindler beneficiou, por um lado, de uma redução de 15% do montante da coima na margem prevista no ponto 23, alínea b), primeiro parágrafo, terceiro travessão, desta comunicação e, por outro, de uma redução de 1% do montante da coima por não contestação dos factos. A ThyssenKrupp beneficiou de uma redução de 1% do montante da coima por não contestação dos factos (considerandos 778 a 813 da decisão impugnada).

29      No que respeita ao cartel no Luxemburgo, a Otis e a Schindler foram colocadas na primeira categoria, com um montante inicial da coima de 10 000 000 euros. A Kone e a ThyssenKrupp foram colocadas na segunda categoria, com um montante inicial da coima de 2 500 000 euros (considerandos 680 a 683 da decisão impugnada). Foi aplicado um coeficiente multiplicador de 1,7 ao montante inicial da coima da Otis e um coeficiente multiplicador de 2 ao montante inicial da coima da ThyssenKrupp, para ter em conta a sua dimensão e os seus recursos globais, de modo que os montantes iniciais das suas coimas ascenderam, respectivamente, a 17 000 000 euros e a 5 000 000 euros (considerandos 690 e 691 da decisão impugnada). Dado que a infracção teve a duração de oito anos e três meses (de 7 de Dezembro de 1995 a 9 de Março de 2004), a Comissão majorou o montante inicial da coima para as empresas em causa em 80%. Deste modo, o montante de base da coima ascendeu a 4 500 000 euros para a Kone, 30 600 000 euros para a Otis, 18 000 000 euros para a Schindler e 9 000 000 para a ThyssenKrupp (considerandos 694 e 696 da decisão impugnada). A Comissão considerou que a ThyssenKrupp devia ser considerada reincidente e majorou o montante da coima da mesma em 50% em razão desta circunstância agravante (considerandos 697, 698 e 711 a 714 da decisão impugnada). Não foi tida em conta qualquer circunstância atenuante em benefício das empresas em causa (considerandos 730, 749, 750 e 753 a 755 da decisão impugnada). Nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002, a Kone beneficiou de uma imunidade total de coimas. A Otis beneficiou, por um lado, de uma redução de 40% do montante da coima na margem prevista no ponto 23, alínea b), primeiro parágrafo, primeiro travessão, da referida comunicação e, por outro, de uma redução de 1% do montante da coima por não contestação dos factos. A Schindler e a ThyssenKrupp beneficiaram apenas de uma redução de 1% do montante da coima por não contestação dos factos (considerandos 814 a 835 da decisão impugnada).

30      No que respeita ao cartel nos Países Baixos, a Kone foi colocada na primeira categoria, com um montante inicial da coima de 55 000 000 euros. A Otis foi colocada na segunda categoria, com um montante inicial da coima de 41 000 000 euros. A Schindler foi colocada na terceira categoria, com um montante inicial da coima de 24 500 000 euros. A ThyssenKrupp e a MEE foram colocadas na quarta categoria, com um montante inicial da coima de 8 500 000 euros (considerandos 684 e 685 da decisão impugnada). Foi aplicado um coeficiente multiplicador de 1,7 ao montante inicial da coima da Otis e um coeficiente multiplicador de 2 ao montante inicial da coima da ThyssenKrupp, para ter em conta a sua dimensão e os seus recursos globais, de modo que os montantes iniciais das suas coimas ascenderam, respectivamente, a 69 700 000 euros e a 17 000 000 euros (considerandos 690 e 691 da decisão impugnada). Dado que a infracção cometida pela Otis e pela ThyssenKrupp teve a duração de cinco anos e dez meses (de 15 de Abril de 1998 a 5 de Março de 2004), a Comissão majorou o montante inicial da coima para estas empresas em 55%. Dado que a infracção cometida pela Kone e pela Schindler teve a duração de quatro anos e nove meses (de 1 de Junho de 1999 a 5 de Março de 2004), a Comissão majorou o montante inicial da coima para estas empresas em 45%. Dado que a infracção cometida pela MEE teve a duração de quatro anos e um mês (de 11 de Janeiro de 2000 a 5 de Março de 2004), a Comissão majorou o montante inicial da coima para esta empresa em 40%. Deste modo, o montante de base da coima ascendeu a 79 750 000 euros para a Kone, 108 035 000 euros para a Otis, 35 525 000 euros para a Schindler, 26 350 000 para a ThyssenKrupp e 11 900 000 euros para a MEE (considerandos 695 e 696 da decisão impugnada). A Comissão considerou que a ThyssenKrupp devia ser considerada reincidente e majorou o montante da coima da mesma em 50% em razão desta circunstância agravante (considerandos 697, 698 e 715 a 720 da decisão impugnada). Não foi tida em conta qualquer circunstância atenuante em benefício das empresas em causa (considerandos 724 a 726, 731, 732, 737, 739 a 741, 745 a 748 e 751 a 755 da decisão impugnada). Nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002, a Otis beneficiou de uma imunidade total de coimas. A ThyssenKrupp beneficiou, por um lado, de uma redução de 40% do montante da coima na margem prevista no ponto 23, alínea b), primeiro parágrafo, primeiro travessão, da referida comunicação e, por outro, de uma redução de 1% do montante da coima por não contestação dos factos. A Schindler e a MEE beneficiaram de uma redução de 1% do montante da coima por não contestação dos factos (considerandos 836 a 885 da decisão impugnada).

31      A parte dispositiva da decisão impugnada dispõe:

«Artigo 1.°

1.      No que respeita à Bélgica, as empresas a seguir referidas infringiram o artigo 81.° [CE] ao participarem, regular e colectivamente, durante os períodos indicados, em acordos e práticas concertadas ao nível nacional relativos aos elevadores e escadas rolantes, com o fim de partilhar os mercados, repartir entre si os concursos públicos e privados e outros contratos de acordo com o previamente acordado para a venda e instalação, e abster‑se de concorrer entre si para os contratos de manutenção e modernização:

–        Kone: [KC] e [Kone Bélgica]: de 9 de Maio de 1996 a 29 de Janeiro de 2004;

–        Otis: [UTC], [OEC] e [Otis Bélgica]: de 9 de Maio de 1996 a 29 de Janeiro de 2004;

–        Schindler: Schindler Holding […] e [Schindler Bélgica]: de 9 de Maio de 1996 a 29 de Janeiro de 2004; e

–        ThyssenKrupp: [TKAG], [TKE] e [TKLA]: de 9 de Maio de 1996 a 29 de Janeiro de 2004.

2.      No que respeita à Alemanha, as empresas a seguir referidas infringiram o artigo 81.° [CE] ao participarem, regular e colectivamente, durante os períodos indicados, em acordos e práticas concertadas ao nível nacional relativos aos elevadores e escadas rolantes, com o fim de partilhar os mercados, repartir entre si os concursos públicos e privados e outros contratos de acordo com o previamente acordado para a venda e instalação:

–        Kone: [KC] e [Kone Alemanha]: de 1 de Agosto de 1995 a 5 de Dezembro de 2003;

–        Otis: [UTC], [OEC] e [Otis Alemanha]: de 1 de Agosto de 1995 a 5 de Dezembro de 2003;

–        Schindler: Schindler Holding […] e [Schindler Alemanha]: de 1 de Agosto de 1995 a 6 de Dezembro de 2000; e

–        ThyssenKrupp: [TKAG], [TKE], [TKA] e [TKF]: de 1 de Agosto de 1995 a 5 de Dezembro de 2003.

3.      No que respeita ao Luxemburgo, as empresas a seguir referidas infringiram o artigo 81.° [CE] ao participarem, regular e colectivamente, durante os períodos indicados, em acordos e práticas concertadas ao nível nacional relativos aos elevadores e escadas rolantes, com o fim de partilhar os mercados, repartir entre si os concursos públicos e privados e outros contratos de acordo com o previamente acordado para a venda e instalação, e abster‑se de concorrer entre si para os contratos de manutenção e modernização:

–        Kone: [KC] e [Kone Luxemburgo]: de 7 de Dezembro de 1995 a 29 de Janeiro de 2004;

–        Otis: [UTC], [OEC], [Otis Bélgica], [GTO] e [GT]: de 7 de Dezembro de 1995 a 9 de Março de 2004;

–        Schindler: Schindler Holding […] e [Schindler Luxemburgo]: de 7 de Dezembro de 1995 a 9 de Março de 2004; e

–        ThyssenKrupp: [TKAG], [TKE] e [TKAL]: de 7 de Dezembro de 1995 a 9 de Março de 2004.

4.      No que respeita aos Países Baixos, as empresas a seguir referidas infringiram o artigo 81.° [CE] ao participarem, regular e colectivamente, durante os períodos indicados, em acordos e práticas concertadas ao nível nacional relativos aos elevadores e escadas rolantes, com o fim de partilhar os mercados, repartir entre si os concursos públicos e privados e outros contratos de acordo com o previamente acordado para a venda e instalação, e abster‑se de concorrer entre si para os contratos de manutenção e modernização:

–        Kone: [KC] e [Kone Países Baixos]: de 1 de Junho de 1999 a 5 de Março de 2004;

–        Otis: [UTC], [OEC] e [Otis Países Baixos]: de 15 de Abril de 1998 a 5 de Março de 2004;

–        Schindler: Schindler Holding […] e [Schindler Países Baixos]: de 1 de Junho de 1999 a 5 de Março de 2004;

–        ThyssenKrupp: [TKAG] e [TKL]: de 15 de Abril de 1998 a 5 de Março de 2004; e

–        [MEE]: de 11 de Janeiro de 2000 a 5 de Março de 2004.

Artigo 2.°

1.      No que diz respeito às infracções na Bélgica referidas no artigo 1.°, n.° 1, são aplicadas as seguintes coimas:

–        Kone: [KC] e [Kone Bélgica], solidariamente: 0 EUR;

–        Otis: [UTC], [OEC] e [Otis Bélgica], solidariamente: 47 713 050 EUR;

–        Schindler: Schindler Holding […] e [Schindler Bélgica], solidariamente: 69 300 000 EUR; e

–        ThyssenKrupp: [TKAG], [TKE] e [TKLA], solidariamente: 68 607 000 EUR.

2.      No que diz respeito às infracções na Alemanha referidas no artigo 1.°, n.° 2, são aplicadas as seguintes coimas:

–        Kone: [KC] e [Kone Alemanha], solidariamente: 62 370 000 EUR;

–        Otis: [UTC], [OEC] e [Otis Alemanha], solidariamente: 159 043 500 EUR;

–        Schindler: Schindler Holding […] e [Schindler Alemanha], solidariamente: 21 458 250 EUR; e

–        ThyssenKrupp: [TKAG], [TKE], [TKA] e [TKF], solidariamente: 374 220 000 EUR.

3.      No que diz respeito às infracções no Luxemburgo referidas no artigo 1.°, n.° 3, são aplicadas as seguintes coimas:

–        Kone: [KC] e [Kone Luxemburgo], solidariamente: 0 EUR;

–        Otis: [UTC], [OEC], [Otis Belgique], [GTO] e [GT], solidariamente: 18 176 400 EUR;

–        Schindler: Schindler Holding […] e [Schindler Luxemburgo], solidariamente: 17 820 000 EUR; et

–        ThyssenKrupp: [TKAG], [TKE] e [TKAL], solidariamente: 13 365 000 EUR.

3.      No que diz respeito às infracções nos Países Baixos referidas no artigo 1.°, n.° 4, são aplicadas as seguintes coimas:

–        Kone: [KC] e [Kone Países Baixos], solidariamente: 79 750 000 EUR;

–        Otis: [UTC], [OEC] e [Otis Países Baixos], solidariamente: 0 EUR;

–        Schindler: Schindler Holding […] e [Schindler Países Baixos], solidariamente: 35 169 750 EUR;

–        ThyssenKrupp: [TKAG] e [TKL], solidariamente: 23 477 850 EUR; e

–        [MEE]: 1 841 400 EUR.

[…]»

 Tramitação processual e pedidos das partes

32      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral, em 4 de Maio de 2007, as recorrentes, Schindler Holding, Schindler Management AG, Schindler Bélgica, Schindler Alemanha, Schindler Luxemburgo e Schindler Países Baixos, interpuseram o presente recurso.

33      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal em 25 de Julho de 2007, o Conselho da União requereu que fosse admitida a sua intervenção em apoio dos pedidos da Comissão. Por despacho de 8 de Outubro de 2007, o Presidente da Oitava Secção do Tribunal deferiu este pedido de intervenção.

34      Em 26 de Novembro de 2007, o Conselho apresentou as suas alegações de intervenção. As partes principais apresentaram as suas observações sobre as referidas alegações.

35      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Oitava Secção) decidiu dar início à fase oral do processo e, no quadro das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do seu Regulamento de Processo, colocou questões escritas às recorrentes e solicitou à Comissão que apresentasse um documento. As partes deram cumprimento a estas medidas no prazo fixado.

36      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas verbalmente pelo Tribunal na audiência de 17 de Setembro de 2009.

37      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        a título subsidiário, reduzir o montante das coimas aplicadas;

–        declarar, nos termos do artigo 113.° do Regulamento de Processo, que não há que conhecer do mérito da causa no que respeita ao recurso interposto pela Schindler Management;

–        condenar a Comissão nas despesas, incluindo as resultantes do não conhecimento do mérito no que respeita ao recurso interposto pela Schindler Management.

38      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

39      O Conselho conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        pronunciar‑se de forma adequada quanto às despesas.

 Quanto ao pedido de que o Tribunal Geral não conheça do mérito da causa no que respeita à Schindler Management

40      Na versão anterior à interposição do recurso, o artigo 4.° da decisão impugnada referia a Schindler Management como um dos destinatários da mesma.

41      Por decisão de 4 de Setembro de 2007, comunicada ao Tribunal em 30 de Junho de 2009, a Comissão rectificou o artigo 4.° da decisão impugnada e notificou a Schindler Holding e a Schindler Management desta rectificação. O artigo 4.° rectificado da decisão impugnada já não refere a Schindler Management.

42      Segundo as recorrentes, a rectificação da decisão impugnada privou o recurso do seu objecto na medida em que foi interposto pela Schindler Management.

43      Há que declarar, em conformidade com os pedidos das recorrentes, que, no seguimento da rectificação da decisão impugnada, o presente recurso deixou de ter objecto na parte que respeita à Schindler Management.

44      Logo, não há que conhecer do mérito do recurso na medida em que o mesmo foi interposto pela Schindler Management.

 Quanto ao mérito

1.     Observações preliminares

45      Em apoio do seu recurso, as recorrentes, nos seus articulados, invocaram os seus argumentos no quadro de treze fundamentos, que apresentaram como a seguir se indica. O primeiro fundamento é relativo à violação do princípio da legalidade das penas, em razão do facto de o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, atribuir à Comissão uma margem de apreciação ilimitada no cálculo das coimas. O segundo fundamento é relativo à violação do princípio da não retroactividade na aplicação das orientações de 1998 e da comunicação sobre a cooperação de 2002. O terceiro fundamento é relativo à violação do princípio de legalidade das penas e à falta de competência da Comissão para adoptar as orientações de 1998. O quarto fundamento é relativo à ilegalidade da comunicação sobre a cooperação de 2002, em razão da violação dos princípios nemo tenetur se ipsum accusare, nemo tenetur se ipsum prodere (a seguir, conjuntamente, «princípio nemo tenetur»), in dubio pro reo e da proporcionalidade. O quinto fundamento é relativo à violação do princípio da separação de poderes e das exigências de um processo baseado no respeito dos princípios de um Estado de direito. O sexto fundamento é relativo ao carácter expropriatório das coimas aplicadas às recorrentes. O sétimo e o oitavo fundamentos são relativos à violação das orientações de 1998 na fixação do montante inicial das coimas e na apreciação das circunstâncias atenuantes. O nono fundamento é relativo à violação das orientações de 1998 e da comunicação sobre a cooperação de 2002 no que respeita à determinação do montante das coimas relativas às infracções na Bélgica, na Alemanha e no Luxemburgo. O décimo fundamento é relativo à desproporcionalidade do montante das coimas. O décimo primeiro fundamento é relativo à ausência de notificação válida da decisão impugnada à Schindler Holding. O décimo segundo fundamento é relativo à ausência de responsabilidade da Schindler Holding. Finalmente, o décimo terceiro fundamento é relativo à violação do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

46      Embora o recurso interposto pelas recorrentes tenha um duplo objecto, a saber, a título principal, um pedido de anulação da decisão impugnada e, a título subsidiário, um pedido de redução do montante das coimas, as diferentes alegações das recorrentes nos seus articulados foram, contudo, formuladas sem terem sido precisados os pedidos que sustentam. Na audiência, as recorrentes indicaram, no essencial, em resposta a uma questão do Tribunal, que os dez primeiros e o décimo terceiro fundamentos têm por objecto a anulação do artigo 2.° da decisão impugnada, que o décimo primeiro fundamento tem por objecto a anulação da decisão impugnada no seu conjunto, na medida em que esta visa a Schindler Holding, e que o décimo segundo fundamento tem por objecto a anulação dos artigos 1.°, 2.° e 3.° da decisão impugnada no seu conjunto, na medida em que esta é dirigida à Schindler Holding.

47      A este respeito, há que considerar que várias alegações das recorrentes são relativas à legalidade da decisão impugnada no seu conjunto e, portanto, serão analisados em primeiro lugar. É o caso da alegação das recorrentes formulada no âmbito do quinto fundamento, que, no essencial, é relativa a uma violação do artigo 6.°, n.° 1, da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950 (a seguir «CEDH»). Das alegações relativas à legalidade da decisão impugnada no seu conjunto fazem igualmente parte as que foram suscitadas no âmbito do décimo primeiro e do décimo segundo fundamentos, relativos respectivamente à ilegalidade da decisão impugnada na medida em que é dirigida à Schindler Holding devido à ausência de notificação válida e à ilegalidade da decisão impugnada na medida em que accionou a responsabilidade solidária da Schindler Holding.

48      As alegações relativas à legalidade do artigo 2.° da decisão impugnada, formuladas no âmbito dos outros fundamentos do recurso, serão analisadas em segundo lugar. A este respeito, o Tribunal considera oportuno analisar as alegações das recorrentes como se segue. Antes de mais, serão analisados os primeiro, segundo, terceiro e quarto fundamentos, no âmbito dos quais as recorrentes suscitam várias excepções de ilegalidade relativas ao artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, às orientações de 1998 e à comunicação sobre a cooperação de 2002. Em seguida, será analisado o sexto fundamento, segundo o qual a decisão impugnada tem carácter expropriatório. Finalmente, o Tribunal analisará os sétimo, oitavo, nono, décimo e décimo terceiro fundamentos, no âmbito dos quais as recorrentes formularam várias alegações relativas à determinação do montante das suas coimas.

2.     Quanto ao pedido de anulação da decisão impugnada no seu conjunto

 Quanto ao fundamento relativo à violação do artigo 6.°, n.° 1, da CEDH

49      As recorrentes argumentam que, dado que as infracções às disposições do Tratado CE em matéria de direito da concorrência são abrangidas pelo direito penal, o procedimento perante a Comissão deve respeitar as exigências do artigo 6.°, n.° 1, da CEDH. Ora, autoridades administrativas só podem aplicar sanções penais se for possível um controlo jurisdicional, o que não acontece no presente caso. Com efeito, um recurso de anulação nos tribunais da União é apenas um processo de recurso administrativo, limitado aos fundamentos concretamente avançados pelo recorrente, que não respeita as exigências definidas pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH»), designadamente no âmbito do processo Öztürk c. Alemanha, de 21 de Fevereiro de 1984 (série A, n.° 73). Além disso, o procedimento perante a Comissão não pode ser qualificado de processo perante um tribunal independente e imparcial, dado que a administração da prova pela Comissão no âmbito da comunicação sobre a cooperação de 2002, que se baseia em descrições de factos obtidas no âmbito de uma «auto‑acusação», viola as exigências de um processo de um Estado de Direito, na medida em que as empresas não têm qualquer possibilidade de verificar a pertinência das alegações, colocando, por exemplo, questões às testemunhas de acusação.

50      O artigo 6.°, n.° 1, da CEDH dispõe:

«Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá […] sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela […]».

51      Deve recordar‑se que o Tribunal de Justiça reconheceu o princípio geral de direito da União nos termos do qual qualquer pessoa tem direito a um processo equitativo (v. acórdão do Tribunal de Justiça, de 25 de Janeiro de 2007, Salzgitter Mannesmann/Comissão, C‑411/04 P, Colect., p. I‑959, n.° 40, e jurisprudência referida). Este princípio, aliás reafirmado pelo artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em 7 de Dezembro de 2000, em Nice (JO C 364, p. 1) (a seguir «carta»), inspira‑se nos direitos fundamentais que fazem parte integrante dos princípios gerais de direito da União, cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça, inspirando‑se nas tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros bem como nas indicações fornecidas, nomeadamente, pela CEDH (acórdão Salzgitter Mannesmann/Comissão, já referido, n.° 41).

52      Em primeiro lugar, no que respeita ao argumento segundo o qual o procedimento perante a Comissão não respeita as exigências do artigo 6.°, n.° 1, da CEDH, deve salientar‑se que, segundo a jurisprudência do TEDH, para que o artigo 6.° da CEDH seja aplicável, basta que a infracção em causa seja, por natureza, penal ou tenha exposto o interessado a uma sanção que, pela sua natureza e grau de gravidade, em geral, recai na matéria penal (v. Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, acórdão Jussila c. Finlândia, de 23 de Novembro de 2006, Recueil des arrêts et décisions, 2006‑XIII, § 31, e jurisprudência referida). A este respeito, como resulta da jurisprudência do TEDH, ao adoptar uma interpretação autónoma do conceito de «acusação em matéria penal», os órgãos da CEDH lançaram as bases de um alargamento progressivo da aplicação da vertente penal do artigo 6.° a domínios que não se integram formalmente nas categorias tradicionais do direito penal, tais como as sanções pecuniárias aplicadas por violação do direito da concorrência. No entanto, quanto às categorias que não fazem parte do núcleo duro do direito penal, o TEDH especificou que as garantias proporcionadas pela vertente penal do artigo 6.° não devem necessariamente aplicar‑se em todo o seu rigor (v., neste sentido, TEDH, acórdão Jussila c. Finlândia, já referido, § 43, e jurisprudência referida).

53      Além disso, segundo a jurisprudência do juiz da União, e como afirma expressamente o artigo 23.°, n.° 5, do Regulamento n.° 1/2003, as decisões da Comissão que aplicam coimas pela violação do direito da concorrência não têm natureza penal (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, T‑83/91, Colect., p. II‑755, n.° 235; de 15 de Março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colect., p. II‑491, n.° 717, e de 20 de Março de 2002, HFB e o./Comissão, T‑9/99, Colect., p. II‑1487, n.° 390).

54      Contrariamente ao que referem as recorrentes, há que considerar que um procedimento em cujo âmbito a Comissão adopta uma decisão que declara uma infracção e aplica coimas que pode depois ser submetido ao controlo dos órgãos jurisdicionais da União preenche os requisitos do artigo 6.°, n.° 1, da CEDH. É certo que a Comissão não é um tribunal na acepção do artigo 6.° da CEDH (v., neste sentido acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 1980, van Landewyck e o./Comissão, 209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125, n.° 81, e de 7 de Junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 7). No entanto, a Comissão deve respeitar os princípios gerais de direito da União no decurso do procedimento administrativo (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, Shell/Comissão, T‑11/89, Colect., p. II‑757, n.° 39; Cimenteries CBR e o./Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.° 718, e HFB e o./Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.° 391).

55      Além disso, o controlo exercido pelo juiz da União sobre as decisões da Comissão garante que são cumpridos os requisitos de um processo equitativo, tal como consagrado pelo artigo 6.°, n.° 1, da CEDH (v. n.° 50 supra).

56      A este respeito, segundo o TEDH, é necessário que a empresa em causa possa submeter qualquer decisão que lhe seja aplicada a um órgão jurisdicional de plena jurisdição, que tenha designadamente o poder de rever a decisão adoptada em todos os âmbitos, tanto de facto como de direito (v., por analogia, Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, acórdão Janosevic c. Suécia, de 23 de Julho de 2002, Recueil des arrêts et décisions, 2002‑VII, § 81, e jurisprudência referida). Ora, quando o Tribunal controla a legalidade de uma decisão que declara uma infracção ao artigo 81.° CE, pode ser chamado pelos recorrentes a proceder a uma análise exaustiva tanto da verificação material dos factos como da sua apreciação jurídica pela Comissão. Além disso, no que respeita às coimas, goza de competência de plena jurisdição por força do artigo 229.° CE e do artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003 (v., neste sentido, acórdão Cimenteries CBR e o./Comissão, já referido no n.° 53 supra, n.° 719).

57      Em segundo lugar, há que rejeitar o argumento das recorrentes segundo o qual as empresas em causa não tiveram a possibilidade de verificar a pertinência das alegações apresentadas pela Comissão, por exemplo interrogando as possíveis testemunhas de acusação. Com efeito, segundo a jurisprudência, nenhuma disposição nem nenhum princípio geral do direito comunitário proíbe a Comissão de invocar contra uma empresa declarações de outras empresas. Se não fosse assim, o ónus da prova de comportamentos contrários aos artigos 81.° CE e 82.° CE, que incumbe à Comissão, seria insustentável e incompatível com a missão de vigilância da boa aplicação dessas disposições que lhe é atribuída pelo Tratado CE. Todavia, a declaração de uma empresa acusada de ter participado num acordo, cuja exactidão é contestada por várias empresas incriminadas, não pode ser considerada prova suficiente dos factos em causa sem ser apoiada por outros elementos de prova (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Outubro de 2005, Groupe Danone /Comissão, T‑38/02, Colect., p. II‑4407, n.° 285, e jurisprudência referida). Além disso, em quaisquer circunstâncias, impõe‑se observar que, no presente caso, as recorrentes reconheceram expressamente os factos apresentados na comunicação de acusações.

58      Em terceiro lugar, quanto ao resto, a alegação das recorrentes no que respeita à administração da prova pela Comissão no âmbito da comunicação sobre a cooperação de 2002 confunde‑se com a alegação das mesmas relativa à ilegalidade da referida comunicação devido à violação dos princípios nemo tenetur e in dubio pro reo, que deve ser rejeitada pelas razões apresentadas nos n.os 146 a 164 infra.

59      Consequentemente, o fundamento relativo à violação do artigo 6.°, n.° 1, da CEDH deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao fundamento relativo à ilegalidade da decisão impugnada, na medida em que é dirigida à Schindler Holding, em razão da ausência de notificação válida

60      As recorrentes reconhecem que a decisão impugnada foi comunicada à Schindler Holding, com sede na Suíça. No entanto, esta não foi notificada nos termos do artigo 254.°, n.° 3, CE. A actuação da Comissão viola o direito penal suíço e é contrária ao direito internacional. Com efeito, a notificação na Suíça pressupõe a existência de uma convenção de direito internacional com a Suíça, convenção que não existia, de modo que, na ausência de notificação, a decisão impugnada, na medida em que é dirigida à Schindler, não é válida e, portanto, é juridicamente inexistente.

61      A este respeito, cabe recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que as irregularidades no processo de notificação de uma decisão são alheias ao acto e, portanto, não podem afectá‑lo (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 1972, Imperial Chemical Industries/Comissão, 48/69, Colect., p. 205, n.° 39). Estas irregularidades podem apenas, em certas circunstâncias, impedir o início da contagem do prazo referido no artigo 230.°, quinto parágrafo, CE, para interposição de recurso. No presente caso, a Schindler Holding teve incontestavelmente conhecimento do conteúdo da decisão impugnada e fez uso do seu direito de recurso no prazo referido no artigo 230.°, quinto parágrafo, CE.

62      O presente fundamento deve, pois, ser julgado improcedente.

 Quanto ao fundamento relativo à ilegalidade da decisão impugnada na medida em que accionou a responsabilidade solidária da Schindler Holding

63      Com este fundamento, as recorrentes põem em causa a responsabilidade solidária da Schindler Holding, sociedade‑mãe do grupo Schindler, quanto aos comportamentos anticoncorrenciais das suas filiais na Bélgica, Alemanha, Luxemburgo e Países Baixos.

64      No que respeita à responsabilidade solidária de uma sociedade‑mãe pelo comportamento da sua filial, cabe recordar que a circunstância de uma filial ter personalidade jurídica distinta não basta para afastar a possibilidade de o seu comportamento ser imputado à sociedade‑mãe (acórdão Imperial Chemical Industries/Comissão, já referido no n.° 61 supra, n.° 132).

65      Com efeito, o direito da concorrência da União visa as actividades das empresas e o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma actividade económica, independentemente do estatuto jurídico dessa entidade e do seu modo de financiamento (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑97/08, Colect., p. I‑8237, n.° 54, e jurisprudência referida).

66      O juiz da União especificou igualmente que o conceito de empresa, integrado neste contexto, deve ser compreendido como designando uma unidade económica ainda que, do ponto de vista jurídico, esta unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou colectivas (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1984, Hydrotherm Gerätebau, 170/83, Recueil, p. 2999, n.° 11, e Akzo Nobel e o./Comissão, já referido no n.° 65 supra, n.° 55, e jurisprudência referida; v. igualmente, neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Junho de 2000, DSG/Comissão, T‑234/95, Colect., p. II‑2603, n.° 124). Sublinhou, assim, que, para efeitos de aplicação das regras da concorrência, a separação formal entre duas sociedades, resultante das suas personalidades jurídicas distintas, não é determinante, sendo o importante a unidade, ou não, do seu comportamento no mercado. Pode, portanto, tornar‑se necessário determinar se duas sociedades com personalidades jurídicas distintas formam ou dependem de uma só e mesma empresa ou entidade económica que adopta um comportamento único no mercado (acórdão Imperial Chemical Industries/Comissão, já referido no n.° 61 supra, n.° 140, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 2005, DaimlerChrysler/Comissão, T‑325/01, Colect., p. II‑3319, n.° 85).

67      Quando essa entidade económica infringe as regras da concorrência, incumbe‑lhe, de acordo com o princípio da responsabilidade pessoal, responder por essa infracção (v. acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido no n.° 65 supra, n.° 56, e jurisprudência referida).

68      A infracção ao direito da concorrência da União deve ser imputada sem equívoco a uma pessoa jurídica, à qual poderão ser aplicadas coimas, e a comunicação das acusações deve ser‑lhe dirigida. É igualmente importante que a comunicação de acusações indique em que qualidade a pessoa jurídica é acusada dos factos alegados (v. acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido no n.° 65 supra, n.° 57, e jurisprudência referida).

69      Resulta de jurisprudência assente que o comportamento de uma filial pode ser imputado à sociedade‑mãe, designadamente quando, apesar de ter personalidade jurídica distinta, essa filial não determinar de forma autónoma o seu comportamento no mercado, mas aplicar no essencial as instruções que lhe são dadas pela sociedade‑mãe, atendendo em particular aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem essas duas entidades jurídicas (v. acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido no n.° 65 supra, n.° 58, e jurisprudência referida).

70      Com efeito, nessa situação, a sociedade‑mãe e a sua filial fazem parte de uma mesma unidade económica e, portanto, formam uma única empresa, na acepção da jurisprudência mencionada nos n.os 65 e 66 supra. Assim, o facto de uma sociedade‑mãe e a sua filial constituírem uma única empresa na acepção do artigo 81.° CE permite à Comissão dirigir à sociedade‑mãe uma decisão que aplica coimas, sem que seja necessário demonstrar a implicação pessoal desta última na infracção (acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido no n.° 65 supra, n.° 59).

71      No caso especial de uma sociedade‑mãe deter 100% do capital da sua filial que cometeu uma infracção às regras comunitárias da concorrência, por um lado, essa sociedade‑mãe pode exercer uma influência determinante no comportamento dessa filial, e, por outro, existe uma presunção ilidível segundo a qual a referida sociedade‑mãe exerce efectivamente uma influência determinante no comportamento da sua filial (v. acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido no n.° 65 supra, n.° 60, e jurisprudência referida).

72      Nestas condições, basta que a Comissão prove que a totalidade do capital de uma filial é detida pela respectiva sociedade‑mãe para se presumir que esta exerce uma influência determinante na política comercial dessa filial. A Comissão pode, em seguida, considerar que a sociedade‑mãe é solidariamente responsável pelo pagamento da coima aplicada à sua filial, a menos que essa sociedade‑mãe, a quem incumbe ilidir a referida presunção, apresente elementos de prova suficientes, susceptíveis de demonstrar que a sua filial se comporta de forma autónoma no mercado (v. acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido no n.° 65 supra, n.° 61, e jurisprudência referida).

73      Além disso, apesar de o Tribunal de Justiça ter evocado nos n.os 28 e 29 do acórdão de 16 de Novembro de 2000, Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão (C‑286/98 P, Colect., p. I‑9925), para além da detenção de 100% do capital da filial, outras circunstâncias, como a não contestação da influência exercida pela sociedade‑mãe na política comercial da sua filial e a representação comum das duas sociedades durante o procedimento administrativo, não é menos verdade que tais circunstâncias foram referidas pelo Tribunal de Justiça apenas com o objectivo de expor todos os elementos nos quais o Tribunal de Primeira Instância tinha baseado o seu raciocínio, e não para subordinar a aplicação da presunção mencionada no n.° 71 do presente acórdão à apresentação de indícios suplementares relativos ao exercício efectivo de uma influência pela sociedade‑mãe (acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, já referido no n.° 65 supra, n.° 62).

74      Cumpre, à luz dos princípios acima recordados, analisar o presente fundamento.

75      No considerando 627 da decisão impugnada, a Comissão referiu que a Schindler Holding devia ser considerada solidariamente responsável pelo comportamento ilícito das suas filiais Schindler Bélgica, Schindler Alemanha, Schindler Luxemburgo e Schindler Países Baixos, uma vez que «enquanto única proprietária e última sociedade‑mãe, podia exercer uma influência decisiva sobre a política comercial de todas as filiais durante o período da infracção e podia presumir‑se que usou este poder».

76      Nos considerandos 628 e 629 da decisão impugnada, a Comissão considerou que o argumento da Schindler Holding segundo o qual as referidas filiais exercem a sua actividade no mercado enquanto entidades jurídicas autónomas que determinam sozinhas o essencial da sua política comercial, bem como aquele segundo o qual não tinha qualquer influência sobre as actividades correntes das referidas filiais, eram «insuficiente[s] para combater a presunção de que as filiais da Schindler Holding não determinavam com plena autonomia o seu comportamento no mercado».

77      A Comissão salientou igualmente, no considerando 630 da decisão impugnada, que, «durante o procedimento administrativo, [a Schindler Holding] podia ter apresentado provas de que não exerceu influência decisiva sobre as suas filiais […]». Segundo a Comissão, «todavia, [a Schindler Holding] e as suas filiais não [lhe] facultaram […] elementos de prova clarificando as suas relações sociais, a estrutura hierárquica e as obrigações de comunicação, a fim de combater [a] presunção [segundo a qual] […] [a Schindler Holding] enquanto única proprietária das suas filiais, destinatárias d[a] decisão [impugnada], exerceu os seus direitos de controlo e utilizou todos os outros meios para exercer a influência decisiva que detinha».

78      No considerando 631 da decisão impugnada, a Comissão considerou que «a simples existência de um programa de conformidade com as regras da concorrência na Schindler não permit[ia] determinar se [a Schindler Holding] emit[iu] ou não instruções relativas à infracção». Assim, segundo a Comissão, [m]antém‑se a presunção de que a filial detida a 100% pela [Schindler Holding] não determinava de forma autónoma a sua política comercial no mercado».

79      À luz do que antecede, no considerando 632 da decisão impugnada, a Comissão concluiu que «[a Schindler Holding] e as suas filiais detidas a 100% não ilidiram a presunção de responsabilidade pelas infracções cometidas na Bélgica, na Alemanha, no Luxemburgo e nos Países Baixos [e que,] por conseguinte, [a Schindler Holding] [devia] ser considerada solidariamente responsável com as suas filiais em causa pelas infracções ao artigo 81.° CE que são objecto d[a] decisão [impugnada]».

80      Em primeiro lugar, é facto assente que, durante o período da infracção, a Schindler Holding detinha directamente 100% do capital da Schindler Bélgica, da Schindler Alemanha e da Schindler Países Baixos e, indirectamente, através da Schindler Bélgica, 100% do capital da Schindler Luxemburgo. Existia, portanto, uma presunção segundo a qual a Schindler Holding exercia uma influência determinante sobre o comportamento das suas filiais (v. n.° 72 supra).

81      A Schindler não podia alegar que a Comissão devia ter provado que as actividades operacionais das referidas filiais, incluindo o seu comportamento contrário ao artigo 81.° CE, foram realmente influenciadas pela Schindler Holding e que esta última causou ou apoiou a infracção.

82      Com efeito, a imputação do comportamento ilícito de uma filial à sua sociedade‑mãe não necessita da prova de que a sociedade‑mãe influencia a política da sua filial no domínio específico que foi objecto da infracção. Em contrapartida, os vínculos organizacionais, económicos e jurídicos existentes entre a sociedade‑mãe e a sua filial podem demonstrar a existência de uma influência da primeira sobre a estratégia da segunda e, logo, justificar que sejam consideradas uma só entidade económica (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 2007, Akzo Nobel e o./Comissão, T‑112/05, Colect., p. II‑5049, n.° 83). Assim, se a Comissão provar que a totalidade do capital de uma filial é detida pela sua sociedade‑mãe, pode responsabilizar solidariamente a sociedade‑mãe pelo pagamento da coima aplicada à sua filial, excepto se a sociedade‑mãe provar que a sua filial se comporta de maneira autónoma no mercado (v. n.° 72 supra). Cumpre igualmente salientar que não é uma relação de instigação entre a sociedade‑mãe e a sua filial relativamente à infracção nem, por maioria de razão, uma implicação da primeira na referida infracção, mas o facto de constituírem uma única empresa na acepção do artigo 81.° CE que permite à Comissão dirigir uma decisão que impõe coimas à sociedade‑mãe de um grupo de sociedades (acórdão de 12 de Dezembro de 2007, Akzo Nobel e o./Comissão, já referido, n.° 58).

83      As recorrentes também não podem apoiar‑se numa alegada violação do princípio de culpabilidade (Schulprinzip) ou na exclusão de princípio da responsabilização do accionista de uma sociedade de responsabilidade limitada ou de uma sociedade anónima pelas dívidas da sociedade e pelos actos dos seus órgãos dirigentes. Basta referir, a este respeito, que esta argumentação assenta na premissa errada segundo a qual não foi declarada qualquer infracção em relação à sociedade‑mãe, o que não acontece no presente caso, dado que decorre do considerando 632 e dos artigos 1.° e 2.° da decisão impugnada que a Schindler Holding foi individualmente condenada por infracções que ela própria alegadamente cometeu em razão dos estreitos vínculos económicos e jurídicos que a ligavam às suas filiais (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, Metsä‑Serla e o./Comissão, C‑294/98 P, Colect., p. I‑10065, n.os 28 e 34, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Outubro de 2008, Schunk e Schunk Kohlenstoff‑Technik/Comissão, T‑69/04, Colect., p. II‑2567, n.° 74).

84      Em segundo lugar, há que analisar os argumentos apresentados pelas recorrentes, que visam refutar a presunção apresentada no n.° 71 supra, segundo os quais as filiais da Schindler Holding determinaram a sua política comercial de maneira autónoma.

85      Em primeiro lugar, o facto, invocado pelas recorrentes, de que a Schindler Holding não deu às suas filiais instruções que, no presente caso, permitiram ou encorajaram contactos contrários ao artigo 81.° CE e não teve conhecimento de tais contactos, admitindo que estivesse demonstrado, não constitui um elemento susceptível de provar a autonomia destas últimas. Como se recordou no n.° 82 supra, a imputação do comportamento ilícito de uma filial à sua sociedade‑mãe não necessita com efeito de que a sociedade‑mãe influencie a política da sua filial no domínio específico que foi objecto da infracção.

86      Em segundo lugar, deve também ser rejeitado o argumento segundo o qual as filiais da Schindler Holding actuavam sempre de maneira autónoma nos respectivos países, sem sofrer a influência da Schindler Holding sobre as suas actividades correntes, as «aquisições de concursos», as celebrações de contratos ou a sua política de preços, sendo a Schindler Holding informada apenas dos concursos susceptíveis de provocar prejuízos. Com efeito, por um lado, as recorrentes em causa não apresentaram elementos de prova em apoio destas afirmações e, por outro, em quaisquer circunstâncias, as referidas afirmações, admitindo‑as demonstradas, não bastam para refutar a presunção apresentada no n.° 71 supra, uma vez que resulta da jurisprudência que elementos distintos dos indicados pelas recorrentes são igualmente abrangidos pelo conceito da política comercial de uma filial para efeitos da aplicação do artigo 81.° CE em relação à sua sociedade‑mãe. A este título, importa indicar que, no âmbito da análise da existência de uma entidade económica única entre várias sociedades que fazem parte de um grupo, o juiz da União examinou designadamente se a sociedade‑mãe podia influenciar a política de preços, as actividades de produção e de distribuição, os objectivos de venda, as margens brutas, as despesas de venda, o «cash‑flow», as existências e o marketing. Todavia, não se pode daí deduzir que apenas estes aspectos fazem parte do conceito de política comercial de uma filial para efeitos da aplicação dos artigos 81.° CE e 82.° CE relativamente à sua sociedade‑mãe (v. acórdão de 12 de Dezembro de 2007, Akzo Nobel e o./Comissão, já referido no n.° 82 supra, n.° 64, e jurisprudência referida).

87      Em terceiro lugar, o facto de as filiais da Schindler Holding, nos quatro países abrangidos pela infracção, terem participado em infracções distintas, de natureza diferente, o que aponta em sentido contrário à existência de uma influência efectiva desta sobre as actividades operacionais das suas filiais, também não poderia ilidir a presunção de responsabilidade. Com efeito, decorre dos considerandos 627 a 632 da decisão impugnada que a Comissão não se baseou num possível paralelismo entre as infracções verificadas nos quatro países em questão para imputar à Schindler Holding a responsabilidade pelo comportamento das suas filiais. Além disso, a afirmação das recorrentes segundo a qual as infracções são de natureza distinta é errada, dado que as filiais da Schindler Holding, nos quatro países em causa, durante períodos em larga medida coincidentes (de 9 de Maio de 1996 a 29 de Janeiro de 2004, na Bélgica, de 1 de Agosto de 1995 a 6 de Dezembro de 2000, na Alemanha, de 7 de Dezembro de 1995 a 9 de Março de 2004, no Luxemburgo, e de 1 de Junho de 1999 a 5 de Março de 2004, nos Países Baixos), participaram em infracções com um objecto semelhante, que consistia «[n]uma concertação secreta entre concorrentes para repartirem os mercados ou bloquearem partes de mercado, repartindo os projectos de venda e de instalação de elevadores e/ou escadas rolantes novas, e para não concorrerem entre si quanto à manutenção e modernização de elevadores e escadas rolantes (excepto na Alemanha, em que a actividade de manutenção e de modernização não foi objecto de discussões entre os membros do cartel)» (considerando 658 da decisão impugnada).

88      Em quarto lugar, o facto de que a Schindler Holding tenha podido fazer todos os possíveis para impedir comportamentos das suas filiais contrários ao artigo 81.° CE, designadamente através da adopção de um código de conduta destinado a impedir as violações, por estas, do direito da concorrência e das orientações relativas ao mesmo, por um lado, não altera nada à realidade da infracção verificada em relação à mesma (v., por analogia, acórdão de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑5425, n.° 373) e, por outro, não permite demonstrar que as referidas filiais determinavam de maneira autónoma a sua política comercial. Pelo contrário, a aplicação, nas filiais da Schindler Holding, do referido código de conduta sugere antes um controlo efectivo pela sociedade‑mãe da política comercial das suas filiais, na medida em que as próprias recorrentes afirmaram que o cumprimento do código de conduta era controlado através de auditorias regulares e de outras medidas adoptadas por um funcionário da Schindler Holding responsável pela conformidade (compliance officer).

89      Em quinto lugar, no que respeita às relações no interior do grupo, a estrutura de gestão e as orientações relativas às informações a prestar na Schindler Holding, a Comissão afirmou, no considerando 630 da decisão impugnada, que a Schindler Holding e as suas filiais não lhe facultaram elementos de informação que clarificassem as suas relações sociais. É certo que decorre dos autos que, no decurso do procedimento administrativo, as recorrentes efectivamente prestaram algumas informações à Comissão sobre as relações no grupo, sobre a estrutura de gestão e sobre as orientações relativas às comunicações a efectuar (reporting lines).

90      No entanto, estas informações não permitem concluir pela autonomia das filiais da Schindler. Com efeito, as informações dadas, que, de resto, não são acompanhadas por elementos de prova, continuam a ter lacunas, essencialmente respeitantes às responsabilidades e obrigações de comunicação (reporting obligations) de alguns quadros da Schindler Luxemburgo e da Schindler Bélgica, bem como às responsabilidades de um funcionário da Schindler Alemanha, sem que as relações sociais entre a Schindler Holding e as suas filiais activas nos países em causa ou ainda a influência da Schindler Holding sobre estas últimas sejam mais amplamente clarificadas.

91      Tendo em conta a presunção de responsabilidade indicada no n.° 72 supra e o facto de, como decorre dos n.os 84 a 90 supra, esta presunção não ter sido ilidida pelas recorrentes, a Comissão imputou com justeza as infracções praticadas pelas filiais da Schindler Holding a esta última.

92      Em consequência, improcede o presente fundamento.

3.     Quanto ao pedido de anulação do artigo 2.° da decisão impugnada

 Quanto à excepção de ilegalidade relativa ao artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, respeitante à violação do princípio da legalidade das penas

93      As recorrentes alegam que o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 confere à Comissão uma margem de apreciação quase ilimitada no que respeita à fixação do montante das coimas, o que é contrário ao princípio da legalidade das penas, definido no artigo 7.°, n.° 1, da CEDH, que decorre igualmente dos princípios gerais de direito que estão na base das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros.

94      Cabe recordar a redacção do artigo 7.°, n.° 1, da CEDH:

«Ninguém pode ser condenado por uma acção ou uma omissão que, no momento em que foi cometida, não constituía infracção, segundo o direito nacional ou internacional. Igualmente não pode ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infracção foi cometida».

95      Resulta da jurisprudência que o princípio da legalidade das penas é um corolário do princípio da segurança jurídica, o qual constitui um princípio geral do direito da União que exige , designadamente, que qualquer regulamentação comunitária, especialmente quando esta aplica ou permite aplicar sanções, seja clara e precisa, a fim de que os interessados possam conhecer, sem ambiguidade, os direitos e obrigações dela resultantes e agir em conformidade (v. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Abril de 2006, Degussa/Comissão, T‑279/02, Colect., p. II‑897, n.° 66, e de 27 de Setembro de 2006, Jungbunzlauer/Comissão, T‑43/02, Colect., p. II‑3435, n.° 71, e jurisprudência referida).

96      O princípio de legalidade das penas, que faz parte dos princípios gerais de direito da União na base das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, foi igualmente consagrado por vários tratados internacionais, designadamente no artigo 7.° da CEDH. Este princípio exige que a lei defina claramente as infracções e as penas que as punem. Esta condição está preenchida quando o sujeito de direito pode saber, a partir da redacção da disposição pertinente e, se necessário, com a ajuda da interpretação que dela é feita pelos tribunais, que actos e omissões accionam a sua responsabilidade penal. Além disso, segundo a jurisprudência do TEDH, a clareza da lei é apreciada não só na perspectiva da disposição pertinente mas também na das precisões efectuadas por jurisprudência constante e publicada (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Maio de 2005, Evonik Degussa/Comissão e Conselho, C‑266/06 P, não publicado na Colectânea, n.os 38 a 40, e jurisprudência referida).

97      Este princípio impõe‑se tanto às normas de natureza penal como aos instrumentos administrativos específicos que impõem ou permitem impor sanções administrativas (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Novembro de 1987, Maizena e o., 137/85, Colect., p. 4587, n.° 15, e jurisprudência referida). Aplica‑se não só às normas que estabelecem os elementos constitutivos de uma infracção, mas também às que definem as consequências que decorrem de uma infracção às primeiras (v. acórdãos Degussa/Comissão, já referido no n.° 95 supra, n.° 67, e Schunk e Schunk Kohlenstoff‑Technik/Comissão, já referido no n.° 83 supra, n.° 29, e jurisprudência referida).

98      Além disso, segundo jurisprudência assente, os direitos fundamentais fazem parte integrante dos princípios gerais de direito cujo respeito é assegurado pelos órgãos jurisdicionais da União (parecer do Tribunal de Justiça 2/94, de 28 de Março de 1996, Colect., p. I‑1759, n.° 33, e acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Maio de 1997, Kremzow, C‑299/95, Colect., p. I‑2629, n.° 14). Para este efeito, o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral inspiram‑se nas tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, bem como nas indicações fornecidas pelos instrumentos internacionais relativos à protecção dos direitos do homem em que os Estados‑Membros colaboraram ou a que aderiram. Neste quadro, a CEDH reveste um significado particular (acórdãos do Tribunal de Justiça de 22 de Outubro de 2002, Roquette Frères, C‑94/00, Colect., p. I‑9011, n.° 23, e Kremzov, já referido, n.° 14). Além disso, segundo o artigo 6.°, n.° 2, TUE, «[a] União respeitará os direitos fundamentais tal como os garante a [CEDH], e tal como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, enquanto princípios gerais do direito [da União]».

99      Como o Tribunal já recordou (acórdão Degussa/Comissão, já referido no n.° 95 supra, n.° 71), o artigo 7.°, n.° 1, da CEDH não exige que os termos das disposições por força das quais essas sanções são aplicadas sejam a tal ponto precisos que as consequências que podem decorrer da infracção a essas disposições sejam previsíveis com uma certeza absoluta. Com efeito, segundo a jurisprudência do TEDH, o facto de uma lei conferir um poder de apreciação não colide, em si, com a exigência de previsibilidade, desde que o alcance e as modalidades de exercício desse poder estejam definidos com uma clareza suficiente, tendo em conta o objectivo legítimo em jogo, para proporcionar ao indivíduo uma protecção adequada contra a arbitrariedade (v. TEDH, acórdão Margareta e Roger Andersson c. Suécia, de 25 de Fevereiro de 1992, série A, n.° 226, § 75). A este propósito, além do texto da própria lei, o TEDH tem em conta a questão de saber se os conceitos indeterminados utilizados foram precisados em jurisprudência assente e publicada (v. TEDH, acórdão G. e França, de 27 de Setembro de 1995, série A, n.° 325‑B, § 25).

100    A tomada em conta das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros não leva a que ao princípio geral do direito comunitário que é o princípio da legalidade das penas se dê uma interpretação diferente da que resulta dos desenvolvimentos acima indicados (acórdão Degussa/Comissão, já referido no n.° 95 supra, n.° 73). O argumento das recorrentes segundo o qual, ao nível nacional, não existe uma autoridade com habilitação equivalente que lhe permita aplicar coimas de forma «quase ilimitada» deve, pois, ser rejeitado.

101    No presente caso, no que respeita à legalidade do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 face ao princípio da legalidade das penas, é de observar, em primeiro lugar, que, ao contrário do que as recorrentes sustentam, o legislador da União não atribuiu à Comissão uma margem de apreciação excessiva ou arbitrária para a fixação das coimas por infracção às regras da concorrência (acórdão Degussa/Comissão, já referido no n.° 95 supra, n.° 74).

102    Com efeito, em primeiro lugar, saliente‑se que, se o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 atribui à Comissão uma ampla margem de apreciação, limita todavia o seu exercício ao estabelecer critérios objectivos que a Comissão deve ter em conta. A este respeito, por um lado, recorde‑se que o montante da coima que pode ser aplicada conhece um limite quantificável e absoluto, calculado em função de cada empresa, para cada infracção, pelo que o montante máximo da coima que pode ser aplicada a uma empresa é determinável antecipadamente. Por outro lado, esta disposição impõe à Comissão que fixe as coimas em cada caso concreto tomando em consideração, além da gravidade da infracção, a duração da mesma (acórdão Evonik Degussa/Comissão e Conselho, já referido no n.° 96 supra, n.° 50, e acórdão Degussa/Comissão, já referido no n.° 95 supra, n.° 75).

103    As recorrentes não podem afirmar que o acórdão Degussa/Comissão, já referido no n.° 95 supra (n.os 66 a 88), ou o acórdão Jungbunzlauer/Comissão, já referido no n.° 95 supra (n.os 69 a 92), em que a interpretação do princípio da legalidade das penas adoptada corresponde à adoptada no acórdão Degussa/Comissão (já referido no n.° 95 supra), se baseiam numa «concepção jurídica errada». Com efeito, no seu acórdão Evonik Degussa/Comissão e Conselho, já referido no n.° 96 supra (n.os 36 a 63), o Tribunal de Justiça confirmou, em recurso, a interpretação que o Tribunal fez do princípio da legalidade das penas no acórdão Degussa/Comissão, já referido no n.° 95 supra.

104    É certo que os acórdãos referidos no número anterior são relativos ao artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, enquanto as coimas aplicadas pela decisão impugnada são fundadas no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003. No entanto, uma vez que os critérios e os limites para a aplicação das coimas são idênticos nas duas disposições, a jurisprudência referida no número anterior pode ser transposta para o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

105    Em segundo lugar, no exercício do seu poder de apreciação para fixar coimas nos termos do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, a Comissão é obrigada a observar os princípios gerais de direito, especialmente os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, tal como foram desenvolvidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância (acórdão Evonik Degussa/Comissão e Conselho, já referido no n.° 96 supra, n.° 51, e acórdão Degussa/Comissão, já referido no n.° 95 supra, n.° 77).

106    Em terceiro lugar, para efeitos de assegurar a previsibilidade e a transparência da sua acção, o exercício pela Comissão do seu poder de apreciação é igualmente limitado pelas regras de conduta que a si mesma impôs na comunicação sobre a cooperação de 2002 e nas orientações de 1998. Para este efeito, deve salientar‑se que as referidas comunicação e orientações, por um lado, enunciam regras de conduta de que a Comissão não pode afastar‑se sob pena de ser sancionada por violação dos princípios gerais do direito, como a igualdade de tratamento e a protecção da confiança legítima e, por outro, garantem a segurança jurídica das empresas em causa ao determinar a metodologia que a Comissão impôs a si própria para efeitos da fixação do montante das coimas aplicadas nos termos do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça Evonik Degussa/Comissão e Conselho, já referido no n.° 96 supra, n.os 52 e 53, e de 19 de Março de 2009, Archer Daniels Midland/Comissão, C‑510/06 P, Colect., p. I‑1843, n.° 60; acórdão Degussa/Comissão, já referido no n.° 95 supra, n.os 78 e 82). Além disso, contrariamente ao que referem as recorrentes, a adopção, pela Comissão, das orientações de 1998 e, em 2006, das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2, alínea a), do artigo 23.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 (JO C 210, p. 2), na medida em que está inserida no quadro jurídico imposto pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e pelo artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, contribuiu unicamente para precisar os limites do exercício do poder de apreciação da Comissão que resultavam já destas disposições, sem que daí se possa deduzir uma insuficiência inicial da determinação, pelo legislador da União, dos limites da competência da Comissão no domínio em causa (v., neste sentido, acórdão Schunk e Schunk Kohlenstoff‑Technik/Comissão, já referido no n.° 83 supra, n.° 44).

107    Em quarto lugar, deve acrescentar‑se que, nos termos do artigo 229.° CE e do artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância decidem com competência de plena jurisdição dos recursos interpostos das decisões através das quais a Comissão tenha fixado coimas, podendo, assim, não só anular estas decisões, mas também suprimir, reduzir ou elevar a coima aplicada. Deste modo, a prática administrativa conhecida e acessível da Comissão está sujeita à plena fiscalização do juiz da União. Esta fiscalização permitiu esclarecer, em jurisprudência assente e publicada, os conceitos indeterminados que podia conter o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e, depois, o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 (v., neste sentido, acórdão Evonik Degussa/Comissão e Conselho, já referido no n.° 96 supra, n.° 54, e acórdão Degussa/Comissão, já referido no n.° 95 supra, n.° 79).

108    Assim, face aos diferentes elementos atrás apontados, um operador avisado pode, recorrendo, se necessário, a aconselhamento jurídico, prever de forma suficientemente precisa o método de cálculo e ordem de grandeza das coimas em que incorre por um determinado comportamento. O facto de esse operador não poder, antecipadamente, conhecer com precisão o nível das coimas que a Comissão aplicará em cada caso concreto não pode constituir uma violação do princípio da legalidade das penas (acórdão Evonik Degussa/Comissão e Conselho, já referido no n.° 96 supra, n.° 55, e acórdão Degussa/Comissão, já referido no n.° 95 supra, n.° 83).

109    As recorrentes não podiam, pois, alegar que o texto do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 não garante o nível de previsibilidade exigido pelos princípios fundamentais do direito penal e pelo Estado de Direito. Com efeito, a referida disposição permite prever, de maneira suficientemente precisa, o método de cálculo e o nível das coimas aplicadas (v., neste sentido, acórdão Evonik Degussa/Comissão e Conselho, já referido no n.° 96 supra, n.° 58).

110    Em segundo lugar, contrariamente ao que referem as recorrentes, a prática decisória da Comissão em matéria de coimas não evoluiu de forma imprevisível ou aleatória.

111    Primeiramente, durante os períodos relativamente aos quais a decisão impugnada declarou a existência das quatro infracções, houve apenas uma reorganização do método de determinação das coimas, pela publicação das orientações de 1998, a qual foi considerada razoavelmente previsível pelo Tribunal de Justiça (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no n.° 88 supra, n.° 231).

112    Em segundo lugar, quanto ao aumento do nível das coimas na sequência da adopção das orientações de 1998, é jurisprudência assente que a Comissão pode, a todo o tempo, adaptar o nível das coimas se a aplicação eficaz das regras de concorrência da União o exigir (acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, já referido no n.° 54 supra, n.° 109, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, LR AF 1998/Comissão, T‑23/99, Colect., p. II‑1705, n.° 237), podendo então essa alteração da prática administrativa da Comissão ser objectivamente justificada pelo objectivo de prevenção geral das infracções às regras de concorrência da União. O aumento recente do nível das coimas, alegado e contestado pelas recorrentes, não pode, pois, em si, ser considerado ilegal face ao princípio da legalidade das penas, uma vez que se mantém no quadro legal definido pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e pelo artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, tal como interpretados pelos órgãos jurisdicionais da União (v., neste sentido, acórdãos Degussa/Comissão, já referido no n.° 95 supra, n.° 81, e Schunk e Schunk Kohlenstoff‑Technik/Comissão, já referido no n.° 83 supra, n.° 43).

113    Em terceiro lugar, há que considerar que é desprovido de fundamento o argumento segundo o qual, ao adoptar o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, o Conselho não cumpriu a sua obrigação de indicar claramente os limites da competência conferida à Comissão e, de facto, transferiu para esta uma competência que lhe incumbia por força do Tratado CE, em violação do artigo 83.° CE.

114    Por um lado, como se expôs anteriormente, embora o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 deixem à Comissão uma larga margem de apreciação, limitam porém o seu exercício instituindo critérios objectivos que a Comissão tem de observar. Por outro lado, há que recordar que o Regulamento n.° 17 e o Regulamento n.° 1/2003 foram adoptados com base no artigo 83.°, n.° 1, CE, que prevê que «[o]s regulamentos ou directivas necessários à aplicação dos princípios constantes dos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] serão estabelecidos pelo Conselho, [...] sob proposta da Comissão, após consulta do Parlamento Europeu». Estes regulamentos e directivas têm, conforme dispõem as alíneas a) e d) do n.° 2 do artigo 83.° [CE], respectivamente, o objectivo de «[g]arantir o respeito das proibições referidas no n.° 1 do artigo 81.° [CE] e no artigo 82.° [CE], pela cominação de multas e adstrições», e de «definir as funções respectivas da Comissão e do Tribunal de Justiça quanto à aplicação do disposto no presente número». Recorde‑se, por outro lado, que, nos termos do artigo 211.°, primeiro travessão, CE, a Comissão «vela pela aplicação das disposições do presente Tratado bem como das medidas tomadas pelas instituições, por força deste» e que dispõe, por força do terceiro travessão do mesmo artigo, de um «poder de decisão próprio» (acórdãos Degussa/Comissão, já referido no n.° 95 supra, n.° 86, e Schunk e Schunk Kohlenstoff‑Technik/Comissão, já referido no n.° 83 supra, n.° 48).

115    Daqui resulta que não se pode considerar que o poder de aplicar coimas por infracção aos artigos 81.° CE e 82.° CE pertence originariamente ao Conselho, que o transferiu para a Comissão ou delegou nesta a respectiva execução, na acepção do artigo 202.°, terceiro travessão, CE. De acordo com as disposições do Tratado CE anteriormente citadas, este poder integra‑se, com efeito, no papel específico da Comissão de velar pela aplicação do direito comunitário, papel este que, tratando‑se da aplicação dos artigos 81.° CE e 82.° CE, foi precisado, enquadrado e formalizado pelos Regulamentos n.os 17 e 1/2003. O poder de aplicar coimas que este regulamento atribui à Comissão decorre, pois, das previsões do próprio Tratado CE e destina‑se a permitir a aplicação efectiva das proibições previstas nos referidos artigos (acórdãos Degussa/Comissão, já referido no n.° 95 supra, n.° 87, e Schunk e Schunk Kohlenstoff‑Technik/Comissão, já referido no n.° 83 supra, n.° 49).

116    Resulta destas considerações que improcede a excepção de ilegalidade oposta ao artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, relativa a uma violação do princípio de legalidade das penas.

 Quanto à excepção de ilegalidade das orientações de 1998, relativa à violação do princípio da não retroactividade

117    As recorrentes recordam que um acto da União não pode começar a ser aplicado antes da sua publicação e que o artigo 49.°, n.° 1, segunda frase, da Carta dispõe que não pode ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infracção foi cometida. No presente caso, as orientações de 1998 violavam o princípio da não retroactividade, uma vez que excediam os limites da previsibilidade. As recorrentes salientam, a este propósito, que o endurecimento da política decisória em matéria de coimas é obra da Comissão e não do legislador.

118    Resulta da jurisprudência que o princípio da não retroactividade das disposições penais, consagrado no artigo 7.° da CEDH, constitui um princípio geral do direito da União cujo respeito se impõe quando são aplicadas coimas por infracção às regras da concorrência e que este princípio exige que as sanções aplicadas correspondam às que estavam fixadas na época em que a infracção foi cometida (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no n.° 88 supra, n.° 202; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância LR AF 1998/Comissão, já referido no n.° 112 supra, n.os 218 a 221, e de 9 de Julho de 2003, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, T‑224/00, Colect., p. II‑2597, n.os 39 a 41).

119    Também já foi decidido que a adopção de orientações susceptíveis de modificar a política geral de concorrência da Comissão em matéria de coimas pode, em princípio, ser abrangida pelo âmbito de aplicação do princípio da não retroactividade (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no já referido no n.° 88 supra, n.° 222).

120    Com efeito, por um lado, as orientações de 1998 são susceptíveis de produzir efeitos jurídicos. Estes efeitos jurídicos decorrem não de uma normatividade própria das orientações de 1998, mas da adopção e da publicação destas pela Comissão. Esta adopção e publicação das orientações de 1998 implica uma autolimitação do poder de apreciação da Comissão, que não pode afastar‑se das mesmas sob pena de poder ser sancionada, eventualmente, por violação de princípios gerais do direito, como os da igualdade de tratamento, da protecção da confiança legítima e da segurança jurídica (v., neste sentido, acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no n.° 88 supra, n.° 222).

121    Por outro lado, segundo a jurisprudência do TEDH relativa ao artigo 7.°, n.° 1, da CEDH, esta disposição opõe‑se à aplicação retroactiva, em prejuízo do acusado, de uma nova interpretação de uma norma que estabelece uma infracção (v., neste sentido, TEDH, acórdão S. W. c. Reino Unido, de 22 de Novembro de 1995, série A, n.° 335‑B, § 34 a 36; C. R. c. Reino Unido, de 22 de Novembro de 1995, série A, n.° 335‑C, § 32 a 34; Cantoni c. França, de 15 de Novembro de 1996, Recueil des arrêts et décisions, 1996‑V, § 29 a 32, e Coëwe e o. C. Bélgica, de 22 de Junho de 2000, Recueil des arrêts et décisions, 2000‑VII, § 145). Segundo esta jurisprudência, é assim especificamente no caso de uma interpretação jurisprudencial cujo resultado não era razoavelmente previsível no momento em que a infracção foi praticada, tendo designadamente em conta a interpretação adoptada nessa época na jurisprudência relativa à disposição legal em causa. Cumpre, no entanto, especificar que resulta desta mesma jurisprudência que o alcance da noção de previsibilidade depende, em larga medida, do conteúdo do texto em causa, do âmbito que abrange e do número e qualidade dos seus destinatários. Assim, a previsibilidade da lei não se opõe a que a pessoa em causa seja levada a recorrer a consultores informados para avaliar, com um grau razoável nas circunstâncias do processo, as consequências que podem advir de um acto determinado. Mais especificamente, por força do acórdão Cantoni c. França, já referido (§ 35), é especialmente isso que sucede com os profissionais, habituados a demonstrar grande prudência no exercício da sua profissão. Pode também esperar‑se deles que dediquem especial cuidado a avaliar os riscos que a mesma implica.

122    À luz do que antecede, e com o objectivo de fiscalizar o respeito do princípio de não retroactividade, há que verificar se a modificação em causa, constituída pela adopção das orientações de 1998, era razoavelmente previsível na época em que as infracções em causa foram praticadas (v., neste sentido, acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no n.° 88 supra, n.° 224).

123    A este respeito, cabe, antes de mais, observar que o alegado aumento do nível das coimas em razão da aplicação das orientações de 1998 se mantém no quadro legal fixado pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e pelo artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, na medida em que as orientações dispõem expressamente, no n.° 5, alínea a), que as coimas aplicadas nunca poderão ultrapassar 10% do volume de negócios previsto pelas referidas disposições.

124    Observe‑se, em seguida, que a principal inovação das orientações consiste em tomar como ponto de partida do cálculo um montante de base, determinado a partir de margens previstas para este efeito pelas referidas orientações, reflectindo essas margens diferentes graus de gravidade das infracções, mas que, enquanto tais, não têm relação com o volume de negócios pertinente. Este método assenta assim essencialmente numa tarifação, ainda que relativa e flexível, das coimas (acórdãos Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no n.° 88 supra, n.° 225, e Archer Daniels Midland/Comissão, já referido no n.° 106 supra, n.° 61).

125    Finalmente, recorde‑se que o facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de um certo nível a diferentes tipos de infracções não a pode privar da possibilidade de aumentar esse nível dentro dos limites indicados nos Regulamentos n.os 17 e 1/2003, se isso se revelar necessário para assegurar que seja posta em prática a política comunitária de concorrência, mas que, pelo contrário, a aplicação eficaz das regras comunitárias da concorrência exige que a Comissão possa, em qualquer momento, adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça, Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido no n.° 54 supra, n.° 109; de 2 de Outubro de 2003, Aristrain/Comissão, C‑196/99 P, Colect., p. I‑11005, n.° 81, e Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no n.° 88 supra, n.° 227; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, Solvay/Comissão, T‑12/89, Colect., p. II‑907, n.° 309, e de 14 Maio de 1998, Europa Carton/Comissão, T‑304/94, Colect., p. II‑869, n.° 89).

126    Daí decorre que as empresas implicadas num procedimento administrativo que possa dar lugar a uma coima não podem confiar legitimamente que a Comissão não ultrapassará o nível das coimas praticado anteriormente, nem num método de cálculo destas (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no n.° 88 supra, n.° 228).

127    Por conseguinte, as referidas empresas devem contar com a possibilidade de que, a todo o momento, a Comissão pode decidir aumentar o nível do montante das coimas em relação ao aplicado no passado. Isto é válido não só quando a Comissão procede a um aumento do nível do montante das coimas fixando coimas em decisões individuais, mas também se este aumento for operado pela aplicação, a casos concretos, de regras de conduta que tenham um alcance geral, como é o caso das orientações de 1998 (acórdãos Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no n.° 88 supra, n.° 229 e 230, e Archer Daniels Midland/Comissão, já referido no n.° 106 supra, n.° 59).

128    Por conseguinte, é erradamente que as recorrentes consideram que as orientações de 1998 violam o princípio da não retroactividade na medida em que levaram à aplicação de coimas mais elevadas do que as aplicadas no passado ou que os limites da previsibilidade, no presente caso, foram ultrapassados. As orientações e, em especial, o novo método de cálculo das coimas que as mesmas comportam, admitindo que tenha tido um efeito agravante quanto ao nível das coimas infligidas, eram com efeito razoavelmente previsíveis para empresas como as recorrentes, à época em que foram cometidas as infracções em causa (v., neste sentido, acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no n.° 88 supra, n.° 231). Pelos mesmos motivos, a Comissão não devia continuar a indicar nas orientações de 1998 que o aumento do nível das coimas era necessário para assegurar a aplicação da política comunitária da concorrência.

129    O argumento segundo o qual o endurecimento da política decisória em matéria de coimas é da responsabilidade da Comissão e não do legislador confunde‑se com o argumento invocado no âmbito da excepção de ilegalidade relativo à ausência de competência da Comissão e é analisado nos n.os 131 a 137 infra.

130    Resulta do que antecede que a presente excepção de ilegalidade não pode ser acolhida.

 Quanto à excepção de ilegalidade das orientações de 1998, relativa à falta de competência da Comissão e, a título subsidiário, à falta de transparência e de previsibilidade destas

131    As recorrentes alegam que o importante poder de apreciação atribuído à Comissão pelo artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 exige uma concretização abstracta e geral, ou seja, uma regra de direito material. Ora, contrariamente ao Conselho, a Comissão não é competente para adoptar essa regra. Além disso, ainda que a concretização do «quadro da coima» pela Comissão fosse legal, as orientações de 1998 são, de qualquer modo, ineficazes, dado não terem a possibilidade de garantir o nível mínimo de transparência e de previsibilidade necessário no âmbito da fixação do montante da coima.

132    Em primeiro lugar, cabe recordar que, nos seus articulados, as recorrentes não especificaram a disposição que foi violada pela Comissão quando da adopção das orientações de 1998. Questionadas sobre o assunto na audiência, as recorrentes indicaram que, segundo o princípio da legalidade das penas, incumbia ao Conselho adoptar as regras abstractas para o cálculo das coimas.

133    Ora, a adopção das orientações de 1998 pela Comissão, na medida em que se inscreve no quadro jurídico imposto pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e pelo artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, contribuiu unicamente para precisar os limites do exercício do poder de apreciação da Comissão que resultavam já destas disposições (v., neste sentido, acórdão Schunk e Schunk Kohlenstoff‑Technik/Comissão, já referido no n.° 83 supra, n.° 44). Nestas condições, o argumento relativo à incompetência da Comissão para adoptar as orientações deve ser rejeitado.

134    Em segundo lugar, devem igualmente ser rejeitados os argumentos relativos à falta de transparência e de previsibilidade das orientações de 1998.

135    Com efeito, por um lado, foi com um intuito de transparência e para aumentar a segurança jurídica das empresas em causa que a Comissão publicou as orientações e nelas enunciou o método de cálculo que impôs a si mesma em cada situação. Aliás, a este respeito, o Tribunal de Justiça considerou que, ao adoptar tais regras de conduta e ao anunciar, através da sua publicação, que as aplicará no futuro aos casos a que essas regras dizem respeito, a Comissão se autolimita no exercício do seu poder de apreciação e não pode afastar‑se dessas regras sob pena de poder ser sancionada, eventualmente, por violação de princípios gerais do direito, como os da igualdade de tratamento ou da protecção da confiança legítima. O Tribunal de Justiça considerou igualmente que as orientações determinam, de maneira geral e abstracta, a metodologia que a Comissão impôs a si própria para efeitos da fixação do montante das coimas aplicadas por esta decisão e asseguram, por conseguinte, a segurança jurídica das empresas (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no n.° 88 supra, n.os 211 e 213; v., igualmente, acórdão Archer Daniels Midland/Comissão, já referido no n.° 106 supra, n.° 60).

136    Por outro lado, um operador avisado pode, recorrendo, se necessário, a aconselhamento jurídico, prever de forma suficientemente precisa o método de cálculo e a ordem de grandeza das coimas em que incorre por um determinado comportamento (acórdão Evonik Degussa/Comissão e Conselho, já referido no n.° 96 supra, n.° 55). É certo que um operador não pode, antecipadamente, perante as orientações de 1998, conhecer com precisão o nível da coima que a Comissão aplicará em cada caso concreto. Todavia, devido à gravidade das infracções que a Comissão é chamada a punir, os objectivos de repressão e de dissuasão justificam que se evite que as empresas possam avaliar os benefícios que retirariam da sua participação numa infracção tendo em conta, por antecipação, o montante da coima que lhes seria aplicada devido a esse comportamento ilícito (acórdão Degussa/Comissão, já referido no n.° 95 supra, n.° 83).

137    Decorre de tudo o que antecede que não é procedente a excepção de ilegalidade das orientações de 1998, relativa à falta de competência da Comissão e, a título subsidiário, à sua falta de transparência e de previsibilidade.

 Quanto à excepção de ilegalidade da comunicação sobre a cooperação de 2002, relativa à violação do princípio da não retroactividade e do princípio da confiança legítima

138    As recorrentes alegam que a aplicação, no presente caso, da comunicação sobre a cooperação de 2002, quando a maioria dos factos abrangidos pela decisão eram anteriores à sua entrada em vigor, viola o princípio de não retroactividade. Segundo as recorrentes, a Comissão devia ter aplicado a sua Comunicação sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas (JO 1996 C207, p. 4) (a seguir «comunicação sobre a cooperação de 1996»), o que lhes permitiria beneficiar de uma redução da coima de 10% a 50%, em razão da não contestação dos factos, em lugar da redução simbólica de 1% de que beneficiaram na decisão impugnada (considerandos 777, 806, 835 e 854 da decisão impugnada). Ao aplicar a comunicação sobre a cooperação de 2002, a Comissão violou igualmente o princípio de confiança legítima.

139    Cabe recordar que a comunicação sobre a cooperação de 1996 dispunha, no ponto D, que uma empresa podia beneficiar «de uma redução de 10% a 50% do montante da coima que lhe teria sido aplicada na falta da sua cooperação […] se […] após ter recebido a comunicação de acusações, informa[sse] a Comissão de que não contesta[va] a materialidade dos factos em que a Comissão base[ava] as suas acusações». A comunicação sobre a cooperação de 2002, por sua vez, não prevê uma redução da coima com esse fundamento.

140    No que respeita à alegada retroactividade da comunicação sobre a cooperação de 2002, cabe observar que o n.° 28 da referida comunicação dispõe que «[a] partir de 14 de Fevereiro de 2002, a presente Comunicação substitui a Comunicação [sobre a cooperação] de 1996 no que se refere a todos os processos relativamente aos quais nenhuma empresa contactou a Comissão a fim de beneficiar do tratamento favorável previsto nessa Comunicação». Tendo em conta que a comunicação sobre a cooperação de 2002 foi publicada em 19 de Fevereiro de 2002, a referida comunicação prevê, pois, é certo, uma aplicação retroactiva das suas disposições, que, no entanto, é limitada ao período de 14 de Fevereiro de 2002 a 18 de Fevereiro de 2002 inclusive. Uma vez que nenhum dos participantes no cartel apresentou um pedido nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002 antes de 2 de Fevereiro de 2004 (considerandos 94, 105, 115 e 127 da decisão impugnada), a eventual ilegalidade resultante da referida retroactividade da comunicação sobre a cooperação de 2002 não pôde afectar a legalidade da decisão impugnada.

141    No entanto, no presente caso, as recorrentes contestam a aplicação imediata da comunicação sobre a cooperação de 2002 para efeitos do cálculo das coimas relativas a factos anteriores, em parte, a 2002.

142    Em primeiro lugar, como resulta dos autos, cabe observar que, no mínimo seis vezes durante o procedimento administrativo, as recorrentes solicitaram expressamente a aplicação da comunicação sobre a cooperação de 2002.

143    Em segundo lugar, e em quaisquer circunstâncias, resulta da jurisprudência que o princípio da não retroactividade não se opõe à aplicação de orientações que tenham, por hipótese, um efeito agravante quanto ao nível das coimas aplicadas pelo cometimento de infracções anteriores à sua adopção, desde que a política que implementam seja razoavelmente previsível na altura em que as infracções em causa foram cometidas (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no n.° 88 supra, n.os 202 a 232; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 2007, BASF e UCB/Comissão, T‑101/05, Colect., p. II‑4949, n.° 233; v., igualmente, acórdão Archer Daniels Midland/Comissão, já referido no n.° 106 supra, n.° 66). Ora, as recorrentes não referem que a alteração ocorrida com a adopção da comunicação de cooperação de 2002 não era previsível.

144    Quanto à alegada violação da confiança legítima das recorrentes decorrente da aplicação da comunicação sobre a cooperação de 2002 a infracções parcialmente cometidas antes da sua entrada em vigor, basta observar que, segundo jurisprudência assente, um operador económico não pode invocar a sua confiança legítima na manutenção de uma situação existente que pode ser alterada pelas instituições comunitárias no âmbito do respectivo poder de apreciação (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1994, Alemanha/Conselho, C‑280/93, Colect., p. I‑4973, n.° 80, e de 30 de Junho de 2005, Alessandrini e o./Comissão, C‑295/03 P, Colect., p. I‑5673, n.° 89, e jurisprudência referida). Além disso, em quaisquer circunstâncias, a aplicação da comunicação sobre a cooperação de 1996 podia ter tido lugar em qualquer momento por iniciativa das recorrentes, através da apresentação de um pedido ao abrigo desta comunicação à Comissão antes da entrada em vigor da comunicação sobre a cooperação de 2002. Consequentemente, improcede esta alegação.

145    Por conseguinte, a excepção de ilegalidade da comunicação sobre a cooperação de 2002, relativa à violação do princípio da não retroactividade, e a acusação relativa à violação do princípio da confiança legítima devem ser rejeitadas.

 Quanto à excepção de ilegalidade da comunicação sobre a cooperação de 2002, relativa à violação dos princípios gerais de direito nemo tenetur, in dubio pro reo e da proporcionalidade, bem como a um abuso do poder de apreciação

146    As recorrentes alegam que a comunicação sobre a cooperação de 2002 é ilegal devido ao facto de que viola os princípios gerais de direito e excede o poder de apreciação atribuído à Comissão. Assim, a comunicação sobre a cooperação de 2002 viola os princípios nemo tenetur, in dubio pro reo e da proporcionalidade. A sua adopção constituiu um abuso do poder de apreciação da Comissão, sendo, consequentemente, inaplicável ao presente processo, de modo que os elementos de prova apresentados no âmbito da comunicação sobre a cooperação de 2002 não podem ser utilizados, dado que é proibida a utilização de provas obtidas ilegalmente.

147    Há que analisar separadamente as diferentes alegações apresentadas no âmbito da presente excepção.

 Quanto à primeira alegação, relativa à violação do princípio nemo tenetur

148    As recorrentes recordam que, em conformidade com o princípio nemo tenetur, ninguém pode ser obrigado a acusar‑se ou a testemunhar contra si próprio. A comunicação sobre a cooperação de 2002 viola este princípio, dado que, na prática, força as empresas a cooperarem com a Comissão e a confessarem. Com efeito, por um lado, só a primeira empresa que apresente provas que preencham as condições do n.° 8., alíneas a) ou b), da comunicação sobre a cooperação de 2002 pode requerer a não aplicação de uma coima, de modo que todas as empresas, «na corrida ao primeiro lugar», fazem confissões completas (e, por vezes, exageradas) à Comissão, sem poderem comparar a utilidade de uma cooperação que assume a forma da redução da coima com as desvantagens que essa cooperação implica. Por outro lado, ao cooperar no âmbito da comunicação sobre a cooperação de 2002, uma empresa priva‑se da possibilidade de contestar factos, mesmo errados, apresentados por outras empresas, uma vez que a Comissão considera qualquer contestação dos factos como uma falta de cooperação na acepção dos n.os 11 e 23 da comunicação sobre a cooperação de 2002, o que implica um risco sério de não beneficiar de uma diminuição da coima ao abrigo da mesma.

149    Resulta da jurisprudência, por um lado, que, ao abrigo dos princípios gerais do direito da União, dos quais fazem parte integrante os direitos fundamentais e à luz dos quais todos os textos de direito da União devem ser interpretados, as empresas têm o direito não serem coagidas pela Comissão a confessarem a sua participação numa infracção (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 1989, Orkem/Comissão, 374/87, Colect., p. 3283, n.° 35, e de 15 de Outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, Colect., p. I‑8375, n.° 273).

150    Por outro lado, embora a Comissão não possa obrigar uma empresa a confessar a sua participação numa infracção, não fica, por essa razão, impedida de tomar em consideração, na fixação do montante da coima, o auxílio que essa empresa, por sua própria vontade, lhe tenha prestado para demonstrar a existência da infracção (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 2005, Acerinox/Comissão, C‑57/02 P, Colect., p. I‑6689, n.° 87, e ThyssenKrupp/Comissão, C‑65/02 P e C‑73/02 P, Colect., p. I‑6773, n.° 50).

151    As recorrentes não podem alegar que a jurisprudência referida nos n.os 149 e 150 supra está «ultrapassada». Pelo contrário, o Tribunal de Justiça confirmou expressamente que tomou conhecimento dos desenvolvimentos da jurisprudência do TEDH, designadamente dos acórdãos Funke c. França, de 25 de Fevereiro de 1993 (série A, n.° 256 A) e do acórdãos Saunders c. Reino Unido, de 17 de Dezembro de 1996 (Recueil des arrêts et décisions 1996‑VI), referidos pelas recorrentes (acórdão Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, já referido no n.° 149 supra, n.os 273 a 280).

152    A legalidade da comunicação sobre a cooperação de 2002 na perspectiva do princípio nemo tenetur deve, pois, ser analisada à luz dos princípios resultantes da jurisprudência referida nos n.os 149 e 150 supra.

153    A este propósito, deve observar‑se que a cooperação ao abrigo da comunicação sobre a cooperação de 2002 tem carácter puramente voluntário para a empresa em causa. Esta não é, de modo algum, obrigada a fornecer elementos de prova relativo ao alegado cartel. O nível de cooperação que a empresa pretende oferecer durante o procedimento administrativo depende exclusivamente da sua livre escolha, não sendo, em caso algum, imposto pela comunicação sobre a cooperação de 2002 (v., neste sentido, acórdão ThyssenKrupp/Comissão, já referido no n.° 150 supra, n.° 52, e conclusões do advogado‑geral P. Léger neste processo, Colect., p. I‑6777, n.° 140).

154    O argumento segundo o qual, ao cooperar, uma empresa renuncia à possibilidade de contestar os factos, ainda que falsos, apresentados por outras empresas, assenta numa leitura errada da comunicação sobre a cooperação de 2002.

155    Por um lado, contrariamente ao que alegam as recorrentes, nem o n.° 11 desta comunicação, que exige que a empresa em causa «coopere plenamente, de forma permanente e expedita, durante todo o procedimento administrativo», nem o n.° 23 da mesma, que dispõe que a Comissão «[p]oderá […] levar em linha de conta a extensão e a continuidade da cooperação fornecida pela empresa a partir da data da sua apresentação», exigem que a empresa em causa se abstenha de contestar ou de corrigir factos errados apresentados por outra empresa. Além disso, a afirmação das recorrentes baseia‑se na premissa errada segundo a qual declarações unilaterais erradas de uma única empresa que participou num cartel, não corroboradas por elementos de prova, bastam para efeitos de demonstrar uma infracção.

156    Por outro lado, contrariamente à comunicação sobre a cooperação de 1996, a comunicação de 2002 não prevê qualquer redução de coima em razão da não contestação dos factos. A comunicação sobre a cooperação de 2002 não pode, pois, ser considerada como «obrigando» as empresas que pretendem beneficiar da aplicação desta a não contestar os factos apresentados por outras empresas.

157    Em quaisquer circunstâncias, a alegada obrigação de uma empresa de não contestar factos de que não é autora baseia‑se na hipótese puramente teórica de uma empresa se acusar de uma infracção que não cometeu, na esperança de beneficiar de uma redução da coima que, no entanto, receia que lhe seja aplicada. Tal suposição não pode servir de base a uma argumentação assente na inobservância do princípio nemo tenetur (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, Finnboard/Comissão, C‑298/98 P, Colect., p. I‑10157, n.° 58).

158    Consequentemente, deve ser rejeitada a primeira alegação no âmbito da excepção de ilegalidade da comunicação sobre a cooperação de 2002.

 Quanto à segunda alegação, relativa à violação do princípio in dubio pro reo

159    As recorrentes argumentam que, em conformidade com o princípio in dubio pro reo ou com o princípio da presunção de inocência, recai sobre a Comissão o ónus da prova do comportamento ilícito e da culpabilidade de uma empresa. A comunicação sobre a cooperação de 2002 viola o princípio da presunção de inocência, na medida em que, na prática, leva a que sejam as empresas a provar a sua própria infracção e a sua própria culpabilidade bem como as infracções e a culpabilidade das outras empresas.

160    Recorde‑se que o princípio da presunção de inocência, tal como resulta designadamente do artigo 6.°, n.° 2, da CEDH, faz parte dos direitos fundamentais que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, reafirmada no artigo 6.°, n.° 2, UE, bem como no artigo 48.° da Carta, são reconhecidos na ordem jurídica da União. Atenta a natureza das infracções em causa, bem como a natureza e grau de severidade das sanções que lhe estão associadas, o princípio da presunção de inocência aplica‑se, nomeadamente, aos processos relativos a violações das regras de concorrência aplicáveis às empresas e susceptíveis de conduzir à imposição de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias (v. acórdãos Degussa/Comissão, já referido no n.° 95 supra, n.° 115, e jurisprudência referida).

161    Contrariamente ao que referem as recorrentes, a comunicação sobre a cooperação de 2002 não infringe o princípio da presunção de inocência.

162    Em primeiro lugar, como se recordou no n.° 153 supra, a cooperação ao abrigo desta comunicação tem carácter puramente voluntário para a empresa em causa. Esta não é, de modo algum, obrigada a fornecer elementos de prova da infracção em que tenha participado.

163    Em segundo lugar, a comunicação sobre a cooperação de 2002 não afecta a obrigação que incumbe à Comissão, que tem o ónus da prova das infracções que declara, de apresentar os elementos de prova adequados para demonstrar, de forma juridicamente adequada, a existência dos factos constitutivos da infracção. No entanto, para efeitos da determinação da existência de uma infracção, a Comissão pode basear‑se em qualquer elemento útil de que disponha. Assim, sem violar o princípio da presunção de inocência, pode basear‑se não apenas em documentos que tenha recolhido quando de inspecções nos termos dos Regulamentos n.os 17 e 1/2003 ou que tenha recebido em resposta a pedidos de informação ao abrigo dos referidos regulamentos, mas também em elementos de prova que uma empresa lhe tenha apresentado voluntariamente nos termos desta comunicação.

164    Decorre de tudo o que antecede que a alegação relativa à ilegalidade da comunicação sobre a cooperação de 2002, na medida em que viola o princípio da presunção de inocência, também não pode ser acolhida.

 Quanto à terceira alegação, relativa à violação do princípio da proporcionalidade

165    As recorrentes argumentam que a comunicação sobre a cooperação de 2002 não é necessária nem apropriada e, portanto, viola o princípio da proporcionalidade. Não é necessária dado que o Regulamento n.° 1/2003, designadamente os seus artigos 18.° a 21.°, concede à Comissão meios suficientes para efectuar investigações sobre os cartéis. Também não é apropriada nem proporcionada. Com efeito, ainda que permita determinar melhor a existência de cartéis, promovendo o interesse comunitário, a referida comunicação recompensa as empresas que violaram o artigo 81.° CE e prejudica as empresas honestas, uma vez que impede que seja aplicada uma coima a empresas que tenham participado num cartel e beneficiado deste. A comunicação sobre a cooperação de 2002 afecta igualmente o interesse comunitário que consiste na sanção das infracções ao direito da concorrência.

166    Importa recordar que, segundo jurisprudência assente, o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, exige que os actos das instituições da União não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário à realização dos objectivos legitimamente prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo‑se que, quando exista uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos rígida e os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objectivos pretendidos (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2001, Jippes e o, C‑189/01, Colect., p. I‑5689, n.° 81, e jurisprudência referida).

167    Deve recordar‑se igualmente que, no quadro do Regulamento n.° 1/2003, a Comissão dispõe de uma margem de apreciação na fixação do montante das coimas, a fim de orientar o comportamento das empresas no sentido do respeito das regras de concorrência (v., neste sentido, Groupe Danone/Comissão, já referido no n.° 57 supra, n.° 134, e jurisprudência referida). Uma vez que a comunicação sobre a cooperação de 2002 se inscreve na política da Comissão relativa à fixação de coimas para os cartéis horizontais que infrinjam o artigo 81.° CE, há que ter em conta esta margem de apreciação na análise da alegação relativa ao princípio da proporcionalidade.

168    Ora, há que notar que a comunicação sobre a cooperação de 2002 se afigura um instrumento apropriado e indispensável para demonstrar a existência de cartéis horizontais secretos e, portanto, orientar o comportamento das empresas no sentido do respeito das regras de concorrência.

169    Com efeito, ainda que os instrumentos previstos nos artigos 18.° a 21.° do Regulamento n.° 1/2003, a saber, os pedidos de informações e as inspecções, constituam medidas indispensáveis no âmbito do combate a violações ao direito da concorrência, cabe salientar que os cartéis secretos são frequentemente difíceis de detectar e de instruir sem a cooperação das empresas em causa. Embora exista sempre, para uma parte num cartel, o risco de, um dia, este ser descoberto, designadamente na sequência da apresentação de uma queixa à Comissão ou a uma autoridade nacional, essa parte que pretenda pôr termo à sua participação pode ser dissuadida de informar a Comissão devido à elevada coima que lhe pode ser aplicada. Ao estabelecer a atribuição de uma imunidade ou de uma redução significativa das coimas para as empresas que forneçam à Comissão elementos de prova da existência de um cartel horizontal, a comunicação sobre a cooperação de 2002 visa evitar que essa parte renuncie a informar a Comissão da existência de um cartel.

170    O argumento segundo o qual a comunicação sobre a cooperação de 2002 permite recompensar certas empresas que participaram em cartéis proibidos pelo artigo 81.° CE deve ser rejeitado. Com efeito, como refere a Comissão no n.° 4 da referida comunicação, «[p]ara os consumidores e os cidadãos em geral, a detecção e a sanção dos cartéis secretos reveste‑se de maior interesse do que a aplicação das coimas para as empresas que permitem à Comissão detectar e proibir essas práticas».

171    Assim sendo, a comunicação sobre a cooperação de 2002 não excede de maneira manifesta os limites do que é apropriado e necessário à realização do objectivo legítimo que ela visa.

172    Resulta de tudo o que precede que a alegação relativa à ilegalidade da comunicação sobre a cooperação de 2002, na medida em que viola o princípio de proporcionalidade, não é procedente.

 Quanto à quarta alegação, relativa a um abuso do poder de apreciação

173    Segundo as recorrentes, ao adoptar a comunicação sobre a cooperação de 2002, a Comissão excedeu o poder de apreciação que lhe é conferido pelo artigo 23.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1/2003. Esta disposição impõe que a Comissão, no âmbito da fixação do montante da coima, tome em consideração a gravidade e a duração da infracção, o que é impossível no quadro de um «perdão total da pena». Assim, o Título A da comunicação sobre a cooperação de 2002 é ilegal, implicando a ilegalidade da totalidade da comunicação.

174    Recorde‑se que, segundo o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, «[a] Comissão pode, mediante decisão, aplicar coimas às empresas […] sempre que, deliberadamente ou por negligência […] cometam uma infracção ao disposto nos artigos 81.° ou 82.° [CE]». Consequentemente, decorre da própria letra desta disposição que a Comissão tem a faculdade, mas não a obrigação, de aplicar uma coima a uma empresa autora de uma violação do artigo 81.° CE.

175    Além disso, o artigo 23.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1/2003 não enumera de forma limitativa os critérios que a Comissão pode ter em conta para fixar o montante da coima. O comportamento da empresa no decurso do procedimento administrativo pode, assim, fazer parte dos elementos que há que ter em consideração no momento dessa fixação (v., neste sentido, acórdão Finnboard/Comissão, já referido no n.° 157 supra, n.° 56, e jurisprudência referida).

176    A Comissão não ultrapassou, por isso, os poderes que lhe confere o Regulamento n.° 1/2003 quando se dotou de linhas directrizes na comunicação sobre a cooperação de 2002 destinadas a guiá‑la no exercício do seu poder de apreciação em matéria de fixação das coimas, com o objectivo de ter em conta designadamente o comportamento das empresas durante o procedimento administrativo e assim melhor garantir a igualdade de tratamento entre as empresas em causa (v., neste sentido, acórdão Finnboard/Comissão, já referido no n.° 157 supra, n.° 57).

177    Consequentemente, esta última alegação também não é procedente.

178    Resulta de tudo o que precede que a excepção de ilegalidade da comunicação sobre a cooperação de 2002 deve ser integralmente rejeitada.

 Quanto ao fundamento relativo ao carácter expropriatório, em violação do direito internacional, da decisão impugnada

 Quanto à admissibilidade

179    A Comissão salienta que o fundamento relativo ao carácter expropriatório, em violação do direito internacional, da decisão impugnada, não respeita as exigências do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo e, consequentemente, é inadmissível. Do ponto de vista factual, a petição não contém qualquer exposição sobre a maneira como as coimas aplicadas têm efectivamente repercussões dramáticas sobre a capacidade de sobrevivência económica das filiais da Schindler Holding. Do ponto de vista jurídico, as recorrentes não identificam os tratados aplicáveis ou as normas violadas.

180    Recorde‑se que, nos termos do artigo 21.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, aplicável ao processo no Tribunal Geral nos termos do artigo 53.°, primeiro parágrafo, do mesmo estatuto, e nos termos do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, qualquer petição deve conter designadamente uma exposição sumária dos fundamentos invocados. Estas indicações devem ser suficientemente claras e precisas para que o demandado possa preparar a sua defesa e o Tribunal Geral possa decidir a acção, eventualmente sem o apoio de outras informações. A fim de garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário, para que uma acção seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que ele se baseia resultem, pelo menos sumariamente, mas de uma maneira coerente e compreensível, do texto da própria petição (acórdão do Tribunal de 6 de Maio de 1997, Guérin automobiles/Comissão, T‑195/95, Colect., p. II‑679, n.° 20; de 25 de Maio de 2004, Distilleria Palma/Comissão, T‑154/01, Colect., p. II‑1493, n.° 58, e de 12 de Março de 2008, European Service Network/Comissão, T‑332/03, não publicado na Colectânea, n.° 229).

181    No caso em apreço, as recorrentes, na sua petição, expuseram de forma suficientemente clara que a aplicação de coimas à Schindler pela decisão impugnada é expropriatória e viola o direito internacional.

182    A Comissão não pode criticar o facto de a petição não identificar os tratados aplicáveis. Com efeito, na sua petição, as recorrentes não identificaram qualquer violação de um acordo bilateral ou multilateral relativo à protecção do investimento. Referem‑se unicamente à existência desses acordos com o objectivo de demonstrar que há uma norma de direito consuetudinário internacional que foi violada no presente caso. Assim, na sua petição, as recorrentes explicam que ainda que não exista uma convenção geral de protecção do investimento entre a Comunidade Europeia e a Suíça, a proibição de expropriação sem reparação de investidores estrangeiros ancorada no direito consuetudinário internacional não pode ser posta em causa de forma séria. Contrariamente ao que refere a Comissão, a norma violada, a saber, uma norma de direito consuetudinário internacional, está, pois, claramente indicada na petição.

183    As recorrentes explicam ainda que a natureza expropriatória das coimas aplicadas é relativa à desvalorização importante dos investimentos da Schindler na Bélgica, no Luxemburgo e nos Países Baixos. Segundo as recorrentes, a gravidade dos prejuízos causados aos valores patrimoniais da Schindler Holding observa‑se comparando as coimas com os fundos próprios, o volume de negócios anual e o resultado do exercício da Schindler Bélgica, da Schindler Luxemburgo e da Schindler Países Baixos.

184    Resulta de tudo o que precede que o presente fundamento cumpre as exigências das disposições referidas no n.° 180 supra, pelo que é admissível.

 Quanto ao mérito

185    As recorrentes salientam que a protecção dos investidores estrangeiros está ancorada em numerosos acordos bilaterais e multilaterais de protecção do investimento. Devido a estas convenções, a detenção transfronteiriça de participações de uma empresa de outro Estado está abrangida pelo conceito de investimento, beneficiando de uma protecção que, por um lado, só permite uma expropriação mediante o respeito de condições muito estritas e, por outro, exige que os investidores estrangeiros sejam tratados com lealdade e equidade no Estado em que realizam investimentos. Esta protecção é igualmente reconhecida pelo direito consuetudinário internacional.

186    As coimas impostas à Schindler Holding, sociedade de direito suíço, do ponto de vista do seu efeito económico, equivalem a uma expropriação, contrária ao direito internacional, dos investimentos da Schindler Holding na Bélgica, no Luxemburgo e nos Países Baixos. Se a condenação no pagamento de uma coima não constitui uma expropriação formal, constitui, no entanto, uma expropriação material, na medida em que os investimentos da Schindler Holding na Bélgica, no Luxemburgo e nos Países Baixos sofreram uma desvalorização importante. A gravidade dos danos causados aos valores patrimoniais da Schindler Holding observa‑se sobretudo comparando as coimas com os fundos próprios, o volume de negócios anual e o resultado do exercício da Schindler Bélgica, da Schindler Luxemburgo e da Schindler Países Baixos.

187    Há que recordar que as competências da Comunidade devem ser exercidas com observância do direito internacional (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C‑402/05 P e C‑415/05 P, Colect., p. I‑6351, n.° 291, e jurisprudência referida).

188    O direito de propriedade é protegido não só pelo direito internacional, mas faz igualmente parte dos princípios gerais do direito da União (v. acórdão Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, já referido no n.° 187 supra, n.° 355, e jurisprudência referida). Todavia, dado que a prevalência do direito internacional sobre o direito da União não é extensiva ao direito primário e, em particular, aos princípios gerais de que fazem parte os direitos fundamentais (acórdão Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, já referido no n.° 187 supra, n.° 308), cumpre analisar, no âmbito do presente fundamento, se as coimas aplicadas à Schindler Holding violam o direito fundamental ao respeito da propriedade.

189    A este propósito, cabe recordar que o direito de propriedade não constitui uma prerrogativa absoluta, devendo ser tomado em consideração relativamente à sua função na sociedade. Por conseguinte, podem ser impostas restrições ao exercício do direito de propriedade, desde que tais restrições correspondam efectivamente a objectivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade e não constituam, atendendo ao fim prosseguido, uma intervenção excessiva e intolerável que atente contra a própria substância do direito assim garantido (acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1989, Schräder HS Kraftfutter, 265/87, Colect., p. 2237, n.° 15; Alemanha/Conselho, já referido no n.° 144 supra, n.° 78, e Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, já referido no n.° 187 supra, n.° 355).

190    O artigo 3.°, n.° 1, alínea g), CE prevê que, para alcançar os fins da Comunidade, a acção desta implica «[u]m regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado interno». Daqui resulta que a aplicação dos artigos 81.° CE e 86.° CE constitui um dos aspectos do interesse público comunitário. Em consequência, podem ser feitas restrições, em aplicação destes artigos, ao uso do direito de propriedade, na condição de não serem desmesuradas e de não violarem a própria substância deste direito (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Outubro de 2003, Van der Bergh Foods/Comissão, T‑65/98, Colect., II‑4653, n.° 170).

191    Cumpre, pois, analisar se as coimas aplicadas à Schindler Holding constituem uma intervenção desmesurada e intolerável que viola a própria substância do direito fundamental ao respeito da propriedade.

192    Em primeiro lugar, observe‑se que a decisão litigiosa não afecta a estrutura de propriedade no interior da Schindler.

193    Em segundo lugar, embora seja verdade que o pagamento da coima afecta o valor patrimonial da sociedade devedora, não se pode considerar que, no presente caso, as coimas impostas à Schindler Holding e às suas filiais esgotaram todo o valor destas sociedades. Com efeito, resulta dos autos que a totalidade das coimas aplicadas às sociedades do grupo Schindler na decisão impugnada não atinge o limite de 10% do volume de negócios consolidado da Schindler Holding durante o exercício social anterior à data da decisão impugnada. Ora, o limite de 10% previsto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 visa, designadamente, proteger as empresas contra um nível excessivo de coimas que possa destruir a sua substância económica (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Junho de 2005, Tokai Carbon e o./Comissão, T‑71/03, T‑74/03, T‑87/03 e T‑91/03, não publicado na Colectânea, n.° 389).

194    Em terceiro lugar, na medida em que as recorrentes criticam a aplicação de uma coima excessiva às filiais nos quatro países em causa, há que salientar que, na decisão impugnada, em relação a cada infracção, a Schindler Holding foi condenada solidariamente com a filial em causa no pagamento da coima (v. igualmente os n.os 63 a 91 supra). Como salienta a Comissão, a determinação das contribuições respectivas de sociedades pertencentes a um mesmo grupo, solidariamente obrigadas ao pagamento de uma mesma coima, incumbe a estas últimas. A decisão impugnada não afecta pois necessariamente o valor dos investimentos que a Schindler Holding detém nas suas filiais.

195    Em quarto lugar, na medida em que as recorrentes denunciam a aplicação de coimas por infracções que são excessivas quando comparadas com o volume de negócios e o lucro anual das filiais em causa, esta argumentação confunde‑se com o fundamento relativo à ilegalidade da decisão impugnada na medida em que esta accionou a responsabilidade solidária da Schindler Holding. Com efeito, só se se verificasse que as filiais nacionais não constituem, conjuntamente com a Schindler Holding, uma empresa, na acepção de entidade económica responsável pelas infracções sancionadas, é que as coimas aplicadas no presente caso seriam susceptíveis de violar o direito de propriedade. Em quaisquer circunstâncias, estas coimas seriam ilegais, na medida em que violavam o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003. Ora, decorre dos n.os 63 a 91 supra que a Comissão imputou com justeza as infracções das filiais nacionais em causa à Schindler Holding.

196    Consequentemente, improcede o presente fundamento.

 Quanto ao fundamento relativo à violação das orientações de 1998 e da obrigação de fundamentação na fixação do montante inicial das coimas

 Observações preliminares

197    A título liminar, há que recordar que decorre de jurisprudência assente que a Comissão beneficia de um amplo poder de apreciação quanto ao método de cálculo das coimas. Este método, circunscrito pelas orientações de 1998, contém diferentes elementos de flexibilidade que permitem à Comissão exercer o seu poder discricionário em conformidade com o disposto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Setembro de 2009, Papierfabrik August Koehler e o./Comissão, C‑322/07 P, C‑327/07 P e C‑338/07 P, Colect., p. I‑7191, n.° 112, e jurisprudência referida).

198    A gravidade das infracções ao direito comunitário da concorrência deve ser estabelecida em função de um grande número de elementos, como, designadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (acórdãos do Tribunal de Justiça Archer Daniels Midland/Comissão, já referido no n.° 106 supra, n.° 72, e de 3 de Setembro de 2009, Prym e Prym Consumer/Comissão, C‑534/07 P, Colect., p. I‑7415, n.° 54).

199    Como foi referido no n.° 24 supra, a Comissão, no presente caso, determinou o montante das coimas aplicando a metodologia definida nas orientações de 1998.

200    Mesmo que as orientações de 1998 não possam ser qualificadas como norma jurídica que, de qualquer forma, a Administração está obrigada a observar, elas enunciam no entanto uma norma de conduta indicativa da prática a seguir, à qual a Administração não se pode furtar, num caso específico, sem apresentar razões compatíveis com o princípio da igualdade de tratamento (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no n.° 88 supra, n.° 209, e jurisprudência referida; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Outubro de 2008, Carbone Lorraine/Comissão, T‑73/04, Colect., p. II‑2661, n.° 70).

201    Como foi referido no n.° 135 supra, ao adoptar essas regras de conduta e ao anunciar, através da sua publicação, que as aplicará no futuro aos casos a que essas regras dizem respeito, a Comissão autolimita‑se no exercício do seu poder de apreciação e não pode afastar‑se dessas regras sob pena de poder ser sancionada, eventualmente, por violação de princípios gerais do direito, como os da igualdade de tratamento ou da protecção da confiança legítima (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no n.° 88 supra, n.° 211, e jurisprudência referida; acórdão Carbone Lorraine/Comissão, já referido no n.° 200 supra, n.° 71).

202    Além disso, as orientações determinam, de maneira geral e abstracta, a metodologia que a Comissão impôs a si própria para efeitos da fixação do montante das coimas aplicadas por esta decisão e asseguram, por conseguinte, a segurança jurídica das empresas (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no n.° 88 supra, n.os 211 e 213).

203    Finalmente, cabe recordar que as orientações de 1998 prevêem, em primeiro lugar, a apreciação da gravidade da infracção enquanto tal, com base na qual pode ser estabelecido um montante inicial geral (ponto 1 A, segundo parágrafo). Em segundo lugar, a gravidade é analisada em relação à natureza das infracções cometidas e às características da empresa em causa, designadamente da sua dimensão e posição no mercado pertinente, o que pode dar lugar à ponderação do montante inicial, à classificação das empresas em categorias e à fixação de um montante inicial específico (ponto 1 A, terceiro a sétimo parágrafos).

 Decisão impugnada

204    Em primeiro lugar, na secção da decisão impugnada dedicada à gravidade das infracções (secção 13.6.1), a Comissão examina paralelamente as quatro infracções declaradas no seu artigo 1.°, com o fundamento de que «apresentam características comuns» (considerando 657 da decisão impugnada). Esta secção divide‑se em três subsecções, a primeira intitulada «Natureza das infracções» (subsecção 13.6.1.1), a segunda intitulada «Âmbito do mercado geográfico abrangido» (subsecção 13.6.1.2) e a terceira intitulada «Conclusão sobre a gravidade da infracção» (subsecção 13.6.1.3).

205    Na subsecção intitulada «Natureza das infracções», a Comissão explica, nos considerandos 658 e 659 da decisão impugnada:

«658      As infracções objecto da presente decisão consistiam principalmente numa concertação secreta entre concorrentes para repartirem os mercados ou bloquearem partes de mercado, repartindo os projectos de venda e de instalação de elevadores e/ou escadas rolantes novas, e para não concorrerem entre si quanto à manutenção e modernização de elevadores e escadas rolantes (excepto na Alemanha, em que a actividade de manutenção e de modernização não foi objecto de discussões entre os membros do cartel). Estas restrições horizontais, pela sua própria natureza, estão entre as violações mais graves do artigo 81.° [CE]. As infracções neste processo privaram artificialmente os clientes dos benefícios que estes podiam esperar obter com um processo de oferta concorrencial. É igualmente interessante salientar que alguns dos projectos falseados eram concursos públicos financiados pelos impostos e realizados precisamente com o objectivo de receber propostas competitivas, designadamente com uma boa relação qualidade/preço.

659      Para avaliar a gravidade de uma infracção, os elementos relativos ao seu objecto são geralmente mais significativos do que os relativos aos seus efeitos, em particular quando os acordos, como neste processo, incidem sobre infracções muito graves, como a fixação dos preços e a repartição do mercado. Os efeitos de um acordo são geralmente um critério não conclusivo para avaliar a gravidade da infracção».

206    A Comissão afirma que «não tentou demonstrar os efeitos exactos da infracção, porque [era] impossível determinar com certeza bastante os parâmetros concorrenciais aplicáveis (preços, condições comerciais, qualidade, inovações e outros) na ausência das infracções» (considerando 660 da decisão impugnada). No entanto, considera que «[é] […] evidente que as infracções tiveram um impacto real» e, para o efeito, explica que «[o] facto de os diversos acordos anticoncorrenciais terem sido estabelecidos pelos membros do cartel sugere, em si mesmo, um impacto no mercado, ainda que o efeito real seja difícil de medir, porque não se sabe, designadamente, se e quantos outros projectos foram objecto de um falseamento das propostas, nem quantos projectos puderam ser objecto de uma repartição entre os membros do cartel sem que tenham sido necessários contactos entre eles» (considerando 660 da decisão impugnada). No mesmo considerando, a Comissão acrescenta que «[a]s elevadas quotas totais de mercado dos concorrentes indicam efeitos anticoncorrenciais prováveis e [que] a relativa estabilidade destas quotas de mercado durante toda a vigência das infracções confirma estes efeitos».

207    Nos considerandos 661 a 669 da decisão impugnada, a Comissão responde aos argumentos suscitados pelas recorrentes no procedimento administrativo visando demonstrar o impacto reduzido das infracções no mercado.

208    Na subsecção intitulada «Âmbito do mercado geográfico abrangido», a Comissão defende, no considerando 670 da decisão impugnada, que «[o]s cartéis objecto d[a] decisão impugnada abrangiam a totalidade dos territórios da Bélgica, Alemanha, Luxemburgo ou Países Baixos, respectivamente», e que «[d]ecorre claramente da jurisprudência que um mercado geográfico nacional que abrange a totalidade de um Estado‑Membro representa já em si uma parte substancial do mercado comum».

209    Na subsecção intitulada «Conclusão sobre a gravidade da infracção», a Comissão indica, no considerando 671 da decisão impugnada, que cada destinatário cometeu uma ou várias infracções muito graves ao artigo 81.° CE, «[t]endo em conta a natureza das infracções e o facto de todas elas abrangerem a totalidade do território de um Estado‑Membro (Bélgica, Alemanha, Luxemburgo ou Países Baixos)». Conclui que «estes factores são tais que as infracções devem ser consideradas como muito graves ainda que o seu impacto real não possa ser medido».

210    Em segundo lugar, na secção da decisão impugnada intitulada «Tratamento diferenciado» (secção 13.6.2), a Comissão fixa um montante inicial da coima para cada empresa que tenha participado nos diferentes cartéis (v. n.os 27 a 30 supra) que, segundo o considerando 672 da decisão impugnada, toma em consideração «a capacidade económica efectiva dos infractores de causarem um prejuízo significativo à concorrência». A Comissão explica, no considerando 673 da decisão impugnada, que «[p]ara este efeito, as empresas [foram] repartidas em diversas categorias em função do volume de negócios realizado nos elevadores e/ou escadas rolantes, incluindo, se for o caso, nos serviços de manutenção e de modernização».

 Quanto à qualificação das infracções como «muito graves»

211    Em primeiro lugar, as recorrentes argumentam que a apreciação pela Comissão da gravidade das infracções é incorrecta. Segundo as recorrentes, a Comissão adoptou uma abordagem globalizante quanto à qualificação das infracções como «muito graves», sem ter em conta, por um lado, o facto de os acordos nos Estados‑Membros em causa estarem estruturados de maneira muito variada nem, por outro, o impacto concreto das infracções. Ora, este impacto foi mínimo.

212    Assim, as recorrentes referem‑se à redução dos preços nos mercados alemão e luxemburguês, à flutuação das quotas de mercado nos mercados alemão, belga e luxemburguês, à ineficácia e ao desrespeito dos acordos nos mercados alemão, belga, luxemburguês e neerlandês ou ainda ao facto de os cartéis no Luxemburgo e nos Países Baixos terem abrangido apenas alguns projectos. Além disso, as recorrentes argumentam que, na Alemanha, a Schindler estava unicamente implicada no domínio das escadas rolantes. Finalmente, o cartel no Luxemburgo, de acordo com a prática decisória da Comissão, deve ser qualificado de «grave» tendo em conta o facto de abranger apenas um Estado‑Membro de reduzida dimensão.

213    Deve recordar‑se que, no que respeita à apreciação da gravidade da infracção, as orientações de 1998, no ponto 1 A, primeiro e segundo parágrafos, indicam:

«A avaliação do grau de gravidade da infracção deve ter em consideração o carácter da própria infracção, o seu impacto concreto no mercado quando este for quantificável e a dimensão do mercado geográfico de referência.

As infracções serão assim classificadas em três categorias que corresponderão às infracções pouco graves, às infracções graves e às infracções muito graves».

214    Em conformidade com o ponto 1 A, primeiro parágrafo, das orientações de 1998, a Comissão deve, pois, no âmbito da avaliação da gravidade da infracção, proceder a uma análise do impacto concreto apenas quando se verificar que esse impacto é quantificável (v., neste sentido, acórdão Prym e Prym Consumer/Comissão, já referido no n.° 198 supra, n.° 74, e jurisprudência referida; acórdãos Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, já referido no n.° 118 supra, n.° 143, e Degussa/Comissão, já referido no n.° 95 supra, n.° 216).

215    Segundo jurisprudência assente, para apreciar o impacto concreto de uma infracção no mercado, compete à Comissão referir‑se ao jogo da concorrência que teria normalmente existido se não tivesse existido infracção (v. acórdão Carbone Lorraine/Comissão, já referido no n.° 200 supra, n.° 83, e jurisprudência referida).

216    No presente caso, a Comissão afirma, no considerando 660 da decisão impugnada, que «não tentou demonstrar os efeitos exactos da infracção, porque [era] impossível determinar com certeza bastante os parâmetros concorrenciais aplicáveis (preço, condições comerciais, qualidade, inovações e outras) na ausência das infracções». Ainda que a Comissão considere, no considerando 660 da decisão impugnada, que é evidente que os cartéis tiveram um impacto real, uma vez que foram concretizados, o que sugere em si um impacto sobre o mercado, e ainda que, nos considerandos 661 a 669, tenha rejeitado os argumentos das empresas em causa visando demonstrar os efeitos reduzidos dos cartéis, deve observar‑se que, na decisão impugnada, a apreciação da gravidade das infracções não teve em conta o seu eventual impacto sobre o mercado.

217    É assim que, no considerando 671 da decisão impugnada, a Comissão fundamenta a sua conclusão sobre a apreciação da gravidade das infracções tendo apenas em conta a natureza das referidas infracções e o âmbito geográfico das mesmas. Com efeito, no referido considerando, a Comissão concluiu que «[t]endo em conta a natureza das infracções e o facto de todas elas abrangerem a totalidade do território de um Estado‑Membro (Bélgica, Alemanha, Luxemburgo ou Países Baixos) […] [deve considerar‑se que] cada destinatário cometeu uma ou várias infracções muito graves ao artigo 81.° CE».

218    Impõe‑se observar que as recorrentes não demonstram que o impacto concreto dos cartéis era mensurável no presente caso, limitando‑se a salientar, na sua réplica, que havia diversos métodos científicos que permitiam calcular o impacto económico de um cartel, mas afirmam apenas que os efeitos foram necessariamente reduzidos. A este propósito, as circunstâncias invocadas pelas recorrentes, relativas às reduções de preços, à flutuação das quotas de mercado ou ainda ao incumprimento ou à ineficácia dos acordos (v. n.° 212 supra), mesmo que fossem demonstradas, não permitem concluir que os efeitos dos cartéis eram mensuráveis nos mercados em causa, dado que as recorrentes não contestam as afirmações da Comissão segundo as quais era impossível, no presente caso, determinar com certeza bastante os parâmetros concorrenciais aplicáveis na ausência das infracções.

219    Nestas condições, as recorrentes não demonstraram que, no presente caso, a Comissão era obrigada, nos termos das orientações de 1998 e da jurisprudência referida no n.° 214 supra, a ter em conta o impacto concreto das infracções para efeitos da apreciação da sua gravidade.

220    Além disso, mesmo admitindo que o impacto concreto das infracções era mensurável e que os argumentos das recorrentes reproduzidos nos n.os 211 e 212 supra eram procedentes, na medida em que demonstrariam um impacto reduzido dos cartéis sobre os mercados em causa, deve observar‑se que a qualificação das presentes infracções como «muito graves» não se tornava menos apropriada.

221    Em primeiro lugar, deve salientar‑se que, independentemente da estrutura alegadamente variada dos cartéis, pela sua própria natureza, as infracções declaradas na decisão impugnada figuram entre as violações mais graves do artigo 81.° CE uma vez que tinham por objecto «uma concertação secreta entre concorrentes para repartirem os mercados ou bloquearem partes de mercado, repartindo os projectos de venda e de instalação de elevadores e/ou escadas rolantes novas, e para não concorrerem entre si quanto à manutenção e modernização de elevadores e escadas rolantes (excepto na Alemanha, em que a actividade de manutenção e de modernização não foi objecto de discussões entre os membros do cartel)» (considerando 658 da decisão impugnada). A este propósito, as orientações de 1998 referem que as infracções muito graves consistem essencialmente em restrições horizontais de tipo cartel de preços e quotas de repartição dos mercados, ou outras práticas que afectam o bom funcionamento do mercado interno. Estas infracções figuram igualmente entre os exemplos de cartéis expressamente declarados incompatíveis com o mercado comum na acepção do artigo 81.°, n.° 1, alínea c), CE. Além da grave alteração da concorrência que implicam, estes acordos, na medida em que obrigam as partes a respeitar mercados distintos, frequentemente delimitados pelas fronteiras nacionais, provocam o isolamento desses mercados, contrariando assim o objectivo principal do Tratado CE de integração do mercado da União. Também as infracções deste tipo, em especial quando se trata de acordos horizontais, são qualificadas pela jurisprudência de «particularmente graves» ou de «infracções manifestas» (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Tréfilunion/Comissão, T‑148/89, Colect., p. II‑1063, n.° 109; de 15 de Setembro de 1998, European Night Services e o./Comissão, T‑374/94, T‑375/94, T‑384/94 e T‑388/94, Colect., p. II‑3141, n.° 136, e de 18 de Julho de 2005, Scandinavian Airlines System/Comissão, T‑241/01, Colect., p. II‑2917, n.° 85).

222    Em segundo lugar, resulta de jurisprudência assente que o efeito de uma prática anticoncorrencial não constitui um critério determinante para a apreciação da gravidade de uma infracção. Elementos atinentes ao aspecto intencional podem ter mais importância do que os que dizem respeito aos referidos efeitos, sobretudo quando estão em causa infracções intrinsecamente graves como a repartição dos mercados (v., acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Outubro de 2003, Thyssen Stahl/Comissão, C‑194/99 P, Colect., p. I‑10821, n.° 118, e Prym e Prym Consumer/Comissão, já referido no n.° 198 supra, n.° 96; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 2001, Krupp Thyssen Stainless e Acciai speciali Terni/Comissão, T‑45/98 e T‑47/98, Colect., p. II‑3757, n.° 199, e Degussa/Comissão, já referido no n.° 95 supra, n.° 251).

223    É deste modo que a natureza da infracção desempenha um papel primordial, designadamente, para caracterizar as infracções de «muito graves». Resulta da descrição das infracções muito graves pelas orientações de 1998 que acordos ou práticas concertadas que, como no presente caso, tenham por objectivo, designadamente, a repartição dos mercados podem ser qualificados de infracções muito graves apenas com base na sua natureza, não sendo necessário caracterizar esses comportamentos mediante um impacto ou um âmbito geográfico específicos (v., neste sentido, acórdão Prym e Prym Consumer/Comissão, já referido no n.° 198 supra, n.° 75). Esta conclusão é confirmada pelo facto de que, embora a descrição das infracções graves mencione expressamente o impacto no mercado e os efeitos em amplas zonas do mercado comum, a descrição das infracções muito graves, em contrapartida, não menciona nenhuma exigência de impacto concreto no mercado, nem de produção de efeitos numa zona geográfica particular (v., neste sentido, acórdão Schunk e Schunk Kohlenstoff‑Technik/Comissão, já referido no n.° 83 supra, n.° 171, e jurisprudência referida). Neste contexto, há que rejeitar o argumento das recorrentes segundo o qual no caso em apreço se tratou não de repartição de mercados, mas «principalmente de acordos sobre quotas», dado que um bloqueio das quotas de mercado implica necessariamente uma repartição prévia dos mercados em causa.

224    Assim, atento o seu objecto, as infracções abrangidas pela decisão impugnada são, por natureza, muito graves, ainda que se provasse que os cartéis não abrangiam o conjunto do mercado dos produtos em causa e não produziram todos os efeitos pretendidos.

225    Além disso, tendo em conta que uma prática decisória da Comissão não pode servir de quadro jurídico às coimas aplicadas em matéria de concorrência (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Setembro de 2006, JCB Service/Comissão, C‑167/04 P, Colect., p. I‑8935, n.os 201 e 205, e de 7 de Junho de 2007, Britannia Alloys & Chemicals/Comissão, C‑76/06 P, Colect., p. I‑4405, n.° 60; acórdão Carbone‑Lorraine/Comissão, já referido no n.° 200 supra, n.° 92) e, em quaisquer circunstâncias, à luz da análise efectuada aos n.os 221 a 224 supra, há que rejeitar o argumento das recorrentes relativo à prática decisória da Comissão segundo a qual a infracção no Luxemburgo devia ter sido qualificada de «grave» em razão da reduzida dimensão deste Estado‑Membro. A este propósito, cabe salientar, além disso, que foi designadamente a tomada em consideração da «[d]imensão do mercado luxemburguês em relação a outros Estados‑Membros» (considerando 666 da decisão impugnada) que levou a Comissão a fixar um montante inicial geral para esta infracção que corresponde a metade do limite mínimo de 20 milhões de euros que é normalmente previsto pelas orientações para este tipo de infracção muito grave (v. ponto 1 A, segundo parágrafo, terceiro travessão, das orientações de 1998).

226    Finalmente, mesmo que se presuma que a Comissão decidiu ter em conta este elemento facultativo que é o impacto da infracção sobre o mercado e que, consequentemente, na decisão impugnada, devia ter apresentado indícios concretos, credíveis e suficientes que permitissem apreciar a influência efectiva que a infracção teve na concorrência no referido mercado (acórdão Prym e Prym Consumer/Comissão, já referido no n.° 198 supra, n.° 82), há que considerar que, em quaisquer circunstâncias, cumpriu esta obrigação.

227    Com efeito, decorre da decisão impugnada que, no que respeita à infracção na Bélgica, a Comissão observou designadamente que os acordos anticoncorrenciais incidiam sobre todos os segmentos do mercado dos elevadores e das escadas rolantes, independentemente do montante do projecto, e que, tendo em conta a elevada quota de mercado acumulada das empresas em questão (considerando 50 da decisão impugnada), estas corriam poucos riscos de se defrontar com restrições concorrenciais exercidas por empresas de elevadores e de escadas rolantes mais pequenas, que as impedissem de fixar preços muito competitivos com um impacto no mercado (considerando 662 da decisão impugnada). Além disso, salientou que representantes das quatro empresas se reuniam regularmente (considerandos 153 e 160 da decisão impugnada), contactavam igualmente de forma regular por telefone sobre projectos específicos (considerando 153 da decisão impugnada) e tinham previsto um mecanismo de compensação em caso de diferenças entre as quotas de mercado acordadas e as quotas de mercado reais (considerandos 162 e 175 da decisão impugnada). Por outro lado, foram elaboradas listas de projectos, que permitiam que as empresas em causa verificassem e se assegurassem permanentemente que todas respeitavam os seus compromissos e procediam às adaptações necessárias quando o que tinha sido previamente acordado não era plenamente respeitado (considerando 166 da decisão impugnada). Foram também tomadas medidas especialmente elaboradas para dissimular os acordos (considerando 153 da decisão impugnada).

228    No que respeita à infracção na Alemanha, a Comissão salientou designadamente que os participantes no cartel detinham, em valor, mais de 60% do mercado dos elevadores e cerca de 100% do mercado das escadas rolantes (considerandos 51 e 232 da decisão impugnada) e que o objectivo do cartel era bloquear as quotas de mercado correspondentes às empresas em causa (considerandos 236 e segs. da decisão impugnada). A Comissão sublinhou igualmente a frequência das reuniões (considerandos 217 e 218 da decisão impugnada) e as precauções tomadas pelos participantes para dissimularem os seus contactos (considerandos 219 a 221 da decisão impugnada).

229    Quanto à infracção no Luxemburgo, a Comissão observou que as empresas abrangidas pelos acordos realizaram perto de 100% da totalidade das vendas acumuladas de elevadores e escadas rolantes em 2003, salientando que as filiais locais da Kone, da Otis, da Schindler e da ThyssenKrupp eram os únicos fornecedores instalados no Luxemburgo que comercializavam escadas rolantes (considerando 52 da decisão impugnada). Salientou igualmente a frequência dos encontros (considerando 302 da decisão impugnada), as precauções tomadas para dissimular as reuniões e os contactos (considerandos 304 a 307 da decisão impugnada) e a existência de um mecanismo de compensação (considerandos 317 e 336 da decisão impugnada).

230    Finalmente, sobre a infracção nos Países Baixos, a Comissão sublinhou a quota de mercado acumulada muito elevada dos participantes no cartel (considerando 53 da decisão impugnada). Salientou igualmente a frequência das reuniões entre os participantes (considerandos 383 e 397 a 401 da decisão impugnada), o processo de repartição elaborado pelos participantes (considerandos 411 e segs. da decisão impugnada), as precauções tomadas para dissimular os contactos entre participantes (considerando 391 da decisão impugnada) ou ainda a existência de um mecanismo de compensação de facto (considerando 434 da decisão impugnada).

231    Assim, no considerando 660 da decisão impugnada, a Comissão concluiu que o facto de os diversos acordos anticoncorrenciais terem sido aplicados sugeria, em si mesmo, um impacto no mercado, ainda que o efeito real fosse difícil de medir, porque não era possível determinar, designadamente, se e quantos outros projectos foram objecto de falseamento das propostas, nem quantos projectos puderam ser objecto de uma repartição entre os membros do cartel sem serem necessários contactos entre eles. Acrescentou que as elevadas quotas de mercado acumuladas dos concorrentes indicavam efeitos anticoncorrenciais prováveis e que a relativa estabilidade destas quotas de mercado durante toda a vigência das infracções confirmava estes efeitos.

232    Decorre de tudo o que precede que os argumentos das recorrentes reproduzidos nos n.os 211 e 212 supra não são susceptíveis de afectar a legalidade da qualificação de «muito graves» das infracções declaradas no artigo 1.° da decisão impugnada e, portanto, que devem ser rejeitados.

233    Em segundo lugar, as recorrentes consideram que a Comissão ignora o princípio da presunção de inocência ao atribuir ás empresas em causa o ónus da prova da ausência de impacto do seu cartel.

234    É imperioso observar que, em conformidade com o disposto no ponto 1 A das orientações de 1998, incumbe à Comissão demonstrar o impacto concreto de uma coima quando este é mensurável. No entanto, no presente caso, a Comissão considerou, no considerando 660 da decisão impugnada, que o impacto concreto não era mensurável, sem que as recorrentes tenham validamente posto em causa esta apreciação (v. n.os 211 a 232 supra).

235    Nestas condições, a não tomada em consideração do impacto concreto das infracções não pode gerar uma violação do princípio da presunção de inocência, uma vez que, no presente caso, a gravidade das infracções, de acordo com o ponto 1 A das orientações de 1998, pode ser determinada sem que esse impacto tenha que ser provado.

236    O argumento relativo a uma violação do princípio da presunção de inocência também não pode, pois, ser acolhido.

237    Consequentemente, há que julgar improcedente o conjunto das alegações relativas à qualificação das infracções como «muito graves».

 Quanto à pretensa ilegalidade dos montantes iniciais das coimas

238    As recorrentes salientam que a Comissão violou o ponto 1 A das orientações de 1998, uma vez que não tomou em consideração, na decisão impugnada, a dimensão do mercado controlado pelas empresas em causa e abrangido pelos acordos para efeitos da fixação dos montantes de base das coimas. As recorrentes invocam, além disso, a falta de proporcionalidade e de coerência dos montantes de base das coimas em relação à dimensão do mercado em causa e ao volume de negócios das filiais da Schindler. Na sua réplica, as recorrentes indicaram igualmente que, independentemente da qualificação das infracções como «muito graves», os argumentos apresentados nos n.os 211 e 212 supra justificavam uma diminuição dos montantes iniciais das coimas. Consideram igualmente que a Comissão não efectuou uma diferenciação suficiente entre as empresas em causa. Interrogadas na audiência sobre o alcance do seu fundamento, as recorrentes precisaram que, contrariamente ao que referiram nos seus articulados, as suas alegações não respeitam aos montantes de base das coimas, mas aos montantes iniciais das mesmas.

239    Em particular, no que respeita à infracção no Luxemburgo, as recorrentes consideram que o montante inicial da coima de 10 milhões de euros é desproporcionado, uma vez que representa perto de um terço do volume do mercado luxemburguês abrangido pelo cartel. Acrescentam que este montante [confidencial] (1). No que respeita ao cartel na Alemanha, o montante inicial específico correspondia [confidencial]. Finalmente, quanto ao cartel nos Países Baixos, realçam o valor excessivo do montante inicial específico da coima, o qual representa [confidencial], apesar de a Schindler deter apenas uma pequena quota de mercado nos Países Baixos.

240    Como se recordou no n.° 203 supra, as orientações de 1998 prevêem, em primeiro lugar, a apreciação da gravidade da infracção enquanto tal, com base na qual pode ser estabelecido um montante inicial geral (ponto 1 A, segundo parágrafo). Em segundo lugar, a gravidade é analisada em relação às características da empresa em causa, designadamente a sua dimensão e posição no mercado pertinente, o que pode dar lugar à ponderação do montante inicial, à classificação das empresas em categorias e à fixação de um montante inicial específico (ponto 1 A, terceiro a sétimo parágrafos) (acórdão Carbone‑Lorraine/Comissão, já referido no n.° 200 supra, n.° 73).

241    A este respeito, antes de mais, há que considerar que as alegações das recorrentes relativas à violação das orientações de 1998 ou do princípio de proporcionalidade, no que respeita à não tomada em consideração da dimensão dos mercados abrangidos pelos acordos, bem como à falta de coerência dos montantes iniciais das coimas face à dimensão dos mercados em causa, são relativas aos montantes iniciais gerais das coimas, dado que respeitam à gravidade intrínseca das infracções. O mesmo acontece com as alegações relativas à estrutura dos acordos ou ao seu impacto limitado, que, apesar de suscitadas com o objectivo de contestar a qualificação das infracções como «muito graves», justificam, segundo as recorrentes, que os montantes iniciais sejam reduzidos. Em seguida, as alegações das recorrentes sobre a falta de proporcionalidade dos montantes iniciais das coimas e a sua falta de coerência face aos volumes de negócios das filiais da Schindler ou sobre a insuficiente diferenciação entre as empresas em causa enquadram‑se na determinação dos montantes iniciais específicos das coimas, dado que são relativas à classificação das empresas por categoria. Finalmente, as recorrentes invocam um fundamento relativo à falta de fundamentação da decisão impugnada no que respeita à determinação dos montantes iniciais das coimas.

–       Quanto à alegada falta de fundamentação

242    As recorrentes defenderam, nos seus articulados, que os montantes de base das coimas que foram fixados na decisão impugnada não são fundamentados. Como se indicou no n.° 238 supra, decorreu, no entanto, das suas explicações na audiência que a sua alegação visa a ausência de fundamentação dos montantes iniciais das coimas. As recorrentes não tiveram a possibilidade de verificar com base em que princípios e fundamentos materiais estes foram determinados. Dado que os montantes iniciais das coimas constituem o ponto de partida dos cálculos subsequentes, a meticulosidade com que a Comissão calculou as majorações e reduções do montante inicial perderia toda a utilidade se este montante fosse fixado arbitrariamente.

243    Segundo jurisprudência assente, os requisitos da formalidade essencial que constitui o dever de fundamentação estão preenchidos quando a Comissão indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade da infracção e a sua duração, sem que seja obrigada a apresentar uma exposição mais detalhada ou os elementos quantificados relativos ao modo de cálculo da coima (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, Cascades/Comissão, C‑279/98 P, Colect., p. I‑9693, n.° 44, e Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, já referido no n.° 149 supra, n.os 463 e 464; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Março de 2006, BASF/Comissão, T‑15/02, Colect., p. II‑497, n.° 131).

244    Ora, a Comissão indicou, antes de mais, nos considerandos 657 a 671 da decisão impugnada, que os montantes iniciais das coimas foram determinados tendo em conta a natureza das infracções e o âmbito do mercado geográfico em causa. Decorre ainda dos considerandos 672 a 685 da decisão impugnada que a Comissão analisou a gravidade das infracções em relação às características dos participantes, procedendo, para cada infracção, a uma diferenciação das empresas em causa em função dos seus volumes de negócios relativo aos produtos objecto do cartel no país abrangido pela infracção.

245    Os elementos de apreciação que permitiram à Comissão medir a gravidade das infracções constatadas foram, pois, suficientemente expostos na decisão impugnada. Nestas condições, deve ser rejeitada a alegação relativa a uma violação do artigo 253.° CE.

–       Quanto aos montantes iniciais gerais das coimas

246    Em primeiro lugar, importa salientar que as recorrentes não contestam a legalidade da metodologia apresentada no ponto 1 A das orientações de 1998 relativa à determinação dos montantes iniciais gerais das coimas. Ora, a referida metodologia obedece a uma lógica pré‑determinada, segundo a qual o montante inicial geral da coima, determinado em função da gravidade da infracção, é calculado em função da natureza e do âmbito geográfico da infracção, bem como do impacto concreto da infracção no mercado quando este é mensurável (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância BASF/Comissão, já referido no n.° 243 supra, n.° 134, e de 6 de Maio de 2009, Wieland‑Werke/Comissão, T‑116/04, Colect., p. II‑1087, n.° 62).

247    Além disso, a dimensão do mercado em causa não é, em princípio, um elemento obrigatório, mas apenas um elemento pertinente, entre outros, para apreciar a gravidade da infracção. Aliás, segundo jurisprudência assente, a Comissão não está obrigada a proceder a uma delimitação do mercado em causa ou a uma apreciação da sua dimensão quando a infracção em causa tem um objectivo anticoncorrencial (v., neste sentido, acórdão Prym e Prym Consumer/Comissão, já referido no n.° 198 supra, n.os 55 e 64). Assim, para efeitos da determinação do montante inicial geral da coima, a Comissão pode, sem que a tal esteja obrigada, considerar o valor do mercado que é objecto da infracção (v., neste sentido, acórdãos BASF/Comissão, já referido no n.° 243 supra, n.° 134, e Wieland‑Werke/Comissão, já referido no n.° 246 supra, n.° 63). Com efeito, as orientações de 1998 não prevêem que o montante das coimas seja calculado em função do volume de negócios global ou do volume de negócios realizado pelas empresas no mercado em causa. Contudo, também não se opõem a que tais volumes de negócios sejam tomados em consideração para a determinação do montante da coima a fim de serem respeitados os princípios gerais de direito comunitário e quando as circunstâncias o exijam (acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, n.° 118 supra, já referido no n.° 187).

248    Tendo em conta o que precede, os argumentos das recorrentes devem ser rejeitados na medida em que invocam o alegado carácter excessivo dos montantes iniciais das coimas que foram fixados para a infracção no Luxemburgo. Com efeito, os volumes de negócios realizados à escala deste Estado‑Membro foram tidos em consideração para efeitos da classificação das empresas em causa em categorias e, portanto, para efeitos da fixação dos montantes iniciais específicos para as referidas empresas (considerandos 680 e 684 da decisão impugnada). Em quaisquer circunstâncias, como referido no n.° 225 supra, foi designadamente a tomada em consideração da «[d]imensão do mercado luxemburguês em relação a outros Estados‑Membros» (considerando 666 da decisão impugnada) que levou a Comissão a fixar um montante inicial geral para esta infracção que corresponde a metade do limite mínimo de 20 milhões de euros que é normalmente previsto pelas orientações para este tipo de infracção muito grave (v. ponto 1 A, segundo parágrafo, terceiro travessão, das orientações de 1998).

249    Em segundo lugar, as recorrentes salientam que a fixação dos montantes iniciais gerais para os diferentes cartéis não é coerente e precisam que o montante inicial é desproporcionado em relação ao volume do mercado no Luxemburgo.

250    Contrariamente ao que afirma a Comissão, este argumento preenche os requisitos do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo. Com efeito, com este argumento, as recorrentes salientam que, presumindo que as diferentes infracções devem ser consideradas similares, a Comissão devia ter aplicado, designadamente pela infracção no Luxemburgo, um montante inicial similar, expresso em percentagem da dimensão do mercado, aos montantes iniciais adoptados para as outras infracções.

251    Deve recordar‑se que, tendo em conta a lógica pré‑determinada subjacente à metodologia apresentada no n.° 1 A das orientações de 1998, a Comissão, quando fixa o montante inicial geral da coima, não é obrigada a ter em conta a dimensão do mercado afectado (v. n.os 246 e 247 supra).

252    Mesmo supondo que a Comissão, quando declara várias infracções muito graves numa única e mesma decisão, deva respeitar uma certa coerência entre os montantes iniciais gerais e a dimensão dos diferentes mercados afectados, nada indica, no caso em apreço, que os montantes iniciais gerais fixados para as infracções na Bélgica, na Alemanha, no Luxemburgo e nos Países Baixos não sejam coerentes.

253    Assim, a Comissão fixou montantes iniciais gerais tanto mais elevados quanto era elevada a dimensão do mercado, sem todavia recorrer a uma fórmula matemática precisa, a que, em quaisquer circunstâncias, não era obrigada. Para o mercado mais importante, o da Alemanha, que representa 576 milhões de euros, o montante inicial geral foi fixado em 70 milhões de euros; para os dois mercados seguintes, pela ordem de importância, os dos Países Baixos e da Bélgica, que representam, respectivamente, 363 milhões de euros e 254 milhões de euros, o montante inicial geral foi fixado, respectivamente, em 55 milhões de euros e em 40 milhões de euros; finalmente, para o mercado luxemburguês, de dimensão manifestamente mais reduzida, que representa 32 milhões de euros, a Comissão, apesar de as orientações de 1998 preverem, para infracções muito graves, a fixação de montantes em função da gravidade «superiores a 20 milhões de [euros]», considerou adequado limitar este montante a 10 milhões de euros.

254    Em terceiro lugar, as recorrentes adiantam que o impacto mínimo das infracções justifica a fixação de um montante inicial mais reduzido. Esta argumentação deve igualmente ser rejeitada. Com efeito, como se recordou nos n.os 213 a 219 supra, a Comissão, no âmbito da apreciação da gravidade da infracção, deve proceder a uma análise do impacto concreto no mercado unicamente quando se verifique que este impacto é mensurável, o que não acontecia no presente caso. Além disso, como se salientou nos n.os 220 a 224 supra, mesmo que o impacto concreto das infracções fosse mensurável no caso em apreço, a qualificação das presentes infracções como «muito graves» não se torna menos apropriada. Ora, as recorrentes não invocam outros argumentos que permitam justificar, apesar da qualificação de «muito graves» das infracções, uma redução do montante inicial geral das coimas impostas pela Comissão.

–       Quanto aos montantes iniciais específicos das coimas

255    Cabe recordar que, no âmbito do cálculo do montante das coimas aplicadas nos termos do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, um tratamento diferenciado entre as empresas em questão é inerente ao exercício dos poderes atribuídos à Comissão por esta disposição. Com efeito, no âmbito da sua margem de apreciação, a Comissão deve individualizar a sanção em função dos comportamentos e das características próprias das empresas em questão, para garantir, em cada caso concreto, a plena eficácia das regras comunitárias de concorrência (v., neste sentido, acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido no n.° 54 supra, n.° 109, e Britannia Alloys & Chemicals/Comissão, n.° 225 supra, já referido no n.° 44).

256    Assim, as orientações de 1998 dispõem que, para uma infracção de determinada gravidade, pode haver lugar, nos casos que envolvam várias empresas como os cartéis, a ponderar o montante inicial geral para determinar um montante inicial específico tendo em conta o peso, e portanto o impacto real, do comportamento ilícito de cada empresa sobre a concorrência, designadamente quando existe uma disparidade considerável na dimensão das empresas autoras de uma infracção da mesma natureza (ponto 1 A, sexto parágrafo). Em particular, é necessário tomar em consideração a capacidade económica efectiva dos autores da infracção de causarem um prejuízo importante aos outros operadores, nomeadamente aos consumidores (ponto 1 A, quarto parágrafo).

257    As orientações de 1998 precisam igualmente que o princípio da igualdade da sanção para um mesmo comportamento pode implicar, quando as circunstâncias o exijam, a aplicação de montantes diferenciados às empresas em causa sem que essa diferenciação se baseie num cálculo aritmético (ponto 1A, sétimo parágrafo).

258    Resulta da jurisprudência que as orientações de 1998 não prevêem que o montante das coimas seja calculado em função do volume de negócios realizado pelas empresas no mercado em causa. Todavia, não se opõem a que esses volumes de negócios sejam tomados em consideração para a determinação do montante da coima a fim de serem respeitados os princípios gerais de direito comunitário e quando as circunstâncias o exijam (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância LR AF 1998/Comissão, já referido no n.° 112 supra, n.° 283; de 9 de Julho de 2003, Cheil Jedang/Comissão, T‑220/00, Colect., p. II‑2473, n.° 82, e Groupe Danone/Comissão, já referido no n.° 57 supra, n.° 157). Além disso, o Tribunal já considerou que não deve existir uma relação estritamente proporcional entre a dimensão de cada empresa e o montante da coima que lhe é aplicada (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 2004, JFE Engineering e o./Comissão, T‑67/00, T‑68/00, T‑71/00 e T‑78/00, Colect., p. II‑2501, n.° 534).

259    No caso em apreço, decorre dos considerandos 672 a 685 da decisão impugnada que a Comissão aplicou, relativamente a cada infracção declarada no artigo 1.° da decisão impugnada, «um tratamento diferenciado às empresas a fim de tomar em consideração a capacidade económica efectiva dos infractores de causarem um prejuízo significativo à concorrência» (considerando 672 da decisão impugnada). Para cada infracção, procedeu a uma classificação das empresas para efeitos da fixação dos montantes iniciais específicos das coimas, em função do seu volume de negócios realizado em cada mercado nacional dos produtos em causa (considerandos 673 a 685 da decisão impugnada). À excepção da determinação do montante inicial específico para a Schindler em razão da sua participação no cartel na Alemanha, a Comissão, para efeitos da determinação dos montantes iniciais específicos das outras empresas, baseou‑se, para cada infracção, no volume de negócios de 2003, que, segundo a Comissão, é o ano mais recente durante o qual as referidas empresas eram membros activos dos cartéis em questão (considerandos 674, 676, 680 e 684 da decisão impugnada).

260    No entanto, as recorrentes argumentam que, no que respeita às infracções na Alemanha, no Luxemburgo e nos Países Baixos, a determinação do montante inicial específico das coimas pela sua participação na infracção em causa se baseia numa aplicação errada das orientações de 1998 e é desproporcionada. Indicam igualmente que as empresas em causa não foram suficientemente diferenciadas.

261    Em primeiro lugar, no que respeita às infracções na Alemanha, no Luxemburgo e nos Países Baixos, as recorrentes invocam uma violação das orientações de 1998 e do princípio de proporcionalidade [confidencial].

262    Ora, por um lado, como decorre do n.° 244 supra, o montante inicial geral das coimas foi determinado tendo em conta a natureza das infracções e o âmbito do mercado geográfico em causa. Por outro lado, os volumes de negócios realizados pelas empresas em causa no mercado alemão foram tomados em consideração pela Comissão unicamente no âmbito da aplicação de um tratamento diferenciado às empresas abrangidas, a fim de ter em conta a sua importância relativa no mercado em causa e a sua capacidade económica efectiva de causar um prejuízo significativo à concorrência (considerando 672 da decisão impugnada), o que, de resto, é conforme com a jurisprudência referida nos n.os 255 e 258 supra. A comparação efectuada pelas recorrentes entre os volumes de negócios que realizaram nos mercados em causa e o montante inicial das coimas não pode, pois, ser acolhida.

263    Consequentemente, e uma vez que, em quaisquer circunstâncias, o direito da União não contém qualquer princípio de aplicação geral segundo o qual a sanção deva ser proporcional à importância da empresa no mercado dos produtos que são objecto da infracção (acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, já referido no n.° 118 supra, n.° 75), deve ser rejeitado o argumento relativo ao carácter excessivo dos montantes iniciais específicos aplicados à Schindler pelas infracções na Alemanha, no Luxemburgo e nos Países Baixos.

264    Em segundo lugar, no que respeita à infracção no Luxemburgo, as recorrentes salientam que a Schindler foi classificada na mesma categoria que a Otis, apesar de, com um volume de negócios de 9 a 13 milhões de euros realizado no Luxemburgo e uma quota de mercado entre 35% e 40%, esta última dispor de uma capacidade económica muito maior.

265    A este respeito, recorde‑se que, para verificar se uma repartição dos membros de um cartel por categorias é conforme aos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, o Tribunal, no âmbito da sua fiscalização da legalidade do exercício do poder de apreciação de que a Comissão goza na matéria, deve limitar‑se a verificar se esta repartição é coerente e objectivamente justificada (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Março de 2003, CMA CGM e o./Comissão, T‑213/00, Colect., p. II‑913, n.os 406 e 416; BASF/Comissão, já referido no n.° 243 supra, n.° 157, e Schunk e Schunk Kohlenstoff‑Technik/Comissão, n.° 83 supra, n.° 184). Além disso, como se recordou no n.° 258 supra, segundo as orientações de 1998, o princípio de igualdade de sanção para um mesmo comportamento pode levar à aplicação de montantes diferenciados para as empresas em causa sem que essa diferenciação obedeça a um cálculo aritmético (ponto 1 A, sétimo parágrafo). A este respeito, como decorre do n.° 258 supra, não deve existir uma relação estritamente proporcional entre a dimensão de cada empresa e o montante da coima que lhe é aplicada.

266    No presente caso, deve observar‑se que, como resulta do considerando 680 da decisão impugnada, em 2003, os volumes de negócios da Schindler e da Otis no mercado luxemburguês eram relativamente semelhantes e eram, ambos, três a quatro vezes superiores aos volumes de negócios da Kone e da ThyssenKrupp neste mercado. Assim, foi sem exceder manifestamente a margem de apreciação que lhe é reconhecida que a Comissão colocou a Schindler e a Otis na primeira categoria e a Kone e a ThyssenKrupp na segunda categoria, mostrando‑se esta classificação coerente e objectivamente justificada.

267    Em terceiro lugar, no que respeita à infracção nos Países Baixos, as recorrentes afirmam que a sua pequena quota de mercado neste Estado‑Membro «não foi tomada em consideração de maneira evidente». O montante inicial representava [confidencial], apesar da sua quota de mercado [confidencial].

268    Impõe‑se observar que, tendo em conta a grande diferença existente entre os volumes de negócios dos participantes no cartel nos Países Baixos, a Comissão não excedeu de forma manifesta a sua margem de apreciação quando os repartiu em quatro categorias para efeitos da determinação do montante inicial específico das coimas e classificou a Schindler, enquanto terceiro operador no mercado neerlandês do produto em causa, na terceira categoria.

269    De tudo o que precede decorre que deve ser negado provimento ao conjunto das alegações relativas à determinação dos montantes iniciais específicos das coimas aplicadas às recorrentes.

270    Há, pois, que julgar improcedente o presente fundamento na sua totalidade.

 Quanto ao fundamento relativo à violação das orientações de 1998, do princípio da adequação entre o ilícito e a pena, do princípio de proporcionalidade e da obrigação de fundamentação na ponderação das circunstâncias atenuantes

271    As recorrentes argumentam que a Comissão violou as orientações de 1998, os princípios da adequação entre o ilícito e a pena e da proporcionalidade, e a obrigação de fundamentação ao recusar, erradamente, tomar em conta, enquanto circunstância atenuante, em primeiro lugar, a cessação voluntária antecipada da infracção na Alemanha em 2000, e, em segundo lugar, os esforços intensos da Schindler para evitar qualquer infracção ao artigo 81.° CE.

272    Em primeiro lugar, no que respeita à cessação voluntária antecipada da infracção, a Comissão observou na decisão impugnada que «a Schindler deixou o cartel alemão em 2000», mas considerou que «[o] facto de uma empresa pôr voluntariamente termo à infracção antes de a Comissão ter iniciado a sua investigação é suficientemente tido em consideração no cálculo da duração da infracção e não constitui uma circunstância atenuante» (considerando 742 da decisão impugnada).

273    As recorrentes recordam que as orientações de 1998 prevêem, no ponto 3, a diminuição do montante de base em função de circunstâncias atenuantes como, por exemplo, a cessação das infracções desde as primeiras intervenções da Comissão. Esta circunstância atenuante deveria, a fortiori, aplicar‑se quando a cessação do comportamento ilícito ocorre antes das referidas intervenções, como no presente caso.

274    Este raciocínio não pode ser acolhido. O Tribunal de Justiça, a este propósito, confirmou recentemente que não pode ser reconhecida uma circunstância atenuante nos termos do ponto 3, terceiro travessão, das orientações, no caso de a infracção já ter cessado antes da data das primeiras intervenções da Comissão (acórdão Prym e Prym Consumer/Comissão, já referido no n.° 198 supra, n.° 105). Com efeito, só se tratará de uma circunstância atenuante, na acepção do ponto 3, terceiro travessão, das orientações de 1998, se as empresas em causa foram incentivadas a pôr termo aos seus comportamentos anticoncorrenciais pelas intervenções da Comissão. A finalidade desta disposição consiste em encorajar as empresas a pôr termo aos seus comportamentos anticoncorrenciais imediatamente após a Comissão dar início a uma investigação a esse respeito, de forma que não se pode aplicar uma redução da coima a esse título no caso de já ter sido posto termo à infracção antes da data das primeiras intervenções da Comissão. Com efeito, a aplicação de uma redução nessas circunstâncias constituiria uma duplicação da tomada em conta da duração das infracções no cálculo do montante das coimas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 2004, Dalmine/Comissão, T‑50/00, Colect., p. II‑2395, n.os 328 a 330, e Carbone Lorraine/Comissão, já referido no n.° 200 supra, n.° 227).

275    Impõe‑se ainda recordar que a concessão dessa redução do montante de base da coima está necessariamente ligada às circunstâncias do caso concreto, que podem conduzir a Comissão a não a conceder a uma empresa que tomou parte num acordo ilícito (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Junho de 2009, Archer Daniels Midland/Comissão, C‑511/06 P, Colect., p. I‑5843, n.° 104). A este respeito, a aplicação desta disposição das orientações a favor de uma empresa será especialmente adequada numa situação em que o carácter anticoncorrencial do comportamento em causa não seja manifesto. Pelo contrário, a sua aplicação será, em princípio, menos adequada numa situação em que o referido comportamento seja claramente anticoncorrencial, admitindo que esteja demonstrado (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 2004, Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, T‑44/00, Colect., p. II‑2223, n.° 281; de 14 de Dezembro de 2006, Raiffeisen Zentralbank Österreich e o./Comissão, T‑259/02 a T‑264/02 e T‑271/02, Colect., p. II‑5169, n.° 497, e Carbone‑Lorraine/Comissão, já referido no n.° 200 supra, n.° 228). Assim, reconhecer o benefício de uma circunstância atenuante em situações em que uma empresa participa num acordo manifestamente ilegal, que ela sabia ou não podia ignorar ser uma infracção, poderia levar as empresas a prosseguir um acordo secreto tanto tempo quanto possível, na esperança de que o seu comportamento nunca viesse a ser descoberto, sabendo que, se o fosse, podiam ter a sua coima reduzida se interrompessem nesse momento a infracção. Esse reconhecimento retiraria todo o efeito dissuasor à coima aplicada e prejudicaria o efeito útil do artigo 81.°, n.° 1, CE (v. acórdão de 9 de Julho de 2009, Archer Daniels Midland/Comissão, já referido, n.° 105, e jurisprudência referida). No presente caso, na decisão impugnada, mesmo a cessação imediata da infracção por uma outra empresa, a saber, a Kone, na sequência da intervenção da Comissão, não foi considerada circunstância atenuante, tendo em conta o carácter manifesto e deliberado da infracção ao artigo 81.° CE (considerando 744 da decisão impugnada).

276    Assim, mesmo supondo que as orientações de 1998 previam a cessação voluntária da infracção antes de qualquer intervenção da Comissão como circunstância atenuante, era possível considerar que o carácter manifesto e deliberado da infracção, que não foi contestado pelas recorrentes, e o facto de a Schindler, segundo o processo, ter deixado o cartel unicamente devido a um desentendimento com os outros participantes resultante do facto de estes se recusarem a atribuir‑lhe uma quota de mercado mais elevada, se oporiam igualmente a uma diminuição do montante de base com este fundamento. Contrariamente ao que referem as recorrentes, não há, pois, em qualquer caso, que pôr em causa a jurisprudência referida no n.° 274 supra.

277    Finalmente, as recorrentes referem‑se à prática decisória anterior da Comissão, a qual considerou como circunstância atenuante a cessação voluntária de uma infracção antes de qualquer intervenção da sua parte.

278    A este respeito, como foi recordado no n.° 225 supra, as decisões anteriores da Comissão invocadas pelas recorrentes não são pertinentes, uma vez que a prática decisória da Comissão não pode servir de quadro jurídico às coimas aplicadas em matéria de concorrência.

279    A primeira alegação no quadro do presente fundamento deve, pois, ser rejeitada.

280    Em segundo lugar, as recorrentes alegam que a Comissão não tomou em consideração, nem sequer analisou, o programa de conformidade com as regras de concorrência da Schindler como circunstância atenuante, o que constitui uma falta de fundamentação. Além disso, as recorrentes entendem que as medidas de conformidade devem ser tomadas em consideração no cálculo das coimas, porque, por um lado, as recorrentes, ao adoptarem medidas internas, fizeram todo o possível para evitar infracções e, por outro, essas medidas tiveram por efeito secundário dificultar o esclarecimento interno de infracções, dado que os colaboradores corriam o risco de serem sancionados. As recorrentes referem‑se ainda a certas decisões anteriores da Comissão, nas quais a existência de um programa de conformidade com as regras de concorrência foi tida em consideração como circunstância atenuante.

281    No que respeita à alegada violação da obrigação de fundamentação, cabe observar que, no considerando 754 da decisão impugnada, se refere que «[a]inda que a Comissão acolha favoravelmente as medidas adoptadas pelas empresas para evitar infracções posteriores associadas aos cartéis, essas medidas não podem modificar a realidade das infracções e a necessidade de lhes aplicar sanções nesta decisão» e que «[o] simples facto de, em algumas das suas decisões anteriores, a Comissão ter tido em consideração essas medidas como circunstâncias atenuantes não significa que tem a obrigação de fazer o mesmo em todos os processos». Ainda que constitua uma resposta a um argumento da Otis reproduzido no considerando 753 da decisão impugnada, o considerando 754 permite igualmente que as requerentes conheçam as razões pelas quais o programa de conformidade da Schindler, à semelhança do da Otis, também não podia ser considerado como circunstância atenuante e que o Tribunal exerça a sua fiscalização da legalidade sobre as coimas aplicadas às sociedades do Grupo Schindler. Consequentemente, há que rejeitar o argumento relativo a falta de fundamentação (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s/França, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 63).

282    No que respeita à justeza da posição da Comissão, já foi decidido que a adopção de um programa de conformidade pela empresa em causa não obriga a Comissão a conceder uma redução da coima em razão desta circunstância (acórdão BASF e UCB/Comissão, já referido no n.° 143 supra, n.° 52). Além disso, embora seja certamente importante que uma empresa adopte medidas para impedir que membros do seu pessoal cometam no futuro novas infracções ao direito da concorrência da União, esse facto em nada altera a realidade da infracção que foi constatada. Assim sendo, a Comissão não é obrigada a considerar esse elemento uma circunstância atenuante, muito menos quando as infracções declaradas na decisão impugnada constituem, como no presente caso, uma violação manifesta do artigo 81.° CE (acórdãos Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no n.° 88 supra, n.° 373, e Carbone Lorraine/Comissão, já referido no n.° 200 supra, n.° 231). Daí resulta que não pode ser acolhido o argumento das recorrentes relativo ao facto de a Comissão ter desrespeitado a necessidade de determinar individualmente o montante das coimas ao não conceder qualquer redução das coimas à Schindler face à existência do seu programa de conformidade.

283    Finalmente, o argumento relativo à prática anterior da Comissão deve ser rejeitado pelos motivos expostos no n.° 278 supra.

284    Consequentemente, a segunda alegação no âmbito do presente fundamento também não pode ser acolhida.

285    Dado que as recorrentes só apresentaram alegações relativas à inadequação entre o ilícito e a pena e à violação do princípio da proporcionalidade em razão da não tomada em consideração de todas as circunstâncias atenuantes, estas alegações, atento o exposto nos n.os 272 a 284 supra, devem ser rejeitadas.

286    Resulta do que precede que o presente fundamento deve ser julgado improcedente na totalidade.

 Quanto ao fundamento relativo à violação da comunicação sobre a cooperação de 2002, do princípio da igualdade de tratamento e da obrigação de fundamentação na concessão de reduções do montante das coimas

287    As recorrentes recordam que apresentaram pedidos de imunidade de coimas ou de redução do montante das mesmas nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002 no que respeita à Bélgica, à Alemanha e ao Luxemburgo. No entanto, a Comissão violou as disposições da referida comunicação ao apreciar a qualidade e a utilidade da sua cooperação. As recorrentes defendem igualmente que a Comissão violou o princípio de igualdade de tratamento na apreciação da redução da coima aplicável nos termos desta comunicação. Alegam também falta de fundamentação da decisão impugnada.

 Quanto à comunicação sobre a cooperação de 2002

288    Cabe salientar que, na comunicação sobre a cooperação de 2002, a Comissão definiu as condições em que as empresas que cooperem com ela para provar a existência de um cartel podem ser dispensadas da coima ou beneficiar de uma redução do montante da coima que, de outro modo, lhe seria aplicada.

289    Em primeiro lugar, a comunicação sobre a cooperação de 2002, no Título A, ponto 8, dispõe:

«A Comissão concederá a uma empresa imunidade relativamente a qualquer coima que de outra forma lhe seria aplicada desde que:

a)      A empresa seja a primeira a fornecer elementos de prova que, na opinião da Comissão, lhe possam permitir adoptar uma decisão no sentido de efectuar uma investigação na acepção do n.° 3 do artigo 14.° do Regulamento n.° 17 relativamente a um cartel alegado que afecte a Comunidade; ou

b)      A empresa seja a primeira a fornecer elementos de prova que, na opinião da Comissão, lhe permitam verificar a existência de uma infracção ao artigo 81.° [CE], relativamente a um cartel alegado que afecte a Comunidade.»

290    Em seguida, a comunicação sobre a cooperação de 2002, no Título B, ponto 20, prevê que «[a]s empresas que não preenchem as condições [de isenção de coima] podem ser elegíveis para uma redução da coima que de outra forma lhes seria aplicada» e, no ponto 21, que «[p]or forma a poder beneficiar desta redução, a empresa deve fornecer à Comissão elementos de prova da infracção presumida, que apresentem um valor acrescentado significativo relativamente aos elementos de prova já na posse da Comissão e deverá pôr termo à sua participação na infracção presumida o mais tardar na altura em que apresenta tais elementos de prova.»

291    Quanto à noção de valor acrescentado, o ponto 22 da comunicação sobre a cooperação de 2002 indica:

«O conceito de‘valor acrescentado’refere‑se à forma como os elementos de prova apresentados reforçam, pela sua própria natureza e/ou pelo seu nível de pormenor, a capacidade de a Comissão provar os factos em questão. Na sua apreciação, a Comissão considerará normalmente que os elementos de prova escritos que datem do período a que os factos se referem têm um valor superior aos elementos de prova de origem subsequente. Da mesma forma, considera‑se geralmente que os elementos de prova directamente relacionados com os factos em questão têm um valor superior aos elementos de prova que com eles apenas têm uma ligação indirecta».

292    O ponto 23, alínea b), primeiro parágrafo, da comunicação sobre a cooperação de 2002 estabelece uma classificação em três categorias para as reduções de coimas:

«–      À primeira empresa que preencha as condições previstas no ponto 21: uma redução de 30‑50%;

–      À segunda empresa que preencha as condições previstas no ponto 21: uma redução de 20‑30%;

–      Às empresas seguintes que preencham as condições previstas no ponto 21: uma redução até 20%.»

293    A mesma comunicação, no ponto 23, alínea b), segundo parágrafo, dispõe:

«Para determinar o nível de redução no âmbito de cada uma destas margens de variação, a Comissão levará em linha de conta a data na qual foram apresentados os elementos de prova que preencham as condições previstas no ponto 21 e o grau de valor acrescentado que estes representem. Poderá igualmente levar em linha de conta a extensão e a continuidade da cooperação fornecida pela empresa a partir da data da sua apresentação».

294    Finalmente, o ponto 23, alínea b), último parágrafo, da comunicação sobre a cooperação de 2002 prevê:

«[S]e uma empresa fornecer elementos de prova relacionados com factos anteriormente desconhecidos da Comissão, com incidência directa sobre a gravidade ou duração do cartel presumido, a Comissão não tomará em consideração estes elementos ao fixar o montante de qualquer coima a aplicar à empresa que os forneceu».

 Quanto à margem de apreciação da Comissão e à fiscalização do juiz da União

295    Recorde‑se que o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, que constitui a base jurídica para a aplicação das coimas em caso em infracção às regras da concorrência da União, confere à Comissão uma margem de apreciação na fixação das coimas (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância 21 de Outubro de 1997, Deutsche Bahn/Comissão, T‑229/94, Colect., p. II‑1689, n.° 127) que, designadamente, é função da sua política geral em matéria de concorrência (acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido no n.° 54 supra, n.os 105 e 109). Foi neste contexto que, para assegurar a transparência e o carácter objectivo das suas decisões em matéria de coimas, a Comissão adoptou e publicou a comunicação sobre a cooperação de 2002. Trata‑se de um instrumento destinado a especificar, no respeito do direito de nível superior, os critérios que pretende aplicar no âmbito do exercício do seu poder de apreciação. Daí resulta uma autolimitação deste poder (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Abril de 1998, Vlaams Gewest/Comissão, T‑214/95, Colect., p. II‑717, n.° 89), na medida em que incumbe à Comissão adequar‑se às disposições indicativas que se impôs (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1996, AIUFFASS e AKT/Comissão, T‑380/94, Colect., p. II‑2169, n.° 57).

296    A autolimitação do poder de apreciação da Comissão resultante da adopção da comunicação sobre a cooperação de 2002 não é, porém, incompatível com a manutenção de uma margem de apreciação substancial pela Comissão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Maio de 2007, SGL Carbon/Comissão, C‑328/05 P, Colect., p. I‑3921, n.° 81; v., por analogia, acórdão Raiffeisen Zentralbank Österreich e o./Comissão, já referido no n.° 275 supra, n.° 224).

297    A comunicação sobre a cooperação de 2002 contém efectivamente diferentes elementos de flexibilidade que permitem que a Comissão exerça o seu poder discricionário em conformidade com o disposto no artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003, tal como interpretado pelo Tribunal de Justiça (v., por analogia, acórdão Raiffeisen Zentralbank Österreich e o./Comissão, já referido no n.° 275 supra, n.° 224).

298    Assim, deve salientar‑se que a Comissão dispõe de uma ampla margem de apreciação quando é chamada a avaliar se elementos de prova fornecidos por uma empresa que tenha manifestado a sua vontade de beneficiar da comunicação sobre a cooperação de 2002 apresentam um valor acrescentado significativo na acepção do ponto 21 da referida comunicação (v., neste sentido, acórdão SGL Carbon/Comissão, já referido no n.° 296 supra, n.° 88). Quanto ao ponto 8, alíneas a) e b), da comunicação sobre a cooperação de 2002, impõe‑se observar que esta margem de apreciação substancial resulta da própria redacção desta disposição, que se refere expressamente ao fornecimento de elementos de prova que, «na opinião da Comissão», lhe possam permitir adoptar uma decisão de efectuar uma investigação ou verificar a existência de uma infracção. A apreciação da qualidade e da utilidade da cooperação prestada por uma empresa implica, de facto, apreciações factuais complexas (v., neste sentido, acórdão SGL Carbon/Comissão, já referido no n.° 296 supra, n.° 81, e Carbone Lorraine/Comissão, já referido no n.° 200 supra, n.° 271).

299    Do mesmo modo, a Comissão, depois de ter verificado existirem elementos de prova com um valor acrescentado significativo na acepção do ponto 21 da comunicação sobre a cooperação de 2002, dispõe de uma margem de apreciação quando é chamada a determinar o nível exacto da redução do montante da coima a atribuir à empresa em causa. Com efeito, o ponto 23, alínea b), primeiro parágrafo, da comunicação sobre a cooperação de 2002 prevê margens para a redução do montante da coima para as diferentes categorias de empresas abrangidas.

300    Tendo em consideração a margem de apreciação de que dispõe a Comissão para avaliar a cooperação de uma empresa nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002, só um excesso manifesto desta margem pode ser censurado pelo Tribunal (v., neste sentido, acórdão SGL Carbon/Comissão, já referido no n.° 296 supra, n.os 81, 88 e 89).

 Quanto à cooperação da Schindler para efeitos da determinação da infracção na Bélgica

301    A Schindler, que foi a quarta empresa a apresentar um pedido nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002 pela sua participação na infracção na Bélgica (considerando 775 da decisão impugnada), não beneficiou de uma redução do montante da coima no que respeita à referida infracção (considerando 776 da decisão impugnada). Sobre isso, no considerando 776 da decisão impugnada, a Comissão explica:

«776      Apesar de a Schindler ter transmitido elementos de prova contemporâneos sob a forma de listas do cartel de 200 a 2003, estes não permitem apoiar o procedimento da Comissão, uma vez que ela dispunha já de listas do cartel deste mesmo período. A Schindler apresentou o seu pedido [nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002] em 21 de Janeiro de 2005, ou seja, um ano depois de a primeira inspecção na Bélgica ter tido lugar, numa época em que a Comissão já tinha efectuado duas séries de verificações na Bélgica e recebido três pedidos concordantes [nos termos da referida comunicação]. Além disso, a natureza das informações muito limitadas prestadas pela Schiondler em relação à maioria das listas do cartel em 2000‑2003 não reforçou, de maneira significativa, a capacidade da Comissão de provar os factos em questão. Por conseguinte, as condições do [ponto] 21 da comunicação sobre a cooperação não estão preenchidas. No seguimento do seu pedido […], a Schindler continuou a cooperar com a Comissão, sem, no entanto, apresentar valor acrescentado significativo».

302    Em primeiro lugar, as recorrentes afirmam que, na decisão impugnada, a Comissão ignora o facto de as listas de projectos comunicadas pela Schindler durante o procedimento administrativo terem efectivamente apresentado um valor acrescentado na acepção da comunicação sobre a cooperação de 2002. Primeiro, as referidas listas não apresentavam as mesmas datas que as listas transmitidas pela Kone e pela Otis. Segundo, as listas da Schindler indicavam numerosos projectos que não figuravam nas listas transmitidas pela Kone e pela Otis. Terceiro, a Comissão, no considerando 164 (nota de rodapé n.° 176) da decisão impugnada, referiu expressamente as listas de projectos que foram transmitidas pela Kone, pela Otis e pela Schindler. Quarto, a Comissão tirou conclusões de uma comparação entre as listas de projectos transmitidas pelas diferentes empresas, o que mostra, por um lado, que todas as listas de projectos transmitidas constituem elementos de prova importantes ao nível da determinação da infracção e, por outro, que foi apenas graças às listas de projectos da Kone, da Otis e da Schindler que ela pôde provar a existência do cartel. Ora, de acordo com o ponto 23, alínea b), primeiro parágrafo, da comunicação sobre a cooperação de 2002, a Schindler, enquanto terceira empresa a ter cooperado, tinha direito a uma redução da coima até 20%.

303    Cabe, pois, verificar, tendo em conta a jurisprudência recordada no n.° 300 supra, se a Comissão excedeu manifestamente a sua margem de apreciação ao declarar que os elementos de prova fornecidos pela Schindler não apresentavam um valor acrescentado significativo em relação aos elementos de prova já na sua posse no momento em que a referida empresa formulou o seu pedido nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002.

304    A este respeito, cumpre, antes de mais, salientar que as recorrentes, que não denunciam a atribuição a imunidade de coimas à Kone, não contestam a declaração, feita no considerando 761 da decisão impugnada, segundo a qual «as informações já prestadas pela Kone permitiram à Comissão declarar uma infracção na Bélgica». A Comissão recebeu, pois, elementos de prova suficientes para declarar uma infracção na Bélgica no momento em que a Schindler formulou o seu pedido nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002.

305    Impõe‑se observar em seguida que as recorrentes, com o intuito de demonstrar o valor acrescentado significativo da cooperação da Schindler, se referem apenas a listas de projectos com datas entre 2000 e 2003 que esta empresa transmitiu à Comissão no âmbito do seu pedido nos termos desta comunicação.

306    No entanto, ainda que as listas transmitidas pela Schindler tivessem datas diferentes das facultadas pela Kone e pela Otis e se referissem igualmente a alguns projectos que não estavam incluídos nas listas transmitidas pela Kone e pela Otis, não se pode considerar que tenham reforçado significativamente a capacidade da Comissão de declarar a infracção na Bélgica.

307    Com efeito, em primeiro lugar, deve salientar‑se que, na decisão impugnada, a Comissão provou a aplicação do acordo relativo aos elevadores e escadas rolantes novos na Bélgica, reportando‑se não só às listas de projectos comunicadas pela Kone, pela Otis e pela Schindler, mas também com base nas observações dos participantes no cartel na Bélgica no âmbito dos seus pedidos nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002 e nas respostas de empresas a pedidos de informações da Comissão (v. notas de rodapé relativas aos considerandos 163 a 168 da decisão impugnada). As listas de projectos constituem, portanto, apenas um elemento de prova entre outros no âmbito da determinação da aplicação do cartel na Bélgica.

308    Em segundo lugar, é pacífico que, no momento em que a Schindler transmitiu à Comissão listas de projectos com datas entre 2000 e 2003, esta já dispunha de listas de projectos do mesmo período, que foram transmitidas anteriormente pela Kone e pela Otis (considerandos 164 e 776 da decisão impugnada).

309    Ora, uma declaração que se limita a confirmar, em certa medida, uma declaração de que a Comissão já dispunha não facilita significativamente a tarefa da Comissão e, portanto, não é suficiente para justificar uma redução do montante da coima a título da cooperação (v., neste sentido, acórdão Groupe Danone/Comissão, já referido no n.° 57 supra, n.° 455).

310    Tendo em conta o disposto no número anterior e o facto de as recorrentes não contestarem que a cooperação da Kone já permitia à Comissão declarar a infracção na Bélgica, as recorrentes também não podem alegar que foi unicamente o conjunto das listas de projectos referidas na decisão impugnada, incluindo as transmitidas pela Schindler, que permitiu à Comissão provar a existência do cartel na Bélgica.

311    A Comissão não excedeu manifestamente, por isso, a sua margem de apreciação ao considerar que os elementos de prova fornecidos pela Schindler não apresentavam valor acrescentado significativo na acepção do ponto 21 da comunicação sobre a cooperação de 2002. A alegação relativa ao valor acrescentado significativo das listas de projectos que a Schindler comunicou à Comissão no âmbito do seu pedido nos termos da referida comunicação deve, pois, ser rejeitada.

312    Em segundo lugar, as recorrentes argumentam que uma comparação com o tratamento da Otis e da ThyssenKrupp mostra que a Comissão violou o princípio de igualdade de tratamento ao se recusar a conceder à Schindler uma redução do montante da coima nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002. Explicam, para este efeito, que a Kone forneceu suficientes elementos de prova para permitir à Comissão declarar uma infracção ao artigo 81.° CE. A Otis forneceu elementos de prova que continham muito poucas informações novas e obteve uma redução do montante da coima de 40%. A ThyssenKrupp forneceu apenas informações suplementares a propósito de um pequeno número de projectos de manutenção e a Comissão constatou que nenhum dos elementos de prova fornecidos era relativo a factos de que não tinha ainda conhecimento e que as informações transmitidas não eram relativas à época do cartel. Ora, a ThyssenKrupp obteve uma redução do montante da coima em 20%. A Schindler, por sua vez, transmitiu listas relativas aos anos de 2000 a 2003, de que a Comissão não tinha conhecimento antes e que eram relativas à época da infracção. Consequentemente, a Schindler tinha direito a uma redução do montante da coima que devia ascender a 20%.

313    A este respeito, recorde‑se que, segundo jurisprudência assente, no âmbito da apreciação da cooperação prestada pelos membros de um cartel, a Comissão não pode desrespeitar o princípio da igualdade de tratamento (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Abril de 2004, Tokai Carbon e o./Comissão, T‑236/01, T‑239/01, T‑244/01 a T‑246/01, T‑251/01 e T‑252/01, Colect., p. II‑1181, n.° 394, e jurisprudência referida).

314    No presente caso, há que declarar que as cooperações fornecidas pela Otis e pela ThyssenKrupp diferem muito claramente da prestada pela Schindler.

315    Em primeiro lugar, deve recordar‑se que a apreciação do valor acrescentado de uma cooperação é efectuada em função dos elementos de prova já na posse da Comissão. Ora, uma vez que a cooperação da Otis e da ThyssenKrupp precederam a da Schindler (considerandos 96, 98 e 103 da decisão impugnada), a Comissão dispunha de mais elementos de prova no momento em que a Schindler formulou o seu pedido nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002 do que no momento dos pedidos da Otis e da ThyssenKrupp.

316    Em segundo lugar, decorre da decisão impugnada que as cooperações da ThyssenKrupp e da Otis apresentavam um valor acrescentado significativo na acepção do ponto 21 da comunicação sobre a cooperação de 2002.

317    Com efeito, no que respeita à cooperação da Otis, esta empresa forneceu à Comissão «provas documentais contemporâneas» (considerando 766 da decisão impugnada) e estes elementos de prova forneciam informações, ainda que limitadas, «sobre factos anteriormente ignorados» (considerando 766 da decisão impugnada). No que respeita à cooperação da ThyssenKrupp, esta apresentava igualmente um valor acrescentado significativo, «porque fornec[ia] informações complementares sobre projectos de manutenção e de modernização, bem como explicações detalhadas sobre o sistema utilizado para fixar o preço dos contratos de manutenção (considerando 771 da decisão impugnada).

318    Em contrapartida, no que respeita à cooperação da Schindler, decorre da análise efectuada nos n.os 303 a 311 supra que a Comissão pôde considerar com justeza que a mesma não preenche as condições do ponto 21 da comunicação sobre a cooperação de 2002.

319    Nestas condições, não sendo comparáveis as situações das diferentes empresas, a Comissão não cometeu uma violação do princípio de igualdade de tratamento ao conceder reduções do montante das coimas à Otis (40%) e à ThyssenKrupp (20%) e ao recusar à Schindler o benefício de uma redução do montante da coima nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002.

320    Decorre de tudo o que precede que devem ser rejeitadas todas as alegações da Schindler relativas à aplicação da comunicação sobre a cooperação de 2002 à sua cooperação para efeitos da determinação da infracção na Bélgica.

 Quanto à cooperação da Schindler para efeitos da determinação da infracção na Alemanha

321    No considerando 805 da decisão impugnada, a Comissão decidiu «atribuir à Schindler uma redução da coima em 15% na margem prevista no ponto 23, [primeiro parágrafo], [alínea] b, [terceiro travessão], da comunicação sobre a cooperação [de 2002]» a título da sua cooperação na determinação da infracção na Alemanha.

322    No considerando 803 da decisão impugnada, a Comissão explica que a concessão de imunidade de coimas nos termos do ponto 8, alínea b), da comunicação sobre a cooperação de 2002 ou uma redução de 100% do montante da coima nos termos do ponto 23, alínea b), último parágrafo, da referida comunicação estava excluída, uma vez que, no momento em que a Schindler formulou o seu pedido nos termos desta comunicação, «[a] Comissão já estava na posse de um conjunto de provas que lhe permitiam constatar uma infracção ao artigo 81.° [CE], designadamente no período entre 1995 e 2000».

323    No considerando 804 da decisão impugnada, a Comissão acrescenta:

«[…] Na medida em que a Schindler só preencheu plenamente a condição do ponto 21 depois do complemento de 25 de Novembro de 2004, ou seja, oito meses após os dois primeiros pedidos [nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002], este atraso deve ser tomado em consideração para o cálculo da redução, no âmbito da margem prevista. No entanto, as declarações da Schindler apresentaram um valor acrescentado significativo que reforçou a capacidade da Comissão de provar a infracção. Contudo, o valor acrescentado do pedido da Schindler [nos termos da referida comunicação] continua a ser limitado na medida em que, no essencial, repetia as suas próprias declarações, não continha qualquer elemento de prova documental e confirmava principalmente os elementos de prova já na posse da Comissão».

324    As recorrentes recordam, a título liminar, que a Schindler só participou em cartéis relativos a instalações de escadas rolantes entre 1995 e 2000, de modo que só estes cartéis durante o referido período são determinantes na apreciação da cooperação da Schindler. Esta infracção constitui uma infracção autónoma, que deve ser considerada de maneira distinta em relação às infracções relativas às escadas rolantes e aos elevadores cometidas por outras empresas depois de 2000. A Schindler não participou nestas infracções e não teve conhecimento delas.

325    Em primeiro lugar, a Schindler alega que deve ser considerada como a primeira empresa a fornecer, nos termos do n.° 8, alínea b), da comunicação sobre a cooperação de 2002, elementos de prova susceptíveis de permitir à Comissão declarar uma infracção e beneficiar assim de um perdão total da sua coima.

326    É verdade que, quanto aos cartéis na Alemanha, a Comissão recebeu pedidos da Kone e da Otis nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002 antes de receber o da Schindler. No entanto, estes pedidos não eram susceptíveis de provar a existência da infracção ao artigo 81.° CE em que a Schindler participou, a saber, dos acordos relativos a escadas rolantes celebrados entre 1995 e 2000 Na ausência dos elementos de prova fornecidos pela Schindler, a Comissão não poderia provar a infracção ao artigo 81.° CE. No seu pedido e nos complementos ao mesmo, a Schindler provou a existência de 33 reuniões que tiveram lugar na Alemanha entre 29 de Abril de 1994 e 6 de Dezembro de 2000. A Otis só revelou 3 reuniões em 1999 (em 20 de Janeiro, 28 de Outubro e 22 de Dezembro de 1999) e cinco reuniões em 2000 (20 de Janeiro, 18 de Fevereiro, 3 de Abril, 16 de Junho e 6 de Dezembro de 2000). As declarações da Kone também não permitiam provar as reuniões sistemáticas relativas aos projectos associados às escadas rolantes na Alemanha entre 1995 e 2000.

327    Em segundo lugar, a título subsidiário, as recorrentes alegam que não devia, em caso algum, nos termos do ponto 23, alínea b), último parágrafo, da comunicação sobre a cooperação de 2002, ser aplicada uma coima à Schindler, uma vez que esta foi a única a fornecer elementos de prova bastantes para provar a infracção na Alemanha entre 1995 e 2000. Os elementos de prova fornecidos pela Kone e pela Otis abrangiam o período posterior a 2000. Por outro lado, na medida em que a Comissão afirmou, no considerando 803 da decisão impugnada, que já dispunha de elementos de prova antes do pedido da Schindler, sem todavia especificar de que elementos se tratava, as recorrentes alegam falta de fundamentação da decisão impugnada.

328    Cabe salientar, antes de mais, que, contrariamente ao que alega a Comissão, o facto de as recorrentes não porem em causa a qualificação do cartel na Alemanha como infracção única não afecta a admissibilidade da sua argumentação.

329    Com efeito, a própria Comissão distingue, na decisão impugnada, duas vertentes na infracção na Alemanha, uma de Agosto de 1995 a Dezembro de 2000 e unicamente relativa às escadas rolantes e outra de Dezembro de 2000 a Dezembro de 2003 e relativa tanto às escadas rolantes como aos elevadores (considerandos 213, 277 e 278 da decisão impugnada), sem que esta distinção afecte a qualificação deste cartel como infracção única, uma vez que todos os acordos prosseguiam os mesmos objectivos e conduziam ao mesmo resultado (considerando 568 da decisão impugnada). Além disso, é facto assente que a Schindler só participou na vertente relativa às escadas rolantes da infracção declarada no artigo 1.°, n.° 2, da decisão impugnada, uma vez que deixou o cartel em 2000 (considerando 213 da decisão impugnada).

330    Ora, se, como alegam as recorrentes, a Schindler foi a primeira empresa a fornecer elementos de prova determinantes que permitiam à Comissão declarar a existência do cartel na Alemanha entre Agosto de 1995 e Dezembro de 2000, esta, em conformidade com o último parágrafo do ponto 23, alínea b), da comunicação sobre a cooperação de 2002 e independentemente de uma eventual aplicação do ponto 8, alínea b), da referida comunicação, teria direito a uma redução de 100% do montante da coima, uma vez que a sua cooperação teve uma incidência directa na duração do alegado cartel, equivalente a toda a duração da participação da Schindler neste.

331    No entanto, decorre dos considerandos 214 e 803 da decisão impugnada que a Comissão, na data do pedido da Schindler, em 25 de Novembro de 2004, dispunha de elementos de prova bastantes que lhe permitiam declarar a infracção na Alemanha entre 1995 e 2000.

332    Assim, no seu pedido nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002, apresentado em 12 de Fevereiro de 2004, a Kone forneceu dados concretos sobre o cartel na Alemanha, tanto para o período anterior como para o período subsequente à saída da Schindler do cartel. No que respeita à primeira vertente da infracção, a declaração da Kone comunicou à Comissão que em 1 de Agosto de 1995 já existia um cartel relativo à repartição do mercado das escadas rolantes, a lista dos participantes no cartel, os princípios reguladores da atribuição dos projectos e outros elementos relativos à aplicação do cartel. No seu pedido, a Kone indicou também claramente que a Schindler saiu do cartel «no final de 2000».

333    Nas suas observações de 1 de Abril de 2004, que completavam o pedido de 23 de Março de 2004, a Otis confirmou a existência de um cartel na Alemanha relativo à repartição do mercado das escadas rolantes, a lista dos participantes no cartel, os princípios reguladores da atribuição dos projectos e outros elementos relativos à aplicação do cartel, bem como a saída da Schindler do cartel em 2000. Nas suas observações de 29 de Abril de 2004, a Otis indicou ainda que o cartel relativo ao mercado das escadas rolantes existia desde os anos 80.

334    Assim, no momento em que a Schindler apresentou o seu pedido nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002, em 25 de Novembro de 2004, a Comissão já dispunha de duas declarações concordantes que lhe permitiam constatar a vertente do cartel na Alemanha em que a Schindler participou.

335    É certo que, no seu pedido de 25 de Novembro de 2004 e no complemento de 7 de Dezembro de 2004, a Schindler forneceu à Comissão informações de que esta ainda não tinha conhecimento. Trata‑se designadamente das datas de certas reuniões entre os participantes no cartel que tiveram lugar entre 29 de Abril de 1994 e 6 de Dezembro de 2000. No entanto, tendo em conta o observado no n.° 334 supra, a Comissão pôde adequadamente considerar que se tratava de elementos de prova que apresentavam um valor acrescentado significativo na acepção do ponto 21 da comunicação sobre a cooperação de 2002, conferindo direito a uma redução, e não à imunidade total da coima nos termos do ponto 8, alínea b), ou à redução total do montante da coima nos termos do ponto 23, alínea b), último parágrafo, da referida comunicação. Com efeito, os elementos de prova em causa não eram determinantes para demonstrar a existência do cartel na Alemanha durante todo o período da participação da Schindler no mesmo mas reforçavam a capacidade da Comissão para provar a infracção, confirmando os elementos de prova já na posse desta.

336    Depois, tendo em conta que a Schindler foi a terceira empresa a apresentar um pedido nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002, a redução da coima aplicável era a estabelecida no ponto 23, alínea b), primeiro parágrafo, terceiro travessão, desta comunicação. Ora, uma vez que os elementos de prova com valor acrescentado significativo só foram comunicados à Comissão oito meses após os dois primeiros pedidos nos termos da referida comunicação e que é pacífico que a Schindler não comunicou provas documentais contemporâneas, a Comissão fixou em 15% a redução do montante da coima aplicada à Schindler sem exceder de forma manifesta a sua margem de apreciação.

337    Finalmente, no que respeita à alegação relativa a uma violação do artigo 253.° CE, deve observar‑se que o considerando 803 da decisão impugnada expõe, de maneira clara e inequívoca, as razões pelas quais a Comissão considerou que os elementos de prova apresentados pela Schindler no seu pedido nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002 não conferiam um direito à imunidade de coima. A este propósito, a Comissão refere‑se ao facto de que, «no momento das observações da Schindler, [ela] já estava na posse de um conjunto de provas que lhe permitiam constatar uma infracção ao artigo 81.° [CE]» (considerando 803 da decisão impugnada). Integrados no seu contexto, estes fundamentos referem‑se necessariamente ao conjunto de provas constante dos pedidos da Kone e da Otis, cujo valor acrescentado foi determinado nos considerandos 792 e 799 da decisão impugnada. Os considerandos referidos permitiam, pois, aos interessados conhecerem as justificações da recusa da Comissão de conceder à Schindler a imunidade de coimas pela sua cooperação na determinação da infracção na Alemanha e ao Tribunal exercer a sua fiscalização da legalidade. Consequentemente, improcede a alegação relativa à violação do artigo 253.° CE.

338    Decorre de tudo o que precede que improcedem todas as alegações da Schindler relativas à aplicação da comunicação sobre a cooperação de 2002 à sua cooperação para efeitos da determinação da infracção na Alemanha.

 Quanto à cooperação da Schindler para efeitos de prova da infracção no Luxemburgo

339    A Schindler, que foi a quarta empresa a apresentar um pedido nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002 relativo ao cartel no Luxemburgo (considerando 830 da decisão impugnada), não beneficiou de uma redução do montante da coima nos termos da mesma comunicação sobre a cooperação de 2002 no que respeita à referida infracção (considerando 834 da decisão impugnada). A este respeito, a Comissão explica nos considerandos 831 a 833 da decisão impugnada:

«831      O pedido [ao abrigo da comunicação sobre a cooperação de 2002] da Schindler é composto principalmente por uma declaração escrita da empresa e por documentos internos de 2002 que, segundo a Schindler, foram elaborados no âmbito da actividade normal da empresa. O pedido […] da Schindler não forneceu à Comissão qualquer elemento novo com elevado valor acrescentado. As novas informações abrangem, na realidade, descrições do sector na época da infracção e outros pormenores de menor importância. Salvo estas informações, o pedido […] da Schindler confirma, no essencial, as informações já conhecidas da Comissão.

832      Por outro lado, a Schindler afirma que os acordos relativos aos novos projectos de instalações, de modernização, de reparação e de manutenção de elevadores e de escadas rolantes estavam em vigor desde 1993 e que ela deixou o cartel em 1994, só tendo regressado em 1999. A Comissão não encontrou qualquer indicação que sustentasse esta declaração. A Comissão não pode basear‑se na declaração unilateral e não fundamentada de uma das partes relativa a uma questão crucial, susceptível de ter sérias consequências jurídicas para os outros participantes.

833      A Comissão conclui daí que as observações da Schindler não contêm qualquer elemento novo de valor significativo, confirmando, no essencial, os factos que ela já conhecia. As informações prestadas pela Schindler, comparadas com os elementos de prova na posse da Comissão no momento do pedido […] da Schindler, não reforçaram, de forma sensível, a capacidade da Comissão de provar os factos em questão. Por conseguinte, as condições do ponto 21 da comunicação sobre a cooperação [de 2002] não estão preenchidas. Na sequência do seu pedido […], a Schindler não facultou qualquer auxílio suplementar, à excepção das informações comunicadas a pedido da Comissão».

340    As recorrentes alegam que a Schindler tem o direito de beneficiar de uma redução do montante da coima entre 20% e 30%, nos termos dos pontos 21 e 23 da comunicação sobre a cooperação de 2002. Com efeito, a Schindler forneceu elementos de prova de valor acrescentado considerável, relativos a acordos no domínio das actividades de manutenção. Na ausência do pedido da Schindler de 4 de Novembro de 2004, a Comissão não teria tido possibilidade de demonstrar a existência de acordos no referido domínio, sobre o qual os pedidos da Kone e da ThyssenKrupp continham muito pouca informação. Além disso, a Otis não reconheceu expressamente a sua participação em acordos neste domínio.

341    A importância do pedido da Schindler nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002 no que respeita à administração da prova pela Comissão resulta igualmente da frequência das remissões para a mesma na decisão impugnada, em relação às remissões para os pedidos da Kone e da ThyssenKrupp. A Comissão rejeitou a argumentação da Schindler no considerando 831 da decisão impugnada, sem, no entanto, responder aos argumentos da Schindler constantes da resposta à comunicação de acusações, o que constitui uma fundamentação insuficiente na acepção do artigo 253.° CE.

342    Tendo em conta a jurisprudência recordada no n.° 300 supra, há que analisar se a Comissão excedeu de forma manifesta a sua margem de apreciação ao declarar que os elementos de prova fornecidos pela Schindler não apresentavam um valor acrescentado significativo em relação aos elementos de prova já na sua posse no momento em que a referida empresa formulou o seu pedido nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002.

343    A este respeito, há que salientar, em primeiro lugar, que as recorrentes, que não denunciam a concessão da imunidade de coimas à Kone nos termos do ponto 8, alínea b), da comunicação sobre a cooperação de 2002, não contestam que as informações fornecidas pela Kone permitiam já à Comissão declarar uma infracção no Luxemburgo (considerando 816 da decisão impugnada). A Comissão dispunha já, pois, de elementos de prova suficientes para declarar uma infracção no Luxemburgo no momento em que a Schindler formulou o seu pedido nos termos desta comunicação. Além disso, anteriormente ao pedido da Schindler, também já tinha sido apresentado à Comissão um pedido da Otis, nos termos da referida comunicação, em Março de 2004, o qual deu lugar a uma redução do montante da coima em 40% (considerandos 118 e 119 da decisão impugnada).

344    Em segundo lugar, quanto à questão de saber se, de acordo com os pontos 21 e 22 da comunicação sobre a cooperação de 2002, os elementos de prova fornecidos pela Schindler apresentavam um valor acrescentado significativo na medida em que reforçavam fortemente a capacidade da Comissão de provar a infracção no Luxemburgo, cabe observar que os elementos de prova que, segundo as recorrentes, trouxeram um valor acrescentado significativo são relativos apenas a um dos dois aspectos da infracção declarada no artigo 1.°, n.° 3, da decisão impugnada, a saber, a repartição dos mercados relativos aos contratos de manutenção e de modernização (v. igualmente considerandos 293 e 830 da decisão impugnada).

345    Ora, decorre do pedido da Kone de 5 de Fevereiro de 2004, conforme foi completado por informações de 19 de Fevereiro de 2004, que este já continha uma descrição clara da vertente do cartel visada posteriormente pela cooperação da Schindler.

346    Em terceiro lugar, as recorrentes não podem argumentar com o número de referências na decisão impugnada ao seu pedido nos termos da decisão sobre a cooperação de 2002. Com efeito, o facto de a Comissão ter explorado, na decisão impugnada, todos os elementos de prova de que dispunha, e portanto igualmente as informações comunicadas pela Schindler no seu pedido de 4 de Novembro de 2004, não demonstra com isso que estas últimas informações apresentavam um valor acrescentado significativo em relação aos elementos de prova de que a Comissão já dispunha nesta data.

347    Decorre de tudo o que precede que a Comissão não excedeu de forma manifesta a sua margem de apreciação ao considerar que os elementos de prova fornecidos pela Schindler não apresentavam valor acrescentado significativo na acepção do ponto 21 da comunicação sobre a cooperação de 2002.

348    No que respeita à alegação relativa a uma violação do artigo 253.° CE, deve observar‑se que a Comissão não tem que tomar posição sobre todos os argumentos que os interessados invocam perante ela, bastando‑lhe expor os factos e as considerações jurídicas que assumam uma importância essencial na economia da decisão (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Junho de 2005, Corsica Ferries France/Comissão, T‑349/03, Colect., p. II‑2197, n.° 64, e jurisprudência referida). A este respeito, cabe salientar que, nos considerandos 831 a 833 da decisão impugnada, a Comissão expôs suficientemente as razões pelas quais considerou que os elementos de prova apresentados pela Schindler no seu pedido de 4 de Novembro de 2004 não conferiam valor acrescentado significativo na acepção do ponto 21 da comunicação sobre a cooperação de 2002. Estes considerandos permitem aos interessados conhecer as justificações da recusa da Comissão de conceder à Schindler uma redução do montante da coima pela sua cooperação na determinação da infracção no Luxemburgo e ao Tribunal exercer a sua fiscalização da legalidade. Consequentemente, a alegação relativa a uma violação do artigo 253.° CE deve ser rejeitada.

349    Decorre de tudo o que precede que devem ser rejeitadas no seu conjunto as alegações da Schindler relativas à aplicação da comunicação sobre a cooperação de 2002 à sua cooperação para efeitos da determinação da infracção no Luxemburgo.

 Quanto ao fundamento relativo à violação da comunicação sobre a cooperação de 2002 e das orientações de 1998, em razão da insuficiência da redução do montante da coima por não contestação dos factos

350    No n.° 614 da comunicação de acusações, a Comissão anunciou que «prev[ia] atribuir uma redução [da coima] pela cooperação não abrangida pela comunicação sobre a cooperação [de 2002], especialmente quando uma sociedade não contesta[sse] ou quando presta[sse] um auxílio suplementar que permitisse clarificar ou completar os factos constatados pela Comissão».

351    No considerando 758 da decisão impugnada, a Comissão explica que, «[n]a medida em que o n.° 614 da comunicação de acusações criava expectativas no presente caso, decid[iu] interpretar este número em benefício das empresas que, com base nele, contribuíram para a determinação dos factos da infracção referida [na] decisão impugnada, não contestando os factos ou prestando outras informações ou explicações complementares».

352    A Comissão atribuiu assim a todos os participantes nas quatro infracções, salvo, por um lado, às empresas beneficiárias de imunidade de coimas (considerandos 762, 817 e 839 da decisão impugnada) e, por outro, à Kone no âmbito do cartel nos Países Baixos (considerando 851 da decisão impugnada), uma redução do montante da coima de 1% pela sua cooperação não abrangida pela comunicação sobre a cooperação de 2002, em razão da não contestação dos factos referidos na comunicação de acusações (considerandos 768, 774, 777, 794, 801, 806, 813, 824, 829, 835, 845, 854, 855 e 856 da decisão impugnada).

353    As recorrentes consideram, em primeiro lugar, que podem obter uma redução do montante da coima de, no mínimo, 10% em lugar do 1% concedido a título da sua cooperação não abrangida pela comunicação sobre a cooperação de 2002, o que seria conforme com a prática decisória da Comissão noutros processos. Em segundo lugar, a Comissão, apesar de um pedido nesse sentido, não teve em conta o facto de as recorrentes terem cooperado com ela numa medida que excedia em muito a simples falta de contestação dos factos, o que lhes confere direito a uma redução do montante da coima de pelo menos 10%, nos termos da comunicação sobre a cooperação de 2002, ou a uma redução nos termos do sexto travessão do Título 3 das orientações de 1998.

354    Há que recordar, a título liminar, que uma redução da coima ao abrigo da cooperação durante o procedimento administrativo só se justifica se o comportamento da empresa em causa tiver permitido à Comissão declarar a infracção com menos dificuldade e, eventualmente, pôr‑lhe termo (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, SCA Holding/Comissão, T‑327/94, Colect., p. II‑1373, n.° 156; Krupp Thyssen Stainless e Acciai speciali Terni/Comissão, já referido no n.° 222 supra, n.° 270, e Groupe Danone/Comissão, já referido no n.° 57 supra, n.° 449).

355    Além disso, decorre da jurisprudência que uma empresa que declare expressamente que não contesta as alegações de facto sobre as quais a Comissão baseia as suas acusações pode ser considerada como tendo contribuído para facilitar a tarefa da Comissão que consiste na detecção e na repressão das infracções às regras da concorrência da União (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Mo och Domsjö/Comissão, T‑352/94, Colect., p. II‑1989, n.° 395, e SCA Holding/Comissão, já referido no n.° 354 supra, n.° 157).

356    É verdade que a comunicação sobre a cooperação de 2002, contrariamente à comunicação sobre a cooperação de 1996, não prevê qualquer redução do montante da coima em favor das empresas que não contestem a materialidade dos factos em que a Comissão baseia as suas acusações na comunicação de acusações. No entanto, a Comissão reconhece, no considerando 758 da decisão impugnada, que o n.° 614 da comunicação de acusações criou, para as empresas, a expectativa legítima de que a não contestação dos factos daria lugar a uma redução do montante da coima não abrangida pela comunicação sobre a cooperação de 2002. No mesmo considerando, salientou igualmente que «[o] alcance da redução deverá tomar em consideração que a cooperação proposta após a comunicação de acusações, quando a Comissão já determinou todos os elementos da infracção, num momento em que a empresa já tem conhecimento de todos os elementos da investigação e teve acesso ao processo da investigação, na melhor das hipóteses, só pode ajudar a Comissão de forma marginal na sua averiguação». A Comissão precisou igualmente que, «[e]m geral, a admissão dos factos nestas circunstâncias é, no máximo, um elemento de prova que confirma factos que a Comissão normalmente considerava suficientemente demonstrados por outros elementos de prova constantes do processo».

357    Em primeiro lugar, há que rejeitar o argumento das recorrentes segundo o qual a Comissão derrogou a sua prática anterior, nos termos da qual uma empresa que não contestasse a materialidade dos factos imputados na comunicação de acusações beneficiava de uma redução de 10% do montante da coima que lhe seria aplicada, nos termos da comunicação sobre a cooperação de 1996.

358    É certo que, se a comunicação sobre a cooperação de 1996 dispunha, no ponto D., n.° 2, segundo travessão, que uma empresa podia beneficiar «[…] de uma redução de 10% a 50% do montante da coima que lhe teria sido aplicada na falta da sua cooperação [..] se […] após ter recebido a comunicação de acusações, informa[sse] a Comissão de que não contesta[va] a materialidade dos factos em que a Comissão base[ava] as suas acusações», a comunicação sobre as acusações de 2002 já não prevê qualquer redução do montante da coima com este fundamento. Ora, como resulta dos n.os 142 e 143 supra, apenas a comunicação sobre a cooperação de 2002 é aplicável aos pedidos das recorrentes, os quais, aliás, foram explicitamente formulados ao abrigo desta comunicação.

359    Em quaisquer circunstâncias, conforme foi recordado no n.° 225 supra, a prática decisória anterior da Comissão não pode servir de quadro jurídico às coimas aplicadas em matéria de concorrência.

360    Em segundo lugar, quanto aos argumentos das recorrentes segundo os quais a Schindler, ao longo de todo o procedimento, forneceu à Comissão informações relativas às infracções, que foram citadas em passagens centrais da decisão impugnada, basta observar que as recorrentes não afirmam que essa colaboração excedeu a exigida no âmbito da aplicação da comunicação sobre a cooperação de 2002, de modo que a sua alegação deve ser rejeitada. O mesmo acontece com o fundamento, invocado na réplica, segundo o qual a referida cooperação justificava que a Schindler beneficiasse de uma circunstância atenuante nos termos das orientações de 1998.

361    Consequentemente, o fundamento improcede na totalidade.

 Quanto ao fundamento relativo à violação do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003

362    As recorrentes argumentam que as coimas aplicadas no artigo 2.° da decisão impugnada em relação a todas as infracções violam o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, na medida em que a Comissão, para determinar o limite de 10% do volume de negócios das empresas em causa, se baseou no volume de negócios das sociedades‑mãe dos grupos de sociedades em apreço, em lugar do volume de negócios das filiais que participaram directamente nas infracções.

363    As recorrentes argumentam que não é possível imputar às sociedades‑mãe as infracções praticadas pelas respectivas filiais e que, consequentemente, o limite de 10% do volume de negócios referido no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 deveria ser calculado com base no volume de negócios das referidas filiais.

364    No entanto, tendo em conta que as recorrentes não alegam que as coimas aplicadas na decisão impugnada excedem o limite de 10% do volume de negócios efectuado pela Schindler Holding no exercício social precedente, impõe‑se observar que esta alegação se confunde com as analisadas nos n.os 63 a 91 supra, relativas à imputação à Schindler Holding do comportamento das suas filiais. Ora, resulta do exposto a esse respeito que foi com justeza que a Comissão imputou à Schindler Holding os comportamentos das suas filiais, com as quais constitui uma unidade económica. Deve, pois, este fundamento ser julgado improcedente.

 Quanto ao fundamento relativo à violação do princípio da proporcionalidade no cálculo do montante final das coimas

365    As recorrentes argumentam que o montante final das coimas que lhes foram aplicadas é desproporcionado, na medida em que não é necessário nem apropriado para alcançar o objectivo prosseguido, a saber, a repressão dos comportamentos ilegais e a prevenção da reincidência. No caso em apreço, tratava‑se de quatro infracções isoladas, cometidas por quatro sociedades diferentes, de modo que as coimas aplicadas não deviam exceder 10% do volume de negócios de cada sociedade. As recorrentes consideram também que, se for de aceitar o argumento da Comissão segundo o qual uma coima não é desproporcionada quando não excede o limite de 10% de volume de negócios da empresa em causa, a aplicação do princípio da proporcionalidade está praticamente excluída. No caso em apreço, foram aplicadas à Schindler Bélgica e à Schindler Luxemburgo coimas correspondentes a [confidencial]% dos volumes de negócios médios consolidados da Schindler Bélgica e da Schindler Luxemburgo [confidencial]. No que respeita à Schindler Países Baixos, a coima correspondia a [confidencial].

366    A este respeito, cabe recordar, a título liminar, que o princípio da proporcionalidade exige que os actos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do adequado e necessário à realização dos objectivos legitimamente prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo‑se que, quando exista uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos rígida e os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objectivos pretendidos (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1998, Reino Unido/Comissão, C‑180/96, Colect., p. I‑2265, n.° 96, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Setembro de 2007, Prym e Prym Consumer/Comissão, T‑30/05, não publicado na Colectânea, n.° 223).

367    Consequentemente, as coimas não devem ser desproporcionadas em relação aos objectivos pretendidos, ou seja, em relação ao respeito das regras de concorrência, e o montante da coima aplicada a uma empresa a título de uma infracção em matéria de concorrência deve ser proporcionado à infracção, apreciada no seu conjunto, tendo em conta, designadamente, a gravidade da mesma (acórdão de 12 de Setembro de 2007, Prym e Prym Consumer/Comissão, já referido no n.° 366 supra, n.° 224). Além disso, na determinação do montante das coimas, a Comissão tem legitimidade para tomar em consideração a necessidade de lhes assegurar um efeito suficientemente dissuasivo (v., neste sentido, acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido no n.° 54 supra, n.° 108, e acórdão Europa Carton/Comissão, já referido no n.° 125 supra, n.° 89).

368    Cabe salientar, em primeiro lugar, que, no presente caso, os cartéis consistiam principalmente numa concertação secreta entre concorrentes para repartirem os mercados ou bloquearem quotas de mercado, repartindo os projectos de venda e de instalação de elevadores e/ou escadas rolantes novos, e para não concorrerem entre si no que respeita à manutenção e modernização de elevadores e de escadas rolantes (excepto na Alemanha, onde a actividade de manutenção e de modernização não foi objecto de discussões entre os membros do cartel). Ora, estas infracções, pela sua própria natureza, figuram entre as violações mais graves do artigo 81.° CE (considerando 658 da decisão impugnada).

369    Em segundo lugar, a Comissão, quando do cálculo do montante das coimas, pode tomar em consideração, designadamente, a dimensão e a capacidade económica da unidade económica que actua na qualidade de empresa na acepção do artigo 81.° CE. No entanto, contrariamente ao que defendem as recorrentes, a empresa pertinente a tomar em consideração no presente caso não corresponde a cada filial que tenha participado nas infracções declaradas no artigo 1.°, n.os 1, 3 e 4, da decisão impugnada. Pelo contrário, decorre da análise precedente que as infracções imputadas à Schindler foram cometidas pela Schindler Holding e pelas suas filiais. Nestas condições, devem ser rejeitados os argumentos das recorrentes que se limitam a referir uma desproporção entre o montante das coimas aplicadas pela Comissão e o volume de negócios realizado pelas referidas filiais, com excepção da sociedade‑mãe.

370    Em terceiro lugar, no que respeita à proporcionalidade das coimas em relação à dimensão e à capacidade económica das unidades económicas em causa, cumpre recordar que decorre das indicações precedentes que estas não excedem o limite de 10% referido no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, que tem por objectivo evitar que as coimas sejam desproporcionadas em relação à importância da empresa (v., neste sentido, acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido no n.° 54 supra, n.° 119, e acórdão de 12 de Setembro de 2007, Prym e Prym Consumer/Comissão, já referido no n.° 366 supra, n.° 229). A este respeito, decorre aliás dos autos que o montante total das coimas aplicadas à Schindler pela decisão impugnada representa cerca de 2% do volume de negócios consolidado da Schindler Holding durante o exercício social que precedeu a adopção da decisão impugnada, o que não pode ser considerado desproporcionado em relação à dimensão desta empresa.

371    Tendo em conta as considerações precedentes, há que julgar improcedente o fundamento relativo à violação do princípio da proporcionalidade no cálculo do montante final das coimas.

372    Consequentemente, há que negar provimento ao recurso na totalidade.

 Quanto às despesas

373    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Além disso, nos termos do artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, as instituições que intervenham no processo devem suportar as respectivas despesas. Finalmente, nos termos do artigo 87.°, n.° 6, do Regulamento de Processo, se não houver lugar a decisão de mérito, o Tribunal Geral decide livremente quanto às despesas.

374    Cumpre observar que o presente recurso, na medida em que foi interposto pela Schindler Management, ficou sem objecto na sequência da rectificação da decisão impugnada pela Comissão. Tendo em conta o facto de todos os fundamentos do recurso terem sido suscitados indistintamente por todas as recorrentes, bem como o facto de ter sido negado provimento aos pedidos da Schindler Holding, da Schindler Bélgica, da Schindler Alemanha, da Schindler Luxemburgo e da Schindler Países Baixos, há que condená‑las nas despesas da Comissão. O Conselho suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

decide:

1)      Não há que conhecer do recurso no que respeita à Schindler Management AG.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      A Schindler Holding Ltd, a Schindler SA, a Schindler Deutschland Holding GmbH, a Schindler Sàrl e a Schindler Liften BV são condenadas nas despesas.

4)      A Schindler Management suportará as suas despesas.

5)      O Conselho da União Europeia suportará as suas despesas.

Martins Ribeiro

Wahl

Dittrich

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 13 de Julho de 2011.

Assinaturas

Índice


Procedimento administrativo

1.  Investigação da Comissão

Bélgica

Alemanha

Luxemburgo

Países Baixos

2.  Comunicação de acusações

3.  Decisão impugnada

Tramitação processual e pedidos das partes

Quanto ao pedido de que o Tribunal Geral não conheça do mérito da causa no que respeita à Schindler Management

Quanto ao mérito

1.  Observações preliminares

2.  Quanto ao pedido de anulação da decisão impugnada no seu conjunto

Quanto ao fundamento relativo à violação do artigo 6.°, n.° 1, da CEDH

Quanto ao fundamento relativo à ilegalidade da decisão impugnada, na medida em que é dirigida à Schindler Holding, em razão da ausência de notificação válida

Quanto ao fundamento relativo à ilegalidade da decisão impugnada na medida em que accionou a responsabilidade solidária da Schindler Holding

3.  Quanto ao pedido de anulação do artigo 2.° da decisão impugnada

Quanto à excepção de ilegalidade relativa ao artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, respeitante à violação do princípio da legalidade das penas

Quanto à excepção de ilegalidade das orientações de 1998, relativa à violação do princípio da não retroactividade

Quanto à excepção de ilegalidade das orientações de 1998, relativa à falta de competência da Comissão e, a título subsidiário, à falta de transparência e de previsibilidade destas

Quanto à excepção de ilegalidade da comunicação sobre a cooperação de 2002, relativa à violação do princípio da não retroactividade e do princípio da confiança legítima

Quanto à excepção de ilegalidade da comunicação sobre a cooperação de 2002, relativa à violação dos princípios gerais de direito nemo tenetur, in dubio pro reo e da proporcionalidade, bem como a um abuso do poder de apreciação

Quanto à primeira alegação, relativa à violação do princípio nemo tenetur

Quanto à segunda alegação, relativa à violação do princípio in dubio pro reo

Quanto à terceira alegação, relativa à violação do princípio da proporcionalidade

Quanto à quarta alegação, relativa a um abuso do poder de apreciação

Quanto ao fundamento relativo ao carácter expropriatório, em violação do direito internacional, da decisão impugnada

Quanto à admissibilidade

Quanto ao mérito

Quanto ao fundamento relativo à violação das orientações de 1998 e da obrigação de fundamentação na fixação do montante inicial das coimas

Observações preliminares

Decisão impugnada

Quanto à qualificação das infracções como «muito graves»

Quanto à pretensa ilegalidade dos montantes iniciais das coimas

–  Quanto à alegada falta de fundamentação

–  Quanto aos montantes iniciais gerais das coimas

–  Quanto aos montantes iniciais específicos das coimas

Quanto ao fundamento relativo à violação das orientações de 1998, do princípio da adequação entre o ilícito e a pena, do princípio de proporcionalidade e da obrigação de fundamentação na ponderação das circunstâncias atenuantes

Quanto ao fundamento relativo à violação da comunicação sobre a cooperação de 2002, do princípio da igualdade de tratamento e da obrigação de fundamentação na concessão de reduções do montante das coimas

Quanto à comunicação sobre a cooperação de 2002

Quanto à margem de apreciação da Comissão e à fiscalização do juiz da União

Quanto à cooperação da Schindler para efeitos da determinação da infracção na Bélgica

Quanto à cooperação da Schindler para efeitos da determinação da infracção na Alemanha

Quanto à cooperação da Schindler para efeitos de prova da infracção no Luxemburgo

Quanto ao fundamento relativo à violação da comunicação sobre a cooperação de 2002 e das orientações de 1998, em razão da insuficiência da redução do montante da coima por não contestação dos factos

Quanto ao fundamento relativo à violação do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003

Quanto ao fundamento relativo à violação do princípio da proporcionalidade no cálculo do montante final das coimas

Quanto às despesas


* Língua do processo: alemão.


1 – Dados confidenciais ocultados.

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