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Document 62007TJ0019
Judgment of the General Court (Third Chamber) of 16 December 2010.#Systran SA and Systran Luxembourg SA v European Commission.#Non-contractual liability - Call for tenders to carry out a project relating to the maintenance and linguistic enhancement of the Commission's machine translation system - Source codes for a computer program being marketed - Infringement of copyright - Unauthorised disclosure of know-how - Action for compensation - Non-contractual dispute - Admissibility - Actual and certain damage - Causal link - Flat-rate assessment of the amount of the damage.#Case T-19/07.
Acórdão do Tribunal Geral (Terceira Secção) de 16 de Dezembro de 2010.
Systran SA e Systran Luxembourg SA contra Comissão Europeia.
Responsabilidade extracontratual - Concurso para a realização de um projecto relativo à manutenção e ao reforço linguístico do sistema de tradução automática da Comissão - Códigos-fonte de um programa informático comercializado - Contrafacção do direito de autor - Divulgação não autorizada de saber-fazer - Acção de indemnização - Litígio extracontratual - Admissibilidade - Prejuízo real e determinado - Nexo de causalidade - Avaliação do prejuízo num montante único.
Processo T-19/07.
Acórdão do Tribunal Geral (Terceira Secção) de 16 de Dezembro de 2010.
Systran SA e Systran Luxembourg SA contra Comissão Europeia.
Responsabilidade extracontratual - Concurso para a realização de um projecto relativo à manutenção e ao reforço linguístico do sistema de tradução automática da Comissão - Códigos-fonte de um programa informático comercializado - Contrafacção do direito de autor - Divulgação não autorizada de saber-fazer - Acção de indemnização - Litígio extracontratual - Admissibilidade - Prejuízo real e determinado - Nexo de causalidade - Avaliação do prejuízo num montante único.
Processo T-19/07.
Colectânea de Jurisprudência 2010 II-06083
ECLI identifier: ECLI:EU:T:2010:526
Processo T‑19/07
Systran SA e
Systran Luxembourg SA
contra
Comissão Europeia
«Responsabilidade extracontratual – Concurso para a realização de um projecto relativo à manutenção e ao reforço linguístico do sistema de tradução automática da Comissão – Códigos‑fonte de um programa informático comercializado – Contrafacção do direito de autor – Divulgação não autorizada de saber‑fazer – Acção de indemnização – Litígio extracontratual – Admissibilidade – Prejuízo real e certo – Nexo de causalidade – Cômputo do dano num montante fixo»
Sumário do acórdão
1. Acção de indemnização – Objecto – Pedido de indemnização apresentado contra a União, com fundamento no artigo 228.°, segundo parágrafo, CE – Apreciação da natureza contratual ou extracontratual da responsabilidade incorrida – Critérios
(Artigos 235.° CE, 238.° CE, 240.° CE e 288.°, segundo parágrafo, CE; Regulamento de Processo do Tribunal Geral, artigo 113.°)
2. Acção de indemnização – Objecto – Reparação dos danos resultantes de uma alegada violação, pela Comissão, do seu dever de protecção da confidencialidade do saber‑fazer – Fundamento extracontratual – Competência do juiz da União
(Artigos 235.° CE, 287.° CE, e 288.°, segundo parágrafo CE; Carta dos Direitos Fundamentais, artigo 41.°)
3. Tramitação processual – Petição inicial – Requisitos de forma
[Estatuto do Tribunal de Justiça, artigos 21.°, primeiro parágrafo, e 53.°, primeiro parágrafo; Regulamento de Processo do Tribunal Geral, artigo 44.°, n.° 1, alínea c)]
4. Acção de indemnização – Competência do juiz da União – Competência para se pronunciar sobre uma alegação de contrafacção, pela Comissão, do direito de autor – Requisitos
(Artigos 235.° CE e 288.°, segundo parágrafo, CE)
5. Acção de indemnização – Competência do juiz da União – Condenação da União a reparar um prejuízo em conformidade com os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados Membros em matéria de responsabilidade extracontratual
(Artigos 235.° CE e 288.°, segundo parágrafo, CE)
6. Responsabilidade extracontratual – Requisitos – Violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que confere direitos aos particulares – Prejuízo real e certo – Nexo de causalidade
(Artigo 288.°, segundo parágrafo, CE)
7. Aproximação das legislações – Direito de autor e direitos conexos – Directiva 91/250 – Protecção jurídica dos programas de computador – Actos sujeitos a restrições – Excepções – Alcance
(Directiva 91/250 do Conselho, artigos 4.° e 5.°)
8. Responsabilidade extracontratual – Requisitos – Violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que confere direitos aos particulares
(Artigo 288.°, segundo parágrafo, CE)
1. Em matéria de responsabilidade contratual, o juiz da União só é competente na presença de uma cláusula compromissória, na acepção do artigo 238.° CE. Na falta dessa cláusula, o Tribunal Geral não pode julgar, com fundamento no artigo 235.° CE, uma acção que, na realidade, é uma acção de indemnização por danos de origem contratual. Se assim não for, o Tribunal Geral alarga a sua competência para além dos litígios cujo conhecimento lhe é taxativamente reservado pelo artigo 240.° CE, dado que esta disposição confia aos órgãos jurisdicionais nacionais a competência de direito comum para conhecer dos litígios em que a Comunidade é parte. A competência do Tribunal Geral em matéria contratual é derrogatória da lei geral e deve, assim, ser interpretada restritivamente, pelo que o Tribunal Geral só pode conhecer dos pedidos que derivam do contrato ou que têm uma relação directa com as obrigações que dele decorrem.
Em contrapartida, em matéria de responsabilidade extracontratual o juiz da União é competente, sem que seja necessário que as partes no processo dêem o seu acordo prévio. Para determinar a sua competência nos termos do artigo 235.° CE, o Tribunal Geral tem de verificar, face aos vários elementos relevantes dos autos, se o pedido de indemnização apresentado pelo demandante assenta, objectiva e globalmente, em obrigações de origem contratual ou extracontratual que permitem caracterizar o fundamento contratual ou extracontratual do litígio. Esses elementos podem ser deduzidos, nomeadamente, do exame das pretensões das partes, do facto gerador do prejuízo cuja reparação é pedida e do conteúdo das cláusulas contratuais ou regras não contratuais invocadas para regular a questão em litígio. O Tribunal Geral, quando intervém em matéria de responsabilidade extracontratual, pode perfeitamente examinar o conteúdo de um contrato, como o faz a propósito de qualquer documento invocado por uma parte para fundamentar a sua argumentação, para saber se esse documento é susceptível de pôr em causa a competência de atribuição que lhe é expressamente atribuída pelo artigo 235.° CE. Esse exame integra‑se na apreciação dos factos invocados para provar a competência do Tribunal Geral, que constitui um pressuposto processual, na acepção do artigo 113.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.
(cf. n.os 58 a 62)
2. O princípio de que as empresas têm direito à protecção dos seus segredos comerciais, de que o artigo 287.° CE constitui a expressão, é um princípio geral de direito da União. O artigo 41.° da Carta dos Direitos Fundamentais, alude igualmente à necessidade de a administração respeitar os legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial.
Os segredos comerciais incluem as informações técnicas relativas ao saber‑fazer, em relação às quais não apenas a divulgação ao público mas também a simples transmissão a um sujeito jurídico diferente daquele que forneceu a informação podem gravemente lesar os interesses deste último. Para que as informações técnicas entrem, pela sua natureza, no âmbito de aplicação do artigo 287.° CE, é necessário, antes de mais, que só sejam conhecidas de um número restrito de pessoas. Em seguida, deve tratar‑se de informações cuja divulgação possa causar um prejuízo sério à pessoa que as forneceu ou a terceiros. Por último, é necessário que os interesses que possam ser lesados pela divulgação da informação sejam objectivamente dignos de protecção.
Quando está em causa a apreciação da natureza alegadamente ilícita e danosa da divulgação, pela Comissão, a terceiros, de informações protegidas por um direito de propriedade ou por saber‑fazer, sem autorização expressa dos respectivos titulares, à luz dos princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros aplicáveis na matéria e não à luz de disposições contratuais previstas em contratos celebrados no passado sobre questões que não dizem respeito aos direitos de autor e ao saber‑fazer do demandante, o litígio é de natureza extracontratual.
(cf. n.os 79 a 80 e 103)
3. A petição deve indicar o objecto do litígio e uma exposição sumária dos fundamentos invocados. Essa indicação deve ser suficientemente clara e precisa para que o demandado possa preparar a sua defesa e o juiz da União exercer a sua fiscalização jurisdicional. A fim de garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário, para que a acção seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que assenta resultem, pelo menos sumariamente, mas de maneira coerente e compreensível, do texto da própria petição. Para preencher estes requisitos, uma petição que tem por objecto a reparação de danos causados por uma instituição deve conter, nomeadamente, os elementos que permitem identificar o comportamento que o demandante imputa àquela.
(cf. n.os 107 a 108)
4. Quando, no âmbito de uma acção de responsabilidade civil extracontratual, o conceito de contrafacção do direito de autor é invocado conjuntamente com o de protecção da confidencialidade do saber‑fazer, com a exclusiva finalidade de qualificar o comportamento da Comissão de ilegal, a apreciação do carácter ilegal do comportamento em causa é efectuada à luz dos princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros e não carece de uma decisão prévia de uma autoridade nacional competente.
Consequentemente, atendendo à competência atribuída ao juiz da União pelos artigos 235.° CE e 288.°, segundo parágrafo, CE, em matéria de responsabilidade extracontratual e na falta de uma via de recurso nacional que permita obter a reparação, pela Comissão, do prejuízo alegadamente sofrido pelo demandante devido à contrafacção do direito de autor sobre um programa informático, nada obsta a que o conceito de contrafacção utilizado pelo demandante possa ser tido em consideração para qualificar o comportamento da Comissão de ilegal no âmbito de um pedido de indemnização.
O conceito de contrafacção utilizado pela demandante no âmbito dessa acção de indemnização é interpretado unicamente à luz dos princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros, que são, no tocante aos programas de computador, retomados ou expressos em várias directivas de harmonização. O Tribunal Geral é, pois, competente para declarar a existência de contrafacção, na acepção que poderia ser dada a esse termo por uma autoridade nacional competente de um Estado‑Membro em aplicação do direito desse Estado no âmbito dessa acção de indemnização.
(cf. n.os 115 a 117)
5. Decorre dos artigos 288.°, segundo parágrafo, CE; e 235.° CE, que o juiz da União tem competência para impor à União qualquer forma de reparação que seja conforme com os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros em matéria de responsabilidade extracontratual, incluindo, se for conforme com estes princípios, uma reparação em espécie, eventualmente sob a forma de injunção para agir ou não agir. Consequentemente, a União não se pode subtrair, em princípio, a uma medida processual correspondente por parte do juiz da União, uma vez que este tem competência exclusiva para decidir sobre as acções de indemnização por danos imputáveis àquela.
A reparação total do prejuízo alegadamente causado num caso em que é invocada a violação, pela Comissão, do direito de autor requer que o titular desse direito veja o seu direito integralmente restabelecido, exigindo este restabelecimento, no mínimo, independentemente de uma eventual indemnização por perdas e danos, a cessação imediata da violação do seu direito. A integral reparação do prejuízo em casos destes pode também tomar a forma de apreensão ou destruição do resultado de uma contrafacção, ou de publicação, a expensas da Comissão, da decisão do Tribunal Geral.
(cf. n.os 120 a 123)
6. A responsabilidade extracontratual da União, na acepção do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, está sujeita ao preenchimento de uma série de requisitos, a saber, a ilegalidade do comportamento imputado às instituições comunitárias, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento da instituição e o prejuízo invocado.
O comportamento ilegal imputado a uma instituição deve consistir numa violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tenha por objecto conferir direitos aos particulares. Quando a instituição apenas dispõe de uma margem de apreciação consideravelmente reduzida, ou mesmo inexistente, a simples infracção ao direito comunitário pode bastar para provar a existência de uma violação suficientemente caracterizada.
O prejuízo cujo ressarcimento é pedido deve ser real e certo e deve haver um nexo de causa e efeito suficientemente directo entre o comportamento da instituição e o dano.
(cf. n.os 126 a 127 e 268)
7. A excepção legal prevista no artigo 5.° da Directiva 91/250, relativa à protecção jurídica dos programas de computador, para os actos abrangidos pelo direito exclusivo do autor do programa e definidos pelo artigo 4.° dessa mesma directiva apenas é susceptível de se aplicar aos trabalhos realizados pelo legítimo adquirente do programa de computador e não aos trabalhos confiados a um terceiro por esse adquirente. Essa excepção continua igualmente a estar limitada aos actos necessários para permitir ao legítimo adquirente a utilização do programa de computador de acordo com o fim a que esse programa se destina, inclusivamente para a correcção de erros.
(cf. n.° 225)
8. Constitui uma violação suficientemente caracterizada dos direitos de autor e de saber‑fazer que uma empresa tem sobre um programa informático, violação que é susceptível de dar lugar à responsabilidade extracontratual da Comunidade, o facto de a Comissão se atribuir o direito de efectuar trabalhos que implicariam uma alteração dos elementos relativos ao referido programa informático, como por exemplo os códigos‑fonte, sem ter obtido o prévio acordo da referida empresa.
(cf. n.os 250 e 261)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)
16 de Dezembro de 2010 (*)
«Responsabilidade extracontratual – Concurso para a realização de um projecto relativo à manutenção e ao reforço linguístico do sistema de tradução automática da Comissão – Códigos‑fonte de um programa informático comercializado – Contrafacção – Divulgação não autorizada de saber‑fazer – Acção de indemnização – Litígio extracontratual – Admissibilidade – Prejuízo real e certo – Nexo de causalidade – Cômputo do dano num montante fixo»
No processo T‑19/07,
Systran SA, com sede em Paris (França),
Systran Luxembourg SA, com sede no Luxemburgo (Luxemburgo),
representadas por J.‑P. Spitzer e E. De Boissieu, advogados,
demandantes,
contra
Comissão Europeia, representada inicialmente por E. Montaguti e F. Benyon, e em seguida por E. Traversa e Montaguti, na qualidade de agentes, assistidos por A. Berenboom e M. Isgour, advogados,
demandada,
que tem por objecto uma acção de indemnização pelo dano alegadamente sofrido pelas demandantes devido às ilegalidades cometidas na sequência de um concurso público da Comissão relativo à manutenção e ao reforço linguístico do seu sistema de tradução automática
O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),
composto por: J. Azizi, presidente, E. Cremona e S. Frimodt Nielsen (relator), juízes,
secretário: T. Weiler, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 27 de Outubro de 2009,
profere o presente
Acórdão
Factos na origem do litígio
I – Quanto às várias versões do programa informático Systran
1 Há que distinguir quatro versões do programa informático de tradução automática Systran:
– A versão inicial (a seguir «Systran Mainframe»), criada em 1968 pelo Sr. Toma e comercializada pela sociedade californiana World Translation Center, Inc. (WTC) e outras sociedades suas filiais (a seguir designadas globalmente por «grupo WTC»);
– A versão utilizada inicialmente pela Comissão Europeia (a seguir «EC‑Systran Mainframe»), objecto de uma série de contratos celebrados de 1975 a 1987 entre o grupo WTC e a Comissão, de uma série de contratos entre a Comissão e prestadores de serviços e uma série de contratos entre o grupo Systran (que incorporou o grupo WTC) e a Comissão;
– A nova versão (a seguir «Systran Unix»), criada pela primeira demandante, Systran SA (a seguir «Systran»), após a aquisição do grupo WTC em 1986, para funcionar nos ambientes Unix e Windows; esta versão foi desenvolvida pelo grupo Systran a partir de 1993;
– A nova versão utilizada pela Comissão (a seguir «EC‑Systran Unix»), que foi objecto de um contrato celebrado em 1997 entre a segunda demandante, Systran Luxembourg SA (a seguir «Systran Luxembourg»), e a Comissão.
II – Historial das relações entre as partes
2 O historial das relações contratuais entre as partes, por um lado o grupo WTC e seguidamente o grupo Systran, que incorporou o primeiro, e, por outro, a Comissão, é necessário para poder definir o alcance dos direitos de propriedade e de utilização relativos às várias versões do programa informático Systran utilizadas pela Comissão, a saber, a EC‑Systran Mainframe e depois a EC‑Systran Unix. A Comissão invoca esse historial para alegar que a presente acção tem um fundamento contratual, ao passo que as demandantes observam que nenhum desses documentos, que aliás não invocam, têm influência nos seus direitos de propriedade intelectual e na acção.
A – Primeiro período: da Systran Mainframe ao EC‑Systran Mainframe
3 As partes estão de acordo em reconhecer que o criador do programa informático de tradução automática Systran é o Sr. Toma e que as sociedades do grupo WTC eram proprietárias exclusivas da versão Systran Mainframe desse programa informático.
1. Contratos iniciais entre a WTC (e outras sociedades) e a Comissão
4 Em 22 de Dezembro de 1975, a WTC e a Comissão assinaram um contrato relativo, por um lado, à instalação e ao desenvolvimento do sistema de tradução automática Systran inglês‑francês e, por outro, ao desenvolvimento inicial do sistema de tradução automática Systran francês‑inglês (a seguir «contrato inicial»).
5 O artigo 1.°, primeiro parágrafo, do contrato inicial, sob a epígrafe «Objecto», tem a seguinte redacção:
«O Contratante efectuará, por conta da Comissão, o ulterior desenvolvimento do seu sistema de tradução automática SYSTRAN inglês‑francês (a seguir‘Sistema de Base’) e o desenvolvimento inicial de um sistema de tradução automática SYSTRAN francês‑inglês».
6 O artigo 3.° do contrato inicial, sob a epígrafe «Remuneração», indica:
«Em contrapartida das tarefas efectuadas no âmbito do presente contrato, a Comissão pagará ao Contratante a quantia de 161 800 USD segundo as modalidades seguintes:
[…]
Esta quantia compreende uma compensação pela concessão do direito de utilizar o Sistema de Base durante todo o período abrangido pelo contrato. Considera‑se que cobre todas as despesas efectuadas pelo Contratante para a execução do presente contrato, incluindo as despesas com o pessoal, o tempo de computador, as despesas de deslocação e as despesas com material.»
7 O artigo 4.° do contrato inicial, sob a epígrafe «Utilização do sistema após o termo do contrato, enuncia:
«a) As partes contratantes acordam que os direitos ao sistema, tal como existem à data do termo do contrato (a seguir‘Sistema Alterado’), e à documentação atinente àquele, são concedidos pelo Contratante à Comissão numa base limitada, isto é, exclusivamente para as necessidades próprias da Comissão e necessidades semelhantes das administrações públicas dos Estados‑Membros da Comunidade e unicamente para efeitos da tradução de inglês para francês e de francês para inglês, mas sem limitação de duração. […]
b) Se, após a execução do presente contrato, a Comissão pretender continuar a desenvolver, internamente ou por intermédio de um terceiro, o Sistema Alterado, mediante a aplicação de outros pares de línguas da Comunidade, pagará ao Contratante um quantia fixa não superior a 100 000 USD pelo primeiro par de línguas e 80 000 USD por cada um dos pares de línguas seguintes, ou 200 000 USD por qualquer combinação que inclua uma nova língua. Estas quantias compreendem o direito de a Comissão utilizar, a título exclusivo e livremente, o Sistema Alterado desenvolvido, sem limitação de duração.
Alternativamente, se após o termo do contrato a Comissão pretender solicitar ao Contratante o ulterior desenvolvimento do Sistema Alterado mediante a aplicação de outro par de línguas, aquela pagará a este uma quantia fixa não superior a 25 000 USD pelo primeiro par e de 20 000 USD pelo segundo, ou de 50 000 USD por qualquer combinação que inclua uma nova língua.
c) O Contratante tem o direito de utilizar, por conta própria e para os seus próprios fins, o Sistema Alterado, tal como foi desenvolvido no âmbito do presente contrato e dos contratos de desenvolvimento ulterior por aplicação de outros pares de línguas, conforme especificado na alínea b), segundo parágrafo, com excepção dos vocabulários especialmente desenvolvidos para a Comissão. O acesso aos vocabulários será concedido ao Contratante caso a caso, por uma renda de locação anual não superior a 20% do custo; só serão disponibilizados gratuitamente ao Contratante para efeitos de demonstração.»
8 Nos termos do artigo 5.°, alínea f), do contrato inicial, a lei aplicável ao contrato era a lei luxemburguesa e os tribunais competentes em caso de litígio eram os do Luxemburgo.
9 Na sequência do contrato inicial, de 1976 a 1987, a Comissão celebrou numerosos contratos com sociedades do grupo WTC para, por um lado, aperfeiçoar o sistema Systran e, por outro, desenvolver novos pares de línguas (ou seja, nove pares de línguas no total).
10 Por outro lado, a Comissão celebrou com várias sociedades, externas ao grupo WTC e sem que as mesmas fossem parte no contrato, vários contratos que as autorizavam a utilizar o sistema Systran em benefício dos órgãos dos governos dos Estados‑Membros e das instituições das Comunidades. Num desses contratos, epigrafado «Protocolo de acordo de cooperação técnica», celebrado em 18 de Janeiro de 1985 com uma sociedade francesa, a Gachot SA, a Comissão referia que «o sistema Systran, programas informáticos e dicionários, continuavam a ser propriedade da Comissão» (artigo 4.°, sob a epígrafe «Direitos de utilização»). Por aplicação desse protocolo de acordo, a Comissão autorizava a sociedade Gachot a explorar o «seu sistema de tradução automática Systran em benefício dos organismos do sector público europeu» e, em contrapartida, a sociedade Gachot fornecia à Comissão informações sobre a qualidade das traduções produzidas, que lhe permitiam aperfeiçoar o desempenho do sistema (artigo 1.°, sob a epígrafe «Objecto»). A cooperação entre a Comissão e a sociedade Gachot tinha lugar sem contrapartida financeira (artigo 3.°, sob a epígrafe «Despesas»).
2. Contrato de colaboração entre o grupo Systran e a Comissão
11 Por uma série de contratos celebrados a partir de Setembro de 1985, a sociedade Gachot adquiriu as sociedades do grupo WTC, que eram proprietárias da tecnologia Systran e da versão Systran Mainframe, e passou a denominar‑se Systran na sequência dessa aquisição.
12 Por ofício de 2 de Fevereiro de 1987, dirigido pelo Director‑Geral da Direcção‑Geral (DG) «Telecomunicações, indústria da informação e inovação» à sociedade Gachot, a Comissão pedia que fosse dada resposta a várias questões, o que foi feito por carta de 5 de Fevereiro de 1987:
«Questão 1: O Sr. Gachot pode provar que ele (ou então a sociedade Gachot […]) é proprietário ou accionista maioritário das sociedades WTC e Systran Institut, e que aceita todas as responsabilidades em que as suas sociedades incorreram perante a Comissão?»
«Resposta: a nossa sociedade efectivamente adquiriu todas as acções [do Sr.] Toma na WTC e na Latsec, por um lado, e 76% das acções da Systran Institut, por outro. Assim, estamos habilitados a falar em nome de todo o Grupo e a representá‑lo perante a Comissão.»
«Questão 2: Que sucederá a essas responsabilidades se o Sr. Gachot (ou [a sociedade] Gachot) deixar de ser proprietária (ou accionista maioritária)? O Sr. Gachot compromete‑se a fazer respeitar essas responsabilidades por eventuais adquirentes?»
«Resposta: Não está prevista nenhuma cessão. Pelo contrário, o nosso Grupo segue uma política de desenvolvimento permanente nesse domínio. Por outro lado, a Comissão não tem de ter nenhuma preocupação nesse domínio, pois os contratos foram celebrados entre a WTC e a Comissão, isto é, pessoas colectivas, e nenhuma alteração que se possa verificar na titularidade dessas sociedades pode, em caso algum, pôr em causa os contratos celebrados.»
«Questão 3: O Sr. Gachot pode confirmar que a Comissão, após a celebração dos vários contratos com a WTC e a Systran Institut, possui direitos de exploração não exclusivos para o sector público europeu sobre [nove] versões linguísticas do Systran?»
«Resposta: É claro, pelos contratos celebrados entre a WTC e a Comissão […], que a Comissão tem direitos de utilização exclusivos para as suas próprias necessidades e para as necessidades dos órgãos dos governos dos Estados‑Membros da Comunidade, para as versões linguísticas do Systran II nos [pares] de línguas que adquiriu […]»
«Questão 8: O Sr. Gachot continua de acordo em autorizar órgãos dos governos cujo território excede o da Comunidade a fazer uso [do programa informático] Systran, em contrapartida de royalties a pagar‑lhe?»
«Resposta: A sociedade Gachot tem em vista, evidentemente, a disponibilização do sistema Systran a organismos internacionais cujo território excede o da Comunidade, em função de acordos diversos que serão celebrados entre a sociedade Gachot e esses organismos […]»
«Questão 14: A sociedade WTC está disposta a ceder à Comissão, nas mesmas condições do que antes, os direitos de exploração de um sistema Systran espanhol‑inglês? O preço a pagar será da mesma ordem do oferecido pelo sistema alemão‑inglês?»
«Resposta: A sociedade WTC está efectivamente de acordo em ceder à Comissão uma licença de exploração não exclusiva para espanhol‑inglês, eventualmente também para italiano‑inglês e português‑inglês. O preço e condições dependerão essencialmente do avanço dos sistemas na data em que a Comissão fizer a aquisição dos mesmos.»
«Questão 15: A sociedade WTC está disposta a desenvolver novos sistemas que incluam o dinamarquês e o grego como línguas de chegada e a cedê‑los à Comissão com direitos de exploração (não exclusivos) para os sectores públicos e privados?»
«Resposta: A WTC está efectivamente de acordo em desenvolver qualquer sistema que inclua pares de línguas europeias e outros sistemas de que a Comissão possa necessitar.»
«Questão 16: O Sr. Gachot está interessado [na] conversão do sistema Systran na linguagem C de Unix, que lhe aumentaria a portabilidade no plano informático? Está pronto a financiar todo ou parte do investimento exigido (que é, provavelmente, da ordem de um milhão de ecus)?»
«Resposta: A conversão do sistema Systran na linguagem C em Unix é um projecto que considerámos. Mas, num primeiro momento, pareceu‑nos muito mais importante concentrar os nossos esforços no melhoramento da qualidade da tradução e na unificação das várias versões do [sistema] Systran. Embora a conversão do [sistema] Systran em Unix seja muito interessante, continua ligada à concretização dos meios de financiamento […].»
13 Por telecópia de 5 de Março de 1987, remetida por um funcionário da DG «Telecomunicações, indústria da informação e inovação» à sociedade Gachot, a Comissão descrevia do seguinte modo o conteúdo da «convenção Systran», que estava em negociação:
«Direitos, objectivos e obrigações
No âmbito da convenção, os direitos adquiridos pelas duas partes estão perfeitamente equilibrados.
O Grupo Systran é proprietário dos programas informáticos de base e os direitos de utilização da Comissão relativos aos seus nove [pares] de línguas só se estendem às instituições comunitárias e aos organismos oficiais dos Estados‑Membros.
Pelo contrário, a Comissão é proprietária dos léxicos que elaborou desde 1975.
Cada uma das partes investiu cerca de 8 milhões de ecus para adquirir os seus direitos e procura, pois, fazer os seus investimentos dar fruto.
A Comissão tem a obrigação moral de fazer a economia comunitária beneficiar do investimento pago pelos seus contribuintes, ao passo que o Grupo Systran pretende iniciar rapidamente a comercialização do sistema na Europa.
Estes dois objectivos são perfeitamente convergentes e conciliáveis no âmbito da Convenção proposta.
Ademais, a Comissão e o grupo Systran têm interesse em fazer [do programa informático] Systran um instrumento eficaz [por] meio de uma harmonização dos programas informáticos e dos léxicos […]»
14 Em 14 de Agosto de 1987, o grupo Systran e a Comissão assinaram um contrato relativo à organização em comum do desenvolvimento e do aperfeiçoamento do sistema de tradução Systran para as línguas oficiais, actuais e futuras, da Comunidade, e à sua aplicação (a seguir «contrato de colaboração»).
15 O contrato de colaboração indicava, no âmbito de uma «[e]xposição preliminar», o seguinte:
«1. O sistema Systran, concebido pela sociedade WTC, é um sistema de tradução automática, que compreende um programa informático de base, programas informáticos linguísticos e periféricos, e diferentes dicionários bilingues.
2. Em 22 de Setembro de 1975, a Comissão celebrou com a sociedade WTC um contrato sobre a utilização do sistema Systran pela Comissão e sobre o desenvolvimento inicial desse sistema pela WTC.
A Comissão e a sociedade WTC celebraram posteriormente outros contratos sobre, por um lado, o aperfeiçoamento do sistema existente e, por outro, o desenvolvimento de sistemas para [novos pares] de línguas.
Estes contratos, celebrados entre 1976 e 1985, tinham por objecto o desenvolvimento, o aperfeiçoamento dos programas informáticos e dos dicionários de base para as línguas em causa.
3. A manutenção e o desenvolvimento ulterior dos sistemas foram assegurados por outra série de contratos entre a Comissão e sociedades de serviços. Estes contratos têm a vista as necessidades e finalidades próprias da Comissão.
4. Desde 1985, a Comissão celebrou com diversas sociedades contratos que as autorizavam a utilizar o sistema Systran em benefício dos órgãos dos governos e das instituições das Comunidades europeias, em contrapartida de informações que permitiam à Comissão aperfeiçoar o desempenho do sistema.
5. As partes verificam, pois, que a Comissão dispõe de uma licença de utilização do sistema de base e dos aperfeiçoamentos […] introduzidos pela WTC, limitada à utilização no território das Comunidades nos sectores especificados no [n.°] 4, supra.
6. Os aperfeiçoamentos e os desenvolvimentos introduzidos no sistema Systran pela Comissão e pelos seus contratantes [mencionados no n.° 3, supra], especialmente os dicionários, são propriedade exclusiva da Comissão.
7. As partes consideram que o seu interesse e o dos utilizadores do Systran é o de que esse sistema seja permanentemente aperfeiçoado. As partes decidiram celebrar o presente contrato de colaboração para unir os seus esforços e prosseguir, deste modo, o aperfeiçoamento.
Neste espírito, as partes reconhecem reciprocamente o direito de utilização do sistema Systran, susceptível de evoluir pela elaboração de aperfeiçoamentos, que serão realizados graças à utilização do sistema tanto no sector privado como no sector público.»
16 O artigo 4.° do contrato de colaboração, relativo aos «[d]ireitos de propriedade», estipula:
«As diferentes versões linguísticas do Systran e dos seus componentes continuam a ser propriedade dos parceiros a que pertenciam à data da assinatura.
As sociedades do Grupo Systran comprometem‑se a só ceder os seus direitos de propriedade após informação prévia e acordo dos serviços da Comissão. O cessionário deverá aceitar assumir os direitos e deveres que para essas sociedades resultam do presente contrato de colaboração.»
17 A introdução do Anexo I do contrato de colaboração enuncia:
«Enquanto a Comissão foi sempre proprietária dos léxicos e outros componentes que desenvolveu para diferentes versões Systran, os direitos de propriedade do programa informático de base tinham sido repartidos entre várias sociedades e a Comissão celebrou contratos e acordos relativos à utilização do sistema e dos seus aperfeiçoamentos e desenvolvimentos, nomeadamente com a [WTC] e a Systran Institut.
Uma vez que a sociedade Gachot […] era, desde o início de 1986, a principal accionista dessas sociedades, o presente contrato global para o desenvolvimento e utilização do sistema Systran foi celebrado entre todas as partes interessadas […].»
18 O artigo 4.°bis do contrato de colaboração, relativo aos «[a]perfeiçoamentos e remunerações», estipula:
«Qualquer desenvolvimento e qualquer aperfeiçoamento do sistema, resultante da sua exploração pelo [g]rupo Systran, ser[ão] imediatamente comunicado[s] e disponibilizados à Comissão.
Qualquer desenvolvimento e qualquer aperfeiçoamento do sistema, resultante da sua exploração pela Comissão, ser[ão] imediatamente comunicado[s] e disponibilizados ao [g]rupo Systran.
Qualquer alteração que não provenha da exploração no sentido próprio do termo será objecto de negociação entre as partes.
Durante um período inicial de dois anos, cada parte poderá utilizar os desenvolvimentos e aperfeiçoamentos introduzidos pela outra parte, sem ter por isso de pagar qualquer remuneração que seja.
No termo deste período e atendendo à experiência adquirida, a Comissão e o grupo Systran definirão as regras contratuais da sua colaboração futura.»
19 O artigo 5.° do contrato de colaboração, relativo aos «[d]ireitos de utilização», estipula:
«a) A Comissão tem o direito de utilizar, no sector público no território da União, o sistema comum na sua versão mais evoluída, e de conceder licenças de utilização desse sistema aos organismos públicos nacionais e internacionais estabelecidos no território da União, conforme é definido no [n.°] 4 da exposição preliminar.
b) […]
c) As sociedades do [g]rupo Systran comprometem‑se a permitir a todo e qualquer organismo privado utilizar o sistema em condições conformes aos usos comerciais.»
20 Nos termos dos artigos 11.° e 12.° do contrato de colaboração, a lei aplicável ao contrato era a lei belga e qualquer diferendo entre as partes relativamente à interpretação, execução ou inexecução do contrato ficava sujeita a arbitragem.
21 Entre 1988 e 1989, a Comissão celebrou quatro contratos com a sociedade Gachot para obter uma licença de utilização do programa Systran para os pares de línguas alemão‑inglês, alemão‑francês, inglês‑grego, espanhol‑inglês e espanhol‑francês.
22 Por carta registada de 11 de Dezembro de 1991, a Comissão resolveu o contrato de colaboração nos termos do seu artigo 8.°, mediante aviso prévio de um mês. Por aplicação dessa disposição, estava previsto que, após o termo de um período de três anos, cada uma das partes disporia do sistema Systran no estado a que este tivesse chegado para cada uma delas. Segundo a Comissão, aquela resolução justificava‑se pelo facto de a Systran não ter cumprido as suas obrigações contratuais e dava lugar à reclamação do pagamento dos desenvolvimentos relativos a dois pares de línguas (francês‑italiano e francês‑espanhol) realizados pela Comissão e disponibilizados à Systran a título do contrato de colaboração. Na data em que o contrato de colaboração cessou, a versão EC‑Systran Mainframe continha dezasseis versões linguísticas.
23 Subsequentemente, o grupo Systran criou e comercializou uma nova versão do programa informático Systran capaz de funcionar nos sistemas operativos Unix e Windows (Systran Unix), ao passo que a Comissão desenvolveu a versão EC‑Systran Mainframe, no tocante aos dezasseis pares de línguas supramencionados, a que se vieram juntar o par de línguas grego‑francês desenvolvido com o auxílio de um co‑contratante externo, versão essa que funcionava no sistema operativo Mainframe, incompatível com os sistemas operativos Unix e Windows.
B – Segundo período: do Systran Unix ao EC‑Systran Unix
24 Para permitir à versão EC‑Systran Mainframe funcionar nos ambientes Unix e Windows, foram celebrados quatro contratos entre a Systran Luxembourg e a Comissão (a seguir «contratos de migração»).
25 Em 19 de Dezembro de 1997, previamente à assinatura do primeiro contrato de migração, a Comissão pediu à Systran, por carta, que desse o seu acordo sobre vários pontos, entre os quais os seguintes:
«1. Utilização do [n]ome Systran
Nas apresentações e na documentação ou na correspondência, frequentemente fazemos referência ao‘sistema de tradução automática da Comissão’. Dado que este se baseia no sistema Systran, será mais lógico utilizar o nome Systran ou […] [V]ersão CE do Systran nessas ocasiões.
2. Princípio da utilização recíproca dos sistemas da [sociedade] Systran […] e da Comissão
A Comissão poderá utilizar os produtos da sociedade Systran […] no seu servidor. Esta última poderá, por seu lado, utilizar o sistema da Comissão.
A sociedade Systran […] e as suas filiais comprometem‑se desde já a não reivindicar nenhuma prestação pecuniária decorrente dos contratos celebrados no passado entre o‘[g]rupo Systran’e a Comissão.»
26 Em 22 de Dezembro de 1997, dia da assinatura do primeiro contrato de migração, a Systran respondeu a esse pedido da Comissão, referindo:
«1. Utilização do [n]ome Systran
Confirmamos que damos o nosso acordo a que a Comissão utilize a marca SYSTRAN. Essa utilização deverá ser sistemática para qualquer sistema de tradução automática derivado do sistema Systran de origem. Consequentemente, concedemo‑vos um direito de utilização da marca SYSTRAN unicamente para efeitos da divulgação ou disponibilização do sistema de tradução automática Systran.
2. Princípio da utilização recíproca dos sistemas da [sociedade] Systran […] e da Comissão
Confirmamos que damos o nosso acordo a que a Comissão utilize os produtos Systran em ambiente Unix e/ou Windows para as suas necessidades internas.
A sociedade Systran compromete‑se a não reivindicar nenhuma prestação pecuniária decorrente dos contratos celebrados no passado entre o grupo Systran e a Comissão.»
27 O artigo 2.° do primeiro contrato de migração, celebrado entre a Systran Luxembourg e a Comissão, define da seguinte forma o «[s]istema de tradução automática da Comissão»:
«O sistema de tradução automática da Comissão, denominado‘Systran EC version’[versão CE do Systran], designa uma versão específica do sistema de tradução automática Systran inicialmente desenvolvido pelo‘World Translation Center’, La Jolla, USA, e que a Comissão Europeia a seguir desenvolveu para fins internos desde 1976. O sistema de tradução automática da Comissão é diferente da‘Systran Original Version’[versão original do sistema Systran], que designa o sistema de tradução automática desenvolvido e comercializado pela Systran France SA e pelas suas filiais.»
(The Commission’s machine translation system, or‘Systran EC version’, designates a specific version of the Systran machine translation system originally developed by the World Translation Center, La Jolla, USA, which since 1976 has been further developed by the European Commission for internal purposes. The Commission’s machine translation system is distinct from the‘Systran Original Version’, which refers to the machine translation system developed and commercialised by Systran S.A. of France and its subsidiaries.)
28 O artigo 13.° do primeiro contrato de migração, sob a epígrafe «Patentes, certificados de utilidade (modelos de utilidade), marcas, desenhos e modelos industriais, direitos de propriedade industrial e intelectual», estipula:
«1. A Comissão será imediatamente informada de qualquer resultado ou patente obtidos pelo Contratante [a saber, a Systran Luxembourg] em execução do presente contrato; esse resultado ou patente pertencem às Comunidades Europeias, que deles podem dispor livremente, excepto nos casos em que já existem direitos de propriedade industrial ou intelectual.
2. O sistema de tradução automática da Comissão, incluindo os seus componentes, mesmo alterados durante a execução do presente contrato, continua a ser propriedade da Comissão, excepto nos casos em que já existem direitos de propriedade industrial ou intelectual.
[…]
5. Ao primeiro indício de que um terceiro propôs uma acção, sobretudo de reivindicação de um direito, mesmo após a execução do contrato, a parte implicada informará a outra o mais rapidamente possível; as duas partes actuarão em conjunto e transmitirão uma à outra todas as informações e elementos de prova que possuam ou obtenham.»
(1. Any results or patent obtained by the Contractor [a saber, a Systran Luxembourg] in performance of this contract shall be immediately reported to the Commission and shall be the property of the European Communities, which may use them as they see fit, except where industrial or intellectual property rights already exist.
2. The Commission’s machine translation system, together with all its components shall, whether modified or not in the course of the contract, remain the property of the Commission, except where industrial or intellectual property rights already exist.
[…]
5. At the first sign of proceedings by a third party, in particular of a claim, even after completion of the contract, the party involved shall notify the other party as soon as possible and the two parties shall then act in unison and provide each other with all the information and evidence that they possess or obtain.)
29 Nos termos dos artigos 15.° e 16.° do primeiro contrato de migração, a lei aplicável ao contrato era a lei luxemburguesa e qualquer diferendo entre a Comunidade e a Systran Luxembourg sobre esse contrato era da competência dos tribunais luxemburgueses.
30 Por outro lado, o primeiro aditamento ao quarto contrato de migração fixava o termo do contrato em 15 de Março de 2002 e esclarecia que, nessa data «o Contratante se compromet[ia] a cumprir, em 15 de Março de 2002, todas as tarefas integradas no objecto do contrato, nomeadamente: a prova actualizada de todos os direitos (marcas, patentes, direitos de propriedade intelectual e industrial, direito de autor, etc.) reivindicados pelo grupo Systran e conexos com o sistema de tradução automática Systran». Segundo a Comissão, a Systran Luxembourg não lhe transmitiu essas informações.
C – Terceiro período: a partir do concurso público de 4 de Outubro de 2003
31 Em 4 de Outubro de 2003, a Comissão abriu um concurso público para a manutenção e o reforço linguístico do seu sistema de tradução automática. Na sequência desse concurso público, dois dos dez lotes abrangidos pelo contrato foram adjudicados à sociedade Gosselies. Trata‑se de lotes que utilizam o inglês ou o francês como língua de partida.
32 Por carta de 31 de Outubro de 2003, a Systran indicou à Comissão:
«Tomámos conhecimento do concurso aberto pela Comissão em 4 de Outubro de 2003 […] Pela leitura desse documento, parece‑nos que os trabalhos que V. Ex.as pretendem realizar são susceptíveis de lesar os direitos de propriedade intelectual da nossa sociedade. Porque nos preocupamos em manter o clima de cooperação construtiva entre a nossa sociedade e a Comissão, gostaríamos de saber qual o V/ juízo a esse respeito. V. Ex.as compreenderão que, pelos motivos acima expostos, não podemos participar nesse concurso.»
33 Na sua resposta, de 17 de Novembro de 2003, a Comissão indicava:
«Tomei conhecimento da V/ carta de 31 de Outubro passado. Os trabalhos que pretendemos realizar não nos parecem susceptíveis de lesar direitos de propriedade intelectual. Partilho do V/ desejo de manter boa relações profissionais, na observância dos procedimentos da Comissão.»
34 Após esta troca de correspondência, a Systran trocou outras cartas com a Comissão e esta organizou reuniões para prestar esclarecimentos sobre os pedidos dessa sociedade.
35 No âmbito destes contactos, as demandantes invocaram os seguintes elementos:
– O grupo Systran possui um programa informático de tradução automática chamado «Systran» (ou «sistema Systran») e desenvolve as várias versões do mesmo;
– Após uma sucessão de contratos celebrados entre a Systran e a Comissão, a Systran adaptou o seu programa para criar uma versão chamada «EC‑Systran»;
– De 1999 a 2002, o grupo Systran garantiu a migração da versão EC‑Systran, para permitir que esta funcione no sistema operativo Unix; para esse efeito, o grupo Systran utilizou os direitos, anteriormente existentes, sobre o programa informático de origem e sobre o núcleo do sistema Systran em Unix, completamente reescrito pelo grupo Systran em 1993 para as suas próprias necessidades.
36 Em resposta, a Comissão indicou que esses elementos, tal como a documentação técnica apresentada pelo perito em informática das demandantes em 6 de Janeiro de 2005, não constituem a «prova dos direitos de propriedade intelectual» sobre o programa informático Systran invocados pelo grupo Systran. Na falta de «prova documental» a esse respeito, a Comissão considerou que o grupo Systran não tinha o direito de se opor aos trabalhos realizados pela sociedade vencedora do concurso público controvertido.
37 Em resumo, o grupo Systran não pôde invocar os direitos que detinha sobre o programa informático Systran, cuja versão Systran Unix comercializa, para proibir o que considera ser a contrafacção do programa informático pela Comissão.
Tramitação processual e pedidos das partes
38 Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 25 de Janeiro de 2007, as demandantes propuseram a presente acção.
39 No âmbito das medidas de organização do processo, as partes foram convidadas, em 1 de Dezembro de 2008, a responder a uma série de questões relativas ao fundamento contratual ou extracontratual da acção (a seguir «primeira série de questões»).
40 As partes responderam à primeira série de questões em 30 de Janeiro e em 2 de Fevereiro de 2009.
41 Visto o relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Terceira Secção) decidiu abrir a fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo, convidou as partes a responder a uma nova série de questões relativas à versão Systran Unix, aos direitos do utilizador, à natureza das intervenções pedidas no âmbito do contrato público controvertido e às actividades da sociedade Gosselies no que respeita à concepção e à comercialização de programas informáticos de tradução (a seguir «segunda série de questões»).
42 As partes responderam à segunda série de questões em 14 de Outubro de 2009.
43 Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral, na audiência de 27 de Outubro de 2009.
44 Nessa audiência, as partes foram convidadas pelo Tribunal Geral a participar numa reunião informal de conciliação. Na sequência dessa reunião, as partes indicaram que comunicariam ao Tribunal Geral o conteúdo do acordo de transacção, se o concluíssem antes da prolação do acórdão. Não chegou ao Tribunal Geral nenhuma comunicação nesse sentido.
45 Na acta da audiência, foram recordados os principais elementos que nela se destacaram sobre a natureza contratual ou extracontratual da acção, o comportamento ilegal imputado à Comissão e a avaliação do prejuízo invocado pelas demandantes. As partes foram notificadas desta acta e da acta da reunião informal.
46 Por despacho de 26 de Março de 2010, o Tribunal Geral (Terceira Secção) ordenou a reabertura da fase oral para convidar as partes a responder, no âmbito das medidas de organização do processo, a uma série de questões sobre os elementos a ter em conta para a avaliação do dano (a seguir «terceira série de questões»).
47 As partes responderam à terceira série de questões em 4 e em 5 de Maio de 2010.
48 Face a estas respostas e no âmbito das medidas de organização do processo, foi pedido às demandantes e à Comissão que apresentassem as respectivas observações às respostas da outra parte à terceira série de questões. O Tribunal Geral pretendeu também obter alguns esclarecimentos sobre determinados elementos invocados pelas partes nas respectivas respostas (a seguir «quarta série de questões»).
49 As partes apresentaram as respectivas observações e responderam à quarta série de questões em 11 de Junho de 2010.
50 As demandantes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:
– Ordenar a cessação imediata dos actos de contrafacção e de divulgação cometidos pela Comissão;
– Ordenar a apreensão de todos os suportes detidos pela Comissão e pela sociedade Gosselies nos quais estão reproduzidos os desenvolvimentos informáticos realizados por esta última a partir das versões EC‑Systran Unix e Systran Unix, em violação dos direitos das demandantes, e a sua entrega à Systran, ou, pelo menos, a sua destruição sob fiscalização;
– Condenar a Comissão a pagar uma indemnização mínima de 1 170 328 euros para a Systran Luxembourg e de 48 804 000 euros, a título provisório, para a Systran;
– Ordenar a publicação da decisão a proferir pelo Tribunal Geral, a expensas da Comissão, nos jornais especializados, nas revistas especializadas e nos sítios especializados da Internet escolhidos pela Systran;
– Em todo o caso, condenar a Comissão nas despesas.
51 A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:
– Julgar a acção inadmissível;
– Subsidiariamente, julgar a acção improcedente;
– Condenar as demandantes nas despesas.
Questão de direito
I – Quanto à admissibilidade
A – Quanto ao pedido de que o Tribunal Geral condene a Comissão a indemnizar o prejuízo alegado
52 A Comissão aduz três fundamentos para a inadmissibilidade do terceiro pedido, o de que seja condenada a indemnizar o prejuízo alegado pelas demandantes. Em primeiro lugar, esse pedido de indemnização é inadmissível devido ao seu fundamento contratual, na medida em que o Tribunal Geral só pode avaliar as alegações de contrafacção e de divulgação de saber‑fazer com base nos vários contratos celebrados entre o grupo Systran e a Comissão, que não incluem nenhuma cláusula compromissória que designe o Tribunal Geral. Em segundo lugar, o pedido de indemnização é também inadmissível por falta de clareza da petição, uma vez que esta não esclarece quais as disposições legais violadas pela Comissão e dá poucos esclarecimentos quanto aos actos de contrafacção e divulgação de saber‑fazer invocados pelas demandantes. Em terceiro lugar, o Tribunal Geral é incompetente para decidir em matéria de contrafacção no âmbito de uma acção de indemnização, como resulta do despacho de 5 de Setembro de 2007, Document Security Systems/BCE (T‑295/05, Colect., p. II‑2835, a seguir «despacho Document Security Systems»).
1. Quanto ao mérito da acção
a) Argumentos das partes
53 A Comissão sustenta que o Tribunal Geral não pode avaliar a existência da contrafacção e a ilicitude da divulgação sem se basear nos vários contratos que regiam as relações entre o grupo Systran e a Comissão de 1975 a 2002. A eventual responsabilidade em que a Comunidade poderia incorrer pela exploração das versões EC‑Systran Unix e Systran Unix do programa informático Systran é de natureza contratual. Por isso, há que tomar por referência o artigo 288.°, primeiro parágrafo, CE, nos termos do qual «[a] responsabilidade contratual da Comunidade é regulada pela lei aplicável ao contrato em causa». Na falta de uma cláusula compromissória, na acepção do artigo 283.° CE, o Tribunal Geral é, pois, manifestamente incompetente.
54 Em resposta a uma questão do Tribunal Geral, em que este pedia à Comissão que indicasse as disposições contratuais com base nas quais considerou que tinha o direito de proceder como procedeu no âmbito do contrato público controvertido, sem obter a autorização das demandantes, a Comissão alegou, por um lado, que tem dúvidas de que as demandantes sejam titulares de direitos de propriedade intelectual sobre a versão Systran Unix do programa informático Systran e, por outro, que «contesta formalmente que as demandantes sejam titulares de direitos sobre o programa EC‑Systran Unix». Em especial, a Comissão sustenta que detém «direitos de propriedade exclusivos» no tocante aos «códigos‑fonte das partes linguísticas do programa informático», por força de vários contratos celebrados entre 1975 e 2002 e do trabalho dos seus serviços no desenvolvimento dessas partes. Por força desses contratos, a Comissão tem o direito, quer antes quer depois da migração, de fazer evoluir a versão EC‑Systran Unix em cooperação com terceiros contratantes. Quanto a este aspecto, a Comissão cita o artigo 4.° do protocolo de acordo de cooperação técnica, o n.° 6 da exposição preliminar do contrato de colaboração e o artigo 13.°, n.os 1 e 2, dos contratos de migração celebrados com a Systran Luxembourg, nos termos dos quais o sistema de tradução automática da Comissão continuava a ser propriedade sua.
55 As demandantes sublinham, no essencial, que o Tribunal Geral é competente nos termos do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE. No caso vertente, a presente acção tem fundamento no facto de a Comissão ter feito ou mandado fazer alterações não autorizadas, logo não contratuais, ao programa informático Systran Unix ou à sua versão EC‑Systran Unix, quando não tinha direitos que lhe permitissem alterá‑lo, e ainda menos mandá‑lo alterar, sem autorização das demandantes.
56 Na sua resposta às questões colocadas pelo Tribunal Geral, as demandantes sublinham que a Comissão nunca foi autorizada a fornecer os elementos controvertidos a qualquer terceiro que fosse. Na falta de estipulação contratual que a autorize a proceder às utilizações e divulgações feitas, a Comissão, que actuou fora do âmbito fixado pelos contratos, incorreu em responsabilidade extracontratual, que é exclusiva competência do Tribunal Geral.
b) Apreciação do Tribunal Geral
Observações sobre as competências em matéria contratual e extracontratual
57 A competência do Tribunal Geral para conhecer de uma acção de indemnização difere consoante a natureza contratual ou extracontratual da responsabilidade posta em causa. Em matéria de responsabilidade contratual, o artigo 238.° CE dispõe que o Tribunal de Justiça é competente para decidir com fundamento em cláusula compromissória constante de um contrato de direito público ou de direito privado, celebrado pela Comunidade ou por sua conta. Em matéria de responsabilidade extracontratual, o artigo 235.° CE esclarece que o Tribunal de Justiça é competente para conhecer dos litígios relativos à reparação dos danos referidos no segundo parágrafo do artigo 288.° CE, que refere os danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das suas funções.
58 Assim, em matéria de responsabilidade contratual, o Tribunal Geral só é competente na presença de uma cláusula compromissória, na acepção do artigo 238.° CE. Na falta dessa cláusula, o Tribunal Geral não pode julgar, com fundamento no artigo 235.° CE, uma acção que, na realidade, é uma acção de indemnização por danos de origem contratual. Se assim não for, o Tribunal Geral alarga a sua competência para além dos litígios cujo conhecimento lhe é taxativamente reservado pelo artigo 240.° CE, dado que esta disposição confia aos órgãos jurisdicionais nacionais a competência de direito comum para conhecer dos litígios em que a Comunidade é parte (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Maio de 2009, Guigard/Comissão, C‑214/08 P, não publicado na Colectânea, n.os 35 a 41; despacho do Tribunal Geral de 18 de Julho de 1997, Oleifici Italiani/Comissão, T‑44/96, Colect., p. II‑1331, n.os 35 e 38, e acórdão do Tribunal Geral de 25 de Maio de 2004, Distilleria Palma/Comissão, T‑154/01, Colect., p. II‑1493, n.° 50).
59 Em contrapartida, em matéria de responsabilidade extracontratual o Tribunal de Justiça é competente, sem que seja necessário que as partes no processo dêem o seu acordo prévio. Com efeito, a competência do Tribunal do Justiça decorre directamente do artigo 235.° CE e do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, para as acções destinadas a obter a reparação, pela Comunidade, dos danos de natureza extracontratual causados pela Comissão.
60 Para determinar a sua competência nos termos do artigo 235.° CE, o Tribunal Geral tem de verificar, face aos vários elementos relevantes dos autos, se o pedido de indemnização apresentado pelas demandantes assenta, objectiva e globalmente, em obrigações de origem contratual ou extracontratual que permitem caracterizar o fundamento contratual ou extracontratual do litígio. Esses elementos podem ser deduzidos, nomeadamente, do exame das pretensões das partes, do facto gerador do prejuízo cuja reparação é pedida e do conteúdo das cláusulas contratuais ou regras não contratuais invocadas para regular a questão em litígio (v., nesse sentido, acórdão Guigard/Comissão, já referido, n.os 35 a 38).
61 A este respeito, importa salientar que a competência do Tribunal Geral em matéria contratual é derrogatória da lei geral e deve, assim, ser interpretada restritivamente, pelo que o Tribunal Geral só pode conhecer dos pedidos que derivam do contrato ou que têm uma relação directa com as obrigações que dele decorrem (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Fevereiro de 1997, IDE/Comissão, C‑114/94, Colect., p. I‑803, n.° 82 e jurisprudência referida). É o que sucederia, nomeadamente, se do quadro factual resultasse que a Comissão estava autorizada, por contrato, a confiar a terceiros os trabalhos previstos no concurso público e se o objecto do litígio consistisse, na realidade, atendendo a que esses trabalhos estavam previstos numa ou mais disposições contratuais, num pedido de indemnização de origem contratual (v., nesse sentido, acórdão Guigard/Comissão, referido no n.° 58, supra, n.os 35 e 36, no tocante à consideração do quadro factual, e n.° 38, quanto ao real objecto do pedido de indemnização).
62 Sublinhe‑se também que, embora o Tribunal Geral tenha, para apreciar a procedência desta argumentação, de examinar o conteúdo dos vários contratos celebrados entre o grupo WTC/Systran e a Comissão de 1975 a 2002, que são invocados pela Comissão para fundamentar a sua argumentação, esse exercício integra‑se no exame da competência e não pode ter a consequência – por si só – de alterar a natureza do litígio, ao atribuir‑lhe um fundamento contratual. De outra forma, a natureza do litígio e, consequentemente, o tribunal competente seriam susceptíveis de serem alterados simplesmente porque o demandado aludiu à existência de uma qualquer relação contratual com o demandante, quando o exame dos contratos permitiria verificar que os mesmos são irrelevantes para esse efeito. Assim, o Tribunal Geral, quando intervém em matéria de responsabilidade extracontratual, pode perfeitamente examinar o conteúdo de um contrato, como o faz a propósito de qualquer documento invocado por uma parte para fundamentar a sua argumentação, para saber se esse documento é susceptível de pôr em causa a competência de atribuição que lhe é expressamente atribuída pelo artigo 235.° CE. Esse exame integra‑se na apreciação dos factos invocados para provar a competência do Tribunal Geral, que constitui um pressuposto processual, na acepção do artigo 113.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.
63 A título de comparação, num processo relativo a um pedido de renovação de um contrato em que o demandante invocava a violação de obrigações de origem contratual e extracontratual, o Tribunal de Justiça decidiu que a simples invocação de normas jurídicas que não decorriam desse contrato, mas que se impunham às partes, não podia ter a consequência de alterar a natureza contratual do litígio e de o subtrair ao tribunal competente (acórdão Guigard/Comissão, referido no n.° 58, supra, n.° 43). Assim, num processo relativo às consequências de um concurso público em que as demandantes invocam apenas a violação de obrigações extracontratuais, a simples invocação, por parte do co‑contratante daquelas, de obrigações de origem contratual não pode ter a consequência de alterar a natureza extracontratual do litígio e de o subtrair ao tribunal competente.
64 Além disso, geralmente cabe à parte que alega a violação de uma obrigação provar o conteúdo desta e a sua aplicação aos dados do processo. Por este motivo, há que apreciar os argumentos sobre o pedido de indemnização apresentados pelas demandantes antes de apreciar os aduzidos pela Comissão quanto à existência de uma autorização contratual de divulgação a terceiros de informações susceptíveis de serem protegidas pelo direito de autor e pelo saber‑fazer.
Apreciação do pedido de indemnização apresentado pelas demandantes
65 No caso vertente, o pedido de indemnização das demandantes é apresentado apenas com fundamento no artigo 235.° CE e no artigo 288.°, segundo parágrafo, CE. As demandantes não invocam, nem se apoiam, em cláusulas contratuais celebradas com a Comissão. Essas cláusulas contratuais só são invocadas pela Comissão para fundamentar a tese de que tem direito a praticar os actos que lhe são imputados no presente processo.
66 Para fundamentar o seu pedido de indemnização, as demandantes invocam dois comportamentos ilícitos e danosos de natureza extracontratual. Em primeiro lugar, a Comissão divulgou ilicitamente o saber‑fazer da Systran a um terceiro, na medida em que a realização das prestações descritas no concurso público implicou necessariamente a divulgação não autorizada e a alteração do código‑fonte do programa informático Systran, de que as demandantes são proprietárias exclusivas. Em segundo lugar, a Comissão praticou um acto de contrafacção quando da realização, pela sociedade Gosselies, de desenvolvimentos não autorizados da versão EC‑Systran Unix, que é uma versão do programa Systran quase idêntica à versão Systran Unix e portanto dependente, desenvolvida e comercializada pelo grupo Systran, proprietária exclusiva dos direitos de propriedade intelectual correspondentes.
67 No caso vertente, o facto gerador dos alegados prejuízos, cuja reparação é pedida, isto é, o comportamento alegadamente ilícito que lesou as demandantes, é constituído, nomeadamente, pela divulgação não autorizada, pela Comissão a um terceiro, a sociedade Gosselies, de códigos‑fonte de que o grupo Systran reivindica a propriedade e a protecção pelos princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros relativos ao direito de autor e ao saber‑fazer.
68 Mais especialmente, as demandantes sustentam que, enquanto autoras do programa informático Systran e da versão Systran Unix, podem opor‑se a qualquer exploração, alteração, adaptação ou aperfeiçoamento da obra derivada que o EC‑Systran Unix representa que não tenha sido autorizada pelo titulares dos direitos sobre o programa informático de origem. Assim, as demandantes beneficiam legalmente de um «direito de oposição», destinado a garantir a protecção de determinados dados de que são proprietárias contra uma utilização pela Comissão ou uma transmissão a terceiros que não tenham autorizado.
69 Para fundamentar este direito, as demandantes invocam, no tocante aos princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros, a Convenção de Berna para a Protecção das Obras Literárias e Artísticas, de 9 de Setembro de 1886, conforme alterada (a seguir «Convenção de Berna»), a Directiva 91/250/CEE do Conselho, de 14 de Maio de 1991, relativa à protecção jurídica dos programas de computador (JO L 122, p. 42), e a Directiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual (versão rectificada, JO L 195, p. 16). Estas disposições, que são eventualmente susceptíveis de constituir obrigações extracontratuais, como a Comissão reconheceu em resposta a uma questão sobre esse assunto colocada pelo Tribunal Geral na audiência, foram retomadas nos direitos dos Estados‑Membros. No essencial, essas disposições consagram os seguintes princípios gerais: o autor de um programa de computador, pelo simples facto de o ter criado, dispõe sobre o mesmo de um direito de propriedade intelectual exclusivo e oponível a todos; a qualidade de autor pertence, salvo prova em contrário, àquele ou àqueles sob cujo nome o programa de computador é divulgado; o autor de um programa de computador dispõe, sob reserva de determinadas excepções, do direito exclusivo de efectuar ou autorizar a sua reprodução, adaptação ou difusão.
70 Há que considerar que, ao proceder como procederam, as demandantes apresentaram elementos suficientes para se poder concluir, nesta fase da análise, que o grupo Systran pode invocar direitos de autor sobre a versão Systran Unix do programa informático Unix que desenvolveu e comercializou sob o seu nome.
71 Em contrapartida, é manifesto que, por falta de provas de que as demandantes não são titulares dos direitos em causa, a Comissão não logrou pôr em causa a competência do Tribunal Geral quando contestou os direitos de autor invocados pelo grupo Systran no tocante a esta versão do programa informático Systran.
72 Em primeiro lugar, são insuficientes, a este respeito, as simples dúvidas emitidas pela Comissão no tocante à qualidade das demandantes de titulares de direitos de propriedade intelectual sobre a versão Systran Unix do programa informático Systran (v. n.° 54, supra). Semelhante argumentação não satisfaz o grau de prova necessário para pôr em causa a possibilidade de o grupo Systran invocar direitos de autor sobre a versão Systran Unix do programa informático Unix à luz dos princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros já referidos, uma vez que essa argumentação assenta em alegações gerais e insuficientemente precisas face às características do programa informático em causa e aos pareceres jurídicos e técnicos apresentados pelas demandantes.
73 Em segundo lugar, sem antecipar o resultado da discussão do mérito da causa, há que referir que o Tribunal Geral solicitou à Comissão que explicasse o conteúdo das suas dúvidas quanto aos direitos de propriedade reivindicados pelas demandantes e a estas últimas que se pronunciassem a esse respeito. Os peritos apresentados pelas demandantes expuseram, assim, uma série de argumentos jurídicos e técnicos para fundamentar a existência de direitos de autor do grupo Systran quer sobre um programa reescrito quer sobre as versões desse programa informático que utilizam o código‑fonte daquele (parecer de P. Sirinelli, professor na universidade Panthéon‑Sorbonne Paris‑I, sobre a protecção, pelos direitos de autor, de um programa informático reescrito, a seguir «segundo parecer Sirinelli»; nota técnica de H. Bitan sobre o carácter novo e distinto, nos planos da escrita, da composição e da estrutura, do programa informático Systran Unix face ao programa informático EC‑Systran Mainframe, a seguir «segunda nota técnica Bitan»). Em especial, dela resulta que a versão Systran Unix não é uma simples transposição da versão Systran Mainframe, como a Comissão tenta alegar, mas sim a reescrita em linguagem C de todos os programas inicialmente escritos em assembler, e que essas versões são profundamente diferentes. Tão‑pouco é contestado que a versão Systran Unix veio substituir a versão Systran Mainframe, que com o tempo se tornou obsoleta.
74 Não obstante um pedido expresso do Tribunal Geral nesse sentido, a Comissão não logrou apresentar provas técnicas susceptíveis de pôr em causa a existência de direitos de autor do grupo Systran sobre a versão Systran Unix do programa informático Systran ou sobre os elementos informáticos que compõem o programa ou constituem a fonte operacional deste, nomeadamente no que respeita às partes relativas ao núcleo de base e aos programas linguísticos do programa informático, uma vez que as demandantes não contestam os direitos da Comissão de propriedade dos dicionários constituídos pelos seus serviços para levar em conta a especificidade da linguagem utilizada por essa instituição.
75 Em terceiro lugar, à medida que o processo contencioso se desenrolava, a Comissão foi levada a conceder que o grupo Systran efectivamente dispunha de direitos de propriedade nesse contexto. Assim, a Comissão reconheceu, na fase da tréplica, que não contestava que a Systran era titular de direitos sobre o programa Systran comercializado por esta última, ao mesmo tempo que referia que era provável que o grupo Systran tivesse utilizado os desenvolvimentos efectuados pela Comissão no âmbito das versões EC‑Systran Mainframe e EC‑Systran Unix para os integrar na versão Systran Unix. Mais precisamente, a Comissão observou, na audiência, que efectivamente não contestava que a Systran era titular de direitos sobre esses programas informáticos, quer a versão Mainframe quer, evidentemente, a versão Unix, ao mesmo tempo que, não obstante, emitiu uma pequena reserva quanto aos elementos que teriam sido ilicitamente integrados na versão inicial do Systran Unix, na sequência dos contratos celebrados com ela.
76 Porém, como o Tribunal Geral referiu no âmbito da segunda série de questões e novamente na audiência, verifica‑se que a versão Systran Unix antecede em vários anos a versão EC‑Systran Unix. Por isso, é pouco provável que o grupo Systran possa ter integrado, na versão Systran Unix que desenvolveu e comercializa, os desenvolvimentos efectuados subsequentemente, no âmbito da versão EC‑Systran Unix, para responder às necessidades próprias da Comissão no plano linguístico ou terminológico. A Comissão não logrou confirmar a afirmação que fez a esse propósito.
77 Do mesmo modo, nenhum elemento material permite corroborar o argumento da Comissão de que é provável que elementos da versão EC‑Systran Mainframe, desenvolvida a partir da versão Systran Mainframe das demandantes, tenham sido integrados ilicitamente na versão inicial da Systran Unix. Este argumento é aliás contraditado, no que respeita ao código‑fonte do programa informático, sobretudo no tocante ao núcleo e aos programas linguísticos que lhe estão associados, pelas explicações do especialista técnico da demandante de que um programa escrito em assembler difere significativamente de um programa escrito em linguagem C (v. segunda nota técnica Bitan, nomeadamente o exemplo do tratamento em assembler e em linguagem C da cadeia de caracteres «Hello world!»). Esta explicação técnica não é posta em causa pela Comissão.
78 No que respeita à protecção invocada a título de saber‑fazer, as demandantes alegam que se define, geralmente, saber‑fazer como «um conjunto de informações técnicas que são secretas, substanciais e identificadas por qualquer forma adequada». Neste aspecto, as demandantes consideram que a divulgação dessas informações, pela Comissão, a um terceiro constitui um comportamento ilícito susceptível de desencadear a responsabilidade extracontratual da Comunidade, em aplicação do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE.
79 Para fundamentar este argumento, as demandantes referem, com razão, o acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Dezembro de 1985, Adams/Comissão (145/83, Recueil, p. 3539, n.° 34), que reconheceu que o dever de confidencialidade que o artigo 287.° CE impõe à Comissão e ao seu pessoal constitui um princípio geral de direito. O princípio geral de que as empresas têm direito à protecção dos seus segredos comerciais, de que o artigo 287.° CE constitui a expressão, foi ainda reafirmado no acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 1994, SEP/Comissão (C‑36/92 P, Colect., p. I‑1911, n.° 36). O artigo 41.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em 7 de Dezembro de 2000 em Nice (JO C 364, p. 1), alude igualmente à necessidade de a administração respeitar os «legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial».
80 Os segredos comerciais incluem as informações técnicas relativas ao saber‑fazer, em relação às quais não apenas a divulgação ao público mas também a simples transmissão a um sujeito jurídico diferente daquele que forneceu a informação podem gravemente lesar os interesses deste último (v., nesse sentido, acórdão do Tribunal Geral de 18 de Setembro de 1996, Postbank/Comissão, T‑353/94, Colect., p. II‑921, n.° 87). Para que as informações técnicas entrem, pela sua natureza, no âmbito de aplicação do artigo 287.° CE, é necessário, antes de mais, que só sejam conhecidas de um número restrito de pessoas. Em seguida, deve tratar‑se de informações cuja divulgação possa causar um prejuízo sério à pessoa que as forneceu ou a terceiros. Por último, é necessário que os interesses que possam ser lesados pela divulgação da informação sejam objectivamente dignos de protecção (acórdãos do Tribunal Geral de 30 de Maio de 2006, Bank Austria Creditanstalt/Comissão, T‑198/03, Colect., p. II‑1429, n.° 71, e de 12 de Outubro de 2007, Pergan Hilfsstoffe für industrielle Prozesse/Comissão, T‑474/04, Colect., p. II‑4225, n.° 65).
81 No caso vertente, há pois que considerar que uma informação técnica, que está abrangida pelo segredo comercial de uma empresa e que foi transmitida à Comissão para fins precisos, não pode ser divulgada a um terceiro sem autorização da empresa em causa.
82 Conclui‑se que as demandantes invocam, de forma bastante para fundamentar a competência conferida ao Tribunal Geral pelo artigo 235.° CE, a violação pela Comissão de obrigações de origem extracontratual relativas aos direitos de autor e ao saber‑fazer que incidem sobre a versão Systran Unix do programa informático Systran.
83 A Comissão não logrou pôr em causa esta conclusão e há que apreciar a segunda parte da sua argumentação, de que dispõe de uma autorização de natureza contratual que lhe permite praticar os actos que lhe são imputados no presente processo.
Exame dos elementos invocados pela Comissão para fundamentar a existência de uma autorização contratual de divulgar a um terceiro informações susceptíveis de serem protegidas a título do direito de autor e do saber‑fazer
84 No presente processo, os comportamentos ilícitos e danosos exercidos pela Comissão consistem, nomeadamente, na alegada divulgação a um terceiro, a sociedade Gosselies, sem o acordo das demandantes, de informações susceptíveis de serem protegidas a título dos direitos de autor e do saber‑fazer do grupo Systran.
85 Nenhum elemento dos autos prova que a Comissão foi contratualmente autorizada a transmitir à sociedade Gosselies as informações e o saber‑fazer atinentes à versão Systran Unix.
86 Em primeiro lugar, nenhum contrato assinado entre as partes trata expressamente da questão da eventual atribuição de determinados trabalhos relativos à versão EC‑Systran Unix a um terceiro. Quando a Systran contactou a Comissão para abordar essa questão, a Comissão limitou‑se, na verdade, a negar os direitos da Systran sobre a versão Systran Unix do programa informático Systran e a considerar que o grupo Systran não se podia opor aos trabalhos confiados à sociedade Gosselies (v. n.os 31 a 37, supra).
87 Em segundo lugar, em resposta a uma questão do Tribunal Geral sobre esse assunto, a Comissão invoca três disposições contratuais para sustentar que podia recorrer à sociedade Gosselies para fazer evoluir a versão EC‑Systran Unix do programa informático Systran sem que o grupo Systran a isso se pudesse opor invocando os direitos de autor e o saber‑fazer relativos à versão Systran Unix desse programa (v. n.° 53, supra).
88 Em primeiro lugar, a Comissão invoca o artigo 4.°, sob a epígrafe «Direitos de utilização», do protocolo de acordo de cooperação técnica, celebrado em 18 de Janeiro de 1985 pela Comissão com a sociedade Gachot, antes de esta sociedade incorporar o grupo WTC e passar a denominar‑se Systran, que enuncia, nomeadamente, que o «sistema Systran, programas e dicionários continuam a ser propriedade da Comissão».
89 Não se pode deixar de observar que esta disposição não é susceptível de servir de fundamento à natureza contratual do presente litígio. Em primeiro lugar, a referida disposição não é oponível às demandantes, cujos direitos de propriedade sobre o programa informático Systran, designadamente sobre a versão Systran Mainframe, não assentam no protocolo assinado em 18 de Janeiro de 1985 pela Comissão com a sociedade Gachot (v. n.° 10, supra). Com efeito, os direitos de propriedade do grupo Systran sobre o programa informático Systran e a sua versão Systran Mainframe constituíram‑se com a aquisição do grupo WTC pela sociedade Gachot numa data posterior (v. n.° 11, supra, e os documentos constantes dos anexos 5 a 7 da réplica). Em seguida, embora ninguém conteste que, em 18 de Janeiro de 1985, a sociedade Gachot não dispunha de absolutamente nenhum direito de propriedade sobre o sistema Systran, nem por isso é possível deduzir da referida disposição que a Comissão pode, a partir dessa data e devido a esse protocolo, reivindicar a plena e total propriedade do sistema Systran e dos seus programas informáticos, incluindo o seu núcleo de base e os seus códigos‑fonte. Semelhante conclusão lesa os direitos de propriedade que o grupo WTC então tinha sobre o sistema Systran, nomeadamente sobre a versão Systran Mainframe, direitos esses que não são contestados pela Comissão (v. n.° 3, supra), e que serão subsequentemente cedidos à sociedade Gachot, que passará a denominar‑se Systran. Por último, importa salientar, em todo o caso, que o presente processo não tem por objecto os direitos que o grupo Systran tem sobre a versão Systran Mainframe, que se tornou obsoleta, mas sim os direitos que o grupo Systran tem sobre a versão Systran Unix, que sucedeu a essa versão e que foi escrita numa linguagem diferente para funcionar num novo ambiente informático.
90 Em segundo lugar, a Comissão invoca o n.° 6 da exposição preliminar do contrato de colaboração assinado entre a Comissão e o grupo Systran (ou seja, na época, a sociedade WTC, a sociedade Latsec, a sociedade Systran Institut e a sociedade Gachot), que indica que «[o]s aperfeiçoamentos e os desenvolvimentos do sistema Systran efectuados pela Comissão e pelos seus contratantes [mencionados no parágrafo 3], especialmente os dicionários, são propriedade exclusiva da Comissão». Esta disposição deve pois ser lida em relação com o n.° 4 da referida exposição preliminar, nos termos do qual:
«A manutenção e desenvolvimento ulterior dos sistemas foram assegurados por outra série de contratos entre a Comissão e sociedades prestadoras de serviços. Estes contratos visam as necessidades e as finalidades específicas da Comissão.»
91 Estas disposições tão‑pouco permitem demonstrar a natureza contratual do presente litígio. Com efeito, por força desses dois parágrafos do preâmbulo, os aperfeiçoamentos e os desenvolvimentos do sistema Systran efectuados pela Comissão e pelos seus contratantes externos antes da assinatura do contrato de colaboração em 4 de Agosto de 1987, nomeadamente no que respeita aos dicionários, são propriedade exclusiva da Comissão. Esta propriedade exclusiva não é contestada pelas recorrentes, cujos articulados não invocam o direito de propriedade dos dicionários, dos aperfeiçoamentos e dos desenvolvimentos especificamente efectuados pela Comissão para responder às suas necessidades terminológicas. Os direitos invocados pelas demandantes assentam, por seu lado, no sistema de base, a saber, no essencial do núcleo e das rotinas linguísticas, de que o grupo Systran é autor e para os quais dispõe de saber‑fazer.
92 Por outro lado, outros parágrafos do mesmo preâmbulo permitem esclarecer a relação entre a Comissão e as sociedades do grupo Systran e apreciar os direitos susceptíveis de serem reivindicados por esse grupo sobre o sistema Systran, num momento em que ainda existiam apenas versões compatíveis com o sistema Mainframe. Assim, nos termos do preâmbulo:
«1. O sistema Systran, concebido pela sociedade WTC, é um sistema de tradução automática, que compreende um programa informático de base, programas informáticos linguísticos e periféricos, e diferentes dicionários bilingues.
2. Em 22 de Setembro de 1975, a Comissão celebrou com a sociedade WTC um contrato sobre a utilização do sistema Systran pela Comissão e o desenvolvimento inicial desse sistema pela WTC.
A Comissão e a sociedade WTC celebraram ulteriormente outros contratos que visavam, por um lado, o aperfeiçoamento do sistema existente e, por outro, o desenvolvimento de sistemas para [novos pares] de línguas.
Estes contratos, celebrados entre 1976 e 1985, tinham por objecto o desenvolvimento e o aperfeiçoamento dos programas informáticos de tradução e dos dicionários de base para as línguas em causa.
[…]
5. As partes verificam, pois, que a Comissão dispõe de uma licença de utilização do sistema de base e dos aperfeiçoamentos […] efectuados pela WTC, limitada à utilização no território das Comunidades Europeias, nos sectores especificados no [n.°] 4, supra.
[…]
7. As partes consideram que o seu interesse e os dos utilizadores do Systran é que esse sistema seja permanentemente aperfeiçoado. Decidiram celebrar o presente contrato de colaboração para unir os seus esforços e continuar, assim, o aperfeiçoamento.
Neste espírito, as partes reconhecem, reciprocamente, o direito de utilização do sistema Systran, susceptível de evoluir mediante a elaboração de aperfeiçoamentos que serão realizados graças à utilização do sistema tanto no sector privado como no sector público.»
93 Resulta destas disposições, que visam a relação contratual existente nessa época entre a Comissão e o grupo Systran, por um lado, que o papel do grupo Systran na criação do sistema Systran e no seu desenvolvimento inicial e ulterior pela Comissão é expressamente reconhecido e, por outro, que só são evocados direitos de utilização conferidos pelo grupo Systran à Comissão, e não direitos de propriedade, a fortiori exclusivos, sobre a totalidade desse sistema. Em todo o caso, não é feita nenhuma referência nessas disposições à intervenção de um terceiro para proceder a alterações nesse sistema sem que estas sejam previamente autorizadas pelo grupo Systran.
94 Por último, como sucedeu com o artigo 4.° do protocolo de acordo de cooperação técnica, importa salientar que o presente processo não tem por objecto os direitos que o grupo Systran tem sobre a versão Systran Mainframe, que se tornou obsoleta, mas sim os direitos que esse grupo tem sobre a versão Systran Unix, que lhe sucedeu e que foi escrita numa linguagem diferente para funcionar num novo ambiente informático.
95 Em terceiro lugar, a Comissão invoca os n.os 1 e 2 do artigo 13.° dos contratos de migração, sob a epígrafe «Patentes, certificados de utilidade (modelos de utilidade), marcas, desenhos e modelos industriais, direitos de propriedade industrial e intelectual», nos termos dos quais o sistema de tradução automática da Comissão continuava ser sua propriedade. No caso vertente, importa salientar que esses dois números têm a seguinte redacção, no primeiro contrato de migração:
«1. A Comissão será imediatamente informada de qualquer resultado ou patente obtidos pelo Contratante [designadamente, a Systran Luxembourg] em execução do presente contrato; esse resultado ou patente pertencem às Comunidades Europeias, que deles podem dispor livremente, excepto nos casos em que já existem direitos de propriedade industrial ou intelectual.
2. O sistema de tradução automática da Comissão, incluindo os seus componentes, mesmo alterados durante a execução do presente contrato, continua a ser propriedade da Comissão, excepto nos casos em que já existem direitos de propriedade industrial ou intelectual.»
96 O artigo 13.°, n.os 1 e 2, do primeiro contrato de migração reserva, assim, expressamente a questão dos direitos de propriedade intelectual ou industrial anteriormente existentes. A Comissão não pode, pois, invocar essa disposição para alegar que é manifesto que as demandantes renunciaram à reivindicação dos seus direitos de autor e do seu saber‑fazer sobre o sistema Systran. Estes direitos, mais especialmente os que dizem respeito à versão Systran Unix do programa informático Unix, já existiam antes da data da assinatura dos contratos de migração, os quais tiveram lugar num momento em que a versão EC‑Systran Mainframe utilizada pela Comissão se tornava obsoleta.
97 Ademais, resulta claramente do artigo 13.° do primeiro contrato de migração – como as demandantes referiram na audiência – que o n.° 1 apenas visa a parte dita «EC» da elaboração da versão EC‑Systran Unix do programa informático Systran, a saber, todos os resultados e patentes susceptíveis de serem obtidos pela Systran Luxembourg, o contratante em causa, no âmbito da execução dos contratos de migração. A propriedade de tudo o que existe anteriormente a esses eventuais resultados e patentes, a saber, a versão Systran‑Unix, de que a versão EC‑Systran Unix derivou, é afastada do âmbito do contrato. Quanto ao n.° 2 dessa disposição, o mesmo refere expressamente o «sistema de tradução automática da Comissão», a saber, a versão EC‑System Mainframe do programa informático Systran (ver a definição dada no artigo 2.° do primeiro contrato de migração, reproduzido no n.° 27, supra), reservando pois a questão dos direitos detidos sobre a versão Systran Mainframe, tendo‑se uma e outra dessas versões tornado obsoletas devido à versão Systran Unix.
98 Por outro lado, verifica‑se que a Systran não é signatária dos contratos de migração e que esta não podia, pois, ter concedido o quer que fosse à Comissão no tocante aos direitos relativos à versão Systran Unix do programa Systran, que desenvolveu e comercializa. Por aplicação do princípio do efeito relativo dos contratos, que é um princípio geral comum aos direitos dos Estados‑Membros em matéria de contratos, os contratos de migração não são pois oponíveis, enquanto tais, à Systran. A este respeito, mesmo que se admita que a Systran Luxembourg não transmitiu à Comissão, em 15 de Março de 2002, a «prova actualizada de todos os direitos [...] reivindicados pelo grupo Systran e conexos com o sistema de tradução automática Systran» (v. n.° 30, supra), isso não pode ter a consequência de privar a Systran da possibilidade de invocar, contra a Comissão, os direitos que tem devido à aquisição das sociedades do grupo WTC ou, sobretudo, à criação e comercialização da versão Systran Unix, conhecidas da Comissão. Importa igualmente salientar que, como as demandantes puderam alegar na audiência sem serem contraditadas nesse ponto pela Comissão, a Systran Luxembourg não era, à data da assinatura dos contratos de migração, uma sociedade plenamente integrada no grupo Systran, mas sim uma empresa comum que reunia, simultaneamente, os interesses das empresas que trabalhavam anteriormente com a Comissão para assegurar a manutenção da versão EC‑Systran Mainframe e os interesses do grupo Systran no Luxemburgo.
99 Em último lugar e, em todo o caso, é um princípio em matéria de direito da propriedade intelectual que uma cláusula de cessão de direitos de propriedade não pode ser presumida. Por princípio, semelhante cláusula não pode ser implícita, mas antes deve ser expressa. No caso vertente, nenhuma disposição contratual relativa a uma cessão dos direitos de propriedade intelectual da Systran, ou mesmo de uma empresa do grupo Systran, susceptíveis de serem invocados quanto à versão Systran Unix do programa informático Systran resulta dos documentos apresentados pelas partes ao Tribunal Geral.
100 Resulta do exposto que nenhuma das disposições contratuais citada pela Comissão é susceptível de corroborar a tese de que o presente litígio é necessariamente de natureza contratual. Essas disposições contratuais, que se reportam a um período passado, senão mesmo ultrapassado, no tocante aos contratos relativos à versão Systran Mainframe, que se tornou obsoleta nos anos de 1990 devido à evolução do ambiente informático, não permitem provar que a Comissão foi ou está autorizada, pelo grupo Systran, a divulgar a terceiros informações susceptíveis de serem protegidas a título dos direitos de autor e do saber‑fazer invocados no tocante à versão Systran Unix do programa informático Systran, desenvolvido e comercializado por esse grupo.
101 Face a todo o exposto, conclui‑se que resulta do conteúdo do pedido de indemnização das demandantes e dos princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros invocados para provar os direitos daquelas sobre a versão Systran Unix do programa informático Systran Unix e a necessidade da obtenção da autorização prévia do autor dessa versão antes de divulgar a terceiros o seu conteúdo, que veio a ser reproduzido na versão derivada EC‑Systran Unix, que as demandantes fizeram prova bastante dos elementos de direito e de facto necessários para permitir ao Tribunal Geral exercer a competência extracontratual que lhe é conferida pelo Tratado.
102 Além disso, o exame das várias disposições contratuais invocadas pela Comissão para provar o fundamento contratual do pedido de indemnização permite constatar a inexistência de uma cessão de direitos de autor ou de divulgação a terceiros de informações relativas à versão Systran Unix pelo grupo Systran.
103 Desta apreciação de conjunto resulta que o litígio em causa é de natureza extracontratual. Com efeito, está em causa a apreciação da natureza alegadamente ilícita e danosa da divulgação, pela Comissão, a terceiros, de informações protegidas por um direito de propriedade ou por saber‑fazer, sem autorização expressa dos respectivos titulares, à luz dos princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros aplicáveis na matéria e não à luz de disposições contratuais previstas em contratos celebrados no passado sobre questões que não diziam respeito aos direitos de autor e ao saber‑fazer que a Systran tem sobre a versão Systran Unix.
104 Por conseguinte, há que julgar improcedentes as alegações da Comissão quanto à inadmissibilidade da acção devido ao seu fundamento alegadamente contratual.
2. Quanto à falta de clareza da petição
a) Argumentos das partes
105 A Comissão sustenta que a acção é inadmissível, na medida em que não cumpre a condição estabelecida no artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, nos termos do qual a petição deve conter «o objecto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos do pedido». A petição não esclarece quais as disposições legais violadas pela Comissão e dá poucos esclarecimentos quanto aos factos de contrafacção e divulgação de saber-fazer invocados pelas demandantes.
106 As demandantes observam, no essencial, que a petição é suficientemente precisa para permitir à Comissão preparar a sua defesa e ao Tribunal Geral julgar a causa.
b) Apreciação do Tribunal Geral
107 Por força do disposto no artigo 21.°, primeiro parágrafo, n.° 1, do Estatuto do Tribunal de Justiça, aplicável ao processo no Tribunal Geral por força do artigo 53.°, primeiro parágrafo, do mesmo Estatuto, e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a petição deve indicar o objecto do litígio e uma exposição sumária dos fundamentos invocados. Essa indicação deve ser suficientemente clara e precisa para que o demandado possa preparar a sua defesa e o Tribunal Geral exercer a sua fiscalização jurisdicional. A fim de garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é necessário, para que a acção seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que assenta resultem, pelo menos sumariamente, mas de maneira coerente e compreensível, do texto da própria petição (despachos do Tribunal Geral de 28 de Abril de 1993, De Hoe/Comissão, T‑85/92, Colect., p. II‑523, n.° 20, e de 11 de Julho de 2005, Internationaler Hilfsfonds/Comissão, T‑294/04, Colect., p. II‑2719, n.° 23).
108 Para preencher estes requisitos, uma petição que tem por objecto a reparação de danos causados por uma instituição deve conter, nomeadamente, os elementos que permitem identificar o comportamento que o demandante imputa àquela (despacho Internationaler Hilfsfonds/Comissão, referido no n.° 107, supra, n.° 24).
109 No caso vertente, as demandantes indicam, na sua petição, que a Comissão divulgou ilicitamente o saber‑fazer da Systran a um terceiro, na sequência da adjudicação de um contrato por concurso público, e que, nessa ocasião, aquela praticou um acto de contrafacção, em violação dos seus direitos de autor. Trata‑se dos dois comportamentos ilícitos e danosos que foram exercidos pela Comissão (v. n.° 66, supra). Face a estas indicações, a Comissão estava em condições de preparar a sua defesa.
110 Por conseguinte, há que julgar improcedentes as alegações da Comissão quanto à inadmissibilidade da acção devido à falta de clareza da petição.
3. Quanto à incompetência do Tribunal Geral para declarar a existência de uma infracção no âmbito de uma acção por responsabilidade civil extracontratual
a) Argumentos das partes
111 A Comissão sustenta que a acção é inadmissível, porquanto o Tribunal Geral é incompetente para julgar uma contrafacção no âmbito de uma acção fundada em responsabilidade civil extracontratual, como foi reconhecido no despacho Document Security Systems, referido no n.° 52, supra. A este respeito, a Comissão observa que, diversamente da harmonização global verificada em matéria de direito das marcas, o direito de autor apenas foi objecto de harmonização parcial, a qual, no entanto, diz respeito à protecção dos programas informáticos (Directiva 91/250). Não é menos verdade que, para o direito de autor, tal como para o direito das patentes, a acção por contrafacção não se inclui entre as vias de recurso para as quais é atribuída competência aos tribunais comunitários. O mesmo se verifica relativamente ao saber‑fazer, que não é objecto da menor harmonização comunitária. Aqui, a Comissão rejeita toda e qualquer analogia com a solução desenvolvida no acórdão Adams/Comissão, referido no n.° 79, supra, com o fundamento de que as demandantes não invocam a violação do artigo 287.° CE, limitando‑se a invocar a divulgação ilícita de saber‑fazer, sem outro esclarecimento ou prova. Ademais, diversamente do que sucedeu no processo que deu origem ao acórdão Adams/Comissão, já referido, as informações recolhidas no presente processo foram‑no no âmbito de relações contratuais e não no âmbito da transmissão de documentos entregues sob sigilo.
112 As demandantes alegam que, atendendo à harmonização comunitária existente quanto à protecção de um programa informático em sede de direito de autor (Directiva 91/250), o Tribunal Geral é competente para apreciar a violação, pela Comissão, do direito de autor sobre um programa informático. A presente acção não está pois subordinada ao recurso a uma via processual nacional que, ao contrário do que sucedeu no processo que deu origem ao despacho Document Security Systems, referido no n.° 52, supra, relativo à protecção de patentes, não permitiria obter a reparação do dano. Trata‑se de garantir a tutela jurisdicional efectiva das demandantes. Quanto à divulgação ilícita de saber‑fazer, as demandantes sublinham o interesse do acórdão Adams/Comissão, referido no n.° 79, supra, que faz do dever de confidencialidade, que o artigo 287.° CE impõe à Comissão e ao seu pessoal, um princípio geral de direito.
b) Apreciação do Tribunal Geral
113 A Comissão invoca o despacho Document Security Systems, referido no n.° 52, supra, para sustentar que o Tribunal Geral é incompetente para julgar uma contrafacção no âmbito de uma acção de indemnização.
114 Contudo, importa notar que, no processo que deu origem a esse despacho, o Tribunal Geral distinguiu a acção por contrafacção de patentes proposta pela demandante da acção de indemnização propriamente dita. Na sua petição, a demandante concluía pedindo ao Tribunal Geral que se dignasse declarar que o Banco Central Europeu (BCE) tinha violado os direitos conferidos pela patente controvertida e condenar o BCE no ressarcimento dos danos sofridos pela violação dos direitos conferidos pela patente controvertida (despacho Document Security Systems, referido no n.° 52, supra, n.° 25). Em resposta, o Tribunal Geral observou, em primeiro lugar, que não tinha competência para conhecer de uma acção por contrafacção de patentes (despacho Document Security Systems, referido no n.° 52, supra, n.os 50 a 75). Quanto à acção de indemnização propriamente dita, o Tribunal Geral referiu expressamente que se considerava competente para decidir da mesma, por força das disposições conjugadas do artigo 235.° CE e do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE (despacho Document Security Systems, referido no n.° 52, supra, n.° 76). Essa acção de indemnização foi, contudo, julgada manifestamente desprovida de qualquer fundamento jurídico, na medida em que a demandante não tinha apresentado, nesse processo, qualquer elemento susceptível de provar a ilegalidade do comportamento imputado ao demandado (despacho Document Security Systems, referido no n.° 52, supra, n.os 80 a 82).
115 No caso vertente, há que observar que o conceito de contrafacção do direito de autor é invocado conjuntamente com o de protecção da confidencialidade do saber‑fazer, com a exclusiva finalidade de qualificar o comportamento da Comissão de ilegal no âmbito de uma acção de responsabilidade civil extracontratual. Esta apreciação do carácter ilegal do comportamento em causa é efectuada à luz dos princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros e não carece de uma decisão prévia de uma autoridade nacional competente, como sucedeu com as várias patentes controvertidas no processo que deu origem ao despacho Document Security Systems, referido no n.° 52, supra. Assim, o BCE tinha proposto acções de declaração da nulidade em vários Estados‑Membros e, aliás, alguns dos tribunais em que as acções foram propostas tinham decidido as acções em primeira instância e essas decisões – contraditórias de um tribunal para outro – tinham sido objecto de recurso (despacho Document Security Systems, referido no n.° 52, supra, n.os 21 a 24), o que não é de modo algum o que sucede no presente processo.
116 Consequentemente, atendendo à competência atribuída ao Tribunal Geral pelos artigos 235.° CE e 288.°, segundo parágrafo, CE, em matéria de responsabilidade extracontratual e na falta de uma via de recurso nacional que permita obter a reparação, pela Comissão, do prejuízo alegadamente sofrido pelas demandantes devido à alegada contrafacção, nada obsta a que o conceito de contrafacção utilizado pelas demandantes possa ser tido em consideração para qualificar o comportamento da Comissão de ilegal no âmbito de um pedido de indemnização.
117 O conceito de contrafacção utilizado pelas demandantes no âmbito da presente acção de indemnização é interpretado unicamente à luz dos princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros, que são, no tocante aos programas de computador, retomados ou expressos em várias directivas de harmonização. Há, pois, que rejeitar as alegações da Comissão quanto à inadmissibilidade da acção devido à incompetência do Tribunal Geral para declarar a existência de contrafacção, na acepção que poderia ser dada a esse termo por uma autoridade nacional competente de um Estado‑Membro em aplicação do direito desse Estado.
B – Quanto aos outros pedidos
118 A Comissão alega que vários dos pedidos formulados pelas demandantes são inadmissíveis. Trata‑se dos pedidos de que o Tribunal Geral ordene a cessação imediata, pela Comissão, dos actos de contrafacção e de divulgação, exigindo a apreensão à Comissão ou à sociedade Gosselies de determinados dados informáticos e sua destruição, e a publicação, a expensas da Comissão, da decisão do Tribunal Geral nos jornais revistas especializados e em sítios Internet especializados.
119 Sobre este aspecto, a Comissão refere a jurisprudência assente segundo a qual, mesmo no âmbito do contencioso em matéria de responsabilidade extracontratual, o juiz não pode, sem usurpar as prerrogativas da autoridade administrativa, dirigir injunções a uma instituição comunitária (v. acórdão do Tribunal Geral de 10 de Maio de 2006, Galileo International Technology e o./Comissão, T‑279/03, Colect., p. II‑1291, a seguir «acórdão Galileo», n.° 60 e jurisprudência referida).
120 A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, «[e]m matéria de responsabilidade extracontratual, a Comunidade deve indemnizar, de acordo com os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros, os danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das suas funções». Esta disposição refere‑se tanto aos requisitos da responsabilidade extracontratual como às formas e ao âmbito do direito à indemnização. Por outro lado, o artigo 235.° CE confere ao Tribunal de Justiça a competência para conhecer dos litígios relativos à reparação dos danos referidos no segundo parágrafo do artigo 288.°
121 Decorre destas duas disposições – as quais, contrariamente ao artigo 40.°, primeiro parágrafo, CA, que só previa uma reparação pecuniária, não excluem a concessão de uma reparação em espécie – que o Tribunal de Justiça tem competência para impor à Comunidade qualquer forma de reparação que seja conforme com os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros em matéria de responsabilidade extracontratual, incluindo, se for conforme com estes princípios, uma reparação em espécie, eventualmente sob a forma de injunção para agir ou não agir (acórdão Galileo, referido no n.° 119, supra, n.° 63).
122 Consequentemente, a Comunidade não se pode subtrair, em princípio, a uma medida processual correspondente por parte do Tribunal de Justiça, uma vez que este tem competência exclusiva para decidir sobre as acções de indemnização por danos imputáveis à Comunidade (v., a propósito de uma ordem judicial em matéria de marcas, acórdão Galileo, referido no n.° 119, supra, n.° 67).
123 A reparação total do prejuízo assim causado requer que o titular de um direito de autor veja o seu direito integralmente restabelecido, exigindo este restabelecimento, no mínimo, independentemente de uma eventual indemnização por perdas e danos, a cessação imediata da violação do seu direito. É precisamente pela injunção requerida no caso em apreço que as demandantes pretendem que seja ordenada a cessação da alegada violação dos seus direitos de autor pela Comissão (v., nesse sentido, acórdão Galileo, referido no n.° 119, supra, n.° 71). A integral reparação do prejuízo pode também tomar a forma de apreensão ou destruição do resultado da contrafacção, ou de publicação, a expensas da Comissão, da decisão do Tribunal Geral.
124 Consequentemente, há que rejeitar as alegações da Comissão relativas à inadmissibilidade dos pedidos que não têm por objecto a indemnização do prejuízo alegado.
125 Resulta do exposto que todas as excepções deduzidas na presente acção são improcedentes.
II – Quanto ao mérito
126 A responsabilidade extracontratual da Comunidade, na acepção do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, está sujeita ao preenchimento de uma série de requisitos, a saber, a ilegalidade do comportamento imputado às instituições comunitárias, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento da instituição e o prejuízo invocado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1982, Oleifici Mediterranei/CEE, 26/81, Recueil, p. 3057, n.° 16, e de 9 de Novembro de 2006, Agraz e o./Comissão, C‑243/05 P, Colect., p. I‑10833, n.° 26).
A – Quanto aos direitos invocados pelas demandantes e à ilegalidade do comportamento da Comissão
127 O comportamento ilegal imputado a uma instituição deve consistir numa violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tenha por objecto conferir direitos aos particulares (acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, Colect., p. I‑5291, n.° 42). Quando a instituição apenas dispõe de uma margem de apreciação consideravelmente reduzida, ou mesmo inexistente, a simples infracção ao direito comunitário pode bastar para provar a existência de uma violação suficientemente caracterizada (acórdão Bergaderm e Goupil/Comissão, já referido, p. I‑5291, n.° 44).
128 No essencial, as demandantes alegam que existe uma semelhança significativa entre a versão Systran Unix, desenvolvida pelo grupo Systran desde 1993, e a versão EC‑Systran Unix, desenvolvida pela Systran Luxembourg para satisfazer as necessidades da Comissão a partir de 22 de Dezembro de 1997. Esta grande semelhança permite às demandantes oporem‑se à divulgação a um terceiro, sem o acordo daquelas, do conteúdo da versão EC‑Systran Unix, devido aos direitos de autor e ao saber‑fazer relativos à versão Systran‑Unix. A abertura do concurso público acarreta, pois, uma violação dos direitos de autor e uma divulgação ilícita do saber‑fazer do grupo Systran susceptíveis de desencadear a responsabilidade extracontratual da Comunidade.
129 A Comissão contesta a existência dos direitos reivindicados pelo grupo Systran sobre o programa informático Systran e sustenta que é titular dos direitos de propriedade intelectual necessários para os actos que praticou e que lhe não pode ser imputada a prática de um acto de contrafacção ou de divulgação de saber‑fazer constitutivo de um ilícito, na acepção do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE.
1. Quanto à comparação das diferentes versões do programa informático Systran
a) Argumentos das partes
130 As demandantes distinguem três partes do programa informático Systran, que interagem umas com as outras, a saber, o núcleo, os programas linguísticos – também designados por «rotinas linguísticas» – e os dicionários. Neste contexto, as demandantes alegam que a versão Systran Unix é um trabalho primário e que a versão EC‑Systran Unix é um trabalho derivado desse trabalho primário. Com efeito, a comparação dessas duas versões permite verificar que são quase idênticas ou, pelo menos, significativamente semelhantes. De resto, não podia deixar de ser assim, uma vez que, para elaborar a versão EC‑Systran Unix, a partir de 22 de Dezembro de 1997, a Systran Luxembourg reproduziu a versão Systran Unix, desenvolvida pela Systran desde 1993, para nela integrar os dicionários da versão EC‑Systran Mainframe.
131 A Comissão reproduz a apresentação, pelas demandantes, da estrutura do programa informático Systran, acrescentando‑lhe os utilitários, que agrupam nomeadamente as interfaces e as ferramentas de gestão dos dicionários. Esclarece que o núcleo, os programas linguísticos e os dicionários têm um código‑fonte que deve ser compilado em linguagem máquina. Assim, após uma intervenção nos programas linguísticos, estes e o núcleo têm de ser recompilados, mas o núcleo não é alterado por esta operação. Segundo a Comissão, o enriquecimento dos programas linguísticos não carece de nenhuma alteração do núcleo, da estrutura dos dados ou do material de concepção preparatório; implica exclusivamente uma alteração da parte linguística do código‑fonte. Da mesma forma, a codificação dos dicionários não exige nenhuma alteração do núcleo ou da estrutura dos dados do sistema, pelo que o código‑fonte e o material de concepção preparatório não têm de ser alterados. Por outro lado, os utilitários são, em geral, scripts utilizáveis tal qual se encontram, sem alteração.
132 Em resposta ao argumento extraído da quase identidade entre as versões Systran Unix e EC‑Systran Unix, a Comissão alega que a versão EC‑Systran Unix não foi elaborada a partir da versão Systran Unix como as demandantes alegam, mas sim da versão anterior EC‑Systran Mainframe. O termo «migração» utilizado nos contratos de migração celebrados com a Systran Luxembourg significa, assim, que só o ambiente informático do programa muda, ao passo que as suas estruturas lógicas são conservadas. Assim, o grupo Systran não forneceu uma «versão completamente nova do sistema Systran para Unix». Neste contexto, a Comissão sublinha que continua a dispor dos direitos adquiridos por força dos contratos relativos ao EC‑Systran Mainframe.
133 A este respeito, a Comissão alega que as alterações à versão Systran Mainframe criada pela WTC, introduzidas na versão EC‑Systran Mainframe que utiliza, não dizem unicamente respeito aos dicionários, regularmente enriquecidos pelo pessoal da Comissão, mas também e sobretudo às rotinas linguísticas. Segundo a Comissão, as rotinas linguísticas da versão Systran Mainframe, elaborada pela WTC nos anos 70, eram embrionárias e a Comissão investiu muitas horas e quantias importantes para aperfeiçoar essas rotinas, de modo a corresponderem às suas exigências específicas na versão EC‑Systran Mainframe. A versão EC‑Systran Mainframe inclui também rotinas linguísticas desenvolvidas especificamente pela e para a Comissão [v. nota técnica de 16 de Janeiro de 2008 da Direcção‑Geral da Tradução da Comissão (a seguir «DGT»), relativa aos «[n]exos de filiação entre o EC‑Systran Unix e o EC‑Systran Mainframe», a seguir «primeira nota da DGT»].
134 A Comissão observa também que, se a migração tivesse sido efectuada mediante a utilização dos programas linguísticos da versão Unix na versão EC‑Systran Unix, não poderia ter sido obtido nenhum resultado para os pares de línguas grego‑francês, inglês‑grego, espanhol‑francês, francês‑alemão, espanhol‑italiano‑neerlandês, pois estes pares de línguas não existiam na versão Systran Unix (v. relatório Atos de 4 de Maio de 1998, «Viabilidade da migração do EC‑Systran e da fusão do EC‑Systran com o sistema da Systran», a seguir «relatório de 4 de Maio de 1998», p. 32). Por outro lado, como os códigos dos dicionários da versão EC‑Systran Mainframe eram largamente incompatíveis com os programas linguísticos da versão Systran Unix, os programas linguísticos dos outros pares de línguas também tinham de ser objecto de uma migração para responderem às especificações da Comissão. Consequentemente, todos os programas linguísticos da versão EC‑Systran Mainframe foram convertidos pela Systran Luxembourg por meio do programa de conversão Eurot, e não substituídos por elementos correspondentes da versão Systran Unix. Em todos os casos, os dicionários utilizados pela Comissão careciam dos programas linguísticos associados, pelo que não podiam ser reutilizados mediante a simples integração na versão Systran Unix.
135 Neste contexto, a Comissão sustenta que a versão EC‑Systran Unix foi desenvolvida pela Systran Luxembourg com base na migração do sistema EC‑Systran Mainframe, cujo núcleo foi criado pela WTC, e do qual muitos elementos foram todavia alterados a pedido da Comissão no âmbito de diferentes contratos que especificavam que os desenvolvimentos efectuados eram propriedade sua. A migração da versão EC‑Systran Mainframe para a versão EC‑Systran Unix implica que esta última versão mais não é do que uma simples versão do programa informático Systran Unix.
136 Por outro lado, no tocante às várias semelhanças entre as versões Systran Unix e EC‑Systran Unix resultantes da comparação efectuada no relatório do perito em informática das demandantes, H. Bitan (a seguir «relatório Bitan»), a Comissão alega que estas não provam a existência de um ilícito ou de uma contrafacção por sua parte. No entender da Comissão, esta quase identidade entre as duas versões em causa do programa informático Systran permite apenas deduzir, por um lado, que o grupo Systran utilizou elementos do seu sistema pré‑existente e que então há que perguntar por que motivo foram necessários quatro anos de trabalho e várias centenas de milhares de euros para chegar a tal semelhança, e, por outro, que é provável que o grupo Systran tenha utilizado os desenvolvimentos efectuados por conta da Comissão, integrando‑os no seu próprio sistema comercializado, quando, segundo os vários contratos de migração celebrados, não dispunha de direitos sobre esses elementos. Por isso, a comparação efectuada está viciada desde o início, uma vez que as versões a comparar não são as que o grupo Systran possuía, mas sim as que a Systran desenvolveu por conta da Comissão no âmbito dos contratos de migração. A Comissão reserva‑se a possibilidade de defender os seus direitos quanto a este aspecto.
b) Apreciação do Tribunal Geral
137 Para provar a ilegalidade do comportamento da Comissão, as demandantes alegam que a versão Systran Unix é um trabalho primário e que a versão EC‑Systran Unix, relativamente à qual se verificaram os actos de contrafacção do direito de autor e de divulgação de saber‑fazer, é um trabalho derivado dessa versão do programa Systran. Essa demonstração assenta principalmente na comparação do conteúdo das versões Systran Unix e EC‑Systran Unix efectuada por H. Bitan, que é doutor em Direito, engenheiro de telecomunicações e de informática, perito em informática acreditado na Cour de cassation (França), perito no tribunal administratif e na Cour d’appel de Paris (França) e docente na universidade Panthéon‑Assas Paris‑II.
138 O exame dos dados apresentados pelas demandantes quanto a esta questão, sobre os quais foi dada à Comissão oportunidade de se pronunciar, permite proceder a três séries de conclusões quanto à matéria de facto.
139 Em primeiro lugar, importa salientar que as partes estão de acordo em que a estrutura do programa informático Systran, quer se trate da versão Systran Unix ou da versão EC‑Systran Unix, pode ser decomposta em várias partes (v. relatório Bitan, nota técnica preparada por H. Bitan, a seguir «primeira nota técnica Bitan», e segunda nota técnica Bitan):
– O núcleo, parte principal do programa informático, que pilota todo o processo de tradução, com o auxílio dos outros componentes do programa informático, cuja acção controla; o núcleo compreende o mecanismo de gestão do processo de tradução, das estruturas de dados compatíveis com as rotinas linguísticas e os dicionários, assim como dos módulos executados durante o processo de tradução; integra os algoritmos de gestão dos dicionários, os algoritmos de interpretação das «macros» utilizadas nos dicionários, os filtros para os vários formatos dos documentos e a segmentação em períodos;
– Os programas linguísticos (igualmente designados «rotinas linguísticas»), que consistem numa análise, em várias fases sucessivas, das rotinas homográficas e lexicais, numa transferência da língua de partida para a língua de chegada e numa síntese; essas rotinas são constituídas por um conjunto de regras linguísticas utilizadas numa ordem pré‑definida durante o processo de tradução; o papel delas é alterar as informações contidas na zona de análise criada pelo núcleo durante o processo de tradução;
– Os dicionários, que são bases de dados utilizadas pelo núcleo e pelos programas linguísticos, e os utilitários, que agrupam nomeadamente as interfaces e as ferramentas de gestão dos dicionários; as estruturas dos dados utilizados nos dicionários foram definidas nas regras de tradução e nos manuais de codificação.
140 Importa igualmente salientar que o processo de tradução pilotado pelo núcleo se desenrola em três grandes fases, a saber, o pré‑tratamento, que inclui a filtragem do documento de partida a traduzir, a segmentação em períodos, as consultas dos dicionários, os vários pré‑tratamentos linguísticos e a construção da «zona de análise inicial»; a aplicação das rotinas linguísticas à zona de análise organizada em fases (análise, transferência e síntese), e o pós‑tratamento que permite a reconstrução dos períodos e a restituição do documento traduzido respeitando o seu formato de origem.
141 Estas explicações relativas à arquitectura e ao funcionamento do programa informático Systran dizem respeito tanto à versão Systran Unix como à versão EC‑Systran Unix. Daqui resulta que as várias partes do programa informático, apesar de integrarem um todo, não deixam de ter um papel específico dentro desse todo. Há que sublinhar, nomeadamente, a particularidade e a importância do núcleo, que prepara o texto de partida, filtrando‑o e segmentando‑o em períodos, e depois constrói para cada período a zona de análise, a partir de informações do dicionário. É nesta zona que as rotinas linguísticas vão operar.
142 É face a esta estrutura lógica do programa, de que as demandantes fizeram prova bastante e a Comissão não contestou enquanto tal, que há que examinar os direitos invocados pelas partes sobre as várias versões do programa informático Systran em causa no caso vertente.
143 Em segundo lugar, os dados produzidos pelas demandantes no tocante aos resultados da comparação da versão Systran Unix com a versão EC‑Systran Unix, que são as únicas versões invocadas para alegar a ilegalidade do comportamento imputado à Comissão, permitem provar uma semelhança significativa entre as duas versões do programa informático Systran.
144 Com efeito, as principais constatações feitas no relatório Bitan, para corroborar a existência de uma certa identidade, ou pelo menos de uma semelhança significativa, entre as versões Systran Unix e EC‑Systran Unix do programa informático Systran, são as seguintes:
– No que respeita às estruturas de dados, pelo menos 72% das estruturas de dados da versão Systran Unix e da versão EC‑Systran Unix são idênticas ou pouco diferentes (v. ponto 5, «Síntese», e ponto 3.1., «Análise comparativa das descrições das estruturas de dados»);
– No que respeita aos manuais de codificação, a maioria dos códigos apresentados no manual de codificação da versão Systran Unix é reproduzida na versão EC‑Systran Unix (v. ponto 5, «Síntese», e ponto 3.1., «Análise comparativa dos manuais de codificação»);
– No que respeita aos códigos‑fonte, a semelhança entre os núcleos das duas versões do programa informático Systran, que constituem a parte principal do programa informático, valores de 80 a 95%; existem outras semelhanças ao nível das rotinas linguísticas, uma vez que grande parte das rotinas da versão Systran Unix se encontra na versão EC‑Systran Unix (v. ponto 5, «Síntese», e ponto 4, «Análise comparativa dos códigos‑fonte»).
145 Estas constatações de facto não são contestadas, enquanto tais, pela Comissão, que alega, por um lado, que a versão EC‑Systran Unix é um trabalho derivado da versão EC‑Systran Mainframe e, por outro, que a versão Systran Unix é um trabalho que integra desenvolvimentos que lhe pertencem a título da versão EC‑Systran Mainframe, que por sua vez derivou do Systran Mainframe, ou da versão EC‑Systran Unix (v. n.os 132 a 136, supra, e 150 a 157, infra).
146 Assim, na audiência, a Comissão referiu que não estava em condições de contradizer H. Bitan, que tinha assinalado as semelhanças entre a versão Systran Unix e a versão EC‑Systran Unix nos documentos anexos à petição inicial.
147 Consequentemente, face aos elementos apresentados pelas demandantes e às observações apresentadas a este respeito no processo (v. n.os 137 a 146, supra), há que considerar que as demandantes fizeram prova bastante de que há, no caso vertente, uma semelhança significativa entre as versões Systran Unix e EC‑Systran Unix, e que aquelas podem assim invocar os direitos que têm sobre a versão Systran Unix, desenvolvida desde 1993 pela Systran, para se oporem à divulgação a um terceiro, sem o seu acordo, da versão derivada EC‑Systran Unix, adaptada pela Systran Luxembourg a partir de 22 de Dezembro de 1997 para responder às necessidades da Comissão.
148 Esta conclusão não põe em causa os direitos que a Comissão poderá ter sobre a versão derivada EC‑Systran Unix ao abrigo dos contratos de migração ou por ter criado e desenvolvido os dicionários que satisfazem as suas necessidades linguísticas; visa apenas reconhecer que as demandantes apresentaram provas de que determinados elementos do programa informático Systran, nomeadamente 80 a 95% do núcleo e grande parte das rotinas linguísticas, foram criados pela Systran e se encontram na versão Systran Unix comercializada por essa empresa, sem que a mínima cessão da propriedade desses elementos à Comissão resulte dos autos.
149 Assim, pode‑se considerar, como de resto o relatório Bitan indica, que para realizar a versão EC‑Systran Unix, a Systran Luxembourg reproduziu uma grande parte da versão Systran Unix comercializada pela Systran e nela integrou os dicionários da versão EC‑Systran Mainframe.
150 Para contestar esta conclusão, a Comissão alega que a versão EC‑Systran Unix mais não é, na realidade, do que o resultado da migração da anterior versão EC‑Systran EC‑Mainframe de um ambiente informático para outro. Este argumento é desenvolvido pela Comissão na primeira nota da DGT, cujas conclusões são, no essencial, as seguintes:
– «[o]s relatórios de actividades provam que o EC‑Systran Unix foi elaborad[o] a partir [do] EC‑Systran Mainframe, pelo que esse programa informático foi desenvolvido, desde o seu início, com os fundos da Comissão»;
– «[o] sistema original [versão Systran Mainframe] concebido pela WTC era relativamente rudimentar, atendendo ao elevado número de módulos [e de] programas que a Comissão teve de mandar desenvolver pelos seus próprios meios para que esse sistema satisfizesse as suas expectativas de qualidade»;
– «[e]ra tanto mais fácil à Systran […] propor à Comissão o seu sistema de base migrado[, nomeadamente a versão Systran Unix,] quanto é certo que esse sistema migrado continha já determinados elementos específicos [do] EC‑Systran Mainframe resultantes da colaboração e do desenvolvimento anteriores a 1933/1994, data a partir da qual a Systran SI iniciou a migração [do] EC‑Systran Mainframe por conta da Comissão».
151 Segundo a Comissão, atendendo à alegada filiação entre as versões EC‑Systran Mainframe e EC‑Systran Unix, os direitos adquiridos ao abrigo dos contratos relativos ao EC‑Systran Mainframe continuam, pois, a ser direitos por si adquiridos. Ademais, no que respeita às semelhanças observadas por H. Bitan a propósito das versões Systran Unix e EC‑Systran Unix, a Comissão sustenta que estas apenas provam, no essencial, que é provável que o grupo Systran tenha utilizado os desenvolvimentos feitos pela Comissão no âmbito das versões EC‑Systran Mainframe e EC‑Systran Unix para os integrar na versão Systran Unix.
152 Esta argumentação da Comissão equivale a negar ao grupo Systran todo e qualquer direito sobre o programa informático Systran, quer se trate da versão Systran Mainframe adquirida ao grupo WTC e ao seu criador, quer da versão Systran Unix, desenvolvida e comercializada pelo grupo Systran vários anos antes de a versão EC‑Systran Unix ser elaborada pelo grupo Systran para satisfazer as necessidades da Comissão, confrontada com a obsolescência da versão EC‑Systran Mainframe.
153 Como se expôs já, na análise da competência do Tribunal Geral para conhecer da presente acção (v. n.os 70 a 77, supra), a argumentação da Comissão assenta em alegações genéricas e insuficientemente precisas face às características do programa informático e aos relatórios periciais jurídicos e técnicos apresentados pelas demandantes.
154 Com efeito, na sua argumentação, a Comissão evoca, a título principal, o papel desempenhado pelos seus serviços na elaboração dos dicionários utilizados pela versão EC‑Systran Mainframe e pela versão EC‑Systran Unix, o qual não é contestado pelas demandantes, e, em menor medida, a influência que os seus serviços poderão ter tido na elaboração de determinadas rotinas linguísticas da versão EC‑Systran Unix. A importância dos trabalhos efectuados pela Systran no tocante ao núcleo e à maior parte das rotinas linguísticas é ocultada pela Comissão, que nunca alude aos direitos susceptíveis de serem daí extraídos pelo grupo Systran. Ora, como se sublinhou no n.° 147, supra, as demandantes fizeram prova bastante do título com que podem invocar direitos sobre a versão EC‑Systran Unix devido ao desenvolvimento e comercialização da anterior versão Systran Unix.
155 Além disso, a Comissão nunca logrou apresentar, não obstante um pedido expresso do Tribunal Geral nesse sentido, provas técnicas susceptíveis de demonstrar por que motivo o grupo Systran não poderia invocar direitos de autor sobre a versão Systran Unix do programa informático Systran ou sobre este ou aquele elemento informático que é componente ou constitui um código‑fonte desse programa informático (especialmente sobre as partes relativas ao núcleo de base e aos programas linguísticos do programa informático). Na audiência, a Comissão reconheceu também que não conseguia apresentar elementos de prova que permitissem identificar os elementos do Systran Unix sobre os quais poderia invocar um direito de propriedade ao abrigo dos contratos celebrados com o grupo Systran relativamente à versão Systran Mainframe. A argumentação da Comissão a esse respeito (v. n.° 136, supra) não pode, pois, ser acolhida pelo Tribunal Geral.
156 Por outro lado, ainda na audiência e na sequência do segundo parecer Sirinelli e da segunda nota técnica Bitan, H. Bitan sublinhou que, em todo o caso, as versões Systran Unix e Systran Mainframe são totalmente diferentes pelo simples facto de a linguagem utilizada ser diferente. Além de a filiação reivindicada na primeira nota da DGT não permitir demonstrar por que motivo as demandantes não poderiam reivindicar direitos sobre a versão EC‑Systran Mainframe ao abrigo dos direitos que tinham sobre a versão Systran Mainframe, essa alegada filiação é contraditada pelas significativas diferenças existentes, no plano informático, entre as versões do programa informático Systran que funcionam no ambiente Mainframe, que se tornou obsoleto com o passar do tempo, e as versões do referido programa informático adaptado aos novos ambientes informáticos Unix e Windows, relativamente aos quais se não pode contestar que o grupo Systran é o criador da versão original, Systran Unix. Aliás, esta versão é muito anterior à versão EC‑Systran Unix elaborada pela Systran Luxembourg para as necessidades da Comissão, a partir de 22 de Dezembro de 1997, ao contrário do que poderia ser deduzido da primeira nota da DGT, que faz referência, erradamente, aos anos «1993/1994, data a partir da qual a Systran [Software, Inc.] deu início à migração [do] EC‑Systran Mainframe por conta da Comissão» (v. n.° 150, supra).
157 Consequentemente, a conclusão exposta no n.° 147, supra, não é, de modo algum, posta em causa pela argumentação da Comissão assente na filiação da versão EC‑Systran Unix relativamente à versão EC‑Systran Mainframe ou nos alegados aperfeiçoamentos trazidos à versão Systran Unix na sequência da elaboração da versão EC‑Systran Mainframe.
2. Quanto à ilegalidade do comportamento da Comissão.
158 O comportamento ilegal imputado à Comissão consiste em que esta atribuiu a si mesma o direito de mandar efectuar os trabalhos referidos no concurso público, que são susceptíveis de alterar ou acarretar a divulgação dos elementos da versão Systran Unix reproduzidos na versão EC‑Systran Unix do programa informático Systran, os quais são protegidos pelo direito de autor ou pelo saber‑fazer do grupo Systran, sem que este tenha transmitido à Comissão, por contrato, a propriedade desses elementos ou lhe tenha dado autorização para proceder a esses trabalhos.
a) Argumentos das partes
Quanto à contrafacção dos direitos de autor
159 No que respeita à contrafacção dos direitos de autor, as demandantes alegam que as identidades ou semelhanças enumeradas pelo relatório Bitan dizem respeito a elementos protegidos a esse título, a saber, a arquitectura e os códigos‑fonte do programa informático Systran. A versão EC‑Systran Unix é, pois, um trabalho derivado da versão Systran Unix, isto é, um trabalho dependente do sistema Systran. Isto tem a consequência de o autor do primeiro trabalho, o grupo Systran, se poder opor a qualquer alteração do trabalho derivado que não autorizou. Assim, ao confiar a terceiros a realização de trabalhos destinados a alterar a versão EC‑Systran Unix elaborada pela Systran Luxembourg, a Comissão cometeu um acto de contrafacção, pois não tinha o direito de alterar esse programa informático sem a autorização prévia do grupo Systran. Para provarem a existência dos princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros aplicáveis na matéria, as demandantes sublinham que a contrafacção é punida por todos os direitos dos Estados‑Membros e reconhecida como delito, cometido dolosamente ou por negligência, ou pelo menos como um ilícito susceptível de obrigar à reparação dos danos causados pelas instituições.
160 Com efeito, segundo o artigo 4.° da Directiva 91/250, que os Estados‑Membros eram obrigados a transpor antes de 1 de Janeiro de 1993, era reconhecido ao autor de um programa informático «o direito de efectuar ou autorizar: a) A reprodução permanente ou transitória de um programa de computador, seja por que meio for, e independentemente da forma de que se revestir, no todo ou em parte […] b) A tradução, adaptação, ajustamentos ou outras modificações do programa e a reprodução dos respectivos resultados». A prática de um desses actos sem a autorização do autor constitui uma contrafacção do programa informático. Esta directiva sublinha igualmente que os programas de computador são protegidos pelos direitos de autor, enquanto obras literárias, na acepção da Convenção de Berna. A remissão para a Convenção de Berna, de que todos os quinze Estados‑Membros eram parte à data da adopção da directiva 91/250 permitia, assim, definir o direito de autor mediante a referência aos princípios comuns então já existentes.
161 No direito francês, aplicável à Systran, que desenvolveu e comercializa a versão Systran Unix, a Directiva 91/250 foi transposta pela Lei n.° 94‑361, de 10 de Maio de 1994, que dá execução à Directiva 91/250 e altera o Código da Propriedade Intelectual francês (JORF de 11 de Maio de 1994, p. 6863), codificada no Código da Propriedade Intelectual francês. O autor de um programa informático beneficia de direitos de autor atinentes a esse programa informático, sob reserva da originalidade deste e pode proteger o seu programa informático no âmbito da acção por contrafacção. Assim, o artigo L 122‑6 desse código prevê, assim, que «o direito de exploração de que é titular o autor de um programa informático compreende o direito de efectuar e autorizar[, em primeiro lugar,] a reprodução permanente ou provisória, total ou parcial, de um programa informático, por qualquer meio e sob qualquer forma[,em segundo lugar,] a tradução, adaptação, ajustamento ou outra alteração de um programa informático e a reprodução do programa informático daí resultante». Por conseguinte, os actos sujeitos a autorização do autor do programa informático e praticados sem a sua autorização constituem uma contrafacção do programa informático. A Directiva 91/250 foi igualmente transposta noutros Estados‑Membros, como o Luxemburgo (Lei de 18 de Abril de 2001 sobre os direitos de autor, os direitos conexos e as bases de dados, Mémorial A 2001, p. 1042, a seguir «Lei luxemburguesa dos direitos de autor», nomeadamente o artigo 3), e a Bélgica (Lei de 30 de Junho de 1994, que transpõe para o direito belga a directiva europeia de 14 de Maio de 1991 relativa à protecção jurídica dos programas de computador, Moniteur belge de 27 de Julho de 1994, p. 19315, a seguir «Lei belga dos programas de computador»).
162 Em resposta ao argumento extraído da necessidade de demonstrar que o grupo Systran é titular dos direitos invocados, as demandantes observam que a Comissão exige essa prova, apesar dos numerosos contratos que celebrou e em que se recorda que as sociedades do grupo Systran são titulares exclusivas desses direitos, e não obstante os princípios gerais comuns aos Estados‑Membros aplicáveis na matéria – os quais são recordados nos pareceres do professor P. Sirinelli, sob a epígrafe «Análise dos requisitos de admissibilidade de uma acção por contrafacção proposta por uma pessoa colectiva» (a seguir «primeiro parecer Sirinelli») e «Acesso à protecção, pelo direito de autor, de um programa informático reescrito» (segundo parecer Sirinelli) –, nomeadamente quanto à teoria da aparência, que permite ao titular aparente demandar o contrafactor em juízo, sem que este possa exigir que seja apresentada a cadeia dos contratos de cessão ou invocar a inadmissibilidade com fundamento numa dúvida qualquer quanto ao titular dos direitos. É, pois, de má fé que a Comissão exige a prova da propriedade dos programas informáticos para se subtrair a uma condenação por contrafacção.
163 Aliás, este é um argumento correntemente aduzido por contrafactores, retomado, no caso vertente, pela Comissão, que tenta eximir‑se da sua responsabilidade, alegando que o grupo Systran não fez prova da sua qualidade de titular de direitos sobre a versão Systran Unix do programa informático Systran e sobre a versão EC‑Systran Unix derivada da primeira. Ora, no direito francês, aplicável à Comissão, e no direito belga, invocado pela Comissão, a defesa dos direitos de autor assenta na presunção da qualidade de titular, que pressupõe que a pessoa que explora uma obra se presume ser a titular da obra. Nesta matéria, a jurisprudência francesa deduz dessa presunção que a pessoa colectiva que comete uma contrafacção está, na prática, dispensada de apresentar a cadeia completa dos contratos de cessão de direitos, desde o autor, pessoa singular, titular inicial do direito, até ao último titular, ao passo que o contrafactor não pode invocar nada em defesa da não apresentação da cadeia dos contratos de cessão. Uma solução muito próxima é a adoptada pelo direito belga, que considera que o benefício da presunção estabelecida no artigo 6.°, segundo parágrafo, da Lei de 30 de Junho de 1994 relativa ao direito de autor e aos direitos conexos (Moniteur belge de 27 de Julho de 1994, p. 19297, a seguir «Lei belga dos direitos de autor»), segundo o qual «[s]alvo prova em contrário, presume‑se que é o autor quem seja indicado como tal na obra, por nela ser mencionado o seu nome ou uma sigla que permite identificá‑lo», pode ser reivindicado por uma pessoa colectiva cujo nome foi aposto na obra. O direito comunitário estabelece idêntica presunção. Com efeito, o artigo 5.° da Directiva 2004/48 sob a epígrafe «Presunção de autoria ou da posse», indica:
«Para efeitos das medidas, procedimentos e recursos previstos na presente directiva,
a) A fim de que, na falta de prova em contrário, o autor de uma obra literária ou artística seja considerado como tal e, por conseguinte, tenha direito a intentar um processo por violação, será considerado suficiente que o seu nome apareça na obra do modo habitual;
b) O disposto na alínea a) é aplicável mutatis mutandis aos titulares de direitos conexos com o direito de autor, relativamente à matéria sujeita a protecção.»
164 Assim, a Systran pode efectivamente propor a acção, excepto se a Comissão apresentar provas de que aquela não tem a qualidade de titular. Ora, a Comissão limitou‑se, até agora, a tentar inverter o ónus da prova para as demandantes e pode‑se desde já afirmar que a Comissão não apresentará essa prova, uma vez que a Systran é a exploradora incontestada da obra em causa e a Comissão sempre a reconheceu como tal. Assim, presume‑se que a pessoa colectiva que explora uma obra é titular dos direitos, o que lhe permite, substantivamente, actuar contra os terceiros contrafactores. Essa presunção aplica‑se independentemente da natureza da obra em causa e do número de criadores interessados. Só são importantes os actos de exploração praticados pelo demandante, quando não tenham sido contestados pelo ou pelos autores. O professor Sirinelli esclarece que existe uma «autêntica norma substantiva segundo a qual quem explora uma obra merece protecção apenas por fazer essa exploração». Ora, a posse da versão Systran Unix do programa informático Systran pela Systran não deixa dúvidas: a Systran concedeu licenças dessa versão do programa informático Systran Unix aos principais portais da Internet e comercializa‑a em numerosas empresas internacionais, grandes lojas e catálogos de venda por correspondência. A Systran é também titular das marcas SYSTRAN e dos nomes de domínio «systran», que explora em todo o mundo. Numerosos artigos e peças publicitárias comprovam igualmente a posse, publicamente afirmada e demonstrada, pelo grupo Systran. As demandantes invocam, em especial, a entrega à Systran do «European IST Prize», em Haia (Países Baixos), pelo membro da Comissão encarregado da sociedade da informação. O grupo Systran, que se comporta como possuidor simultaneamente da obra e do seu nome, tem pois o direito de demandar no Tribunal Geral o contrafactor. Ademais, o programa informático utilizado pela Comissão é identificado sob a denominação «EC‑Systran Unix», o que permite provar o papel desempenhado pela Systran relativamente ao mesmo.
165 Apesar dos argumentos anteriores e para dissipar toda e qualquer dúvida eventual, as demandantes entendem dever provar, ainda que redundantemente, que o grupo Systran é o incontestável titular dos direitos de propriedade intelectual sobre as versões Systran Mainframe e Systran Unix do programa informático Systran e é reconhecido historicamente como tal pela Comissão.
166 No tocante à versão Systran Mainframe, as demandantes sustentam que o grupo Systran é titular dos direitos sobre essa versão, porque os adquiriu à sociedade Gachot, que sucedeu nos direitos do Sr. Toma, inventor e autor do programa informático inicial, e das sociedades que exploravam o referido programa informático. Ademais, a Systran é, incontestavelmente, titular de direitos de propriedade intelectual sobre todas as versões do programa informático Systran Mainframe, o que inclui a EC‑Systran Mainframe. Com efeito, a cessão e a transmissão de direitos de propriedade intelectual só podem ser feitas por escrito e, em caso de dúvida, são sempre interpretadas a favor do autor, por aplicação do princípio da interpretação restritiva. Ora, ainda que se tenha demonstrado que a Systran adquirira os direitos ao próprio autor do programa informático, o Sr. Toma, aquela nunca os cedeu à Comissão, apesar dos contratos, que esta invocou apenas com o fito de tentar não se revelar contrafactora. As demandantes não compreendem com que finalidade a Comissão invoca contratos relativos à utilização do programa informático, celebrados com sociedades terceiras, que não são oponíveis à Systran e não podem, consequentemente, implicar qualquer cessão de direitos de propriedade intelectual a favor da Comissão. Quanto aos contratos celebrados com a Systran, ou com as sociedades em cujos direitos sucede, trata‑se unicamente de contratos de licença de utilização ou de prestação de serviços. Nenhum deles implica a cessão, transferência ou transmissão dos direitos de propriedade intelectual a favor da Comissão.
167 Por exemplo, o contrato inicial apenas confere à Comissão um direito de uso (artigo 4.°), tanto do sistema existente como de eventuais novos desenvolvimentos. Com efeito, segundo o direito luxemburguês aplicável a esse contrato, nesse aspecto em consonância com os direitos francês e belga, a cessão e a transmissão dos direitos patrimoniais são provadas, no que ao autor diz respeito, por escrito e são interpretadas restritivamente a seu favor. Ora, esse contrato não contém nenhuma cláusula que possa, de perto ou de longe, ser interpretada como uma cessão de direitos. Consequentemente, não confere à Comissão nenhum direito de propriedade intelectual sobre o programa informático Systran, incluindo a versão EC‑Systran Mainframe, com excepção dos dicionários desenvolvidos pela Comissão.
168 Da mesma forma, o contrato de colaboração não prevê nenhuma cessão de direitos de propriedade intelectual a favor da Comissão. Esse contrato parece revestir especial importância para esta, embora a própria o tenha resolvido em 1991. Ao contrário do que sustenta a Comissão, que nele vê a origem dos seus alegados direitos de propriedade sobre o programa informático Systran Mainframe, esse contrato estipulava que a Comissão beneficia de uma licença de utilização e, longe de transferir qualquer direito que seja, esclarecia que os direitos de cada um à data da assinatura dos contratos eram preservados e conservados. Com efeito, a exposição preliminar desse contrato de colaboração indica:
«2. Em 22 de Setembro de 1975, a Comissão celebrou com a sociedade WTC um contrato sobre a utilização do sistema Systran pela Comissão e sobre o desenvolvimento inicial desse sistema pela WTC.
[…]
5. As partes verificam, pois, que a Comissão dispõe de uma licença de utilização do sistema de base […]»
169 Segundo as demandantes, o artigo 4.° do contrato de colaboração recorda também que os direitos de cada parte à data da assinatura são conservados. Ora, a Comissão não tem direitos sobre o programa informático Systran Mainframe, pelo que não pode invocar nenhuma cessão, a seu favor, de direitos de propriedade intelectual sobre o programa informático Systran Mainframe, mesmo que lhe sejam reconhecidos direitos sobre os dicionários que desenvolveu (n.° 6 da exposição preliminar do contrato de colaboração). Esses direitos em nada lesam a qualidade de autora da Systran, nem os direitos que tem sobre o programa informático Systran Mainframe (ou sobre a versão EC‑Systran Mainframe), especialmente sobre o núcleo deste. O anexo I do contrato de colaboração reconhece expressamente a qualidade de autor da WTC, da Gachot e da Systran. No termo desse contrato, e aliás no da maioria dos contratos, era concedido à Comissão o direito de utilizar e sublicenciar, unicamente no território comunitário, o programa informático, na sua versão mais evoluída (v. artigo 5.° do contrato de colaboração, que refere expressamente que a Comissão dispõe do «direito de utilizar»). É em vão que a Comissão invoca a cláusula de resolução do contrato de colaboração. Mesmo nesse caso, até por aplicação dos princípios gerais do direito das obrigações aplicáveis em toda a Comunidade, as cláusulas contratuais não podem ser interpretadas para além do que estipulam. A economia da cláusula em causa é clara: durante três anos, é garantido o direito de utilização a que se refere o artigo 5.°. Durante esses três anos, a Comissão pode assim introduzir desenvolvimentos e/ou aperfeiçoamentos (artigo 4.° do contrato de colaboração). Após esses três anos, a Comissão pode utilizar o programa informático EC‑Systran Mainframe no estado a que o mesmo tiver chegado nessa data. Por conseguinte, após esse período a Comissão não pode dispor de mais do que um direito de utilização. Além do mais, a interpretação restritiva das transmissões de direitos patrimoniais, que também é legítima na Bélgica, permite afirmar que a Comissão não adquiriu nenhum direito de propriedade intelectual sobre o programa informático Systran Mainframe no termo do contrato de colaboração.
170 Assim, não foi efectuada a favor da Comissão nenhuma cessão de direitos de propriedade intelectual sobre o programa informático Systran Mainframe, nem sobre a ideia e escritura originais em que assenta, nem sobre o material de concepção preparatório, nem sobre a estrutura de dados, e muito menos sobre o núcleo. As demandantes esclarecem que os argumentos expostos supra, no sentido de provar que a Systran é titular dos direitos de propriedade intelectual sobre a versão Systran Mainframe do programa informático Systran, apenas têm por finalidade responder à argumentação da Comissão, que não tem nenhuma relevância para o desfecho do litígio, pois a contrafacção incide sobre a versão Systran Unix e não sobre a versão Systran Mainframe.
171 No que diz respeito à versão Systran Unix, as demandantes sustentam que a Comissão não pode reivindicar o menor direito de propriedade intelectual sobre essa versão do programa informático Systran. Com efeito, a versão Systran Unix foi criada, a pedido da Systran, pela sua filial a 100% Systran Software (resposta da Systran ao concurso público). A versão Systran Unix é uma nova versão do programa informático Systran, diferente da versão Systran Mainframe, que se tornara obsoleta. O grupo Systran é o único titular dos direitos sobre a versão Systran Mainframe e sobre o seu núcleo, e dispõe, enquanto promotor da versão Systran Unix, da plena e total posse desse novo programa informático e do seu núcleo, como o demonstrou o professor P. Sirinelli.
172 Segundo as demandantes, só depois da criação e comercialização do novo programa informático Systran Unix a Systran Luxembourg celebrou os contratos de colaboração com a Comissão. Esses contratos previam a substituição da versão EC‑Systran Mainframe pela versão Systran Unix, cuja originalidade e novidade foram demonstradas, e a migração dos dicionários da Comissão, para lhe permitir funcionar com essa nova versão. Isso resulta, aliás, do relatório Bitan, pois a versão EC‑Systran Unix tem o mesmo núcleo do que o programa informático Systran Unix, uma vez que os dois núcleos são semelhantes em 85%. Ao contrário do que a Comissão afirma, a EC‑Systran Unix mais não é, pois, do que uma simples versão do programa informático Systran Unix que inclui os dicionários desenvolvidos pela Comissão e que foi objecto de uma migração no âmbito dos contratos de migração, e não o resultado de uma migração do programa informático EC‑Systran Mainframe, que se tornou obsoleto. Deste modo, a Comissão, apesar de ter direitos sobre os dicionários que desenvolveu, não dispunha de nenhum direito sobre o programa informático Systran Unix, que já existisse antes dos contratos de migração.
173 Ademais, esses contratos, tal como os anteriores, não implicavam nenhuma transmissão de direitos de propriedade intelectual sobre o programa Systran Unix a favor da Comissão. De resto, foram celebrados com a Systran Luxembourg, que não tinha nenhum direito sobre o programa informático Systran Unix, e não com a Systran, exclusiva titular desses direitos. Além do mais, previam expressamente a conservação dos direitos de propriedade intelectual anteriormente existentes, incluindo, evidentemente, os direitos de autor da Systran sobre o programa informático Systran Unix. Ainda que se acolha a tese da Comissão sobre a migração da versão EC‑Systran Mainframe, esta beneficia de um direito derivado que em caso algum lhe permitiria alterar o programa informático EC‑Systran Unix sem a autorização da Systran. Assim, mesmo nessa hipótese, a Comissão cometeu uma contrafacção quando efectuou ou mandou efectuar os trabalhos previstos no concurso público.
174 As demandantes consideram‑se surpreendidas e chocadas com a posição da Comissão, primeiro porque as instituições fizeram do combate à contrafacção o seu cavalo de batalha e uma prioridade, pondo em prática todo o tipo de iniciativas, medidas e normas que permitissem combater eficazmente essa praga, e depois porque, no caso vertente, a Comissão sempre soube perfeitamente que o grupo Systran era indiscutivelmente titular dos direitos sobre os programas Systran, em especial sobre o programa informático Systran Unix. A Comissão celebrou, assim, numerosos contratos de licença que demonstram que estava convencida da qualidade da Systran de titular de direitos. Além disso, foi sempre informada da qualidade da Systran de titular de direitos de propriedade intelectual tanto sobre o programa informático Systran Mainframe como sobre o programa informático Systran Unix, e da prévia existência deste, como resulta:
– Da troca de cartas, de 27 de Janeiro e 5 de Fevereiro de 1987, entre o Director‑Geral da DG «Telecomunicações, indústria da informação e inovação» e o Sr. Gachot;
– Do relatório de 4 de Maio de 1998, que sublinha o carácter inovador do programa informático Systran Unix desenvolvido pela Systran; no que respeita, mais especialmente, ao núcleo, o relatório de 4 de Maio de 1998 esclarece que «[t]odos os programas do sistema foram recriados ou reescritos em linguagem C»;
– Da resposta ao concurso público aberto pela Comissão em 1997, para celebração de contratos dos contratos de migração, que demonstra que esta estava perfeitamente informada da origem dos direitos da Systran, que na época não contestou, e da anterioridade do Systran Unix.
175 Por outro lado, a Comissão reconheceu, várias vezes, que a Systran era proprietária tanto da versão Systran Mainframe como da versão Systran Unix, e que esta era anterior à versão EC‑Systran Unix, como resulta:
– Da telecópia remetida à sociedade Gachot em 5 de Março de 1997, em que a Comissão escreve:
«O [g]rupo Systran é proprietário dos programas informáticos de base, e os direitos de utilização da Comissão sobre os seus noves [pares] de línguas só se estendem às instituições comunitárias e aos organismos oficiais dos Estados‑Membros. Pelo contrário, a Comissão é proprietária dos léxicos que elaborou desde 1975»;
– Do relatório do Sr. Carpentier à comissão consultiva das aquisições e concursos;
– Do relatório do Sr. J. Beaven, que prova que o programa informático Systran Unix existia anteriormente à versão EC‑Systran Unix e que foi para beneficiar das inovações trazidas pelo programa informático Systran Unix e para sair da situação de obsolescência em que se encontrava que a Comissão quis renovar as relações comerciais com a Systran;
– Do anexo técnico do Anexo II dos segundo, terceiro e quarto contratos de migração, que estabelece a abordagem geral da migração, e que comprova que a Comissão sabia que o programa informático Systran Unix existia anteriormente e que foi esse programa informático que permitiu elaborar a versão EC‑Systran Unix;
– Da transacção que a Comissão celebrou com a Systran, em que há que insistir: em primeiro lugar, a Comissão, em violação do contrato inicial, pois não pagara nenhuma retribuição à Systran, pagamento esse a que no entanto estava obrigada, considerou necessário reaproximar‑se da Systran e com esta celebrou uma transacção, materializada numa troca de cartas entre 19 e 22 de Dezembro de 1997, em que o director‑geral da DGT esclarece que se trata de «valorizar ao máximo o trabalho investido há 20 anos pela Comissão na elaboração de dicionários especialmente adaptados à linguagem administrativa e técnica dos documentos da Comissão»; esse trabalho, cumprido ao longo dos 20 anos anteriores, é o único que pode ser reivindicado, uma vez que os seus direitos sobre o próprio programa informático Systran Mainframe são inexistentes; em segundo lugar, o director‑geral da DGT solicita à Systran que se comprometa a «não reclamar nenhuma prestação pecuniária decorrente da execução dos contratos celebrados entre o grupo Systran e a Comissão»; ora, as prestações pecuniárias reclamadas pela Systran consistiam, na época, em remunerações devidas pelo seu direito de autor sobre as versões Systran Mainframe; em terceiro lugar, o director‑geral da DGT pediu mesmo autorização para utilizar o nome Systran, reconhecendo assim a qualidade da Systran de autora; a Systran deu o seu acordo à Comissão para a utilização do nome Systran para o «sistema de tradução automática derivado do sistema Systran de origem», confirmou o seu acordo à Comissão para que esta utilizasse o seu programa informático, renunciou às prestações pecuniárias reclamadas pela violação dos antigos contratos e esclareceu:
«[N]ão nos opomos ao princípio da publicação de determinadas partes dos dicionários da versão Systran utilizada pela Comissão. Contudo, será necessário zelar para que elementos proprietários do sistema Systran não sejam divulgados publicamente.»
176 As demandantes alegam, pois, que a Comissão não pode fingir, hoje, que não conhece o alcance dos direitos daquelas e que esta sabe perfeitamente que nunca foi autorizada a alterar o programa Systran Unix, especialmente o seu núcleo. Ora, qualquer alteração efectuada sem autorização é uma contrafacção, uma vez que a regra, nesta matéria, é a proibição e não o inverso.
177 A Comissão sublinha que a protecção dos programas informáticos é garantida em todos os Estados‑Membros pelas legislações sobre o direito de autor. Alude à situação na Bélgica, em que estão em causa a lei belga sobre os programas de computador e a lei belga sobre o direito de autor, e no Luxemburgo, em que estão em causa a lei de 24 de Abril de 1995 que altera a lei de 29 de Março de 1972 sobre o direito de autor no tocante à protecção jurídica dos programas de computador (Mémorial A 1995, p. 944, a seguir «lei luxemburguesa dos programas de computador»), a lei de 8 de Setembro de 1997 que altera a lei alterada de 29 de Março de 1972 sobre o direito de autor (Mémorial A 1997, p. 2662) e a lei luxemburguesa sobre os direitos de autor.
178 Em primeiro lugar, a Comissão alega que não há nenhuma prova dos direitos invocados pela Systran sobre o programa informático Systran. No caso vertente, as demandantes não chegaram a explicar de que forma adquiriram os direitos de que alegam serem titulares.
179 Quanto às versões Systran Mainframe e EC‑Systran Mainframe, a Comissão observa que as demandantes sustentam que a WTC é claramente identificada no contrato inicial como autora do programa informático Systran; que aquelas alegam que, no fim dos anos de 1980, no âmbito de uma incorporação parcial de activos, a Systran incorporou os activos relativos ao ramo completo de actividade «Tradução automática» da sociedade Gachot, que por seu lado sucedera nos direitos das sociedades WTC, Latsec, Systran USA e Systran Institut (Alemanha), que conceberam o sistema de tradução automática Systran, ainda designado por «programa informático Systran» ou «sistema Systran» e que as demandantes sustentam que todos os contratos celebrados com a Comissão entre 1975 e 1987 foram retomados e continuados, de jure, pela Systran. Ora, a despeito destas afirmações e dos pedidos precisos da Comissão (v. ofícios remetidos à Systran em 15 de Fevereiro e em 28 de Abril de 2005 para lhe pedir que identifique as bases jurídicas e contratuais das suas reivindicações), as demandantes, sobretudo a Systran Luxembourg, não chegaram a apresentar a menor prova (convenção de cessão de direitos, etc.) de que efectivamente eram titulares dos direitos cuja violação invocavam e tão‑pouco esclareceram para que territórios e durante quanto tempo tinham esses direitos. O artigo 5.°, alínea c), do contrato inicial celebrado com a WTC previa que nenhuma transmissão de direitos ou de obrigações decorrentes do contrato poderia ter lugar sem o prévio consentimento da Comissão. A Comissão invoca esta disposição para alegar que nunca recebeu a notificação prévia da incorporação ou cessão invocada pelas demandantes e que, por isso, nunca consentiu na cessão da WTC às demandantes.
180 No que respeita à presunção de que a qualidade de autor pertence, salvo prova em contrário, àquele ou àqueles sob cujo nome a obra é divulgada, a Comissão contesta a aplicação do direito francês a esse respeito. Essa presunção, consagrada em França na lei n.° 94‑361, não é aplicável no caso vertente e é criticada pelas doutrinas belga e francesa. A Comissão sublinha também que essa presunção só é válida até prova em contrário e que é evidente que ilide essa presunção no tocante à versão EC‑Systran Unix, dado que essa versão não é comercializada numa embalagem que reproduza o nome do autor e que a referida versão é, por vezes, denominada «Commission’s MT System» ou «ECMT».
181 Em segundo lugar, a Comissão sustenta que as relações contratuais ocorridas entre as partes devem ser analisadas como uma sucessão de «contratos de encomenda», destinados a conferir‑lhe a propriedade das versões EC‑Systran Mainframe e EC‑Systran Unix, sem que o grupo Systran possa invocar direitos a esse respeito. Nos vários contratos celebrados entre as partes desde 1975, as sociedades do grupo Systran comprometeram‑se, em geral, a criar para a Comissão, todos ou parte dos elementos do programa EC‑Systran que satisfizessem as necessidades específicas geradas pela actividade da Comissão, quer se tratasse da versão EC‑Systran Mainframe ou da versão EC‑Systran Unix. Nesse aspecto, a Systran não chegou a demonstrar que adquiriu os direitos sobre os programas assim desenvolvidos para a Comissão. Esses programas foram, pela natureza das coisas, criados e desenvolvidos por pessoas singulares. Para que a Systran possa alegar que tem direitos sobre os mesmos, tem de provar que os adquiriu a esses criadores. A Comissão indica, a este respeito, que resulta da legislação belga, que a Systran invoca, que um programa de computador só é adquirido ao seu autor, mesmo que este seja o declarante, se essa transmissão for feita por escrito. De resto, o mesmo sucede na lei luxemburguesa dos direitos de autor. Com efeito, a lei belga dos programas de computador tem uma única disposição que permite estabelecer uma excepção ao regime geral estabelecido no artigo 3.° da lei belga do direito de autor (que exige uma declaração por escrito pelo criador, como a lei luxemburguesa). Esta excepção refere‑se ao caso em que o programa de computador foi criado por um trabalhador ou por um agente estatutário. A presunção da cessão dos direitos patrimoniais a favor do empregador, salvo convenção contratual ou estatutária em contrário, está então prevista. Fora deste caso, que as demandantes não provaram verificar‑se, o «contrato de encomenda» pelo qual alguém incumbe outrem, que não lhe está subordinado, da criação de todo ou parte de um programa de computador continua sujeito às normas supramencionadas da lei belga sobre o direito de autor. Além disso, a Comissão observa que, no direito belga, as demandantes, pessoas colectivas, não podem ser consideradas autoras. Com efeito, o titular inicial do direito de autor é a pessoa singular que criou a obra e, na Bélgica, o direito de autor só se pode constituir a favor de uma pessoa singular. Com fundamento na jurisprudência belga, a Comissão sublinha que as pessoas colectivas têm de provar a quem e de que forma adquiriram os direitos (acórdão da cour d’appel de Gand [tribunal de recurso de Gand] de 27 de Outubro de 1993, Ing. Cons. 1993, p. 366). A Comissão alega que as demandantes não explicam como podem, enquanto pessoas colectivas, reivindicar direitos sobre a versão Systran Unix ou sobre a versão EC‑Systran Unix, que derivou daquela.
182 Subsidiariamente, mesmo que se admita que as demandantes são titulares de determinados direitos sobre o programa informático Systran, a Comissão afirma, em todo o caso, que é também titular dos direitos de propriedade intelectual necessários aos actos que praticou quando confiou a terceiros determinados trabalhos relativos à versão EC‑Systran Mainframe. A Comissão refere, neste aspecto, o conteúdo do contrato inicial, o protocolo de acordo de cooperação técnica, o contrato de colaboração, que dizem respeito à versão EC‑Systran Mainframe, e os contratos de migração celebrados com a Systran Luxembourg de 1998 a 2002, relativos à versão EC‑Systran Unix. Estes contratos permitem à Comissão contestar a afirmação das demandantes de que não lhe foi cedido nenhum direito de propriedade intelectual relativo à versão Systran Unix.
183 Para contestar a afirmação das demandantes de que a alegada quase identidade entre a versão Systran Unix e a versão EC‑Systran Unix do programa informático permite considerar que a utilização não autorizada, pela Comissão, dos programas informáticos Systran constitui um acto de contrafacção e consequentemente um comportamento ilegal, a Comissão alega a existência de vários direitos.
184 Em primeiro lugar, a Comissão alega ser titular de direitos de propriedade sobre os desenvolvimentos e aperfeiçoamentos do programa informático Systran financiados pelos seus serviços, qualquer que seja a parte do sistema em causa (núcleo, programas linguísticos e dicionários). Além disso, a Comissão dispõe de um direito de propriedade exclusivo dos léxicos e dicionários que desenvolveu e aperfeiçoou para as suas próprias necessidades [v. artigo 4.°, alínea a), do contrato inicial, artigo 4.° do protocolo de acordo de cooperação técnica, n.° 6 do preâmbulo do contrato de colaboração e artigo 4.° do referido contrato, e o seu anexo, que esclarece que «[e]nquanto a Comissão foi sempre proprietária dos léxicos e outros componentes que desenvolveu para diferentes versões Systran, os direitos de propriedade do programa informático de base tinham sido repartidos entre várias sociedades»]. A Comissão sublinha que os numerosos desenvolvimentos específicos realizados para migrar do sistema Mainframe para os sistemas Unix são propriedade sua [v. artigo 13.°, n.° 2, dos contratos de migração e apêndice 2 do anexo ao aditamento n.° 4 ao primeiro contrato de migração].
185 Em segundo lugar, a Comissão afirma ser titular de direitos de utilização. Nesse sentido, a afirmação das demandantes de que a Comissão, que não criou o programa informático Systran inicial, não pode ser titular de nenhum direito atinente a esse programa informático ou a qualquer desenvolvimento que tenha sido feito, para mais sem autorização, a partir do programa informático Systran, contradiz o artigo 13.° dos contratos de migração. Nesse sentido, a interpretação que as demandantes dão à restrição «excepto nos casos em que já existem direitos de propriedade industrial ou intelectual» contradiz o princípio da interpretação de boa fé dos contratos. Com efeito, segundo a Comissão, os contratos de migração por um lado sublinham a diferença entre o sistema Systran comercializado pelo grupo Systran e as versões EC‑Systran utilizadas pela Comissão e, por outro, prevêem expressamente que o sistema denominado «sistema de tradução automática da Comissão» continua, na verdade, a ser propriedade da Comissão, com todas as suas componentes, quer tenham sido alteradas, quer não, durante a execução do contrato. Assim, a restrição segundo a qual esses direitos «não prejudicam os direitos de propriedade industrial ou intelectual já existentes» só pode ser entendida como uma protecção do statu quo ante que vigorava antes do fim da migração do sistema e excluía qualquer aquisição, pelas demandantes, de direitos relativamente à versão EC‑Systran Unix através da migração. Este compromisso, celebrado com a Systran Luxembourg, poderia ser alargado à Systran, uma vez que, numa carta de compromisso de 12 de Março de 2001 (anexo V ao quarto contrato de migração), esta sociedade se constituiu garante da devida execução da totalidade do quarto contrato de migração pela sua filial Systran Luxembourg.
186 Consequentemente, a Comissão sustenta que resulta dos contratos a que se aludiu acima, e já do contrato inicial de 22 de Setembro de 1975, que era efectiva intenção das partes pôr à disposição da Comunidade o sistema de tradução Systran e que a Comissão dispunha de direitos de propriedade ou, em todo o caso, de utilização das versões EC‑Systran. Com efeito, essas versões do programa informático Systran foram desenvolvidas a expensas da Comissão (com um orçamento de cerca de 45 milhões de euros, cerca de 14 milhões dos quais em proveito das sociedades do grupo Systran), a qual aliás as podia ter desenvolvido autonomamente. Não há nenhuma dúvida sobre as possibilidades de utilização do programa informático Systran pela Comunidade para o sector público, em sentido lato, no território da Comunidade. Além disso, o contrato inicial já previa que a Comunidade era livre de utilizar o sistema para quaisquer fins, e portanto também fora do território da Comunidade, incluindo no sector privado, mediante o pagamento de uma remuneração complementar à WTC. Segundo a Comissão, a «filosofia» dessa solução consistia em considerar que o parceiro WTC, que desenvolvera o sistema e também estava, ele próprio, habilitado a utilizá‑lo, tinha obtido, na sequência de vários contratos, uma remuneração suficiente para considerar que a Comunidade tinha adquirido o direito de livre e plena disposição, logo, de propriedade, do sistema.
187 É certo que a Comissão observa que esta solução não está expressamente prevista, qua tale, no contrato de colaboração de 1987, mas esse contrato só pode ser interpretado desta forma. Com efeito, qualquer interpretação diversa da destinada a dar à Comissão direitos de propriedade sobre a EC‑Systran Mainframe do programa Systran, sem que as demandantes possam invocar um direito de oposição, não permite explicar a coerência entre os artigos 4.°, 4.°bis, 5.° e 8.° desse contrato. Segundo a Comissão, esse contrato mostra‑se, assim, uma «solução de transacção» que permite eliminar qualquer discussão entre as partes sobre as questões da propriedade das várias componentes do sistema Systran, as quais incluem os dicionários.
188 Em terceiro lugar, mesmo admitindo que a Comissão utiliza a versão EC‑Systran Unix do programa informático numa forma alterada relativamente à versão Systran Unix, como resulta do relatório Bitan, as demandantes não fizeram prova de que a Comissão violou o direito belga ou o direito luxemburguês. A Comissão invoca várias disposições dos direitos belga e luxemburguês, nos termos das quais é possível reproduzir ou adaptar um programa de computador sem o acordo do seu autor quando isso é necessário para permitir ao utilizador utilizar o programa de acordo com o fim a que se destina, incluindo para correcção de erros (v. artigo 6.° da lei belga dos programas de computador, artigo 28.°, n.° 4, da lei luxemburguesa dos programas de computador e artigo 34.° da lei luxemburguesa dos direitos de autor).
189 Em último lugar, a Comissão nega formalmente ter transmitido os códigos‑fonte da versão EC‑Systran Unix à sociedade Gosselies no âmbito dos trabalhos a efectuar em cumprimento do contrato público controvertido. Ao contrário das afirmações constantes do relatório Bitan, os trabalhos confiados a essa sociedade não careciam de intervenção ao nível do núcleo do programa informático. Após a adjudicação do contrato público controvertido, a Gosselies teve acesso unicamente aos códigos‑fonte das partes linguísticas da versão EC‑Systran Unix, sobre as quais a Comissão tinha direitos de propriedade exclusivos devido aos contratos celebrados entre as partes e à contribuição dos seus serviços para o desenvolvimento dessas partes.
190 Consequentemente, embora existam semelhanças entre a versão Systran Unix e a versão EC‑Systran Unix do programa informático Systran, isso não prova que a Comissão tenha cometido uma contrafacção. As conclusões jurídicas que as demandantes extraem dessa semelhança não são exactas. A Comissão tem perfeitamente o direito de alterar ou adaptar o programa informático e de confirmar a uma sociedade terceira a adaptação ou a alteração sem autorização prévia das demandantes.
Quanto aos direitos invocados a título de saber‑fazer
191 As demandantes alegam que se define saber‑fazer como «um conjunto de informações técnicas que são secretas, substanciais e identificadas por qualquer forma adequada». Invocam, a este respeito, a definição consagrada no artigo 10.° Regulamento (CE) n.° 240/96 da Comissão, de 31 de Janeiro de 1996, relativo à aplicação do [artigo 81.°, n.° 3, CE] a certas categorias de acordos de transferência de tecnologia (JO L 31, p. 2). Precisam também que resulta desse texto e dos princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros que o saber‑fazer é um activo protegido quer no âmbito de contratos de transferência de tecnologia ou de acordos de confidencialidade, quer no âmbito de acções de responsabilidade civil em caso de divulgação desse saber‑fazer sem autorização do seu titular. No caso vertente, as demandantes invocam o saber‑fazer que têm sobre o programa informático Systran, quer se trate da versão Systran Unix, quer da sua versão derivada e quase idêntica EC‑Systran Unix, desenvolvida pela Systran Luxembourg para ser utilizada pela Comissão. Esse saber‑fazer, que as demandantes protegiam e mantinham secreto, resulta de um conjunto de conhecimentos técnicos, informáticos e linguísticos materializado no núcleo, nas rotinas linguísticas, nos dicionários e na documentação associada (v. relatório Bitan e primeira nota técnica Bitan). Ora, a realização das prestações descritas no concurso público aberto pela Comissão requer a alteração do código‑fonte do programa informático Systran e, portanto, a divulgação desse código‑fonte ao adjudicatário do contrato. Ao confiar a realização desse contrato a um terceiro, a Comissão divulgou o saber‑fazer da Systran sem autorização desta. Esta divulgação constitui um ilícito susceptível de desencadear a responsabilidade extracontratual da Comunidade.
192 Em resposta ao argumento de que o conceito de saber‑fazer não está definido e que o saber‑fazer não é susceptível de ser protegido enquanto tal, as demandantes observam que foi a própria Comissão que definiu o conceito de saber‑fazer nos seus regulamentos e que resulta desses diplomas que o valor do saber‑fazer reside no avanço considerável que a sua transmissão pode proporcionar, o que implica que aquele se mantenha secreto, que não seja conhecido e impossível de obter. Ora, não pode ser contestado que a versão Systran Unix do programa informático Systran é uma grande inovação feita pelo grupo Systran, que demonstra um real domínio técnico e a existência de um saber‑fazer fruto da investigação e da experiência, como o ilustra a reescrita em linguagem C++ do sistema Systran, anteriormente escrito em assembler. O acesso a estes elementos permite sobretudo a revelação dos segredos do fabrico do programa informático e permite a qualquer sociedade que a eles tenha acesso fabricar um programa informático concorrente.
193 Em resposta aos argumentos de que, por um lado, a Comissão não é obrigada a reparar o prejuízo invocado a título da divulgação ilícita de saber‑fazer, uma vez que só uma acção de concorrência desleal permite reparar a lesão do saber‑fazer, e, por outro, a Comissão não é comerciante nem concorrente das demandantes, mas sim uma instituição comunitária, as demandantes alegam que essa acção de concorrência desleal continua a ser, antes de mais nada, uma acção de responsabilidade extracontratual que assenta no tríptico facto ilícito, prejuízo e nexo de causalidade, o que efectivamente se verifica no caso vertente. Em todo o caso, as demandantes sublinham que a jurisprudência francesa, nesse ponto em consonância com a jurisprudência de um bom número de países europeus, esclareceu que «a simples divulgação do saber‑fazer fora da empresa era prejudicial independentemente do uso que dele possa ter sido feito» e que um «dono de obra que transmite a um subcontratante os planos elaborados por terceiros comete um ilícito que dá lugar à sua responsabilidade civil» (acórdão da cour d’appel de Paris de 31 de Maio de 1995; acórdãos da Cour de Cassation, secção comercial, de 28 de Janeiro de 1982 e de 8 de Novembro de 1994).
194 Em resposta ao argumento de que era a Comissão que tinha um saber‑fazer e que foi a Systran que dele se aproveitou, as demandantes observam que o mesmo é revelador da atitude da Comissão de se apropriar ilegalmente das versões do programa Systran destinadas a funcionar no ambiente Unix. Em várias ocasiões, a Comissão reconheceu expressamente o saber‑fazer da Systran na matéria.
195 No que respeita ao argumento extraído da cláusula de confidencialidade prevista para a adjudicação do contrato à sociedade Gosselies, as demandantes alegam que a Comissão não pode sustentar que pode roubar o saber‑fazer do grupo Systran se essa infracção se mantiver confidencial. Este raciocínio da Comissão, que equivale a dizer que um licenciado, que não foi expressamente proibido de cometer actos de contrafacção, pode livremente cometê‑los sem ser perturbado e pode livremente transmitir a terceiros, sem autorização do titular de direitos, obras protegidas na presença de uma cláusula de confidencialidade, é absurdo.
196 A Comissão observa que as demandantes, ainda que se refiram à definição de saber‑fazer vertida no Regulamento n.° 240/96, não indicam a base legal do ilícito que lhe imputam. A Comissão sustenta, quanto a esse aspecto, que o saber‑fazer não é protegido, pelo menos enquanto tal. Com efeito, nenhuma disposição legislativa consagra uma definição ou protecção do referido saber‑fazer. Segundo a Comissão, tradicionalmente a protecção do saber‑fazer é concedida unicamente com base em legislação relativa à concorrência desleal. A Comissão invoca, nesse sentido, no que respeita à Bélgica, a lei de 14 de Julho de 1991 sobre as práticas comerciais e sobre a informação e protecção dos consumidores (Moniteur belge de 29 de Agosto de 1991, p. 18712) e, no que respeita ao Luxemburgo, a lei de 27 de Novembro de 1986 que regula determinadas práticas comerciais e pune a concorrência desleal (Mémorial A 1986, p. 2214) e a lei de 30 de Julho de 2002 regula determinadas práticas comerciais, pune a concorrência desleal e transpõe a Directiva 97/55/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de Outubro de 1997, que altera a Directiva 84/450/CEE relativa à publicidade enganosa, para incluir a publicidade comparativa (Mémorial A 2002, p. 1630). Ora, em aplicação dessas disposições legislativas, as condições necessárias para a protecção do alegado saber‑fazer das demandantes no âmbito da concorrência desleal não podem ser cumpridas, na medida em que a Comissão e as demandantes não são concorrentes, em que a Comissão não é um comerciante, nem um industrial nem um artesão e em que a sede da Comissão se situa na Bélgica e não em França, o que torna inaplicável a lei francesa.
197 A Comissão alega que nunca esteve na posse dos códigos‑fonte da versão Systran Unix, mas somente dos atinentes à versão EC‑Systran Unix, sobre a qual invoca determinados direitos de propriedade e direitos de utilização, referindo os vários contratos celebrados com o grupo Systran no que respeita à versão EC‑Systran Mainframe e à migração dessa versão para o ambiente Unix. A Comissão sustenta também que os contratos que celebrou com o grupo Systran não continham nenhuma cláusula de confidencialidade a seu respeito. Para mais, nenhum desses contratos faz referência a saber‑fazer trazido pelo grupo Systran nem à protecção daquele. Além disso, a Comissão sublinha que tanto os seus serviços como os das sociedades alheias ao grupo Systran mas que trabalham ao seu lado desenvolveram largamente o programa informático Systran e as suas aplicações. Assim, as demandantes tiraram partido do saber‑fazer da Comissão ou de terceiros e puderam comercializar, em seu proveito, os produtos da Comissão e desses terceiros. A Comissão indica que algumas das pessoas que trabalharam na versão EC‑Systran Unix para a sociedade Gosselies trabalharam previamente por conta da sociedade Telindus e depois por conta da Systran Luxembourg. A sociedade Telindus, à qual a Systran Luxembourg se associou para criar a Systran Luxembourg, celebrou com a Comissão, a partir de 1990, contratos em matéria de tradução, o que prova que a Systran não pode reivindicar direitos nem saber‑fazer sobre a versão EC‑Systran Unix.
198 Por outro lado, face ao artigo 4.°, alínea a), do contrato inicial, ao n.° 6 do preâmbulo do contrato de colaboração e ao seu artigo 4.°, bem como ao artigo 1.° do apêndice 1 do anexo II do segundo contrato de migração, a adjudicação do contrato à sociedade Gosselies não podia dar origem a qualquer ilícito por parte da Comissão.
199 A Comissão esclarece também que o concurso público contém uma cláusula de confidencialidade, nos termos da qual o adjudicatário do contrato não pode utilizar ou divulgar as informações transmitidas pela Comissão (v. artigo II.9 do anexo 1 do concurso público, de 4 de Outubro de 2003). Em aplicação dessa cláusula de confidencialidade e em todo o caso, a sociedade Gosselies não podia pois divulgar as informações confidenciais que a Comissão transmitisse, se fosse caso disso. A divulgação dessas informações a essa empresa não podia pois dar origem a um prejuízo para as demandantes. A Comissão observa, por último, que os programas e os dicionários da versão EC‑Systran Unix estão alojados exclusivamente nos seus computadores.
b) Apreciação do Tribunal Geral
200 O comportamento ilegal alegado no presente processo consiste em que a Comissão atribuiu a si mesma, sem o acordo das demandantes, o direito de mandar efectuar os trabalhos referidos no concurso público, que são susceptíveis de alterar ou acarretar a divulgação a terceiros dos elementos da versão Systran Unix reproduzidos na versão EC Systran Unix do programa informático Systran, os quais são protegidos pelo direito de autor ou estão abrangidos pelo saber‑fazer do grupo Systran.
201 Para apurar se esse comportamento é ilegal, há que começar por determinar se as demandantes podem invocar, face aos princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros, o direito de se oporem a que a Comissão confie a terceiros, sem o acordo daquelas, trabalhos relativos a determinados aspectos da versão EC‑Systran Unix. Esse direito, que as demandantes fundam no direito de autor e no saber‑fazer relativos à versão original e anterior Systran Unix, é contestado pela Comissão, que alega que as demandantes não produziram provas do direito que invocam sobre essa versão do programa informático (v. n.os 178 a 179, supra).
202 Se se verificar que esses direitos podem ser invocados pelas demandantes, haverá que examinar, em seguida, a alegação da Comissão de que o grupo Systran a autorizou a confiar a um terceiro os trabalhos definidos no contrato público controvertido. No essencial, a Comissão considera, com efeito, que os diferentes contratos celebrados com a Systran desde 1975 e o financiamento atribuído para esse efeito lhe conferem direitos de utilização e direitos de propriedade sobre os vários elementos da versão EC‑Systran Unix suficientes para não ter de levar em conta o direito de oposição invocado pelas demandantes ao abrigo dos direitos detidos sobre a versão Systran Unix (v. n.os 181 a 187, supra).
203 Se se verificar que a Comissão não podia ignorar o direito de oposição invocado pelas demandantes, haverá, por último, que analisar o conteúdo dos trabalhos a efectuar na versão EC‑Systran Unix mencionados no concurso público, para saber se são susceptíveis de acarretar a alteração ou a divulgação de elementos ou de informações protegidos pelo direito de autor e pelo saber‑fazer reivindicados pelas demandantes, o que a Comissão contesta em último lugar (v. n.° 189, supra).
Quanto aos direitos invocados pelas demandantes no tocante à versão Systran Unix do programa informático Systran
204 Para definir os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros em matéria de direito de autor, as demandantes invocam a Convenção de Berna, a Directiva 91/250 e a Directiva 2004/48 (v. n.° 189, supra). Referem igualmente os direitos dos Estados‑Membros e apresentam dois pareceres do professor P. Sirinelli, que tratam da questão da admissibilidade de uma acção por contrafacção proposta por uma pessoa colectiva e do acesso à protecção, pelo direito de autor, de um programa informático reescrito, assim como a segunda nota técnica Bitan.
205 Como se explicou na fase da análise da competência do Tribunal Geral (v. n.os 68 a 73, supra), o grupo Systran tem o direito de invocar direitos de autor sobre a versão Systran Unix do programa informático Unix que desenvolveu e comercializou sob o seu nome, sem ter de produzir outros elementos de prova.
206 É certo que, regra geral, como a Comissão alega, quando se verifica um conflito sobre a existência de um direito, a prova da existência ou inexistência de um direito cabe a quem a invoca (actori incumbit probatio). Porém, em matéria de direito de autor há uma presunção legal que permite inverter o ónus da prova. O direito comunitário consagra essa presunção no artigo 5.° da Directiva 2004/48 sob a epígrafe «Presunção de autoria ou da posse», nos termos do qual «[p]ara efeitos das medidas, procedimentos e recursos previstos na presente directiva [...] [a]fim de que, na falta de prova em contrário, o autor de uma obra literária ou artística seja considerado como tal e, por conseguinte, tenha direito a intentar um processo por violação, será considerado suficiente que o seu nome apareça na obra do modo habitual». As demandantes invocaram também dois exemplos dessa presunção nos direitos dos Estados‑Membros, sem que a Comissão tenha apresentado contra‑exemplos saídos dos direitos dos Estados‑Membros. No direito francês, direito do lugar da sede da Systran, que invoca, no caso vertente, os direitos de autor sobre a versão Systran Unix do programa informático Systran que comercializa, o artigo L 113‑1 do Código da Propriedade Intelectual francês dispõe que «a qualidade de autor pertence, salvo prova em contrário, àquele ou àqueles sob cujo nome a obra é divulgada». No direito belga, país da sede da Comissão, essa presunção é consagrada pelo artigo 6.°, segundo parágrafo da Lei belga do direito de autor, segundo o qual «[s]alvo prova em contrário, presume‑se que é o autor quem seja indicado como tal na obra, por nela ser mencionado o seu nome ou uma sigla que permite identificá‑lo». Estas diferentes disposições foram invocadas como outros tantos exemplos de um princípio geral comum aos direitos dos Estados‑Membros.
207 A título de exemplo de disposições reproduzidas, no essencial, em todos os Estados‑Membros, as demandantes alegam que a obra é protegida, no direito francês, pelo simples facto de ter sido criada. O artigo L 111‑1 do Código da Propriedade Intelectual francês dispõe que «[o] autor de uma obra intelectual goza, pelo simples facto de a ter criado, de um direito de propriedade incorpóreo exclusivo e oponível erga omnes». No tocante à definição do conceito de «obra intelectual», resulta do artigo L 112‑2 do Código da Propriedade Intelectual francês que «[c]onsideram‑se obras intelectuais na acepção do presente Código: [o]s programas de computador, incluindo o material de concepção preparatório». Nenhum elemento apresentado pela Comissão vem contradizer este exemplo apresentado pelas demandantes.
208 Uma vez que a obra foi criada, presume‑se a sua originalidade. O problema que mais frequentemente se levanta em matéria de prova é o da anterioridade de uma obra relativamente a outra. No caso vertente, a prova da anterioridade da versão Systran Unix relativamente à versão EC‑Systran Unix é extraída do simples facto de a segunda versão ter sido desenvolvida na sequência da primeira e de, para a desenvolver, a Comissão ter recorrido ao grupo Systran e à sua versão Systran Unix. Importa observar, quanto a este ponto, que a Comissão, como afirma na tréplica, não contesta que a Systran seja titular de direitos sobre o programa informático Systran Unix que comercializa.
209 Por outro lado, importa observar que, segundo os dados apresentados pelas demandantes relativamente ao direito francês e ao direito belga, a qualidade de autor de uma empresa está consagrada na jurisprudência desses Estados‑Membros. Para a França, trata‑se do acórdão da primeira secção cível da Cour de cassation de 24 de Março de 1993, nos termos do qual uma pessoa colectiva tem simplesmente de provar que explora a obra para que a sua acção por contrafacção seja admissível, sem ter de provar a origem dos seus direitos, e, para a Bélgica, trata‑se do acórdão da Cour de cassation de 12 de Junho de 1998 (ver primeiro parecer Sirinelli, p. 18 e 26). Para refutar este parecer jurídico detalhado, a Comissão limita‑se a alegações vagas e sucintas assentes numa crítica à solução exposta supra por uma parte da doutrina e num acórdão de 1993 da cour d’appel de Gand que é anterior ao acórdão da Cour de cassation belga já referido. A questão do conteúdo dos direitos dos outros Estados‑Membros citados a título de exemplo pelo professor P. Sirinelli não foi levantada nem discutida pelas partes.
210 A solução jurisprudencial já referida apresenta o interesse de limitar as possibilidades de o contrafactor invocar a inadmissibilidade da acção e evita que a pessoa colectiva tenha de fornecer a cadeia completa de contratos de cessão a partir do autor pessoa singular, titular inicial do direito. Assim, em matéria de prova, é a realidade da posse à data da propositura da acção que prevalece sobre o histórico da aquisição.
211 Em resposta ao argumento da Comissão de que a presunção do direito de autor foi ilidida no tocante à versão EC‑Systran Unix, pelo facto de essa versão não ser comercializada numa embalagem que reproduza o nome do autor e de ser, por vezes, denominada «Commission’s MT system» ou «ECMT», há que observar que, para fundamentar a acção por responsabilidade extracontratual, as demandantes invocam a versão Systran Unix e procedem, em seguida, a uma comparação dessa versão com a versão EC‑Systran Unix para provar que uma parte dessa versão derivada provém da versão anterior e original. Resulta do exposto que existe, efectivamente, uma parte dita «Systran» na versão EC‑Systran Unix (a saber, nomeadamente, o essencial do núcleo), tal como não é contestado que há uma parte dita «EC» nessa versão (a saber, nomeadamente, os dicionários, que foram criados pela Comissão). A discussão não se centra, pois, na versão EC‑Systran Unix, mas sim nos direitos susceptíveis de serem invocados pelas demandantes, nos casos de obras que incidem sobre a versão EC‑Systran Unix, por terem direitos sobre a versão original e anterior Systran Unix. Além disso e acessoriamente, importa observar que resulta das definições expostas no modelo de contrato anexo ao concurso público que a denominação «Serviço (ou sistema) de tradução automática da Comissão» a que a Comissão se refere é definida da seguinte forma: «O sistema de tradução automática da Comissão foi construído em torno da EC Systran, versão específica do sistema de tradução automática Systran inicialmente desenvolvido pelo‘World Translation Center’, La Jolla, USA, que foi ulteriormente desenvolvida pela Comissão Europeia desde 1976» (The Commission’s machine translation service is built around EC Systran, a specific version of the Systran machine translation system originally developed by the World Translation Center, La Jolla, USA, which since 1976 has been further developed by the European Commission.) Assim, segundo os próprios termos utilizados pela Comissão relativamente a terceiros, o serviço ou sistema de tradução automática da Comissão tem a sua origem no sistema de tradução automática criado e desenvolvido pelo grupo WTC/Systran.
212 Em conclusão, as demandantes podem invocar, enquanto grupo Systran, direitos de autor sobre a versão Systran Unix do programa informático Systran, comercializado pela Systran há vários anos e ainda antes da elaboração da versão EC‑Systran Unix pela Systran Luxembourg para responder às necessidades específicas da Comissão.
213 Em todo o caso, as cláusulas contratuais invocadas pela Comissão não podem servir de fundamento a um alegado direito de controlo da aquisição do grupo WTC pelo grupo Systran (v. n.° 179, supra). Nesse sentido, a Comissão faz referência ao artigo 5.°, alínea c), do contrato inicial celebrado com a WTC em 22 de Setembro de 1975 para alegar que nenhuma transmissão de direitos ou obrigações decorrentes do contrato pode ter lugar sem o seu consentimento prévio. Ora, essa disposição esclarece apenas: «O Contratante não pode, sem o prévio expresso consentimento da Comissão, transmitir nem ceder todos ou parte dos direitos e obrigações decorrentes do contrato, nem subcontratar a execução das tarefas que lhe foram confiadas nem fazer‑se substituir, na prática, por terceiros, para os mesmos fins.» Apenas se aplicava durante o período de vigência do contrato, isto é, durante alguns meses, e as obrigações cuja transmissão ou cessão é mencionada apenas dizem respeito à utilização do sistema Systran e não aos direitos de propriedade sobre os mesmos. Essa disposição não pode, pois, privar a WTC do direito de dispor da propriedade daqueles mediante a sua aquisição, no final de 1985, pela sociedade Gachot, que virá a tornar‑se a Systran, como resulta dos contratos transmitidos pelas demandantes em anexo à réplica. Do mesmo modo, há que rejeitar o argumento da Comissão de que deviam ter sido identificadas as bases jurídicas e contratuais dos direitos de autor das demandantes. Com efeito, as disposições legais enunciadas supra não obrigam os autores a registar as suas obras, como pode suceder com as patentes.
214 De resto, não se pode deixar de observar que a Comissão estava perfeitamente informada de que o grupo Systran e as sociedades incorporadas por esse grupo, nomeadamente a WTC, eram titulares de direitos de propriedade intelectual sobre as várias versões do programa informático Systran exploradas comercialmente desde os anos de 1970, em especial com a Comissão. As demandantes apresentam numerosos elementos que permitem provar a existência de uma obra intelectual na matéria e que essa obra intelectual foi criada pelo Sr. Tomas e depois adquirida pelas sociedades do grupo WTC e pelas sociedades do grupo Systran (v. n.os 174 e 175, supra).
215 No que respeita à protecção invocada a título de saber‑fazer, as demandantes alegam que a divulgação, pela Comissão, a um terceiro, de informações técnicas e secretas relativas aos elementos da versão EC‑Systran Unix constitui um comportamento ilegal susceptível de dar origem à responsabilidade extracontratual da Comunidade nos termos do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE. Como se explicou na fase da análise da competência do Tribunal Geral (v. n.os 78 a 81, supra), é igualmente permitido considerar que o grupo Systran pode invocar essa protecção sobre as informações técnicas e secretas relativas à versão Systran Unix do programa informático Systran.
Quanto à afirmação de que os direitos que a Comissão tem lhe permitem ignorar o direito de oposição das demandantes
216 A Comissão, para argumentar que não tem de levar em conta o direito das demandantes, decorrente dos direitos que têm sobre a versão Systran Unix, de se oporem a que determinados trabalhos relativos à versão EC‑Systran Unix sejam confiados a terceiros, alega que tem as autorizações necessárias devido aos direitos concedidos a título dos contratos celebrados com o grupo Systran desde 1975 e ao financiamento concedido nesse âmbito.
217 Há que rejeitar esta afirmação. Com efeito, como as demandantes alegam com razão, uma cessão de direitos não pode ser presumida. A atribuição de um financiamento a um desenvolvimento informático não significa necessariamente que tenha sido adquirida a propriedade deste. Semelhante consequência jurídica deve ser expressamente mencionada no contrato em questão. As cessões de direitos são interpretadas restritivamente e a favor do autor.
218 Ora, neste aspecto, as demandantes negam categoricamente terem cedido qualquer direito de propriedade intelectual que fosse à Comissão, nem sobre o programa informático Systran Mainframe, nem sobre a ideia e escritura originais em que assenta, nem sobre o material de concepção preparatório, nem sobre a estrutura de dados, e muito menos sobre o núcleo. Os únicos direitos reconhecidos pelas demandantes à Comissão têm por objecto os dicionários, que foram desenvolvidos pelos serviços da Comissão, sem a intervenção da Systran.
219 Ademais, as disposições contratuais invocadas pela Comissão, quer visem a versão EC‑Systran Mainframe ou a versão EC‑Systran Unix, reservam expressamente a hipótese dos direitos de propriedade intelectual anteriormente existentes, quer se trate dos direitos relativos à versão Systran Mainframe, quer se trate dos direitos relativos à versão Systran Unix. Por outro lado, verifica‑se que as disposições invocadas pela Comissão não podem servir de fundamento à transmissão dos direitos de autor que o signatário (a WTC ou as sociedades do grupo Systran) tem sobre as diversas versões do programa informático Systran que estão em causa nesses contratos. Em especial, há que observar que a única disposição contratual relativa às versões EC‑Systran Unix que a Comissão evoca para justificar as suas acções é o artigo 13.°, n.os 1 e 2, dos contratos de migração, o qual condiciona a propriedade reivindicada pela Comissão à inexistência de direitos de propriedade intelectual anteriores (v. n.os 95 a 97, supra). No que respeita ao extracto do artigo 1.° do apêndice 1 do anexo II do segundo contrato de migração citado pela Comissão, este estipula: «Os trabalhos de migração descritos no presente [a]nexo técnico e a disponibilização de partes do sistema, dos recursos humanos e do saber‑fazer da [Systran Software] e da [Systran] não darão lugar a qualquer pagamento adicional nem à reivindicação de qualquer prestação pecuniária a título de qualquer direito de propriedade». Além de esta disposição reconhecer expressamente o saber‑fazer da Systran, é igualmente possível verificar que a mesma apenas vale para as prestações pecuniárias reivindicadas a título dos trabalhos de migração efectuados pela Systran Luxembourg para a Comissão. Ora, a presente acção visa trabalhos confiados pela Comissão a um terceiro na sequência de um concurso público.
220 Além disso, há que salientar que a própria Comissão sublinha que a tese dos «contratos de encomenda», que lhe permitia interpretar os contratos celebrados entre as sociedades do grupo WTC e depois entre as sociedades do grupo Systran como contratos pelos quais essas sociedades tencionavam transmitir‑lhe os respectivos direitos de autor, não resulta expressamente dos contratos a que alude. Com efeito, nenhuma disposição contratual citada pela Comissão pode ser interpretada nesse sentido, na medida em que essas várias disposições aludem a um direito de utilização e não a um direito de propriedade ou reservam expressamente os direitos de propriedade intelectual anteriormente existentes.
221 Por último, há que rejeitar o argumento que a Comissão extraiu da «filosofia» desses contratos, uma vez que a filosofia dos contratos, em matéria de disponibilização de um programa informático consiste precisamente na limitação dos direitos do utilizador a uma só licença de exploração, sem por isso lhe permitir apropriar‑se do programa informático.
222 Em conclusão, a Comissão não logrou provar que estava contratualmente autorizada pelas demandantes a proceder às utilizações e às divulgações efectuadas após a adjudicação do contrato público controvertido a título da propriedade que poderia reivindicar sobre a versão EC‑Systran Unix do programa informático Systran.
223 Subsidiariamente, a Comissão sustenta que pode proceder a alterações da versão EC‑Systran Unix, sem por isso lesar os eventuais direitos de autor do grupo Systran sobre a versão Systran Unix, na medida em que essas alterações foram autorizadas legalmente a qualquer pessoa que beneficie de uma licença de exploração.
224 A Comissão invoca, neste aspecto, o artigo 6.° da Lei belga dos programas de computador, que indica que os actos de reprodução e de adaptação de um programa de computador a que se refere o artigo 5.°, alíneas a) e b) dessa lei não estão sujeitos a autorização do titular quando sejam necessários para permitir, a quem tem o direito de utilizar o programa, fazê‑lo de acordo com a finalidade a que se destina, incluindo a correcção de erros. A Comissão evoca igualmente o artigo 28.°, n.° 4, da Lei luxemburguesa dos programas de computador, o qual, sob a epígrafe «Excepções aos actos sujeitos a restrições», prevê que, «[s]alvo disposições contratuais específicas em contrário, os actos previstos no artigo 28[.° n.° 3, alíneas] a) e b) não estão sujeitos à autorização do titular se forem necessários para a utilização do programa de computador pelo seu legítimo adquirente de acordo com o fim a que esse programa se destina, inclusivamente para a correcção de erros». Do mesmo modo, de acordo com o artigo 34.° da Lei luxemburguesa dos direitos de autor, sob a epígrafe «Excepções aos actos sujeitos a restrições»: «[s]alvo disposições contratuais específicas em contrário, os actos previstos no artigo 33.° não estão sujeitos à autorização do titular se forem necessários para a utilização do programa de computador pelo seu legítimo adquirente de acordo com o fim a que esse programa de computador se destina, inclusivamente para corrigir erros e para o integrar numa base de dados que o mesmo faz funcionar».
225 No entanto, há que salientar que esta excepção legal aos actos sujeitos a restrições, isto é, aos actos que carecem do acordo do autor, é de interpretação estrita. Esta excepção prevista no artigo 5.° da Directiva 91/250 para os actos abrangidos pelo direito exclusivo do autor do programa definidos pelo artigo 4.° dessa directiva apenas é susceptível de se aplicar aos trabalhos realizados pelo legítimo adquirente do programa de computador e não aos trabalhos confiados a um terceiro por esse adquirente (v. parecer do professor P. Sirinelli sobre o alcance do direito do utilizador legítimo do programa de computador de o alterar e terceira nota técnica de H. Bitan sobre a natureza dos trabalhos técnicos confiados à Gosselies; v. também as respostas das partes às questões postas pelo Tribunal Geral no tocante aos direitos do utilizador). Essa excepção continua igualmente a estar limitada aos actos necessários para permitir ao legítimo adquirente a utilização do programa de computador de acordo com o fim a que esse programa se destina, inclusivamente para a correcção de erros. No caso vertente, a Comissão não indicou onde é que as alterações pedidas podiam ser confiadas a um terceiro nem onde é que eram necessárias para corrigir erros ou para permitir a utilização do programa de acordo com o fim a que se destinava. Nenhum elemento dos autos permite compreender a que título essa excepção permitia mandar efectuar aperfeiçoamentos, adaptações ou aditamentos ao programa de computador utilizado pela Comissão (sobre a natureza do trabalhos confiados pela Comissão a um terceiro, v. n.os 227 a 250, infra). Com efeito, esses trabalhos pertencem aos actos sujeitos a restrições, na medida em que dizem respeito à adaptação, arranjo ou qualquer outra alteração do programa de computador, na acepção do artigo 4.° da Directiva 91/250. Na audiência, as demandantes indicaram assim que, ao contrário do que a Comissão afirma, os seus outros clientes pedem‑lhes autorização para procederem a alterações da mesma natureza das que eram pedidas à sociedade Gosselies.
226 Em conclusão, a Comissão não logrou provar, no presente processo, por que razões podia invocar a excepção legal aos actos sujeitos a restrições para confiar a um terceiro os trabalhos a realizar no âmbito do contrato público controvertido. Saliente‑se, aliás, que, em todo o caso, a Comissão alega que os actos que lhe são imputados estão, pelo menos, parcialmente cobertos pela excepção prevista no artigo 5.° da Directiva 91/250 (v. resposta da Comissão à terceira série de questões, observações sobre o preço de uma licença de utilização do programa informático Systran, n.° 23), o que significa, implicitamente, que a Comissão reconhece que determinados trabalhos pedidos no âmbito do concurso público controvertido podem não estar abrangidos por essa excepção e podem constituir um acto sujeito a autorização, na acepção definida pelo artigo 4.° da Directiva 91/250.
227 Há, pois, que considerar, em primeiro lugar, que as demandantes podem invocar direitos de autor e a protecção associada ao saber‑fazer sobre as informações e elementos relativos à versão original e anterior Systran Unix que se encontram na versão derivada EC‑Systran Unix, em segundo lugar, que a Comissão não logrou provar que as demandantes não dispunham dos direitos reivindicados no tocante à versão Systran Unix, que esses direitos lhe foram cedidos expressa ou implicitamente através dos contratos celebrados com o grupo Systran ou do financiamento concedido quanto às versões EC‑Systran Mainframe e EC‑Systran Unix e, em terceiro lugar, que a Comissão tão‑pouco logrou provar que podia mandar efectuar, por um terceiro, os trabalhos pedidos, sem obter o prévio acordo do grupo Systran.
Quanto à natureza dos trabalhos confiados pela Comissão a um terceiro
228 Para que fique provada a violação do direito de oposição reivindicado pelas demandantes, estas têm de demonstrar que os trabalhos mencionados no concurso público, e relativamente aos quais o grupo Systran não pôde dar o seu acordo, eram susceptíveis de acarretar a transmissão de informações ou de elementos relativos à versão Systran Unix que se encontram na versão EC‑Systran Unix.
229 No caso vertente, para provar a existência dessa alteração ou divulgação ilícita, há que começar por recordar que o concurso público aberto pela Comissão dizia respeito à manutenção e ao reforço linguístico do seu sistema de tradução automática. Esse concurso público compreendia as seguintes prestações:
«3.1 Codificação dos dicionários: codificação dos dicionários, com base na informação recebida, dos glossários e dos textos submetidos a tradução automática pelos utilizadores, incluindo o alinhamento dos dicionários entre os pares de línguas. Será fornecido um programa utilitário para ajudar na codificação. […] Esta tarefa compreende também:
A revisão e codificação dos ficheiros de dicionários de tradução automática que foram preparados para os serviços de tradução automática da Comissão por outras fontes.
A recolha dos ficheiros dos utilizadores – a pedido, o contratante examina as entradas dos utilizadores e, quando os termos sejam de uso corrente, inclui‑os nos dicionários principais, assegurando‑se de que não há conflitos com termos existentes.
3.2 Aperfeiçoamentos, adaptações e aditamentos às rotinas linguísticas: aperfeiçoamentos específicos dos programas de análise, de transferência e de síntese, com base na informação recebida, nos glossários e nos textos submetidos a tradução automática pelos utilizadores. Por exemplo: o tratamento, à saída, das palavras separadas por hífenes, na língua de partida e na de chegada, as maiúsculas, o genitivo inglês‘s, as palavras homógrafas, e o respeito das convenções da Comissão (nomeadamente a escrita de números).
3. Actualização do sistema: a actualização dos dicionários e programas tem lugar a pedido da Comissão. O contratante colaborará estreitamente com a Comissão para assegurar a integração harmoniosa das actualizações.
3.4 Actualizações da documentação: o contratante efectuará as necessárias actualizações da documentação (por exemplo, os manuais de codificação) relativa às partes do sistema de que é responsável e conservará os documentos revistos no centro de dados. As versões actualizadas contêm uma descrição e uma explicação dos aperfeiçoamentos e alterações efectuados no âmbito do contrato […]»
(3.1 Dictionary coding: Dictionary coding based on feedback, glossaries and texts submitted to MT by users, including the «levelling‑up» of dictionaries between language pairs. A utility will be provided to help with coding. […] This task also includes:
The revision and encoding of MT dictionary files which have been prepared for the Commission’s MT service by other sources.
The harvesting of users’custom dictionary files – if requested, the contractor will review user entries, and where terms are of general use, include them in the main dictionaries, ensuring that there is no conflict with existing terms.
3.2 Enhancements, Adaptations and Additions to Linguistic Routines: Specific improvements to Analysis, Transfer and Synthesis programs based on feedback, glossaries and texts submitted to MT by users. For example: the treatment of hyphenated words in source and target output, capitalisation, the English genitive s, homographs, and respect of Commission conventions (amongst others, for the writing of numbers).
3.3 System updates: Updates to dictionaries and programs will take place as required by the Commission. The contractor will work closely with the Commission to ensure the smooth integration of updates.
3.4 Documentation updates: The contractor shall update as required any documentation (e.g. coding manuals) on parts of the system for which he is responsible and shall store revised documents at the Data Centre. The updated versions shall include a description of, and explanation for, improvements and changes made under contract […])
230 Segundo as demandantes, a realização destas tarefas carece da alteração e da adaptação do núcleo do sistema, dos programas linguísticos e da estrutura dos dados do programa informático Systran (versão EC‑Systran Unix), o que implica a alteração do código‑fonte desse programa e do material de concepção preparatório. A necessidade de dispor dos códigos‑fonte e de os alterar para realizar as tarefas do concurso público é corroborada pelo ponto 3.7.5. do concurso público, nos termos do qual uma das obrigações que incumbe ao contratante é assegurar‑se de que as últimas versões dos códigos‑fonte, dos dicionários e dos programas estão correctamente instalados e compilados nos servidores da Comissão.
231 Por outro lado, a primeira nota técnica Bitan explica, sem ser posta em causa pela Comissão, em que é que a realização dos trabalhos confiados à sociedade Gosselies por força do contrato público adjudicado exigia que se tocasse em aspectos da versão EC‑Systran Unix retomados da versão Systran Unix.
232 Na descrição funcional dos elementos do programa informático Systran, é observado, na primeira nota técnica Bitan, o seguinte:
– A funcionalidade «decomposição das palavras com hífen» mencionada no concurso público (ponto 3.2. do concurso público, v. n.° 229, supra) é efectuada no núcleo, no âmbito dos módulos de pré‑tratamento dos documentos;
– A funcionalidade «maiúscula», a saber, o tratamento das maiúsculas de uma língua para outra, mencionada no concurso público (ponto 3.2. do concurso público, v. n.° 229, supra) é efectuada no núcleo, no âmbito dos módulos de pós‑tratamento dos documentos;
– As regras de formatação tipográfica (por exemplo, a gestão dos números ou dos espaços) mencionadas no concurso público (ponto 3.2. do concurso público, v. n.° 229, supra) são aplicadas no núcleo, no âmbito dos módulos de pós‑tratamento dos documentos;
– As regras de consulta dos dicionários (por exemplo, para a restituição do genitivo inglês) mencionadas no concurso público (ponto 3.2. do concurso público, v. n.° 229, supra) são aplicadas no núcleo, que contém especificidades por língua.
233 Como se expôs supra, as partes não contestam que o núcleo está no centro do «desenvolvimento linguístico». Não é constituído por bibliotecas estáticas, independentes do processo de «desenvolvimento linguístico», mas, pelo contrário, é parte integrante e essencial desse processo. Quanto a este aspecto, esclarece‑se na primeira nota técnica Bitan que, num «quadro normal de desenvolvimento linguístico», o núcleo deve ser alterado em numerosos casos, nomeadamente nos seguintes trabalhos previstos no concurso público: «Aperfeiçoamentos, adaptações e aditamentos às rotinas linguísticas» (ponto 3.2. do concurso, v. n.° 229, supra, e primeira nota técnica Bitan).
234 Resulta do exposto que, para poder realizar as tarefas que lhe são confiadas, o adjudicatário do contrato deve dispor dos códigos‑fonte da versão EC‑Systran Unix, de modo a poder adaptá‑los e alterá‑los para realizar os aperfeiçoamentos específicos dos programas de análise, de transferência e de síntese definidos no ponto 3.2. do concurso público, e efectuar as actualizações pedidas nos pontos 3.3, 3.4. e 3.7.5. do concurso público.
235 Os argumentos avançados pela Comissão não permitem pôr em causa esta apreciação. A este respeito, recorde‑se que a Comissão nega formalmente ter transmitido os códigos-fonte da versão EC Systran Unix no âmbito dos trabalhos a efectuar em cumprimento do contrato público adjudicado à sociedade Gosselies. A Comissão indica que os trabalhos confiados a essa sociedade não exigem a intervenção no núcleo do programa informático.
236 Esta negação assenta numa nota técnica da DGT de 16 de Janeiro de 2008, destinada a fornecer elementos de resposta à primeira nota técnica Bitan, a seguir «segunda nota» ou «segunda nota da DGT». Na introdução da sua segunda nota, a DGT revela que a primeira nota técnica Bitan visa sobretudo demonstrar que todas as alterações de tipo linguístico se passam na «zona de análise» e que, inevitavelmente, culminam num tratamento pelo núcleo e, portanto, numa alteração do próprio núcleo. Porém, é sublinhado, na segunda nota da DGT, que os trabalhos previstos no concurso público que incidem nas rotinas linguísticas não exigem a alteração do núcleo.
237 Para fundamentar esta tese, a DGT observa que não se pode confundir o contentor (a estrutura definida ao nível do núcleo) com o conteúdo (os códigos atribuídos pelos programas linguísticos e que têm uma conotação linguística) da «zona de análise». O princípio da modularidade dos componentes do sistema de tradução impõe uma separação nítida, não só entre os diferentes módulos linguísticos, mas também entre os módulos linguísticos e o núcleo. Para a DGT, o núcleo tem um alcance linguístico marginal. A este respeito, a DGT salienta que, ainda que seja verdade que o núcleo controla a execução do processo de tradução, que interage com todos os componentes e que contém determinadas funcionalidades que podem ser vagamente definidas como de ordem linguística (segmentação em períodos, tratamento das palavras com hífen ou de palavras não encontradas), é igualmente verdade que os módulos do núcleo têm um alcance geral, ao passo que as rotinas linguísticas são específicas de uma língua de partida, de um par de línguas ou de uma língua de chegada.
238 A DGT, depois de examinar os exemplos fornecidos no concurso público de 4 de Outubro de 2003 e destacados como outros tantos elementos que requerem obrigatoriamente uma intervenção no núcleo, faz as duas observações seguintes:
– «[a]o contrário do alegado pela Systran, a referência às [rotinas linguísticas], no concurso público […], exprime com exactidão a natureza das prestações a fornecer, a saber, aperfeiçoamentos específicos dos programas de análise, [de] transferência e [de] síntese, baseados no feed‑back dos utilizadores. Os exemplos de problemas enunciados no concurso público são apresentados a título puramente indicativo e, manifestamente, de natureza puramente linguística»;
– «[p]arece evidente que os problemas linguísticos são, antes de mais nada, resolvidos nas [rotinas linguísticas], que, como o seu nome indica, são capazes de o fazer. E ainda que determinados problemas referidos sejam tratados ao nível do núcleo, também podem perfeitamente sê‑lo, e são‑no, ao nível das [rotinas linguísticas] e dos dicionários. Como sucede em qualquer sistema complexo, as modalidades de tratamento dos fenómenos linguísticos são numerosas e complexas».
239 Resulta do exposto que a DGT não contesta realmente as afirmações de H. Bitan de que determinadas missões confiadas no âmbito do contrato público adjudicado carecem de uma intervenção no núcleo. Assim, a DGT reconhece expressamente que o núcleo do programa informático Systran, cuja estrutura é idêntica nas versões Systran Unix e EC‑Systran Unix, contém determinadas funcionalidades, como a do tratamento das palavras com hífen referido no concurso público. Do mesmo modo, a DGT reconhece implicitamente as afirmações feitas por H. Bitan, quando se limita a indicar que, «ainda que determinados problemas referidos sejam tratados ao nível do núcleo, também podem perfeitamente sê‑lo, e são‑no, ao nível das [rotinas linguísticas] e dos dicionários». Com efeito, pode‑se ou codificar directamente nos dicionários todas as palavras que têm um hífen, ou pedir que seja elaborado ou aperfeiçoado um programa que permita tratar sistematicamente as palavras com hífen sem que seja necessário codificá‑las, uma a uma, nos dicionários. H. Bitan observa, a este propósito, sem ser contraditado pela DGT, que a funcionalidade «decomposição das palavras com hífen», isto é, o programa informático que trata sistematicamente esta questão, é operada no núcleo, no âmbito dos módulos de pré‑tratamento dos documentos. Além disso, a DGT não pode afirmar convincentemente que os exemplos enunciados no concurso público e destacados por H. Bitan como carecendo de uma intervenção no núcleo são puramente indicativos. Trata‑se, segundo os próprios termos do concurso público, de exemplos, fornecidos pelos utilizadores da versão EC‑Systran Unix, de aperfeiçoamentos específicos que deverão ser efectuados no âmbito do contrato público.
240 No que respeita, mais especificamente, ao tratamento das palavras com hífen (por exemplo, o termo «hospital‑based», a DGT observa que o papel do núcleo dificilmente pode ser definido como linguístico, pois aquele limita‑se, primeiro, a procurar no dicionário a palavra tal como ela está escrita e, em seguida, se o resultado for negativo, a repetir a busca suprimindo o hífen (para o termo «hospitalbased»). Se a busca continuar a revelar‑se infrutífera, as duas palavras («hospital» e «based») são então procuradas separadamente. Este tipo de palavras pode ser facilmente tratado mediante a sua codificação directa no dicionário, como sucedeu com a palavra «medium‑sized», que surge frequentemente nos documentos comunitários. Uma vez codificada, a palavra já não carece de mais nenhum tratamento e não levanta nenhum problema. O essencial do tratamento é, então, feito nos programas linguísticos e, antes de mais nada, no programa Ehmrt000.c. Em seguida, o tratamento prossegue ao nível da transferência. Para a maioria dos pares de línguas são estabelecidas, a partir do inglês, rotinas lexicais que tratam as palavras com hífen.
241 Contudo, estes elementos não põem em causa a necessidade de uma intervenção no núcleo para cumprir o contrato público adjudicado. Pouco importa saber que é possível outra abordagem, do mesmo modo que é irrelevante saber se o conteúdo da funcionalidade pedida é de natureza linguística. O que conta é a abordagem adoptada na versão EC‑Systran Unix, que, aqui, é idêntica à adoptada na versão Systran Unix. Assim, nada há que contradiga a afirmação do perito em informática das demandantes de que o tratamento das palavras com hífen graças ao programa informático relativo a essa funcionalidade é, de facto, efectuado ao nível do núcleo. Pelo contrário, esta afirmação é confirmada pela segunda nota da DGT (v. n.° 239, supra). Ademais, o concurso público não exige, nesse aspecto, que o adjudicatário codifique todas as palavras com hífen existentes, mas que seja aperfeiçoado o programa informático relativo a essa funcionalidade.
242 No que respeita ao tratamento das maiúsculas, a DGT salienta que o papel do núcleo não é de todo linguístico, mas sim mecânico. Por exemplo, o papel do programa Rtrprint.c, que constitui um programa do núcleo, mencionado na primeira nota técnica Bitan, é apenas aplicar, na língua de chegada, as decisões tomadas pelos programas linguísticos, designadamente a rotina lexical Lefweekd.c, que constitui um programa das rotinas linguísticas, rotina que trata os dias da semana. Da mesma forma, a decisão de aplicar a funcionalidade «maiúscula» em função das regras gramaticais e do contexto linguístico é tomada nos programas linguísticos e resulta, em primeiro lugar, da análise feita pelo programa Epropnou.c, que trata os nomes próprios, as siglas, os acrónimos, etc. O tratamento pode ser prosseguido ao nível da transferência nas rotinas lexicais, como no par de línguas inglês‑italiano. A DGT salienta igualmente que a decisão sobre as maiúsculas pode até ser tomada ao nível dos dicionários. Por exemplo, são codificados com maiúscula no início da palavra todos os nomes próprios (Panamá, Palestina, Parkinson) ou todos os substantivos alemães.
243 Contudo, estes elementos não põem em causa a necessidade de uma intervenção no núcleo para cumprir o contrato público adjudicado. Pouco importa, a este respeito, saber qual a natureza, linguística ou mecânica, da intervenção realizada, pois só está em causa o facto de serem introduzidas alterações não autorizadas a elementos protegidos pelo direito de autor e pelo saber‑fazer. O que conta é a abordagem adoptada na versão EC‑Systran Unix, que, aqui, é idêntica à adoptada na versão Systran Unix. No caso vertente, o concurso público exigia ao adjudicatário que aperfeiçoasse o programa informático relativo a essa funcionalidade e nada há que contradiga a afirmação do perito em informática das demandantes de que o tratamento das maiúsculas de uma língua para outra é efectuado no núcleo, no âmbito dos módulos de pós‑tratamento do texto. Pelo contrário, a DGT reconhece expressamente que o núcleo é, pelo menos, posto a colaborar nesse processo, pois as decisões tomadas por certas rotinas são executadas no núcleo. De resto, no que toca aos códigos‑fonte das versões Systran Unix e EC‑Systran Unix, há que observar que H. Bitan não só demonstrou que 80 a 95% dos códigos‑fonte eram semelhantes nos núcleos das duas versões, mas também que existiam outras semelhanças ao nível das rotinas linguísticas, uma vez que uma grande parte das rotinas da versão Systran Unix se encontra na versão EC‑Systran Unix. Tal como a versão EC‑Systran Unix, a versão Systran Unix dispõe de um programa que permite tratar as maiúsculas. Também aqui o concurso público não exige ao adjudicatário que codifique todas as palavras com maiúscula existentes, mas sim que aperfeiçoe o programa informático relativo a essa funcionalidade.
244 A DGT não contempla esta questão do respeito das convenções da Comissão, que, segundo H. Bitan, carece de intervenção no núcleo.
245 No tocante ao tratamento do genitivo inglês «‘s» (por exemplo, o termo «operator’s»), a DGT sublinha que o papel do núcleo no tratamento deste tipo de palavras é muito limitado e consiste em suprimir o «‘s» para permitir a procura da palavra simples («operator») no dicionário. Ademais, como esse tratamento funciona perfeitamente, não há nenhum motivo para o alterar.
246 Estes elementos de modo algum põem em causa a necessidade do acesso ao núcleo e da sua alteração para cumprir o contrato público adjudicado. Pelo contrário, a DGT confirma expressamente o papel do núcleo no tratamento do genitivo inglês e limita‑se a indicar que o papel do programa informático elaborado para assegurar essa funcionalidade funcionava perfeitamente, ao passo que resulta do próprio texto do concurso público que se tratava de um dos aperfeiçoamentos específicos que tinham de ser realizados pelo adjudicatário do contrato.
247 A natureza das intervenções pedidas à sociedade Gosselies foi objecto de várias questões no âmbito da segunda série de questões do Tribunal Geral e na audiência. Em especial, o Tribunal Geral pediu à Comissão que indicasse se efectivamente tinha facultado o acesso aos códigos‑fonte do núcleo do programa informático Systran para permitir a realização dos trabalhos confiados à sociedade Gosselies, quer estes tenham ou não por objecto, principal ou acessório, outras partes do programa informático Systran. Para o caso de a Comissão manter as afirmações de que, por um lado, os trabalhos em causa não carecem de intervenção ao nível do núcleo de base e, por outro, não divulgou à Gosselies os códigos‑fonte do sistema EC‑Systran Unix, foi pedido às partes que indicassem se e como essas afirmações poderiam ser verificadas no plano técnico.
248 Em resposta a estas questões, a Comissão manteve as suas afirmações de que «os trabalhos confiados à sociedade Gosselies não careciam de intervenção ao nível do núcleo de base» e indicou que «não tinha facultado o acesso aos códigos‑fonte do núcleo do programa informático Systran ou divulgado à Gosselies os códigos‑fonte do sistema EC‑Systran Unix». A Comissão referiu igualmente o acordo de confidencialidade relativo ao concurso público de 4 de Outubro de 2003, que pouco importa no tocante à questão da responsabilidade da Comissão no presente processo. No que respeita à verificação técnica dessas afirmações, que são contraditadas pelo texto do concurso público e pela primeira nota técnica Bitan, a Comissão sustenta o seguinte, na sua resposta à segunda série de questões:
«Atendendo às competências técnicas necessárias para praticar os actos acima referidos e às qualificações de linguistas (e não de informáticos) dos empregados da Gosselies que executarão o contrato com a Comissão, pode‑se afirmar que estes não estavam, de modo algum, em condições de intervir no núcleo de base. A este respeito, pode‑se esclarecer que os trabalhos realizados na época pela sociedade Gosselies são hoje realizados pelos linguistas da Comissão.»
249 Há que comparar esta resposta com a das demandantes, cujo perito, H. Bitan, indica, na sua terceira nota técnica, relativa ao método de verificação das afirmações técnicas da Comissão, o procedimento a seguir para comparar as duas versões do programa informático EC‑Systran Unix, a saber, a que é anterior ao concurso público e a que é posterior e que permite cumprir as expectativas da Comissão. Este ponto foi discutido na audiência, em que a Comissão observou que semelhante procedimento não era tão difícil de pôr em prática como pensava.
250 Consequentemente, face aos argumentos aduzidos pelas partes e às respostas dadas pela Comissão às questões do Tribunal Geral, há que considerar que a Comissão não logrou pôr em causa os dados apresentados pelas demandantes para fundamentar a sua tese de que os trabalhos pedidos à Gosselies exigiam o acesso ao código‑fonte da versão EC‑Systran Unix e a sua alteração. A posição da Comissão é contraditada simultaneamente pelos dados técnicos apresentados, a esse respeito, pelas demandantes e pelo seu próprio concurso público. Por outro lado, as demandantes sustentam que a «sociedade Gosselies, que apenas tinha uma existência embrionária à data do concurso público e quase não tinha trabalhadores, conseguiu, graças à contratação dos antigos trabalhadores da Systran Luxembourg, adquirir as competências humanas para responder ao concurso público e obter a adjudicação do contrato». Ora, resulta dos relatórios de actividades da Systran Luxembourg, apresentados nos anexos 4 e 5 da resposta da Comissão à última série de questões, que aquela efectuava tarefas de natureza informática e não de natureza linguística. Na audiência, a Comissão apresentou os curriculum vitae dos trabalhadores da Gosselies, o que permitiu verificar que estes não só eram linguistas, mas também informáticos perfeitamente capazes de aceder aos códigos‑fonte do programa informático Systran e trabalhar nesses códigos, incluindo os correspondentes ao núcleo ou às rotinas linguísticas associadas.
251 Por último, importa observar que, em resposta à terceira série de questões sobre os elementos a ter em conta para a avaliação do dano, a Comissão apresentou, em anexo, um relatório pericial de 3 de Maio de 2010, preparado por L. Golvers, engenheiro civil, perito em informática nos tribunais belgas, sobre os alegados ilícitos que aquela cometera no tocante à alteração do núcleo da versão EC‑Systran Unix e à divulgação do saber‑fazer da Systran, a seguir «relatório Golvers»; v. também a nota das observações sobre o relatório Golvers elaborada por H. Bitan sem prejuízo da decisão do Tribunal Geral sobre a admissibilidade do relatório Golvers, apresentada em anexo às respostas das demandantes à quarta série de respostas, e um atestado, de 23 de Abril de 2010, apresentado por A. Seck, administrador da sociedade Gosselies, que expõe o conteúdo dos trabalhos realizados por essa sociedade para a Comissão (a seguir «atestado Gosselies»).
252 Contudo, não se pode deixar de observar que tanto o relatório Golvers como o atestado Gosselies foram apresentados numa fase extremamente tardia, sem que o atraso verificado na respectiva apresentação tenha sido objecto de qualquer fundamentação no momento em que esses documentos foram apresentados. Esta falta de fundamentação é tanto mais incompreensível quanto é certo que diferentes aspectos da ilegalidade do comportamento da Comissão, especialmente os aspectos relativos à peritagem informática esperada da parte da Comissão para refutar os argumentos apresentados pelo perito em informática das demandantes e as informações susceptíveis de serem apresentadas para compreender melhor os trabalhos realizados pelo adjudicatário do contrato, tinham sido objecto das duas primeiras séries de questões e foram abundantemente discutidas na audiência.
253 Consequentemente, de acordo com o artigo 48.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, há que considerar que tanto o relatório Golvers como o atestado Gosselies são inadmissíveis, pelo que não serão tidos em conta no âmbito da apreciação dos argumentos das partes.
254 Em todo o caso, no tocante ao relatório Golvers, há que sublinhar que este relatório, que no entanto foi preparado por um engenheiro civil perito em informática nos tribunais belgas, não vem contradizer, quanto a esta questão, os resultados da perícia informática apresentada pelo perito das demandantes. Com efeito, o Sr. Golvers não baseia o seu relatório nas várias versões do programa informático Systran, quer se trate do Systran Unix ou das várias versões do EC‑Systran Unix, antes e depois da realização dos trabalhos previstos no concurso público controvertido, nem examinou o resultado dos trabalhos realizados pela sociedade Gosselies por conta da Comissão. A este respeito, recorde‑se que, em resposta a uma questão escrita do Tribunal e na audiência, o perito em informática das demandantes indicou claramente como era possível à Comissão comparar as várias versões do programa informático EC‑Systran Unix para confirmar ou refutar as indicações de que os vários trabalhos previstos no concurso público exigiam acesso ao núcleo e às rotinas linguísticas associadas e tinham a consequência de os alterar. Assim, foi dada várias vezes à Comissão a possibilidade de se eximir de qualquer responsabilidade, mediante a produção da prova material de que não tinha sido efectuada nenhuma alteração aos dados protegidos pelo direito de autor e pelo saber‑fazer da Systran, na sequência da realização dos trabalhos previstos no concurso público. O relatório Golvers não constitui essa prova material.
255 O relatório Golvers baseia‑se exclusivamente nos articulados, nos anexos e nos actos processuais do presente processo, incluindo as várias notas técnicas do perito em informática das demandantes, e em entrevistas com funcionários da DGT e com D. Buisoni, administrador da sociedade Gosselies e antigo programador da Systran Luxembourg. No plano técnico, o Sr. Golvers recorda, no essencial, a importância que a Comissão atribui aos dicionários que elaborou, o que não é discutido nem impede minimamente o grupo Systran de invocar direitos de propriedade intelectual sobre o núcleo do programa informático Systran, quer se trate da versão inicial Systran Mainframe, mas também e sobretudo da versão Systran Unix, única relevante para o presente processo.
256 L. Golvers sublinha também que, por hipótese, o pessoal da sociedade Gosselies não tinha as competências técnicas necessárias para efectuar intervenções em programas complexos escritos em linguagem C, enquanto indica também que a sociedade Gosselies era composta pelo pessoal da Systran Luxembourg, o qual era perfeitamente capaz de trabalhar nas várias versões do programa informático Systran.
257 Além disso, na sua descrição dos trabalhos realizados pela Gosselies para cumprir o concurso público, L. Golvers destaca, sobretudo, os trabalhos destinados a responder ao ponto 3.1. do concurso público, a saber, a codificação dos dicionários, e não refere minimamente os trabalhos ligados à execução do ponto 3.2., isto é, os aperfeiçoamentos, adaptações e aditamentos introduzidos nas rotinas linguísticas.
258 Quanto à codificação, esta é efectuada por intermédio de um programa informático exterior, chamado «DMP», não mencionado no concurso público e cuja existência foi invocada pela primeira vez nesta fase do procedimento, isto é, em 5 de Maio de 2010. Segundo o relatório Golvers, a codificação dos dicionários consistiu no aditamento e correcção de 10 577 entradas. O atestado Gosselies indica, a este propósito, que a sociedade Gosselies «tinha a missão de apurar os dicionários electrónicos que, com o passar dos anos, continham milhares de adaptações a efectuar» e que, para o fazer, «utilizou o programa DMP que permite visualizar mais facilmente as incoerências, corrigi‑las e […] gravar os dicionários num formato aberto de bases de dados». A este respeito, face às observações apresentadas pelo perito das demandantes sobre essa questão, verifica‑se que parece pouco provável que a Comissão tenha podido pagar cerca de 2 milhões de euros a um prestador de serviços externo para corrigir 10 577 entradas de um programa, ou seja, segundo os cálculos efectuados por H. Bitan atendendo à duração do contrato público, o equivalente a 2,5 entradas por dia e por empregado da Gosselies, enquanto um lexicógrafo da Systran efectua, em média, 400 entradas por dia.
259 No tocante aos outros trabalhos, o relatório Golvers indica, sumariamente, que a sociedade Gosselies «efectuou, maioritariamente, trabalhos de actualização dos dicionários e algumas adaptações de rotinas, não no‘kernel’, mas sim nos ficheiros extraídos automaticamente do Mainframe Amdhal». O atestado Gosselies nem sequer alude a este aspecto, excepto, possivelmente e de forma ambígua, quando refere que «as adaptações dos dicionários apenas tinham por objectivo, em última análise, melhorar a tradução». Se se seguir a tese avançada por L. Golvers, ainda que se verifique que as «poucas» adaptações das rotinas linguísticas efectuadas pela sociedade Gosselies exigiam que se trabalhasse com o código‑fonte da versão EC‑Systran Unix, o grupo Systran não tem direitos de autor ou de saber‑fazer nesse aspecto, uma vez que se trata apenas da versão Unix de um código‑fonte que anteriormente existia unicamente na versão EC‑Systran Mainframe, sobre a qual o grupo Systran não pode invocar qualquer direito e que em nada pode ser associada à versão Systran Unix. Recorde‑se, a este propósito, que resulta da instrução que a versão Systran Unix é uma versão que pode ser qualificada de trabalho primário, original e susceptível de protecção, que a versão EC‑Systran Unix é uma versão derivada do Systran Unix que inclui várias semelhanças significativas ao nível do núcleo e das rotinas linguísticas e que a Comissão nunca logrou comprovar quais os elementos do núcleo e das rotinas linguísticas do Systran Unix cuja propriedade reivindicava, devido aos direitos que detinha sobre os dicionários e rotinas linguísticas associadas ao EC‑Systran Mainframe, sem que as demandantes possam invocar, esse respeito, os direitos detidos sobre a versão original Systran Mainframe.
260 Em contrapartida, as demandantes alegam e fazem prova bastante de que as alterações pedidas no ponto 3.2. do concurso público exigiam o acesso aos elementos da versão EC‑Systran Unix retomados da versão Systran Unix e a respectiva alteração. A Comissão não chegou a apresentar prova do contrário, quando procedeu a uma comparação entre as várias versões do programa informático Systran, para demonstrar que nenhum dos dados constantes do núcleo da versão Systran Unix fora alterado pelos trabalhos efectuados após o concurso público.
261 Resulta do exposto supra que a Comissão, ao atribuir‑se o direito de efectuar trabalhos que implicariam uma alteração dos elementos relativos à versão Systran Unix do programa informático Systran que se encontravam na versão EC‑Systran Unix, sem ter obtido o prévio acordo do grupo Systran, cometeu uma ilegalidade à luz dos princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros aplicáveis na matéria. Este ilícito, que constitui uma violação suficientemente caracterizada dos direitos de autor e de saber‑fazer que o grupo Systran tem sobre a versão Systran Unix do programa informático Systran, é susceptível de dar lugar à responsabilidade extracontratual da Comunidade.
B – Quanto aos prejuízos sofridos e ao nexo de causalidade
1. Quanto ao prejuízo sofrido pela Systran Luxembourg e ao nexo de causalidade
a) Argumentos das partes
262 As demandantes alegam que o prejuízo sofrido pela Systran Luxembourg ascende a, pelo menos, 1 170 328 euros. Este prejuízo compreende, antes de mais, as perdas de 571 000 euros que essa sociedade sofreu em 2003. Com efeito, o concurso público aberto pela Comissão em 2003 foi antecedido da cessação das relações comerciais com a Systran Luxembourg, a qual levou ao despedimento dos trabalhadores dessa sociedade. Estas perdas devem, pois, ser levadas em conta, uma vez que a decisão de despedir o pessoal da Systran Luxembourg só foi tomada após a cessação das relações comerciais com a Comissão. O prejuízo da Systran Luxembourg é constituído também pelos lucros cessantes decorrentes da adjudicação do contrato à sociedade Gosselies, na sequência do concurso público, em violação dos direitos do grupo Systran. As demandantes calculam esses lucros cessantes em 30% da margem líquida. Uma vez que o contrato adjudicado à sociedade Gosselies previa um volume de negócios anual de 800 000 euros durante quatro anos, esse prejuízo é igual a 30% de 3 200 000 euros, isto é, 960 000 euros. Na réplica, as demandantes esclarecem que esse montante é de 599 328 euros, atendendo ao cálculo apresentado pela Comissão, segundo o qual os 30% devem ser calculados sobre a quantia de 1 997 960 euros. O prejuízo sofrido pela Systran Luxembourg decorre directamente dos actos da Comissão, que estão exclusivamente na origem dos despedimentos efectuados por essa sociedade. Do mesmo modo, os lucros cessantes sofridos pela Systran Luxembourg estão directamente ligados à decisão da Comissão de adjudicar o contrato à sociedade Gosselies, em violação dos direitos do grupo Systran.
263 A Comissão sustenta que as demandantes não provam a realidade do dano invocado, no tocante à Systran Luxembourg. Além disso, os comportamentos que lhe são imputados não estão na origem das perdas dessa sociedade em 2003 e dos lucros cessantes invocados para os anos de 2003 a 2007. Com efeito, nem a Systran Luxembourg nem a Systran participaram no concurso público de 4 de Outubro de 2003. Além do mais, mesmo admitindo que esse prejuízo existe, a base de cálculo utilizada deveria levar em conta o volume de negócios total resultante dos contratos celebrados com a sociedade Gosselies na sequência do concurso público de 4 de Outubro de 2003, ou seja, 1 997 760 euros durante quatro anos e não 3 200 000 euros como as demandantes referem. Além disso, o objecto social da Systran Luxembourg é diversificado e visa os «desenvolvimentos informáticos, nomeadamente no domínio das línguas naturais, a venda e prestações de serviços informáticos e de programas informáticos, o tratamento, captura e tradução de texto sob qualquer forma». Logo, a cessação das actividades da Systran Luxembourg não pode ser imputada à Comissão.
b) Apreciação do Tribunal Geral
264 As demandantes requerem uma indemnização no montante de 1 170 328 euros, pelo prejuízo alegadamente sofrido pela Systran Luxembourg, ou seja, 571 000 euros pelas perdas decorrentes da cessação de actividades em 2003 e 599 328 euros pelos lucros cessantes decorrentes da adjudicação do contrato, pelo concurso público, à sociedade Gosselies.
265 No entanto, importa salientar que o facto gerador do prejuízo decorrente da cessação de actividades consistiu, como as demandantes esclareceram na audiência, numa manobra da Comissão para levar a Systran Luxembourg a despedir o seu pessoal. Semelhante manobra, a admitir que está provada, não está relacionada com os direitos de autor e de saber‑fazer da Systran sobre o Systran Unix, cuja inobservância constitui a ilegalidade invocada pelas demandantes e reconhecida no caso vertente. Ademais, o prejuízo que consiste no lucro cessante não pode ser directamente imputado à Comissão, dado que a Systran Luxembourg não apresentou a sua candidatura no concurso público controvertido, que levou à adjudicação do contrato à sociedade Gosselies.
266 Na falta de nexo de causalidade entre o comportamento imputado à Comissão e os danos invocados pela Systran Luxembourg, esta não pode ser indemnizada do prejuízo que invoca.
267 Consequentemente, há que julgar improcedente o pedido da Systran Luxembourg de indemnização das perdas decorrentes da cessação das suas actividades em 2003 e dos lucros cessantes decorrentes da adjudicação do contrato à sociedade Gosselies.
2. Quanto aos prejuízos sofridos pela Systran e ao nexo de causalidade
268 Nesta fase, importa recordar que, para que se verifique a responsabilidade extracontratual da Comunidade, é necessário que o prejuízo cujo ressarcimento é pedido seja real e certo (v., nesse sentido, acórdão Agraz e o./Comissão, referido no n.° 126, supra, n.° 27 e jurisprudência referida) e que haja um nexo de causa e efeito suficientemente directo entre o comportamento da instituição e o dano (v., nesse sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 1979, Dumortier e o./Conselho, 64/76, 113/76, 167/78, 239/78, 27/79, 28/79 e 45/79, Recueil, p. 3091, n.° 21).
a) Argumentos das partes
Quanto às várias formas de prejuízo, à sua realidade e ao nexo de causalidade
269 Em primeiro lugar, as demandantes alegam que o prejuízo material sofrido pela Systran ascende, no total, a 46 804 000 euros. Segundo afirmam, este prejuízo decorre directamente dos actos da Comissão. Resulta, em primeiro lugar, da depreciação dos títulos que a Systran tem na Systran Luxembourg. O valor desses títulos, aprovisionados a 100% na contabilidade da Systran, é de 1 950 000 euros, a que é necessário acrescentar uma outra provisão de 64 000 euros, ou seja, 2 014 000 euros, no total. O prejuízo material da Systran é igualmente constituído pela perda do valor económico dos seus activos incorpóreos. Quando adjudicou o contrato à sociedade Gosselies, divulgando assim o saber‑fazer da Systran sem ter obtido o acordo desta, a Comissão esvaziou esses activos do seu valor económico, que assenta no seu carácter secreto. O prejuízo que a Comissão tem de indemnizar integralmente corresponde, pois, ao valor do saber‑fazer divulgado. As demandantes insistem igualmente que as alegadas contrafacção e divulgação do saber‑fazer lhes causaram um prejuízo real. Apresentam vários atestados de distribuidores, financeiros e revisores oficiais de contas que mostram a que ponto as atitudes da Comissão no tocante aos direitos de autor daquelas lhes causaram um grave prejuízo.
270 A Comissão critica esta avaliação do prejuízo material, com os fundamentos de que a realidade do dano não está provada e de que, ainda que seja a autora dos alegados ilícitos que lhe são imputados, esses ilícitos não levaram à depreciação total dos títulos da Systran Luxembourg, nem a um dano correspondente à perda total do valor patrimonial dos activos incorpóreos da Systran. Segundo a Comissão, as demandantes tão‑pouco chegaram a provar a existência de qualquer nexo de causalidade entre as ilegalidades alegadas e o prejuízo pretensamente sofrido. Ademais, resulta do relatório de gestão da Systran para 2005, que reproduz as contas de 2001 a 2005, que 2003 foi um ano particularmente proveitoso face aos anos anteriores (2001 e 2002) e aos seguintes (2004 e 2005). Este relatório não explica a baixa do volume de negócios pela perda do cliente Comissão ou pela existência de uma alegada contrafacção efectuada pela Comissão. Quanto a este aspecto, o referido relatório salienta:
«Em regra, os programa informáticos não são invenções patenteáveis. O Grupo conserva todos os direitos de autor sobre a sua tecnologia e sobre os seus produtos. Até hoje, o Grupo não se envolveu em nenhum litígio no domínio dos direitos de autor […] Não há qualquer litígio ou arbitragem susceptível de ter, ou que tenha tido num passado recente, influência sensível na situação financeira, na actividade ou nos resultados do Grupo.»
271 No tocante aos vários atestados apresentados para ilustrar a realidade do prejuízo, a Comissão começa por impugnar o atestado dos revisores oficiais de contas, porquanto nele se indica que a divulgação que lhe é imputada justifica parcialmente a provisão efectuada pela Systran. A Comissão, afirma, no essencial, que se trata de um «escrito de oportunidade» efectuado relativamente a um ano, 2008, em que todas as empresas eram prudentes. A Comissão sustenta também que é manifestamente falso que o seu comportamento tenha vindo perturbar as relações comerciais do grupo Systran, uma vez que foi este que mediatizou o litígio e que nem ela nem a Gosselies são concorrentes do grupo Systran. É manifesto que os documentos apresentados pelos distribuidores da Systran foram elaborados a posteriori e que é absurdo sustentar que a alegada contrafacção possa ter tido impacto nesses distribuidores. As dificuldades comerciais devem‑se antes ao surgimento de soluções concorrentes, à obsolescência de várias versões do programa informático ou à crise económica de 2008/2009. Por outro lado, a Comissão entende que é incorrecta a informação de que o seu comportamento poderia representar um obstáculo significativo para os investidores interessados no grupo Systran. Com efeito, o comportamento destes poderia ser explicado pelo facto de o grupo ter perdido a Comissão como cliente, mas não foi provado nenhum nexo de causalidade nesse sentido.
272 Em segundo lugar, as demandantes avaliam os danos morais sofridos pela Systran em pelo menos 2 milhões de euros. Estes danos morais apenas podem ser objecto de estimativa, ainda que sejam certos, pois o grupo Systran sofreu prejuízos consideráveis devido à divulgação efectuada pela Comissão. A reputação do grupo Systran foi ainda lesada devido ao facto de as demandantes se terem visto obrigadas a propor uma acção contra um cliente institucional, o que afecta significativamente a sua imagem e as suas relações comerciais. Ademais, o comportamento da Comissão mais não faz do que incentivar os outros clientes e os clientes potenciais do grupo Systran a tentar apropriar‑se do seu sistema por vias diversas da via comercial.
273 A este respeito, a Comissão observa que a Systran é a única responsável pela mediatização do litígio, pelo que não há que indemnizá‑la por qualquer dano moral que seja. A Comissão sublinha igualmente que, se a vítima de uma contrafacção não conseguir provar o seu prejuízo ou a dimensão deste, a indemnização pode ser recusada ou limitada ao «franco simbólico». Não foi produzida nenhuma prova da existência de danos morais de 2 milhões de euros ou de um nexo de causalidade entre o comportamento que lhe é imputado e esses alegados danos morais.
Quanto à avaliação inicial da perda de valor dos activos incorpóreos
274 Em resposta às observações da Comissão sobre a perda de valor dos activos incorpóreos, as demandantes apresentaram uma nota efectuada pelo seu perito financeiro (nota de A. Martin, perito em contabilidade e revisor oficial de contas em França, acreditado junto de vários tribunais franceses, entre os quais a Cour de cassation, sobre a avaliação dos activos incorpóreos da Systran, a seguir «primeira nota financeira das demandantes»). No tocante à Systran, sociedade «monoproduto», os únicos activos incorpóreos «valorizáveis» são o programa informático e o saber‑fazer que parcialmente imobiliza nas suas contas. Todavia, este valor contabilístico não constitui o valor real desses activos, que pode ser estimado a partir do valor da sociedade na Bolsa. No caso vertente, a evolução do valor das acções da Systran permite, assim, estabelecer uma correlação evidente entre os ilícitos da Comissão e a perda de valor dessa sociedade na Bolsa e, portanto, a perda de valor dos seus activos incorpóreos. Na primeira nota financeira das demandantes, A. Martin conclui o seguinte: «Os activos incorpóreos da Systran [podiam] ser avaliados a partir da capitalização bolsista no início de 2004, da ordem dos 43 [a] 45 milhões de euros. Esses activos incorpóreos são representados, essencialmente, pelo programa informático de tradução automática, único produto da Systran, e pelo saber‑fazer associado. Em fins de 2004, esses activos incorpóreos apenas representavam um valor de 23 [a] 24 milhões de euros, não se encontrando outra explicação para a depreciação de 20 [a] 21 milhões de euros que não os actos da Comissão […] que levaram à divulgação desses elementos e à sua utilização controvertida.» Consequentemente, as demandantes alegam, nesta fase, que a Comissão deve ser condenada, no tocante à perda de valor dos activos incorpóreos, na quantia de 44 790 000 euros, na medida em que a divulgação faz esses activos perderem todo o seu valor económico. Segundo entendem, a Comissão deve, pelo menos, ser condenada a indemnizar o prejuízo desde já declarado e que consiste na perda do valor atribuído pelo mercado, a saber, a quantia de 21 milhões de euros decorrente da divulgação.
275 Em resposta à primeira nota financeira das demandantes, a Comissão apresenta uma nota elaborada pela sua perita financeira (nota de P. Tytgat, revisora oficial de contas na Bélgica). Assim, em resposta à afirmação de que, «após um decréscimo em 2004, devida em larga medida à perda da Comissão [como cliente], o volume de negócios [da Systran] manteve‑se estável em 2005, antes de sofrer novo decréscimo em 2006», a perita da Comissão sublinha que era a Systran Luxembourg e não a Systran que tinha a Comissão como cliente e que essa afirmação parece demonstrar que o decréscimo do volume de negócios da Systran não resultava da alegada contrafacção. Para refutar as afirmações de que «a diminuição da capitalização bolsista ao longo de 2004 […] não pode ser explicada senão pelos actos da Comissão» e que a «queda regular da cotação [das acções] da Systran em 2004, à medida que se expandia a notícia da divulgação, pela Comissão, do programa informático e do saber‑fazer, enquanto os valores em bolsa aumentam, e desta forma o CAC 40 aumenta de um valor médio mensal de 3 636 [pontos] em Janeiro para 3 796 [pontos] em Dezembro de 2004», a perita da Comissão salienta que não se deve fazer a comparação da evolução da cotação da Systran por referência à do índice CAC 40, mas por referência ao índice sectorial Programas e Serviços Informáticos da Bolsa de Paris. Segundo afirma, esta evolução demonstra que as acções da Systran seguiram o índice sectorial, o que prova que a alegada contrafacção não está na origem do prejuízo invocado. Além disso, o valor de um activo incorpóreo depende de uma avaliação financeira num dado momento e não da cotação das acções, que depende de toda uma série de outros factores. É, pois, sem razão que as demandantes alegam que o valor do imobilizado corpóreo de uma sociedade é, automaticamente e sem distinções, função da sua capitalização bolsista. A perita da Comissão sublinha também que o activo da Systran não é constituído só pelo programa informático Systran. Esta sociedade comercializa outros programas informáticos e possui uma marca que, atendendo à sua posição no mercado dos programas informáticos de tradução, é um outro elemento importante do seu activo incorpóreo. A Systran não é, pois, «monoproduto» e está fora de questão sustentar que o valor global do goodwill da Systran possa ter sido afectado.
Quanto às outras avaliações do prejuízo
276 Após a audiência e em resposta à terceira e quarta séries de questões relativas à avaliação do prejuízo, as demandantes mencionam os dois métodos de avaliação referidos no artigo 13.° da Directiva 2004/48, a saber, o método dito «das consequências económicas negativas», que toma em consideração «todos os aspectos relevantes», entre os quais os lucros cessantes e a perda de valor dos activos incorpóreos, e o método dito de «indemnização fixa», em que é determinado um montante fixo para a indemnização, com base em elementos como o montante das taxas que teriam sido devidas se o autor da contrafacção tivesse pedido autorização para utilizar o direito de propriedade intelectual em questão. As respostas das demandantes são acompanhadas de duas notas elaboradas pelo seu perito financeiro (nota de A. Martin de 23 de Abril de 2010 e nota de A. Martin de 2 de Junho de 2010, a seguir, respectivamente, «segunda nota financeira das demandantes» e «terceira nota financeira das demandantes»).
277 A título preliminar, as demandantes começam por se debruçar sobre a realidade do prejuízo sofrido devido à perda de valor dos activos incorpóreos. Sublinham que, durante o ano de 2004, em pouco menos de doze meses após a adjudicação do contrato público, esses activos sofreram uma desvalorização de 46%, ou seja, uma desvalorização num montante compreendido entre 20 e 21 milhões de euros, quando, durante esse mesmo período, a capitalização bolsista dos valores do sector aumentou em 1,5%, segundo os dados do índice Programas e Serviços Informáticos da Bolsa de Paris. Segundo afirmam, só a divulgação, pela Comissão, do saber‑fazer da Systran poderá explicar tal queda da cotação daqueles. Esta perda de valor subsequentemente agravou‑se, para atingir entre 43 e 45 milhões de euros em Março de 2010.
278 Em seguida, as demandantes sustentam que a perda de valor dos activos incorpóreos deve ser tomada em consideração tanto no método das consequências económicas negativas como no método da indemnização fixa. Duas abordagens permitem apreciar esta perda de valor: a avaliação por determinação das perdas dos cash‑flow futuros, proposta na audiência por P. Tytgat, perita financeira da Comissão, ou a avaliação mediante a comparação com a capitalização bolsista, proposta inicialmente por A. Martin. As demandantes alegam que a primeira abordagem é menos pertinente do que a segunda, uma vez que assenta em elementos previsionais e hipotéticos. No entanto, essa abordagem foi seguida por A. Martin na segunda nota financeira das demandantes, que conclui que o prejuízo da Systran era então de 33,5 milhões de euros (ou seja, 18,5 milhões de euros para o período 2004/2010 e 15 milhões de euros para o futuro, segundo os dados actualizados para levar em conta o primeiro semestre de 2010). No que respeita ao segundo período, as demandantes salientam que a indicação de que factores diversos do comportamento ilegal da Comissão podem explicar a perda de capitalização bolsista teoricamente é relevante, mas sem consequências no caso vertente, uma vez que nenhum outro factor explica o decréscimo da capitalização bolsista de 46% em 2004, comparado com o aumento de 1,5% do índice de referência. Em todo o caso, seja qual for a abordagem adoptada, o prejuízo resultante da perda de valor dos activos incorpóreos ascende, no mínimo, a 20 milhões de euros.
279 Em resposta à questão do Tribunal Geral sobre a avaliação da perda de valor dos activos incorpóreos por aplicação de uma taxa de 5% ao volume de negócios realizado desde 2004, as demandantes alegam que essa abordagem só pode ser seguida no método da indemnização fixa e não no método das consequências económicas negativas. Em aplicação do método de indemnização fixa, há então que tomar em consideração os elementos seguintes: o montante das remunerações que a Comissão deveria ter pago para poder alterar o código‑fonte da Systran (ou seja, 10,9 milhões de euros para o período compreendido entre 2004 e o primeiro semestre de 2010), acrescido, em primeiro lugar, de um «montante complementar» que leva em conta outros elementos, como o enfraquecimento da posição concorrencial da Systran, a perda de clientela e o entrave à capacidade de desenvolvimento que a mera atribuição das remunerações referidas supra não logra reparar – a este respeito, A. Martin observa que esse montante complementar pode ser determinado mediante a aplicação de uma percentagem ao volume de negócios, sob reserva da consideração do volume de negócios mundial e não europeu, da utilização do volume de negócios de 2003 como base de cálculo e da aplicação de uma taxa não de 5%, mas sim de 10% – e, em segundo lugar, do prejuízo futuro avaliado por A. Martin em 15 milhões de euros.
280 Por seu lado, a Comissão contesta, a título preliminar, a realidade do prejuízo material sofrido pelo grupo Systran, uma vez que aquele não decorre de forma suficientemente directa do comportamento que lhe é imputado. A Comissão, invocando os seus direitos sobre os dicionários, sustenta que podia mandar efectuar os trabalhos pedidos à sociedade Gosselies sem o acordo do grupo Systran. A Comissão nota igualmente que os trabalhadores da sociedade Gosselies eram trabalhadores da Systran Luxembourg e que tinham, por isso, conhecimento do saber‑fazer cuja divulgação é alegada. As respostas da Comissão vinham acompanhadas por uma nota elaborada pela sua perita financeira (nota de P. Tytgat de 3 de Maio de 2010 e nota de P. Tytgat de 10 de Junho de 2010, a seguir, respectivamente, «segunda nota financeira da Comissão» e «terceira nota financeira da Comissão»).
281 Em resposta à questão do Tribunal Geral sobre a avaliação de parte do prejuízo sofrido mediante a aplicação de uma taxa de 5% ao volume de negócios realizado desde 2004, a Comissão reproduz a análise de P. Tytgat de que «é irrelevante fazer referência a 5% do volume de negócios realizado pela Systran desde 2004». P. Tytgat sublinha que nenhum elemento de facto permite concluir que o valor do goodwill da Systran pôde ser alterado desde 2004. Por não ter apresentado proposta no concurso público aberto pela Comissão em 2004, a Systran encontrava‑se «mal posicionada numa das suas actividades a um dado momento». Na complexa matriz das actividades, custos, margens e volume de negócios da Systran, não é possível determinar de forma precisa, determinada e comprovada os efeitos financeiros de uma acção determinada, da mesma forma que não é possível avaliar um prejuízo devido à perda de capitalização bolsista. Ademais, desde 2005 vários elementos podiam afectar o valor do grupo Systran. A única forma de avaliar um eventual prejuízo consiste em fazer referência à «perda de cash‑flow futuro estritamente gerada pelo activo perdido», graças a uma abordagem que parte do baixo, «isto é, [dos] contratos, [dos] centros de despesas, de uma unidade geradora de tesouraria», e não do alto, «de volumes de negócios agregados para todos os produtos, todos os contratos, todos os países, com coeficientes fixos não demonstrados». Além disso, a actividade da Systran é «multiprodutos, multissegmentos, multiterritórios, multiportais e, por isso, multiclientes». Segundo o relatório de gestão da Systran para 2008, as actividades de edição de programas informáticos, que eram cíclicas, estavam em baixa, pois a versão 6 do programa informático Systran estava quase ultrapassada e toda a gente esperava a versão 7. A matriz multidimensional evocada por P. Tytgat e a curta vida de determinados produtos comercializados pela Systran tornam voláteis determinadas componentes do volume de negócios, e logo perigosa qualquer referência a este. Por último, o essencial do volume de negócios da Systran provém de grandes operadores da Internet, o que proporciona a prova da inexistência do prejuízo, pois estes clientes continuam a estar presentes.
b) Apreciação do Tribunal Geral
282 No caso vertente, as demandantes pedem uma indemnização de 46 804 000 euros pelo prejuízo material que a Comissão causou à Systran, ou seja, 2 014 000 euros devido à depreciação dos títulos da Systran Luxembourg e 44 790 000 euros devido à perda de valor dos activos incorpóreos, a qual compreende perdas desde logo declaradas de 21 milhões de euros.
Quanto à depreciação dos títulos da Systran Luxembourg
283 Quanto ao prejuízo associado à depreciação dos títulos da Systran Luxembourg na sequência da cessação das actividades dessa sociedade, importa salientar que a Systran não pode pedir uma indemnização a esse título, dado que, segundo as demandantes, a cessação das actividades da Systran Luxembourg teve origem numa manobra da Comissão para a levar a despedir o seu pessoal (v. n.° 265, supra). Semelhante manobra, a admitir que está provada, não está relacionada com os direitos de autor e de saber‑fazer da Systran sobre o Systran Unix, cuja inobservância constitui a ilegalidade invocada pelas demandantes e reconhecida no caso vertente. Ademais, se a manobra em causa consistir na adjudicação do contrato público controvertido a outra sociedade, o prejuízo invocado a esse título não pode ser directamente imputado à Comissão, dado a Systran Luxembourg não ter apresentado a sua candidatura no concurso público controvertido, que levaria à adjudicação do contrato à sociedade Gosselies.
284 Na falta de nexo de causalidade entre o comportamento imputado à Comissão e o dano alegado, há que julgar improcedente o pedido da Systran de indemnização das perdas relacionadas com a depreciação dos títulos da Systran Luxembourg.
Quanto à perda de valor dos activos incorpóreos
285 Quanto ao prejuízo associado à perda de valor dos activos incorpóreos da Systran, haverá que indemnizar as demandantes se se verificar que o prejuízo cuja reparação é pedida é real e certo e que existe um nexo suficientemente directo de causa e efeito entre o comportamento da Comissão e o dano.
– Quanto à avaliação inicial proposta pelas demandantes
286 A título preliminar, há que referir que não pode ser acolhida a avaliação inicialmente proposta pelas demandantes para apreciar a perda de valor dos activos incorpóreos da Systran. Com efeito, essa avaliação assenta na comparação do valor da Systran na bolsa face a um índice que reúne as 40 principais sociedades cotadas na Bolsa de Paris (índice CAC 40) (v. n.° 274, supra e a primeira nota financeira das demandantes). No caso vertente, semelhante comparação não tem valor probatório, uma vez que é demasiado geral para permitir identificar satisfatoriamente o dano causado pelo comportamento imputado à Comissão.
287 Como a perita financeira da Comissão referiu com razão, a perda de capitalização bolsista pode ser explicada por numerosíssimos factores, e não apenas pelo comportamento da Comissão.
288 É certo que o perito financeiro das demandantes observou, a este respeito, que, em seu entender, nenhum outro elemento diverso da divulgação ilícita do saber‑fazer da Systran pode explicar a queda da cotação das acções ocorrida em 2004, que é igualmente significativa se for comparada com um índice sectorial relevante, dito «Programas e Serviços Informáticos», da Bolsa de Paris, e já não com o índice CAC 40.
289 Contudo, e ao contrário do que as demandantes afirmam, não está suficientemente provado que a queda regular da cotação das acções da Systran em 2004 ocorreu à medida que se expandia a notícia da divulgação, pela Comissão, do programa informático e do saber‑fazer associado. Com efeito, a julgar pela leitura dos vários documentos dos autos, essa notícia expandiu‑se antes em 2005 ou, em todo o caso, tornou‑se pública em 2006. Assim, a queixa contra a Comissão foi apresentada ao Provedor de Justiça Europeu em 28 de Julho de 2005 e este apresentou os resultados da sua investigação em 28 de Setembro de 2006. Do mesmo modo, na segunda nota financeira da Comissão, P. Tytgat observa, após ter indicado que «nenhum elemento de facto permite concluir que o valor do goodwill […] da Systran pareça ter‑se alterado desde 2004 (ver sítio e outros comunicados)», que «por outro lado sabe‑se, por exemplo, que a própria divulgação da existência do litígio pela Systran, a partir do seu comunicado de imprensa de 18 de Outubro de 2006 às 6h48m e do seu relatório de gestão de 2006, teve consequências negativas no valor do grupo». Não era feita qualquer referência a esse litígio no relatório de gestão de 2005 (v. n.° 270, supra). Por outro lado, os vários artigos de imprensa anexados à petição inicial para ilustrar a cobertura mediática do presente processo datam todos do fim de 2005 ou de 2006.
290 Consequentemente, face aos dados apresentados pelas partes, não se pode afastar a hipótese de a cotação das acções da Systran no período considerado depender de numerosíssimos factores susceptíveis de a influenciar, o que impede as demandantes de invocar a totalidade da perda de valor dos activos incorpóreos da Systran, por elas avaliado numa quantia compreendida entre 43 e 45 milhões de euros desde 2004.
– Quanto à realidade do prejuízo sofrido pela Systran e ao nexo de causalidade entre esse prejuízo e o comportamento da Comissão
291 Esta avaliação inicial insuficientemente precisa nem por isso leva o Tribunal Geral a abstrair de que o grupo Systran sofreu, no caso vertente, um prejuízo real e certo, imputável de forma suficientemente directa ao comportamento imputado à Comissão.
292 Em resposta à segunda série de questões, destinadas nomeadamente a medir os efeitos do comportamento da Comissão nas actividades do grupo Systran por forma diversa da comparação com o valor da Systran em bolsa, as demandantes transmitiram toda uma série de elementos para ilustrar a perda de valor do saber‑fazer da Systran subsequente à sua divulgação pela Comissão.
293 Em primeiro lugar, as demandantes apresentaram dois atestados passados pelos seus distribuidores, nos quais se expõe a medida em que a atitude da Comissão, à data e após a adjudicação do contrato público controvertido, lesa concretamente as actividades comerciais do grupo Systran. Este prejuízo materializa‑se na perda de clientes potenciais e na complicação das conversações com os clientes actuais, que não compreendem por que razão têm de pagar qualquer coisa que não tem valor para a Comissão (v. atestados apresentados em nome de dois distribuidores, anexados à resposta das demandantes à segunda série de questões).
294 Ao contrário do que a Comissão afirma (v. n.° 271, supra), estes atestados ilustram o facto, perfeitamente plausível, de que um litígio que opõe uma empresa, que comercializa um programa informático de que é autora, a um dos seus clientes institucionais, que afirma poder confiar a um terceiro trabalhos de informática num programa informático derivado do anterior sem precisar de obter autorização do autor da obra original, torna mais difíceis as relações comerciais dessa empresa com os clientes actuais e potenciais. Neste aspecto, a Comissão não pode censurar a Systran, sociedade cotada na bolsa, por ter indicado ao público, em consonância com os seus deveres, que um litígio as opunha no tocante à propriedade intelectual do programa informático que a segunda comercializa. Do mesmo modo, o facto de a Comissão não comercializar nenhum programa informático não tem influência no facto de, devido ao seu comportamento, os clientes do grupo Systran poderem duvidar do alcance exacto dos direitos que a Systran tem sobre o programa informático que comercializa. Assim, nada indica que os atestados apresentados pelas demandantes devam ser afastados devido à sua alegada oportunidade. Pelo contrário, esses atestados sublinham o impacto específico do comportamento da Comissão nas actividades comerciais da Systran.
295 Em segundo lugar, as demandantes apresentaram vários atestados ou depoimentos redigidos por sociedades financeiras, que demonstram que o comportamento da Comissão diminuiu a atractividade da Systran junto dos seus accionistas, investidores actuais ou potenciais ou ainda de adquirentes da sociedade (v. documentos apresentados em nome de várias sociedades de investimento e de um banco anexados à resposta das demandantes à segunda série de questões).
296 Ao contrário do que a Comissão afirma (v. n.° 271, supra), estes vários atestados e depoimentos fazem prova suficiente das reacções de vários investidores face à ideia de se manterem em, de investirem em ou adquirirem uma sociedade que comercializa um programa informático cujos direitos são contestados pela Comissão. Assim, determinados investidores recusaram investir na Systran. Outro decidiu vender uma participação significativa com prejuízo, referindo expressamente que «o litígio da Systran com a Comissão, e sobretudo a contestação, pela segunda, […] dos direitos e do saber‑fazer da Systran impedem a sociedade de se desenvolver comercialmente e priva, assim, os investidores de qualquer visibilidade sobre o título». A este respeito, importa sublinhar que a Comissão não é um cliente qualquer, mas sim um cliente institucional que dispõe de um serviço jurídico particularmente robusto e de competências significativas em matéria de propriedade intelectual. A natureza do litígio deve também ser tomada em consideração, uma vez que esse litígio não é de natureza simplesmente comercial, mas diz respeito aos direitos de autor e de saber‑fazer da Systran relativos ao programa informático que tem o seu nome e constitui o activo mais importante dessa sociedade, cuja actividade gira, na totalidade, em torno do desenvolvimento e da comercialização do seu programa de tradução automática Systran.
297 Neste aspecto, a argumentação da Comissão de que a obsolescência das várias versões do programa informático Systran está na origem das dificuldades da Systran não pode ser acolhida. Como as demandantes indicam na sua resposta à quarta série de questões, a comercialização de uma nova versão de um programa informático não afecta os direitos de propriedade do seu autor sobre a versão anterior, que conserva valor económico. O grupo Systran continua a obter dos seus clientes lucros com as versões anteriores, devido à manutenção, às vendas de licenças adicionais para cobrir novos pares de línguas ou outros servidores, à venda de prestações de serviços associados ou aos acordos de integração com outros editores de programas informáticos. Ademais, as demandantes sublinham, de forma convincente, que a versão EC‑Systran Unix, que corresponde à versão Systran Unix 4, tem a mesma arquitectura do que as versões seguintes (isto é, as versões 5 a 7). Todas estas versões têm um código‑fonte comum e assentam no mesmo programa informático, a saber, o programa informático Systran na sua versão Unix. Estas várias versões não se distinguem pela sua arquitectura, mas sim pela adição de novas funcionalidades, pelo aperfeiçoamento dos algoritmos de tradução e pelo enriquecimento dos recursos linguísticos.
298 Em terceiro lugar, as demandantes sublinharam que a desvalorização dos direitos de propriedade intelectual da Systran relacionada com o comportamento da Comissão se agravou com o passar do tempo. Observam que, em 31 de Dezembro de 2008, a Systran foi levada a efectuar uma provisão num montante significativo para a depreciação dos seus activos incorpóreos, «face ao significativo prejuízo resultante da violação dos seus direitos de propriedade intelectual e da divulgação do seu saber‑fazer pela Comissão, às dificuldades encontradas em 2008 e à instabilidade excepcional do ambiente económico actual» (ver atestado dos revisores oficiais de contas da Systran, de 13 de Outubro de 2009). O comportamento da Comissão justifica, pois, pelo menos parcialmente, essa provisão contabilística.
299 Não se pode deixar de observar que esse atestado permite provar que a provisão de 11,6 milhões de euros para a depreciação dos activos incorpóreos, contabilizada em 2008, está ligada às três razões a que nele se aludem, a primeira das quais é o litígio com a Comissão. Apesar das observações apresentadas pela Comissão (v. n.° 271, supra), que procuram pôr em destaque outra razão mencionada nesse atestado, a saber, a crise financeira excepcional que começou em 2008, nem por isso se pode excluir que um litígio sobre a violação dos direitos de propriedade intelectual e sobre a divulgação ilícita do saber‑fazer da Systran é susceptível de ter repercussões na valorização dos activos incorpóreos dessa sociedade.
300 Consequentemente, o comportamento da Comissão no presente processo apresenta um nexo suficientemente directo de causa e efeito com o dano sofrido pela Systran, primeiro, no plano comercial, devido à perda de clientes potenciais e à complicação das conversações com os clientes actuais, em seguida, no plano financeiro, devido à diminuição da sua atractividade junto dos accionistas, dos investidores ou dos eventuais adquirentes da sociedade, e, por último, devido à necessidade de a Systran contabilizar, no fim de 2008, uma parte da provisão de 11,6 milhões de euros para a depreciação dos seus activos incorpóreos devido ao comportamento imputado à Comissão. Este dano causado pelo comportamento da Comissão é real e certo, como resulta dos documentos nesse sentido apresentados pelas demandantes, ainda que não possa ser quantificado com precisão. A questão do prejuízo moral é analisada nos n.os 324 e 325, infra.
– Quanto à avaliação do prejuízo num montante fixo
301 Neste contexto, as partes foram questionadas sobre o método susceptível de ser utilizado para avaliar o montante do prejuízo real e certo, imputável de forma suficientemente directa, ao comportamento da Comissão no presente processo.
302 Em resposta à terceira série de questões, as demandantes invocaram o conteúdo do artigo 13.° da Directiva 2004/48, nos termos do qual:
«1. Os Estados‑Membros devem assegurar que, a pedido da parte lesada, as autoridades judiciais competentes ordenem ao infractor que, sabendo‑o ou tendo motivos razoáveis para o saber, tenha desenvolvido uma actividade ilícita, pague ao titular do direito uma indemnização por perdas e danos adequada ao prejuízo por este efectivamente sofrido devido à violação.
Ao estabelecerem o montante das indemnizações por perdas e danos, as autoridades judiciais:
a) Devem ter em conta todos os aspectos relevantes, como as consequências económicas negativas, nomeadamente os lucros cessantes, sofridas pela parte lesada, quaisquer lucros indevidos obtidos pelo infractor e, se for caso disso, outros elementos para além dos factores económicos, como os danos morais causados pela violação ao titular do direito; ou
b) Em alternativa à alínea a), podem, se for caso disso, estabelecer a indemnização por perdas e danos como uma quantia fixa, com base em elementos como, no mínimo, o montante das remunerações ou dos direitos que teriam sido auferidos se o infractor tivesse solicitado autorização para utilizar o direito de propriedade intelectual em questão.
[…]»
303 A aplicação do método das consequências económicas negativas suscita sérias dificuldades no presente processo, uma vez que a perita financeira da Comissão se opõe sistematicamente a todas as tentativas de avaliação efectuadas pelo perito financeiro das demandantes. No essencial, P. Tytgat contenta‑se em criticar as avaliações e os critérios utilizados por A. Martin para avaliar as diferentes consequências económicas negativas, nomeadamente os lucros cessantes, sofridas pela Systran, sem contudo proceder a uma avaliação paralela.
304 A título de exemplo, quando A. Martin tenta avaliar o prejuízo associado à desvalorização dos activos incorpóreos com recurso ao método sugerido por P. Tytgat na audiência, a saber, a perda de cash‑flow futuro estritamente gerada pelos activos em causa, é criticado por utilizar dados resultantes da análise financeira efectuada por um gabinete de análise, dados esses cuja «exactidão da correlação» não é demonstrada (terceira nota financeira da Comissão, p. 4). Porém, não é proposto, em concreto, nenhum critério de substituição, ao passo que A. Martin tinha indicado que a referida análise financeira, realizada por um gabinete de análise independente, tinha sido efectuada quando do projecto de emissão de 7 milhões de euros de obrigações com cupão de subscrição que a Systran tentara, sem sucesso, levar a cabo no início de 2004, o que corresponde perfeitamente ao período a tomar em consideração (segunda nota financeira das demandantes, nota de rodapé n.° 2, e anexo a essa nota).
305 Do mesmo modo, quando as demandantes indicam, sem serem seriamente contraditadas pela Comissão, por um lado, que os direitos de autor da Systran sobre a versão Systran Unix do programa informático Systran constituem o núcleo da actividade dessa sociedade e, por outro, que a recusa da Comissão de dar efeitos a esses direitos é susceptível de ter impacto no volume de negócios dessa sociedade e no seu desenvolvimento, P. Tytgat continua a exigir uma avaliação circunstanciada e documentada que partisse do baixo, «isto é, de um contrato, de um centro de despesas, de uma unidade geradora de tesouraria», para levar em conta uma alegada multiplicidade de produtos vendidos ou de actividades exercidas pela Systran, que no entanto se revelam, todas elas, relacionadas com o desenvolvimento e a comercialização do programa informático Systran (segunda nota financeira da Comissão, p. 8). Quando, no entanto, A. Martin tenta avaliar o prejuízo mediante a consideração do valor económico do contrato público especificamente adjudicado à Gosselies pela Comissão, contrato esse que corresponde a uma margem líquida estimada em 30% do volume de negócios concretamente realizado, o que será inferior à margem real realizada pelo grupo Systran nesse tipo de contrato público, segundo os dados fornecidos pelas demandantes (resposta das demandantes à quarta série de questões, n.° 12), essa apreciação é criticada por P. Tytgat, com o fundamento de que «propor a quantificação da margem líquida com base numa quota fixa do volume de negócios de uma só operação não é rigoroso […] [, uma vez que] [u]m valor fixo só pod[e] ser validado com base numa amostra de dados probatórios e a prazo» (segunda nota financeira da Comissão, p. 3, e terceira nota financeira da Comissão, p. 5). Se se seguirem as observações da perita financeira da Comissão, será quase impossível avaliar concretamente o prejuízo sofrido pela Systran devido ao comportamento da Comissão, por falta de dados exaustivos ou suficientemente precisos a esse respeito, qualquer que seja o critério adoptado para efectuar essa avaliação.
306 Consequentemente, e atendendo à dificuldade em determinar os critérios a aplicar para a apreciação das consequências económicas negativas sofridas pela Systran, no caso vertente há que estabelecer um montante fixo para a indemnização, em consonância com o método da indemnização mediante uma quantia fixa, com base em elementos como, pelo menos, o montante das remunerações ou dos direitos que seriam devidos se o infractor tivesse pedido autorização para utilizar o direito de propriedade intelectual em questão. Em aplicação deste método, há que considerar os elementos a seguir expostos.
307 O primeiro elemento a tomar em consideração é o montante das remunerações que seriam devidas se o infractor tivesse pedido à Systran autorização para utilizar os direitos de propriedade intelectual em questão para efectuar os trabalhos relativos aos aperfeiçoamentos, às adaptações e aos aditamentos às rotinas linguísticas enumerados no concurso público que exigiam o acesso aos elementos da versão Systran Unix reproduzidos na versão EC‑Systran e a respectiva alteração.
308 Atendendo à natureza desses trabalhos e pelas razões convincentemente expostas pelas demandantes nas suas respostas às quarta e quinta séries de questões, a determinação desse montante fixo para a indemnização deve ser efectuada por referência ao preço de uma licença que autoriza o seu beneficiário a alterar o código‑fonte do programa informático e não de uma simples licença de utilização desse programa informático. Semelhante licença de alteração do código‑fonte é inabitual, pois não entra no modelo económico tradicional dos editores de programas informáticos. Com efeito, essa licença priva o editor de qualquer possibilidade de vender ao beneficiário da licença de alteração licenças relativas às novas versões do programa informático, mas também prestações de serviços que, normalmente, só o editor pode efectuar sobre esse programa informático. Ademais, semelhante licença é susceptível de pôr em perigo o saber‑fazer do editor, pois pode dar lugar à transmissão do código‑fonte a terceiros. A venda de uma licença de alteração de um código‑fonte que autoriza o próprio beneficiário a fazer evoluir o programa informático equivale, pois, a renunciar aos rendimentos futuros decorrentes de licenças de utilização susceptíveis de serem auferidos desse programa informático.
309 Neste âmbito, há que avaliar o montante teórico dessa licença de alteração do código‑fonte seguindo a abordagem financeira sugerida pelo perito financeiro das demandantes na resposta à terceira série de questões. Esta abordagem toma como ponto de partida, para determinar o preço teórico de licença de alteração do código‑fonte, o preço de uma licença anual de utilização do programa informático Systran pela Comissão.
310 Nesse sentido, o perito financeiro das demandantes, A. Martin, avalia o preço de uma licença anual de utilização do programa informático Systran pela Comissão em 760 000 euros. Este preço foi avaliado com base no preço pago anualmente por uma sociedade de serviços da Internet de importância mundial pelo direito de utilizar o programa informático Systran; no preço anual pago, no passado, por duas outras empresas americanas de importância mundial, uma que gere um motor de pesquisa na Internet, outra especializada na edição de programas informáticos; e no preço de cerca de 1,3 milhões de euros pago por uma administração nacional, cuja importância é pelo menos comparável à da Comissão, por uma simples actualização que permite utilizar a versão 7 desse programa informático, administração essa que beneficia já, como a Comissão, de uma licença de utilização perpétua sem direito de alteração.
311 As referências a sociedades privadas feitas por A. Martin são criticadas pela perita financeira da Comissão, P. Tytgat, com o fundamento de que se trata de exemplos inadequados, sem medida comum com as tarifas que dizem respeito à Comissão. Com efeito, as licenças invocadas são licenças com repercussões comerciais, e não licenças privadas. A Comissão não utiliza o programa informático Systran para melhorar a sua oferta comercial ao grande público, mas para o propor a centenas de funcionários. Por isso, o valor tomado como ponto de partida para a definição do preço de uma licença de alteração do código‑fonte está errado e a sequência do raciocínio deve ser afastada.
312 Segundo a Comissão, o perito financeiro das demandantes devia ter tomado como ponto de partida o preço de cerca de 15 000 euros que corresponde ao preço de uma licença de utilização não comercial, destinada às administrações, de que é exemplo o preço proposto ao Serviço Europeu de Luta Antifraude (OLAF) por um distribuidor de programas informáticos por uma licença anual do programa informático Systran Enterprise Server 7, Standard Edition (ou seja, cerca de 15 000 euros pela utilização desse programa informático por 2 500 utilizadores e cerca de 15 000 euros pelo «English World Pack», que inclui várias línguas, a saber o inglês, o árabe, o chinês, o neerlandês, o francês, o alemão, o grego, o italiano, o japonês, o coreano, o polaco, o português, o russo, o espanhol e o sueco). A Comissão refere igualmente, nas suas respostas à terceira e quarta série de questões, ao leque de preços, compreendido entre 15 000 (até 100 utilizadores) e 150 000 euros ou mais (para um número indeterminado de utilizadores e para necessidades complexas das grandes empresas que carecem de uma integração), referido num comunicado de imprensa da Systran para os diferentes tipos de licença de utilização do programa informático Systran Enterprise Server 6 (Workgroup Edition, Standard Edition e Global Edition).
313 Importa observar desde já que os peritos financeiros das partes não divergem quanto à possibilidade de tomar em consideração o preço de uma licença de utilização anual do programa informático Systran pela Comissão como ponto de partida para a determinação do preço de uma licença teórica de alteração do código‑fonte desse programa informático, mas que divergem quanto ao valor a dar a essa licença. Quanto a esta questão, a título de comparação, há que observar que a Comissão indica, nas suas respostas à terceira e quarta série de questões, que foram pagos 1 925 280 euros à sociedade Gosselies pela realização dos trabalhos que lhe foram adjudicados, os quais duraram três anos, de 2004 a 2006. Consequentemente, a sociedade Gosselies recebeu, em média, 641 760 euros em cada um desses anos pela realização dos trabalhos pedidos pela Comissão.
314 Quanto às críticas feitas pela Comissão relativamente aos preços das diferentes licenças de utilização pagas anualmente pelas três empresas de importância mundial citadas pelo perito das demandantes (v.° 310, supra), o exame dos documentos financeiros relativos ao grupo Systran permite verificar que o essencial dos rendimentos dessa empresa provém de clientes muito grandes. O documento de referência para 2008, apresentado em 29 de Abril de 2009 na Autoridade dos mercados financeiros francesa, indica assim que, em 2004, os cinco primeiros clientes do grupo Systran representavam 60,9% do seu volume de negócios, tendo o primeiro e segundo desses clientes exactamente a mesma proporção (isto é, uma quota de 14,8%) e que, em 2008, esses cinco primeiros clientes representavam 42,3% do seu volume de negócios, representando o primeiro cliente 10,9% dos 7,6 milhões de euros de volume de negócios, isto é, um pouco mais de 760 000 euros. Este elemento pode, pois, ser invocado como elemento a ter em consideração para avaliar o preço de uma licença anual de utilização. Trata‑se, de certa forma, de um limite máximo.
315 Há que observar igualmente que, ao contrário do que a Comissão dá a entender, baseando‑se nesse sentido em documentos do grupo Systran que referem licenças de utilização do programa informático Systran Enterprise Server, na sua versão 6 ou 7, essa empresa não parece distribuir ou mandar distribuir um programa informático praticando um preço específico para as administrações. Como a Comissão aliás reconhece, a política de preços do grupo Systran quanto às licenças de utilização do programa depende essencialmente da edição vendida. A título de exemplo, comparando os dados fornecidos pela Comissão no tocante às versões 6 e 7 do programa Systran Enterprise Server, a edição menos onerosa desse programa informático, dita «Workgroup Edition», que pode ser utilizada num só servidor de produção, com o sistema operativo Windows, por um número de pessoas que pode chegar a 100, está disponível a partir de 15 000 euros, a edição intermédia, dita «Standard Edition», que pode ser utilizada em dois servidores de produção, com os sistemas operativos Windows e Linux, por um número de pessoas que pode chegar a 2 500, está disponível a partir de 30 000 euros, e a edição mais desenvolvida, dita «Global Edition», que pode ser utilizada num número ilimitado de servidores de produção, com os sistemas operativos Windows, Linux e Solaris, sem limites quanto ao número de utilizadores, está disponível a partir de 150 000 euros. Nas suas observações sobre a afirmação da Comissão de que o preço de uma licença de utilização não pode exceder a quantia de 150 000 euros, as demandantes sublinham que o preço evocado com base num comunicado de imprensa do grupo Systran relativo à versão 6 do programa informático Systran Enterprise Server indica claramente que se trata de um preço mínimo, como o denotam os termos «a partir de». Trata‑se, no caso vertente, segundo indicam as demandantes, de um preço de partida para um só par de línguas e um só servidor.
316 Face a estas várias argumentações e aos documentos citados para as fundamentar, há que fixar o montante de uma hipotética licença anual de utilização do programa Systran pela Comissão, usada como ponto de partida para o cálculo do preço de uma licença anual de alteração do código‑fonte, em 450 000 euros. Com efeito, o montante sugerido pelo perito financeiro das demandantes é demasiado elevado, na medida em que, mesmo que a versão utilizada pela Comissão seja proposta a mais de 2 500 utilizadores, este número é muito menor do que o número de utilizadores nas três empresas de importância mundial que aquele perito cita, as quais provavelmente correspondem aos maiores contratos assinados pelo grupo Systran. Por outro lado, o montante sugerido pela Comissão é demasiado baixo, porquanto a quantia de 150 000 euros corresponde a um preço de partida para a solução pretendida pela Comissão e, como as demandadas alegaram sem serem contestadas pela Comissão, uma administração nacional pelo menos tão importante como a Comissão pagou o equivalente a 1,3 milhões de euros para actualizar a versão do programa informático Systran que utiliza.
317 A partir deste montante inicial de 450 000 euros, importa determinar o montante das remunerações que seriam devidas se o infractor tivesse pedido à Systran autorização para utilizar os direitos de propriedade intelectual correspondentes para realizar os trabalhos referidos no concurso público. Mediante a aplicação do método de cálculo sugerido pelo perito financeiro das demandantes, método esse que não é seriamente posto em causa pela Comissão (v. n.° 319, infra), o montante da remuneração anual pela alteração do código‑fonte pode ser validamente fixado em duas vezes o montante de uma licença anual de utilização, ou seja, 900 000 euros, tendo em conta, como o fez o perito financeiro das demandantes, que a Comissão dispunha já de um direito de utilização sobre esse programa informático e que esse programa informático não é alvo de utilização pelo grande público.
318 Para os anos de 2004 a 2010, o montante dessas remunerações anuais de alteração do código‑fonte pode, assim, ser fixado em 7 milhões de euros (ou seja, 0,9 milhão de euros, montante que correspondente ao da remuneração anual pela alteração do código‑fonte multiplicada por 7,76, que corresponde ao coeficiente de actualização calculado pelo perito financeiro das demandantes levando em conta uma taxa sem risco de 4% para o período de 2004 a 2010, ou seja, um total de 6 984 000 euros, arredondado para 7 milhões de euros).
319 A este respeito, importa sublinhar que a Comissão não contesta verdadeiramente a metodologia sugerida pelo perito financeiro das demandantes e retomada pelo Tribunal Geral. A Comissão limita‑se a reproduzir, sobre esta questão, a afirmação da sua perita financeira, que refere somente, em resposta à quarta série de questões, que o perito das demandantes «procede a cálculos de capitalização, e não de actualização em períodos definidos» e que «a melhor doutrina financeira recomenda que os períodos de observação sejam cindidos em diversos horizontes, com parâmetros específicos, em vez de capitalizar sem discernimento». Ora, verifica‑se que a metodologia adoptada pelo perito financeiro das demandantes não assenta na «capitalização» a que a Comissão alude, mais sim na actualização dos dados à taxa sem risco de 4% para o período de 2004 a 2010, taxa essa que corresponde a uma taxa razoável susceptível de se aplicar ao período considerado. A Comissão não expõe razões relevantes susceptíveis de explicar por que motivo o Tribunal Geral não pode utilizar esse método para fixar o montante das remunerações que seriam devidas se aquela tivesse pedido à Systran a autorização exigida para realizar os trabalhos controvertidos.
320 O segundo elemento a ter em consideração é um montante dito «complementar», necessário para levar em conta os outros elementos materiais que a simples atribuição das remunerações supramencionadas não lograria reparar. Com efeito, o pagamento a posteriori do montante das remunerações que seriam devidas se a Comissão tivesse pedido à Systran autorização para utilizar os direitos de propriedade intelectual em questão para realizar os trabalhos controvertidos não logra, por si só, reparar o prejuízo sofrido por essa empresa desde 2004.
321 Nesse sentido, face aos documentos dos autos, nomeadamente aos vários atestados apresentados pelas demandantes para provar o impacto do comportamento ilegal da Comissão na actividade e desenvolvimento da Systran, há que considerar que a actividade e desenvolvimento dessa empresa foram afectados todos os anos desde 2004, num montante fixo de 650 000 euros (ou seja, aproximadamente 6% do volume de negócios realizado em 2003).
322 Este montante complementar, actualizado para os anos de 2004 a 2010, pode, assim, ser fixado em 5 milhões de euros (ou seja, 0,65 milhão de euros, correspondente ao montante fixo anual supramencionado, multiplicado por 7,76, que corresponde ao coeficiente de actualização calculado pelo perito financeiro das demandantes, levando em conta a taxa sem risco de 4% para o período de 2004 a 2010, ou seja, um total de 5 044 000 euros, arredondados para 5 milhões de euros).
323 Ao invés, face aos documentos dos autos não se admite que, no presente processo, seja necessário levar em conta, no âmbito da determinação de um montante fixo para o prejuízo sofrido, o prejuízo dito «futuro», avaliado pelo perito financeiro das demandantes em 15 milhões de euros. A estimativa fornecida nesse sentido não assenta em dados materiais suficientemente probatórios para justificar a atribuição de uma indemnização por esse dano.
324 O último elemento a ter em conta para a determinação de um montante fixo para a indemnização é o prejuízo moral sofrido. Refira‑se, a este respeito, que com o seu comportamento a Comissão negou à Systran os direitos que esta podia extrair da sua criação. Este comportamento é tanto mais grave quanto é certo que a Comissão, enquanto instituição, está na origem das várias disposições que harmonizam o direito da Comunidade em matéria de direitos de autor e que não foram respeitadas no presente processo. Há, pois, que indemnizar a Systran pelo prejuízo moral sofrido devido ao comportamento da Comissão.
325 Dado, porém, que as demandantes não explicaram os motivos por que esta indemnização deve ser fixada em, pelo menos, 2 milhões de euros, afigura‑se adequado, no âmbito da determinação do montante fixo da indemnização, condenar a Comissão a pagar uma indemnização pelo prejuízo moral causado pelo seu comportamento ilícito, avaliada no montante simbólico de 1000 euros.
326 Resulta do exposto que há que atribuir à Systran uma indemnização no montante fixo de 12 001 000 euros pelo prejuízo causado pelo comportamento da Comissão, ou seja:
– 7 milhões de euros, correspondentes ao montante das remunerações que seriam devidas de 2004 a 2010 se a Comissão tivesse pedido autorização para utilizar os direitos de propriedade intelectual da Systran para efectuar os trabalhos relativos aos aperfeiçoamentos, às adaptações e aos aditamentos às rotinas linguísticas enumerados no concurso público, os quais exigem o acesso aos elementos da versão Systran Unix reproduzidos na versão EC‑Systran Unix do programa informático Systran, e a respectiva alteração;
– 5 milhões de euros, correspondentes ao montante complementar, a saber, o impacto que o comportamento da Comissão terá tido nos volumes de negócios realizados pela Systran durante os anos de 2004 a 2010, e mais amplamente no desenvolvimento dessa sociedade;
– 1 000 euros a título de indemnização por danos morais.
C – Quanto às medidas diversas da atribuição de uma indemnização
1. Argumentos das partes
327 As demandantes sustentam que os princípios gerais referidos no artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, devem permitir a reparação do prejuízo já causado, mas também a cessação da lesão dos seus direitos, ao contrário do que afirma a Comissão. Com o seu pedido de cessação imediata dos actos de contrafacção, as demandantes pretendem garantir o efeito útil do acórdão a proferir.
328 A Comissão entende que as medidas pedidas pelas demandantes, além da atribuição de uma indemnização pecuniária, não podem ser tomadas pelo Tribunal Geral. Com efeito, o Tribunal Geral não pode, no exercício das suas competências, dirigir injunções às instituições ou substituir‑se a estas últimas.
2. Apreciação do Tribunal Geral
329 As demandantes pedem ao Tribunal Geral que ordene, em primeiro lugar, a cessação imediata dos actos de contrafacção e de divulgação cometidos pela Comissão, em segundo lugar, a apreensão de todos os suportes detidos pela Comissão e pela sociedade Gosselies nos quais estão reproduzidos os desenvolvimentos informáticos realizados por essa sociedade a partir das versões EC‑Systran Unix e Systran Unix, em violação dos direitos da Systran, e a sua entrega à Systran, ou, pelo menos, a sua destruição sob fiscalização, e, em terceiro lugar, a publicação do acórdão, a expensas da Comissão, nos jornais especializados, nas revistas especializadas e nos sítios especializados da Internet escolhidos pela Systran.
330 A este respeito, recorde‑se que uma instituição cujo comportamento tenha sido declarado ilegal deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal Geral (v., por analogia, artigo 266.° TFUE). Compete, pois, à Comissão extrair todas as conclusões que se impõem para assegurar que os direitos da Systran sobre a versão Systran Unix do programa informático Systran sejam considerados no que respeita aos trabalhos relativos à versão EC‑Systran Unix desse programa informático que lesam o direito de autor e o saber‑fazer da Systran. Na falta dessa consideração, e dado que o prejuízo indemnizado no presente processo apenas vale para o período compreendido entre 2004 e o dia da prolação do presente acórdão, a Systran pode submeter ao Tribunal Geral um novo pedido de indemnização do prejuízo que pode ainda vir a sofrer.
331 Por último, no que toca ao pedido de publicação em vários jornais e revistas e em sítios da Internet, o Tribunal Geral divulgará hoje um comunicado de imprensa relativo ao presente acórdão. Esse comunicado de imprensa poderá então ser reproduzido e divulgado na imprensa especializada. As demandantes disporão, assim, de uma decisão judicial que se pronuncia sobre o comportamento da Comissão perante aquelas e de um comunicado de imprensa que pode ser alvo de ampla difusão, o que é susceptível de as satisfazer nesse ponto. Esse comunicado de imprensa permite igualmente ao Tribunal Geral reparar, em espécie, o prejuízo moral constituído pela lesão da reputação da Systran devido ao comportamento ilegal da Comissão.
332 Consequentemente, o Tribunal Geral considera que os interesses da Systran são suficientemente protegidos pela indemnização pecuniária e que não é necessário deferir os seus pedidos de indemnização em espécie.
Quanto às despesas
333 Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida quanto ao essencial dos seus pedidos, há que condená‑la nas despesas, conforme peticionado pelas demandantes.
334 Por outro lado, importa salientar que a preparação dos vários documentos apresentados pelas demandantes para fundamentar o conteúdo dos seus articulados ou responder às questões do Tribunal Geral relativamente aos aspectos técnicos do programa informático Systran (relatório, notas técnicas e nota de observações de H. Bitan), aos seus aspectos jurídicos (parecer do professor P. Sirinelli) e à avaliação do prejuízo sofrido (notas financeiras de A. Martin) constituem despesas indispensáveis para efeitos do presente processo, pelo que devem ser consideradas despesas reembolsáveis na acepção do artigo 91.°, alínea b), do Regulamento de Processo.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)
decide:
1) A Comissão é condenada a pagar à Systran SA uma indemnização no montante fixo de 12 001 000 euros.
2) A acção é julgada improcedente quanto ao restante.
3) A Comissão é condenada nas despesas.
Azizi |
Cremona |
Frimodt Nielsen |
Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de Dezembro de 2010.
Índice
Factos na origem do litígio
I – Quanto às várias versões do programa informático Systran
II – Historial das relações entre as partes
A – Primeiro período: da Systran Mainframe ao EC‑Systran Mainframe
1. Contratos iniciais entre a WTC (e outras sociedades) e a Comissão
2. Contrato de colaboração entre o grupo Systran e a Comissão
B – Segundo período: do Systran Unix ao EC‑Systran Unix
C – Terceiro período: a partir do concurso público de 4 de Outubro de 2003
Tramitação processual e pedidos das partes
Questão de direito
I – Quanto à admissibilidade
A – Quanto ao pedido de que o Tribunal Geral condene a Comissão a indemnizar o prejuízo alegado
1. Quanto ao mérito da acção
a) Argumentos das partes
b) Apreciação do Tribunal Geral
Observações sobre as competências em matéria contratual e extracontratual
Apreciação do pedido de indemnização apresentado pelas demandantes
Exame dos elementos invocados pela Comissão para fundamentar a existência de uma autorização contratual de divulgar a um terceiro informações susceptíveis de serem protegidas a título do direito de autor e do saber‑fazer
2. Quanto à falta de clareza da petição
a) Argumentos das partes
b) Apreciação do Tribunal Geral
3. Quanto à incompetência do Tribunal Geral para declarar a existência de uma infracção no âmbito de uma acção por responsabilidade civil extracontratual
a) Argumentos das partes
b) Apreciação do Tribunal Geral
B – Quanto aos outros pedidos
II – Quanto ao mérito
A – Quanto aos direitos invocados pelas demandantes e à ilegalidade do comportamento da Comissão
1. Quanto à comparação das diferentes versões do programa informático Systran
a) Argumentos das partes
b) Apreciação do Tribunal Geral
2. Quanto à ilegalidade do comportamento da Comissão.
a) Argumentos das partes
Quanto à contrafacção dos direitos de autor
Quanto aos direitos invocados a título de saber‑fazer
b) Apreciação do Tribunal Geral
Quanto aos direitos invocados pelas demandantes no tocante à versão Systran Unix do programa informático Systran
Quanto à afirmação de que os direitos que a Comissão tem lhe permitem ignorar o direito de oposição das demandantes
Quanto à natureza dos trabalhos confiados pela Comissão a um terceiro
B – Quanto aos prejuízos sofridos e ao nexo de causalidade
1. Quanto ao prejuízo sofrido pela Systran Luxembourg e ao nexo de causalidade
a) Argumentos das partes
b) Apreciação do Tribunal Geral
2. Quanto aos prejuízos sofridos pela Systran e ao nexo de causalidade
a) Argumentos das partes
Quanto às várias formas de prejuízo, à sua realidade e ao nexo de causalidade
Quanto à avaliação inicial da perda de valor dos activos incorpóreos
Quanto às outras avaliações do prejuízo
b) Apreciação do Tribunal Geral
Quanto à depreciação dos títulos da Systran Luxembourg
Quanto à perda de valor dos activos incorpóreos
– Quanto à avaliação inicial proposta pelas demandantes
– Quanto à realidade do prejuízo sofrido pela Systran e ao nexo de causalidade entre esse prejuízo e o comportamento da Comissão
– Quanto à avaliação do prejuízo num montante fixo
C – Quanto às medidas diversas da atribuição de uma indemnização
1. Argumentos das partes
2. Apreciação do Tribunal Geral
Quanto às despesas
* Língua do processo: francês.