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Document 62006TJ0155

Acórdão do Tribunal Geral (Quinta Secção) de 9 de Septembro de 2010.
Tomra Systems ASA e outros contra Comissão Europeia.
Concorrência - Abuso de posição dominante - Mercado das máquinas de recolha de vasilhame - Decisão que declara verificada uma infracção ao artigo 82.º CE e ao artigo 54.º do Acordo EEE - Acordos exclusivos, compromissos quantitativos e descontos de fidelização enquanto partes de uma estratégia de exclusão dos concorrentes do mercado - Coima - Proporcionalidade.
Processo T-155/06.

Colectânea de Jurisprudência 2010 II-04361

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2010:370

Processo T‑155/06

Tomra Systems ASA e o.

contra

Comissão Europeia

«Concorrência – Abuso de posição dominante – Mercado das máquinas de recolha de vasilhame – Decisão que declara uma infracção ao artigo 82.° CE e ao artigo 54.° do Acordo EEE – Acordos exclusivos, compromissos quantitativos e descontos de fidelização enquanto partes de uma estratégia de exclusão dos concorrentes do mercado – Coima – Proporcionalidade»

Sumário do acórdão

1.      Concorrência – Procedimento administrativo – Decisão da Comissão que declara uma infracção – Utilização da documentação interna de uma empresa que participou na infracção como elemento de prova – Admissibilidade

(Artigos 81.° CE e 82.° CE)

2.      Concorrência – Posição dominante – Abuso – Contratos de exclusividade de fornecimento – Contrato celebrado entre uma empresa e uma central de compras

(Artigo 82.° CE)

3.      Concorrência – Posição dominante – Abuso – Conceito – Conceito objectivo que visa os comportamentos susceptíveis de influenciar a estrutura do mercado e que tem por efeito criar obstáculos à manutenção ou ao desenvolvimento da concorrência – Obrigações que incumbem à empresa dominante – Exercício da concorrência unicamente pelo mérito

(Artigo 82.° CE)

4.      Concorrência – Posição dominante – Abuso – Contratos de exclusividade de fornecimento – Descontos de fidelidade

(Artigo 82.° CE)

5.      Concorrência – Posição dominante – Abuso – Descontos que têm um efeito de encerramento do mercado – Descontos de fidelidade – Qualificação de prática abusiva

(Artigo 82.° CE)

6.      Concorrência – Posição dominante – Abuso – Descontos quantitativos – Admissibilidade – Requisitos – Carácter abusivo do sistema de descontos – Critérios de apreciação

(Artigo 82.° CE)

7.      Concorrência – Procedimento administrativo – Decisão que imputa uma infracção – Dever de fundamentação – Alcance

(Artigos 82.° CE e 253.° CE)

8.      Concorrência – Posição dominante – Abuso – Conceito – Encerramento de uma parte substancial do mercado por uma empresa dominante

(Artigo 82.° CE)

9.      Concorrência – Posição dominante – Abuso – Descontos retroactivos – Carácter abusivo – Critérios de apreciação

(Artigo 82.° CE)

10.    Concorrência – Posição dominante – Abuso – Conceito – Comportamentos que têm por efeito ou por objecto criar obstáculos à manutenção ou ao desenvolvimento da concorrência

(Artigo 82.° CE)

11.    Concorrência – Posição dominante – Abuso – Contratos de exclusividade de fornecimento – Compromissos relativos às quantidades individualizadas que constituem uma exploração abusiva

(Artigo 82.° CE)

12.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Elementos de apreciação – Aumento do nível geral das coimas – Admissibilidade – Requisitos

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2)

13.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Tomada em consideração do volume de negócios global ou do volume de negócios pertinente da empresa em causa – Limites

(Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 2; comunicação da Comissão 98/C 9/03)

1.      A documentação interna de uma empresa pode constituir um elemento de prova da violação das regras de concorrência por parte dessa empresa. Com efeito, tal documentação pode indicar que uma exclusão da concorrência estava prevista, ou, pelo contrário, sugerir uma explicação diferente das práticas examinadas. Pode, por exemplo, permitir à Comissão situar essas práticas no seu contexto e corroborar a sua avaliação das mesmas práticas.

Quando explora essa documentação para fundamentar a sua decisão, é inteiramente normal que a Comissão faça prioritariamente referência ao comportamento anticoncorrencial da empresa e não das suas acções lícitas mencionadas em certos documentos internos, uma vez que é precisamente esse comportamento que lhe incumbe demonstrar.

(cf. n.os 35, 36)

2.      Não é necessário que as práticas de uma empresa em posição dominante vinculem os adquirentes através de uma obrigação formal de exclusividade para se concluir que elas constituem uma exploração abusiva de uma posição dominante na acepção do artigo 82.° CE. Basta que essas práticas incluam um incitamento dos clientes a não passarem a fornecedores concorrentes e a se abastecerem na totalidade ou em parte considerável das suas necessidades exclusivamente junto da referida empresa, pelo que não é necessária analisar o carácter exclusivo dos contratos controvertidos com base na legislação nacional aplicável.

No que se refere aos acordos celebrados entre uma empresa e centrais de compras que revistam carácter vinculativo para as partes, a questão de saber se também influem sobre o comportamento de comprador dos seus membros não depende de uma análise formal. Com efeito, quando as condições negociadas dependem da aquisição de quantidades predeterminadas pela central no seu conjunto, é inerente à negociação de um contrato deste tipo que tal contrato incitará os membros da central a efectuarem compras com vista a atingirem o objectivo fixado.

(cf. n.os 59, 61, 62)

3.      O conceito de exploração abusiva é um conceito objectivo que visa os comportamentos de uma empresa em posição dominante susceptíveis de influenciar a estrutura de um mercado onde, devido precisamente à presença da empresa em questão, o grau de concorrência já está enfraquecido, e que têm como consequência a criação de obstáculos, recorrendo a meios diferentes dos que regem uma concorrência normal entre produtos ou serviços com base nas prestações dos operadores económicos, à manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou ao desenvolvimento desta concorrência. Daqui resulta que o artigo 82.° CE proíbe a uma empresa dominante eliminar um concorrente e, assim, reforçar a sua posição recorrendo a meios diferentes dos que se englobam numa concorrência pelo mérito. A proibição imposta por esta disposição justifica‑se ainda pela intenção de não causar prejuízo aos consumidores.

Por conseguinte, embora a verificação da existência de uma posição dominante não implique, em si mesma, uma censura em relação à empresa em causa, impõe‑lhe porém, independentemente das causas dessa posição, a responsabilidade especial de não atentar, pelo seu comportamento, contra uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum. Do mesmo modo, embora a existência de uma posição dominante não prive uma empresa nessa posição do direito de preservar os seus interesses comerciais próprios quando estes estiverem ameaçados, e embora essa empresa tenha a faculdade, em termos razoáveis, de praticar os actos que julgue adequados à protecção dos seus interesses, esses comportamentos já não são, porém, admissíveis quando têm como objectivo reforçar essa posição dominante e abusar dela.

(cf. n.os 38, 206, 207)

4.      o facto de uma empresa em posição dominante num mercado vincular compradores – ainda que a seu pedido – por uma obrigação ou promessa de se abastecerem na totalidade ou em parte considerável das suas necessidades exclusivamente junto dela constitui uma exploração abusiva de uma posição dominante na acepção do artigo 82.° CE, quer essa obrigação tenha sido estipulada sem mais, quer tenha a sua contrapartida na concessão de descontos. A situação é idêntica quando a referida empresa, sem vincular os compradores através de uma obrigação formal, aplica, quer em virtude de acordos celebrados com os compradores quer unilateralmente, um sistema de descontos de fidelidade, isto é, de abatimentos dependentes da condição de o cliente se abastecer exclusivamente, na totalidade ou relativamente a uma parte importante das suas necessidades, junto da empresa em posição dominante.

Efectivamente, os compromissos de abastecimento exclusivo desta natureza, com ou sem a contrapartida de descontos ou a concessão de descontos de fidelidade destinados a incentivar o comprador a abastecer‑se exclusivamente junto da empresa em posição dominante, são incompatíveis com o objectivo de uma concorrência não falseada no mercado comum, porque não se baseiam numa prestação económica que justifique este encargo ou esta vantagem, mas destinam‑se a retirar ou restringir a possibilidade de escolha do comprador relativamente às fontes de abastecimento e a impedir a entrada dos outros produtores no mercado.

(cf. n.os 208, 209, 295, 296)

5.      Um desconto de fidelidade, concedido como contrapartida do compromisso de o cliente se abastecer exclusivamente ou quase exclusivamente na empresa em posição dominante, é contrário ao artigo 82.° CE devido ao efeito de encerramento do mercado que provoca. Esse desconto destina‑se a impedir, através da concessão de vantagens económicas, o abastecimento dos clientes nos produtores concorrentes Esse desconto destina‑se a impedir, através da concessão de vantagens económicas, o abastecimento dos clientes nos produtores concorrentes.

(cf. n.os 210, 211)

6.      Os sistemas de descontos quantitativos aplicados por uma empresa em posição dominante, ligados apenas ao volume de compras efectuado na mesma, não têm o efeito de encerramento no mercado proibido pelo artigo 82.° CE. Se o aumento da quantidade fornecida pela referida empresa se traduzir num custo inferior para o fornecedor, este tem o direito de fazer o seu cliente beneficiar dessa redução através de uma tarifa mais favorável. É suposto, portanto, que os descontos quantitativos reflictam os ganhos de eficiência e as economias de escala realizados pela empresa em posição dominante.

De onde resulta que um sistema de descontos quantitativos cuja taxa de redução aumente em função do volume comprado à empresa em posição dominante não viola o artigo 82.° CE, a não ser que os critérios e as modalidades de concessão dos descontos demonstrem que o sistema não assenta numa contrapartida economicamente justificada, tendendo antes, tal como no caso de um desconto de fidelização e de objectivo, a impedir o abastecimento dos clientes na concorrência.

Para apreciar o eventual carácter abusivo de um sistema de descontos quantitativos, há que analisar, portanto, todas as circunstâncias, nomeadamente os critérios e as modalidades da concessão de descontos e apurar se esses descontos se destinam, através de uma vantagem que não assenta em qualquer prestação económica que a justifique, a suprimir ou restringir a possibilidade de o comprador escolher as suas fontes de abastecimento, impedir o acesso ao mercado dos concorrentes, aplicar a parceiros comerciais condições desiguais para prestações equivalentes ou reforçar a posição dominante através de uma concorrência falseada.

(cf. n.os 212‑214)

7.      A fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do acto em causa e revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição autora do acto, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e defender os seus direitos e ao juiz exercer a sua fiscalização. No que toca a uma decisão adoptada em aplicação do artigo 82.° CE, esse princípio exige que a decisão impugnada faça menção dos factos de que dependem a justificação legal da medida e as considerações que levaram a tomar a decisão.

(cf. n.° 227)

8.      O encerramento de uma parte substancial do mercado por uma empresa dominante não pode ser justificado pela demonstração de que a parte do mercado susceptível de ser conquistada ainda é suficiente para dar lugar a um número limitado de concorrentes. Com efeito, por um lado, os clientes que se encontram na parte vedada do mercado deviam ter a possibilidade de aproveitar todo o grau possível de concorrência no mercado, e os concorrentes deveriam poder concorrer, pelo seu mérito, em todo o mercado e não apenas numa parte dele. Por outro lado, o papel da empresa dominante não é o de determinar qual o número de concorrentes viáveis autorizados a concorrer à porção da procura ainda susceptível de ser conquistada.

É a partir de uma análise das circunstâncias do caso vertente que é possível determinar se as práticas de uma empresa em posição dominante são susceptíveis de excluir a concorrência e seria artificial determinar a priori a porção subordinada do mercado para além da qual as práticas de uma empresa em posição dominante podem ter um efeito de exclusão dos concorrentes.

(cf. n.os 241, 242)

9.      O mecanismo de exclusão constituído pelos descontos retroactivos não exige que a empresa dominante sacrifique lucros, uma vez que o custo do desconto é repartido por um grande número de unidades. Através da concessão retroactiva do desconto, o preço médio obtido pela empresa dominante pode muito bem ser largamente superior aos custos e proporcionar uma margem beneficiária média elevada. Do sistema retroactivo de descontos resulta, porém, para o cliente, que o preço efectivo das últimas unidades é muito baixo em razão do efeito de aspiração.

(cf. n.° 267)

10.    Para fazer a demonstração de uma violação do artigo 82.° CE, não é necessário demonstrar que o comportamento abusivo da empresa em posição dominante teve um efeito anticoncorrencial concreto sobre os mercados em causa, bastando demonstrar que tem como consequência uma restrição da concorrência ou, por outras palavras, que é passível ou susceptível de ter tal efeito.

(cf. n.° 289)

11.    Mesmo admitindo que não vinculam o comprador por uma obrigação formal, de exclusividade, os compromissos individuais sobre as quantidades que se comprove, após uma análise não apenas formal do ponto de vista jurídico, mas que tome igualmente em conta o contexto económico específico em que se inscreviam, que vinculam de facto e/ou incitam o comprador a abastecer‑se, exclusivamente ou relativamente a uma parte considerável das suas necessidades, junto da empresa em posição dominante, e que não têm por base uma prestação económica que justifique esse encargo ou essa vantagem, antes tendo como consequência a retirar ao comprador a possibilidade de escolha no que respeita às suas fontes de abastecimento, ou a restringi‑la, e a barrar aos produtores o acesso ao mercado, constituem uma exploração abusiva de uma posição dominante na acepção do artigo 82.° CE.

(cf. n.os 297, 298)

12.    Nem a obrigação de respeitar o princípio da igualdade de tratamento nem o facto de ter aplicado, no passado, coimas de um determinado nível a determinados tipos de infracções podem privar a Comissão da possibilidade de elevar esse nível, dentro dos limites indicados no Regulamento (CE) n.° 1/2003, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° CE e 82.° CE do Tratado, se isso for necessário para garantir a aplicação da política comunitária da concorrência.

A gravidade das infracções deve ser estabelecida em função de um grande número de elementos, tais como as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva dos critérios que devem ser obrigatoriamente tomados em consideração. Ora, os dados relevantes, tais como os mercados, os produtos, os países, as empresas e os períodos em causa, diferem em cada processo. Daqui resulta que a Comissão não pode ser obrigada a aplicar a empresas coimas que representem a mesma percentagem dos volumes de negócios em todos os processos comparáveis no plano da gravidade das infracções.

Constituindo as coimas um instrumento da política de concorrência da Comissão, esta deve poder dispor de uma margem de apreciação na fixação do seu montante, a fim de orientar o comportamento das empresas no sentido do cumprimento das regras da concorrência.

(cf. n.os 310‑313)

13.    No que se refere à determinação do montante da coima que pune a violação das regras comunitárias da concorrência, sob reserva do respeito pelo limite superior previsto pelo artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] e que se refere ao volume de negócios global da empresa em causa, é lícito que a Comissão tenha em conta o volume de negócios da empresa para apreciar a gravidade da infracção aquando da determinação do montante da coima, sem que todavia lhe possa atribuir uma importância desproporcionada relativamente a outros elementos de apreciação.

O método de cálculo definido nas orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 65.°, n.° 5, do Tratado CECA, prevê a consideração de um grande número de elementos aquando da apreciação da gravidade da infracção para fixar o montante da coima, entre os quais figuram nomeadamente a própria natureza da infracção, o impacto concreto desta, quando mensurável, o âmbito geográfico do mercado afectado e o necessário alcance dissuasivo da coima. Embora as orientações não prevejam que o montante das coimas seja calculado em função do volume de negócios global ou do volume de negócios pertinente, elas não se opõem a que esses volumes de negócios sejam tomados em consideração na determinação do montante da coima, a fim de respeitar os princípios gerais do direito comunitário e quando as circunstâncias o exijam.

Daqui decorre que, embora não se possa negar que o volume de negócios relativo aos produtos em causa pode constituir um fundamento apropriado para avaliar as violações da concorrência no mercado dos referidos produtos no seio do Espaço Económico Europeu, não é menos verdade que este elemento não constitui o único critério segundo o qual a Comissão deve apreciar a gravidade da infracção.

(cf. n.os 316‑318)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

9 de Setembro de 2010 (*)

«Concorrência – Abuso de posição dominante – Mercado das máquinas de recolha de vasilhame – Decisão que declara uma infracção ao artigo 82.° CE e ao artigo 54.° do Acordo EEE – Acordos exclusivos, compromissos quantitativos e descontos de fidelização enquanto partes de uma estratégia de exclusão dos concorrentes do mercado – Coima – Proporcionalidade»

No processo T‑155/06,

Tomra Systems ASA, com sede em Asker (Noruega),

Tomra Europe AS, com sede em Asker,

Tomra Systems GmbH, com sede em Hilden (Alemanha),

Tomra Systems BV, com sede em Apeldoorn (Países Baixos),

Tomra Leergutsysteme GmbH, com sede em Viena (Áustria),

Tomra Systems AB, com sede em Sollentuna (Suécia),

Tomra Butikksystemer AS, com sede em Asker,

representadas inicialmente por A. Ryan, solicitor, e J. Midthjell, avocat, e em seguida por A. Ryan e N. Frey, solicitors,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por É. Gippini Fournier, na qualidade de agente,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão C (2006) 734 final da Comissão, de 29 de Março de 2006, relativa a um processo nos termos do artigo 82.° CE e do artigo 54.° do Acordo EEE (Processo COMP/E.‑1/38‑113/Prokent‑Tomra),

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente, M. Prek e V. M. Ciucă (relator), juízes,

secretário: Norel Rosner, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 14 de Janeiro de 2010,

profere o presente

Acórdão

 Factos na origem do litígio

1        A Tomra Systems ASA é a sociedade‑mãe do grupo Tomra. A Tomra Europe AS coordena a actividade das filiais de distribuição europeias do grupo. As filiais de distribuição em causa no presente processo são a Tomra Systems GmbH na Alemanha, a Tomra Systems BV nos Países Baixos, a Tomra Leergutsysteme GmbH na Áustria, a Tomra Systems AB na Suécia e a Tomra Butikksystemer AS na Noruega (a seguir designadas, em conjunto com a Tomra Systems ASA e a Tomra Europe AS, por «recorrentes»). O grupo Tomra produz máquinas automáticas para recolha de vasilhame (a seguir «RVM»), que são máquinas de recolha de embalagens usadas de bebidas que identificam a embalagem em função de determinados parâmetros, como a forma e/ou o código de barras, e calculam o montante do depósito que deve ser reembolsado ao cliente. O grupo fornece ainda serviços relacionados com as RVM no mundo inteiro. Em 2005, o grupo Tomra tinha um volume de negócios de cerca de 300 milhões de euros e cerca 1 900 empregados.

2        Em 26 de Março de 2001, a Comissão das Comunidades Europeias recebeu uma denúncia da Prokent AG, uma sociedade alemã que também tinha actividade no sector da recolha das embalagens de bebidas, bem como no sector dos produtos e dos serviços conexos. A Prokent solicitou à Comissão que averiguasse se as recorrentes tinham cometido um abuso de posição dominante, ao impedi‑la de aceder ao mercado.

3        Em 26 e 27 de Setembro de 2001, a Comissão realizou uma inspecção nas instalações da Tomra Systems GmbH, na Alemanha, e da Tomra Systems BV, nos Países Baixos. O Órgão de Fiscalização da Associação Europeia de Comércio Livre (a seguir «EFTA») inspeccionou, a pedido da Comissão, as instalações da Tomra Systems ASA e das suas filiais na Noruega. Na sequência, a Comissão pediu informações à Tomra Systems ASA, e a vários dos seus concorrentes e dos seus clientes, por aplicação do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22).

4        Em 23 de Dezembro de 2002, numa carta dirigida à Comissão, as recorrentes declararam pôr fim aos acordos exclusivos e não mais aplicar os descontos de fidelização.

5        Em 30 de Março de 2004, as recorrentes apresentaram um programa de conformidade à concorrência relativo ao grupo Tomra, aplicável a partir de 1 de Abril de 2004.

6        Em 1 de Setembro de 2004, a Comissão dirigiu uma comunicação das acusações à Tomra Systems ASA, à Tomra Europe AS e às filiais do grupo Tomra em seis Estados que fazem parte do Espaço Económico Europeu (EEE), à qual as recorrentes responderam em 22 de Novembro de 2004. A audição teve lugar em 7 de Dezembro de 2004. Em 19 de Abril de 2005, a Comissão pediu outras informações, que as recorrentes prestaram em 25 de Abril e 3 de Maio de 2005.

 Decisão impugnada

7        Em 29 de Março de 2006, a Comissão adoptou a Decisão C (2006) 734 final, relativa a um processo nos termos do artigo 82.° [CE] e do artigo 54.° do Acordo EEE [a seguir «decisão impugnada»; um resumo desta decisão está publicado no Jornal Oficial da União Europeia de 28 de Agosto, JO 2008 (C 219, p. 11)]. Nela declarou verificado que as recorrentes violaram o artigo 82.° CE e o artigo 54.° do acordo EEE no decurso do período de 1998‑2002, aplicando uma estratégia de exclusão nos mercados alemão, neerlandês, austríaco, sueco e norueguês das RMV por meio de acordos exclusivos, de compromissos quantitativos individuais e de regimes de descontos individuais retroactivos, restringindo assim a concorrência nos mercados.

A –  Mercado em causa

8        No que se refere ao mercado dos produtos em causa, a decisão impugnada indica que, na sua apreciação, a Comissão partiu do princípio de que existe um mercado das máquinas ou sistemas automáticos de recolha de vasilhame de topo de gama, incluindo, nomeadamente, todas as RVM que podem ser instaladas através de uma parede e que podem ser ligadas a um local de apoio, e também um mercado global que inclui tanto as máquinas topo de gama como as máquinas de baixo de gama. A Comissão decidiu, no entanto, utilizar a definição de mercado mais lata como base de trabalho, uma vez que permitia obter números mais favoráveis, em benefício das recorrentes.

9        No que se refere ao mercado geográfico relevante, a Comissão considerou, na decisão impugnada, que as condições concorrenciais não tinham sido homogéneas em todo o EEE durante o período em apreço e que os mercados geográficos relevantes eram de âmbito nacional.

B –  Posição dominante

10      Na decisão impugnada, a Comissão, após ter considerado, nomeadamente, que as quotas de mercado das recorrentes na Europa tinham sido permanentemente superiores a 70% nos anos anteriores a 1997, excedendo os 95% a partir desse ano, e que em qualquer dos mercados relevantes a quota de mercado das recorrentes era várias vezes superior à dos seus concorrentes, concluiu que o grupo Tomra era uma empresa que ocupava uma posição dominante na acepção do artigo 82.° CE e do artigo 54.° do acordo EEE.

C –  Comportamento abusivo

11      A decisão impugnada indica que as recorrentes conceberam uma estratégia que tinha um objectivo ou um efeito anticoncorrencial, tanto na sua prática como no seio de discussões internas do grupo. A Comissão afirma aí que as recorrentes pretendiam preservar a sua posição dominante e as suas quotas de mercado por meios que consistiam, nomeadamente, em impedir a chegada de novos operadores ao mercado, em actuar de modo a que os concorrentes se mantivessem em posição de fraqueza, limitando as suas possibilidades de crescimento, e em acabar para os enfraquecer e os eliminar, quer adquirindo‑os quer por outros meios. Esta estratégia foi aplicada, precisa‑se, através da assinatura de 49 acordos, entre 1998 e 2002, celebrados entre as recorrentes e determinado número de cadeias de supermercados, tomando a forma de acordos exclusivos, de acordos individuais que continham compromissos em termos de quantidade e de regimes individuais de descontos retroactivos.

12      Resulta ainda da decisão impugnada que, embora os acordos, cláusulas e condições verificados neste caso incluam diversos elementos, como cláusulas de exclusividade explícitas ou de facto, compromissos ou promessas, da parte dos clientes, no sentido de adquirirem quantidades correspondentes a uma proporção significativa das suas necessidades, regimes de descontos retroactivos em função das necessidades dos referidos clientes, ou ainda uma combinação destes elementos, devem ser todos analisados, segundo a Comissão, no contexto da política geral das recorrentes de impedir a entrada no mercado, o acesso ao mercado e as oportunidades de crescimento dos concorrentes existentes e potenciais, afastando‑os em última análise do mercado a fim de criar uma situação de quase‑monopólio.

13      Para começar, segundo a decisão impugnada, as cláusulas de exclusividade, na medida em obrigam os clientes a adquirirem a totalidade ou uma parte significativa das suas necessidades junto de um fornecedor dominante, são, por natureza, susceptíveis de provocar um encerramento do mercado. No caso vertente, dado que as recorrentes ocupam uma posição dominante no mercado e que as obrigações de exclusividade foram aplicadas a uma parte que ela considerou não negligenciável da procura total do mercado, a Comissão daí deduziu que estes acordos exclusivos, celebrados pelas recorrentes, eram susceptíveis de ter, e tiveram na realidade, um efeito de encerramento que se traduziu numa distorção do mercado. Ora, declarou‑se verificado na decisão impugnada que não existiram, no caso, circunstâncias que pudessem, excepcionalmente, justificar as cláusulas de exclusividade ou acordos semelhantes, e que as recorrentes também não conseguiram justificar as suas práticas alegando economias de custos.

14      A decisão impugnada acrescenta, de seguida, que os descontos concedidos relativamente a quantidades individuais correspondentes à totalidade ou quase‑totalidade da procura têm o mesmo efeito que cláusulas explícitas de exclusividade, ou seja, induzem o cliente a adquirir a totalidade ou quase‑totalidade das suas necessidades junto de um fornecedor que ocupa uma posição dominante. O mesmo acontece relativamente aos descontos de fidelidade, que são descontos dependentes do facto de o cliente obter a totalidade ou a maior parte das suas necessidades junto de um fornecedor dominante. Para a Comissão, não é determinante, para efeitos do carácter exclusivo dos acordos ou das condições em causa, que o compromisso de aquisição de um determinado volume seja expresso em termos absolutos ou em termos percentuais. No que se refere aos acordos celebrados pelas recorrentes, a decisão impugnada precisa que os objectivos quantitativos estipulados constituem compromissos individuais diferentes para cada cliente, independentemente da sua dimensão e do seu volume de compras, e que correspondiam quer à totalidade quer a uma proporção significativa das necessidades dos clientes, quando não as excediam. A decisão impugnada acrescenta que a política das recorrentes no sentido de vincular os clientes, principalmente os clientes mais importantes, através de acordos que tinham por objectivo excluir os concorrentes do mercado e negar‑lhes qualquer hipótese de crescimento, surge claramente dos documentos relativos à estratégia das recorrentes, às suas negociações e às ofertas que fizeram aos seus clientes. Tendo em conta a natureza do mercado dos sistemas automáticos de recolha de vasilhame e as características específicas do próprio produto, em especial a transparência e razoável previsibilidade da procura de RVM por cliente e por ano, a Comissão constatou que as recorrentes conheciam suficientemente o mercado para poderem efectuar uma estimativa realista da procura aproximada de cada cliente individual.

15      Além disso, no que respeita às práticas de descontos, a Comissão observa, na decisão impugnada, que os regimes de descontos eram adaptados individualmente a cada cliente e que os limiares eram estabelecidos em função da totalidade ou de uma elevada proporção das necessidades de cada cliente. Eram estabelecidos com base nas necessidades estimadas dos clientes e/ou dos seus volumes de compras anteriores. Ora, o incentivo no sentido de comprar exclusivamente ou quase exclusivamente junto das recorrentes era, segundo a decisão impugnada, particularmente forte quando limiares do tipo dos que foram aplicados pelas recorrentes eram combinados com um sistema através do qual a obtenção de um bónus ou a atribuição de um limiar de bónus mais vantajoso beneficiava todas as aquisições efectuadas pelo cliente no período de referência e não só o volume de compras que excedia o limiar em questão. Para um cliente que tivesse começado a realizar as suas aquisições junto das recorrentes, cenário muito provável dada a forte posição que estas ocupavam no mercado, um sistema retroactivo gerava, assim, um forte incentivo no sentido de alcançar o limiar fixado, a fim de reduzir o preço de todas as aquisições junto das recorrentes. Este incentivo aumentava, afirma‑se, progressivamente, à medida que o cliente se aproximava do limiar em questão. Ora, a Comissão constatou que a combinação de um sistema retroactivo de desconto com um limiar ou limiares correspondentes à totalidade ou a uma elevada proporção das necessidades constituía um forte incentivo para adquirir a totalidade ou a quase totalidade do equipamentos necessários junto das recorrentes e aumentava artificialmente o custo da transferência para um fornecedor alternativo, mesmo para um pequeno número de unidades. A Comissão concluiu consequentemente que decorre da jurisprudência que os regimes de descontos identificados devem ser qualificados como meios de fidelização, constituindo por conseguinte descontos de fidelidade.

16      Finalmente, a decisão impugnada indica que, se bem que, como foi declarado nos processos que deram lugar aos acórdãos do Tribunal Geral de 30 de Setembro de 2003, Michelin/Comissão (T‑203/01, Colect., p. II‑4071, a seguir «acórdão Michelin II» n.° 239) e de 17 de Dezembro de 2003, British Airways/Comissão (T‑219/99, Colect., p. II‑5917, n.° 293), para declarar verificado um abuso na acepção do artigo 82.° CE baste «demonstrar que o comportamento abusivo da empresa em posição dominante tende a restringir a concorrência ou, por outras palavras, que o comportamento é passível ou susceptível de ter tal efeito», a Comissão completou a sua análise examinando os efeitos prováveis das práticas das recorrentes no mercado das RVM. A este título, a decisão impugnada indica que, durante todo o período objecto da decisão, ou seja, entre 1998 e 2002, a quota de mercado das recorrentes em cada um dos cinco mercados nacionais considerados se manteve relativamente estável. Simultaneamente, a posição dos seus concorrentes permaneceu fraca e instável. Um deles, o autor da denúncia, que tinha progredido, abandonou o mercado em 2003 após ter conquistado, em 2001, uma quota de 18% do mercado alemão. Outras empresas rivais que demonstraram potencialidades e capacidade para conquistar maiores quotas de mercado foram eliminadas pelas recorrentes através de aquisições, como foi o caso da Halton e da Eleiko. Por outro lado, segundo a Comissão, a estratégia de exclusão das recorrentes, tal como foi aplicada durante o período compreendido entre 1998 e 2002, traduziu‑se por alterações na repartição das quotas do mercado subordinado e nas vendas dos intervenientes no mercado. Além disso, nos termos da decisão impugnada, alguns clientes começaram a adquirir quantidades superiores de produtos concorrentes após o termo de vigência dos acordos exclusivos celebrados com as recorrentes. Para além da ausência de ganhos de eficiência em termos de custos, que seriam susceptíveis de justificar as práticas das recorrentes, não se detectam também, no caso, quaisquer vantagens para os consumidores. A decisão impugnada revela assim que os preços das RVM das recorrentes não diminuíram na sequência do aumento do volume de vendas e que, pelo contrário, esses preços estagnaram ou aumentaram durante o período objecto da investigação.

D –  Coima

17      A decisão impugnada precisa que, na apreciação da gravidade do abuso cometido pelas recorrentes, deve ser tido em conta o facto de elas terem recorrido deliberadamente às práticas em questão no âmbito da sua política de exclusão, mas ainda o âmbito geográfico deste abuso, ou seja, o facto de englobar o território de cinco Estados que fazem parte do EEE, a Alemanha, os Países Baixos, a Áustria, a Suécia e a Noruega. Inversamente, deve ainda ser tomado em consideração, segundo a Comissão, o facto de a infracção não ter sempre abrangido a totalidade do período examinado em todos os mercados nacionais considerados e o facto de, em cada mercado nacional, a intensidade da infracção apresentar variações ao longo do tempo.

18      Em especial, a decisão impugnada precisa, no considerando 394, que a infracção diz respeito aos territórios e períodos seguintes:

–        Alemanha: 1998‑2002

–        Países Baixos: 1998‑2002

–        Áustria: 1999‑2001

–        Suécia: 1999‑2002

–        Noruega: 1998‑2001.

19      A Comissão concluiu que se tratava de uma infracção grave e estabeleceu o montante de base da multa em 16 milhões de euros, baseando‑se no período de cinco anos que vai de 1998 a 2002. O montante de partida da multa foi acrescido de 10% por cada um dos anos completos cobertos pela infracção. Finalmente, a decisão impugnada indica que não existem quaisquer circunstâncias agravantes ou atenuantes.

20      A parte decisória da decisão impugnada tem a seguinte redacção:

«Artigo 1.°

[As recorrentes] cometeram uma infracção ao artigo 82.° [CE] e ao artigo 54.° do acordo EEE no período compreendido entre 1998 e 2002, ao aplicarem uma estratégia de exclusão nos mercados nacionais das [RVM] da Alemanha, Países Baixos, Áustria, Suécia e Noruega, através de acordos exclusivos, de acordos individuais que continham compromissos em termos de quantidades ou de regimes individuais de descontos retroactivos, restringindo assim a concorrência nos mercados.

Artigo 2.°

Devido à infracção acima descrita, é aplicada [às recorrentes], solidariamente responsáveis, uma coima de 24 milhões de euros.

[…]»

 Tramitação processual e pedidos das partes

21      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de Junho de 2006, as recorrentes interpuseram o presente recurso.

22      Tendo a composição das secções do Tribunal sido alterada, o juiz‑relator foi afectado à Quinta Secção, à qual o presente processo foi, consequentemente, atribuído.

23      Com base no relatório preliminar do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Quinta Secção) decidiu dar início à fase oral do processo. As partes foram ouvidas em alegações e nas suas respostas às perguntas feitas pelo Tribunal na audiência de 14 de Janeiro de 2010.

24      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        a título subsidiário, anular ou reduzir substancialmente o montante da coima;

–        condenar a Comissão nas despesas, incluindo as efectuadas pelas recorrentes para constituírem uma garantia bancária relativa à sua obrigação de pagar a coima.

25      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

 Questão de direito

26      As recorrentes invocam seis fundamentos. Os cinco primeiros destinam‑se substancialmente à anulação da decisão impugnada, e o sexto à anulação ou à redução da coima. O primeiro fundamento é relativo à utilização pela Comissão de provas manifestamente inexactas e pouco fiáveis para constatar que as recorrentes tinham uma estratégia de exclusão. O segundo fundamento é relativo a um erro manifesto de apreciação, cometido pela Comissão quando considerou que as práticas das recorrentes eram capazes de eliminar a concorrência, e à falta de fundamentação. O terceiro fundamento é relativo à existência de erros manifestos na apreciação, pela Comissão, da questão de saber se as referidas práticas eliminavam realmente a concorrência. O quarto fundamento é relativo ao erro de direito manifesto que resulta da qualificação das práticas das recorrentes de ilegais per se. O quinto fundamento é relativo ao erro manifesto cometido pela Comissão quando considerou que os compromissos não vinculativos podiam violar o artigo 82.° CE. Finalmente, o sexto fundamento é relativo à violação dos princípios da proporcionalidade e da não discriminação no cálculo da coima.

I –  Quanto ao pedido de anulação da decisão impugnada

A –  Quanto ao primeiro fundamento, relativo à utilização de provas manifestamente inexactas e pouco fiáveis para constatar a estratégia de exclusão e para provar a existência e definir o conteúdo de determinados acordos entre as recorrentes e os seus clientes

27      Este fundamento articula‑se em duas partes. Em primeiro lugar, as recorrentes alegam que a decisão impugnada não contém elementos de prova fiáveis que permitam demonstrar que elas conceberam uma estratégia destinada a eliminar a concorrência. Em segundo lugar, as recorrentes alegam que a decisão impugnada assenta em elementos de prova inexactos e pouco fiáveis para provar a existência e o conteúdo de pelo menos 26 dos 49 acordos a que a decisão faz referência.

1.     Quanto à primeira parte, relativa à ausência de elementos de prova fiáveis que permitam demonstrar a existência de uma estratégia de exclusão

a)     Argumentos das partes

28      Em primeiro lugar, as recorrentes contestam a utilização como prova, pela Comissão, da sua correspondência interna. A este título, as recorrentes alegam que os documentos reunidos pela Comissão não têm relação entre si e que foram totalmente retirados do seu contexto. Além disso, as recorrentes sustentam que a Comissão escamoteou elementos de prova que mostram, pelo contrário, que elas tinham a intenção de respeitar o jogo normal da concorrência com os seus concorrentes. As recorrentes alegam que a decisão impugnada não tem em conta documentos que exprimem a sua intenção de utilizar meios concorrenciais legítimos.

29      Em segundo lugar, as recorrentes declaram constatar que a Comissão, na decisão impugnada, não examinou a questão de saber se o grupo Tomra teve sucesso no mercado dos RVM entre 1998 e 2002 por, de 1997 a 2001, ter sido o único fornecedor de RVM equipadas de uma «nova tecnologia revolucionária». Segundo as recorrentes, isto constitui um erro susceptível de ocasionar a anulação da decisão impugnada: a sua vantagem concorrencial era a sua tecnologia e foi com base nessa vantagem que decidiram actuar no mercado.

30      Em terceiro lugar, as recorrentes indicam que, ao invocar os próprios acordos alegadamente anticoncorrenciais como provas de uma estratégia de exclusão, a Comissão se encerra num argumento circular, uma vez que menciona por várias vezes, noutros locais da decisão impugnada, a estratégia de exclusão das recorrentes para demonstrar que os mesmos acordos eram efectivamente anticoncorrenciais. Em consequência, esses acordos não podiam servir de prova de uma estratégia de exclusão. Mesmo que a Comissão tenha sido capaz de demonstrar exemplos de acordos que violavam o artigo 82.° CE, ela nunca deu qualquer explicação sobre o modo como tal facto confirmaria uma estratégia, à escala de toda a empresa, destinada a excluir a concorrência entre 1998 e 2002.

31      Em quarto lugar, as recorrentes afirmam que a Comissão, na decisão impugnada, por um lado, não considera que os seus procedimentos violadores de patente ou as suas aquisições faziam parte da infracção, mas, por outro, considera que tais procedimentos e aquisições representam factores demonstrativos da estratégia de exclusão prosseguida pelas recorrentes. Todavia, a Comissão não apresentou a menor prova demonstrativa de que a protecção pelas recorrentes das suas patentes ou as suas práticas de cooperação com outras sociedades ou de aquisição delas revelassem uma estratégia de exclusão. Em especial, as recorrentes alegam que, de acordo com uma jurisprudência constante segundo a qual a existência de direitos de propriedade industrial não viola o direito da concorrência, a não ser que seja vexatória, uma tentativa de validar uma patente ou outro direito de propriedade industrial nos órgãos jurisdicionais nacionais não podia violar o direito comunitário da concorrência.

32      A Comissão contesta os argumentos aduzidos pelas recorrentes.

b)     Apreciação do Tribunal

33      Deve começar por se realçar que a decisão impugnada, nos considerandos 97 e seguintes, resume o que a Comissão considerou ser a estratégia anticoncorrencial das recorrentes. A decisão indica, a este propósito, o seguinte:

«A estratégia [do grupo] Tomra baseava‑se numa política destinada a preservar a sua posição dominante e as suas quotas de mercado, através, nomeadamente, [de meios que consistam em] impedir a entrada no mercado, manter a pequena dimensão dos concorrentes, limitando as suas possibilidades de crescimento, e, por último, enfraquecer e eliminar os concorrentes, através de aquisições ou de outros meios, principalmente os concorrentes que [o grupo] Tomra considerava terem potencialidades para se tornarem mais fortes. Para alcançar este objectivo, [o grupo] Tomra recorreu a diversas práticas anticoncorrenciais, incluindo acordos exclusivos ou acordos de fornecedor preferencial, bem como acordos individuais que continham compromissos em termos de quantidades ou regimes individuais de descontos retroactivos».

34      A decisão impugnada precisa seguidamente que «[a] estratégia global [do grupo] Tomra não só pode ser confirmada pelas diferentes práticas utilizadas pelo grupo [, mas] foi também debatida aprofundadamente em diversas ocasiões, quer em reuniões e conferências quer em correspondência, por exemplo correio electrónico».

35      Há, pois, que notar que foi com razão que a Comissão, após ter feito menção das diferentes práticas anticoncorrenciais utilizadas pelas recorrentes, examinou a documentação interna das recorrentes. Esta documentação podia indicar que a exclusão da concorrência estava prevista, ou, pelo contrário, sugerir uma explicação diferente das práticas examinadas. No caso vertente, a correspondência interna das recorrentes permitiu à Comissão situar as suas práticas no seu contexto e corroborar a sua avaliação das mesmas práticas. Além disso, há que acrescentar que as conclusões da Comissão constantes da decisão impugnada nunca se fundaram unicamente num ou noutro documento das recorrentes, tomado singularmente, mas sim sobre toda uma série de elementos diferentes.

36      Em primeiro lugar, quanto à afirmação de que a decisão impugnada permite pensar que a Comissão não teve em conta documentos que exprimam a intenção das recorrentes de utilizarem meios concorrenciais legítimos, há que observar que é inteiramente normal que a decisão impugnada faça prioritariamente referência ao comportamento anticoncorrencial das recorrentes e não às suas acções lícitas, uma vez que era precisamente esse comportamento que incumbia à Comissão demonstrar. Há, de resto, que sublinhar que a decisão impugnada não oculta o facto de determinados documentos internos das recorrentes também mencionarem outros meios, inteiramente legítimos, de respeitar o jogo da concorrência (v., por exemplo, o considerando 100 da decisão impugnada).

37      Em segundo lugar, no que se refere à alegada vantagem tecnológica das recorrentes, há que notar que a menção dessa vantagem feita na decisão impugnada não teve qualquer impacto sobre as conclusões da Comissão. Com efeito, as recorrentes não demonstram de que modo a tecnologia que desenvolveram terá podido servir para justificar as suas práticas. Além disso, se essa tecnologia era tão claramente superior à dos seus concorrentes que os clientes nunca teriam, de qualquer modo, adquirido os produtos destes, mais difícil ainda se torna justificar o recurso a acordos exclusivos, bem como a compromissos quantitativos e outros sistemas individuais de descontos.

38      Em terceiro lugar, no que se refere ao alegado carácter circular do raciocínio da Comissão na decisão impugnada, no que diz respeito à relação entre os acordos anticoncorrenciais e a estratégia de exclusão, há que notar que, de acordo com jurisprudência constante, o conceito de exploração abusiva é um conceito objectivo que visa os comportamentos de uma empresa em posição dominante susceptíveis de influenciar a estrutura de um mercado em que, devido precisamente à presença da empresa em questão, o grau de concorrência já está enfraquecido, e que têm como consequência a criação de obstáculos, recorrendo a meios diferentes dos que regem uma concorrência normal entre produtos ou serviços com base nas prestações dos operadores económicos, à manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou ao desenvolvimento desta concorrência (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão, 85/76, Recueil, p. 461, n.° 91, e acórdão do Tribunal Geral de 14 de Dezembro de 2005, General Electric/Comissão, T‑210/01, Colect., p. II‑5575, n.° 549).

39      Em aplicação desta jurisprudência, a Comissão, nos considerandos 97 e seguintes da decisão impugnada, determinou que as práticas das recorrentes, examinadas nos seus contextos e combinadas com uma série de outros elementos, incluindo os documentos internos das mesmas recorrentes, eram susceptíveis de excluir a concorrência. Em consequência, contrariamente ao que as recorrentes sustentam, a Comissão de modo algum se baseou de forma exclusiva na intenção ou na estratégia das recorrentes para justificar a sua conclusão relativa à existência de uma violação do direito da concorrência.

40      Finalmente, no que se refere aos procedimentos violadores das patentes e às aquisições das recorrentes, basta notar que a decisão impugnada, nos considerandos 106 e 107, indica claramente que estas práticas não fazem parte do abuso de posição dominante. Trata‑se, portanto, unicamente de factos pertinentes que permitem situar as práticas das recorrentes no seu contexto, mas que não têm qualquer impacto sobre a constatação da infracção.

41      Há, pois, que considerar improcedente a primeira parte do primeiro fundamento.

2.     Quanto à segunda parte, relativa à utilização de provas inexactas e pouco fiáveis para demonstrar a existência e definir o conteúdo de determinados acordos celebrados entre as recorrentes e os seus clientes

42      Esta parte pode ser dividida em quatro aspectos. O primeiro diz respeito aos acordos exclusivos anteriores a 1998, o segundo é relativo aos acordos que designam as recorrentes como «o fornecedor preferido, principal, ou primeiro fornecedor», o terceiro é relativo aos compromissos individuais sobre as quantidades e aos mecanismos de descontos individuais retroactivos, dizendo finalmente o quarto aspecto respeito a parte dos contratos relativos a quatro dos cinco países examinados na decisão impugnada, contratos estes que, segundo as recorrentes, foram avaliados de modo incoerente pela Comissão.

a)     Quanto aos acordos exclusivos anteriores a 1998

 Argumentos das partes

43      As recorrentes realçam que 9 dos 21 acordos exclusivos são anteriores ao período coberto pela decisão impugnada (1998‑2002) e que não podem, portanto, ter contribuído para a exclusão dos concorrentes no decurso desse período. As recorrentes concluem daqui que estes 9 acordos não deviam ser mencionados na decisão impugnada nem considerados quando do cálculo da coima.

44      Apesar de a Comissão afirmar, na sua contestação, que não teve em consideração, na sua avaliação, alguns desses acordos, as recorrentes levantam a questão de saber por que razão constam então do n.° 296 da decisão impugnada como sendo pertinentes.

45      A Comissão contesta os argumentos aduzidos pelas recorrentes.

 Apreciação do Tribunal

46      A este respeito, há que considerar que, com efeito, 9 dos acordos exclusivos (a saber, os acordos celebrados com a AS Butikkdrift quanto a 1995 e a 1996, com a Kiwi Minipris Norge quanto a 1996, com a Køff Hedmark quanto a 1996, com a Rema 1000 quanto a 1996, com a AKA/Spar Norge quanto a 1997, com a Rewe Wiesloch e a Rewe Hungen quanto a 1997, com a De Boer Unigro quanto a 1997 e com a Samenwekende van den Broek Bedrijven quanto a 1997), mencionados no considerando 296 da decisão impugnada enquanto acordos celebrados em violação do artigo 82.° CE e do artigo 54.° EEE, dizem respeito a um período anterior ao período coberto pela decisão impugnada (1998‑2002). É, assim, claro que a Comissão cometeu um erro ao mencionar tais acordos nesse considerando, circunstância que é aliás reconhecida pela própria Comissão nos seus articulados.

47      Há no entanto que observar que, por um lado, o cálculo da coima não teve em consideração nenhum facto anterior a 1998 e, por outro, que a Comissão afirma, sem ser desmentida pelas recorrentes, que os acordos aplicáveis antes de 1998 nunca foram tidos em conta na sua apreciação da parte da procura não susceptível de ser conquistada pelos concorrentes das recorrentes e que, portanto, as constatações relativas à estratégia de exclusão praticada pelas recorrentes são totalmente independentes desses nove acordos.

48      A leitura da decisão impugnada no seu conjunto permite excluir qualquer ambiguidade a este respeito (v., por exemplo, os considerandos 134, 159, 162, 164, 166, 242, 264, 269 394, 417 e 418 da decisão impugnada) e considerar que a Comissão em nenhum momento teve em conta uma qualquer infracção anterior a 1998. Daqui resulta que esta acusação não pode ser acolhida.

b)     Quanto aos acordos que designam as recorrentes como «fornecedor preferido, principal ou primeiro fornecedor»

 Argumentos das partes

49      As recorrentes afirmam que a Comissão qualificou «automaticamente» de acordos exclusivos os acordos pelos quais o cliente se comprometia a conservá‑las como «fornecedor preferido ou principal ou primeiro fornecedor», quando estes termos são demasiado vagos para que os acordos sejam qualificados de exclusivos segundo o direito dos contratos. Para mais, apesar de os clientes em questão terem adquirido RVM aos concorrentes das recorrentes no decurso do contrato exclusivo alegado e de esses mesmos clientes terem afirmado que os acordos eram na verdade não exclusivos, a Comissão considerou‑os exclusivos.

50      Segundo as recorrentes, a Comissão, na decisão impugnada, negligenciou analisar se, do ponto de vista do direito nacional dos contratos, fora criado um direito de exclusividade executório. Com efeito, a decisão impugnada não contém qualquer análise dos contratos com base na legislação nacional. A decisão impugnada e os pedidos de informação enviados pela Comissão antes da sua adopção põem num mesmo plano vagos acordos, que não criam obrigações contratuais vinculativas e executórias, e contratos formais executórios. As recorrentes sustentam que, embora isto pareça concebível no contexto de acordos, decisões e práticas concertadas na acepção do artigo 81.° CE, deixa de o ser no quadro de um acordo exclusivo previsto no artigo 82.° CE. Uma obrigação de exclusividade não impede um concorrente de vender ao cliente nem o cliente de aceitar a oferta, a menos que o cumprimento dessa obrigação possa ser imposto com base no direito nacional dos contratos. Do mesmo modo, tal obrigação não pode produzir qualquer efeito dissuasivo ex ante sobre os clientes.

51      Para mais, a decisão impugnada refere, em apoio das conclusões da Comissão relativas ao estatuto contratual dos documentos, provas desprovidas de pertinência, como memorandos internos das recorrentes, comunicados de imprensa ou o relatório anual do grupo Tomra, todos declarações unilaterais deste grupo às quais o cliente não aderiu. A Comissão não efectuou qualquer análise do valor probatório de tais declarações à luz do direito nacional aplicável aos contratos.

52      Finalmente, as recorrentes sustentam que os acordos celebrados com as duas centrais de compras Superunie (acordo celebrado nos Países Baixos em 2001) e ICA/Hakon (acordo celebrado na Suécia e na Noruega, quanto ao período de 2000‑2002) não impunham juridicamente que os membros dessas centrais comprassem RVM exclusivamente às recorrentes e que não há qualquer prova de que esses acordos tenham fortemente exercido «uma pressão ou constituído um forte incitamento» a que os retalhistas independentes lhes comprassem todos as suas RVM.

53      No que respeita, em especial, ao acordo celebrado com a Superunie, as recorrentes sustentam que a decisão impugnada não apresenta qualquer prova que permita considerar que esse acordo podia vincular as lojas independentes, membros da Superunie, no sentido de as forçar a comprar 130 RVM às recorrentes. A este respeito, a Comissão inverteu o ónus da prova ao afirmar que «não há prova que sugira que os membros individuais não se sentissem vinculados […]» pelo acordo. Se os membros tinham podido fazer um melhor negócio com um concorrente das recorrentes, a Comissão não tentou, segundo as recorrentes, explicar porque decidiram no entanto os membros comprar às recorrentes, nos termos de um acordo não vinculativo celebrado com o nível central da sua organização.

54      A Comissão contesta os argumentos aduzidos pelas recorrentes.

 Apreciação do Tribunal

55      Há que começar por contradizer a afirmação das recorrentes de que a Comissão qualificou «automaticamente» de acordos exclusivos os acordos pelos quais o cliente se comprometia a conservar as recorrentes como «fornecedor preferido ou principal ou primeiro fornecedor». Os considerandos 114 a 122 e 286 e seguintes da decisão impugnada dão aliás testemunho do contrário, dado que explicam em pormenor o ponto de vista e as constatações da Comissão a este respeito.

56      Além disso, se é verdade que determinados clientes pretendiam incluir nos seus contratos de «fornecedor preferido» uma cláusula que lhes permitisse adquirir máquinas concorrentes para fins de ensaio, isto conforta a conclusão de que tais contratos eram concebidos como exclusivos e que a possibilidade de adquirir máquinas concorrentes era uma excepção limitada simplesmente ao ensaio dessas máquinas.

57      Para mais, foi com base nos elementos de prova disponíveis quanto à intenção das partes que a Comissão, na decisão impugnada, qualificou de exclusivos os contratos de «fornecedor preferido». Estes elementos de prova mostram que os contratos visavam com efeito a exclusividade e eram entendidos como tais, independentemente da questão do seu carácter executório em direito nacional dos contratos.

58      O contrato com a Royal Ahold, por exemplo, qualifica o grupo Tomra de «fornecedor principal». Todavia, no decurso das negociações com esse cliente, o presidente da Tomra Systems ASA declarara (v. o considerando 139 e a nota de pé‑de‑página 267 da decisão impugnada) o seguinte:

«[P]referimos portanto que [o grupo] Tomra seja designada fornecedor ‘exclusivo’ mundial à Ahold de serviços relacionados com as RVM. Para exprimir a intenção fundamental das partes podiam ser inventadas outras palavras, diferentes de ‘exclusivo’. No entanto, independentemente da escolha dos termos, o acordo, tal como o negociámos em cada momento, consiste em o grupo TOMRA dever ter o direito de instalar as máquinas [...] em qualquer novo estabelecimento que necessite de RVM e [...] no termo dos acordos existentes, em qualquer estabelecimento actualmente abastecido por outro fornecedor de RVM.»

59      Quanto à alegação das recorrentes relativa ao facto de a Comissão, na decisão impugnada, não ter analisado o carácter exclusivo dos contratos com base na legislação nacional aplicável, há que recordar que não é necessário que as práticas de uma empresa em posição dominante vinculem os adquirentes através de uma obrigação formal para se concluir que elas constituem uma exploração abusiva de uma posição dominante na acepção do artigo 82.° CE. Basta que essas práticas incluam um incitamento dos clientes a não passarem a fornecedores concorrentes e a se abastecerem na totalidade ou em parte considerável das suas necessidades exclusivamente junto da referida empresa (v. neste sentido, acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, já referido, n.os 89 e 90).

60      A este respeito, há que notar que, frequentemente, os acordos em causa não apenas qualificavam o grupo Tomra de «fornecedor preferido ou principal ou primeiro fornecedor» do cliente em questão, mas que continham ainda compromissos quantitativos ou descontos retroactivos progressivos subordinados a compras de determinado volume. Os acordos relativos aos anos de 2000 a 2002 celebrados com o grupo neerlandês Royal Ahold e com a ICA/Hakon/Ahold quanto à Suécia e à Noruega constituem exemplos desse tipo de acordos.

61      No que se refere, enfim, aos acordos celebrados entre as recorrentes e centrais de compras como a Superunie e a ICA/Hakon, há que notar, por um lado, que não é contestado pelas recorrentes que tais acordos revestiam um carácter vinculativo para as centrais de compras que os tinham assinado e, por outro, que a questão de saber se também influíam sobre o comportamento de comprador dos seus membros não depende de uma análise formal.

62      Com efeito, há que observar, à semelhança da Comissão, que quando as condições negociadas dependem da aquisição de quantidades predeterminadas pela central no seu conjunto, é inerente à negociação de um contrato deste tipo que tal contrato incitará os membros da central a efectuarem compras com vista a atingirem o objectivo fixado.

63      Por outro lado, a circunstância de o objectivo de compras fixado pelo contrato celebrado com a ICA Ahold/Hakon ter sido atingido (v. o considerando 171 da decisão impugnada) mostra até que ponto a organização central de compras tinha o poder de influenciar os comportamentos dos retalhistas independentes.

64      Para mais, o acordo com a Superunie mencionava expressamente cada um dos diferentes aderentes e o número de máquinas que se previa que cada um deles comprasse.

65      Deve finalmente sublinhar‑se, como a Comissão justamente fez notar, que, efectivamente, o dossier contém várias indicações que mostram que o respeito pelo acordo era estreitamente vigiado e que eram exercidas pressões sobre os distribuidores independentes.

66      A este respeito, há que mencionar, por exemplo, a carta de 16 de Fevereiro de 2001 dirigida pela Tomra Europe à ICA Ahold a propósito do acordo de 13 de Outubro de 2000, que exprime as inquietudes das recorrentes a propósito do ritmo das compras da ICA no âmbito do acordo e que recorda que a ICA «se comprometeu a fazer o seu melhor, ao nível central, para apoiar o grupo Tomra em toda a sua rede de estabelecimentos e para encorajar os seus franqueados a acelerarem a substituição das máquinas velhas e a manterem‑se 100% fiéis a este acordo». A carta precisa que o apoio central da ICA «não foi manifestamente eficaz até aqui», e que a comunicação pela ICA dos incentivos oferecidos por força do acordo aos seus franqueados não foi suficiente. A Tomra Europe convidava pois a ICA a tomar as medidas de urgência para executar o plano em conformidade com o acordo.

67      À luz do que precede há, pois, que rejeitar esta acusação das recorrentes.

c)     Quanto aos compromissos individuais sobre as quantidades e aos mecanismos de descontos individuais retroactivos

 Argumentos das partes

68      As recorrentes alegam que de modo algum foi provado que elas estivessem estado em condições de apreciar com precisão as necessidades do cliente.

69      Sustentam, em primeiro lugar, que a Comissão, na decisão impugnada, admite que os clientes não as informavam do volume das suas necessidades totais ou quase totais de RVM no decurso do período contratual.

70      Sustentam, em segundo lugar, que, se a procura de RVM era não recorrente e irregular, como indicado na decisão impugnada, então o número de RVM que um cliente adquiria no decurso do ano precedente não podia permitir às recorrentes preverem a procura total ou quase total do mesmo cliente no decurso do ano seguinte.

71      Para mais, as recorrentes contestam a afirmação da Comissão de que a procura de cada cliente era facilmente previsível «por ser criada ou aumentada pela introdução de sistemas de depósito obrigatório». A este propósito, as recorrentes indicam que nenhum dos cinco Estados em que as alegadas infracções tiveram lugar introduziu um sistema de depósito obrigatório entre 1998 e 2002.

72      Em terceiro lugar, a Comissão admitiu indirectamente que as recorrentes não eram capazes de apreciar as necessidades totais ou quase totais de RVM dos seus clientes, ao apagar, a título de segredos de negócios e em toda a decisão impugnada, todos os números directa ou indirectamente relacionados com as aquisições anuais históricas de RVM.

73      Finalmente, as recorrentes afirmam que era raro que os compromissos e objectivos de quantidade coincidissem com as aquisições reais dos clientes. Estas aquisições eram quer muito inferiores quer muito superiores aos alegados compromissos sobre as quantidades, quando é certo que o cliente também comprava RVM a concorrentes das recorrentes. Em apoio desta afirmação, as recorrentes apresentam um relatório preparado por economistas, os quais calcularam as aquisições realmente efectuadas por cada cliente pertinente e as compararam aos alegados compromissos sobre as quantidades.

74      As recorrentes indicam que as constatações empíricas desse relatório mostram que as compras efectivas de RVM foram sistematicamente mais importantes que as quantidades contratuais. Isto está de acordo com o facto de as recorrentes estarem em condições de oferecer uma «tecnologia revolucionária», de que os clientes queriam forçosamente dispor nos seus pontos de venda. E não está, em contrapartida, de acordo com a decisão impugnada (v. considerando 123), quando aí se afirma que as aquisições previstas nos acordos correspondiam «integralmente, ou quase» ao número de RVM que o cliente acabava por adquirir no decurso do período contratual.

75      A Comissão contesta os argumentos aduzidos pelas recorrentes.

 Apreciação do Tribunal

76      No que respeita aos compromissos individuais sobre as quantidades e aos mecanismos individuais de descontos retroactivos, as recorrentes sustentam que nada prova que tivessem estado em condições, durante o período em exame, de avaliar correctamente as necessidades em RVM dos clientes. Ora, segundo as recorrentes, a ilegalidade deste tipo de práticas depende justamente da capacidade do fornecedor de avaliar as necessidades dos clientes.

77      Há que notar, a título liminar, que a Comissão, na decisão impugnada, considerou efectivamente que os compromissos sobre as quantidades e os mecanismos de descontos foram individualizados para cada cliente e que os limiares diziam respeito às necessidades totais de um cliente ou a uma grande proporção de tais necessidades (v., por exemplo, considerando 319 da decisão impugnada).

78      Pode, portanto, ser afirmado, como fazem as recorrentes, que a decisão impugnada, quanto à tese relativa aos compromissos sobre as quantidades e aos mecanismos de desconto que dela consta, assenta na circunstância de as recorrentes terem a possibilidade de individualizar este tipo de acordos conhecendo simultaneamente as necessidades de cada cliente. Ora, o argumento das recorrentes tem por base o facto de que elas não eram, na realidade, capazes de avaliar com exactidão as necessidades dos clientes e, portanto, de que a Comissão não podia falar de acordos individualizados. Deve, pois, verificar‑se se a Comissão cometeu um erro a este respeito.

79      Em primeiro lugar, há que afirmar que o cliente indicava por vezes uma previsão relativa à sua procura futura, como no contexto do acordo com a Rimi Svenska. Além disso, na sua resposta à comunicação das acusações, as recorrentes alegam que, durante a fase de negociação do contrato, «[era] normal e necessário que as duas partes tivessem uma ideia aproximada da quantidade, isto é, do número de unidades susceptível de ser objecto do contrato».

80      Em segundo lugar, a afirmação das recorrentes de que a Comissão tinha constatado que os objectivos eram estabelecidos unicamente com base nas compras passadas está errada. Pelo contrário, a Comissão considerou, com razão, na decisão impugnada, que, atendendo às características do mercado das RVM, a procura de cada cliente era relativamente fácil de prever. Para prever as necessidades futuras dos seus clientes, as recorrentes tinham à sua disposição diferentes elementos: as indicações fornecidas pelos próprios clientes, as aquisições feitas pelos clientes no decurso do ano precedente ou dos anos anteriores e os dados transparentes sobre os factores mais pertinentes (número e dimensão dos pontos de venda, existência ou instalação previsível de um sistema de depósito), bem como os estudos de mercado efectuados pelas próprias recorrentes com base no seu conhecimento aprofundado do mercado (v. considerando 298 da decisão impugnada).

81      Em especial no que respeita ao argumento das recorrentes de que nenhum dos cinco países abrangidos pela decisão impugnada introduziu um sistema de depósito obrigatório entre 1998 e 2002, há que notar que a procura de RVM cresceu na previsão da introdução de um sistema de depósito, como se verificou na Alemanha no decurso do período de 2000‑2001, mesmo que o sistema só tenha sido efectivamente introduzido em finais de 2002 (v. considerandos 188, 219 e 221 da decisão impugnada). Do mesmo modo, os sistemas «voluntários» de recolha de vasilhame, como o que existe na Noruega, também tem uma incidência manifesta e previsível sobre a procura de RVM (v. considerando 242 da decisão impugnada).

82      Daqui resulta que, contrariamente ao argumento das recorrentes, uma procura «não recorrente» e «irregular» pode apesar disso ser, como no caso vertente, fácil de prever.

83      Quanto ao tratamento confidencial, na decisão impugnada, das informações dos clientes a propósito das aquisições a fornecedores concorrentes, há que observar que esta circunstância não permite concluir que as recorrentes não estavam em condições de avaliar a procura dos seus clientes. O pedido de confidencialidade dos clientes indica simplesmente que eles não desejavam revelar às recorrentes as aquisições que tinham efectuado a concorrentes.

84      Finalmente, no que se refere à falta de correlação sistemática entre os alegados compromissos sobre as quantidades e as compras efectivamente realizadas pelos clientes, há que notar que o estudo fornecido pelas recorrentes assenta numa leitura errada da decisão impugnada. Com efeito, esta indica que os contratos em questão correspondiam geralmente à totalidade ou a uma proporção elevada das necessidades efectivas dos clientes no decurso de um dado período contratual e não que os compromissos sobre as quantidades acordados deviam corresponder exactamente à procura real total, tal como observada ex‑post (v. considerandos 102, 108, 123, 124 e 127 da decisão impugnada).

85      Além disso, a decisão impugnada precisa que, quando os objectivos fixados pelos acordos não correspondiam às necessidades totais do cliente, correspondiam pelo menos a um valor compreendido entre 75% e 80% da sua procura total (v., por exemplo, considerando 159 da decisão impugnada).

86      De qualquer modo, há que realçar que o estudo estatístico apresentado pelas recorrentes parece confirmar a tese em que se baseia a decisão impugnada. Com efeito, a análise efectuada a posteriori pelas recorrentes mostra, em substância, que os volumes das aquisições efectivas foram, na maior parte dos casos, ligeiramente superiores aos volumes previstos nos compromissos quantitativos. Esta constatação é confirmada pelo quadro comparativo fornecido pela Comissão, no qual os compromissos quantitativos e os descontos predeterminados praticados são comparados com as aquisições efectivamente realizadas pelos clientes.

87      Face às considerações que precedem, há que rejeitar também esta acusação.

d)     Quanto à avaliação de determinados contratos celebrados no território da Alemanha, dos Países Baixos, da Suécia e da Noruega

88      As recorrentes alegam que, quanto a quatro dos cinco países em cujo território a infracção terá sido cometida, a maior parte dos contratos mencionados na referida decisão impugnada foi avaliada de modo incoerente. Tais contratos não deviam, portanto, ter sido tidos em conta pela Comissão, sendo este fundamento suficiente para justificar a anulação da decisão impugnada. As recorrentes não contestam a análise dos contratos na Áustria. O primeiro fundamento do recurso não diz, portanto, respeito a este mercado.

89      Assim, há que examinar de seguida as acusações relativas aos contratos respeitantes à Alemanha, aos Países Baixos, à Suécia e à Noruega.

 Alemanha

90      As recorrentes alegam que mais de metade dos acordos relativos à Alemanha invocados pela Comissão ou não existiam ou não incluíam qualquer cláusula de exclusividade, de compromisso sobre as quantidades ou de descontos retroactivos.

91      A Comissão contesta os argumentos aduzidos pelas recorrentes.

–       Edeka Bayern‑Sachsen‑Thüringen (1998‑1999)

92      As recorrentes afirmam que este contrato não era exclusivo e que previa apenas que o cliente devia adquirir‑lhes RVM de modo concentrado. O cliente estava no entanto autorizado a testar máquinas concorrentes, bem como a adquiri‑las se apresentassem vantagens significativas.

93      As recorrentes acrescentam que a Comissão não fez prova de que o acordo podia ser qualificado de exclusivo.

94      Há que notar que, contrariamente ao que afirmam as recorrentes, o acordo estava concebido desde o início como um acordo exclusivo. Um contacto verbal entre as duas sociedades, cujo teor foi difundido por correio electrónico no interior da filial alemã do grupo Tomra, corrobora este argumento.

95      Para mais, há que sublinhar que, quando um acordo não é exclusivo, o cliente se mantém senhor das suas opções e pode adquirir a qualquer concorrente. Não é normalmente necessário que o cliente prove que o concorrente possui uma «vantagem significativa», como se passa no caso vertente.

96      Quanto ao argumento baseado no facto de o acordo em questão prever que a Edeka Bayern‑Sachsen‑Thüringen podia efectivamente testar os produtos dos concorrentes das recorrentes, há que considerar que, para que um cliente encomende máquinas a um novo fornecedor, deve tê‑las experimentado durante um certo tempo; um período de exclusividade não é pois incompatível com o facto de se reservar o direito de experimentar máquinas concorrentes. Além disso, um contrato que não é exclusivo não inclui, em princípio, uma tal cláusula.

97      Deve pois, realçar‑se que, como justamente sublinhou a Comissão, um contrato não contém normalmente cláusulas que enquadrem ou orientem as opções de compra efectuadas pelo cliente. Com efeito, cláusulas como a que deixa a possibilidade ao cliente de efectuar ensaios a máquinas concorrentes durante um período restrito, ou uma cláusula que só permite o abastecimento junto de concorrentes se a vantagem for significativa, não podem indicar que o acordo não é exclusivo.

98      Assim, há que de rejeitar esta acusação.

–       Edeka Handelsgesellschaft Hessenring (1999)

99      As recorrentes contestam o modo pelo qual a Comissão analisou o acordo de 1999, alegando que esta não produziu qualquer prova em apoio da afirmação de que o limiar de 2 milhões de marcos alemães (DEM), exigido para obter um suposto desconto individual de 0,5%, representava um sistema de descontos individualizado baseado na totalidade ou na quase totalidade das necessidades do cliente. As recorrentes acrescentam que este limiar não foi atingido pela Edeka Handelsgesellschaft Hessenring em 1999. Assim, mesmo que existisse uma tal cláusula de desconto dependente do montante das aquisições, ela não poderia ser aplicada.

100    A este propósito, há que realçar, à semelhança do que fizeram as recorrentes, que, com efeito, a Comissão não demonstra, na decisão impugnada, que o acordo com a Edeka Handelsgesellschaft Hessenring representasse um sistema de descontos individualizado baseado na totalidade ou na quase totalidade das necessidades do cliente. Na ausência de outros elementos, o facto de a Edeka Handelsgesellschaft Hessenring não ter feito aquisições de produtos por um montante que ultrapassasse o limiar específico para obter o desconto parece confirmar esta circunstância.

101    Deve, contudo, sublinhar‑se que, mesmo que a Comissão não tenha provado que se tratava de um acordo individualizado, não pode negar‑se que se trata, de qualquer modo, de um acordo de descontos progressivo e retroactivo. Além disso, deve sublinhar‑se que, nos casos em que o cliente comprou uma quantidade inferior ao limiar, a Comissão afirma, sem ser contrariada pelas recorrentes, que apenas incluiu na «parte fixa» as aquisições efectivamente feitas à empresa em posição dominante no período de duração do acordo.

102    Esta acusação das recorrentes não pode, portanto, ser acolhida.

–       Edeka Baden‑Würtemberg (2000)

103    As recorrentes alegam que o contrato em causa não pode ser qualificado de exclusivo. Por elas, trata‑se de uma confirmação da encomenda para 1.7% dos pontos de venda da Edeka. O acordo não contém qualquer outra informação relativa à eventualidade de poder tratar‑se de um acordo exclusivo.

104    O argumento aduzido pelas recorrentes não é convincente, na medida em que a Comissão fez prova, por duas vezes, de que se tratava efectivamente de um contrato de exclusividade. Com efeito, em apoio do seu argumento, a Comissão apresenta uma nota interna de 24 de Setembro de 2000 que faz referência a um acordo exclusivo em curso («bestehenden Exclusivvertrag»).

105    Para mais, no que respeita ao argumento assente no facto de a Comissão visar a Edeka no seu conjunto, há que precisar que não é esse o caso. Com efeito, a Comissão especifica que o acordo é limitado aos novos pontos de venda da Edeka.

106    Consequentemente, há que rejeitar esta acusação.

–       COOP Schleswig‑Holstein (2000)

107    As recorrentes sustentam que não se trata de um contrato de exclusividade. Precisam que a Comissão apenas teve em seu poder uma correspondência entre elas e a COOP que confirma a aquisição pela COOP de 25 RVM. Não se trata de um contrato de exclusividade, tanto mais que, segundo as recorrentes, a COOP apenas adquiriu 7 RVM. As recorrentes concluem que as partes não se sentiam vinculadas por essa correspondência.

108    As recorrentes acrescentam que, na carta de 10 de Março de 2000, nenhuma cláusula impedia a COOP de se abastecer junto dos concorrentes das recorrentes.

109    Todavia, a prova fornecida pela Comissão, segundo a qual a carta de 10 de Março de 2000 da Tomra Systems GmbH à COOP visava um «acordo‑quadro de exclusividade», basta para demonstrar que o acordo em causa era sem dúvida um contrato de exclusividade.

110    Por esta razão, há que rejeitar esta acusação das recorrentes.

–       Netto

111    As recorrentes sustentam que o bónus progressivo incluído no contrato não pôde ser distribuído, na medida em que o cliente não encomendou o número de RVM necessário para beneficiar do bónus. Para ter direito a 2 RVM gratuitas, a Netto deveria ter encomendado 150 RVM. Ora, a encomenda apenas foi de 109 unidades em 2001 e de 126 unidades em 2002, segundo as recorrentes.

112    As recorrentes acrescentam que o objectivo não foi atingido, uma vez que as aquisições efectivas foram nitidamente inferiores, sendo desprovido de pertinência o facto de o contrato ter sido unilateralmente prorrogado pelas recorrentes para além da data inicialmente prevista, uma vez que o cliente não podia esperar que elas procedessem a essa prorrogação, o que exclui, no caso, qualquer efeito dissuasivo.

113    No que se refere ao contrato com a Netto, há que realçar que, se é exacto que os limiares não foram atingidos, a decisão impugnada indica, no considerando 202, que o referido contrato foi prorrogado provavelmente com o objectivo de permitir ao cliente atingir os limiares sucessivamente. As recorrentes não demonstraram que esta circunstância não se tenha verificado. Assim, há que rejeitar esta acusação.

–       Rewe Wiesloch e Rewe‑Hungen (1997)

114    As recorrentes contestam terem sido o fornecedor exclusivo de RVM destas duas organizações, e afirmam que o mercado de fornecimento de RVM foi atribuído à Halton em 1997.

115    Não há, no entanto, lugar a pronúncia sobre esta acusação, dado que o acordo se situa fora do período examinado pela decisão impugnada.

–       Rewe Hungen (2000)

116    As recorrentes alegam que o acordo não é contrário ao artigo 82.° CE, uma vez que a encomenda efectuada pela Rewe às recorrentes foi nitidamente inferior (menos de 50%) às necessidades do cliente. Para mais, a crer no que dizem, o volume efectivamente adquirido foi sensivelmente superior ao objectivo convencionado entre as partes.

117    Há que realçar que o facto que um cliente não ultrapassar o limiar fixado pelo contrato nada retira ao incitamento suplementar dado pelo desconto, até que o volume predeterminado seja atingido. Além disso, há que sublinhar que, quando do cálculo da importância do volume não acessível à concorrência, a Comissão só teve em consideração o volume que ia até ao limiar (na ocorrência 20 máquinas) e considerou o resto das aquisições do cliente como procura susceptível de ser conquistada.

118    Em consequência, há que rejeitar esta acusação das recorrentes.

119    Tendo em atenção o que precede, há que concluir que a decisão impugnada não está viciada por qualquer erro manifesto de apreciação no que respeita aos acordos celebrados na Alemanha.

 Países Baixos

120    As recorrentes contestam a apreciação feita pela Comissão a quatro contratos examinados na secção da decisão impugnada que trata dos Países Baixos. Segundo as recorrentes, a decisão impugnada qualifica erradamente esses contratos, que não podiam ser considerados pertinentes para efeitos de uma violação do artigo 82.° CE.

121    A Comissão contesta os argumentos aduzidos pelas recorrentes.

–       Albert Heijn (1998 2000)

122    As recorrentes alegam que a sua confirmação de encomenda não assinada, datada de 30 de Outubro de 1998, que menciona que a Albert Heijn tinha encomendado por telefone 200 RVM, não contém qualquer informação que permita comprovar a afirmação de que a Albert Heijn tinha a obrigação de comprar 200 RVM ou que o preço mudava se o cliente decidisse comprar um volume inferior de RVM ou que este número constituía as necessidades totais ou quase totais do cliente. Com efeito, a Comissão reconheceu que, em de Abril de 2000, a Albert Heijn apenas tinha adquirido 121 RVM às recorrentes.

123    Há no entanto que realçar que o documento em questão estipula expressamente que a Albert Heijn tinha a obrigação de adquirir 200 RVM: «A Albert Heijn compromete‑se a adquirir 200 máquinas automáticas Tomra T600 até 31 de Dezembro de 2000, com um prolongamento até 31 de Março de 2001 inclusive».

124    Além disso, há que notar que, como sustentado pela Comissão, as recorrentes lhe submeteram este acordo, no quadro da sua resposta de 14 de Março de 2002 ao pedido de informações da Comissão feito ao abrigo do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, e que, quando da sua resposta à comunicação das acusações, elas nunca alegaram que o acordo, incluído na mesma comunicação, não fora assinado ou nunca existira.

125    Além disso, quanto à constatação de que, em Abril de 2000, a Albert Heijn apenas tinha adquirido 121 RVM às recorrentes, há que realçar que, nessa data, faltava um ano completo para o termo do prazo previsto no acordo. À vista destes elementos, não é possível considerar que o acordo não foi respeitado.

126    Deve acrescentar‑se que a existência deste acordo é confirmada pelo acordo Royal Ahold Global Master, examinado a seguir, que era um acordo exclusivo mais amplo celebrado com o Royal Ahold, grupo ao qual pertencia a Albert Heijn. O artigo 4.2 deste acordo menciona o precedente acordo com a Albert Heijn e recorda que, «por força do acordo datado de 30 de Outubro de 1998», a Albert Heijn está ainda «obrigada a adquirir 79 máquinas suplementares à [Tomra Systems BV]», o que corresponde à diferença entre o compromisso inicial de compra de 200 máquinas e as 121 máquinas já adquiridas.

127    À luz do que precede, há que concluir que o documento em questão comprova a existência de um contrato por força do qual a Albert Heijn estava obrigada a adquirir 200 RVM às recorrentes.

–       Royal Ahold (2000‑2002)

128    As recorrentes contestam que o acordo Royal Ahold Global Master fosse exclusivo e sustentam que nada nesse acordo impedia a Royal Ahold de adquirir máquinas concorrentes. Alegam que a secção 1.2 do acordo menciona explicitamente que a Royal Ahold é livre de adquirir a outros fornecedores e que ela não está obrigada a pôr termo a acordos existentes com outros fornecedores de RVM. Na realidade, as recorrentes sustentem que eram apenas o «fornecedor principal», mas não exclusivo.

129    As recorrentes acrescentam que a Comissão, na própria decisão impugnada, reconhece que a Royal Ahold adquiriu RVM a outros fornecedores durante o período do contrato. Além disso, sustentam que as declarações citadas na contestação e suas as indicações destinadas a explicar os acordos não constituem, nos termos do direito dos contratos aplicável no caso vertente [isto é, o de Nova Iorque (Estados Unidos)], provas susceptíveis de convencer um órgão jurisdicional a fazer respeitar a exclusividade contra a Royal Ahold. O facto de esta ter procedido a aquisições a fornecedores concorrentes suscita a questão de saber qual possa ter sido o efeito dissuasivo real deste contrato.

130    Os argumentos das recorrentes relativos ao acordo com a Royal Ahold não podem ser acolhidos.

131    Com efeito, os documentos citados na decisão impugnada confirmam que este contrato era exclusivo. O comunicado de imprensa das recorrentes de 13 de Abril de 2000 indica, por exemplo, que: «[o grupo] Tomra e [...] a Royal Ahold assinaram um acordo mundial que faz [do grupo] Tomra o fornecedor exclusivo da Royal Ahold no que diz respeito às RVM e aos serviços a elas relativos durante um período de três anos» (v. considerando 139 da decisão impugnada). Há ainda que realçar que as recorrentes, na sua resposta à comunicação das acusações, o reconheceram expressamente.

132    É certo que, como aliás a Comissão admite, o acordo não obriga a Royal Ahold a rescindir acordos existentes com outros fornecedores de RVM antes do seu termo. Todavia, deve observar‑se que a secção 1.2 do acordo previa que as aquisições de outros RVM a concorrentes não eram «proibidos» «na condição, todavia, de a duração, no que respeita a essas máquinas suplementares, não ultrapassar a mais longa duração ainda por correr no ponto de venda a retalho em que estão instaladas máquinas suplementares».

133    A secção 1.2 do acordo em questão prevê, pois, que os acordos com outros fornecedores deviam ser progressivamente suprimidos e que não iam ser aceites os contratos com concorrentes que viessem a exceder a mais longa duração ainda por correr ao nível de cada ponto de venda.

134    Há, portanto, que rejeitar esta acusação das recorrentes.

–       Lidl (1999‑2000)

135    As recorrentes alegam que, no que respeita ao acordo de Abril de 1999, a Comissão não incluiu nos elementos de prova o facto de a encomenda da Lidl mencionar explicitamente que a Lidl Nederland GmbH não se comprometia num acordo exclusivo.

136    Além disso, a Comissão deforma os elementos de prova quando afirma que a intenção da Lidl era adquirir «pelo menos» 40 RVM, uma vez que a carta menciona simplesmente que a Lidl tinha a intenção de comprar 40 RVM. A Comissão também reconheceu que a Lidl só adquiriu 21 RVM às recorrentes em 1999.

137    As recorrentes observam que no considerando 142 da decisão impugnada, a Comissão se refere a um acordo de 2000 celebrado com o fim «de substituir 44 velhas máquinas Halton e 33 velhas máquinas Tomra por 77 novas RVM Tomra, de hoje até ao fim desse ano». Uma vez que nenhuma quantidade mínima é especificada, a carta confirma apenas que a Lidl tinha encomendado 77 RVM para substituir um mesmo número de RVM antigas nos seus estabelecimentos. A Comissão reconheceu que a Lidl tinha, de facto, adquirido 82 RVM às recorrentes em 2000. Segundo estas, a carta demonstra claramente que a Lidl lhes solicitou a substituição das suas máquinas porque a tecnologia avançada das máquinas das recorrentes podia ser adaptada mais especificamente às necessidades da Lidl.

138    No que se refere ao acordo de Abril de 1999, há que constatar que a decisão impugnada não qualifica o acordo com a Lidl de exclusivo. Este acordo é descrito na rubrica «Exclusividade e compromissos quantitativos», no considerando 142 da decisão impugnada, e na rubrica «Compromissos sobre as quantidades e condições unilaterais relacionadas com determinadas quantidades», no considerando 302 da mesma decisão. Quanto à constatação das recorrentes de que a Lidl só tinha adquirido 21 máquinas em 1999, há que sublinhar que esta circunstância não pode infirmar o facto de o acordo obrigar o cliente a adquirir 40 máquinas num período de dois anos, uma vez que o período contratual de dois anos ainda não tinha terminado.

139    Há, pois, que rejeitar as observações das recorrentes relativas a este acordo.

140    No que se refere ao acordo assinado em 29 de Setembro de 2000, basta notar, por um lado, que as recorrentes não contestam que o cliente se comprometera a adquirir 77 máquinas até ao fim do ano e, por outro, que a decisão impugnada não teve em conta este acordo para calcular a quota do mercado insusceptível de ser conquistada pelos concorrentes das recorrentes (v. considerando 163 e nota de pé‑de‑página n.° 335 da decisão impugnada).

141    Por consequência, esta acusação também não pode ser acolhida.

–       Superunie (2001)

142    As recorrentes alegam, em substância, que a Superunie é uma organização central de compras de direito holandês, que os seus membros tomam as suas decisões de compra com independência e que o acordo assinado com este tipo de organização, que continha o compromisso de adquirir um mínimo de 130 máquinas no período de um ano e meio, não era vinculativo para os seus membros.

143    Os argumentos das recorrentes não podem ser acolhidos. A este respeito, há que remeter para as considerações constantes dos n.os 61 a 66 supra, relativas aos acordos com as centrais de compras.

144    À luz do que precede, há que considerar que, no que diz respeito aos quatro contratos dos Países Baixos contestados pelas recorrentes, a decisão impugnada não está viciada por qualquer erro manifesto de apreciação.

 Suécia

145    As recorrentes sustentam que a decisão impugnada qualifica erradamente a maior parte dos acordos celebrados na Suécia e que, por esta razão, está viciada por erro manifesto.

146    A Comissão contesta os argumentos aduzidos pelas recorrentes.

–       ICA Handlares (Suécia) e Hakon Gruppen (Noruega) (2000‑2002)

147    As recorrentes alegam que este contrato, sendo um anexo do contrato celebrado entre o grupo Tomra e a Royal Ahold, não pode ser qualificado de exclusivo na medida em que o próprio acordo Royal Ahold não for qualificado de exclusivo.

148    As recorrentes acrescentam que tanto a ICA como a Hakon são «escritórios de administração central» para pontos de venda totalmente independentes. Assim, as recorrentes sustentam que, mesmo que o acordo em questão fosse exclusivo, nada impedia os pontos de venda de se abastecerem em RVM junto de concorrentes das recorrentes.

149    No que respeita ao argumento assente na qualificação da exclusividade do contrato, há que realçar que o contrato Royal Ahold Global Master já precedentemente foi examinado, tendo‑se concluído que se tratava de um acordo exclusivo (v. pontos 128 a 133 supra). Foi pois com razão que a Comissão concluiu que o acordo ICA, sendo um anexo desse contrato, se tornava exclusivo por definição. Resulta, por outro lado, dos autos e, nomeadamente, da «Proposta de desconto global suplementar na Noruega e na Suécia», que a Comissão pôde afirmar com razão que acordo continha também uma cláusula que permitia obter o benefício de um desconto suplementar aquando da aquisição de RVM. Com efeito, a Comissão qualificou o acordo de abusivo, pois ele não continha apenas uma cláusula de exclusividade. Além do sistema de desconto específico instituído na Suécia, era pago um desconto de 10% à ICA se ela se comprometesse a adquirir um mínimo de 1 100 novas RVM para o território da Suécia e da Noruega no decurso do período de 2000 a 2002. O acordo tinha pois por objectivo não apenas estabelecer uma cláusula de exclusividade mas também fidelizar a clientela da ICA e da Hakon através de um desconto que era pago para além de uma quantidade fixa de compras de RVM.

150    No que se refere ao argumento das recorrentes assente na independência dos pontos de venda, basta remeter para as considerações, feitas nos n.os 61 a 66 supra, relativas às organizações centrais de compras.

151    Por estas razões, há que rejeitar esta acusação na sua integralidade.

–       Rimi Svenska (2000)

152    As recorrentes afirmam que não havia nenhum compromisso sobre as quantidades no que se refere à encomenda global de Abril de 2000, porque a Rimi Svenska, no período coberto pelo acordo, apenas adquiriu 23 RVM por 2,6 milhões de coroas suecas (SEK), quando o desconto retroactivo só devia ser pago se as compras ultrapassassem 7,5 milhões de SEK.

153    Na réplica, indicam que o objectivo previsto também não foi atingido no quadro do contrato mais vasto celebrado com a ICA.

154    Estes argumentos não podem ser tidos em consideração, na medida em que o acordo com a Rimi Svenska foi substituído em Outubro de 2000 por um acordo mais amplo, assinado com a ICA Ahold, de que a Rimi Svenska é uma filial, o qual previa os mesmos descontos de 10% mas condições mais flexíveis para a obtenção do desconto. A Rimi Svenska não perdeu, pois, o desconto a que tinha direito por força do acordo precedente, que também previa um desconto se ela designasse o grupo Tomra como fornecedor principal.

155    A este respeito, não se pode negligenciar a carta de 2 de Novembro de 2000 junta à petição, sabendo‑se que ela confirma que a Rimi Svenska beneficiou de um desconto retroactivo parcial e que o resto lhe foi pago em Novembro de 2000. O documento precisa, além disso, que a encomenda global foi anulada e substituída pelo acordo ICA, mais geral, como acaba de ser referido no n.° 154 supra. Deve além disso notar se que a afirmação das recorrentes de que o objectivo previsto também não foi atingido no quadro do contrato mais vasto celebrado com a ICA, não foi comprovada.

156    Assim, há também que rejeitar esta acusação.

–       Spar, Willys e KB Exonen (grupo Axfood) (2000)

157    As recorrentes sustentam que a Comissão não produziu qualquer prova da existência de um acordo que desse à Spar o «direito» aos descontos retroactivos. As recorrentes alegam que, na sua resposta à comunicação das acusações, fizeram explicitamente referência à declaração da Axfood, que afirma que a Spar e a Willys efectuavam as suas aquisições através de um acordo celebrado entre a D Gruppen e o grupo Tomra em 2000, que não concedia descontos baseados em volumes.

158    A este propósito, deve notar‑se que a Comissão, na decisão impugnada, afirma que o acordo em causa continha descontos retroactivos em contrapartida da aquisição de uma quantidade determinada dos produtos das recorrentes. Estas sustentam que a Comissão não fez prova destas afirmações.

159    Parece, todavia, que as recorrentes aduzem argumentos contraditórios. Com efeito, num primeiro momento, nas informações que forneceram à Comissão, as recorrentes reconheceram ter celebrado acordos com a Spar e a Willys contendo cláusulas de desconto retroactivo. Depois, num segundo momento, as recorrentes afirmaram que esses acordos ou estavam compreendidos num acordo mais amplo que não compreendia uma cláusula de desconto ou nunca existiram. Sustentaram, finalmente, que determinadas provas tinham desaparecido.

160    Atendendo aos elementos de que este Tribunal dispõe, esta acusação deve incontestavelmente ser rejeitada.

–       Axfood (2001)

161    As recorrentes sustentam que este acordo não era vinculativo e que a Axfood não estava obrigada a adquirir as quantidades em causa. Alegam que a Axfood apenas adquiriu metade da quantidade convencionada.

162    É pacífico que o acordo não é exclusivo nem contém qualquer compromisso sobre as quantidades.

163    Este acordo é citado no considerando 314 da decisão impugnada, sob o título «Sistemas de desconto». Como indicam o considerando 178 e a nota de pé‑de‑página n.° 389 da referida decisão, trata se de um acordo que prevê limiares que dão ao cliente o direito a descontos retroactivos, em função do número de máquinas adquiridas. Uma vez que as recorrentes não põem em causa esta constatação, não há lugar a pronúncia sobre esta acusação.

–       Axfood (2003‑2004)

164    As recorrentes consideram que este acordo não era exclusivo, porque a Axfood estava explicitamente autorizada a testar máquinas concorrentes e porque nada no acordo a impedia de adquirir essas máquinas.

165    A este respeito, basta constatar que este acordo não entra no âmbito temporal da infracção constatada na decisão impugnada. Não é, pois, necessária pronúncia sobre esta acusação das recorrentes.

166    À luz do que precede, há que concluir que a decisão impugnada não está viciada por qualquer erro manifesto de apreciação no que respeita aos acordos celebrados na Suécia.

 Noruega

167    As recorrentes alegam que todos os acordos relativos à Noruega (100% das vendas das recorrentes na Noruega) invocados pela Comissão não existiam ou não incluíam qualquer cláusula de exclusividade, de compromissos sobre as quantidades ou de descontos retroactivos.

168    A Comissão contesta os argumentos aduzidos pelas recorrentes.

–       Køff Hedmark e Rema 1000 (1996), AKA/Spar Norge (1997)

169    As recorrentes sustentam que os alegados acordos com os clientes atrás mencionados não são contratos de exclusividade, mas simples propostas mencionando preços.

170    Além disso, as recorrentes sustentam que, uma vez que os acordos datam de 1996 e 1997, ficam de fora do âmbito de aplicação temporal da decisão impugnada.

171    Tendo em conta o facto de estes três contratos se situarem, efectivamente, fora do âmbito de aplicação temporal da decisão, não é necessária pronúncia sobre esta acusação.

–       NorgesGruppen, Hakon Gruppen, NKL (COOP) e Rema 1000 (1999‑2000)

172    A título preliminar, as recorrentes acusam a Comissão de não ter separado os diferentes contratos em questão e, no que se refere aos considerandos em causa, de serem «difíceis de ler».

173    Relativamente ao acordo com a NorgesGruppen, as recorrentes alegam que o acordo não é exclusivo. Com efeito, afirmam que a procura total do cliente era de 1300 RVM, quando apenas 635 RVM foram encomendadas às recorrentes. Uma vez que as necessidades eram mais importantes que a encomenda, as recorrentes concluíram daqui que o abastecimento complementar foi feito junto de empresas concorrentes. Assim, a Comissão não teve em conta uma carta de 13 de Outubro de 1998 que confirma as necessidades efectivas do cliente.

174    Além disso, as recorrentes sustentam que a própria Comissão reconheceu que o NorgesGruppen não estava obrigado a adquirir‑lhes um mínimo de RVM. A encomenda e a sua confirmação mencionam explicitamente o facto de o contrato não ser exclusivo.

175    As recorrentes fazem finalmente notar que a Comissão aduziu um argumento pertinente no que se refere ao desconto que o NorgesGruppen deveria ter reembolsado se tivesse adquirido menos de 500 RVM. Ora, a realidade demonstra que não foi esse o caso, uma vez que foram encomendadas 635 máquinas. A Comissão não conseguiu demonstrar em que diferia o acordo de um desconto ordinário pelos volumes.

176    No que se refere ao Hakon Gruppen, as recorrentes sustentam que não foi fixado qualquer limiar mínimo de compra, na medida em que a confirmação da encomenda pelo cliente estipula que ele podia adquirir um número inferior de RVM, embora só tivesse direito a desconto pelas máquinas realmente adquiridas. Este elemento de prova não foi, aliás, contestado pela Comissão.

177    Para mais, as recorrentes acusam a Comissão de não ter tido em conta elementos de prova que indiciam que o contrato não era exclusivo, nomeadamente a acta da reunião do «painel relativo às lojas» de 2 de Fevereiro de 1999.

178    No que se refere à NKL (COOP), as recorrentes alegam que o cliente não estava obrigado a adquirir o volume convencionado, e que a decisão impugnada não prova que as recorrentes ajustaram a encomenda à procura individual do cliente. Do mesmo modo, as recorrentes afirmam que a NKL se abasteceu também junto do concorrente Lindco durante o período em causa.

179    No que se refere, finalmente, ao acordo celebrado com a Rema 1000, as recorrentes sustentam que o alegado acordo, que propunha descontos na base de uma encomenda de 200 máquinas, não foi assinado pelo cliente e não obrigava a Rema 1000 a adquirir uma quantidade mínima de RVM. Invocam declarações da Rema 1000 segundo as quais outros fornecedores não podiam concorrenciar a qualidade e o nível do serviço das recorrentes. Acrescentam, finalmente, que a Rema 1000 se abasteceu principalmente junto dos seus concorrentes.

180    Há que analisar simultaneamente os acordos NorgesGruppen, Hakon Gruppen, NKL (COOP) e Rema 1000. Em substância, as recorrentes acusam a Comissão de ter qualificado estes contratos de exclusivos e de ter afirmado que as recorrentes previam um desconto progressivo em troca de uma quantidade encomendada.

181    No que se refere ao argumento assente na existência de contratos de exclusividade, não há lugar a pronúncia sobre esta questão, dado que a decisão impugnada não qualifica estes acordos de exclusivos (v. considerando 302 da decisão impugnada).

182    No que se refere ao argumento assente na qualificação dos acordos de compromisso sobre as quantidades em troca de descontos consequentes, a Comissão precisou, com razão, que o que importa para concluir que existem acordos de compromisso é determinar se as práticas criam um incitamento a não adquirir aos concorrentes.

183    Com efeito, no que se refere ao acordo celebrado com a Rema 1000, verifica‑se que o desconto é consequente, porque proporcional ao número de máquinas a adquirir (14% para 200), sabendo‑se que, quanto aos outras contratos, existia um desconto equivalente mas para uma quantidade de compras nitidamente superior (500 máquinas). Além disso, em todos os outros contratos as recorrentes propuseram pagar o desconto antes da aquisição das RVM e precisaram que, se a quantidade prevista não fosse atingida, os clientes deveriam reembolsar esse desconto pelo número de máquinas não encomendadas. Daqui resulta, como a Comissão muito justamente sublinha, um incitamento maior para o cliente do que se o desconto fosse pago após cada encomenda.

184    Em consequência, há que rejeitar esta acusação das recorrentes.

–       NorgesGruppen (2000‑2001)

185    No que se refere ao acordo NorgesGruppen relativo aos anos de 2000 e 2001, as recorrentes sustentam que não foi celebrado qualquer acordo com este cliente, contrariamente ao que afirma a Comissão. Com efeito, tratava‑se de uma proposta não assinada.

186    A este respeito, há que realçar que a proposta não assinada junta à petição foi submetida pelas recorrentes à Comissão no quadro da sua resposta a um pedido de informações, que pedia às recorrentes que indicassem todos os acordos, incluindo os que haviam sido celebrados de um modo informal.

187    Há ainda que acrescentar que, com fundamento nos elementos contidos no dossier, pode afirmar‑se que as recorrentes ofereceram um desconto pago antecipadamente com base num objectivo de volume de 150 RVM e abasteceram o cliente a um preço reduzido (v. considerando 247 e nota de pé‑de‑página 547 da decisão impugnada).

188    Ora, embora seja exacto que o documento junto à petição é uma proposta não assinada, não é menos verdade que o desconto foi concedido e que as vendas foram efectuadas nas condições propostas nesse documento. Dele resulta, ainda, que o cliente não adquiriu nada a fornecedores concorrentes no decurso deste período.

189    Finalmente, há que notar que a própria decisão impugnada afirma que se tratava de uma proposta não assinada e que o objectivo de compras não fora atingido. À luz destas considerações, há que rejeitar esta acusação.

–       NKL (COOP) e Rema 1000 (2000‑2001)

190    No que se refere à NKL (COOP), as recorrentes reconhecem que foi proposto à NKL um desconto de 10% para o caso de a aquisição ultrapassar 150 RVM. Ora, as recorrentes afirmam que a NKL não assinou esta oferta e que o acordo não foi finalmente celebrado. As recorrentes alegam que o facto de as aquisições efectivas do cliente terem sido inferiores ao objectivo inicial da proposta prova a ausência de compromisso vinculativo.

191    No que se refere à Rema 1000, as recorrentes retomam o raciocínio que fizeram no que se refere ao acordo celebrado com a NKL (COOP), na medida em que houve também uma proposta de desconto pela compra de 70 máquinas, que o cliente recusou. As recorrentes contestam, pois, que tenha havido um acordo celebrado entre as partes.

192    O argumento das recorrentes de que o facto de as aquisições efectivas destes dois clientes terem sido inferiores ao objectivo inicial da proposta prova a ausência de compromisso vinculativo deve ser rejeitado.

193    A este propósito, há que observar, em primeiro lugar, que a decisão impugnada não afirma que estes dois clientes [NKL (COOP) e Rema 1000] estavam contratualmente obrigados a adquirir uma dada quantidade de máquinas. Com efeito, as duas sociedades são citadas no considerando 302 da decisão impugnada, na rubrica «Compromissos sobre as quantidades e condições unilaterais ligadas a quantidades determinadas». Tratava‑se, nos dois casos, de descontos subordinados à aquisição pelo cliente de uma grande quantidade de máquinas durante um período de cerca de um ano. No caso da Rema 1000, o sistema de descontos previa um desconto condicional directo (10% para um volume de 70 máquinas) e um desconto retroactivo suplementar de 3% para 85 máquinas. O cliente adquiriu 73 máquinas (v. considerando 261 da decisão impugnada).

194    Em segundo lugar, há que notar que a decisão impugnada tem em conta as condições contratuais relativamente maleáveis que tinham sido oferecidas, por exemplo, à NKL (COOP), em comparação com os outros clientes noruegueses e toma‑as em consideração (v. considerando 256 e, a propósito da incidência das práticas das recorrentes, a nota de pé‑de‑página 604). Na realidade, a Comissão indica aqui, com razão, que não era necessariamente determinante saber se um dado objectivo era atingido ou não, sempre que as aquisições efectuadas aos concorrentes fossem nulas ou pouco importantes (v. considerando 312 da decisão impugnada).

195    Por estas razões, há que rejeitar a presente acusação.

196    À luz do que precede, o argumento das recorrentes de que todos os acordos relativos à Noruega foram erradamente qualificados na decisão impugnada deve ser rejeitado.

197    A segunda parte do primeiro fundamento e, portanto, o primeiro fundamento na sua totalidade, devem assim ser considerados improcedentes.

B –  Quanto aos segundo e quarto fundamentos, relativos a erros manifestos de apreciação a respeito da questão de saber se os acordos eram susceptíveis de afastar a concorrência e à falta de fundamentação

198    O segundo e o quarto fundamentos da petição foram reagrupados no presente fundamento, que se articula em três partes. Em primeiro lugar, a Comissão cometeu um erro de direito manifesto ao decidir que os acordos exclusivos, os compromissos individuais sobre as quantidades e os descontos individuais retroactivos são per se ilegais por força do artigo 82.° CE e ao não esclarecer qual o teste ou quais os critérios que utilizou para apreciar se estes acordos eram susceptíveis de restringir ou de afastar a concorrência. Em segundo lugar, a Comissão não averiguou se a parte susceptível de ser conquistada do mercado das RVM era suficientemente importante para permitir que os concorrentes igualmente eficazes se mantivessem no mercado. Em terceiro lugar, a apreciação pela Comissão da capacidade dos alegados descontos retroactivos para afastar a concorrência baseou‑se em provas e hipóteses inexactas e enganosas.

1.     Quanto à alegada ilegalidade per se dos acordos das recorrentes e quanto à ausência de explicação de qual o teste ou quais os critérios utilizados pela Comissão para apreciar se os acordos eram susceptíveis de restringir ou de afastar a concorrência

a)     Argumentos das partes

199    Em primeiro lugar, as recorrentes acusam a Comissão de ter cometido um erro de direito manifesto ao não incluir na sua apreciação jurídica o contexto do mercado em que se inscreviam os três tipos de acordos.

200    As recorrentes alegam que a Comissão não respeitou o critério adoptado no acórdão Michelin II. Sustentam que, por força do acórdão Michelin II, a decisão impugnada deve mostrar que os acordos são «susceptíveis» de restringir a concorrência. Isto exigiria um exame do contexto do mercado. Com efeito, nada ou quase nada restaria do critério adoptado no acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, já referido, se, por força do acórdão Michelin II, a Comissão apenas estivesse obrigada a examinar o conteúdo de um acordo nos termos do artigo 82.° CE.

201    As recorrentes acrescentam que o critério per se utilizado na decisão impugnada levará à proibição de um grande número de acordos no interior do mercado interno, em diferentes sectores, mesmo que reforcem a concorrência em vez de a restringir, segundo o contexto do mercado. Não existe qualquer fundamento, tanto em teoria económica como na prática comercial, para afirmar que os acordos exclusivos, os compromissos individuais sobre as quantidades e os descontos individuais levam sempre ou quase sempre a uma restrição da concorrência, quando são utilizados por uma sociedade em posição dominante.

202    As recorrentes alegam que ao não examinar determinados factores, a Comissão não apreciou se as práticas delas eram, em direito, susceptíveis de ter um efeito restritivo sobre a concorrência.

203    Os factores não examinados pela Comissão são o facto de as recorrentes serem o único fabricante de RVM capaz de oferecer a «tecnologia revolucionária» de alimentação horizontal entre 1997 e 2001, o facto de os concorrentes das recorrentes terem sempre podido propor as suas máquinas em pelo menos 61% de todo o mercado das RVM entre 1998 e 2002, o facto de as recorrentes venderem as suas máquinas directamente ao cliente final (as cadeias de supermercados), o facto de os acordos em questão não terem impedido o acesso dos concorrentes aos distribuidores e, finalmente, o facto de as cadeias de supermercados serem adquirentes profissionais que estavam em condições de comparar as RVM das recorrentes às RVM dos concorrentes e, portanto, de decidir elas próprias quais as RVM que tinham o bom preço, as boas qualidades, fiabilidade e tecnologia e o bom nível de serviço.

204    Em segundo lugar, as recorrentes alegam que a decisão impugnada se baseia na hipótese jurídica de o artigo 82.° CE exigir apenas que a Comissão demonstre a existência e a forma dos acordos, e que a decisão não contém fundamentação adequada quanto a saber a razão pela qual qualquer um dos 49 acordos era susceptível de afastar concorrentes do mercado das RVM.

205    A Comissão contesta os argumentos aduzidos pelas recorrentes.

b)     Apreciação do Tribunal

206    Há que começar por recordar que, segundo jurisprudência constante, o conceito de exploração abusiva é um conceito objectivo que visa os comportamentos de uma empresa em posição dominante susceptíveis de influenciar a estrutura de um mercado onde, devido precisamente à presença da empresa em questão, o grau de concorrência já está enfraquecido e que têm como consequência a criação de obstáculos, recorrendo a meios diferentes dos que regem uma concorrência normal entre produtos ou serviços com base nas prestações dos operadores económicos, à manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou ao desenvolvimento desta concorrência. Daqui resulta que o artigo 82.° CE proíbe uma empresa dominante de eliminar um concorrente e, assim, reforçar a sua posição recorrendo a meios diferentes dos que se englobam numa concorrência pelo mérito. A proibição imposta por esta disposição justifica‑se ainda pela intenção de não causar prejuízo aos consumidores (v. acórdão do Tribunal Geral de 23 de Outubro de 2003, Van den Bergh Foods/Comissão, T‑65/98, Colect., p. II‑4653, n.° 157).

207    Embora a verificação da existência de uma posição dominante não implique, em si mesma, uma censura em relação à empresa em causa, impõe‑lhe porém, independentemente das causas dessa posição, a responsabilidade especial de não prejudicar, pelo seu comportamento, uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1983, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 57, e acórdão do Tribunal Geral de 17 de Setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, Colect., p. II‑3601, n.° 229). Do mesmo modo, embora a existência de uma posição dominante não prive uma empresa nessa posição do direito de preservar os seus interesses comerciais próprios quando estiverem ameaçados, e embora essa empresa tenha a faculdade, em termos razoáveis, de praticar os actos que julgue adequados à protecção dos seus interesses, não se pode, porém, admitir esses comportamentos quando tiverem como objectivo reforçar essa posição dominante e abusar dela (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1978, United Brands e United Brands Continentaal/Comissão, 27/76, Colect., p. 207, n.° 189, e acórdão Michelin II, n.° 55).

208    Há ainda que recordar que, segundo a jurisprudência, o facto de uma empresa em posição dominante num mercado vincular compradores – ainda que a seu pedido – por uma obrigação ou promessa de se abastecerem na totalidade ou em parte considerável das suas necessidades exclusivamente junto dela constitui uma exploração abusiva de uma posição dominante na acepção do artigo 82.° CE, quer essa obrigação tenha sido estipulada sem mais, quer tenha a sua contrapartida na concessão de descontos. A situação é idêntica quando a referida empresa, sem vincular os compradores através de uma obrigação formal, aplica, quer em virtude de acordos celebrados com os compradores quer unilateralmente, um sistema de descontos de fidelidade, isto é, de abatimentos dependentes da condição de o cliente se abastecer exclusivamente, na totalidade ou relativamente a uma parte importante das suas necessidades, junto da empresa em posição dominante (acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, já referido, n.° 89).

209    Efectivamente, os compromissos de abastecimento exclusivo desta natureza, com ou sem a contrapartida de descontos ou a concessão de descontos de fidelidade destinados a incentivar o comprador a abastecer‑se exclusivamente junto da empresa em posição dominante, são incompatíveis com o objectivo de uma concorrência não falseada no mercado comum, porque não se baseiam numa prestação económica que justifique este encargo ou esta vantagem, mas destinam‑se a retirar ou restringir a possibilidade de escolha do comprador relativamente às fontes de abastecimento e a impedir a entrada dos outros produtores no mercado (acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, já referido, n.° 90).

210    No que se refere, mais em particular, à concessão de descontos por uma empresa em posição dominante, resulta de jurisprudência assente que um desconto de fidelidade, concedido como contrapartida do compromisso de o cliente se abastecer exclusivamente ou quase exclusivamente na empresa em posição dominante, é contrário ao artigo 82.° CE. Com efeito, esse desconto destina‑se a impedir, através da concessão de vantagens económicas, o abastecimento dos clientes nos produtores concorrentes (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 1663, n.° 518, e acórdão Michelin II, já referido, n.° 56).

211    Um sistema de descontos que tenha um efeito de encerramento do mercado será considerado contrário ao artigo 82.° CE se for aplicado por uma empresa em posição dominante. Por esta razão, o Tribunal de Justiça considerou que um desconto ligado à realização de um objectivo de compras violava também o artigo 82.° CE (acórdão Michelin II, já referido, n.° 57).

212    Considera‑se, em geral, que os sistemas de descontos quantitativos, ligados apenas ao volume das compras efectuadas a uma empresa em posição dominante, não têm o efeito de encerramento proibido pelo artigo 82.° CE. Com efeito, se o aumento da quantidade fornecida se traduzir num custo inferior para o fornecedor, este tem o direito de fazer o seu cliente beneficiar dessa redução através de uma tarifa mais favorável. É suposto, portanto, que os descontos quantitativos reflictam os ganhos de eficiência e as economias de escala realizados pela empresa em posição dominante (acórdão Michelin II, já referido, n.° 58).

213    Daí resulta que um sistema de descontos cuja taxa de redução aumente em função do volume comprado não viola o artigo 82.° CE, a não ser que os critérios e as modalidades de concessão dos descontos demonstrem que o sistema não assenta numa contrapartida economicamente justificada, antes se destinando, como no caso de um desconto de fidelização e de objectivo, a impedir o abastecimento dos clientes na concorrência (acórdãos Hoffmann‑La Roche/Comissão, já referido, n.° 90, e Michelin II, já referido, n.° 59).

214    Para apreciar o eventual carácter abusivo de um sistema de descontos quantitativos, há que analisar, portanto, todas as circunstâncias, nomeadamente os critérios e as modalidades da concessão de descontos, e apurar se esses descontos se destinam, através de uma vantagem que não assenta em qualquer prestação económica que a justifique, a suprimir ou restringir a possibilidade de o comprador escolher as suas fontes de abastecimento, impedir o acesso ao mercado dos concorrentes, aplicar a parceiros comerciais condições desiguais para prestações equivalentes ou reforçar a posição dominante através de uma concorrência falseada (acórdão Michelin II, já referido, n.° 60).

215    Desta jurisprudência pode deduzir‑se que, como aliás sustentam as recorrentes, para verificar se os acordos exclusivos, os compromissos individuais sobre as quantidades e os descontos individuais retroactivos são compatíveis com o artigo 82.° CE há que analisar se, na sequência de uma apreciação do conjunto das circunstâncias e, portanto, também do contexto em que tais acordos se inscrevem, essas práticas tendem ou são susceptíveis de restringir ou afastar a concorrência no mercado em causa.

216    No caso vertente, deve examinar‑se, em primeiro lugar, se a Comissão, na decisão impugnada, negligenciou o contexto em que os acordos em questão se inscrevem e, em segundo lugar, se fundamentou adequadamente a sua conclusão relativa à questão de saber se os acordos eram susceptíveis de afastar a concorrência.

217    A este respeito, há que notar que a decisão impugnada, após ter examinado a estrutura dos mercados em causa, a posição que nela ocupavam as recorrentes e os seus concorrentes e após ter concluído que elas detinham uma posição dominante muito importante (v. considerandos 12 a 96 da decisão impugnada), examinou individualmente cada uma das práticas das recorrentes (v. considerandos 97 a 133 da decisão impugnada). A decisão impugnada consagrou, seguidamente, longos desenvolvimentos ao exame da capacidade dessas práticas para falsear a concorrência nas circunstâncias do caso vertente (v. nomeadamente os considerandos 159 a 166, 180 a 187, 218 a 226, 234 a 240, 264 a 277 e 286 a 329 da decisão impugnada).

218    Além disso, a decisão impugnada, após ter posto em relação as práticas das recorrentes em cada mercado nacional em causa com a importância dos clientes, a duração dos acordos, a evolução da procura no mesmo mercado e a percentagem da parte vinculada da procura, determinou que estas práticas podiam impedir a emergência ou o desenvolvimento da concorrência e concluiu pela existência de um abuso quando tais práticas tendiam a segurar uma parte significativa da procura. No que diz, em particular, respeito aos sistemas de descontos e de abatimento utilizados pelas recorrentes, a decisão impugnada ilustra com representações gráficas o «efeito de aspiração» de alguns destes sistemas quanto a cada país.

219    A Comissão, mesmo que isso não fosse necessário de acordo com a jurisprudência, analisou também, à luz das condições do mercado, os efeitos reais das práticas das recorrentes.

220    No que se refere aos outros factores que, segundo as recorrentes, a decisão impugnada deveria ter examinado para demonstrar que as práticas delas eram susceptíveis de restringir a concorrência, há que fazer as seguintes considerações.

221    Em primeiro lugar, a alegada superioridade técnica das recorrentes, que seriam os únicos fabricantes de RVM capazes de oferecer uma «tecnologia revolucionária» de alimentação horizontal entre 1997 e 2001, não pode ter qualquer impacto sobre a análise da questão de saber se os acordos eram susceptíveis de restringir a concorrência. Este elemento poderia eventualmente ter um impacto unicamente sobre a análise da posição concorrencial das recorrentes no mercado e, portanto, sobre a sua posição dominante.

222    Em segundo lugar, há que considerar que o facto de as máquinas serem directamente vendidas ao cliente final é um factor que conforta a constatação de abuso de posição dominante, e não o contrário. Com efeito, embora seja exacto que os acordos em questão não impediam teoricamente o acesso dos concorrentes aos distribuidores, é no entanto evidente que os distribuidores não tinham qualquer interesse em adquiri‑las, uma vez que os acordos das recorrentes impediam os seus concorrentes de oferecer as suas RVM ao cliente final.

223    Em terceiro lugar, no que se refere ao facto de as cadeias de supermercados serem adquirentes profissionais que estavam em condições de comparar e de escolher entre as RVM das recorrentes e as dos concorrentes, há que realçar que o comportamento das concorrentes foi manifestamente concebido para introduzir dispositivos que incitavam os clientes a não se abastecerem junto de outros fornecedores e a manterem essa situação.

224    Finalmente, há que notar que, à semelhança da Comissão, as recorrentes tinham toda a possibilidade de apresentar uma justificação económica das suas práticas que fosse objectiva e respeitadora da concorrência. Teriam podido explicar que ganhos de eficiência pretendiam eventualmente retirar dos acordos exclusivos, dos compromissos quantitativos e dos sistemas individuais de desconto que praticavam. Todavia, as recorrentes não sustentaram neste Tribunal que o seu comportamento tenha gerado qualquer ganho de eficiência, mesmo mínimo, tenha sido de outro modo justificado ou tenha levado a uma baixa dos preços ou a outra vantagem para os consumidores.

225    À luz do que precede, há que rejeitar o argumento das recorrentes segundo o qual a Comissão apenas analisou o conteúdo dos acordos em questão e não o contexto em que esses acordos se inscreveram.

226    Em segundo lugar, quanto à acusação assente numa insuficiência de fundamentação deste aspecto da decisão impugnada, há que afirmar que tal acusação também não pode prosperar.

227    A fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do acto em causa e revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição autora do acto, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e defender os seus direitos e ao juiz exercer a sua fiscalização (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Março de 1985, Países Baixos e Leeuwarder Papierwarenfabriek/Comissão, 296/82 e 318/82, Colect., p. 809, n.° 19, e de 19 de Setembro de 2002, Espanha/Comissão, C‑114/00, Colect., p. I‑7657, n.° 62). No que toca a uma decisão adoptada em aplicação do artigo 82.° CE, esse princípio exige que a decisão impugnada faça menção dos factos de que dependem a justificação legal da medida e as considerações que levaram a tomar a decisão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de 30 de Janeiro de 2007, France Télécom/Comissão, T‑340/03, Colect., p. II‑107, n.° 57, que não foi objecto de recurso quanto a este ponto).

228    A este respeito, há que remeter para as considerações feitas nos n.os 216 a 218 supra, das quais resulta claramente que a Comissão expôs de modo detalhado as razões com base nas quais considerou que os acordos em questão eram susceptíveis de restringir ou afastar a concorrência.

229    É, pois, indesmentível que as recorrentes puderam ter conhecimento de todas as justificações deste aspecto da decisão impugnada. Há ainda que constatar que o Tribunal esteve plenamente em condições de exercer o seu controlo da legalidade da decisão impugnada. Daqui resulta que este aspecto da decisão impugnada está suficientemente fundamentado.

230    À luz das considerações que precedem, há que julgar improcedente esta parte do segundo fundamento.

2.     Quanto à «cobertura insuficiente» da procura total das RVM pelas práticas das recorrentes

a)     Argumentos das partes

231    As recorrentes alegam que, mesmo que a decisão impugnada tivesse demonstrado que todos os contratos em questão tinham podido ter efeitos de exclusão, isso provaria unicamente que os concorrentes teriam sido excluídos do abastecimento dos clientes que já tivessem celebrado esses contratos (cuja existência se mantém contestada por elas). Os concorrentes ficariam no entanto livres de procurar a clientela de outras empresas. Para estabelecer uma violação do artigo 82.° CE, a decisão impugnada deveria ter demonstrado que esses acordos cobriam uma porção tão alargada do mercado que estavam em condições de excluir um número suficiente de concorrentes da totalidade do mercado, a ponto de provocar uma redução significativa da concorrência. A Comissão não explicou por que levaria o facto de os concorrentes não poderem vender as suas RVM a clientes específicos à sua exclusão do mercado no seu conjunto.

232    As recorrentes alegam que a questão pertinente é a de saber se um concorrente podia manter‑se de modo rentável no mercado abastecendo exclusivamente a parte da procura susceptível de ser conquistada, e que a Comissão devia ter determinado a dimensão mínima de viabilidade exigida para operar no mercado em causa. Se a procura disputável fosse suficientemente importante, e a escala de viabilidade suficientemente reduzida para permitir a um concorrente potencial penetrar ou manter‑se no mercado ao lado das recorrentes, a Comissão deveria ter concluído que as práticas destas não eram abusivas. Além disso, a Comissão não indicou claramente a quota de mercado que devia ser coberta pelos acordos para que estes fossem susceptíveis de excluir concorrentes. A decisão impugnada não fornece qualquer critério objectivo para determinar onde se poderia encontrar o limiar.

233    Segundo as recorrentes, se a Comissão tivesse efectuado uma tal análise, não lhe seria de modo algum possível provar que os contratos em questão poderiam excluir do mercado concorrentes com a mesma eficiência. Sublinham que incumbia à Comissão demonstrar, na decisão impugnada, que as práticas das recorrentes eram susceptíveis de produzir um efeito de exclusão. Por falta de fundamentação suficiente da decisão impugnada, não existe nenhuma obrigação de as recorrentes provarem o contrário.

234    As recorrentes indicam que a nova análise, feita na contestação, do efeito de exclusão produzido pelas práticas das recorrentes, é inadmissível. A questão submetida ao Tribunal Geral é a de saber se a decisão impugnada estava suficientemente fundamentada sobre este ponto. Com efeito, não pode permitir‑se, de um modo geral, que a recorrida repare os erros e omissões da decisão litigiosa apresentando uma análise nova e elementos de prova suplementares no decurso do processo perante o Tribunal Geral.

235    Além disso, as recorrentes rejeitam a afirmação de que não é à empresa dominante que compete determinar o número de concorrentes no mercado, por ser desprovida de pertinência. Mercados diferentes podem ser plenamente concorrenciais mesmo que o número dos concorrentes varie e, por vezes, mesmo que apenas existam dois. Era à Comissão que competia, na decisão impugnada, determinar o limiar de viabilidade aplicável às empresas no mercado pertinente e determinar se a dimensão da porção do mercado susceptível de ser conquistada permitia a um número suficiente delas nele actuar de modo a que a concorrência fosse efectiva. Isto não foi feito no caso vertente.

236    Finalmente, as recorrentes alegam que as suas práticas não cobriam uma proporção suficientemente importante da procura total. Consideram que a porção da procura susceptível de ser conquistada era, para cada mercado nacional, de pelo menos 30% e, na maior parte dos casos, de mais de 50%, sendo, quanto aos cinco mercados tomados em conjunto, em média de cerca de 61%, isto é, de mais de 2000 máquinas por ano. Este número é superior ao nível mínimo de vendas necessário para garantir a viabilidade de um produtor de RVM, estimado pelas recorrentes entre 500 e 1 000 unidades por ano.

237    A Comissão contesta os argumentos aduzidos pelas recorrentes.

b)     Apreciação do Tribunal

238    Deve notar‑se, para começar, que, em substância, a questão que se põe é a de saber se a Comissão, para provar a exclusão dos concorrentes do mercado no seu conjunto, devia ter determinado a dimensão de viabilidade mínima exigida para operar no mercado em causa e, seguidamente, verificar se a porção do mercado insusceptível de ser conquistada (isto é, a parte da procura vinculada pelas práticas das recorrentes) era suficientemente grande para ser susceptível de ter um efeito de exclusão dos concorrentes.

239    No caso vertente, deve considerar‑se que a Comissão, na decisão impugnada, constatou que, nos países e durante os anos em que a infracção foi verificada, a parte assegurada da procura era «substancial» ou «não negligenciável» e que, sobretudo durante os «anos cruciais» de crescimento em cada um dos mercados em causa, ela representava uma proporção muito importante (v. considerando 392 da decisão impugnada). A decisão impugnada não estabeleceu, no entanto, um limiar preciso além do qual as práticas das recorrentes fossem susceptíveis de excluir os concorrentes.

240    Ora, há que notar que a Comissão considerou justamente que, ao vedar uma parte significativa do mercado, como no caso vertente, a empresa dominante limitou a entrada a um ou vários concorrentes e, portanto, restringiu a intensidade da concorrência na totalidade do mercado.

241    Com efeito, o encerramento de uma parte substancial do mercado por uma empresa dominante não pode ser justificado pela demonstração de que a parte do mercado susceptível de ser conquistada ainda é suficiente para dar lugar a um número limitado de concorrentes. Com efeito, por um lado, os clientes que se encontram na parte vedada do mercado deviam ter a possibilidade de aproveitar todo o grau possível de concorrência no mercado, e os concorrentes deveriam poder concorrer, pelo seu mérito, em todo o mercado e não apenas numa parte dele. Por outro lado, o papel da empresa dominante não é o de determinar qual o número de concorrentes viáveis autorizados a concorrer à porção da procura ainda susceptível de ser conquistada.

242    A este propósito, há que sublinhar que só uma análise das circunstâncias do caso vertente, como a efectuada pela Comissão na decisão impugnada, pode permitir determinar se as práticas de uma empresa em posição dominante são susceptíveis de excluir a concorrência. Seria no entanto artificial determinar a priori a porção subordinada do mercado para além da qual as práticas de uma empresa em posição dominante podem ter um efeito de exclusão dos concorrentes.

243    Em especial e em primeiro lugar, há que realçar que as práticas das recorrentes seguravam, em média, uma proporção considerável, da ordem de dois quintos, da procura total, no decurso do período e nos países examinados. Em consequência, mesmo admitindo a tese das recorrentes de que a fixação de uma pequena porção da procura não teria importância, esta porção estava longe de ser pequena no caso vertente.

244    Em segundo lugar, as práticas das recorrentes ocasionaram frequentemente uma proporção muito elevada da procura «vinculada» no decurso dos «anos cruciais» em que a procura foi a mais elevada e terá sido a mais susceptível de suscitar entradas coroadas de sucesso no mercado, nomeadamente no decurso dos anos de 1999 e 2000 na Áustria, de 2001 nos Países Baixos e de 1999 na Noruega (v., por exemplo, considerandos 163, 219 e 237 da decisão impugnada).

245    Em terceiro lugar, há que recordar que as práticas das recorrentes vinculavam a procura do cliente final, e não a dos distribuidores. Os concorrentes não podiam, assim, beneficiar de métodos de distribuição diferentes que pudessem atenuar os efeitos das práticas das recorrentes.

246    À luz destas considerações, há que julgar improcedente esta parte do segundo fundamento.

3.     Quanto às provas e hipóteses alegadamente inexactas e enganadoras a que se terá recorrido para apreciar a capacidade de os descontos retroactivos afastarem a concorrência

a)     Argumentos das partes

247    As recorrentes sustentam que a tese da Comissão relativa aos descontos retroactivos assenta em dois elementos: em primeiro lugar, no facto de os clientes não estarem dispostos a adquirir mais do que um pequeno número de máquinas a um novo fornecedor e, em segundo lugar, de os descontos retroactivos permitirem às recorrentes praticar preços negativos ou muito baixos. Indicam que, em quase todos os exemplos utilizados pela Comissão, os preços nunca foram susceptíveis de ser negativos e que, em todos os casos, os concorrentes puderam obter rendimentos positivos das suas vendas. Indicam ainda que a Comissão também não examinou os custos das recorrentes para estabelecer o nível abaixo do qual os preços seriam de exclusão ou predadores.

248    Segundo as recorrentes, quando os descontos retroactivos levam a preços positivos não se pode presumir que eles sejam necessariamente capazes de produzir efeitos de exclusão. Uma tal abordagem levaria, com efeito, a uma proibição per se dos descontos retroactivos.

249    As recorrentes acrescentam que a decisão impugnada não avaliou os preços resultantes dos seus descontos, nem por relação a um ponto de referência nem com base num critério objectivo utilizável. Limita‑se a afirmar que os descontos impuseram aos concorrentes um custo de oportunidade, que a decisão define mal, e que os preços daí resultantes são portanto, na sua opinião subjectiva, «muito baixos», sem que a Comissão tivesse definido o que se deve entender por esta última expressão. As recorrentes consideram que a recorrida não podia apoiar‑se nestas asserções e opiniões subjectivas para determinar se os descontos eram ou não susceptíveis de produzir um efeito de exclusão.

250    As recorrentes alegam, além disso, que a conclusão da decisão impugnada de que os descontos retroactivos eram susceptíveis de ter efeitos de exclusão se baseia em diagramas inexactos.

251    Em dois dos sete casos citados pela decisão impugnada (Figuras 23 e 24 da decisão impugnada, relativas à Áustria), a Comissão baseou‑se em diagramas inexactos e enganadores. A tese da Comissão de que os concorrentes tiveram de facturar preços negativos nesses casos é inexacta em todas as circunstâncias.

252    Em quatro outros casos (figuras 15 e 18, relativas respectivamente aos Países Baixos e à Suécia, e figuras 21 e 22, relativas à Alemanha), a Comissão ignorou a existência de descontos de que os clientes podiam aproveitar por vendas situadas abaixo do limiar que a Comissão utilizou na sua análise. Após o erro ser corrigido, os preços não se revelaram negativos em nenhuma circunstância, em três dos quatro casos, e apenas se revelaram marginalmente negativos quanto às vendas de uma única unidade, no outro caso.

253    Contrariamente ao que afirma a Comissão, em seis dos sete casos os concorrentes estiveram em condições de facturar preço positivos, mesmo vendendo apenas pequenas quantidades, isto é, duas ou três máquinas.

254    Em cada um dos sete casos, a Comissão supôs erradamente que os concorrentes tiveram de se limitar a vender um pequeno número de unidades de RVM.

255    Em cada um dos sete casos, a Comissão ignorou as provas pertinentes quanto ao funcionamento do mercado, o que mina as suas conclusões. A Comissão ignorou nomeadamente as receitas derivadas dos serviços pós‑venda e das vendas seguintes de RVM. Tendo em conta estas receitas, os concorrentes poderiam ter esperado receber rendimentos positivos, mesmo de vendas de RVM feitas a preços negativos.

256    As recorrentes precisam que, mesmo que os concorrentes tivessem sido obrigados a só vender um pequeno número de RVM (por exemplo uma ou duas máquinas), a Comissão, na decisão impugnada, não demonstrou que os descontos praticados pelas recorrentes fossem susceptíveis de excluir tais concorrentes do mercado.

257    A Comissão contesta os argumentos aduzidos pelas recorrentes.

b)     Apreciação do Tribunal

258    Deve começar por se afirmar que a presente acusação se baseia numa premissa errada. Com efeito, contrariamente ao que pretendem as recorrentes, a circunstância de os sistemas de descontos retroactivos forçarem os concorrentes a facturar a preços negativos aos clientes das recorrentes beneficiários dos descontos não pode ser considerado um dos pilares em que se baseia a decisão impugnada para demonstrar que os sistemas de descontos retroactivos das recorrentes eram susceptíveis de ter efeitos anticoncorrenciais.

259    Em contrapartida, a decisão impugnada baseia‑se em toda uma série de outras considerações, relativas aos descontos retroactivos praticados pelas recorrentes, para concluir que estes tipos de práticas eram susceptíveis de excluir os concorrentes, em violação do artigo 82.° CE.

260    Em primeiro lugar, a decisão impugnada declara que o incentivo no sentido de comprar exclusivamente ou quase exclusivamente às recorrentes era particularmente forte quando os limiares do tipo dos aplicados pelas recorrentes eram combinados com um sistema através do qual a obtenção de um bónus ou a atribuição de um limiar de bónus mais vantajoso beneficiava todas as aquisições efectuadas pelo cliente no período de referência e não só o volume de compras que excedia o limiar em questão (v. considerandos 132, 297 e 316 da decisão impugnada).

261    Em segundo lugar, a Comissão, na decisão impugnada, observa que os regimes de desconto eram próprios de cada cliente e que os limiares eram estabelecidos com base nas necessidades estimadas do cliente e/ou dos volumes de compras realizados no passado.

262    A decisão impugnada afirma, em particular, que um sistema retroactivo de desconto, combinado com um limiar ou limiares correspondentes à totalidade ou a uma elevada proporção das necessidades, constituía um forte incentivo para adquirir a totalidade ou a quase totalidade do equipamento necessário às recorrentes e aumentava artificialmente o custo da transferência para um fornecedor alternativo, mesmo quanto a um pequeno número de unidades (v. considerandos 131 a 133, 297, 321 e 322 da decisão impugnada).

263    Em terceiro lugar, a Comissão constata que os descontos retroactivos se aplicavam frequentemente a alguns dos maiores clientes das recorrentes, com o objectivo de garantir a fidelidade deles (v., por exemplo, considerandos 180 e 240 da decisão impugnada).

264    Finalmente, a decisão impugnada realça que as recorrentes não demonstraram que o seu comportamento era objectivamente justificado ou que produzia ganhos de eficácia substanciais, superiores aos efeitos anticoncorrenciais produzidos sobre os consumidores (v. considerando 391 da decisão impugnada).

265    É certo que a decisão impugnada ilustra com diagramas (v. figuras 15, 18, 21 a 24 e 27) o facto de os descontos retroactivos das recorrentes produzirem um efeito de exclusão, conduzindo os concorrentes a pedir preços muito baixos, e por vezes negativos, para as últimas unidades, antes de ultrapassar o limiar fixado pelo sistema de descontos (v. considerandos 165, 186, 224, 235, 236 e 268 da decisão impugnada).

266    Todavia, a Comissão, na decisão impugnada, por um lado, de modo algum afirma que os sistemas de desconto conduziram sistematicamente a preços negativos e, por outro, também não sustenta que tal demonstração constitua uma condição prévia à constatação de que esses sistemas de desconto são abusivos. Além disso, a decisão impugnada não contém qualquer representação gráfica de cada um dos sistemas de desconto e de abatimento empregados pelas recorrentes. Contém apenas um ou dois diagramas por país, que ilustram o efeito de exclusão dos sistemas de desconto das recorrentes.

267    A este propósito, há que notar que o mecanismo de exclusão constituído pelos descontos retroactivos não exige que a empresa dominante sacrifique lucros, uma vez que o custo do desconto é repartido por um grande número de unidades. Através da concessão retroactiva do desconto, o preço médio obtido pela empresa dominante pode muito bem ser largamente superior aos custos e proporcionar uma margem beneficiária média elevada. Do sistema retroactivo de descontos resulta, porém, para o cliente, que o preço efectivo das últimas unidades é muito baixo em razão do efeito de aspiração.

268    À luz destas considerações, há que realçar que a circunstância de determinados diagramas conterem erros não pode, por si só, infirmar as conclusões relativas ao carácter anticoncorrencial dos sistemas de desconto praticados pelas recorrentes. Esta acusação das recorrentes é, portanto, inoperante.

269    No que se refere ao argumento das recorrentes de que os concorrentes não se consideravam limitados à venda de um pequeno número de unidades a cada cliente, há que declarar que é inerente a uma posição dominante forte, como a ocupada pelas recorrentes, que, quanto a uma boa parte da procura, não exista sucedâneo adequado ao produto fornecido pela empresa que detém essa posição dominante. O fornecedor em posição dominante é, pois, em larga medida, um parceiro comercial incontornável (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça Hoffmann‑La Roche/Comissão, já referido, n.° 41). Daqui resulta que, nestas circunstâncias, foi com razão que a decisão impugnada referiu que era só quanto a uma fracção limitada das suas aquisições que os clientes se dirigiam a outros fornecedores.

270    Pelas mesmas razões, é difícil aceitar o argumento das recorrentes de que um concorrente pode compensar os preços mais baixos que é forçado a pedir a um cliente pelas unidades aquém do limiar vendendo unidades suplementares ao mesmo cliente (além do limiar). Com efeito, a procura restante deste cliente é, na melhor das hipóteses, limitada, de modo que o preço médio do concorrente mantém‑se estruturalmente pouco atractivo.

271    O mesmo se passa com a afirmação de que os concorrentes podiam tentar compensar as perdas ou uma pequena rentabilidade iniciais impostas pelas práticas das recorrentes com rendimentos pós‑venda (manutenção e reparação). Com efeito, a ampla base instalada das recorrentes também lhes confere uma vantagem evidente quanto à reparação e manutenção das suas máquinas, de modo que não resulta claramente da argumentação das recorrentes como poderiam as margens estruturalmente pequenas dos concorrentes no mercado primário ser compensadas por lucros no mercado do pós‑venda.

272    À luz do que precede, há que julgar improcedente a terceira parte do segundo fundamento e, portanto, o segundo fundamento no seu conjunto.

C –  Quanto ao terceiro fundamento, relativo a erros manifestos na apreciação da Comissão sobre a questão de saber se os acordos eliminavam realmente a concorrência

1.     Argumentos das partes

273    As recorrentes consideram que a análise dos efeitos efectivos faz parte integrante das conclusões da decisão impugnada relativas à exclusão. As passagens da decisão impugnada relativas ao «impacto» em cada um dos cinco países confirmam esta circunstância.

274    Segundo as recorrentes, os elementos de prova da Comissão são contraditórios, especulativos ou destituídos de pertinência, de modo que não permitem concluir que os acordos suprimiram realmente a concorrência.

275    Em primeiro lugar, as recorrentes alegam que, na maioria dos cinco mercados nacionais analisados, a sua quota de mercado declinou no decurso do período durante o qual a Comissão sustenta que elas se dedicavam a práticas anticoncorrenciais.

276    As recorrentes consideram que o gráfico apresentado pela Comissão confirma as alegações que fizeram relativamente à sua quota de mercado, a saber, que esta estava em declínio em três dos cinco países em causa, o que não pode ser considerado prova de um efeito anticoncorrencial.

277    Em segundo lugar, as recorrentes contestam a tese da Comissão de que a posição dos seus concorrentes em cada um dos cinco países continuava a ser pequena no decurso do período analisado. Consideram que os seus concorrentes ganharam quotas de mercado em três países, que as suas quotas de mercado se mantiveram largamente estáveis na Alemanha e que só perderam quotas de mercado na Suécia.

278    Em terceiro lugar, as recorrentes contestam a existência de um nexo manifesto entre a dimensão do mercado subordinado e a quota de mercado delas, em cada um dos cinco mercados nacionais, de 1998 a 2002. Examinando os cinco mercados nacionais no seu conjunto, não há prova que permita indiciar que uma quota de mercado subordinada elevada leva a um aumento da quota de mercado das recorrentes. Por exemplo, nos Países Baixos e na Noruega, em que a quota de mercado subordinada pelas práticas das recorrentes era a mais elevada, a quota de mercado das recorrentes declinou, enquanto na Alemanha e na Suécia, em que a quota de mercado subordinada era inferior, a quota de mercado das recorrentes aumentou ou manteve‑se estável. Só na Áustria a quota de mercado das recorrentes declinou mais rapidamente do que nos Países Baixos e na Noruega.

279    As recorrentes alegam ainda que não há um nexo estatisticamente significativo entre a quota de mercado insusceptível de ser conquistada e a quota de mercado delas, quanto aos cinco países examinados no decurso do período analisado.

280    As recorrentes observam que a Comissão se apoia na sua própria interpretação subjectiva das provas, rejeitando qualquer critério objectivo. A Comissão sustenta que as variáveis estão «conexionadas», mas rejeita qualquer tentativa de submeter a sua acessão a um texto objectivo e estatisticamente sólido. Além disso, a Comissão não fornece qualquer prova em apoio da sua alegação de que a análise estatística das recorrentes possa ter sido manipulada.

281    Em quarto lugar, as recorrentes contestam a tese da Comissão de que os seus preços não caíram e alegam que a Comissão devia ter examinado os preços líquidos efectivos após desconto, e não os preços de catálogo.

282    As recorrentes realçam que uma análise correcta dos dados, como a que foi feita na petição, mostra que os preços caíram em três dos cinco países.

283    Em quinto lugar, as recorrentes alegam que a saída de três concorrentes não prova a existência de efeitos anticoncorrenciais. Por um lado, a Prokent faliu precisamente quando as práticas alegadamente anticoncorrenciais das recorrentes cessaram. Por outro lado, a aquisição pelas recorrentes da Halton e da Eleiko contradiz a teoria negativa da Comissão, uma vez que, se fosse verdade que as recorrentes tinham a capacidade de conter e excluir os seus concorrentes, elas não teriam necessidade de adquirir estas duas sociedades para as afastar do mercado.

284    Finalmente, as recorrentes alegam que, mesmo que determinados factos invocados pela Comissão fossem exactos, eles não provariam necessariamente o efeito anticoncorrencial dos seus preços comerciais. Em primeiro lugar, a quota de mercado do operador histórico e a posição no mercado dos seus concorrentes podem manter‑se estáveis no tempo por razões perfeitamente legítimas; em segundo lugar, a Comissão contradiz‑se, quanto aos preços das recorrentes e à sua evolução no tempo, quando qualifica a sua política de fixação de preços de predatória e, ao mesmo tempo, as acusa de manter preços elevados; e, em terceiro lugar, a saída do mercado de um ou de vários concorrentes não prova um efeito anticoncorrencial, podendo ser simplesmente o resultado do processo concorrencial normal.

285    A Comissão contesta os argumentos aduzidos pelas recorrentes.

2.     Apreciação do Tribunal

286    Há que recordar que, segundo uma jurisprudência bem estabelecida, na medida em que determinados fundamentos de uma decisão podem, por si só, ser juridicamente suficientes para a justificar, os vícios de que possam estar feridos outros fundamentos do acto não têm, de qualquer modo, influência na sua parte decisória (v., por analogia, acórdãos do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2001, Comissão e França/TF1, C‑302/99 P e C‑308/99 P, Colect., p. I‑5603, n.os 26 a 29).

287    Ora, a decisão impugnada indica claramente nos considerandos 285 e 332 que, se bem que, segundo a jurisprudência, para comprovar uma violação do artigo 82.° CE, bastasse provar que as práticas das recorrentes tendiam a restringir a concorrência ou que o seu comportamento era passível ou susceptível de ter tal efeito, ela completou a sua análise sobre este ponto por um exame dos efeitos prováveis das práticas das recorrentes no mercado das RVM.

288    É, pois, claro que a Comissão não tentou basear a sua constatação de uma infracção ao artigo 82.° CE nesse exame dos efeitos reais das práticas das recorrentes em cada um dos mercados nacionais examinados, tendo simplesmente completado a sua constatação de uma infracção por um curto exame dos efeitos prováveis dessas práticas.

289    Deve ainda declarar‑se que, com efeito, para fazer a demonstração de uma violação do artigo 82.° CE, não é necessário demonstrar que o abuso considerado teve um efeito concreto sobre os mercados em causa, bastando demonstrar que o comportamento abusivo da empresa em posição dominante tem como consequência uma restrição da concorrência ou, por outras palavras, que o comportamento é passível ou susceptível de ter tal efeito (acórdãos Michelin II, já referido, n.° 239, e British Airways/Comissão, já referido, n.° 293).

290    À luz do que precede, há que julgar improcedente o terceiro fundamento, por inoperante, sem que seja necessário examinar se os elementos de prova carreados pela Comissão permitem concluir que os acordos em causa suprimiram realmente a concorrência. Com efeito, mesmo que a Comissão tenha cometido um erro manifesto de apreciação, como as recorrentes pretendem, ao considerar que os referidos acordos eliminavam efectivamente a concorrência, a legalidade da decisão impugnada não seria por isso afectada.

D –  Quanto ao quinto fundamento, relativo a um erro manifesto cometido pela Comissão ao concluir que os compromissos não vinculativos sobre as quantidades podiam violar o artigo 82.° CE

1.     Argumentos das partes

291    As recorrentes, fazendo referência ao primeiro fundamento do recurso, afirmam que a maior parte dos 18 acordos, enumerados no considerando 302 da decisão impugnada, relativos a compromissos sobre as quantidades eram não vinculativos. Segundo as recorrentes, tal como sucede com os acordos exclusivos não vinculativos, um compromisso individual sobre as quantidades não vinculativo, mesmo que represente a totalidade ou a quase‑totalidade das necessidades do cliente, não é susceptível de afastar a concorrência. Se um cliente não está juridicamente obrigado a respeitar um compromisso de compra de uma quantidade específica a um fornecedor, ele é livre de aceitar melhores ofertas de fornecedores concorrentes, em qualquer momento. Um compromisso individual sobre as quantidades, não vinculativo, não é mais do que uma estimativa.

292    As recorrentes sustentam que não há fundamento jurídico no direito comunitário para proibir um cliente de dar aos seus fornecedores uma estimativa da totalidade ou da quase‑totalidade das suas necessidades no decurso de um período específico, mesmo que um dos fornecedores tenha uma posição dominante. A ser assim, estes 18 acordos não eram susceptíveis de produzir efeitos anticoncorrenciais e não podiam, portanto, ser invocados na decisão impugnada. Afastar 18 dos 49 acordos em que a decisão impugnada se baseia, mina a justeza da decisão de maneira decisiva e deve implicar, segundo as recorrentes, a anulação da decisão impugnada na sua totalidade.

293    As recorrentes acrescentam que contrariamente ao que é dito na contestação, um bom número de acordos não relaciona o preço ao volume adquirido, antes praticando um preço unitário único para cada máquina encomendada (Lidl, Coop, etc.).

294    A Comissão contesta os argumentos adiantados pelas recorrentes.

2.     Apreciação do Tribunal

295    Há que observar, como recordado nos números 208 e 209 supra, que, segundo uma jurisprudência bem estabelecida, constitui uma exploração abusiva de uma posição dominante, na acepção do artigo 82.° CE, o facto de uma empresa que se encontra em posição dominante no mercado vincular compradores – ainda que a seu pedido – através de uma obrigação ou promessa de se abastecerem exclusivamente, quanto à totalidade ou a uma parte considerável das suas necessidades, junto da referida empresa, quer a obrigação em questão esteja estipulada sem mais, quer seja a contrapartida da concessão de descontos. A situação é idêntica quando a referida empresa, sem vincular os compradores através de uma obrigação formal, aplica, quer em virtude de acordos celebrados com os compradores quer unilateralmente, um sistema de descontos de fidelidade, isto é, de abatimentos dependentes da condição de o cliente se abastecer exclusivamente, na totalidade ou relativamente a uma parte importante das suas necessidades, junto da empresa em posição dominante (acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, já referido, n.° 89).

296    Efectivamente, os compromissos de abastecimento exclusivo desta natureza, com ou sem a contrapartida de descontos ou a concessão de descontos de fidelidade destinados a incentivar o comprador a abastecer‑se exclusivamente junto da empresa em posição dominante, são incompatíveis com o objectivo de uma concorrência não falseada no mercado comum, porque não se baseiam numa prestação económica que justifique este encargo ou esta vantagem, mas destinam‑se a retirar ou restringir a possibilidade de escolha do comprador relativamente às fontes de abastecimento e a impedir a entrada dos outros produtores no mercado (acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, já referido, n.° 90).

297    Ora, no caso vertente, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, a Comissão, na decisão impugnada, examinou correctamente os compromissos individuais sobre as quantidades não apenas de modo puramente formal, do ponto de vista jurídico, mas também tendo em conta o contexto económico específico em que os acordos em causa se inscreviam. Foi nesta base que a Comissão concluiu, na decisão impugnada, que os acordos em questão eram susceptíveis de excluir os concorrentes.

298    Com efeito, os compromissos individuais sobre as quantidades, como aqueles a que a decisão impugnada faz referência no considerando 302, que vinculam de facto e/ou incitam o comprador a abastecer‑se, exclusivamente ou relativamente a uma parte considerável das suas necessidades, junto da empresa em posição dominante, e que não têm por base uma prestação económica que justifique esse encargo ou essa vantagem, antes tendo como consequência retirar ao comprador a possibilidade de escolha no que respeita às suas fontes de abastecimento, ou a restringi‑la, e a barrar aos produtores o acesso ao mercado, constituem, mesmo admitindo que não vinculam o comprador por uma obrigação formal, uma exploração abusiva de uma posição dominante na acepção do artigo 82.° CE (v., neste sentido, acórdão Van den Bergh Foods/Comissão, já referido, n.os 84 e 160).

299    Ainda que vários exemplos confirmem que, no que respeita aos compromissos sobre as quantidades e aos descontos, as recorrentes permitiam uma certa flexibilidade quanto ao respeito exacto dos prazos e dos objectivos, esta flexibilidade, mesmo aplicada a determinados acordos que as recorrentes admitem que eram «vinculativos», em nada diminui a exclusão causada por estas práticas. Pelo contrário, a Comissão afirma, com razão, na decisão impugnada, que o volume exacto das aquisições importava menos para as recorrentes que a fidelidade do cliente. Com efeito, esta flexibilidade contribuía para manter um incitamento a adquirir as RVM das recorrentes, mesmo quanto aos clientes que de outro modo não atingiriam os limiares exigidos (v. considerando 312 da decisão impugnada).

300    Além disso, há que notar que a grande maioria dos compromissos sobre as quantidades que as recorrentes qualificam de não vinculativos é constituída pelos acordos em que elas subordinavam o preço e as condições comerciais à aquisição de um dado volume pelo cliente. Estes acordos comportavam geralmente um desconto expressamente subordinado à realização do objectivo. O cliente não estava juridicamente obrigado a atingir o objectivo, mas devia atingi‑lo para obter ou conservar o desconto. Tais acordos existiram no caso vertente, por exemplo os concluídos com a Axfood (2001), a COOP (2000), o NorgesGruppen ou o Hakon Gruppen. Estes acordos estão próximos de um desconto retroactivo. O risco de perder retroactivamente o desconto incita fortemente o cliente a atingir o objectivo. O facto de as recorrentes poderem finalmente não ter pedido o reembolso do desconto, ou a ausência de aceitação provada de uma oferta das recorrentes pelo cliente, não são pertinentes. O que importa são as expectativas do cliente à época em que fez as encomendas de acordo com as condições da proposta recebida.

301    Resulta de todas as considerações que precedem que o fundamento assente no erro manifesto que a Comissão terá cometido ao considerar que os compromissos não vinculativos sobre as quantidades podiam violar o artigo 82.° CE deve ser considerado improcedente.

II –  Quanto aos pedidos destinados à anulação ou à redução da coima

A –  Argumentos das partes

302    As recorrentes consideram, no quadro do seu sexto fundamento, que a Comissão violou os princípios da proporcionalidade e da não discriminação ao fixar a coima em 8% do volume de negócios mundial do grupo Tomra.

303    Em resposta às afirmações da Comissão constantes da sua contestação, as recorrentes reiteram a afirmação de que a coima de 24 milhões de euros aplicada pela Comissão representa 7,97% do volume de negócios mundial do grupo em 2005.

304    Em primeiro lugar, as recorrentes consideram que, embora a Comissão seja livre de elevar o nível das coimas, a fim de reforçar o seu efeito dissuasivo, a política da Comissão deve, no entanto, respeitar as exigências de proporcionalidade, por força das quais as coimas que sancionam as infracções qualificadas de «muito graves» devem apresentar um efeito dissuasivo mais forte do que as que punem as infracções qualificadas de «graves». Essa lógica é reconhecida pelas orientações sobre o cálculo das coimas, que prevêem que as infracções graves serão punidas com uma coima de base de 1 a 20 milhões de euros e as infracções mais graves com uma coima de base superior a 20 milhões de euros.

305    Segundo as recorrentes, a Comissão seguiu esta lógica quando aplicou uma coima à Microsoft por infracções muito graves. No entanto, alegam a título de comparação, a coima da Microsoft apenas representava 1,5% do seu volume de negócios mundial, apesar de a infracção ter sido considerada muito grave. As recorrentes declaram ser de opinião que isto leva à conclusão ilógica de que para a Comissão é mais importante criar um efeito dissuasivo relativamente às recorrentes, que constituem um grupo de sociedades com um volume de negócios inferior a 300 milhões de euros, e isto por uma infracção grave, do que dissuadir a Microsoft, uma das cinco maiores empresas do mundo, com o volume de negócios, em 2003, superior a 30 mil milhões de euros, e isto por uma infracção muito grave. Do mesmo modo, a Comissão aplicou à AstraZeneca, por duas infracções graves, uma coima que, após ter sido tida em conta a necessidade de aplicar uma coima com um efeito dissuasivo proporcional aos lucros pertinentes, se elevou apenas a cerca de 3% do seu volume de negócios mundial.

306    As recorrentes indicam que o Tribunal de Justiça reconheceu que qualquer modificação significativa de abordagem pela Comissão exige uma explicação detalhada. A Comissão não precisou, no entanto, na decisão impugnada, a razão pela qual ao grupo Tomra, uma empresa que não está sequer classificada entre as 50 maiores empresas da Noruega, foi aplicada uma coima correspondente à «mais elevada percentagem do volume de negócios mundial de uma sociedade à qual foi aplicada uma coima por violação das regras de concorrência».

307    As recorrentes sustentam, em substância, que a decisão impugnada não contém qualquer explicação detalhada que permita escorar esta modificação significativa de abordagem da Comissão em matéria de coimas.

308    Em segundo lugar, as recorrentes consideram que o nível da coima é desproporcionado, tendo em conta o montante limitado do volume de negócios que realizaram nos mercados geográficos em questão. Afirmam que menos de 25% do seu volume de negócios é gerado na Alemanha, nos Países Baixos, na Áustria, na Suécia e na Noruega, e menos de 34% no interior do EEE no seu conjunto. Segundo as recorrentes, o Tribunal de Justiça aceitou que o princípio da proporcionalidade possa ser violado se a Comissão ignorar a relação entre o volume de negócios mundial e o volume de negócios «que represente os produtos relativamente aos quais a infracção foi cometida». A Comissão não podia, por isso, contentar‑se com ter em conta o facto de as infracções não serem contínuas durante o período examinado em todos os mercados nacionais em causa.

309    A Comissão contesta os argumentos aduzidos pelas recorrentes.

B –  Apreciação do Tribunal

310    No que se refere ao argumento das recorrentes relativo à violação do princípio da não discriminação, por a Comissão ter fixado a coima em 8% do volume de negócios mundial das recorrentes, há desde logo que recordar que, no quadro da determinação do montante das coimas, a Comissão não podia violar o princípio da igualdade de tratamento, o princípio geral de direito comunitário que, segundo jurisprudência constante, só é violado quando situações comparáveis são tratadas de maneira diferente ou quando situações diferentes são tratadas da mesma maneira, salvo se esse tratamento se justificar por razões objectivas (acórdão do Tribunal Geral de 9 de Julho de 2003, Cheil Jedang/Comissão, T‑220/00, Colect., p. II‑2473, n.° 104).

311    A este respeito, há todavia que referir que a prática decisória anterior da Comissão não serve, em si mesma, de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência. O facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de um determinado nível a determinados tipos de infracções não a pode privar da possibilidade de elevar esse nível, dentro dos limites indicados no Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1), se isso for necessário para garantir a aplicação da política comunitária da concorrência (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 109).

312    Há que acrescentar que a gravidade das infracções deve ser estabelecida em função de um grande número de elementos, tais como as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva dos critérios que devem ser obrigatoriamente tomados em consideração (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão, C‑219/95 P, Colect., p. I‑4411, n.° 33). Ora, os dados relevantes, tais como os mercados, os produtos, os países, as empresas e os períodos em causa, diferem em cada processo. Daqui resulta que a Comissão não pode ser obrigada a aplicar a empresas coimas que representem a mesma percentagem dos volumes de negócios em todos os processos comparáveis no plano da gravidade das infracções (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Janeiro de 2004, JCB Service/Comissão, T‑67/01, Colect., p. II‑49, n.os 187 a 189).

313    Constituindo as coimas um instrumento da política de concorrência da Comissão, esta deve poder dispor de uma margem de apreciação na fixação do seu montante, a fim de orientar o comportamento das empresas no sentido do cumprimento das regras da concorrência (acórdão do Tribunal Geral de 11 de Dezembro de 1996, Van Megen Sports/Comissão, T‑49/95, Colect., p. II‑1799, n.° 53).

314    No caso vertente há, pois, que rejeitar de imediato o argumento das recorrentes relativo à comparação entre a coima aplicada às recorrentes e as coimas aplicadas pela Comissão noutras decisões, uma vez que, como acaba de ser recordado, a prática decisória da Comissão não pode servir em si mesma de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência. A Comissão não pode, com efeito, ser obrigada a fixar coimas com uma coerência perfeita relativamente às que foram fixadas noutros processos.

315    Quanto ao argumento das recorrentes de que a decisão impugnada marca uma mudança de política que teria merecido explicações específicas, também não pode prosperar. Com efeito, a Comissão, ao fixar a coima controvertida, respeitou as obrigações que lhe incumbem por força do Regulamento (CE) n.° 1/2003 e as suas próprias orientações relativas ao cálculo das coimas, circunstâncias que, aliás, não foram contestadas pelas recorrentes. O nível da coima fixado pela Comissão não constitui, portanto, uma mudança da sua política em matéria de coimas, antes constituindo uma aplicação clássica dessa política.

316    No que se refere ao alegado carácter desproporcionado da coima em razão do montante limitado do volume de negócios respectivo das recorrentes nos mercados geográficos em causa, há que recordar que, sob reserva do respeito pelo limite superior que o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 prevê e que se refere ao volume de negócios global (v., por analogia, acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido, n.° 119), é lícito que a Comissão tenha em conta o volume de negócios da empresa em causa para apreciar a gravidade da infracção aquando da determinação do montante da coima, sem que todavia lhe possa atribuir uma importância desproporcionada relativamente a outros elementos de apreciação (acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑5425, n.° 257).

317    No caso vertente, a Comissão aplicou o método de cálculo definido nas orientações, o qual prevê a consideração de um grande número de elementos aquando da apreciação da gravidade da infracção para fixar o montante da coima, entre os quais figuram nomeadamente a própria natureza da infracção, o impacto concreto desta, quando mensurável, o âmbito geográfico do mercado afectado e o necessário alcance dissuasivo da coima. Embora as orientações não prevejam que o montante das coimas seja calculado em função do volume de negócios global ou do volume de negócios pertinente, elas não se opõem a que esses volumes de negócios sejam tomados em consideração na determinação do montante da coima, a fim de respeitar os princípios gerais do direito comunitário e quando as circunstâncias o exijam (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido, n.os 258 e 260).

318    Daqui decorre que, embora não se possa negar que o volume de negócios relativo aos produtos em causa pode constituir um fundamento apropriado para avaliar as violações da concorrência no mercado dos referidos produtos no seio do EEE, não é menos verdade que este elemento não constitui o único critério segundo o qual a Comissão deve apreciar, e efectivamente apreciou no caso vertente, a gravidade da infracção.

319    Em consequência, contrariamente ao que as recorrentes sustentam, seria atribuir a este elemento uma importância excessiva o facto de limitar a apreciação do carácter proporcional do montante da coima fixado pela Comissão à ponderação entre o referido montante e o volume de negócios relativo aos produtos em questão. A própria natureza da infracção, o impacto concreto desta, quando mensurável, o âmbito geográfico do mercado afectado e o necessário alcance dissuasivo da coima são também elementos, no caso considerados pela Comissão, susceptíveis de justificar suficientemente o montante da coima.

320    De qualquer modo, como a Comissão justamente realça, é forçoso declarar que o volume de negócios realizado pelas recorrentes nos mercados em que se verificou a infracção representa uma parte relativamente importante do seu volume de negócios global, isto é, cerca de 25%. Em consequência, não pode pretender‑se que as recorrentes tenham realizado uma parte simplesmente ténue do seu volume de negócios global nos mercados em causa.

321    Daqui resulta que o fundamento relativo ao tratamento desproporcionado e/ou discriminatório de que as recorrentes foram objecto, comparativamente à prática decisória da Comissão e ao volume de negócios realizado nos mercados em causa, deve ser julgado improcedente, pelo que também deve ser indeferido o pedido destinado à anulação ou à redução da coima.

322    Resulta do que precede que deve ser negado provimento ao recurso na sua integralidade.

 Quanto às despesas

323    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que as condenar nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      As sociedades Tomra Systems ASA, Tomra Europe AS, Tomra Systems GmbH, Tomra Systems BV, Tomra Leergutsysteme GmbH, Tomra Systems AB e Tomra Butikksystemer AS são condenadas a suportar as suas próprias despesas, bem como as efectuadas pela Comissão Europeia.

Vilaras

Prek

Ciucă

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de Setembro de 2010.

Assinaturas

Índice


Factos na origem do litígio

Decisão impugnada

A –  Mercado em causa

B –  Posição dominante

C –  Comportamento abusivo

D –  Coima

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

I –  Quanto ao pedido de anulação da decisão impugnada

A –  Quanto ao primeiro fundamento, relativo à utilização de provas manifestamente inexactas e pouco fiáveis para constatar a estratégia de exclusão e para provar a existência e definir o conteúdo de determinados acordos entre as recorrentes e os seus clientes

1.  Quanto à primeira parte, relativa à ausência de elementos de prova fiáveis que permitam demonstrar a existência de uma estratégia de exclusão

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

2.  Quanto à segunda parte, relativa à utilização de provas inexactas e pouco fiáveis para demonstrar a existência e definir o conteúdo de determinados acordos celebrados entre as recorrentes e os seus clientes

a)  Quanto aos acordos exclusivos anteriores a 1998

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

b)  Quanto aos acordos que designam as recorrentes como «fornecedor preferido, principal ou primeiro fornecedor»

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

c)  Quanto aos compromissos individuais sobre as quantidades e aos mecanismos de descontos individuais retroactivos

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

d)  Quanto à avaliação de determinados contratos celebrados no território da Alemanha, dos Países Baixos, da Suécia e da Noruega

Alemanha

–  Edeka Bayern‑Sachsen‑Thüringen (1998‑1999)

–  Edeka Handelsgesellschaft Hessenring (1999)

–  Edeka Baden‑Würtemberg (2000)

–  COOP Schleswig‑Holstein (2000)

–  Netto

–  Rewe Wiesloch e Rewe‑Hungen (1997)

–  Rewe Hungen (2000)

Países Baixos

–  Albert Heijn (1998 2000)

–  Royal Ahold (2000‑2002)

–  Lidl (1999‑2000)

–  Superunie (2001)

Suécia

–  ICA Handlares (Suécia) e Hakon Gruppen (Noruega) (2000‑2002)

–  Rimi Svenska (2000)

–  Spar, Willys e KB Exonen (grupo Axfood) (2000)

–  Axfood (2001)

–  Axfood (2003‑2004)

Noruega

–  Køff Hedmark e Rema 1000 (1996), AKA/Spar Norge (1997)

–  NorgesGruppen, Hakon Gruppen, NKL (COOP) e Rema 1000 (1999‑2000)

–  NorgesGruppen (2000‑2001)

–  NKL (COOP) e Rema 1000 (2000‑2001)

B –  Quanto aos segundo e quarto fundamentos, relativos a erros manifestos de apreciação a respeito da questão de saber se os acordos eram susceptíveis de afastar a concorrência e à falta de fundamentação

1.  Quanto à alegada ilegalidade per se dos acordos das recorrentes e quanto à ausência de explicação de qual o teste ou quais os critérios utilizados pela Comissão para apreciar se os acordos eram susceptíveis de restringir ou de afastar a concorrência

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

2.  Quanto à «cobertura insuficiente» da procura total das RVM pelas práticas das recorrentes

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

3.  Quanto às provas e hipóteses alegadamente inexactas e enganadoras a que se terá recorrido para apreciar a capacidade de os descontos retroactivos afastarem a concorrência

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

C –  Quanto ao terceiro fundamento, relativo a erros manifestos na apreciação da Comissão sobre a questão de saber se os acordos eliminavam realmente a concorrência

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal

D –  Quanto ao quinto fundamento, relativo a um erro manifesto cometido pela Comissão ao concluir que os compromissos não vinculativos sobre as quantidades podiam violar o artigo 82.° CE

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal

II –  Quanto aos pedidos destinados à anulação ou à redução da coima

A –  Argumentos das partes

B –  Apreciação do Tribunal

Quanto às despesas


* Língua do processo: inglês.

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