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Document 62006TJ0039

Acórdão do Tribunal Geral (Terceira Secção) de 5 de Outubro de 2011.
Transcatab SpA contra Comissão Europeia.
Concorrência - Acordos, decisões e práticas concertadas - Mercado italiano da compra e primeira transformação de tabaco em rama - Decisão que declara uma infracção ao artigo 81.º CE - Fixação dos preços e repartição do mercado - Imputabilidade do comportamento ilícito - Coimas - Proporcionalidade - Gravidade e duração da infracção - Circunstâncias atenuantes - Cooperação.
Processo T-39/06.

Colectânea de Jurisprudência 2011 II-06831

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2011:562

Processo T‑39/06

Transcatab SpA

contra

Comissão Europeia

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Mercado italiano da compra e primeira transformação de tabaco em rama – Decisão que declara uma infracção ao artigo 81.° CE – Fixação dos preços e repartição do mercado – Imputabilidade do comportamento ilícito – Coimas – Proporcionalidade – Gravidade e duração da infracção – Circunstâncias atenuantes – Cooperação»

Sumário do acórdão

1.      Concorrência – Regras comunitárias – Infracções – Imputação – Sociedade‑mãe e filiais – Unidade económica – Critérios de apreciação – Presunção de influência decisiva da sociedade‑mãe sobre as filiais que detém a 100%

(Artigo 81.° CE)

2.      Concorrência – Procedimento administrativo – Respeito dos direitos de defesa – Comunicação de acusações – Conteúdo necessário

(Artigo 81.° CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 27.°, n.° 1)

3.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Montante máximo – Cálculo – Volume de negócios a tomar em consideração

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2)

4.      Actos das instituições – Orientações para o cálculo das coimas aplicadas em caso de infracção às regras de concorrência – Acto que visa produzir efeitos externos – Alcance

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

5.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Infracções qualificadas de muito graves apenas em razão da sua própria natureza

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 1 A)

6.      Concorrência – Coimas – Decisão que aplica coimas – Dever de fundamentação – Alcance

(Artigos 81.º CE e 253.º CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.º, n.os 2 e 3)

7.      Concorrência – Procedimento administrativo – Respeito dos direitos de defesa – Comunicação de acusações – Conteúdo necessário

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 27.º)

8.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Margem de apreciação reservada à Comissão – Limites – Respeito do princípio da proporcionalidade – Alcance

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

9.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Carácter dissuasivo da coima

[Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 5, alínea b)]

10.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias atenuantes – Não aplicação efectiva de um acordo

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, pontos 1 A, primeiro parágrafo, e 3, segundo travessão)

11.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias atenuantes – Cessação da infracção na sequência das primeiras intervenções da Comissão – Alcance

(Artigo 81.°, n.° 1, CE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 3, terceiro travessão)

12.    Direito da União – Princípios – Protecção da confiança legítima – Requisitos

13.    Agricultura – Regras de concorrência – Regulamento n.° 26 – Aplicação da excepção prevista para os acordos, decisões e práticas necessárias à realização dos objectivos enunciados no artigo 33.° CE – Requisitos

(Artigos 33.° CE e 81.°, n.° 1, CE; Regulamento n.° 26 do Conselho, artigo 2.°)

14.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias atenuantes – Cooperação da empresa em causa fora do âmbito de aplicação da comunicação sobre a cooperação – Requisitos

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°; Comunicações da Comissão 98/C/9/03, ponto 3, sexto travessão, e 2002/C 45/03)

15.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias atenuantes – Primeiro caso de aplicação das regras da concorrência a um determinado sector da economia – Margem de apreciação da Comissão

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 3)

16.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias atenuantes – Debilidade financeira do sector em causa – Margem de apreciação da Comissão

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

17.    Tramitação processual – Petição inicial – Requisitos de forma

[Estatuto do Tribunal de Justiça, artigo 21.°; Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, artigos 44.°, n.° 1, alínea c), e 48.°, n.° 2]

18.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Redução do montante da coima em contrapartida da cooperação da empresa acusada – Requisitos

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°; Comunicação 2002/C 45/03 da Comissão, n.° 23, último parágrafo)

19.    Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Acordos e práticas concertadas constitutivos de uma infracção única

(Artigo 81.°, n.° 1, CE)

1.      Em matéria de concorrência, o comportamento de uma filial pode ser imputado à sociedade‑mãe designadamente quando essa filial, apesar de ter uma personalidade jurídica distinta, não determinar de forma autónoma o seu comportamento no mercado, mas aplicar no essencial as instruções que lhe são dadas pela sociedade‑mãe, atendendo em particular aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem essas duas entidades jurídicas. Com efeito, numa situação como essa, em que a sociedade‑mãe e a sua filial fazem parte da mesma unidade económica e, portanto, formam uma única empresa na acepção do artigo 81.° CE, a Comissão pode tomar uma decisão que impõe coimas à sociedade‑mãe sem necessitar de demonstrar o envolvimento pessoal desta na infracção.

No caso particular de uma sociedade‑mãe que detém 100% do capital da sua filial que cometeu uma infracção às regras da concorrência, essa sociedade‑mãe pode exercer uma influência decisiva no comportamento dessa filial e existe uma presunção ilidível de que a referida sociedade‑mãe exerce efectivamente uma tal influência. Assim, a Comissão pode presumir que esta exerce uma influência determinante no comportamento da sua filial, sem estar obrigada a apresentar provas suplementares do exercício efectivo dessa influência pela sociedade‑mãe ou de que esta conhecia de alguma forma a infracção ou o envolvimento dessa filial nessa infracção. Trata‑se de uma presunção ilidível, que pode ser afastada através de prova em contrário. Cabe, portanto, à sociedade‑mãe ilidir essa presunção por meio de elementos de prova susceptíveis de demonstrar que a sua filial definia autonomamente a sua linha de acção no mercado e que essas duas sociedades não constituíam, portanto, uma entidade económica única. Se não o fizer, o exercício do controlo fica provado pelo facto de não ter sido ilidida a presunção decorrente da detenção da totalidade do capital

O facto de uma filial dispor da sua própria direcção local e dos seus próprios meios não prova, por si só, que defina o seu comportamento no mercado de forma autónoma relativamente à sua sociedade‑mãe. O facto de confiar a gestão das actividades correntes à direcção local de uma filial a 100% é, de facto, uma prática comum e, por isso, não serve para provar a autonomia real das filiais.

(cf. n.os 92 a 94, 103, 106)

2.      Em matéria de concorrência, o respeito dos direitos de defesa exige que a empresa interessada tenha podido, durante o procedimento administrativo, dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos e das circunstâncias alegados, bem como sobre os documentos a que a Comissão atendeu para alegar a existência de uma infracção ao Tratado.

O artigo 27.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003 reflecte este princípio na medida em que prevê o envio às partes de uma comunicação das acusações que deve especificar, claramente, todos os elementos essenciais em que a Comissão se baseia nessa fase do procedimento, para permitir que os interessados tomem efectivamente conhecimento dos comportamentos que lhes são imputados pela Comissão e se defendam utilmente antes de esta tomar uma decisão definitiva. Esta exigência é respeitada desde que a referida decisão não impute aos interessados infracções diferentes das referidas na comunicação de acusações e apenas considere factos sobre os quais os interessados tiveram oportunidade de se pronunciar.

Todavia, essa indicação pode ser sumária e a decisão não tem necessariamente de constituir uma cópia da comunicação de acusações, uma vez que essa comunicação constitui um documento preparatório cujas apreciações de facto e de direito têm carácter puramente provisório. São, assim, admissíveis aditamentos à comunicação de acusações efectuados à luz da resposta das partes, cujos argumentos demonstrem que efectivamente tiveram a possibilidade de exercer o seu direito de defesa. A Comissão pode também, perante o procedimento administrativo, rever ou acrescentar argumentos de facto ou de direito em apoio das acusações que formulou.

Além disso, no que respeita à imputabilidade à sociedade‑mãe de uma infracção cometida por uma sua filial a 100%, a Comissão não é obrigada a, na fase da comunicação das acusações, apresentar outros elementos para além da prova da detenção pela sociedade‑mãe do capital das suas filiais.

(cf. n.os 115 a 117, 123)

3.      O limite de 10% do volume de negócios previsto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 deve ser calculado com base no volume de negócios cumulado realizado pelo conjunto das empresas que compõem a entidade económica que age como empresa na acepção do artigo 81.°, CE, já que apenas o volume de negócios cumulado das sociedades componentes pode constituir uma indicação da dimensão e do poder económico da empresa em questão.

(cf. n.os 129 e 130)

4.      As Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° CECA são um instrumento destinado a precisar, no respeito da hierarquia das normas, os critérios que a Comissão pensa aplicar no quadro do exercício do poder de apreciação na fixação das coimas que o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 lhe confere. Essas orientações não constituem o fundamento jurídico de uma decisão que aplica coimas, baseando‑se esta no Regulamento n.° 1/2003, mas determinam, de maneira geral e abstracta, a metodologia que a Comissão se impôs a si própria para efeitos da fixação do montante das coimas aplicadas por esta decisão e asseguram, por conseguinte, a segurança jurídica das empresas.

Assim, as orientações, embora não possam ser qualificadas de norma jurídica a cuja observância a administração está sempre obrigada, enunciam, no entanto, uma norma de conduta indicativa da prática a seguir, à qual a Administração não se pode furtar, num caso concreto, sem apresentar razões.

A auto‑limitação do poder de apreciação da Comissão resultante da adopção das orientações não é, contudo, incompatível com a manutenção de uma margem de apreciação substancial pela Comissão. Com efeito, o facto de a Comissão ter precisado através das orientações a sua abordagem quanto à avaliação da gravidade de uma infracção não impede que aprecie esse critério globalmente em função de todas as circunstâncias pertinentes, incluindo elementos que não são expressamente referidos nas orientações.

(cf. n.os 141 a 143)

5.      Resulta das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° CECA que os acordos horizontais que visam, nomeadamente, a fixação de preços podem ser qualificados de «muito graves» apenas com base na sua própria natureza, não estando a Comissão obrigada a demonstrar a existência de um impacto concreto da infracção no mercado e sem que a extensão reduzida do mercado geográfico em causa impeça essa qualificação. Esta conclusão é corroborada pelo facto de, apesar de a descrição das infracções graves referir expressamente o impacto no mercado e os efeitos em amplas zonas do mercado comum, a descrição das infracções muito graves não mencionar qualquer exigência de impacto concreto no mercado nem de produção de efeitos numa zona geográfica particular.

Para apreciar a gravidade de uma infracção às regras da concorrência, é determinante saber se os membros do cartel fizeram tudo o que estava ao seu alcance para que as suas intenções tivessem um efeito concreto. O que sucedeu depois, ao nível dos preços de mercado efectivamente praticados, podia ser influenciado por outros factores fora do controlo dos membros do cartel, já que estes não podem, para tentar beneficiar de uma redução da coima, invocar factores externos que obstaram aos seus esforços.

Não se pode exigir da Comissão, quando estiver provada a efectividade de um cartel, que demonstre sistematicamente que os acordos permitiram efectivamente às empresas em causa atingir um nível de preços de transacção superior ou, no caso de cartéis de compra, inferior ao que se teria verificado se não houvesse cartel. Seria desproporcionado exigir essa demonstração, que absorveria recursos consideráveis, pois exigiria que se procedesse a cálculos hipotéticos, baseados em modelos económicos cuja exactidão só dificilmente poderia ser verificada pelo tribunal e cuja infalibilidade não está de todo provada.

Além disso, a dimensão do mercado geográfico não é um critério autónomo, no sentido de que só infracções que afectassem a maioria dos Estados‑Membros poderiam ser qualificadas de «muito graves». Nem o Tratado, nem o Regulamento n.° 1/2003, nem as orientações, nem a jurisprudência permitem considerar que só as restrições da concorrência geograficamente muito extensas podem ser assim qualificadas. De resto, os acordos que têm nomeadamente por objecto a fixação dos preços de compra e a repartição das quantidades compradas podem, em virtude do seu carácter próprio, ser qualificados de infracção muito grave, sem que seja necessário caracterizar esses comportamentos com base numa dimensão geográfica específica. Conclui‑se que a dimensão do mercado geográfico em causa, ainda que reduzida, não impede que a infracção em causa seja qualificada de «muito grave».

(cf. n.os 148 e 149, 168 e 169, 172)

6.      No que diz respeito à fixação das coimas por violação do direito da concorrência, o dever de fundamentação encontra‑se cumprido quando a Comissão indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade da infracção e a sua duração.

No quadro das análises atinentes às violações do artigo 81.° CE, o artigo 253.° CE não pode ser interpretado no sentido de obrigar a Comissão a explicar, nas suas decisões, as razões pelas quais, no que respeita ao cálculo do montante da coima, não adoptou perspectivas alternativas à que efectivamente adoptou na decisão impugnada.

(cf. n.os 175, 177)

7.      Desde que a Comissão indique expressamente, na comunicação de acusações, que vai examinar se devem aplicar‑se coimas às empresas envolvidas e que enuncie os principais elementos de facto e de direito susceptíveis de implicar uma coima, tais como a gravidade e a duração da suposta infracção e o facto de esta ter sido cometida deliberadamente ou por negligência, cumpre a sua obrigação de respeitar o direito das empresas a serem ouvidas. Ao fazê‑lo, fornece‑lhes os elementos necessários para se defenderem não apenas contra uma declaração da existência da infracção mas igualmente contra o facto de lhes ser aplicada uma coima.

Em contrapartida, a Comissão não é obrigada, quando tenha indicado os elementos de facto e de direito em que se propõe basear o cálculo do montante das coimas, a precisar o modo como utilizaria cada um desses elementos para determinar o nível da coima. Além disso, na sua decisão, a Comissão pode também, perante o procedimento administrativo, rever ou acrescentar argumentos de facto ou de direito em apoio das objecções que formulou.

Conclui‑se que é através da possibilidade de apresentarem observações sobre a duração, a gravidade e o carácter anticoncorrencial dos factos que lhes são imputados que os direitos de defesa das empresas em causa são garantidos perante a Comissão no que diz respeito à determinação do montante das coimas.

(cf. n.os 180 a 182)

8.      No quadro dos procedimentos iniciados pela Comissão para punir as violações às regras da concorrência, a aplicação do princípio da proporcionalidade implica que as coimas não devem ser exageradas relativamente aos objectivos prosseguidos, ou seja, relativamente ao respeito dessas regras, e que o montante da coima aplicada a uma empresa por uma infracção em matéria de concorrência deve ser proporcionada à infracção, apreciada no seu todo, tendo nomeadamente em conta a sua gravidade. Em particular, o princípio da proporcionalidade implica que a Comissão deve fixar a coima proporcionalmente aos elementos tidos em conta para apreciar a gravidade da infracção e que deve a este respeito aplicar esses elementos de forma coerente e objectivamente justificada.

A este propósito, nem o Regulamento n.° 1/2003 nem as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° CECA prevêem que o montante das coimas deva ser fixado directamente em função da dimensão do mercado em causa, que não é um elemento obrigatório, mas apenas um elemento pertinente entre outros para apreciar a gravidade da infracção. Estas disposições, por si só, não obrigam a Comissão a ter em conta a dimensão limitada do mercado dos produtos.

O direito aplicável também não inclui qualquer princípio de aplicação geral que imponha que a sanção deva ser proporcionada ao volume de negócios realizado pela empresa no mercado em causa. Para efeitos da determinação da coima, pode‑se ter em consideração tanto o volume de negócios global da empresa, que constitui uma indicação, embora aproximativa e imperfeita, da sua dimensão e do seu potencial económico, como a parte desse volume que provém das mercadorias que são objecto da infracção e que é, portanto, susceptível de dar uma indicação da sua amplitude. Não se deve atribuir nem a um nem a outro destes valores uma importância desproporcionada em relação aos outros elementos de apreciação e, por consequência, a fixação de uma coima adequada não pode ser o resultado de um simples cálculo baseado no volume de negócios global. É assim particularmente quando as mercadorias em causa representam apenas uma pequena fracção desse volume. Além do mais, na medida em que o montante final da coima não excede 10% do volume de negócios global da empresa interessada no último ano da infracção, a coima não pode ser considerada desproporcionada apenas pelo facto de ultrapassar o volume de negócios realizado no mercado em causa.

(cf. n.os 189 e 190, 196 e 197, 199)

9.      No quadro do cálculo da coima por infracção às regras da concorrência, uma vez que o objectivo de dissuasão se refere à conduta das empresas no interior da União, o factor de dissuasão é avaliado tendo em conta uma multiplicidade de elementos e não unicamente a situação específica da empresa em questão.

A Comissão, na determinação do montante da coima, não é obrigada a ter em conta a situação financeira deficitária de uma empresa, pois o reconhecimento dessa obrigação levaria a conferir uma vantagem concorrencial injustificada às empresas menos adaptadas às condições do mercado. Assim, uma sociedade não pode contestar a aplicação do coeficiente multiplicador para fins dissuasivos com base no facto de, durante o período em que vigorou o cartel, ter sofrido prejuízos que a levaram a cessar a sua actividade no mercado objecto do referido cartel após o início do processo.

Além disso, o facto de uma medida tomada por uma instituição provocar a falência ou a liquidação de uma dada empresa não é proibido, como tal, pelo direito da União. Com efeito, a liquidação de uma empresa sob a sua forma jurídica em causa, embora possa prejudicar os interesses financeiros dos proprietários, accionistas ou detentores de quotas, não significa por isso que os elementos pessoais, materiais e imateriais representados pela empresa percam também o seu valor.

(cf. n.os 221 a 224)

10.    A circunstância atenuante prevista no ponto 3, segundo travessão, das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° CECA, relativa à não aplicação efectiva dos acordos ou práticas ilícitos, diz respeito ao comportamento individual de cada empresa. Daí resulta que, para efeitos de avaliação dessa circunstância atenuante, há que ter em consideração, não os efeitos resultantes da totalidade da infracção, que devem ser considerados na apreciação do impacto concreto de uma infracção no mercado para efeitos da determinação da sua gravidade (ponto 1 A, primeiro parágrafo, das orientações), mas o comportamento individual de cada empresa, para se examinar a gravidade relativa da participação de cada empresa na infracção.

Em todo o caso, para beneficiar do ponto 3, segundo travessão, das referidas orientações, os infractores devem demonstrar que adoptaram um comportamento concorrencial ou, pelo menos, que infringiram, claramente e de forma considerável, as obrigações destinadas a pôr em prática o cartel, ao ponto de terem perturbado o seu funcionamento, e aparentemente não aderiram ao acordo e, por isso, não incitaram outras empresas a pôr em prática o cartel em causa.

(cf. n.os 273, 275)

11.    Em conformidade com o ponto 3, terceiro travessão, das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° CECA, o montante de base da coima fixado pela Comissão pode ser diminuído quando a empresa em causa ponha termo à infracção desde as primeiras intervenções da Comissão.

Todavia, essa redução da coima não pode ser automática, mas depende de uma avaliação das circunstâncias do caso pela Comissão, no quadro do seu poder de apreciação. As circunstâncias do caso podem, portanto, levar a Comissão a não aplicar essa diminuição a uma empresa que participou num acordo ilícito.

Reconhecer o benefício de uma circunstância atenuante em situações em que uma empresa participa num acordo manifestamente ilegal, que ela sabia ou não podia ignorar ser uma infracção, poderia levar as empresas a prosseguir com um acordo secreto tanto tempo quanto possível, na esperança de que o seu comportamento nunca viesse a ser descoberto, sabendo que, se o fosse, podiam ter a sua coima reduzida se interrompessem nesse momento a infracção. Esse reconhecimento retiraria todo o efeito dissuasor à coima aplicada e prejudicaria o efeito útil do artigo 81.°, n.° 1, CE.

Além disso, a cessação de uma infracção cometida deliberadamente não pode ser considerada uma circunstância atenuante quando determinada pela intervenção da Comissão.

(cf. n.os 282 a 284)

12.    O direito de invocar o princípio da protecção da confiança legítima pressupõe que estejam preenchidos três requisitos. Em primeiro lugar, garantias precisas, incondicionais e concordantes, emanadas de fontes autorizadas e fiáveis, devem ter sido fornecidas ao interessado pela administração. Em segundo lugar, essas garantias devem ser de molde a criar uma expectativa legítima no espírito do seu destinatário. Em terceiro lugar, as garantias dadas devem ser conformes às normas aplicáveis.

Em sede de concorrência, o simples facto de a Comissão ter considerado, na sua prática decisória anterior, que certos elementos constituíam circunstâncias atenuantes para efeitos da determinação do montante da coima não implica que seja obrigada a efectuar a mesma apreciação em decisão ulterior. Assim, uma empresa não pode invocar o facto de uma circunstância atenuante ter sido aplicada noutros casos de infracções para afirmar que tinha legítimas expectativas de que essa circunstância também lhe seria aplicada.

(cf. n.os 289, 291)

13.    O Regulamento n.° 26, relativo à aplicação de determinadas regras de concorrência à produção e ao comércio de produtos agrícolas, nomeadamente o seu artigo 2.°, estabelece uma derrogação à aplicabilidade do artigo 81.°, n.° 1, CE para os acordos, decisões e práticas relativos à produção ou ao comércio dos produtos enumerados no Anexo I do Tratado CE, que façam parte integrante de uma organização nacional de mercado ou que sejam necessários à realização dos objectivos enunciados no artigo 33.° CE.

Estando em causa uma derrogação à regra da aplicação geral do artigo 81.°, n.° 1, CE, o artigo 2.° do Regulamento n.° 26 deve ser interpretado restritivamente. Além disso, constitui jurisprudência constante que o n.° 1, primeiro período, do artigo 2.° do Regulamento n.° 26, que prevê a excepção invocada, só se aplica se o acordo em causa favorecer a realização de todos os objectivos do artigo 33.° CE. Além disso, como resulta do próprio texto do n.° 1, primeiro período, do artigo 2.° do Regulamento n.° 26, o acordo em questão deve ser «necessário» para a realização dos referidos objectivos.

A este respeito, a falta de notificação e de procedimento formal, uma empresa que tenha participado numa infracção manifesta e muito grave ao artigo 81.° CE no sector do tabaco em rama não pode alegar que tinha dúvidas quanto à possibilidade de o acordo em causa poder integrar a derrogação prevista no Regulamento n.° 26. Além disso, num sistema como o previsto nesse regulamento, está excluído que operadores privados possam substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação no que respeita aos meios mais adequados para atingir os objectivos fixados no artigo 33.° CE e, assim, tomarem iniciativas ilegais que encontrariam a sua justificação no facto de prosseguirem tais objectivos. A isto acresce que a preservação de uma concorrência efectiva nos mercados dos produtos agrícolas faz parte dos objectivos da política agrícola comum e da organização comum dos mercados em causa. Assim, essa empresa não pode sustentar que acordos manifestamente anticoncorrenciais em que participou prosseguiam os objectivos previstos no artigo 33.°, n.° 1, CE.

(cf. n.os 298 a 300, 303, 305)

14.    De acordo com o ponto 3, sexto travessão, das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° CECA, o montante de base das coimas pode ser reduzido em razão da colaboração efectiva da empresa no processo, fora do âmbito de aplicação da comunicação relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis. Esta circunstância atenuante específica só se aplica às infracções não abrangidas pelo âmbito de aplicação da comunicação sobre a cooperação.

A este respeito, a aplicação do ponto 3, sexto travessão, das Orientações, não pode privar a comunicação sobre a cooperação do seu efeito útil. Com efeito, a comunicação sobre a cooperação define um quadro que permite recompensar, pela respectiva cooperação no inquérito da Comissão, as empresas que participam ou participaram em cartéis secretos que afectam a União. Decorre, assim, do texto e da economia da referida comunicação que as empresas, em princípio, só podem obter uma redução da coima ao abrigo da respectiva cooperação se cumprirem estritamente as condições previstas nessa comunicação.

Por conseguinte, a fim de preservar o efeito útil da comunicação sobre a cooperação, a Comissão só pode conceder uma redução da coima a uma empresa com base no ponto 3, sexto travessão, das Orientações em situações excepcionais. É o que ocorre, nomeadamente, quando a cooperação de uma empresa, embora indo para além da sua obrigação legal de cooperar sem, todavia, lhe dar o direito a uma redução da coima ao abrigo da comunicação sobre a cooperação, é objectivamente útil para a Comissão.

(cf. n.os 327 a 330)

15.    As Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° CECA não prevêem expressamente qualquer circunstância atenuante relativa à inexistência de precedentes no mercado afectado pela infracção. O último travessão do ponto 3 das orientações prevê, contudo, a possibilidade de a Comissão ter em conta outras circunstâncias para além das referidas nos travessões anteriores para conceder uma diminuição do montante de base da coima. A este respeito, a Comissão dispõe de uma margem de apreciação relativamente à aplicação de circunstâncias atenuantes. Em especial, a Comissão não é obrigada a atenuar as coimas quando age pela primeira vez num sector específico.

(cf. n.os 342 e 343)

16.    A Comissão, quando aplica uma coima por violação das regras da concorrência, não é obrigada a considerar que a debilidade financeira do sector em causa constitui uma circunstância atenuante. Com efeito, de um modo geral, os cartéis nascem num momento em que um sector passa por dificuldades. Deste modo, se a Comissão fosse obrigada a considerar essas dificuldades, a coima deveria ser reduzida em quase todos os casos de cartéis.

Embora seja verdade que, na prática decisória da Comissão, as crises estruturais foram por vezes consideradas circunstâncias atenuantes, a tomada em consideração pela Comissão, em processos anteriores, da situação económica do sector como circunstância atenuante não implica que tenha de necessariamente continuar a observar essa prática.

(cf. n.os 352 e 353)

17.    A fim de garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é preciso, para que um recurso seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito, nos quais este se funda, resultem, pelos menos sumariamente, mas de forma coerente e compreensível, do texto da própria petição. A este respeito, embora a petição possa ser baseada e completada, no que respeita a aspectos específicos, por remissões feitas para excertos de documentos que a ela foram juntos, uma remissão global para outros documentos, mesmo juntos à petição, não poderá compensar a inexistência de elementos essenciais da argumentação de direito, que devem figurar na petição. Além disso, não compete ao Tribunal procurar e identificar, nos anexos, os fundamentos e argumentos que pode considerar que constituem o fundamento do recurso, uma vez que os anexos têm uma função meramente probatória e instrumental.

Assim, aceitar a admissibilidade de fundamentos não suficientemente desenvolvidos na petição mas que remetem para fundamentos hipoteticamente suscitados por um terceiro noutro processo, para o qual se remeteu na petição, equivaleria a permitir a fuga às exigências imperativas do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo.

Em todo o caso, o Tribunal deve declarar a inadmissibilidade de um pedido constante da petição que lhe foi apresentada quando os elementos essenciais de facto e de direito em que se funda esse pedido não decorram, de forma coerente e compreensível, do texto da própria petição, não podendo a inexistência desses elementos na petição ser suprida pela sua apresentação na audiência.

(cf. n.os 366, 371 e 372)

18.    É inerente à lógica da comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis que o efeito pretendido por essa comunicação é o de criar um clima de incerteza no seio dos cartéis, incentivando a sua denúncia à Comissão. Esta incerteza resulta precisamente do facto de os participantes no cartel saberem que só um deles poderá beneficiar da imunidade em relação à coima, denunciando os outros participantes na infracção e expondo‑os assim ao risco de lhes serem aplicadas coimas. No quadro deste sistema, e segundo a mesma lógica, as empresas mais rápidas a oferecer colaboração obterão reduções mais importantes das coimas, que de outra forma lhes seriam aplicadas, do que as concedidas às empresas menos rápidas a cooperar. A ordem cronológica e a rapidez da cooperação oferecida pelos membros do cartel constituem, assim, elementos fundamentais do sistema criado pela comunicação sobre a cooperação.

A interpretação da finalidade de uma disposição da comunicação sobre a cooperação deve respeitar a própria lógica dessa comunicação. Nesta perspectiva, o ponto 23, último parágrafo, da referida comunicação deve interpretar‑se no sentido de ter por objectivo recompensar uma empresa que, embora não tendo sido a primeira a apresentar o pedido de imunidade relativamente ao cartel em causa, tenha sido a primeira a apresentar à Comissão elementos de prova relativos a factos desconhecidos da Comissão, com incidência directa na gravidade ou duração do cartel. Por outras palavras, se os elementos de prova apresentados por uma empresa disserem respeito a factos que permitam à Comissão modificar a apreciação que, nesse momento, faz da gravidade ou da duração do cartel, a empresa que apresenta esses elementos de prova é recompensada com a imunidade relativamente aos factos que esses elementos de prova demonstram.

Assim, o ponto 23, último parágrafo, da comunicação sobre a cooperação não diz respeito aos casos em que uma empresa se limitou a apresentar elementos de prova novos ou mais completos relativamente a factos já conhecidos da Comissão. O referido parágrafo também não se aplica aos casos em que uma empresa dá a conhecer factos novos que, todavia, não são susceptíveis de modificar a apreciação que a Comissão faz da gravidade ou da duração do cartel. Ao invés, esta disposição aplica‑se exclusivamente nos casos em que estejam preenchidas duas condições: em primeiro lugar, a empresa em causa é a primeira a provar factos anteriormente desconhecidos da Comissão; em segundo lugar, estes factos, com incidência directa na gravidade ou duração do eventual cartel, permitem à Comissão formular novas conclusões sobre a infracção.

(cf. n.os 379 a 382)

19.    Uma empresa que tenha participado numa infracção às regras da concorrência através de comportamentos que lhe são próprios, que integram os conceitos de acordo ou de prática concertada com um objectivo anticoncorrencial, na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE, e que visam contribuir para a realização da infracção, no seu conjunto, é igualmente responsável, relativamente a todo o período em que participou na referida infracção, pelos comportamentos postos em prática por outras empresas no âmbito da mesma infracção.

Do memo modo, uma empresa pode ser considerada responsável por um acordo global, mesmo que se prove que apenas participou directamente num ou em diversos elementos constitutivos desse acordo, desde que soubesse, ou tivesse necessariamente a obrigação de saber, por um lado, que a colusão na qual participava se inscrevia num plano global e, por outro, que esse plano global abrangia a totalidade dos elementos constitutivos do cartel.

(cf. n.os 394 e 395)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

5 de Outubro de 2011 (*)

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Mercado italiano da compra e primeira transformação de tabaco em rama – Decisão que declara uma infracção ao artigo 81.° CE – Fixação dos preços e repartição do mercado – Imputabilidade do comportamento ilícito – Coimas – Proporcionalidade – Gravidade e duração da infracção – Circunstâncias atenuantes – Cooperação»

No processo T‑39/06,

Transcatab SpA, com sede em Caserte (Itália), representada por C. Osti e A. Prastaro, advogados

recorrente,

contra

Comissão Europeia, inicialmente representada por F. Amato, em seguida por V. Di Bucci e, finalmente, por É. Gippini Fournier e L. Malferrari, na qualidade de agentes, assistidos por F. Ruggeri Laderchi, advogado,

recorrida,

que tem por objecto, em primeiro lugar, um pedido de anulação parcial da Decisão C (2005) 4012 final, de 20 de Outubro de 2005, relativa a um processo nos termos do n.° 1 do artigo 81.° [CE] (Processo COMP/C.38.281/B.2 − Tabaco em rama – Itália), em segundo lugar, um pedido de redução do montante da coima que lhe foi aplicada nessa decisão e, em terceiro lugar, um pedido reconvencional da Comissão de agravamento do referido montante,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto por: J. Azizi, presidente, E. Cremona (relatora) e S. Frimodt Nielsen, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 30 de Novembro de 2010,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A recorrente, a Transcatab SpA, é uma sociedade italiana, actualmente em liquidação, cuja actividade principal é a primeira transformação de tabaco em rama. No momento dos factos objecto do presente processo, a Transcatab era a filial italiana da Standard Commercial Corp (a seguir «SCC»), um dos maiores comerciantes independentes de folhas de tabaco do mundo, e era por esta controlada a 100%. Em 13 de Maio de 2005, ou seja, no decurso do procedimento administrativo, a SCC fundiu‑se com a Dimon, Inc., criando assim uma nova entidade denominada Alliance One International, Inc. (a seguir «Alliance One»), que controla a Transcatab a 100%.

1.     Procedimento administrativo

2        Em 15 de Janeiro de 2002, a Comissão das Comunidades Europeias, ao abrigo do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), enviou pedidos de informações sobre o mercado italiano do tabaco em rama às associações profissionais dos transformadores e dos produtores de tabaco italianos, isto é, à Associazione professionale transformatori tabacchi italiani (APTI) e à Unione italiana tabacco (Unitab), respectivamente.

3        Em 19 de Fevereiro de 2002, a Comissão recebeu um pedido de imunidade em matéria de coimas da Deltafina SpA, transformador membro da APTI, ao abrigo da Comunicação da Comissão relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2002, C 45, p. 3, a seguir «comunicação sobre a cooperação»).

4        Em 4 de Abril de 2002 realizou‑se uma reunião do conselho de administração da APTI. No quadro dessa reunião, a Deltafina informou os participantes, designadamente a Transcatab e a Dimon Italia Srl (filial da Dimon, que se veio a transformar na Mindo Srl), do seu pedido de imunidade e da decisão da Comissão de lhe conceder imunidade condicional.

5        No mesmo dia, a Comissão recebeu um pedido de imunidade em matéria de coimas, ao abrigo do ponto 8 da comunicação sobre a cooperação, e, subsidiariamente, um pedido de redução da eventual coima, ao abrigo dos pontos 20 a 27 da referida comunicação, ambos da Dimon Italia e, algumas horas mais tarde, um pedido da Transcatab, ao abrigo das mesmas disposições, de redução da eventual coima a ser‑lhe aplicada.

6        Em 9 de Abril de 2002, a Comissão acusou a recepção do pedido apresentado pela Transcatab ao abrigo do ponto 25 da comunicação sobre a cooperação. A Transcatab apresentou um novo pedido em 10 de Abril de 2002, pedido esse que era constituído por uma nota explicativa e 44 anexos. Em 30 de Abril de 2002, a Comissão acusou igualmente a recepção desse pedido ao abrigo do ponto 25 da comunicação sobre a cooperação.

7        Em 18 e 19 de Abril de 2002, a Comissão procedeu a diligências de instrução, ao abrigo do artigo 14.° do Regulamento n.° 17, nas instalações da Dimon Itália, da Transcatab, da Trestina Azienda Tabacchi SpA e da Romana Tabacchi SpA.

8        Em 8 de Outubro de 2002, a Comissão informou a Dimon Italia e a Transcatab de que haviam sido a primeira e a segunda empresa, respectivamente, a apresentar elementos de prova da infracção na acepção da comunicação sobre a cooperação e que, por isso, tinha a intenção de, no termo da fase administrativa, lhes conceder uma redução entre 30% e 50% e entre 20% e 30%, respectivamente, do montante da coima que lhes seria aplicada pelas infracções eventualmente apuradas caso não tivessem cooperado.

9        Em 25 de Fevereiro de 2004, a Comissão aprovou uma comunicação de acusações, que enviou a dez empresas ou associações de empresas, entre as quais a Transcatab, a Deltafina, a Dimon Italia e a Romana Tabacchi (a seguir «transformadores») e as sociedades‑mãe de algumas delas, nomeadamente a SCC, a Dimon e a Universal Corp., sociedade‑mãe da Deltafina. As destinatárias da comunicação de acusações tiveram a possibilidade de responder por escrito e na audição ocorrida em 22 de Junho de 2004.

10      Na sequência da adopção, em 21 de Dezembro de 2004, de uma adenda à referida comunicação de acusações relativa ao facto de a Deltafina ter violado a obrigação de cooperação prevista na comunicação sobre a cooperação por ter divulgado o seu pedido de imunidade (v. n.° 4 supra), uma segunda audição teve lugar em 1 de Março de 2005.

11      Após ter consultado o Comité Consultivo em matéria de acordos e posições dominantes e visto o relatório final do auditor, a Comissão adoptou a Decisão C (2005) 4012 final, de 20 de Outubro de 2005, relativa a um processo nos termos do n.° 1 do artigo 81.° [CE] (Processo COMP/C.38.281/B.2 − Tabaco em rama – Itália) (a seguir «decisão impugnada»), tendo um seu resumo sido publicado no Jornal Oficial da União Europeia de 13 de Fevereiro de 2006 (JO L 353, p. 45).

2.     Decisão impugnada

12      A decisão impugnada tem por objecto, em primeiro lugar, um cartel horizontal que os transformadores criaram no mercado italiano do tabaco em rama.

13      No contexto desse cartel, no período compreendido entre 1995 e o início de 2002, os transformadores fixaram as condições comerciais de compra de tabaco em rama em Itália, tanto no que diz respeito às compras directas aos produtores como às compras a «outros embaladores», nomeadamente através da fixação de preços e da partilha do mercado.

14      A decisão impugnada também aprecia outras duas infracções, distintas do cartel dos transformadores, ocorridas entre inícios de 1999 e finais de 2001 e que consistiram, no que diz respeito à APTI, na fixação dos preços contratuais que esta iria negociar, por conta dos seus membros, com vista à celebração de acordos interprofissionais com a Unitab e, no que a esta diz respeito, na fixação dos preços que iria negociar com a APTI, por conta dos seus membros, com vista à celebração dos mesmos acordos.

15      Na decisão impugnada, a Comissão considerou que as práticas dos transformadores constituíam uma infracção única e continuada ao artigo 81.°, n.° 1, CE (v., nomeadamente, considerandos 264 a 269 da decisão impugnada).

16      No artigo 1.°, n.° 1, da decisão impugnada, a Comissão imputou a responsabilidade pelo cartel aos transformadores, à Universal e à Alliance One, enquanto sociedade resultante da fusão entre a Dimon e a SCC.

17      No artigo 2.° da decisão impugnada, a Comissão aplicou coimas às empresas referidas no número anterior, à APTI e à Unitab (v. n.° 71 infra).

 Destinatários da decisão impugnada

18      Os considerandos 325 a 351 da decisão impugnada debruçam‑se sobre a determinação dos seus destinatários.

19      A título preliminar, a Comissão refere‑se à jurisprudência constante segundo a qual o conceito de «empresa», inserido no contexto do direito da concorrência, deve ser entendido como designando uma unidade económica do ponto de vista do objecto do acordo em causa, ainda que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas, singulares ou colectivas (considerando 325 da decisão impugnada).

20      Em seguida, a Comissão refere que estava provado que a Deltafina, a Dimon Italia, a Transcatab e a Romana Tabacchi, do mesmo modo que a APTI e a Unitab, tinham participado, durante o período em que decorreram as respectivas infracções, directamente nas infracções ocorridas e que, por conseguinte, cada uma dessas empresas e associações era destinatária da decisão impugnada (considerando 327 da decisão impugnada).

21      A Comissão prosseguiu a sua análise debruçando‑se sobre a questão da imputabilidade do comportamento ilícito de certas filiais (Deltafina, Dimon Italia e Transcatab) às respectivas sociedades‑mãe. A este respeito, recordou que, durante o período em que decorreram as infracções, a Deltafina era uma filial a 100% da Universal, a Dimon Italia uma filial a 100% da Dimon e a Transcatab uma filial a 100% da SCC (considerando 328 da decisão impugnada).

22      A Comissão referiu, nomeadamente, que, de acordo com a jurisprudência, uma sociedade‑mãe pode ser responsabilizada pelo comportamento ilícito da sua filial sempre que esta não possa determinar autonomamente o seu comportamento no mercado. A este respeito, recordou que se podia presumir que uma sociedade‑mãe, quando detém a totalidade do capital de uma filial, exerce uma influência determinante no comportamento desta quando esta comete uma infracção ao artigo 81.°, n.° 1, CE (considerandos 329 e 330 da decisão impugnada).

23      No considerando 331 da decisão impugnada, a Comissão concluiu que, no que diz respeito à Deltafina, à Dimon e à Transcatab, podia legitimamente presumir‑se que «não dispunham de autonomia», uma vez que eram ou tinham sido, no caso da Dimon Italia, detidas a 100% pelas respectivas sociedades‑mãe.

24      A Comissão, ao mesmo tempo que rejeita a tese que referidas sociedades defenderam nas respostas que deram à comunicação de acusações, segundo a qual eram necessários outros elementos para além do controlo a 100% para se estar perante o exercício de uma influência determinante, precisou que a presunção dessa influência no caso de uma filial detida em 100% era ilidível. A prova do contrário devia ser feita pela parte que pretende ilidir essa presunção, com base em «provas sólidas», que não podiam consistir em simples informações gerais não suportadas por elementos de prova convincentes (considerando 334 da decisão impugnada).

25      A este respeito, a Comissão analisou sucessivamente os argumentos apresentados pelas sociedades‑mãe destinatárias da decisão impugnada.

26      A Comissão rejeitou, desde logo, o argumento geral avançado pelas sociedades‑mãe em causa quanto à total responsabilidade da direcção local pelas actividades das respectivas filiais. Segundo a Comissão, o facto de a Dimon e a SCC terem mantido a direcção existente quando da aquisição a 100% das respectivas filiais não exclui que essas sociedades‑mãe exercessem uma influência determinante nas suas filiais italianas, já que é comum atribuir à direcção local de uma filial detida em 100% a gestão dos assuntos correntes (considerando 338 da decisão impugnada).

27      De acordo com a Comissão, nenhuma dessas empresas provou, em geral, uma especificidade do seu grupo que tornasse, de forma significativa, as actividades da sua filial independentes da sua influência (considerando 339 da decisão impugnada).

28      A este respeito, a Comissão analisou a solidez dos laços económicos existentes entre a Deltafina, a Dimon Italia, e Transcatab e as respectivas sociedades‑mãe, análise essa que serviu para demonstrar que as filiais italianas constituíam uma unidade económica com o resto do respectivo grupo. A Comissão salientou a este respeito que os grupos em causa eram os maiores comerciantes mundiais de rama de tabaco e que adquiriam e comercializavam frequentemente o tabaco comprado pelas suas filiais italianas (considerando 340 da decisão impugnada).

29      No que diz respeito à SCC, a Comissão salientou que antes de adquirir a totalidade do capital da Transcatab já a controlava em conjunto com o seu parceiro italiano. O facto de a SCC «nada ter mudado nas direcções» da sua filial na sequência dessa aquisição não podia, por conseguinte, considerar‑se uma prova de que não tinha exercido qualquer influência sobre os dirigentes após se ter tornado proprietária efectiva. Quanto, nomeadamente, à delegação de poderes executivos no director geral da Transcatab, a Comissão declarou não possuir qualquer informação que lhe permitisse deduzir que não tinha sido designado pela SCC, da mesma forma que os restantes membros do conselho de administração (considerandos 341 e 342 da decisão impugnada).

30      A Comissão rejeitou em seguida o argumento da SCC segundo o qual não existia qualquer via de comunicação entre esta e a sua filial (considerandos 343 e 344 da decisão impugnada).

31      A Comissão salientou a este respeito ter considerado que as actividades da Transcatab correspondiam às da Standard Commercial Tobacco Co., Inc., sociedade holding do grupo SCC, detida a 100% pela SCC, e que tinham sido analisadas no quadro das actividades do grupo, com a inclusão das vendas do grupo SCC aos fabricantes de cigarros. Daí inferiu que os resultados das actividades da Transcatab tinham sido relatados às instâncias superiores do grupo e tinham, em seguida, sido consolidados (considerando 344 da decisão impugnada).

32      A Comissão precisou que, como os grupos a que a Transcatab e a Dimon Italia pertenciam durante o período em que decorreu a infracção tinham deixado de existir na sequência da sua fusão na nova entidade Alliance One, esta, enquanto sucessor jurídico desses dois grupos, era destinatária da decisão impugnada (considerando 349 da decisão impugnada).

33      Tendo em atenção estes diversos elementos, a Comissão concluiu, no considerando 351 da decisão impugnada, que a Deltafina, a Universal, a Mindo (anteriormente Dimon Italia), a Transcatab, a Alliance One, a Romana Tabacchi, a APTI e a Unitab deviam ser consideradas responsáveis pelas infracções e ser destinatárias da decisão impugnada.

 Determinação do montante da coima

34      Nos considerandos 356 a 404 da decisão impugnada, a Comissão examinou a questão das coimas a aplicar aos seus destinatários.

35      A Comissão determinou os montantes das coimas em função da gravidade e da duração das infracções, ou seja, em função dos dois critérios explicitamente referidos no artigo 23.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1), e no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 (considerandos 356 e 357 da decisão impugnada).

 Fixação do montante de partida das coimas

36      Quanto à gravidade da infracção em causa, a Comissão recordou que, para avaliar esse factor, devia ter em conta a sua natureza exacta, o seu impacto concreto no mercado, desde que quantificável, e a extensão do mercado geográfico em causa (considerando 365 da decisão impugnada).

37      De seguida, a Comissão indicou que a produção de tabaco em rama em Itália corresponde a 38% da produção da União Europeia sob quota, o que representou 67,338 milhões de euros em 2001, isto é, no último ano completo da infracção (considerando 366 da decisão impugnada).

38      Quanto à natureza da infracção, a Comissão concluiu era muito grave, já que tinha consistido na fixação dos preços de compra de variedades de tabaco em rama em Itália e na repartição das quantidades compradas. A Comissão acrescentou, referindo‑se à parte da decisão impugnada relativa à análise da restrição da concorrência (considerandos 272 e seguintes), que os cartéis de compra eram susceptíveis de falsear a vontade dos produtores de gerarem um certo rendimento, bem como limitar a concorrência entre os transformadores nos mercados a jusante. A Comissão afirmou igualmente que isto é particularmente verdade nos casos, como o presente, em que o produto afectado pelo cartel, ou seja, o tabaco em rama, constitui uma «matéria‑prima» importante nas actividades exercidas pelos participantes a jusante, ou seja, a primeira transformação de tabaco e a venda de tabaco transformado (considerandos 367 e 368 da decisão impugnada).

39      No considerando 369 da decisão impugnada, a Comissão, das considerações que havia tecido, concluiu que a infracção cometida pelos transformadores devia ser qualificada de muito grave.

40      Seguidamente, nos considerandos 370 a 376 da decisão impugnada, a Comissão analisou a questão do «peso específico» e a da «dissuasão». A este respeito, indicou que, quando da fixação do montante da coima, importava ter em conta o «peso específico de cada empresa e as repercussões prováveis do seu comportamento ilícito» (considerando 370 da decisão impugnada).

41      Deste modo, a Comissão considerou que as coimas deviam ser fixadas em função da posição de cada parte em causa no mercado (considerando 371 da decisão impugnada).

42      A este respeito, a Comissão considerou que o montante de base da coima aplicada à Deltafina devia ser o mais elevado, já que esta era o maior comprador, equivalendo a sua quota de mercado a cerca de 25% em 2001 (considerando 372 da decisão impugnada).

43      Relativamente à Transcatab, à Dimon Italia e à Romana Tabacchi, cujas quotas do mercado relevante eram menores, entre cerca de 9% e 11% em 2001, a Comissão considerou que «deviam ser agrupadas» e que o seu montante de base da coima devia ser menor (considerando 373 da decisão impugnada).

44      A Comissão entendeu, todavia, que um montante de partida que apenas reflectisse a posição no mercado não produziria um efeito suficientemente dissuasivo na Deltafina, na Dimon Italia (Mindo) e na Transcatab, já que, maugrado o respectivo volume de negócios ser relativamente limitado, fazem parte – ou, no caso da Mindo, fazia parte – de grupos multinacionais com uma força económica e financeira considerável, que eram os principais comerciantes mundiais de tabaco e que operavam em diferentes níveis de actividade no seio da indústria do tabaco e em vários mercados geográficos (considerando 374 da decisão impugnada).

45      Por conseguinte, a fim de assegurar à coima um efeito dissuasor, a Comissão considerou que havia que aplicar um coeficiente multiplicador de 1,5 – ou seja, um agravamento de 50% – ao montante de partida determinado para a Deltafina e um coeficiente multiplicador de 1,25 – ou seja, um agravamento de 25% – ao montante de partida determinado para a Dimon Itália (Mindo) e para a Transcatab (considerando 375 da decisão impugnada).

46      Assim, a Comissão fixou o montante de partida das coimas, no considerando 376 da decisão impugnada, do seguinte modo:

–        Deltafina:       37,5 milhões de euros

–        Transcatab:            12,5 milhões de euros;

–        Dimon Italia (Mindo): 12,5 milhões de euros:

–        Romana Tabacchi:       10 milhões de euros.

 Fixação do montante de base das coimas

47      Nos considerandos 377 e 378 da decisão impugnada, a Comissão analisou a questão da duração da infracção.

48      Considerou que o cartel dos transformadores teve início em 29 de Setembro de 1995 e terminou, segundo as declarações destes, em 19 de Fevereiro de 2002. A Comissão entendeu, assim, que cabia aplicar um agravamento de 60% ao montante de partida das coimas aplicadas aos transformadores, excepto no que diz respeito à Romana Tabacchi, cuja participação tinha sido mais curta.

49      Os montantes de base das coimas aplicadas aos destinatários da decisão impugnada foram, assim, fixados do seguinte modo:

–        Deltafina:            60 milhões de euros

–        Transcatab:            20 milhões de euros;

–        Dimon Italia (Mindo):      20 milhões de euros:

–        Romana Tabacchi:      12,5 milhões de euros.

 Circunstâncias atenuantes

50      Nos considerandos 380 a 398 da decisão impugnada, a Comissão apreciou a necessidade de ter em conta circunstâncias atenuantes.

51      No que diz respeito nomeadamente à Transcatab, a Comissão rejeitou todos os argumentos que aquela lhe apresentou para beneficiar de circunstâncias atenuantes.

52      Desde logo, a Comissão salientou que a concretização do cartel dos transformadores não tinha qualquer relação com os acordos interprofissionais celebrados no quadro da APTI. Daqui inferiu que o quadro regulamentar italiano não encorajou o comportamento dos transformadores, os quais não podiam, por conseguinte, beneficiar de qualquer redução do montante das respectivas coimas com base nesse argumento (considerando 381 da decisão impugnada).

53      A seguir, a Comissão rejeitou o argumento dos transformadores segundo o qual deviam beneficiar de uma redução dado que tinham posto termo à infracção antes da intervenção da Comissão. A este respeito, a Comissão recordou a jurisprudência segundo a qual, nos processos relativos a infracções graves às regras da concorrência, relativamente às quais as partes sabiam ou deviam necessariamente saber que o seu comportamento era fundamentalmente ilícito, o facto de as partes lhes porem termo antes da intervenção da Comissão não deve, em princípio, dar lugar a uma redução do montante da coima quando do seu cálculo (considerando 382 da decisão impugnada).

54      A Comissão afirmou igualmente não poder considerar que o cartel não foi posto em prática, dado que resultava da descrição dos factos que as partes tinham assegurado a sua concretização graças, nomeadamente, à sua participação em reuniões regulares e em trocas de informações regulares sobre os preços e as quantidades durante o período das compras (considerando 383 da decisão impugnada).

55      Por fim, a Comissão rejeitou o argumento da Transcatab segundo o qual o contexto económico e social específico do mercado do tabaco em rama em Itália devia ser tido em conta para efeitos da determinação do montante da coima ao abrigo do ponto 5, alínea b), das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° [CA] (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações»). A Comissão observou que a aplicação do referido ponto 5, alínea b), das orientações era excepcional e que o caso em apreço não possuía características idênticas ou semelhantes às do processo referido pela Transcatab em apoio do seu argumento. A Comissão acrescentou ainda não ser aceite que a existência de práticas ilegais no sector do tabaco em certas regiões italianas pudesse ter um efeito determinante, provocando as práticas em causa, e que a reforma da organização comum dos mercados tivesse efeitos demasiado incertos e distantes no tempo para justificar a tomada em consideração de uma circunstância atenuante (considerando 384 da decisão impugnada).

56      A Comissão analisou, de seguida, a situação particular da Deltafina e concluiu que a sua coima devia ser reduzida em 50% devido à sua cooperação (considerandos 385 a 398 da decisão impugnada).

57      A Comissão, na sequência da aplicação das circunstâncias atenuantes, fixou o montante das coimas do seguinte modo (considerando 399 da decisão impugnada):

–        Deltafina:            30 milhões de euros;

–        Dimon Italia (Mindo):      20 milhões de euros;

–        Transcatab:            20 milhões de euros;

–        Romana Tabacchi:      8,75 milhões de euros.

58      Por fim, a Comissão recordou que, nos termos do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, a coima aplicada a cada uma das empresas ou associações de empresas que tenha participado na infracção não deve exceder 10% do respectivo volume de negócios total realizado durante o exercício precedente. Acrescentou que sempre que as empresas em causa pertençam a um grupo, que esteja provado que essas empresas estavam sob a influência determinante das respectivas sociedades‑mãe e que, por conseguinte, estas são solidariamente responsáveis pela coima aplicada às suas filiais, deve atender‑se ao volume de negócios mundial do grupo para determinar o referido limite máximo de 10% (considerandos 400 e 401 da decisão impugnada).

59      Assim, declara que a coima aplicada à Romana Tabacchi não deve exceder os 2,05 milhões de euros e que não é necessário reduzir as restantes coimas ao abrigo dessa disposição (considerandos 402 e 403 da decisão impugnada).

 Aplicação da comunicação sobre a cooperação

60      Nos considerandos 405 a 500 da decisão impugnada, a Comissão pronuncia‑se sobre a aplicação da comunicação sobre a cooperação no presente caso.

61      A Deltafina, a Dimon Italia e a Transcatab pediram, todas elas, para beneficiar da aplicação da referida comunicação. No que diz respeito à Deltafina, a Comissão recordou que lhe tinha concedido imunidade condicional. Além disso, a Comissão precisou ter chegado à conclusão preliminar de que a Dimon Italia e a Transcatab tinham sido, respectivamente, a primeira e a segunda empresa a produzir elementos de prova da alegada infracção, que apresentavam um valor acrescentado significativo relativamente aos elementos de prova já na sua posse, na acepção do ponto 22 da comunicação sobre a cooperação (considerandos 405 a 407 da decisão impugnada).

62      Depois de analisar a situação da Deltafina e ter concluído que não podia conceder‑lhe imunidade pelo facto de ter violado a obrigação de cooperação prevista na comunicação sobre a cooperação (v. considerandos 408 a 484 da decisão impugnada e n.os 4 e 10 supra), a Comissão analisou os casos da Dimon Italia e da Transcatab.

63      Em primeiro lugar, a Comissão concluiu que a não concessão da imunidade definitiva à Deltafina não tinha qualquer influência directa na forma como a comunicação sobre a cooperação devia ser aplicada à Dimon Italia e à Transcatab (considerandos 485 a 491 da decisão impugnada).

64      Em segundo lugar, a Comissão determinou a redução das coimas que, por força da referida comunicação, podia ser concedida à Transcatab, nomeadamente.

65      A este respeito, a Comissão verificou, em primeiro lugar, que a Transcatab cumpriu as condições que lhe foram impostas, ou seja, pôs termo à sua participação na infracção o mais tardar no momento da apresentação dos elementos de prova (considerandos 492 e 493 da decisão impugnada).

66      Em seguida, a Comissão afirmou que, para determinar o nível de redução, teve em conta o momento em que foram apresentados os elementos de prova, o valor acrescentado que apresentavam, bem como a extensão e a continuidade da cooperação prestada pelas empresas após a comunicação dos elementos de prova (considerando 494 da decisão impugnada).

67      Assim, em primeiro lugar, a Comissão observou que a Transcatab apresentou o seu pedido de clemência antes de aquela tomar medidas activas de verificação, que o seu pedido cobria todo o período de duração da infracção e que os elementos de prova apresentados confirmavam em muitos aspectos os que a Comissão já tinha na sua posse (considerando 495 da decisão impugnada).

68      Em segundo lugar, no que diz respeito especificamente aos documentos apresentados pela Transcatab, a Comissão reconheceu que a relação dos factos que daí resultava era particularmente detalhada e útil para compreender a infracção, nomeadamente alguns dos seus elementos (tais como a celebração de um acordo interprofissional em 1999 para a produção excedentária de tabaco em 1998). Todavia, salientou não desconhecer nenhum dos factos a respeito dos quais a Transcatab tinha apresentado elementos de prova (considerando 497 da decisão impugnada).

69      Por fim, a Comissão reconheceu igualmente que a Transcatab se revelou cooperante a seu respeito ao longo de todo o procedimento e não contestou os factos nos quais a Comissão se baseou na comunicação de acusações (considerando 498 da decisão impugnada).

70      A Comissão concluiu, assim, que a Transcatab devia beneficiar do mais alto nível de redução do montante da coima previsto na moldura correspondente, ou seja, uma redução de 30% (considerando 499 da decisão impugnada).

71      Em conformidade com o disposto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, a Comissão acabou por fixar (v. artigo 2.° da decisão impugnada) os montantes das coimas a aplicar às empresas e às associações de empresas destinatárias da decisão impugnada do seguinte modo:

–        Deltafina e Universal, solidariamente: 30 milhões de euros;

–        Dimon Italia (Mindo) e Alliance One: 10 milhões de euros, sendo a Alliance One responsável pela totalidade e a Mindo apenas solidariamente responsável por 3 900 000 euros;

–        Transcatab e Alliance One, solidariamente: 14 milhões de euros;

–        Romana Tabacchi: 2,05 milhões de euros;

–        APTI: 1 000 euros;

–        Unitab: 1 000 euros.

 Tramitação processual e pedidos das partes

72      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 24 de Janeiro de 2006, a Alliance One interpôs um recurso que visa, nomeadamente, a anulação parcial da decisão impugnada (processo T‑25/06). Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal em 3 de Fevereiro de 2006, a Transcatab interpôs o presente recurso.

73      Na petição, a Alliance One pediu a apensação desse processo ao presente. Este pedido também foi formulado pela Transcatab na sua petição.

74      O Tribunal indeferiu o pedido de apensação.

75      Em 24 de Novembro de 2009, o Tribunal Geral, no quadro das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo, colocou por escrito uma questão à Transcatab, à qual esta respondeu no prazo estabelecido. Em 4 de Fevereiro de 2010, a Comissão apresentou observações sobre a resposta da Transcatab.

76      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal decidiu dar início à fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo, ordenou à Transcatab que apresentasse um documento. O documento foi apresentado no prazo fixado.

77      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 30 de Novembro de 2010.

78      Na audiência, o Tribunal Geral convidou a Transcatab a apresentar outro documento, nos termos do artigo 64.° do Regulamento de Processo. Em 22 de Dezembro de 2010 a Transcatab apresentou esse documento.

79      A Transcatab conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular parcialmente a decisão impugnada;

–        reduzir a coima que lhe foi aplicada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

80      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        fixar o montante da coima em 15 milhões de euros, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 229.° CE;

–        condenar a Transcatab nas despesas.

 Questão de direito

81      Em defesa do seu recurso, a Transcatab apresenta cinco fundamentos, alguns dos quais se subdividem em várias partes. No quadro do primeiro, a Transcatab alega, essencialmente, que a Comissão cometeu erros de direito ao declarar que a Alliance One era responsável pelo seu comportamento, que não fundamentou suficientemente a sua posição a este respeito e que também violou os seus direitos de defesa. O segundo fundamento é relativo a um erro de direito, a uma fundamentação insuficiente e ilógica, à violação dos direitos de defesa, e à violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade de tratamento e da protecção das legítimas expectativas quando da fixação da coima. O terceiro é relativo a um erro de direito e a uma fundamentação insuficiente quando da fixação do montante da coima, na perspectiva da determinação da duração da infracção, à violação do princípio ne bis in idem relativamente à coima aplicada à APTI e à violação do princípio da igualdade de tratamento. No quadro do quarto fundamento, a Transcatab alega que foi erradamente que a Comissão considerou, na decisão impugnada, que nenhuma das circunstâncias atenuantes invocadas era aplicável. No contexto do quinto fundamento, a Transcatab alega, por fim, que a Comissão cometeu erros na aplicação da comunicação sobre a cooperação.

82      A Comissão considera que, através do seu terceiro fundamento, a Transcatab contraria a sua cooperação anterior, que consistiu na não contestação dos factos considerados provados na comunicação de acusações. Assim, a título reconvencional, a Comissão pede ao Tribunal Geral se digne diminuir a redução da coima da Transcatab de 30% para 25%, fixando esta última em 15 milhões de euros, ao abrigo da sua competência de plena jurisdição.

1.     Quanto ao primeiro fundamento, relativo à imputação da infracção à sociedade‑mãe da Transcatab

 Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa a uma interpretação incorrecta da jurisprudência, a uma não consideração dos elementos de prova e a uma violação dos direitos de defesa

 Argumentos das partes

83      Em primeiro lugar, a Transcatab contesta as conclusões da decisão impugnada segundo as quais o simples facto de a SCC deter, durante o período em que decorreu a infracção, 100% do seu capital basta para presumir que esta era responsável pelo comportamento ilícito da sua filial. Essa presunção era contrária à jurisprudência. Segundo a Transcatab, a Comissão deve demonstrar que existem outros indícios que permitem a conclusão de que a sociedade‑mãe exerceu efectivamente uma influência determinante na sua filial. No presente processo, a Comissão limitou‑se a presumir a responsabilidade da SCC e não apresentou outros indícios susceptíveis de justificar essa responsabilidade. Assim, a Comissão inverteu o ónus da prova, que não recaía sobre a Transcatab ou a sua sociedade‑mãe mas sim sobre a própria Comissão.

84      Em segundo lugar, a Transcatab alega que a SCC apresentou à Comissão elementos suficientes para provar que era alheia ao comportamento da Transcatab. Esses elementos diziam respeito tanto à descrição da realidade local do mercado italiano como às características da estrutura do grupo SCC, as quais revelavam a independência das suas filiais. Além disso, esses elementos têm a ver com a autonomia do seu conselho de administração e do seu director‑geral.

85      Na réplica, a Transcatab alega, ainda, que a alegação da Comissão de que só é possível ilidir a presunção da influência determinante quando a participação é de natureza exclusivamente financeira é contrária à jurisprudência. Segundo afirma, a Comissão não analisou atentamente as provas apresentadas durante o procedimento administrativo, tendo‑se limitado a refutar todos os argumentos com base em preconceitos. Em primeiro lugar, a afirmação de que é inverosímil que uma sociedade‑mãe delegue inteiramente a gestão de uma filial não tem fundamento. Com efeito, tal como a Transcatab demonstrou durante o procedimento administrativo, a estrutura ramificada do grupo impede uma gestão única. Em segundo lugar, a Comissão aplicou a presunção da influência determinante mesmo relativamente ao período em que a SCC apenas detinha 50% do capital da Transcatab, embora esta e a SCC tenham provado que o conselho de administração e o director‑geral da Transcatab, a quem tinham sido confiados todos os poderes de gestão da sociedade, foram nomeados antes de a SCC obter o controlo exclusivo daquela. Em terceiro lugar, o facto de certos documentos estarem redigidos em inglês não basta para provar a influência da sociedade‑mãe na gestão da actividade comercial da Transcatab. Em conclusão, teria sido erradamente que a Comissão rejeitou as provas produzidas, sem fundamentar suficientemente ou de forma lógica essa rejeição e sem confrontar essas provas com outros documentos de valor probatório pelo menos equivalente. Deste modo, a Comissão não respeitou a sua obrigação de instrução imparcial do processo.

86      Em terceiro lugar, a Comissão não respeitou os direitos de defesa da Alliance One, na medida em que, na decisão impugnada, utilizou documentos do processo que não tinham sido mencionados na comunicação de acusações, impedindo assim a SCC de se pronunciar sobre eles e violando, desse modo, as legítimas expectativas do seu sucessor jurídico, a Alliance One. A Transcatab reconhece tratar‑se de documentos conhecidos das partes. Todavia, como esses documentos não foram mencionados na comunicação de acusações, as partes podiam legitimamente considerar que não tinham importância para o processo e que, portanto, não era necessário exprimir a sua opinião sobre eles. Na réplica e na audiência, a Transcatab afirmou que alegava ter havido violação dos seus próprios direitos de defesa.

87      A Comissão pede que os argumentos da Transcatab sejam julgados improcedentes. No que diz respeito, nomeadamente, à acusação relativa à violação dos direitos de defesa da Alliance One, a Comissão tem dúvidas quanto à sua admissibilidade, na medida em que a Transcatab não alega a violação dos seus próprios direitos, mas dos de outrem. O alargamento da acusação aos direitos de defesa da Transcatab é extemporâneo e, por conseguinte, inadmissível.

 Apreciação do Tribunal

–       Quanto à violação das regras que regem a imputabilidade das práticas da filial à respectiva sociedade‑mãe

88      Quanto à primeira acusação da Transcatab, recorde‑se que o direito da concorrência visa as actividades das empresas (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑123, n.° 59) e que o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma actividade económica, independentemente do estatuto jurídico dessa entidade e do seu modo de financiamento (acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑5425, n.° 112, e de 10 de Setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑97/08 P, Colect., p. I‑8237, n.° 54).

89      Decorre da jurisprudência que o conceito de empresa, inserido nesse contexto, deve ser entendido como designando uma unidade económica mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou colectivas (acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2006, Confederación Española de Empresarios de Estaciones de Servicio, C‑217/05, Colect., p. I‑11987, n.° 40, e Akzo Nobel e o./Comissão, n.° 88 supra, n.° 55; acórdão do Tribunal Geral de 15 de Setembro de 2005, DaimlerChrysler/Comissão, T‑325/01, Colect., p. II‑3319, n.° 85).

90      Quando uma tal entidade económica infringe as regras da concorrência, deve, de acordo com o princípio da responsabilidade pessoal, responder por essa infracção (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C‑49/92 P, Colect., p. I‑4125, n.° 145; de 11 de Dezembro de 2007, ETI e o., C‑280/06, Colect., p. I‑10893, n.° 39, e Akzo Nobel e o./Comissão, n.° 88 supra, n.° 56).

91      A violação do direito da concorrência deve ser imputada inequivocamente a um sujeito de direito a quem possam ser aplicadas coimas. Para efeitos da aplicação e execução das decisões da Comissão em matéria de direito da concorrência, é, com efeito, necessário identificar, como destinatária, uma entidade dotada de personalidade jurídica (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 20 de Abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, dito «PVC II», T‑305/94 a T‑307/94, T‑313/94 a T‑316/94, T‑318/94, T‑325/94, T‑328/94, T‑329/94 e T‑335/94, Colect., p. II‑931, n.° 978).

92      Resulta de jurisprudência assente que o comportamento de uma filial pode ser imputado à sociedade‑mãe designadamente quando, apesar de ter uma personalidade jurídica distinta, essa filial não determinar de forma autónoma o seu comportamento no mercado, mas aplicar no essencial as instruções que lhe são dadas pela sociedade‑mãe, atendendo em particular aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem essas duas entidades jurídicas (v. acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, n.° 88 supra, n.° 58 e jurisprudência aí indicada).

93      Com efeito, numa situação como essa, como a sociedade‑mãe e a sua filial fazem parte da mesma unidade económica e, portanto, constituem uma única empresa, na acepção do artigo 81.° CE, a Comissão pode tomar uma decisão que impõe coimas à sociedade‑mãe sem necessitar de demonstrar o envolvimento pessoal desta na infracção (v., neste sentido, acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, n.° 88 supra, n.° 59).

94      Decorre igualmente da jurisprudência que, no caso particular de uma sociedade‑mãe que detém 100% do capital da sua filial que cometeu uma infracção às regras da concorrência, essa sociedade‑mãe pode exercer uma influência decisiva no comportamento dessa filial e existe uma presunção ilidível de que a referida sociedade‑mãe exerce efectivamente uma tal influência (v. acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, n.° 88 supra, n.° 60 e jurisprudência aí indicada).

95      Nestas condições, basta que a Comissão prove que a totalidade do capital de uma filial é detida pela sua sociedade‑mãe para poder presumir que esta exerce uma influência decisiva na política comercial daquela. A Comissão pode, em seguida, considerar que a sociedade‑mãe é solidariamente responsável pelo pagamento da coima aplicada à sua filial, a menos que essa sociedade‑mãe, a quem cabe ilidir essa presunção, apresente elementos de prova suficientes susceptíveis de demonstrar que a sua filial se comporta autonomamente no mercado (v., neste sentido, acórdão de 16 de Novembro de 2000, Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão, C‑286/98 P, Colect., p. I‑9925, n.° 29, e acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, n.° 88 supra, n.° 61).

96      Apesar de o Tribunal de Justiça ter evocado nos n.os 28 e 29 do acórdão Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão, n.° 95 supra, para além da detenção de 100% do capital da filial, outras circunstâncias, como a não contestação da influência exercida pela sociedade‑mãe na política comercial da sua filial e a representação comum das duas sociedades durante o procedimento administrativo, não é menos verdade que tais circunstâncias foram referidas pelo Tribunal de Justiça apenas com o objectivo de expor todos os elementos nos quais o Tribunal Geral tinha baseado o seu raciocínio e não para subordinar a aplicação da presunção mencionada no n.° 94 supra à apresentação de indícios suplementares do exercício efectivo de uma influência pela sociedade‑mãe (v. acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, n.° 88 supra, n.° 62 e jurisprudência aí indicada; acórdão do Tribunal Geral de 8 de Outubro de 2008, Schunk e Schunk Kohlenstoff‑Technik/Comissão, T‑69/04, Colect., p. II‑2567, n.° 57).

97      Decorre da decisão impugnada que, para imputar a uma sociedade‑mãe a responsabilidade pela infracção cometida pela sua filial, a Comissão partiu da premissa de que essa imputação é possível quando a sociedade‑mãe e a sua filial fazem parte da mesma unidade económica e constituem, por conseguinte, uma única empresa na acepção do artigo 81.° CE (considerando 325 da decisão impugnada).

98      O elemento central em que a Comissão se baseou para concluir que se podia imputar à sociedade‑mãe o comportamento ilícito da sua filial foi a falta de autonomia desta no que respeita ao seu comportamento no mercado. Com efeito, esta falta de autonomia constituiu o corolário do exercício de uma «influência decisiva» da sociedade‑mãe no comportamento da sua filial, podendo o exercício efectivo dessa influência ser presumido, de acordo com a jurisprudência, no caso de a sociedade‑mãe deter a totalidade do capital da sua filial (v. considerandos 329 e 330 da decisão impugnada).

99      Assim, no considerando 331 da decisão impugnada, a Comissão considerou que, no presente caso, a Transcatab «não dispunha de autonomia», já que era controlada a 100% pela sua sociedade‑mãe, a SCC.

100    Contrariamente ao que a Transcatab defende na réplica, ou seja, que no caso em apreço a Comissão transformou uma presunção juris tantum numa presunção juris et de jure, este entendimento não se afasta da lógica de uma presunção ilidível. Assim, como no caso de outras presunções admitidas em direito da concorrência, quando a Comissão possa licitamente presumir um facto, esse facto considera‑se provado desde que a empresa em causa não afaste a presunção apresentando provas conclusivas em sentido contrário (acórdãos do Tribunal de Justiça Comissão/Anic Partecipazione, n.° 90 supra, n.os 121 e 126, e de 8 de Julho de 1999, Hüls/Comissão, C‑199/92 P, Colect., p. I‑4287, n.os 162 e 167). Além disso, atendendo à sua natureza ilidível, a referida presunção, que pode ser sempre contrariada, não leva à imputação automática da responsabilidade à sociedade‑mãe que detém a totalidade do capital social da filial, o que seria contrário ao princípio da intransmissibilidade da responsabilidade em que assenta o direito da concorrência.

101    A Comissão não violou, assim, as regras aplicáveis à imputabilidade do comportamento de uma filial à sua sociedade‑mãe ao considerar no essencial a SCC, cujo sucessor jurídico é a Alliance One, responsável pela infracção cometida pela Transcatab.

102    Cabe pois observar que essa conclusão não é posta em causa pelos argumentos que a Transcatab apresentou em resposta à questão que, por escrito, o Tribunal Geral lhe colocou a propósito das consequências a retirar do acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, n.° 88 supra. Segundo afirma, em primeiro lugar, esse acórdão forneceu uma interpretação incorrecta da jurisprudência anterior, nomeadamente do acórdão Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão, n.° 95 supra, e, em qualquer caso, a jurisprudência não é unívoca a esse respeito. Em segundo lugar, o quadro factual do processo que esteve na origem desse acórdão é diferente do quadro factual do presente processo, uma vez que estavam envolvidas várias filiais no cartel e, por conseguinte, era mais difícil provar que a sociedade‑mãe não tinha conhecimento das actividades anticoncorrenciais. Ora, quanto ao primeiro argumento, basta observar que decorre do acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, n.° 88 supra (v. igualmente, neste sentido, as conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo em que foi proferido esse acórdão, Colect., p. I‑8241, n.os 60 e 61), que o Tribunal de Justiça não só teve em conta a jurisprudência em que a Transcatab baseia grande parte da sua argumentação principal, nomeadamente o acórdão Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão, n.° 95 supra, como também fez uma interpretação unívoca da jurisprudência anterior (acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, n.° 88 supra, n.os 58 a 62). Quanto ao segundo argumento, basta referir que a alegada diferença entre os dois processos é absolutamente irrelevante, já que o critério de imputabilidade da responsabilidade no processo em que foi proferido o acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, n.° 88 supra, não era, de todo, o do conhecimento directo ou indirecto, por parte da sociedade‑mãe, das actividades da filial ou filiais. Em todo o caso, como a Comissão correctamente refere, nesse acórdão, esse elemento não foi, de modo algum, tido em consideração.

–       Quanto à não consideração dos elementos de prova apresentados para ilidir a presunção

103    Como referido nos n.os 94 e 95 supra, quando a totalidade do capital de uma filial está na posse da sua sociedade‑mãe, a Comissão pode presumir que esta última exerce uma influência determinante no comportamento da sua filial, sem estar obrigada a produzir provas suplementares do exercício efectivo dessa influência pela sociedade‑mãe ou mesmo de que esta conhecia de alguma forma a infracção ou o envolvimento dessa filial nessa infracção. Trata‑se de uma presunção ilidível, que pode ser afastada através de prova em contrário. Assim, contrariamente ao que a Transcatab defende, cabia à SCC – a qual no período em que decorreu a infracção possuía 100% do capital da Transcatab (v. considerando 336 da decisão impugnada) – ilidir essa presunção por meio de elementos de prova susceptíveis de demonstrar que a sua filial definia autonomamente a sua linha de acção no mercado e que essas duas sociedades não constituíam, portanto, uma entidade económica única. Se não o fizer, o exercício do controlo fica provado pelo facto de não ter sido ilidida a presunção decorrente da detenção da totalidade do capital (v., neste sentido, acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, n.° 88 supra, n.os 60 a 62 e jurisprudência aí indicada, e acórdão do Tribunal Geral de 30 de Setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão, T‑175/05, não publicado na Colectânea, n.° 93).

104    No presente caso, a Comissão consagrou os considerandos 335 a 344 da decisão impugnada à análise dos argumentos e dos elementos de prova produzidos pela SCC na sua resposta à comunicação de acusações com vista a provar o não exercício de uma influência determinante na política comercial da Transcatab e não os considerou susceptíveis de ilidir a presunção.

105    Observe‑se que, na petição, a Transcatab limita‑se a afirmar, sem de forma alguma fundamentar as suas alegações, que a SCC provou na fase administrativa que a sua estrutura era descentralizada, com uma direcção local própria e totalmente independente, na qual tinham sido delegadas todas as funções, atentas precisamente as particularidades do mercado italiano do tabaco em rama, e que os membros do seu conselho de administração e o seu director‑geral eram autónomos e não tinham qualquer ligação directa ou indirecta à SCC. Todavia, a Transcatab nunca identificou os eventuais erros cometidos pela Comissão na decisão impugnada no que diz respeito à apreciação desses elementos de prova. Só na réplica, em resposta a certos argumentos da Comissão, é que a Transcatab apresenta alguns argumentos com vista a criticar indirectamente a decisão impugnada.

106    Em todo o caso, importa salientar, desde logo, que, como a Comissão correctamente declarou no considerando 338 da decisão impugnada, o facto de uma filial dispor da sua própria direcção local e dos seus próprios meios não prova, por si só, que defina o seu comportamento no mercado de forma autónoma relativamente à sua sociedade‑mãe. O facto de confiar a gestão das actividades correntes à direcção local de uma filial a 100% é, de facto, uma prática comum e, por isso, não serve para provar a autonomia real das filiais. O mesmo se passa com o argumento relativo às pretensas características do mercado italiano do tabaco em rama, uma vez que essas características não impedem uma sociedade‑mãe de controlar plena e efectivamente a sua filial.

107    Importa, além disso, observar que, nos considerandos 341 e 342 da decisão impugnada, a Comissão precisou, por um lado, que antes de adquirir a totalidade do capital da Transcatab, a SCC já controlava essa sociedade com o seu parceiro italiano e que o facto de, após ter adquirido esse controlo, nada ter mudado na direcção desta não pode ser considerado uma prova de que não exerceu qualquer influência sobre a sua filial depois de a ter adquirido na sua totalidade. A Comissão salientou, por outro lado, que a delegação de competências executivas no director‑geral da Transcatab, que, na falta de prova em contrário, se pode razoavelmente supor ter sido nomeado pela SCC, não tinha impedido os outros membros do conselho de administração de ocuparem e exercerem postos e funções executivas.

108    Ora, importa observar que foi correctamente que a Comissão considerou, por falta de explicações da SCC, ser significativo o facto de esta, que tinha todos poderes quando se tornou na única accionista para renovar total ou parcialmente o conselho de administração, não ter tomado qualquer medida nesse sentido. Daqui decorre que a manutenção em funções dos membros do conselho de administração e, em especial, do director‑geral só pode resultar de uma decisão da SCC, enquanto accionista única da Transcatab.

109    Além disso, o facto de uma só pessoa, ou seja, o director‑geral, dispor de poderes importantes que lhe foram delegados pelo conselho de administração podia, pelo contrário, depor em favor da vontade da sociedade‑mãe de simplificar o exercício do seu controlo sobre a sua filial, precisamente limitando o papel do conselho de administração a actividades marginais e concentrando todos os poderes nas mãos de um «homem de confiança». Com efeito, não é plausível que uma sociedade multinacional delegue todos os poderes de uma filial que opera num mercado nacional, como é o caso da Transcatab, ou mesmo aceite uma delegação de competências anterior à aquisição do controlo total, numa pessoa singular que, por seu turno, com total autonomia e sem que tenha sido designada pela única accionista, escolhe os membros do conselho de administração, privando todos os outros de qualquer influência na gestão da sociedade, e que, de facto, não presta contas dos seus actos a ninguém.

110    Deste modo, e tendo igualmente em conta o facto de uma delegação de competências no director‑geral de uma filial não ser de forma alguma pouco comum, esse argumento não é susceptível de ilidir a presunção do controlo exercido na Transcatab pela sociedade‑mãe.

111    No que diz respeito, em seguida, ao argumento que põe em causa a pretensa dedução que a Comissão teria feito do facto de certos documentos estarem redigidos em inglês, basta referir que, ao contrário do que a Transcatab alega, esses documentos, mencionados nos considerandos 343 a 346 da decisão impugnada, não tinham por objectivo provar que as sociedades‑mãe podiam influenciar ou influenciaram efectivamente o comportamento das suas filiais italianas, nem muito menos provar que as sociedades‑mãe tinham conhecimento do cartel em causa. Pelo contrário, a Comissão limitou‑se a utilizar certos documentos do processo administrativo para demonstrar o nível de credibilidade dos elementos de prova e dos argumentos aduzidos pela SCC na sua resposta à comunicação de acusações para ilidir a presunção da existência de uma influência determinante sobre a Transcatab.

112    Por fim, importa observar que, contrariamente ao que a Transcatab alega na réplica, da decisão impugnada de modo algum decorre que a presunção de influência determinante só pode ser ilidida se a participação da sociedade‑mãe for exclusivamente financeira.

113    Conclui‑se que a acusação relativa à não consideração dos elementos de prova produzidos para ilidir a presunção deve ser julgada improcedente.

–       Quanto à violação dos direitos de defesa

114    Quanto à terceira acusação da Transcatab, cabe recordar que o respeito dos direitos de defesa na condução dos procedimentos administrativos em matéria de política de concorrência constitui um princípio geral do direito da União Europeia cujo respeito é assegurado pelos órgãos jurisdicionais da União Europeia (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Setembro de 2009, Prym e Prym Consumer/Comissão, C‑534/07 P, Colect. p. I‑7415, n.° 26 e jurisprudência aí indicada).

115    Segundo jurisprudência constante, o respeito dos direitos de defesa exige que a empresa interessada tenha podido, durante o procedimento administrativo, dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos e das circunstâncias alegados, bem como sobre os documentos considerados pela Comissão em apoio da sua alegação da existência de uma infracção ao Tratado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 10, e de 6 de Abril de 1995, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, C‑310/93 P, Colect., p. I‑865, n.° 21).

116    O artigo 27.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003 reflecte este princípio na medida em que prevê o envio às partes de uma comunicação das acusações que deve especificar, de maneira clara, todos os elementos essenciais em que a Comissão se baseia nessa fase do procedimento (v., neste sentido, acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 88 supra, n.° 67), para permitir que os interessados tomem efectivamente conhecimento dos comportamentos que lhes são imputados pela Comissão e se defendam utilmente antes de esta tomar uma decisão definitiva. Esta exigência é respeitada desde que a referida decisão não impute aos interessados infracções diferentes das referidas na comunicação de acusações e apenas considere factos sobre os quais os interessados tiveram oportunidade de se pronunciar (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 19 de Março de 2003, CMA CGM e o./Comissão, T‑213/00, Colect., p. II‑913, n.° 109 e jurisprudência aí indicada).

117    Todavia, essa indicação pode ser sumária e a decisão não tem necessariamente de constituir uma cópia da comunicação de acusações (v., neste sentido, o acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, n.° 115 supra, n.° 14), uma vez que essa comunicação constitui um documento preparatório cujas apreciações de facto e de direito têm carácter puramente provisório (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 1987, British American Tobacco e Reynolds Industries/Comissão, 142/84 e 156/84, Colect., p. 4487, n.° 70). São, assim, admissíveis aditamentos à comunicação de acusações efectuados à luz da resposta das partes, cujos argumentos demonstram que efectivamente tiveram a possibilidade de exercer o seu direito de defesa. A Comissão pode também, perante o procedimento administrativo, rever ou acrescentar argumentos de facto ou de direito em apoio das objecções que formulou (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 28 de Fevereiro de 2002, Compagnie générale maritime e o./Comissão, T‑86/95, Colect., p. II‑1011, n.° 448, e de 22 de Outubro de 2002, Schneider Electric/Comissão, T‑310/01, Colect., p. II‑4071, n.° 438).

118    Além disso, o Tribunal de Justiça precisou que a consideração de um argumento apresentado por uma empresa no decurso do procedimento administrativo, sem que essa empresa tenha podido exprimir‑se a esse respeito antes da adopção da decisão final, não pode constituir, como tal, violação dos direitos de defesa (despacho do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 2001, Irish Sugar/Comissão, C‑497/99 P, Colect., p. I‑5333, n.° 24).

119    Por fim, cabe também recordar que, de acordo com a jurisprudência, verifica‑se uma violação dos direitos de defesa quando existe uma possibilidade de, devido a uma irregularidade cometida pela Comissão, o procedimento administrativo por ela iniciado ter podido chegar a um resultado diferente. Uma empresa recorrente demonstra que ocorreu uma violação desse tipo quando apresenta prova bastante, não de que a decisão da Comissão teria um conteúdo diferente mas sim de que poderia ter garantido melhor a sua defesa se a irregularidade não tivesse existido, porque, por exemplo, poderia ter utilizado em sua defesa documentos cujo acesso lhe foi recusado no procedimento administrativo (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Outubro de 2003, Thyssen Stahl/Comissão, C‑194/99 P, Colect., p. I‑10821, n.° 31 e jurisprudência aí indicada, e de 1 de Julho de 2010, Knauf Gips/Comissão, C‑407/08 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 28).

120    No presente processo, importa observar que, na comunicação de acusações, a Comissão, para justificar a imputação à SCC da responsabilidade pela infracção ao direito dos cartéis cometida pela Transcatab de que possuía 100% do capital, podia em princípio e à luz dos princípios jurisprudenciais referidos nos n.os 94 a 96 supra, limitar‑se a determinar qual era a repartição do capital entre filiais e sociedades‑mãe (v. n.os 336 a 338 da comunicação de acusações). De acordo com esses princípios jurisprudenciais, na sua decisão final, a Comissão estava assim obrigada a tomar posição sobre os argumentos apresentados pelas partes em resposta à referida comunicação (v. considerandos 335 e seguintes da decisão impugnada) com vista a ilidir a presunção em causa.

121    Além disso, quanto à alegação da Transcatab segundo a qual, na decisão impugnada, a Comissão utilizou documentos não mencionados na comunicação de acusações, cabe salientar que é só no quadro da apreciação dos argumentos e elementos de prova apresentados pelas partes durante o procedimento administrativo que a Comissão aborda efectivamente, nos considerandos 335 a 344 da decisão impugnada, certos aspectos e documentos específicos relativos às relações entre a SCC e a Transcatab e, nesse quadro, refere‑se a documentos que constam do processo administrativo. A consideração destes aspectos e documentos não era assim susceptível de afectar a eficácia do exercício dos direitos de defesa da Transcatab, tanto mais que esta tinha acesso a esses documentos – que, de resto, já estavam na sua posse – durante o procedimento administrativo.

122    Resulta ainda dos autos que tanto a SCC como a Transcatab tiveram a possibilidade de responder à acusação expressamente feita na comunicação de acusações que lhes foi enviada e de se defenderem quando foram ouvidas pelo auditor. O princípio do contraditório foi, por conseguinte, respeitado durante a fase administrativa.

123    Em todo o caso, importa igualmente recordar que, como o Tribunal de Justiça já referiu, uma vez que a Comissão não é obrigada, no que respeita à imputabilidade da infracção, a apresentar, na fase da comunicação das acusações, outros elementos para além da prova da detenção pela sociedade‑mãe do capital das suas filiais, o argumento das recorrentes relativo à violação dos direitos de defesa não pode ser acolhido (v., neste sentido, acórdão de 10 de Setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão, n.° 88 supra, n.° 64).

124    Cabe, assim, julgar improcedente a acusação relativa à violação dos direitos de defesa sem que seja necessário apreciar a questão da admissibilidade suscitada pela Comissão.

125    Em conclusão, à luz do que precede, a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada integralmente improcedente.

 Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa à violação do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003

 Argumentos das partes

126    A Transcatab sustenta que, pelo facto de ter responsabilizado a Alliance One pelas infracções em causa, a Comissão aplicou‑lhe uma coima que ultrapassa o limite máximo de 10% do seu volume de negócios no exercício anterior à adopção da decisão impugnada, previsto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003. Com efeito, a coima que lhe foi aplicada corresponde a cerca de 43% do seu volume de negócios.

127    Quanto ao resto, a Transcatab remete para os argumentos apresentados pela Alliance One no seu recurso (processo T‑25/06), de que junta cópia.

128    A Comissão entende que os argumentos da Transcatab não podem ser acolhidos.

 Apreciação do Tribunal

129    Importa, em primeiro lugar, observar que esta parte do fundamento está estreitamente relacionada com a sua primeira parte, porquanto a improcedência desta última afecta necessariamente a procedência da presente. Por conseguinte, atendendo às considerações que levaram à improcedência da primeira parte do presente fundamento, importa concluir que a Comissão não incorreu em erro ao atender ao volume de negócios consolidado da SCC como referência para o cálculo do limite de 10% do volume de negócios previsto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 (v., neste sentido, acórdão de 30 de Setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão, n.° 103 supra, n.° 114).

130    Com efeito, este limite deve ser calculado com base no volume de negócios realizado pelo conjunto das empresas que compõem a entidade económica que age como empresa na acepção do artigo 81.°, CE, já que apenas o volume de negócios cumulado das sociedades componentes pode constituir uma indicação da dimensão e do poder económico da empresa em questão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 20 de Março de 2002, HFB e o./Comissão, T‑9/99, Colect., p. II‑1487, n.os 528 e 529, e de 30 de Setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão, n.° 103 supra, n.° 114).

131    Em segundo lugar, quanto à remissão geral que a Transcatab faz para os argumentos desenvolvidos no recurso apresentado pela sua sociedade‑mãe, a Alliance One, cabe salientar que essa remissão, que apenas se refere ao documento anexo de uma forma geral e não permite ao Tribunal identificar com precisão os argumentos que poderia considerar serem o complemento dos fundamentos aduzidos nos articulados, deve ser julgada inadmissível.

132    Com efeito, importa recordar que, nos termos do artigo 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo, a petição deve conter o objecto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos do pedido. De acordo com jurisprudência assente, para que uma acção seja admissível, é necessário que os elementos essenciais de facto e de direito em que esta se baseia resultem, pelo menos sumariamente, mas de um modo coerente e compreensível, do texto da própria petição. Ainda que o corpo da petição possa ser alicerçado e completado, em pontos específicos, através de remissões para determinadas passagens de documentos que a ela foram anexados, uma remissão global para outras peças escritas, mesmo anexadas à petição, não pode suprir a ausência dos elementos essenciais da argumentação jurídica, os quais, por força das disposições atrás recordadas, devem constar da petição. Além disso, não compete ao Tribunal procurar e identificar, nos anexos, os elementos que possa considerar constituírem o fundamento do recurso, uma vez que os anexos têm uma função puramente probatória e instrumental (acórdãos do Tribunal Geral de 14 de Dezembro de 2005, Honeywell/Comissão, T‑209/01, Colect., p. II‑5527, n.os 56 e 57, e de 17 de Setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, Colect., p. II‑3601, n.° 94 e jurisprudência aí indicada).

133    Por conseguinte, também a segunda parte do primeiro fundamento não pode ser acolhida, em parte por ser improcedente e em parte por ser inadmissível.

134    Tendo em conta as considerações anteriores, o primeiro fundamento deve ser julgado totalmente improcedente.

2.     Quanto ao segundo fundamento, relativo à fixação do montante de partida da coima

 Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa à gravidade da infracção

135    No quadro da primeira parte do segundo fundamento, a Transcatab tece várias críticas no que respeita à qualificação da infracção como «muito grave» na decisão impugnada.

136    A título preliminar, cabe recordar os princípios gerais que regem a determinação do montante das coimas e, mais particularmente, a apreciação da gravidade da infracção.

137    O artigo 81.°, n.° 1, alíneas a) e b), CE declara expressamente incompatíveis com o mercado comum os acordos e as práticas concertadas que consistam em fixar, de forma directa ou indirecta, os preços de compra ou de venda, ou quaisquer outras condições de transacção ou em limitar ou controlar a produção ou a distribuição. As infracções deste tipo, nomeadamente quando se trata de acordos horizontais, são qualificadas pela jurisprudência como particularmente graves quando comportam uma intervenção directa nos parâmetros essenciais da concorrência no mercado em causa (acórdão do Tribunal Geral de 11 de Março de 1999, Thyssen Stahl/Comissão, T‑141/94, Colect., p. II‑347, n.° 675), ou como infracções manifestas às regras comunitárias da concorrência (acórdãos do Tribunal Geral de 6 de Abril de 1995, Tréfilunion/Comissão, T‑148/89, Colect., p. II‑1063 , n.° 109, e de 14 de Maio de 1998, BPB de Eendracht/Comissão, T‑311/94, Colect., p. II‑1129, n.° 303).

138    Nos termos do artigo 23.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003, para determinar o montante da coima a aplicar em caso de violação do artigo 81.°, n.° 1, CE importa ter em conta, para além da gravidade da infracção, a sua duração.

139    Constitui jurisprudência assente que a gravidade das infracções ao direito da concorrência deve ser determinada em função de um grande número de elementos, como as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (acórdãos do Tribunal de Justiça Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 88 supra, n.° 241; Prym e Prym Consumer/Comissão, n.° 114 supra, n.° 54, e de 24 de Setembro de 2009, Erste Group Bank e o./Comissão, C‑125/07 P, C‑133/07 P, C‑135/07 P e C‑137/07 P, Colect., p. I‑8681, n.° 91).

140    Para garantir a transparência e o carácter objectivo das suas decisões que aplicam coimas por violação das regras da concorrência, a Comissão adoptou as orientações (primeiro parágrafo das orientações).

141    As orientações são um instrumento destinado a precisar, no respeito da hierarquia das normas, os critérios que a Comissão pensa aplicar no quadro do exercício do poder de apreciação na fixação das coimas que o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 lhe confere. As orientações não constituem o fundamento jurídico de uma decisão que aplica coimas, baseando‑se esta no Regulamento n.° 1/2003, mas determinam, de maneira geral e abstracta, a metodologia que a Comissão se impôs a si própria para efeitos da fixação do montante das coimas aplicadas por esta decisão e asseguram, por conseguinte, a segurança jurídica das empresas (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 88 supra, n.os 209 a 213, e acórdão do Tribunal Geral de 14 de Dezembro de 2006, Raiffeisen Zentralbank Österreich e o./Comissão, T‑259/02 a T‑264/02 e T‑271/02, Colect., p. II‑5169, n.os 219 e 223).

142    Assim, as orientações, embora não possam ser qualificadas de norma jurídica que, de qualquer forma, a administração está obrigada a observar, enunciam, no entanto, uma norma de conduta indicativa da prática a seguir, à qual a Administração não se pode furtar, num caso específico, sem apresentar razões (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 88 supra, n.os 209 e 210, e de 18 de Maio de 2006, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, C‑397/03 P, Colect., p. I‑4429, n.° 91).

143    A auto‑limitação do poder de apreciação da Comissão resultante da adopção das orientações não é, contudo, incompatível com a manutenção de uma margem de apreciação substancial pela Comissão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 8 de Julho de 2004, Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, T‑44/00, Colect., p. II‑2223, n.os 246, 274 e 275). Com efeito, o facto de a Comissão ter precisado através das orientações a sua abordagem quanto à avaliação da gravidade de uma infracção não impede que aprecie esta última globalmente em função de todas as circunstâncias pertinentes do caso, incluindo dos elementos que não são expressamente referidos nas orientações (acórdão Raiffeisen Zentralbank Österreich e o./Comissão, n.° 141 supra, n.° 237).

144    De acordo com o método definido nas orientações, a Comissão toma como ponto de partida para o cálculo do montante das coimas a aplicar às empresas em causa um montante determinado em função da gravidade «intrínseca» da infracção. A avaliação da referida gravidade deve ter em consideração o carácter da própria infracção, o seu impacto concreto no mercado quando este for quantificável e a dimensão do mercado geográfico de referência (ponto 1 A, primeiro parágrafo, das orientações).

145    Neste quadro, as infracções são classificadas em três categorias, a saber: as «infracções pouco graves», para as quais o montante das coimas previsto está compreendido entre 1 000 e 1 milhão de euros; as «infracções graves», para as quais o montante das coimas previsto está compreendido entre 1 milhão e 20 milhões de euros, e as «infracções muito graves», para as quais o montante das coimas previsto é superior a 20 milhões de euros (ponto 1 A, segundo parágrafo, primeiro a terceiro travessões, das orientações). No que respeita às infracções muito graves, a Comissão indica que se trata no essencial de restrições horizontais do tipo «cartel de preços» e quotas de repartição dos mercados, ou de outras práticas que afectam o bom funcionamento do mercado interno, tais como as destinadas a compartimentar os mercados nacionais, ou ainda abusos qualificados de posição dominante por parte de empresas em situação de quase monopólio (ponto 1 A, segundo parágrafo, terceiro travessão, das orientações).

146    Importa ainda sublinhar que os três aspectos da avaliação da gravidade da infracção, mencionados no n.° 144 supra, não têm o mesmo peso no âmbito do exame global. A natureza da infracção desempenha um papel fundamental, nomeadamente na qualificação das infracções «muito graves» (acórdão Erste Group Bank e o./Comissão, n.° 139 supra, n.° 101, e acórdão do Acórdão do Tribunal Geral de 28 de Abril de 2010, Gütermann e Zwicky/Comissão, T‑456/05 e T‑457/05, ainda não publicado na Colectânea, n.° 137).

147    Em contrapartida, nem o impacto concreto da infracção no mercado nem a dimensão do mercado geográfico constituem elementos necessários à qualificação da infracção como muito grave no caso de acordos horizontais que, como no caso ora em apreço, tenham por objecto a fixação de preços. Efectivamente, embora esses critérios sejam elementos a ter em conta na avaliação da gravidade da infracção, trata‑se de critérios entre outros na apreciação global da gravidade (v., neste sentido, acórdão Prym e Prym Consumer/Comissão, n.° 114 supra, n.os 74 e 81, e acórdãos do Tribunal Geral Raiffeisen Zentralbank Österreich e o./Comissão, n.° 141 supra, n.os 240 e 311, e de 8 de Outubro de 2008, Carbone‑Lorraine/Comissão, T‑73/04, Colect., p. II‑2661, n.° 91).

148    Deste modo, segundo jurisprudência agora também bem assente, resulta das orientações que os acordos horizontais que visam, nomeadamente, como no caso em apreço, a fixação de preços podem ser qualificados de «muito graves» apenas com base na sua própria natureza, não estando a Comissão obrigada a demonstrar a existência de um impacto concreto da infracção no mercado (acórdão Prym e Prym Consumer/Comissão, n.° 114 supra, n.° 75; v. igualmente, neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 27 de Julho de 2005, Brasserie nationale e o./Comissão, T‑49/02 a T‑51/02, Colect., p. II‑3033, n.° 178, e de 25 de Outubro de 2005, Groupe Danone/Comissão, T‑38/02, Colect., p. II‑4407, n.° 150) e sem que a extensão reduzida do mercado geográfico em causa impeça essa qualificação (v., neste sentido, acórdãos Erste Group Bank e o./Comissão, n.° 139 supra, n.° 103, e Carbone‑Lorraine/Comissão, n.° 147 supra, n.° 91).

149    Esta conclusão é corroborada pelo facto de, apesar de a descrição das infracções graves referir expressamente o impacto no mercado e os efeitos em amplas zonas do mercado comum, a descrição das infracções muito graves não mencionar qualquer exigência de impacto concreto no mercado nem de produção de efeitos numa zona geográfica particular (acórdão Gütermann e Zwicky/Comissão, n.° 146 supra, n.° 137; v. igualmente, neste sentido, acórdão Brasserie nationale e o./Comissão, n.° 148 supra , n.° 178).

150    Além disso, existe uma interdependência entre os três aspectos da avaliação da gravidade da infracção no sentido de que um grau elevado de gravidade relativamente a um ou a outro dos aspectos pode compensar a menor gravidade da infracção sob outros aspectos (acórdão Raiffeisen Zentrlbank Österreich e o./Comissão, n.° 141 supra, n.° 241).

151    No que diz respeito especificamente ao presente processo, decorre da decisão impugnada que a Comissão determinou o montante da coima aplicada aos vários destinatários com base no método geral a que se obrigou nas orientações, embora não se lhes refira expressamente na decisão.

 Argumentos das partes

152    Em primeiro lugar, a Transcatab alega que decorre do texto das orientações, como reproduzido no n.° 365 da decisão impugnada, que, para avaliar a gravidade da infracção, a Comissão é obrigada a atender a três critérios, a saber: o carácter da própria infracção, o seu impacto concreto no mercado quando quantificável e a dimensão do mercado geográfico em causa. Assim, a Comissão não podia qualificar o cartel de «muito grave» apenas com base no carácter da infracção, sem ter em conta os outros dois critérios.

153    Contudo, apesar do disposto nas orientações, a Comissão considerou a infracção em causa como «muito grave». Esta qualificação padece de um erro, na medida em que não tem em consideração a falta de impacto concreto da infracção no mercado nem a reduzida dimensão do mercado geográfico em causa. Se tivesse tido correctamente em conta os três critérios referidos, a Comissão qualificaria o cartel como uma infracção apenas «grave». Em casos anteriores, a Comissão qualificou como infracção grave cartéis de preços como o em apreço. Além disso, no presente processo, a Comissão não se baseou apenas, como afirma, no carácter da infracção para a qualificar de muito grave, antes tendo avaliado a gravidade da infracção tomando em consideração os três critérios acima referidos, tal como decorre dos considerandos 365 e 368 da decisão impugnada. O facto de a Comissão ter fixado a sanção abaixo do limiar mínimo de 20 milhões de euros previsto nas orientações não permite considerar que a Transcatab não tem interesse em apresentar o fundamento, já que esse limiar mais não representa do que uma indicação do montante mínimo das coimas que podem ser aplicadas.

154    Em segundo lugar, a Transcatab faz várias críticas a respeito especificamente da inexistência de efeitos do cartel no mercado. Com efeito, segundo a Transcatab, os acordos punidos pela decisão impugnada não tiveram qualquer impacto no mercado ou, pelo menos, não produziram os efeitos pretendidos. Assim, resulta de várias comparações de preços efectuadas pela Comissão na comunicação de acusações que os preços indicados pelas partes nos respectivos acordos nunca encontraram «reflexo» no mercado. A Transcatab apresenta vários exemplos concretos e vários dados que suportam as suas afirmações e alega igualmente que, caso o acordo tivesse produzido efeitos, teria havido uma diminuição e uma estabilização dos preços, o que não se verificou. Além disso, a própria decisão impugnada refere, nos considerandos 97 e seguintes, que os preços do tabaco em rama em Itália aumentaram entre 1990 e 2000 de uma forma que não se verificou em mais nenhum Estado‑Membro e que esses aumentos continuaram até 2002, ano em que os transformadores puseram fim aos seus acordos. Ademais, no processo em que foi proferida a Decisão C (2004) 4030 final da Comissão, de 20 de Outubro de 2004 , relativa a um processo nos termos do n.° 1 do artigo 81.° [CE] (Processo COMP/C.38.238/B.2 – Tabaco em rama – Espanha) (a seguir «processo Tabaco em rama – Espanha»), a Comissão considerou que o aumento dos preços do tabaco, mau grado a existência de um acordo entre os transformadores, provava que os acordos não tinham sido postos em prática. Além disso, na sua prática decisória anterior, a Comissão teve em conta a inexistência de impacto efectivo no mercado dos comportamentos considerados particularmente graves, para os qualificar de violações «graves» e não de «muito graves». A Comissão também afirmou erradamente e sem o fundamentar, no considerando 368 da decisão impugnada, que o cartel era susceptível de ter efeito no mercado a jusante da transformação e da venda do tabaco transformado. A jusante, o cartel poderia, quando muito, ter o efeito de diminuir os custos dos fabricantes de cigarros.

155    Além disso, a fundamentação da decisão impugnada relativamente ao impacto da infracção no mercado era ilógica na medida em que a Comissão defende que o cartel era susceptível de reduzir a produção global de tabaco em prejuízo dos consumidores (considerando 282 da decisão impugnada), quando o problema de fundo dos mercados europeu e italiano do tabaco era a produção excedentária de tabaco de má qualidade. A isto acresce que a Comissão não faz qualquer referência na comunicação de acusações ao facto de o cartel ter tido o efeito de diminuir a produção. Ao utilizar este argumento pela primeira vez na decisão impugnada, a Comissão violou os direitos de defesa da Transcatab, que não teve a possibilidade de lhe responder. A Comissão mencionou igualmente pela primeira vez na decisão impugnada o potencial efeito no mercado a jusante, violando desta forma e mais uma vez os seus direitos de defesa.

156    Em terceiro lugar, a Transcatab alega que o mercado geográfico afectado pelas infracções punidas na decisão impugnada tem uma dimensão particularmente reduzida, estando limitado a quatro regiões de Itália, como decorre do considerando 84 da decisão impugnada. Trata‑se, portanto, de um mercado geograficamente muito mais limitado do que o mercado nacional. A Comissão nunca atendeu a este elemento para determinar a gravidade da infracção. A decisão impugnada padece, deste modo, de uma clara falta de fundamentação a este respeito. Além disso, devido à prática decisória da Comissão, a infracção deveria ter sido considerada «grave» e não «muito grave». A isto acresce que na decisão relativa ao processo Tabaco em rama‑Espanha a Comissão teve em consideração, para efeitos da determinação da coima, a dimensão relativamente reduzida do mercado de produtos, que cobria apenas algumas regiões de Espanha.

157    A Comissão entende que os argumentos da Transcatab não podem ser acolhidos.

 Apreciação do Tribunal

158    Cabe, antes de mais, salientar que a Transcatab contesta formalmente o «montante de base» da coima, que corresponde, nos termos do ponto 1 B, quarto parágrafo, das orientações, à soma dos montantes fixados em função da gravidade e da duração da infracção. Todavia, decorre da sua argumentação que o montante da coima contestado é o determinado em função da gravidade da infracção, pelo que o montante de que se trata é o montante de partida da coima, como referido no considerando 376 da decisão impugnada (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 30 de Setembro de 2009, Hoechst/Comissão, T‑161/05, Colect., p. II‑3555, n.° 107).

–       Quanto à qualificação como infracção muito grave

159    No que diz respeito à acusação da Transcatab segundo a qual a Comissão teria cometido erros na qualificação da infracção como «muito grave», importa desde logo salientar que, como se recordou nos n.os 146 a 148 supra, decorre de jurisprudência constante que, entre os três critérios de avaliação da gravidade da infracção referidos nas orientações, o carácter da infracção desempenha um papel fulcral para efeitos da qualificação das infracções como muito graves. Assim, acordos ou práticas concertadas que têm por objecto a fixação de preços ou a repartição dos mercados podem, pela sua própria natureza, ser qualificados de «muito graves», sem que seja necessário caracterizar esses comportamentos com base num impacto concreto no mercado ou numa dimensão geográfica específicos.

160    No presente processo, quanto ao carácter da infracção em causa, cabe observar que esta tinha por objecto, nomeadamente, a fixação conjunta dos preços pagos pelos transformadores pelo tabaco em rama, bem como a repartição dos fornecedores e das quantidades de tabaco em rama. Essas práticas constituem restrições horizontais do tipo «cartel de preços» na acepção das orientações e correspondem, portanto, a violações «muito graves» por natureza. Os cartéis deste tipo são qualificados pela jurisprudência de infracções flagrantes às regras da concorrência ou de infracções particularmente graves quando comportam uma intervenção directa nos parâmetros essenciais da concorrência no mercado em causa (v. n.° 137 supra).

161    Daqui decorre que, no caso em apreço, a Comissão podia qualificar o cartel de infracção muito grave com base no carácter da própria infracção, independentemente do seu impacto concreto no mercado e da sua dimensão geográfica (v. a jurisprudência já mencionada nos n.os 146 a 149 supra, nomeadamente o acórdão Erste Group Bank e o./Comissão, n.° 139 supra, n.° 103).

162    Além disso, no que diz especificamente respeito às várias referências da Transcatab às decisões anteriores da Comissão, cabe recordar que a prática decisória da Comissão não serve, em si mesma, de quadro jurídico para as coimas em matéria de concorrência, pois este quadro apenas se encontra definido no Regulamento n.° 1/2003, conforme aplicado à luz das orientações, e a Comissão dispõe, no domínio da fixação do montante das coimas, de um amplo poder de apreciação e não está vinculada pelas apreciações que anteriormente fez (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Março de 2009, Archer Daniels Midland/Comissão, C‑510/06 P, Colect., p. I‑1843, n.° 82, e Erste Group Bank e o./Comissão, n.° 139 supra, n.° 123). Donde se conclui que as alegações da Transcatab relativas à prática decisória anterior da Comissão não podem vingar.

163    A isto acresce que nenhum dos argumentos apresentados pela Transcatab é susceptível de pôr em causa a qualificação do cartel como muito grave. É, portanto, com uma preocupação de exaustividade que se procederá à sua análise.

–       Quanto ao impacto concreto da infracção no mercado

164    Especificamente a respeito dos argumentos relativos a erros na determinação da gravidade da infracção, devido à alegada falta de impacto concreto da infracção no mercado, cabe observar que, ao contrário do que a Transcatab afirma, decorre da leitura da decisão impugnada que, embora no seu considerando 365 a Comissão, utilizando os termos das orientações, tenha partido do pressuposto de que para avaliar a gravidade da infracção deve considerar os três elementos mencionados no primeiro parágrafo do ponto 1 A das referidas orientações (v. n.° 144 supra), na verdade não baseou a apreciação da gravidade da infracção no seu impacto concreto no mercado.

165    Com efeito, a parte da decisão impugnada relativa à apreciação da gravidade da infracção (considerandos 365 a 369) não inclui qualquer análise do impacto concreto da infracção no mercado. Em particular, ao contrário do que a Transcatab defende, essa análise não consta do considerando 368 da decisão impugnada. Este considerando, que está estritamente relacionado com o considerando anterior relativo ao carácter da infracção, refere‑se genericamente à aptidão dos cartéis em matéria de aquisições, bem como ao caso típico dos «cartéis de venda», para afectarem a concorrência. A Comissão afirma aí que esse tipo de cartel é susceptível de alterar o comportamento concorrencial das empresas em causa, independentemente de serem produtores ou de exercerem actividades a jusante, na medida em que influencia um parâmetro essencial do comportamento concorrencial das empresas que operam no sector da transformação, ou seja, o preço de aquisição do produto a transformar. Seguidamente, no mesmo considerando, a Comissão afirma que essa aptidão para alterar a concorrência é ainda mais importante no caso de um produto como aquele que está em causa no presente processo.

166    Além disso, a parte da decisão impugnada relativa à análise da restrição da concorrência (considerandos 277 e seguintes), para a qual remete o considerando 368, também não contém uma análise do impacto concreto da infracção no mercado. Com efeito, ao contrário do que alega a Transcatab, nada indica que se poderia deduzir desta parte da decisão impugnada, que analisa o carácter restritivo da concorrência dos acordos entre os transformadores, que a Comissão se baseou no impacto concreto dos cartéis no mercado para determinar a gravidade da infracção para efeitos da fixação da coima.

167    É, de resto, no quadro das considerações relativas à aptidão do cartel de compra para influenciar os comportamentos dos transformadores que se inscreve a referência em termos bastante gerais aos possíveis efeitos nos mercados a jusante contestada pela Transcatab (v. n.° 154 supra, in fine). Ora, na medida em que o cartel determinava, nomeadamente, as quantidades de tabaco compradas por cada transformador, a Transcatab não podia alegar ser errada a afirmação de que o cartel tinha capacidade para afectar as actividades a jusante da transformação do tabaco e da venda do tabaco transformado. Com efeito, na medida em decidia as quantidades compradas do produto em bruto, o cartel era necessariamente susceptível de afectar os comportamentos dos transformadores a jusante a respeito do produto transformado. De resto, a Transcatab não apresentou qualquer argumento ou prova susceptível de pôr em causa esta afirmação. Além disso, importa salientar que não há qualquer referência, na decisão impugnada, a eventuais efeitos no preço dos cigarros para os consumidores finais, de forma que os argumentos apresentados a este respeito pela Transcatab devem ser julgados improcedentes.

168    A respeito especificamente dos dados apresentados pela Transcatab ou dos dados mencionados na decisão impugnada, que provam a inexistência de efeitos do cartel no mercado (v. n.° 154 supra), cabe salientar que decorre da jurisprudência que, para se apreciar a gravidade da infracção, é determinante saber se os membros do cartel fizeram tudo o que estava ao seu alcance para que as suas intenções tivessem um efeito concreto. O que sucedeu depois, ao nível dos preços de mercado efectivamente praticados, podia ser influenciado por outros factores fora do controlo dos membros do cartel, já que estes não podem, para tentar beneficiar de uma redução da coima, invocar factores externos que fizeram frente aos seus esforços (v. acórdãos Raiffeisen Zentralbank Österreich e o./Comissão, n.° 141 supra, n.° 287; Carbone‑Lorraine/Comissão, n.° 147 supra, n.° 86; e Gütermann e Zwicky/Comissão, n.° 146 supra, n.° 130 e jurisprudência aí indicada).

169    Além disso, de acordo com a jurisprudência, não se pode exigir da Comissão, quando estiver provada a efectividade de um cartel, que demonstre sistematicamente que os acordos permitiram efectivamente às empresas em causa atingir um nível de preços de transacção superior ou, como no presente processo, no caso de catréis de compra, inferior ao que se teria verificado na ausência do acordo. Seria desproporcionado exigir essa demonstração, que absorveria recursos consideráveis, pois exigiria que se procedesse a cálculos hipotéticos, baseados em modelos económicos cuja exactidão só dificilmente poderia ser verificada pelo tribunal e cuja infalibilidade não está de todo provada (v., neste sentido, acórdãos Raiffeisen Zentralbank Österreich e o./Comissão, n.° 141 supra, n.° 286; Carbone‑Lorraine/Comissão, n.° 147 supra, n.° 85, e Gütermann e Zwicky/Comissão, n.° 146 supra, n.° 129 e jurisprudência aí indicada).

170    No presente processo, a análise da parte da decisão impugnada relativa aos factos imputados revela que os transformadores puseram conscientemente em prática condutas anticoncorrenciais pelas quais foram punidos (v., a título de exemplo, considerandos 111, 124, 125, 141 e 158 da decisão impugnada). Esta consideração é, aliás, confirmada pelo facto de o cartel ser secreto, como decorre dos considerandos 363 e 473 da decisão impugnada. Por outro lado, segundo a decisão impugnada, os transformadores acordaram por diversas vezes medidas destinadas a assegurar a execução efectiva do cartel, tais como o envio recíproco de facturas dos respectivos fornecedores (considerandos 122 e 129 da decisão impugnada), a obrigação de consulta em caso de compras fora dos acordos (considerando 139 da decisão impugnada), obrigações de controlo dos empregados a fim de evitar que tomassem iniciativas sem a necessária coordenação (considerando 140 da decisão impugnada), a criação de uma estrutura para assegurar a concretização de objectivos anticoncorrenciais (considerando 187 da decisão impugnada). A este respeito, importa ainda salientar que decorre do considerando 383 da decisão impugnada que a Comissão fez prova de que o cartel foi posto em prática.

171    Nestas circunstâncias, devem ser julgadas improcedentes as alegações de erros da Comissão fundadas na não aplicação no mercado dos preços indicados pelas partes nos seus acordos e no facto de a Comissão dispor de dados que demonstram um aumento dos preços do tabaco em rama superior ao dos outros produtos agrícolas.

–       Quanto à dimensão geográfica do mercado

172    No que diz respeito ao argumento relativo à reduzida dimensão geográfica do mercado abrangido pela infracção, decorre da jurisprudência referida nos n.os 147 a 149 supra que a dimensão do mercado geográfico não é um critério autónomo, no sentido de que só infracções que afectassem a maioria dos Estados‑Membros poderiam ser qualificadas de «muito graves». Nem o Tratado, nem o Regulamento n.° 1/2003, nem as orientações, nem a jurisprudência permitem considerar que só as restrições da concorrência geograficamente muito extensas podem ser assim qualificadas. De resto, como foi recordado no n.° 148 supra, os acordos que, como no caso ora em apreço, têm nomeadamente por objecto a fixação dos preços de compra e a repartição das quantidades compradas podem, em virtude do seu carácter próprio, ser qualificados de infracção muito grave, sem que seja necessário caracterizar esses comportamentos com base numa dimensão geográfica específica. Conclui‑se que a dimensão do mercado geográfico em causa, ainda que reduzida, não impede que a infracção objecto do presente processo seja qualificada de «muito grave». Assim, dada a dimensão geográfica do mercado em causa, a Comissão não cometeu qualquer erro ao qualificar a infracção como «muito grave».

173    Para se ser exaustivo, cabe observar que, embora seja um facto que a produção de tabaco em rama estava concentrada em certas regiões de Itália, importa contudo observar que o cartel tinha por objecto o mercado da compra de tabaco em rama e não o da produção, pelo que o seu âmbito de aplicação não estava limitado a essas regiões, antes cobrindo todo o território italiano. Ora, de acordo com jurisprudência constante, o território de um Estado‑Membro corresponde a uma parte substancial do mercado comum (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1983, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 28; acórdão Danone/Comissão, n.° 148 supra, n.° 150). Deste modo, a Transcatab não pode alegar o facto de a dimensão geográfica do mercado afectado pela infracção ser limitada.

–       Quanto à violação da obrigação de fundamentação

174    No que diz respeito à alegada violação da obrigação de fundamentação, há que sublinhar que resulta de jurisprudência assente que a fundamentação de uma decisão individual deve deixar transparecer de forma clara e inequívoca a argumentação da instituição, autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente da sua redacção, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 63 e jurisprudência aí indicada).

175    No que diz respeito à fixação das coimas por violação do direito da concorrência, o dever de fundamentação encontra‑se cumprido quando a Comissão indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade da infracção e a sua duração (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, Colect., p. I‑8375, n.° 463 e jurisprudência aí indicada).

176    No caso ora em apreço, no que diz respeito à apreciação da gravidade da infracção, a Comissão indicou nos considerandos 365 a 369 da decisão impugnada as razões que a levaram a concluir que a infracção devia ser qualificada de muito grave. Como referido nos n.os 159 e seguintes supra, a Comissão baseou essa conclusão no carácter muito grave da infracção em causa.

177    Ora, importa salientar que, como o impacto concreto no mercado e a dimensão geográfica do mercado em causa não são elementos necessários à qualificação da infracção como muito grave no caso de acordos horizontais que visem, como no presente caso, a fixação dos preços, a Comissão não estava obrigada a fundamentar a não ponderação desses critérios. A este respeito, cabe recordar que, no quadro das análises atinentes às violações do artigo 81.° CE, o artigo 253.° CE não pode ser interpretado no sentido de obrigar a Comissão a explicar, nas suas decisões, as razões pelas quais, no que respeita ao cálculo do montante da coima, não adoptou perspectivas alternativas à que efectivamente adoptou na decisão impugnada (v. acórdão do Tribunal Geral de 19 de Maio de 2010, IMI e o./Comissão, T‑18/05, ainda não publicado na Colectânea, n.° 153 e jurisprudência aí indicada).

178    Nestas circunstâncias, a Comissão não desrespeitou a sua obrigação de fundamentação no que diz respeito ao impacto concreto da infracção no mercado ou à limitada dimensão do mercado geográfico.

179    Por fim, no que diz respeito especificamente à crítica da Transcatab relativa à fundamentação ilógica da decisão impugnada no que respeita à produção excedentária de tabaco (v. n.° 155 supra), importa observar que a existência de um excesso de produção não constitui necessariamente prova de que a aplicação do acordo destinado a reduzir essa produção não tenha produzido efeitos. De facto, não é possível excluir que, caso não existisse acordo, a produção de tabaco não fosse ainda maior. Ao contrário do que a Transcatab defende, não existe, portanto, contradição necessária entre a existência de um excesso de produção e a afirmação contida na decisão impugnada de que o acordo era susceptível de reduzir a produção global de tabaco. Assim, a Transcatab não pode alegar, com base nesse argumento, que, quanto a esse aspecto, a fundamentação da decisão impugnada era ilógica. Este argumento deve, por conseguinte, ser julgado improcedente.

–       Quanto às violações dos direitos de defesa

180    Sublinhe‑se que, segundo jurisprudência constante, desde que a Comissão indique expressamente, na comunicação de acusações, que vai examinar se devem aplicar‑se coimas às empresas envolvidas e que enuncie os principais elementos de facto e de direito susceptíveis de implicar uma coima, tais como a gravidade e a duração da suposta infracção e o facto de esta ter sido cometida deliberadamente ou por negligência, cumpre a sua obrigação de respeitar o direito das empresas a serem ouvidas. Ao fazê‑lo, dá‑lhes os elementos necessários para se defenderem não apenas contra uma declaração da existência da infracção mas igualmente contra o facto de lhes ser aplicada uma coima (acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, n.° 115 supra, n.° 21; acórdãos do Tribunal Geral de 20 de Março de 2002, LR AF 1998/Comissão, T‑23/99, Colect., p. II‑1705 n.° 199, e de 19 de Maio de 2010, Wieland‑Werke e o./Comissão, T‑11/05, Colect., p. II‑86, n.° 129).

181    Em contrapartida, a Comissão não é obrigada, quando tenha indicado os elementos de facto e de direito em que se propunha basear o cálculo do montante das coimas, a precisar o modo como utilizaria cada um desses elementos para determinar o nível da coima (acórdão Raiffeisen Zentralbank Österreich e o./Comissão, n.° 141 supra, n.° 369). Por outro lado, a Comissão pode também, perante o procedimento administrativo, rever ou acrescentar argumentos de facto ou de direito em apoio das objecções que formulou (v. acórdão Schneider Electric/Comissão, n.° 117 supra, n.° 438 e jurisprudência aí indicada).

182    Daí decorre que é através das suas observações sobre a duração, a gravidade e o carácter anticoncorrencial dos factos que lhes são imputados que os direitos da defesa das empresas em causa são garantidos perante a Comissão no que diz respeito à determinação do montante das coimas (acórdãos do Tribunal Geral de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, T‑83/91, Colect., p. II‑755, n.° 235; e Wieland‑Werke e o./Comissão, n.° 180 supra, n.° 131).

183    No caso vertente, há que observar que, no quadro do ponto II A da comunicação de acusações, a Comissão enunciou, de acordo com a jurisprudência, os principais elementos de facto e de direito susceptíveis de justificar a aplicação da coima à Transcatab. Em particular, a Comissão indicou aí os elementos de facto e de direito em que se baseou na decisão impugnada para calcular o montante de partida da coima aplicada à recorrente. A Transcatab teve a possibilidade de apresentar observações sobre estes elementos, pelo que se pode concluir que o seu direito a ser ouvida foi devidamente respeitado neste contexto. De resto, como foi referido no âmbito desta parte do fundamento em apreço, a Comissão, na decisão impugnada, não baseou a qualificação da infracção como muito grave nos efeitos concretos do cartel no mercado tanto no que diz respeito à diminuição da produção como no que diz respeito às actividades a jusante, antes a tendo baseado no carácter muito grave das infracções em causa.

184    À luz de tudo quanto precede, importa julgar integralmente improcedente a primeira parte do segundo fundamento.

 Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa à violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade de tratamento e da protecção das expectativas legítimas na fixação do montante de base da coima

 Argumentos das partes

185    Em primeiro lugar, a Transcatab alega que a Comissão violou o princípio da proporcionalidade ao aplicar‑lhe uma coima de 14 milhões de euros. Esta coima é desproporcionada tanto relativamente ao total das suas compras anuais no mercado de referência, que não chegou aos 13 milhões de euros, como ao valor total das compras de tabaco que constituem o objecto dos acordos, que não ultrapassou os 50 milhões de euros anuais. A Comissão, quando fixou a coima, deveria ter tido em consideração as dimensões particularmente reduzidas do mercado. Além disso, as novas orientações para o cálculo das coimas aplicadas nos termos do artigo 23.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2, a seguir «orientações de 2006») prevêem que o montante de base das coimas deve ser fixado com base no valor das vendas da empresa no mercado de referência do cartel.

186    Em segundo lugar, a Transcatab alega que a Comissão violou os princípios da igualdade de tratamento e da protecção das expectativas legítimas quando fixou o montante de base da coima. Sem qualquer justificação, tratou diferentemente o cartel em causa no presente processo e o que é objecto da decisão no processo Tabaco em rama – Espanha, embora os dois processos apresentassem semelhanças importantes no que diz respeito tanto ao objecto do cartel como à sua dimensão geográfica limitada.

187    A Comissão entende que os argumentos da Transcatab não podem ser acolhidos.

 Apreciação do Tribunal

–       Quanto à violação do princípio da proporcionalidade

188    Recorde-se que o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito comunitário, exige que os actos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do adequado e necessário à realização dos objectivos legitimamente prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo-se que, quando exista uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos rígida e os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objectivos pretendidos (acórdãos do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1998, Reino Unido/Comissão, C‑180/96, Colect., p. I‑2265, n.° 96, e acórdão do Tribunal Geral de 12 de Setembro de 2007, Prym e Prym Consumer/Comissão, T‑30/05, não publicado na Colectânea, n.° 223).

189    No quadro dos procedimentos iniciados pela Comissão para punir as violações às regras da concorrência, a aplicação desse princípio implica que as coimas não devem ser exageradas relativamente aos objectivos prosseguidos, ou seja, relativamente ao respeito dessas regras, e que o montante da coima aplicada a uma empresa por uma infracção em matéria de concorrência deve ser proporcional à infracção, apreciada no seu todo, tendo nomeadamente em conta a sua gravidade (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de 12 de Setembro de 2007, Prym e Prym Consumer/Comissão, já referido no n.° 188 supra, n.os 223 e 224 e jurisprudência aí indicada). Em particular, o princípio da proporcionalidade implica que a Comissão deve fixar a coima proporcionalmente aos elementos tidos em conta para apreciar a gravidade da infracção e que deve a este respeito aplicar esses elementos de forma coerente e objectivamente justificada (acórdãos do Tribunal Geral de 27 de Setembro de 2006, Jungbunzlauer/Comissão, T‑43/02, Colect., p. II‑3435, n.os 226 a 228, e de 28 de Abril de 2010, Amann & Söhne e Cousin Filterie/Comissão, T‑446/05, Colect., p. II‑1255, n.° 171).

190    No que diz respeito, em primeiro lugar, à acusação relativa ao carácter desproporcional da coima por referência ao valor total das compras no mercado em causa, cabe observar que não resulta nem do Regulamento n.° 1/2003 nem das orientações que o montante das coimas deve ser fixado directamente em função da dimensão do mercado em causa, que não é um elemento obrigatório, mas apenas um elemento pertinente entre outros para apreciar a gravidade da infracção (acórdãos do Tribunal de Justiça de 25 de Janeiro de 2007, Dalmine/Comissão, C‑407/04 P, Colect., p. I‑829, n.° 132, e de 3 de Setembro de 2009, Prym e Prym/Comissão, n.° 114 supra, n.° 55). Estas disposições não obrigam por si só a Comissão a que tenha em conta a dimensão limitada do mercado dos produtos (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 27 de Setembro de 2006, Roquette Frères/Comissão, T‑322/01, Colect., p. II‑3137, n.° 148)

191    Todavia, como se observou no n.° 139 supra, de acordo com a jurisprudência, gravidade das infracções ao direito da concorrência deve ser determinada em função de um grande número de elementos, como as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração quando da apreciação da gravidade de uma infracção, a Comissão tem de atender a um grande número de elementos cujo carácter e importância variam segundo o tipo de infracção em causa e as circunstâncias específicas da infracção. Entre esses elementos comprovativos da gravidade de uma infracção, poderá eventualmente figurar a dimensão do mercado do produto em causa (acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, n.° 115 supra , n.° 120, e acórdão Gütermann e Zwicky/Comissão, n.° 146 supra, n.° 267).

192    Por conseguinte, embora a dimensão do mercado possa ser um elemento a ter em conta para determinar a gravidade da infracção, a sua importância varia em função do tipo de infracção e das circunstâncias particulares da infracção em causa.

193    No caso em apreço, no que diz respeito, em primeiro lugar, ao tipo de infracção, cabe observar que o cartel em causa tinha por objecto, nomeadamente, a fixação conjunta dos preços pagos pelos transformadores pelo tabaco em rama e a repartição dos fornecedores e das quantidades de tabaco em rama. Essas práticas constituem restrições horizontais do tipo «cartel de preços», na acepção das orientações e, por conseguinte, infracções por natureza «muito graves». Para este tipo de cartéis, que a jurisprudência qualifica de infracções patentes às regras da concorrência ou de infracções particularmente graves uma vez que comportam uma intervenção directa nos parâmetros essenciais da concorrência no mercado em causa (v. n.° 137 supra), as orientações prevêem uma sanção com um montante mínimo de partida que excede os 20 milhões de euros.

194    Em segundo lugar, quanto às circunstâncias particulares da infracção em causa, importa referir que a dimensão do mercado em causa não era de modo nenhum insignificante, já que decorre do considerando 366 da decisão impugnada que a produção de tabaco em rama em Itália representava 38% da produção sujeita a quotas na União Europeia. Além disso, decorre da nota n.° 290 da decisão impugnada que, como o cartel também abrange as compras a «terceiros ajuntadores» – ou seja, intermediários que compram tabaco em rama aos produtores e procedem a um primeiro tratamento do mesmo – respeitava a compras num valor que excedia o simples valor das compras de tabaco em rama em Itália.

195    Nestas condições, a Transcatab não pode alegar que a sua coima é desproporcionada relativamente ao valor total das compras no mercado em causa.

196    Em segundo lugar, no que diz respeito à acusação relativa ao carácter desproporcionado da coima relativamente ao valor das compras da Transcatab no mercado em causa, cabe desde logo salientar que o direito aplicável não inclui qualquer princípio de aplicação geral que imponha que a sanção deve ser proporcionada ao volume de negócios realizado pela empresa no mercado em causa (v. acórdão Gütermann e Zwicky/Comissão, n.° 146 supra, n.° 277 e jurisprudência aí indicada).

197    Além disso, segundo jurisprudência constante, para efeitos da determinação da coima, pode‑se ter em consideração tanto o volume de negócios global da empresa, que constitui uma indicação, embora aproximativa e imperfeita, da sua dimensão e do seu potencial económico, como a parte desse volume que provém das mercadorias que são objecto da infracção e que é, portanto, susceptível de dar uma indicação da sua amplitude. Não deve atribuir‑se nem a um nem a outro destes volumes uma importância desproporcionada em relação aos outros elementos de apreciação e, por consequência, a fixação de uma coima adequada não pode ser o resultado de um simples cálculo baseado no volume de negócios global. É assim particularmente quando as mercadorias em causa representam apenas uma pequena fracção desse volume (acórdãos do Tribunal de Justiça Musique Diffusion française e o./Comissão, n.° 115 supra, n.° 121; Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 88 supra, n.° 243, e de 3 de Setembro de 2009, Papierfabrik August Koehler e o./Comissão, C‑322/07 P, C‑327/07 P e C‑338/07 P, Colect., p. I‑7191, n.° 114).

198    Ora, cabe declarar que, como decorre dos n.os 40 a 43 supra, na decisão impugnada, a Comissão fixou a coima em função da quota de mercado de cada empresa em termos de compras do produto em causa no mercado em que incorreu a infracção. Assim, o valor das compras no mercado em causa serviu de critério na determinação da coima no presente processo.

199    Além do mais, decorre da jurisprudência que, na medida em que o montante final da coima não excede 10% do volume de negócios global da empresa interessada no último ano da infracção, a coima não pode ser considerada desproporcionada apenas pelo facto de ultrapassar o volume de negócios realizado no mercado em causa (v. neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 9 de Julho de 2003, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, T‑224/00, Colect., p. II‑2597, n.° 200).

200    Por outro lado, como se observou nos n.os 160 e 193 supra, a infracção em causa tinha por objecto práticas que constituíam restrições horizontais do tipo «cartel de preços», na acepção das orientações e, portanto, restrições por natureza «muito graves». Para este tipo de cartéis particularmente graves, as orientações prevêem uma sanção com um montante mínimo de partida superior a 20 milhões de euros. Ora, decorre do considerando 376 da decisão impugnada que o montante de partida da coima aplicada à Transcatab é um montante claramente inferior ao que a Comissão, ao abrigo das orientações, poderia considerar para infracções muito graves. Neste contexto, a Transcatab não pode defender que a coima que lhe foi aplicada é desproporcionada relativamente à alegada dimensão limitada do mercado em causa e ao total das suas compras anuais no mercado de referência.

201    Por último, no que diz respeito ao argumento da recorrente relativo às orientações de 2006, há que sublinhar, como a própria Transcatab reconhece, que estas não eram aplicáveis aos factos que estão na origem do presente litígio (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 2010, Lafarge/Comissão, C‑413/08 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 108).

–       Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento

202    Segundo jurisprudência constante, o princípio da igualdade de tratamento só é violado quando situações comparáveis são tratadas de modo diferente ou quando situações diferentes são tratadas de maneira igual, salvo se esse tratamento se justificar por razões objectivas (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 1984, Sermide, 106/83, Recueil, p. 4209, n.° 28, e acórdão Hoechst/Comissão, n.° 158 supra, n.° 79).

203    Importa igualmente recordar que, como referido no n.° 162 supra, de acordo com jurisprudência bem assente, a prática decisória da Comissão não serve de quadro jurídico para as coimas em matéria de concorrência, que a Comissão dispõe, no domínio da fixação do montante das coimas, de um amplo poder de apreciação e que não está vinculada pelas apreciações que anteriormente fez.

204    O simples facto de a Comissão ter considerado, na sua prática decisória anterior, que um comportamento justificava uma coima de determinado montante não implica de forma alguma que seja obrigada a fazer a mesma apreciação numa decisão posterior (v. acórdão do Tribunal Geral de 27 de Setembro de 2006, Archer Daniels Midland/Comissão, T‑329/01, Colect., p. II‑3255, n.° 110 e jurisprudência aí indicada).

205    Assim, no presente processo, importa considerar que a simples invocação, pela Transcatab, da decisão relativa ao processo Tabaco em rama – Espanha é irrelevante, na medida em que a Comissão não era obrigada a apreciar o presente caso da mesma maneira (v., neste sentido, acórdão de 19 de Março de 2009, Archer Daniels Midland/Comissão, n.° 162 supra, n.° 83).

206    Quanto, especificamente, à aplicação do princípio da igualdade de tratamento no caso em apreço, importa salientar que as outras decisões da Comissão tomadas em matéria de coimas só têm, em princípio, carácter indicativo, sobretudo porque os dados circunstanciais dessas outras decisões não são idênticos aos da decisão em causa (acórdão de 27 de Setembro de 2009, Archer Daniels Midland/Comissão, n.° 204 supra, n.° 112). Ora, no caso vertente, embora existam algumas semelhanças entre o processo Tabaco em rama – Espanha e o presente, existem também diferenças importantes que não podem de modo algum ser desprezadas. Com efeito, por um lado, não é contestado que o mercado espanhol tinha uma dimensão e importância menores do que as do mercado italiano. Por outro lado, os quadros regulamentares nacionais aplicáveis ao sector em causa eram diferentes (v., mais especificamente, n.os 317 e seguintes infra).

207    Ora, atendendo a estas diferenças não despiciendas, a Comissão podia legitimamente, sendo mesmo obrigada a fazê‑lo, tratar de forma diferente os dois casos no que diz respeito à determinação da sanção. Por conseguinte, a Transcatab não pode validamente fundar‑se na decisão da Comissão no processo Tabaco em rama – Espanha para alegar a existência de uma violação do princípio da igualdade de tratamento no presente processo.

–       Quanto à violação do princípio da protecção da confiança legítima

208    Cabe recordar que decorre da jurisprudência que o direito de reclamar a protecção da confiança legítima pressupõe a reunião de três requisitos. Em primeiro lugar, garantias precisas, incondicionais e concordantes, emanadas de fontes autorizadas e fiáveis, devem ter sido fornecidas ao interessado pela administração comunitária. Em segundo lugar, essas garantias devem ser de molde a criar uma expectativa legítima no espírito daquele a quem se dirigem. Em terceiro lugar, as garantias dadas devem ser conformes às normas aplicáveis (v. acórdão do Tribunal Geral de 4 de Fevereiro de 2009, Omya/Comissão, T‑145/06, Colect., p. II‑145, n.° 117 e jurisprudência aí indicada; v. igualmente, neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 30 de Abril de 2009, Nintendo e Nintendo of Europe/Comissão, T‑13/03, Colect., p. II‑947, n.° 203 e jurisprudência aí indicada).

209    No caso em apreço, há que observar que o primeiro requisito previsto pela jurisprudência não está preenchido. Com efeito, decorre da jurisprudência que a determinação do montante das coimas integra o amplo poder de apreciação da Comissão, pelo que os operadores não podem depositar uma confiança legítima na determinação desses montantes pela Comissão (v. acórdão de 27 de Setembro de 2009, Archer Daniels Midland/Comissão, n.° 204 supra, n.° 109 e jurisprudência aí indicada). Deste modo, não se pode considerar que o precedente relativo ao processo Tabaco em rama – Espanha invocado pela Transcatab lhe fornece garantias precisas, incondicionais e concordantes na acepção da jurisprudência referida no número anterior.

210    Além disso, observe‑se que a decisão no processo Tabaco em rama – Espanha foi adoptada pela Comissão em Outubro de 2004, ou seja, mais de dois anos após a apresentação pela Transcatab do seu pedido de redução da coima ao abrigo da comunicação sobre a cooperação. Nestas condições, a Transcatab de modo algum pode defender que actuou com base numa confiança legítima que retirou da fixação do montante da coima no referido processo.

211    Atendendo ao que precede, a segunda parte do segundo fundamento deve ser julgada totalmente improcedente.

 Quanto à terceira parte do segundo fundamento, relativa à violação do princípio da proporcionalidade quando da ponderação do carácter dissuasivo da sanção e da situação financeira da Transcatab

 Argumentos das partes

212    A Transcatab contesta a aplicação do coeficiente multiplicador quando da fixação do montante de partida da coima. Contesta, em primeiro lugar, a premissa dessa aplicação, ou seja, a imputação da responsabilidade da infracção à sua sociedade‑mãe, a Alliance One.

213    Em segundo lugar, alega que, no caso em apreço, o efeito dissuasivo poderia obter‑se sem a aplicação de um coeficiente multiplicador e graças à fixação de um montante de partida da coima inferior ao definido pela Comissão.

214    Em terceiro lugar, defende que, por força do princípio da proporcionalidade, a Comissão deveria ter modulado o montante da coima tendo em atenção a situação financeira precária da Transcatab e os riscos que representava para a prossecução da sua actividade. Com efeito, entre 1995 e 2002, a Transcatab acumulou prejuízos importantes e foi obrigada a apresentar‑se à liquidação na sequência da coima aplicada pela Comissão. Além disso, a Transcatab já não operava no mercado italiano e já não estava activa no mercado no momento da decisão impugnada, pelo que não havia qualquer necessidade de dissuasão a seu respeito. Do mesmo modo, no presente caso, não havia nenhuma exigência adicional de dissuasão associada a uma produção dita «multi‑produtos». Por fim, mesmo as orientações de 2006 fazem referência à capacidade da empresa para pagar a coima, tendo assim em consideração o risco de comprometer a sua viabilidade económica.

215    A Comissão entende que os argumentos da Transcatab não devem ser acolhidos.

 Apreciação do Tribunal

216    Decorre da jurisprudência que as sanções previstas no artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003 têm por objectivo reprimir comportamentos ilícitos, bem como evitar a reincidência. A dissuasão constitui, portanto, uma finalidade da coima (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 15 de Março de 2006, BASF/Comissão, T‑15/02, Colect., p. II‑497, n.os 218 e 219 e jurisprudência aí indicada, e de 30 de Setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão, n.° 103 supra, n.° 150).

217    A necessidade de assegurar à coima um efeito dissuasivo exige que o seu montante seja modulado de forma a levar em conta o impacto pretendido na empresa à qual é aplicada, e isso para que a coima não se torne irrisória, ou pelo contrário excessiva, face, nomeadamente, à capacidade financeira da empresa em questão, de acordo com as exigências relativas, por um lado, à necessidade de garantir a eficácia da coima e, por outro, ao respeito do princípio da proporcionalidade (acórdãos do Tribunal Geral de 5 de Abril de 2006, Degussa/Comissão, T‑279/02, Colect., p. II‑897, n.° 283; de 18 de Junho de 2008, Hoechst/Comissão, T‑410/03, Colect., p. II‑881, n.° 379, e de 30 de Setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão, n.° 103 supra, n.° 154). Deste modo, embora a necessidade de assegurar que a coima produza efeito dissuasivo suficiente constitua um objectivo legítimo que a Comissão pode prosseguir na fixação do montante de uma coima, esta não deixa de estar obrigada a respeitar os princípios gerais do direito, nomeadamente o princípio da proporcionalidade, não só na determinação do montante de base, mas também quando do agravamento desse montante com o objectivo de assegurar à coima um efeito suficientemente dissuasivo (acórdão Degussa/Comissão, já referido, n.° 316).

218    As orientações referem a finalidade dissuasiva no seu ponto 1 A, relativo à gravidade das infracções. Mais precisamente, o quarto parágrafo desse ponto enuncia que será necessário «determinar um montante que assegure que a coima apresenta um carácter suficientemente dissuasivo». No caso vertente, nos considerandos 374 e 375 da decisão impugnada, a Comissão justificou a necessidade de aplicar um coeficiente multiplicador de 1,25 com a vontade de garantir um efeito suficiente dissuasivo à coima aplicada à Transcatab que pertencia a um grupo multinacional dotado de um poder económico e financeiro significativo, de entre os principais comerciantes mundiais de tabaco, com actividades em vários segmentos da indústria do tabaco e em diversos mercados geográficos.

219    No que respeita, em primeiro lugar, ao argumento relativo à premissa da aplicação do coeficiente multiplicador, ou seja a imputação da responsabilidade da infracção à sua sociedade‑mãe, a Alliance One, basta observar que, no quadro do primeiro fundamento, se concluiu que foi correctamente que a Comissão considerou que a Alliance One devia ser considerada co‑responsável pela infracção cometida pela Transcatab (v. a primeira parte do primeiro fundamento). Assim, este argumento não merece acolhimento.

220    Em segundo lugar, quanto ao argumento da Transcatab relativo ao carácter já suficientemente dissuasivo do montante de partida de 10 milhões de euros, há que observar que a Transcatab de modo algum justifica a sua afirmação segundo a qual o montante da coima, se tivesse sido determinado sem se atender ao coeficiente multiplicador correspondente ao efeito dissuasivo, teria sido suficiente para assegurar esse efeito à coima (v., neste sentido, acórdão Lafarge/Comissão, n.° 201 supra, n.° 107).

221    Em terceiro lugar, relativamente à acusação de que a Comissão não teve em conta a sua situação financeira precária, tendo assim violado o princípio da proporcionalidade, ao aplicar‑lhe o coeficiente multiplicador, importa, desde logo, observar que, de acordo com a jurisprudência, uma vez que o objectivo de dissuasão se refere à conduta das empresas no interior da União, o factor de dissuasão é avaliado tomando em conta uma multiplicidade de elementos e não unicamente a situação específica da empresa em questão (acórdão do Tribunal Geral de 30 de Abril de 2009, Itochu/Comissão, T‑12/03, Colect., p. II‑883, n.° 93; v. igualmente, neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 2006, Showa Denko/Comissão, C‑289/04 P, Colect., p. I‑5859, n.° 23; e acórdão Jungbunzlauer/Comissão, n.° 189 supra, n.° 300).

222    Além disso, segundo jurisprudência constante a Comissão, na determinação do montante da coima, não é obrigada a ter em conta a situação financeira deficitária de uma empresa, pois o reconhecimento dessa obrigação levaria a conferir uma vantagem concorrencial injustificada às empresas menos adaptadas às condições do mercado (v. acórdãos Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 88 supra, n.° 327, e de 29 de Junho de 2006, SGL Carbon/Comissão, C‑308/04 P, Colect., p. I‑5977, n.° 105 e jurisprudência aí indicada; acórdão do Tribunal Geral de 28 de Abril de 2010, BST/Comissão, T‑452/05, Colect., p. II‑1373, n.° 95).

223    Assim, a Transcatab não pode contestar a aplicação do coeficiente multiplicador para fins dissuasivos com base no facto de, durante o período em que vigorou o cartel, ter sofrido prejuízos que a levaram a cessar a sua actividade no mercado objecto do referido cartel após o início do processo. Além disso, atendendo a que a Transcatab integra um grupo multinacional dotado de um poder económico e financeiro significativo e à imputação da responsabilidade à sua sociedade‑mãe, não se pode considerar que a aplicação do coeficiente multiplicador a um montante fixado em função do volume de negócios global desse grupo conduza a uma coima desproporcionada.

224    Por outro lado, há que observar que, no caso em apreço, a Transcatab não provou, nem na fase administrativa nem na fase judicial, a sua afirmação de que foi obrigada a proceder à sua liquidação devido ao início da investigação em causa pela Comissão e da coima prevista. Cabe igualmente recordar que o facto de uma medida adoptada por uma instituição comunitária provocar a falência ou a liquidação de uma dada empresa não é proibido, como tal, pelo direito da União. Com efeito, a liquidação de uma empresa sob a sua forma jurídica em causa, embora possa prejudicar os interesses financeiros dos proprietários, accionistas ou detentores de quotas, não significa por isso que os elementos pessoais, materiais e imateriais representados pela empresa percam também o seu valor (v. acórdão do Tribunal Geral de 29 de Abril de 2004, Tokai Carbon e o./Comissão, T‑236/01, T‑239/01, T‑244/01 a T‑246/01, T‑251/01 e T‑252/01, Colect., p. II‑1181, n.° 372 e jurisprudência aí indicada).

225    No que diz respeito ao argumento relativo à exigência adicional de dissuasão para empresas cuja produção é «multi‑produtos», há que reconhecer que a decisão impugnada não contém qualquer referência a essa exigência, pelo que este argumento é, aqui, destituído de pertinência. Por fim, quanto ao argumento relativo às orientações de 2006, já se observou que estas não eram aplicáveis aos factos que estão na origem do presente litígio (v. n.° 201 supra).

226    À luz de tudo quanto precede, há que negar provimento à terceira parte do segundo fundamento e, por conseguinte, ao segundo fundamento no seu todo.

3.     Quanto ao terceiro fundamento, relativo à fixação do montante de base da coima

 Quanto à primeira parte do terceiro fundamento, relativa ao incorrecto agravamento do montante da coima ao abrigo da duração da infracção

 Argumentos das partes

227    Em primeiro lugar, a Transcatab contesta o agravamento em 60% do montante de partida da coima com base no facto de os transformadores terem participado numa infracção única durante seis anos e quatro meses. Com efeito, a Comissão não teve em conta o facto de, no período compreendido entre 1999 e 2002, os acordos relativos ao mercado italiano do tabaco em rama serem, em grande parte, acordos interprofissionais entre a Unitab e a APTI. Assim, na determinação da coima, a Comissão deveria ter distinguido os comportamentos verificados entre 1995 e 1998 dos ocorridos entre 1999 e 2002, exclusivamente imputáveis à APTI. De resto, a própria Comissão observou que a APTI era exclusivamente responsável pelas suas decisões (considerando 253 da decisão impugnada). Deste modo, a Comissão deviria, pelo menos, não ter agravado a coima no que se refere aos três anos em causa.

228    Em particular, decorre dos considerandos 152 e 154 da decisão impugnada, bem como de certos documentos juntos aos autos que, já a partir de 1998, os contactos entre os transformadores se desenrolaram no contexto dos acordos interprofissionais e com o objectivo de os preparar. Essas reuniões entre os transformadores prosseguiram durante todo o período em que a APTI esteve encarregue da negociação dos acordos interprofissionais com a Unitab. A Transcatab refere‑se especificamente aos considerandos 104, 143, 151 a 153, 158 e 165 da decisão impugnada. No que diz respeito a 1999, apenas os considerandos 158 e 159 da decisão impugnada não dizem directamente respeito a acordos interprofissionais. Contudo, diziam‑lhes indirectamente respeito. Mesmo depois de 1999, mantiveram‑se sempre os contactos entre os transformadores para definição de uma posição comum no seio da APTI. A Transcatab menciona como exemplo os considerandos 199 e 212 da decisão impugnada ou, no quadro dos objectivos prosseguidos com a Cogentab – associação criada pela APTI e pela Unitab – os considerandos 187 a 189, 191 e 208 da decisão impugnada. De qualquer forma, os contactos havidos entre os transformadores à margem dos acordos interprofissionais limitaram‑se a certos aspectos do mercado, concretizando‑se principalmente em meras trocas de informações.

229    Em segundo lugar, a Transcatab provou, no quadro do segundo fundamento, que o cartel não teve impacto no mercado e não prejudicou os consumidores. Ora, segundo as orientações, o objectivo preciso do agravamento das infracções de longa duração é o de «sancionar efectivamente as restrições que produziram de forma duradoura efeitos nocivos em relação aos consumidores». Daí decorre que, ao aplicar automaticamente um agravamento de 10% por ano sem ter em conta as circunstâncias do caso concreto, a Comissão cometeu um erro na aplicação dos critérios que se fixou para o cálculo da coima.

230    A Comissão entende que os argumentos da Transcatab não podem ser acolhidos.

 Apreciação do Tribunal

–       Quanto ao agravamento da coima ao abrigo da duração do acordo

231    Cabe recordar que, de acordo com a jurisprudência, as violações do artigo 81.°, n.° 1, CE podem resultar não apenas de um acto isolado, mas igualmente de uma série de actos ou mesmo de um comportamento continuado (acórdão Comissão/Anic Partecipazioni, n.° 90 supra, n.° 81). Quando as diferentes acções se inscrevem num plano de conjunto em razão do seu objecto idêntico que falseia o jogo da concorrência no interior do mercado comum, a Comissão pode imputar a responsabilidade por essas acções em função da participação na infracção considerada no seu todo (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 88 supra, n.° 258).

232    Além disso, quando os acordos e as práticas concertadas observados se inscrevem, em virtude da identidade do seu objecto, em sistemas de reuniões periódicas, de fixação dos objectivos de preços e de quotas, sistemas esses que se inscrevem por sua vez numa série de esforços das empresas em causa que prosseguem um único fim económico, a saber, falsear a evolução dos preços, seria artificial subdividir esse comportamento continuado, caracterizado por uma única finalidade, aí vendo diversas infracções distintas, quando se trata, pelo contrário, de uma única infracção que se concretizou progressivamente tanto através dos acordos como de práticas concertadas (v., neste sentido, acórdão BST/Comissão, n.° 222 supra, n.° 33 e jurisprudência aí indicada).

233    No caso em apreço, na decisão impugnada, a Comissão considerou, sem que a Transcatab o contestasse, que as práticas dos transformadores deram lugar a uma infracção única e continuada ao artigo 81.°, n.° 1, CE, na medida em que se inscreviam num plano global que definia os comportamentos no mercado em matéria de compras, com um objecto anticoncorrencial idêntico e o mesmo fim económico, ou seja, falsear a evolução normal dos preços no mercado do tabaco em rama e controlar os fornecimentos por meio da sua repartição. A Comissão salientou em especial, sem que a Transcatab o contestasse, que, enquanto durou, o cartel teve sempre os mesmos objectivos e a mesma estrutura e mecanismos de funcionamento (v. considerandos 264 a 269 da decisão impugnada).

234    A Comissão constatou igualmente, sem que a Transcatab o contestasse, que após 1999, paralelamente à coordenação à margem dos acordos interprofissionais, os transformadores se coordenaram para determinar o comportamento da APTI e essa coordenação constituiu, ao longo desses anos, um elemento importante da estratégia de cartel dos transformadores (v. considerando 244 da decisão impugnada). Deste modo, a preparação das reuniões da APTI prosseguia o mesmo objectivo anticoncorrencial que os acordos entre os transformadores, ou seja, o de falsear a evolução normal dos preços no mercado do tabaco em rama.

235    Ora, não sendo contestadas essas apreciações e mesmo admitindo que, como a Transcatab defende, a partir de 1999 as reuniões entre os transformadores só tiveram carácter preliminar e preparatório relativamente às reuniões da APTI, a Comissão podia legitimamente considerar que a participação nessas reuniões se inscrevia no quadro de uma infracção única e continuada, na medida em que verificou que a coordenação entre transformadores para determinar o comportamento da APTI fazia parte da estratégia de cartel e faziam parte do mesmo objectivo único prosseguido pelos transformadores antes de 1999.

236    Por conseguinte, mesmo admitindo que, como a Transcatab defende, a partir de 1999 os comportamentos dos transformadores foram apenas preliminares e preparatórios relativamente às reuniões da APTI, esse facto não pode ter qualquer influência na duração da infracção, pelo que a Comissão, mesmo nessa hipótese, continuava a poder legitimamente entender que a infracção cometida pelos transformadores tinha durado cerca de seis anos e quatro meses. Assim, a acusação da Transcatab relativa ao facto de entre 1999 e 2002 os comportamentos dos transformadores terem sido de carácter exclusivamente preparatório relativamente à celebração dos acordos interprofissionais não pode ter qualquer influência na legalidade da decisão impugnada, devendo por isso ser julgada irrelevante.

237    Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo argumento de que a Comissão entendeu que era a APTI, e não os seus membros, que devia ser considerada responsável pelos seus comportamentos (v. considerando 253 da decisão impugnada). Com efeito, os comportamentos da APTI constituíram uma infracção diferente da cometida pelos transformadores, que tinha um objectivo anticoncorrencial próprio, apesar de coincidir em parte com o objectivo anticoncorrencial dos transformadores (v. considerandos 270 a 273 da decisão impugnada). A Transcatab não contestou esta afirmação.

238    Em todo o caso, cabe observar que a presente acusação também é factualmente insustentável.

239    Em primeiro lugar, a própria Transcatab reconhece expressamente nos seus articulados que, no período em causa, houve contactos entre os transformadores «à margem dos acordos interprofissionais», os quais tinham por objecto «certos aspectos do mercado», e que no quadro destes foram trocadas informações sensíveis. A Transcatab afirma igualmente que no referido período «a maior parte» dos acordos celebrados no mercado italiano do tabaco em rama foram acordos interprofissionais celebrados entre a Unitab e a APTI, afirmação que permite concluir que, nesse período, também houve outros acordos entre os transformadores para além dos contactos relativos aos acordos interprofissionais.

240    Em segundo lugar, decorre da decisão impugnada e dos autos que, nesse período, os contactos entre os transformadores foram muito além de meras reuniões preliminares tendo em vista a adopção de uma conduta comum no seio da APTI para efeitos da negociação dos acordos interprofissionais. A este respeito, importa recordar que, de acordo com a legge n.° 88 sulle norme sugli accordi interprofessionali e sui contratti di coltivazione e vendita dei prodotti agricoli (lei n.° 88 sobre a regulamentação dos acordos interprofissionais e dos contratos de cultivo e venda de produtos agrícolas), de 16 de Março de 1988 (GURI n.° 69, de 23 de Março de 1988, a seguir «lei n.° 88/88»), os acordos interprofissionais tinham por objecto a fixação dos preços mínimos a inscrever nos contratos de produção agrícola (v. considerandos 68 e 253 da decisão impugnada), ao passo que o objecto dos acordos entre os transformadores era muito mais vasto, pois o cartel previa, entre outros, a fixação de preços máximos ou médios de entrega, bem como os volumes de tabaco a comprar por cada transformador e as correspondentes fontes de abastecimento (considerando 363 da decisão impugnada).

241    Ora, decorre de vários elementos constantes da decisão impugnada e dos autos que, mesmo a partir de 1999, os contactos entre os transformadores tinham um objecto mais vasto do que a mera coordenação da posição da APTI no contexto da celebração dos acordos interprofissionais.

242    Assim, a título de exemplo, decorre do considerando 186 da decisão impugnada que, segundo a Comissão, em Outubro de 1999, os transformadores celebraram um acordo secreto cujo conteúdo e forma eram muito semelhantes ao acordo da Villa Grazioli de Setembro de 1998 (v. considerando 142 da decisão impugnada). Este acordo, que foi junto à contestação, tinha principalmente por objectivo fixar os preços de compra de tabaco em rama (Burley e Bright) a «terceiros ajuntadores», atribuir «terceiros ajuntadores» com quantidades definidas a cada transformador e boicotar os «terceiros ajuntadores» que não tivessem aderido à Cogentab (v. considerando 186 da decisão impugnada).

243    Além disso, decorre dos considerandos 202 a 204 da decisão impugnada que, em 2000 a coordenação entre os transformadores foi contínua. Contudo, a Transcatab de forma alguma prova que esta coordenação apenas abrangia as posições a assumir no interior da APTI. Em contrapartida, decorre do considerando 204 da decisão impugnada que os transformadores se reuniram em 21 de Setembro de 2000 para criar um mecanismo de coordenação entre si ao nível dos directores de compras.

244    Decorre igualmente do considerando 212 da decisão impugnada que, em 14 de Setembro de 2001, teve lugar uma reunião entre os presidentes e os directores de compras da Deltafina, da Dimon e da Transcatab cuja ordem do dia proposta incluía não apenas o acordo interprofissional entre a APTI e a Unitab, mas também as relações mútuas entre as referidas empresas, as compras aos «terceiros ajuntadores», as relações com a Romana Tabacchi e as estratégias futuras.

245    Todos estes exemplos demonstram que, no período entre 1999 e 2002, os contactos entre os transformadores não tiveram exclusivamente por objecto os acordos interprofissionais, como a Transcatab alega, e que, pelo contrário, nesse período, o cartel entre os transformadores continuou a funcionar paralelamente aos acordos interprofissionais. Além disso, a Transcatab de modo algum provou que a Comissão cometeu um erro ao não considerar que no período entre 1999 e 2002 os comportamentos dos transformadores tinham um carácter exclusivamente preparatório relativamente à celebração dos acordos interprofissionais.

246    À luz do que precede, cabe concluir que a primeira acusação que a Transcatab faz no quadro da parte do fundamento ora em apreço deve ser julgada improcedente.

–       Quanto à inexistência de prejuízo para os consumidores

247    O argumento da Transcatab relativo a um erro da Comissão no agravamento em 10% por ano dada a inexistência de prejuízo para os consumidores devido à infracção é inoperante tanto jurídica como factualmente.

248    Em primeiro lugar, não se pode deduzir nem do artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003, nem do ponto 1 B, terceiro parágrafo, das orientações, invocados pela Transcatab, que estes sujeitam o agravamento das infracções de longa duração à produção durável de efeitos nocivos para os consumidores. A parte das orientações a que a Transcatab se refere visa justificar em termos gerais a política em matéria de coimas aí anunciada, nomeadamente as modificações relativamente à prática anterior. A Transcatab não pode, assim, basear o seu argumento nessa disposição das orientações.

249    Em segundo lugar, ao contrário do que a Transcatab defende, de modo algum está provado que o acordo não teve impacto no mercado e, por isso, ainda menos que não produziu efeitos nocivos para os consumidores. Com efeito, os dados invocados pela Transcatab no quadro do segundo fundamento, na medida em que podem ter sido influenciados por outros factores, não permitem provar a inexistência de tais efeitos (v., nomeadamente, n.° 168 supra). O facto de o cartel ter durado vários anos demonstra, aliás, que os transformadores não o consideravam inútil e que não produzia efeitos. A premissa do argumento da Transcatab é, portanto, incorrecta.

250    À luz do que precede, cabe, por conseguinte, julgar integralmente improcedente a primeira parte do terceiro fundamento.

 Quanto à segunda parte do terceiro fundamento, relativa à violação do princípio ne bis in idem e a uma fundamentação insuficiente

 Argumentos das partes

251    A Transcatab alega uma violação do princípio ne bis in idem pela Comissão. Esta considerou, na decisão impugnada, que a responsabilidade pela celebração dos acordos interprofissionais entre 1999 e 2001 apenas devia ser imputada à APTI. Todavia, ao não distinguir o período compreendido entre 1995 e 1998 do entre 1999 e 2001, a Comissão atribuiu aos transformadores a responsabilidade por comportamentos verificados no quadro de acordos interprofissionais, comportamentos que já tinha imputado exclusivamente à APTI.

252    No caso vertente, havia identidade entre os factos imputados à APTI e os imputados à Transcatab relativamente ao período entre 1999 e 2002, na medida em que as reuniões entre os transformadores nesse período eram preliminares em relação às reuniões da APTI. Além disso, havia identidade entre os infractores, na medida em que é notório que as associações profissionais são a expressão dos respectivos membros. Assim, a Comissão puniu os transformadores duas vezes pela mesma infracção. Foram punidos uma primeira vez enquanto membros da APTI e, seguidamente, a título individual. Daqui resulta que foi aplicada uma coima excessiva aos transformadores e que a decisão impugnada estava insuficientemente fundamentada a este respeito.

253    A Comissão entende que os argumentos da Transcatab devem ser julgados improcedentes.

 Apreciação do Tribunal

254    A título preliminar, importa recordar que o princípio ne bis in idem, consagrado igualmente no artigo 4.° do Protocolo n.° 7 da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de Novembro de 1950, constitui um princípio geral do direito da União cujo respeito deve ser garantido pelos órgãos jurisdicionais. No domínio do direito da concorrência, este princípio proíbe que uma empresa seja de novo condenada ou alvo de um processo pela Comissão devido a um comportamento anticoncorrencial pelo qual já foi punida ou declarada isenta de responsabilidade em anterior decisão da Comissão que já não seja susceptível de recurso (acórdão do Tribunal Geral de 9 de Julho de 2003, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, T‑224/00, Colect., p. II‑2597, n.os 85 e 86, e Tokai Carbon e o./Comissão, n.° 224 supra, n.os 130 e 131). A aplicação do princípio non bis in idem está sujeita a uma tripla condição de identidade dos factos, de unidade do infractor e de unidade do interesse jurídico protegido. Este princípio proíbe, portanto, punir uma mesma pessoa mais do que uma vez pelo mesmo comportamento ilícito, a fim de proteger o mesmo bem jurídico (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 88 supra, n.° 338, e de 13 de Dezembro de 2006, FNCBV e o./Comissão, T‑217/03 e T‑245/03, Colect., p. II‑4987, n.° 340).

255    No caso vertente, a primeira condição, ou seja, a identidade dos factos, não se verifica. Com efeito, mesmo admitindo que tenha havido uma certa sobreposição entre uma parte dos vários comportamentos anticoncorrenciais imputados aos transformadores, nomeadamente a coordenação para determinar o comportamento da APTI (considerando 244 da decisão impugnada), e o comportamento imputado à APTI, ou seja, a determinação da posição que viria a ser a sua nas negociações dos preços para efeitos da celebração de acordos interprofissionais com a Unitab (considerandos 253 e 254 da decisão impugnada), há que observar que se trata de dois comportamentos distintos. Com efeito, a coordenação anterior à tomada de uma decisão é distinta da tomada da decisão propriamente dita.

256    Além disso, tal como se observou no contexto da primeira parte deste fundamento, a coordenação entre transformadores para determinar o comportamento da APTI inscrevia‑se na estratégia mais vasta do cartel dos transformadores, de que era um elemento importante (v. considerando 244 da decisão impugnada). A este respeito, importa igualmente sublinhar que, na decisão impugnada, a Comissão referiu, de forma clara e precisa, que a APTI e os transformadores foram punidos por infracções distintas (v., no que diz respeito à APTI, considerandos 253, 254 e 270 a 273 e, no que diz respeito aos transformadores, considerandos 240 a 252 e 264 a 269 da decisão impugnada).

257    Deste modo, a Transcatab não podia alegar que, no presente caso, eram idênticos os factos imputados aos transformadores e os imputados à APTI.

258    No que diz respeito à segunda condição, ou seja, à unidade do infractor, há que observar que também esta não se encontra preenchida no caso vertente. Com efeito, embora a Transcatab seja membro da APTI, trata‑se de duas entidades distintas, tendo a APTI personalidade jurídica, objecto e fins próprios, independentes e distintos dos da Transcatab (v., neste sentido, o acórdão FNCBV e o./Comissão, n.° 254 supra, n.° 128).

259    Conclui‑se que, no caso em apreço, tanto a identidade dos factos como a unidade do infractor não existem, na medida em que a decisão impugnada não pune repetidamente as mesmas entidades ou as mesmas pessoas pelos mesmos factos. Assim, cabe concluir que não houve violação do princípio ne bis in idem.

260    No que diz respeito à acusação relativa a uma fundamentação insuficiente, cabe observar que, na medida em que os comportamentos imputados aos transformadores e os imputados à APTI eram comportamentos diferentes de entidades jurídicas distintas, a Comissão não estava obrigada a apresentar razões relacionadas com a aplicação do princípio ne bis in idem. Além disso, na decisão impugnada a Comissão nunca confundiu a responsabilidade da APTI com a dos transformadores. Em particular, de acordo com a jurisprudência evocada no n.° 174 supra, os considerandos referidos no n.° 256 supra revelam de forma clara e inequívoca o raciocínio da Comissão a este respeito, permitindo assim à Transcatab conhecer as razões da medida adoptada a seu respeito e ao tribunal exercer o seu controlo.

261    Atento o que precede, esta parte do fundamento deve ser julgada totalmente improcedente.

 Quanto à terceira parte do terceiro fundamento, relativa à violação do princípio da igualdade de tratamento

 Argumentos das partes

262    A título subsidiário, a Transcatab alega que os transformadores, ao contratarem com os exploradores agrícolas, estavam convencidos de que estavam a actuar dentro do quadro da legislação nacional, em particular da lei n.° 88/88 e dos acordos interprofissionais. No que diz respeito aos acordos interprofissionais, a Comissão reconheceu que o quadro jurídico aplicável podia gerar um grau de incerteza considerável quanto à legalidade das práticas da APTI. Por esta razão, a Comissão aplicou à APTI uma coima simbólica de apenas 1000 euros. A Transcatab interroga‑se sobre a não aplicação a si do mesmo raciocínio, apesar das inúmeras provas que demonstram que os comportamentos controvertidos dos transformadores entre 1999 e 2002 são quase exclusivamente de natureza pré‑contratual e têm como objectivo determinar uma posição comum no seio da APTI. A diferente avaliação do comportamento da APTI e da Transcatab viola o princípio da igualdade de tratamento.

263    A Comissão entende que os argumentos da Transcatab devem ser julgados improcedentes.

 Apreciação do Tribunal

264    Recorde‑se que, segundo a jurisprudência evocada no n.° 202 supra, o princípio da igualdade de tratamento só é violado quando situações comparáveis são tratadas de modo diferente ou situações diferentes são tratadas de modo igual, excepto se esse tratamento for objectivamente justificado.

265    No caso vertente, em primeiro lugar, cabe observar que, como já se observou no quadro da segunda parte do fundamento ora em apreço (v. n.° 256 supra), os transformadores e a APTI foram punidos por infracções diferentes (v., respectivamente, considerandos 240 a 252 e 253 e 254 da decisão impugnada).

266    Ora, no que diz especificamente respeito ao período que se inicia em 1999, decorre da decisão impugnada que os transformadores foram punidos por uma série de comportamentos anticoncorrenciais que se inscrevem numa mesma estratégia de cartel que começou muito antes de 1999. Os transformadores foram assim punidos tanto pela coordenação dos seus preços à margem dos acordos interprofissionais, como pela actividade paralela de coordenação destinada a determinar o comportamento da APTI (v., nomeadamente, considerando 244 da decisão impugnada).

267    Em contrapartida, a APTI apenas foi considerada responsável pelos comportamentos relacionados com a celebração dos acordos interprofissionais. A Comissão considerou que a APTI não podia ser considerada responsável pela infracção única e continuada dos transformadores, na medida em que o processo da Comissão não incluía qualquer elemento indiciador de que essa associação tinha aceite ou conhecia o plano global dos transformadores com vista a coordenar a totalidade dos respectivos comportamentos em matéria de compras (v. considerandos 270 e 271 da decisão impugnada).

268    Em segundo lugar, decorre da decisão impugnada que, mesmo depois de 1999, o âmbito do cartel entre os transformadores ia muito além do âmbito de aplicação da lei n.° 88/88 (v., igualmente, n.os 240 a 245 supra). A Transcatab não pode, assim, alegar que o quadro jurídico justificava a aplicação aos transformadores de uma coima simbólica como a que foi aplicada à APTI (v., a este respeito, as considerações constantes dos n.os 298 a 311 infra).

269    Nestas condições, cabe concluir que a situação dos transformadores, nomeadamente da Transcatab, e da APTI no que diz respeito às infracções relativas ao período entre 1999 e 2002 não são comparáveis. Por conseguinte, a Transcatab não pode alegar que houve violação do princípio da igualdade de tratamento.

270    À luz de todas as considerações que precedem, o terceiro fundamento deve ser julgado totalmente improcedente.

4.     Quanto ao quarto fundamento, relativo a certas circunstâncias atenuantes

 Quanto à primeira parte do quarto fundamento, relativa à circunstância atenuante referente à não aplicação do acordo

 Argumentos das partes

271    A Transcatab critica, em primeiro lugar, a Comissão por esta não lhe ter concedido o benefício da circunstância atenuante prevista no ponto 3, segundo travessão, das orientações, relativo à não aplicação efectiva dos acordos ou práticas ilícitos. A Transcatab alega já ter provado, no quadro da primeira parte do segundo fundamento, que os transformadores não tinham aplicado a maior parte dos seus acordos. Esta conclusão resulta do facto de esses acordos não terem produzido efeitos no mercado.

272    A Comissão entende que os argumentos da Transcatab devem ser julgados improcedentes.

 Apreciação do Tribunal

273    Em primeiro lugar, importa recordar que, de acordo com a jurisprudência, a circunstância atenuante prevista no ponto 3, segundo travessão, das orientações, relativa à não aplicação efectiva dos acordos ou práticas ilícitos, diz respeito ao comportamento individual de cada empresa. Daí resulta que, para efeitos de avaliação dessa circunstância atenuante, há que ter em consideração, não os efeitos resultantes da totalidade da infracção, que devem ser considerados na apreciação do impacto concreto de uma infracção no mercado para efeitos da determinação da sua gravidade (ponto 1 A, primeiro parágrafo, das orientações), mas o comportamento individual de cada empresa, para se examinar a gravidade relativa da participação de cada empresa na infracção (acórdãos Grupo Danone/Comissão, n.° 148 supra, n.° 384, e Gütermann e Zwicky/Comissão, n.° 146 supra, n.° 178).

274    Conclui‑se, assim, que a Transcatab não pode alegar um erro da Comissão na aplicação da circunstância atenuante em causa com base na inexistência de impacto concreto da infracção sobre os preços.

275    Em segundo lugar e em todo o caso, importa também recordar que decorre da jurisprudência que, para beneficiar do ponto 3, segundo travessão, das orientações, os infractores devem demonstrar que adoptaram um comportamento concorrencial ou, pelo menos, que infringiram, claramente e de forma considerável, as obrigações destinadas a pôr em prática esse acordo, ao ponto de terem perturbado o seu funcionamento, e aparentemente não aderiram ao acordo e, por isso, não incitaram outras empresas a pôr em prática o acordo em causa (acórdão do Tribunal Geral de 8 de Julho de 2004, Dalmine/Comissão, T‑50/00, Colect., p. II‑2395, n.° 292, e, neste sentido, de 15 de Março de 2006, Daiichi Pharmaceutical/Comissão, T‑26/02, Colect., p. II‑713, n.° 113).

276    Ora, no caso em apreço, a Transcatab de modo algum alega ter‑se clara e consideravelmente oposto à aplicação do acordo em causa, a ponto de ter perturbado o seu funcionamento. Por conseguinte, não pode alegar que a Comissão cometeu um erro ao não ter‑lhe aplicado a circunstância atenuante em causa.

277    Por fim, importa ainda observar, por um lado, que a Comissão demonstrou no considerando 383 da decisão impugnada que o acordo foi aplicado e, por outro lado, que, ao acabar por defender que a «maior parte» dos acordos não foi aplicada, a Transcatab reconhece que os acordos em causa foram aplicados, pelo menos em parte (v. n.° 239 supra).

278    Atento o que precede, esta parte do fundamento deve ser julgada improcedente.

 Quanto à segunda parte do quarto fundamento, relativa à circunstância atenuante referente à cessação das actividades ilícitas antes da intervenção da Comissão

 Argumentos das partes

279    A Transcatab critica a Comissão por não lhe ter aplicado a circunstância atenuante prevista no ponto 3, terceiro travessão, das orientações, relativa à cessação das infracções desde as primeiras intervenções da Comissão.

280    Em primeiro lugar, as orientações não estabelecem qualquer relação entre a aplicação desta circunstância atenuante e o carácter mais ou menos grave da infracção, de forma que esta circunstância atenuante também foi aplicada em casos de infracções graves e muito graves. Em segundo lugar, após as primeiras intervenções da Comissão, a Transcatab não teve qualquer comportamento que pudesse constituir uma violação das regras da concorrência. Em terceiro lugar, a Comissão descurou as particularidades do sector do tabaco em rama. Em quarto lugar, a não aplicação desta circunstância atenuante resulta de uma alteração da jurisprudência em matéria de coimas efectuada pelo Tribunal Geral no acórdão de 15 de Junho de 2005, Tokai Carbon e o./Comissão (T‑71/03, T‑74/03, T‑87/03 e T‑91/03, não publicado na Colectânea). Esta alteração jurisprudencial, ocorrida após o início do processo, viola a confiança legítima da Transcatab, que tinha a expectativa de obter uma redução da coima por ter posto termo ao seu comportamento ilícito desde as primeiras intervenções da Comissão.

281    A Comissão entende que os argumentos da Transcatab devem ser julgados improcedentes.

 Apreciação do Tribunal

282    Importa recordar que, em conformidade com o ponto 3, terceiro travessão, das orientações, o montante de base da coima fixado pela Comissão pode ser diminuído quando a empresa em causa ponha termo à infracção desde as primeiras intervenções da Comissão.

283    Todavia, segundo a jurisprudência, uma redução da coima em razão da cessação de uma infracção desde as primeiras intervenções da Comissão não pode ser automática, mas depende de uma avaliação das circunstâncias do caso concreto pela Comissão, no quadro do seu poder de apreciação (v. acórdão Carbone‑Lorraine/Comissão, n.° 147 supra, n.° 228 e jurisprudência aí indicada). As circunstâncias do caso podem, portanto, levar a Comissão a não aplicar essa diminuição a uma empresa que participou num acordo ilícito (acórdão de 19 de Março de 2009, Archer Daniels Midland/Comissão, n.° 162 supra, n.° 148).

284    Assim, o Tribunal de Justiça considerou que reconhecer o benefício de uma circunstância atenuante em situações em que uma empresa participa num acordo manifestamente ilegal, que ela sabia ou não podia ignorar ser uma infracção, poderia levar as empresas a prosseguir com um acordo secreto tanto tempo quanto possível, na esperança de que o seu comportamento nunca viesse a ser descoberto, sabendo que, se o fosse, podiam ter a sua coima reduzida se interrompessem nesse momento a infracção. Esse reconhecimento retiraria todo o efeito dissuasor à coima aplicada e prejudicaria o efeito útil do artigo 81.°, n.° 1, CE ilícito (acórdão de 19 de Março de 2009, Archer Daniels Midland/Comissão, n.° 162 supra, n.° 148). Além disso, o Tribunal Geral já declarou expressamente que a cessação de uma infracção cometida deliberadamente não pode ser considerada uma circunstância atenuante quando determinada pela intervenção da Comissão (acórdãos do Tribunal Geral de 11 de Março de 1999, Ensidesa/Comissão, T‑157/94, Colect., p. II‑707, n.° 498, e Wieland‑Werke e o./Comissão, n.° 180 supra, n.° 229).

285    No caso em apreço, a infracção em causa envolve um cartel secreto que tem por objecto, nomeadamente, a fixação dos preços e a repartição dos fornecedores e das quantidades a comprar. Como se observou no n.° 137 supra, este tipo de cartel é expressamente proibido pelo artigo 81.°, n.° 1, alíneas a) e b), CE, e constitui uma infracção que a jurisprudência qualifica de particularmente grave, pois tem impacto directo nos parâmetros essenciais da concorrência no mercado em causa. Além disso, no caso vertente, como se observou no n.° 170 supra, os transformadores puseram conscientemente em prática condutas anticoncorrenciais pelas quais foram punidos e acordaram por diversas vezes medidas destinadas a assegurar a execução efectiva do cartel.

286    Nestas circunstâncias, à luz da jurisprudência evocada nos n.os 283 e 284 supra, a Transcatab não pode alegar que a Comissão cometeu um erro ao não lhe aplicar a circunstância atenuante em causa.

287    Os argumentos específicos da Transcatab não põem em causa esta conclusão.

288    Com efeito, à luz da jurisprudência mencionada, o facto de a Transcatab não ter tido qualquer comportamento ilegal após as primeiras intervenções da Comissão não implica que esta seja obrigada a aplicar a circunstância atenuante em causa. Além disso, as particularidades do sector, como a inexistência de precedentes invocada pela Transcatab e a sua regulamentação, embora possam desempenhar, eventualmente, um papel na apreciação de outras circunstâncias atenuantes (v., nomeadamente, as terceira e quinta partes do presente fundamento), não constituem, contudo, elementos pertinentes para efeitos da aplicação da circunstância atenuante em causa.

289    Por fim, quanto à alegada violação do princípio da protecção da confiança legítima, importa recordar que, como evocado no n.° 208 supra, segundo a jurisprudência, o direito de invocar esse princípio pressupõe que estejam preenchidos três requisitos. Em primeiro lugar, garantias precisas, incondicionais e concordantes, emanadas de fontes autorizadas e fiáveis, devem ter sido fornecidas ao interessado pela administração. Em segundo lugar, essas garantias devem ser de molde a criar uma expectativa legítima no espírito do seu destinatário. Em terceiro lugar, as garantias dadas devem ser conformes às normas aplicáveis (v. jurisprudência referida no n.° 208 supra).

290    A este respeito, basta observar que o primeiro requisito não se encontra preenchido no presente caso, já que a Transcatab não pode alegar qualquer garantia precisa, incondicional e concordante da Comissão de que obteria uma redução da coima caso pusesse termo ao seu comportamento ilícito desde as primeiras intervenções da Comissão.

291    Além disso, recorde‑se que o simples facto de a Comissão ter considerado, na sua prática decisória anterior, que certos elementos constituíam circunstâncias atenuantes para efeitos da determinação do montante da coima não implica que seja obrigada a efectuar a mesma apreciação em decisão ulterior (acórdãos do Tribunal Geral de 14 de Maio de 1998, Mayr‑Melnhof/Comissão, T‑347/94, Colect., p. II‑1751, n.° 368, e LR AF 1998/Comissão, n.° 180 supra, n.° 337). Assim, a Transcatab não pode invocar o facto de esta circunstância atenuante ter sido aplicada noutros casos de infracções. Além disso, o acórdão de 15 de Junho de 2005, Tokai Carbon e o./Comissão, n.° 280 supra, a que se faz referência no considerando 382 da decisão impugnada, de forma alguma constitui uma alteração jurisprudencial, na medida em que, como a Comissão correctamente refere, o Tribunal já tinha expressamente considerado, anteriormente a esse acórdão, que a cessação de uma infracção cometida deliberadamente não pode ser considerada uma circunstância atenuante quando tenha sido determinada pela intervenção da Comissão (acórdãos do Tribunal Geral de 11 de Março de 1999, Aristrain/Comissão, T‑156/94, Colect., p. II‑645, n.° 138, e Ensidesa/Comissão, n.° 284 supra, n.° 498). Conclui‑se, pois, que a Transcatab não pode invocar legítimas expectativas nesta sede.

292    Atento o que precede, há, assim, que julgar improcedente a segunda parte do quarto fundamento.

 Quanto à terceira parte do quarto fundamento, relativa à circunstância atenuante referente à existência de dúvidas razoáveis sobre o carácter ilícito do comportamento em causa

293    No quadro desta parte do fundamento, a Transcatab faz essencialmente duas acusações. Por um lado, alega um erro pelo facto de a Comissão não ter aplicado a circunstância atenuante relativa à existência de dúvidas razoáveis sobre o carácter de infracção do comportamento em causa. Por outro, alega uma violação do princípio da igualdade de tratamento relativamente ao processo Tabaco em rama – Espanha.

 Quanto à existência de dúvidas razoáveis sobre o carácter ilícito do comportamento em causa

–       Argumentos das partes

294    A Transcatab defende que a existência de um contexto jurídico europeu e nacional confuso criou uma dúvida razoável sobre o carácter ilegal dos comportamentos dos transformadores de tabaco em rama e da APTI em Itália. Por conseguinte, a Comissão devia ter aplicado a circunstância atenuante prevista no ponto 3, quarto travessão, das orientações e, no mínimo, reduzir a coima aplicada aos transformadores individuais. A Comissão não fundamentou o indeferimento do pedido de concessão da atenuação apresentado pela Transcatab.

295    Em particular, a Transcatab alega que o Regulamento n.° 26, de 4 de Abril de 1962, relativo à aplicação de determinadas regras de concorrência à produção e ao comércio de produtos agrícolas (JO 1962, 30, p. 993; EE 08 F1 p. 29), prevê, sob certas condições, uma isenção para os acordos necessários à realização dos objectivos previstos no artigo 33.° CE. Ora, os acordos entre os transformadores foram considerados necessários para atingir os objectivos previstos no artigo 33.° CE. Com efeito, estes acordos foram necessários para assegurar o desenvolvimento racional da produção agrícola e para estabilizar e manter em vida o mercado italiano. Tiveram por função limitar os rendimentos dos intermediários sem reduzir os dos agricultores, mas antes aumentando‑os. A Transcatab defende ter provado que, atento o contexto factual particular do presente caso, os acordos entre os transformadores visavam atingir os objectivos previstos no artigo 33.° CE. Estas considerações, bem como as outras intervenções da União no sector do tabaco, criaram dúvidas razoáveis nos transformadores quanto à compatibilidade dos comportamentos em causa com as regras da concorrência.

296    Segundo a Transcatab, a regulamentação nacional, nomeadamente a lei n.° 88/88, também era susceptível de gerar um grau de incerteza considerável quanto à legalidade dos comportamentos em causa. Na decisão impugnada, a Comissão deveria ter reconhecido essa circunstância no que respeita aos transformadores, como o fez para a APTI e a Unitab, às quais aplicou uma sanção simbólica de 1 000 euros.

297    A Comissão entende que os argumentos da Transcatab devem ser julgados improcedentes.

–       Apreciação do Tribunal

298    Cabe, em primeiro lugar, observar que o presente processo está relacionado com a participação num acordo horizontal, cujo carácter secreto foi mantido pelos participantes durante vários anos, tendo por objecto nomeadamente a determinação dos preços. Trata‑se, portanto, de uma infracção manifesta e muito grave ao artigo 81.° CE. Além disso, no que diz respeito à empresa em causa, trata‑se de um dos principais transformadores italianos de tabaco em rama que pertence a um dos maiores grupos de comerciantes independentes de folhas de tabaco do mundo. Trata‑se, portanto, de uma empresa que dispunha de recursos materiais e intelectuais que lhe permitiam apreciar as características do seu enquadramento regulamentar e as consequências susceptíveis de resultar, a este respeito, do seu comportamento, nomeadamente do ponto de vista das regras da concorrência. Nestas circunstâncias, não seria razoável considerar que a Transcatab podia ter dúvidas quanto ao carácter ilícito do seu comportamento (v., neste sentido, acórdãos Grupo Danone/Comissão, n.° 148 supra, n.° 406, e Carbone‑Lorraine/Comissão, n.° 147 supra, n.° 229).

299    No que diz especificamente respeito, em primeiro lugar, ao Regulamento n.° 26, invocado pela Transcatab, importa observar que o referido regulamento, nomeadamente o seu artigo 2.°, estabelece uma derrogação à aplicabilidade do artigo 81.°, n.° 1, CE para os acordos, decisões e práticas relativos à produção ou ao comércio dos produtos enumerados no Anexo I do Tratado CE, entre os quais figura o tabaco em rama, que façam parte integrante de uma organização nacional de mercado ou que sejam necessários à realização dos objectivos enunciados no artigo 33.° CE.

300    Decorre da jurisprudência que, estando em causa uma derrogação à regra da aplicação geral do artigo 81.°, n.° 1, CE, o artigo 2.° do Regulamento n.° 26 deve ser interpretado restritivamente. Além disso, constitui jurisprudência constante que o n.° 1, primeiro período, do artigo 2.° do Regulamento n.° 26, que prevê a excepção invocada, só se aplica se o acordo em causa favorecer a realização de todos os objectivos do artigo 33.° CE. Por fim, como resulta do próprio texto do n.° 1, primeiro período, do artigo 2.° do Regulamento n.° 26, o acordo em questão deve ser «necessário» para a realização dos referidos objectivos (v. acórdão FNCBV e o./Comissão, n.° 254 supra, n.° 199 e jurisprudência aí indicada).

301    A este respeito, importa observar, em primeiro lugar, que, nos considerandos 303 a 313 da decisão impugnada, a Comissão excluiu expressamente a aplicação, no caso em apreço, das derrogações ao artigo 81.°, n.° 1, CE, previstas no artigo 2.° do Regulamento n.° 26. A Transcatab não contesta esta análise nem a conclusão a que a Comissão chegou, antes se limitando a alegar que a regulamentação em causa lhe criou uma dúvida razoável que a Comissão deveria ter tido em conta.

302    Em segundo lugar, cabe observar que o Regulamento n.° 26 prevê no artigo 2.°, n.os 2 e 3, um procedimento específico que permite à Comissão verificar a que acordos se podem aplicar as excepções previstas no n.° 2. Este procedimento prevê, nomeadamente, que a Comissão consulte os Estados‑Membros e as empresas ou associações de empresas interessadas.

303    Ora, nada nos autos indica que os acordos entre transformadores foram notificados à Comissão com vista à obtenção de uma isenção no quadro deste procedimento específico. De resto, a Transcatab não alega que esses acordos foram notificados à Comissão. Em contrapartida, decorre expressamente de certas notas tomadas na reunião da APTI de 4 de Abril de 2002 (v. n.° 4 supra) pelos representantes da Dimon Italia que os referidos acordos não foram notificados à Comissão, circunstância que a Transcatab não contesta. Na falta de notificação e de procedimento formal, a Transcatab não pode alegar que os transformadores tinham dúvidas quanto à possibilidade de os seus acordos integrarem o âmbito de aplicação da excepção prevista no Regulamento n.° 26. Além disso, num sistema como o previsto nesse regulamento, está excluído que operadores privados possam substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação no que respeita aos meios mais adequados para atingir os objectivos fixados no artigo 33.° CE e, assim, tomarem iniciativas ilegais que encontrariam a sua justificação no facto de prosseguirem tais objectivos.

304    Em terceiro lugar, decorre da decisão impugnada que o objectivo do acordo era, desde o princípio, claramente anticoncorrencial (v., por exemplo, considerando 111 da decisão impugnada). Não decorre das circunstâncias do caso vertente, e a Transcatab também não o prova, que os transformadores, com os acordos ilegais, tivessem em vista atingir os objectivos previstos no artigo 33.° CE.

305    A este propósito, o Tribunal de Justiça declarou que a preservação de uma concorrência efectiva nos mercados dos produtos agrícolas faz parte dos objectivos da política agrícola comum e da organização comum dos respectivos mercados (v. considerando 311 da decisão impugnada e acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 2003, Milk Marque e National Farmers’ Union, C‑137/00, Colect., p. I‑7975, n.° 57). Assim, a Transcatab não pode sustentar que acordos manifestamente anticoncorrenciais, como o cartel entre os transformadores no presente processo, prosseguiam os objectivos previstos no artigo 33.°, n.° 1, CE.

306    À luz de todas estas considerações, cabe concluir que a Transcatab não podia razoavelmente alegar que o Regulamento n.° 26 a levou a ter dúvidas razoáveis quanto ao carácter ilícito do cartel em causa.

307    No que diz respeito, em segundo lugar, à regulamentação nacional, cabe observar que, no considerando 323 da decisão impugnada, a Comissão observou que o cartel dos transformadores saía do âmbito de aplicação do disposto na lei n.° 88/88 pois tinha fundamentalmente por objecto a fixação de preços máximos ou médios de entrega e a repartição das quantidades e dos fornecedores, quando a referida lei tinha por objectivo garantir preços mínimos aos agricultores.

308    Deste modo, na medida em que as actividades do cartel não estavam cobertas pela regulamentação nacional, os transformadores não podiam, com base nessa regulamentação, alimentar dúvidas quanto ao carácter ilícito dos seus comportamentos.

309    Nestas circunstâncias e à luz das considerações feitas no n.° 298 supra, cabe concluir que a Comissão não cometeu qualquer erro ao não reduzir a coima ao abrigo da circunstância atenuante em causa.

310    Quanto à acusação constante na réplica, relativa à alegada não fundamentação da recusa de aplicação da circunstância atenuante em causa, cabe recordar ser jurisprudência assente que, embora a Comissão seja obrigada, nos termos do artigo 253.° CE, a fundamentar as suas decisões, mencionando os elementos de facto de que depende a justificação da decisão e as considerações que a levaram a adoptá-la, esta disposição não exige que a Comissão discuta todos os pontos de facto e de direito que foram tratados no decurso do procedimento administrativo (acórdão Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, n.° 173 supra, n.os 14 e 15, e acórdão do Tribunal Geral de 14 de Maio de 1998, Fiskeby Board/Comissão, T‑319/94, Colect., p. II‑1331, n.° 127).

311    Deste modo, não se podem extrair argumentos do facto de a Comissão, na parte da decisão impugnada relativa às circunstâncias atenuantes, não ter explicado as razões pelas quais entendeu que não devia aceitar certos elementos invocados como circunstâncias desse tipo pela Transcatab na sua resposta à comunicação de acusações. De resto, há que referir que, nos considerandos 302 a 324 da decisão impugnada, a Comissão analisou o impacto tanto do Regulamento n.° 26, como da regulamentação nacional.

 Quanto à diferença de tratamento relativamente ao processo Tabaco em rama – Espanha

–       Argumentos das partes

312    A Transcatab afirma que o facto de a Comissão não ter aplicado a circunstância atenuante em causa num contexto jurídico tão confuso como o presente deu azo a uma grande diferença de tratamento entre os transformadores italianos e os transformadores espanhóis. A fundamentação da decisão impugnada a este respeito é manifestamente ilógica, pois não teve em conta certas considerações acolhidas no processo Tabaco em rama – Espanha, que era muito semelhante a este. Em particular, no caso espanhol, a Comissão entendeu que o contexto jurídico e o comportamento do governo eram susceptíveis de criar uma incerteza tal que se justificava uma redução de 40% da coima não apenas no que respeita às associações profissionais, mas igualmente para os transformadores individuais.

313    Em contrapartida, no caso em apreço, numa situação praticamente idêntica, a Comissão concluiu que o cartel dos transformadores caía integralmente no âmbito do artigo 81.° CE, pois tinha por objectivo essencial fixar os preços máximos ou médios de entrega, quando a lei n.° 88/88 fixava preços mínimos. Ora, no processo Tabaco em rama – Espanha, a lei também só previa a fixação de preços mínimos.

314    A Comissão entende que os argumentos da Transcatab devem ser julgados improcedentes.

–       Apreciação do Tribunal

315    Com a presente acusação, a Transcatab alega uma violação do princípio da igualdade de tratamento, na medida em que a Comissão, num caso análogo ao presente, nomeadamente no processo Tabaco em rama – Espanha, aplicou aos transformadores a circunstância atenuante em causa.

316    A este respeito, já se recordou nos n.os 202 e 264 supra que, de acordo com jurisprudência constante, o princípio da igualdade de tratamento só é violado quando situações comparáveis são tratadas de modo diferente ou quando situações diferentes são tratadas de maneira igual, salvo se esse tratamento se justificar por razões objectivas.

317    No presente processo, a comparação das duas decisões em causa no que diz respeito à influência do quadro regulamentar nacional nas práticas em causa revela que as duas situações se caracterizavam por diferenças notórias. Em particular, decorre dos considerandos 52 e seguintes, 349 e seguintes, 426 a 429, 437 e 438, da decisão relativa ao processo Tabaco em rama – Espanha, que as autoridades públicas em Espanha desempenharam um papel importante nas negociações dos acordos entre produtores e transformadores. Tratava‑se de negociações qualificadas de «públicas». Em Espanha existia mesmo uma «prática ministerial [destinada] a autorizar e a incitar as partes a negociar colectivamente as condições de compra e de venda de tabaco, incluindo os preços» (considerando 60 da decisão no processo Tabaco em rama – Espanha). A Comissão concluiu que «as negociações públicas entre os representantes dos produtores e as empresas de transformação determinaram, pelo menos em certa medida, o quadro material (em especial no que respeita às ocasiões de se concertar e de adoptar uma posição comum) no qual as empresas de transformação puderam desenvolver, para além da posição comum que adoptariam no contexto das negociações públicas, a sua estratégia secreta sobre os preços médio de entrega (nível máximo) e as quantidades» (considerando 438 da decisão no processo Tabaco em rama – Espanha). Foi essencialmente por esta razão que a Comissão reduziu em 40% o montante de base das coimas aplicadas aos transformadores espanhóis.

318    Ora, importa reconhecer que, no presente processo, as autoridades públicas não desempenharam esse papel nas negociações entre transformadores e produtores.

319    A Transcatab não pode, portanto, alegar que, ao não aplicar a circunstância atenuante em causa, a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento.

320    Por fim, no que diz respeito ao argumento relativo a uma fundamentação ilógica, há que observar que a Transcatab se limita a remeter de uma forma muito geral para a decisão no processo Tabaco em rama – Espanha, sem precisar quais as considerações que não foram atendidas na decisão impugnada e que tornavam a sua fundamentação ilógica.

321    Assim, a terceira parte do quarto fundamento deve ser julgada totalmente improcedente.

 Quanto à quarta parte do quarto fundamento, relativa à circunstância atenuante referente à colaboração efectiva da Transcatab no processo

 Argumentos das partes

322    A Transcatab alega, em primeiro lugar, que a Comissão devia ter‑lhe aplicado a circunstância atenuante prevista no ponto 3, sexto travessão, das orientações, relativo à colaboração efectiva da empresa no processo, fora do âmbito de aplicação da comunicação sobre a cooperação. Defende que a sua colaboração com a Comissão foi total durante todo o processo e excedeu o que lhe era exigido no quadro da comunicação sobre a cooperação. Refere‑se especificamente a declarações espontâneas do seu director geral e do seu director de compras a respeito do funcionamento do cartel, bem como à avaliação positiva da sua cooperação pelos funcionários da Comissão que efectuaram a investigação. Além disso, a Comissão, em diversos outros casos, procedeu à redução do montante inicial da coima que pretendia aplicar devido à atitude cooperante da empresa.

323    Em segundo lugar, a Transcatab alega que a Comissão, ao não lhe aplicar a circunstância atenuante em causa e ao aplicá‑la à Deltafina, violou o princípio da igualdade de tratamento. A Comissão concedeu à Deltafina uma redução de 50% devido à sua cooperação dado que não lhe havia sido concedida nenhuma redução da coima na acepção da comunicação sobre a cooperação. Contudo, decorre da decisão impugnada que a Deltafina não respeitou as suas obrigações de cooperação resultantes da aplicação da comunicação sobre a cooperação. Assim, uma empresa que não respeitou a sua obrigação de cooperação obteve uma redução da sua coima maior do que a obtida pela Transcatab, que, pelo contrário, cooperou de forma constante e bem mais significativa do que o estritamente necessário. Tal atitude anula por completo o efeito persuasivo da comunicação sobre a cooperação.

324    De acordo com a Transcatab, o facto de a Deltafina ter violado conscientemente a sua obrigação de cooperação não torna a sua situação excepcional. Assim, segundo afirma, existem duas possibilidades: ou o sistema da comunicação sobre a cooperação e a circunstância atenuante relativa à cooperação podem coexistir e, nesse caso, foi correctamente que a Comissão reduziu a coima da Deltafina, embora devesse, por razões de equidade, ter aplicado o mesmo tratamento à Transcatab, que, no mínimo, cooperou tanto como a Deltafina; ou então os dois sistemas não podem coexistir e, nesse caso, a aplicação da circunstância atenuante à Deltafina era de excluir dado que foi a primeira empresa a invocar a aplicação da comunicação sobre a cooperação.

325    Subsidiariamente, a Transcatab pede que lhe seja concedida uma redução suplementar da coima, em medida pelo menos igual à concedida à Deltafina, em virtude da sua total colaboração, fora do âmbito de aplicação da comunicação sobre a cooperação.

326    A Comissão entende que os argumentos da Transcatab devem ser julgados improcedentes.

 Apreciação do Tribunal

327    Quanto à primeira acusação da Transcatab, importa recordar que, de acordo com o ponto 3, sexto travessão, das orientações, o montante de base das coimas pode ser reduzido em caso de colaboração efectiva da empresa no processo, fora do âmbito de aplicação da comunicação sobre a cooperação.

328    Decorre da jurisprudência que esta circunstância atenuante específica só se aplica às infracções não abrangidas pelo âmbito de aplicação da comunicação sobre a cooperação (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 88 supra, n.° 380).

329    A este respeito, importa observar que a aplicação do ponto 3, sexto travessão, das orientações, não pode privar a comunicação sobre a cooperação do seu efeito útil. Com efeito, cabe observar que a comunicação sobre a cooperação define um quadro que permite recompensar, pela respectiva cooperação no inquérito da Comissão, as empresas que participam ou participaram em cartéis secretos que afectam a União. Decorre, assim, do texto e da economia da referida comunicação que as empresas, em princípio, só podem obter uma redução da coima ao abrigo da respectiva cooperação se cumprirem estritamente as condições previstas nessa comunicação.

330    Por conseguinte, a fim de preservar o efeito útil da comunicação sobre a cooperação, a Comissão só pode conceder uma redução da coima a uma empresa com base no ponto 3, sexto travessão, das orientações em situações excepcionais. É o que ocorre, nomeadamente, quando a cooperação de uma empresa, embora indo para além da sua obrigação legal de cooperar sem, todavia, lhe dar o direito a uma redução da coima ao abrigo da comunicação sobre a cooperação, é objectivamente útil para a Comissão.

331    No caso em apreço, decorre dos considerandos 493 a 498 que a Comissão avaliou, no quadro da comunicação sobre a cooperação, as provas apresentadas pela Transcatab, bem como a sua atitude e a duração da cooperação ao longo do processo. A este respeito, importa recordar que a Comissão goza de uma vasta margem de apreciação na valoração da qualidade e da utilidade da cooperação prestada por uma empresa (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Maio de 2007, SGL Carbon/Comissão, C‑328/05 P, Colect., p. I‑3921, n.° 88).

332    Tendo a Transcatab sido a segunda empresa, após a Mindo, a cumprir as condições previstas na comunicação sobre a cooperação para uma redução da coima, a Comissão concedeu‑lhe, com base na avaliação da cooperação prestada, uma redução da coima de 30% ao abrigo da referida comunicação, ou seja, uma redução que se situa no nível máximo da moldura prevista na comunicação sobre a cooperação para a segunda empresa a cumprir as condições exigidas para a redução.

333    Assim, há que observar que a Comissão teve em conta a cooperação prestada pela Transcatab no quadro da comunicação sobre a cooperação. Além disso, é incontestável que, no caso vertente, se trata de um cartel e, por conseguinte, de uma infracção abrangida pelo âmbito de aplicação da referida comunicação (v., neste sentido, acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 88 supra, n.° 380).

334    Além disso, a Transcatab de modo algum provou a existência, no presente processo, de circunstâncias excepcionais que justificam a tomada em consideração da sua cooperação fora do âmbito de aplicação da comunicação sobre a cooperação e, assim, a aplicação da circunstância atenuante prevista no ponto 3, sexto travessão, das orientações. Com efeito, as circunstâncias invocadas pela Transcatab, como as declarações espontâneas ou a avaliação positiva sobre a sua cooperação, não constituem elementos susceptíveis de justificar a aplicação da referida circunstância atenuante no presente processo.

335    No que diz respeito à segunda acusação da Transcatab, relativa à alegada violação do princípio da igualdade de tratamento em virtude da aplicação da referida circunstância atenuante à Deltafina, também não pode ser acolhida.

336    Já foi recordado que, em conformidade com jurisprudência constante, o princípio da igualdade de tratamento só é violado quando situações comparáveis são tratadas de modo diferente ou situações diferentes são tratadas de maneira igual, salvo se esse tratamento se justificar por razões objectivas (v. n.os 202, 264 e 316 supra).

337    Ora, há que observar que, no caso em apreço, a situação da Deltafina não é comparável à da Transcatab. Com efeito, a Deltafina foi a primeira empresa a contactar a Comissão e a pedir imunidade ao abrigo da comunicação sobre a cooperação, enquanto a Transcatab foi a terceira a apresentar à Comissão um pedido ao abrigo da referida comunicação. Assim, depois de conceder à Deltafina imunidade condicional ao abrigo da referida comunicação, a Comissão, tendo apurado que esta violara a sua obrigação de cooperação a que estava obrigada enquanto requerente de imunidade, decidiu no fim do processo não lhe conceder a imunidade definitiva. A Comissão considerou que a Deltafina não devia obter qualquer redução da coima ao abrigo da comunicação sobre a cooperação, a qual, segundo a Comissão, deixara de lhe ser aplicável. Foi por esta razão que a Comissão considerou que a situação da Deltafina apresentava características excepcionais que justificavam que se lhe concedesse uma redução ao abrigo da circunstância atenuante em causa.

338    Decorre destas considerações que a situação da Deltafina e a da Transcatab eram muito diferentes no que diz respeito à apreciação da respectiva cooperação, não podendo assim esta alegar uma violação do princípio da igualdade de tratamento com fundamento no facto de a Comissão não lhe ter aplicado a circunstância atenuante relativa à colaboração efectiva no decurso do procedimento administrativo.

339    Cabe, assim, julgar improcedente a quarta parte do quarto fundamento.

 Quanto à quinta parte do quarto fundamento, relativa à circunstância atenuante referente à inexistência de precedente no mercado do tabaco em rama quando a Comissão deu início às suas averiguações

 Argumentos das partes

340    A Transcatab alega que a Comissão devia ter tido em conta, como circunstância atenuante, o facto de não existir qualquer precedente no mercado do tabaco em rama no momento em que deu início ao procedimento ora em causa. A Comissão afastou a aplicação desta circunstância atenuante sem fornecer qualquer indicação na decisão impugnada, violando assim a sua obrigação de fundamentação. Em defesa do seu argumento a Transcatab indica vários precedentes.

341    A Comissão entende que os argumentos da Transcatab devem ser julgados improcedentes.

 Apreciação do Tribunal

342    As orientações não prevêem expressamente qualquer circunstância atenuante relativa à inexistência de precedentes no mercado afectado pela infracção. O último travessão do ponto 3 das orientações prevê, contudo, a possibilidade de a Comissão ter em conta outras circunstâncias para além das referidas nos travessões anteriores para conceder uma diminuição do montante de base da coima.

343    A este respeito, importa recordar que a Comissão dispõe de uma margem de apreciação relativamente à aplicação de circunstâncias atenuantes (acórdão Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, n.° 143 supra, n.° 307). Além disso, o Tribunal Geral já declarou que a Comissão não é obrigada a atenuar as coimas quando age pela primeira vez num sector específico (acórdão do Tribunal Geral de 29 de Novembro de 2005, SNCZ/Comissão, T‑52/02, Colect., p. II‑5005, n.° 84).

344    Ora, há que observar que a Transcatab não demonstra a razão pela qual a Comissão cometeu um erro ao não considerar que a inexistência de precedentes no sector do tabaco a devia levar a reduzir a sua coima. A Transcatab limita‑se apenas a referir toda uma séria de casos em que a Comissão teve em conta como circunstância atenuante o facto de o artigo 81.° nunca ter sido aplicado no sector objecto da coima.

345    Todavia, a este respeito, cabe recordar que o simples facto de a Comissão ter considerado, na sua prática decisória anterior, que certos elementos constituíam circunstâncias atenuantes para efeitos da determinação do montante da coima não implica que seja obrigada a fazer a mesma apreciação numa decisão ulterior (acórdão Mayr‑Melnhof/Comissão, n.° 291 supra, n.° 368, e LR AF 1998/Comissão, n.° 180 supra, n.° 337).

346    Quanto ao argumento relativo à falta de fundamentação, já se recordou, nos n.os 310 e 311 supra, que o artigo 253.° CE não exige que Comissão discuta todos os pontos de facto e de direito que foram tratados no decurso do procedimento administrativo e que, por essa razão, não pode alegar‑se que, na parte da decisão impugnada relativa às circunstâncias atenuantes, a Comissão não explicou as razões pelas quais entendeu que não devia aceitar certos elementos invocados neste contexto pela Transcatab.

347    À luz destas considerações, a quinta parte do quarto fundamento também deve ser julgada improcedente.

 Quanto à sexta parte do quarto fundamento, relativa às características socioeconómicas do sector do tabaco em rama em Itália e à crise do sector

 Argumentos das partes

348    A Transcatab defende que a Comissão deveria ter reduzido a coima em conformidade com o ponto 5, alínea b), das orientações, tomando em consideração o contexto de crise do mercado italiano e as pressões a que os intermediários, mesmo através de actividades ilegais, sujeitavam os transformadores. Um contexto económico e social tão particular implicou a tomada de medidas destinadas a garantir a sobrevivência das empresas de transformação. Vários documentos provam as enormes pressões a que estavam sujeitos os transformadores e as «terríveis intimidações e ameaças» que sofriam. Além disso, o comportamento dos transformadores foi uma resposta à necessidade de contrariar o poder dos intermediários. Os transformadores só lograram resistir a esta situação graças a cartéis com um efeito dissuasivo real. A Comissão deveria ter tido em conta esta situação concedendo uma redução da coima.

349    Além disso, durante o período em causa, a Transcatab, como de resto outros transformadores que operavam em Itália, sofreu prejuízos constantes e importantes e foi posta em liquidação. Estes factos demonstram que os cartéis apenas pretendiam pôr cobro à crise no sector e garantir a sua sobrevivência.

350    A Transcatab alega que na Decisão 2003/600/CE da Comissão, de 2 de Abril de 2003, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 81.° [CE] (Processo COMP/C.38.279/F3 – Carnes de bovino francesas) (JO L 209, p. 12; considerandos 180 a 185), a Comissão considerou que a crise do sector justificava uma redução da coima de 60%. As particularidades do mercado em causa foram, aliás, tidas em consideração na jurisprudência e noutros precedentes. Acresce que, segundo a Transcatab, o ponto 5, alínea b), das orientações não devia ser aplicado apenas em casos excepcionais. A expressão «é conveniente […] tomar em consideração» demonstra, efectivamente, que a Comissão não tinha margem de manobra no que respeita à tomada em consideração dos elementos aí mencionados.

351    A Comissão entende que os argumentos da Transcatab devem ser julgados improcedentes.

 Apreciação do Tribunal

352    Decorre de uma jurisprudência constante que a Comissão não tinha de considerar que a falta de saúde financeira do sector em causa era uma circunstância atenuante (v. acórdão de 29 de Abril de 2004, Tokai Carbon e o./Comissão, n.° 224 supra, n.° 345 e jurisprudência aí indicada; acórdãos do Tribunal Geral de 29 de Novembro de 2005, Heubach/Comissão, T‑64/02, Colect., p. II‑5137, n.° 139, e Wieland‑Werke e o./Comissão, n.° 180 supra, n.° 227). Com efeito, observou‑se que, de um modo geral, os cartéis nascem num momento em que um sector passa por dificuldades. Deste modo, a seguir o raciocínio da Transcatab, a coima deveria ser reduzida em quase todos os casos (v., neste sentido, acórdãos Raiffeisen Zentralbank Österreich e o./Comissão, n.° 141 supra, n.° 510, de 12 de Setembro de 2007, Prym e Prym Consumer/Comissão, n.° 188 supra, n.° 207, e Wieland‑Werke e o./Comissão, n.° 180 supra, n.° 227).

353    É de facto verdade que, na prática decisória da Comissão, as crises estruturais foram por vezes consideradas circunstâncias atenuantes. Contudo, segundo a jurisprudência referida no número anterior, a tomada em consideração pela Comissão, em processos anteriores, da situação económica do sector como circunstância atenuante não implica que tenha de necessariamente continuar a observar essa prática (acórdãos de 12 de Setembro de 2007, Prym e Prym Consumer/Comissão, n.° 188 supra, n.° 208, e Wieland‑Werke e o./Comissão, n.° 180 supra, n.° 227).

354    Assim, a Transcatab não pode alegar que a Comissão estava obrigada a reduzir a coima em virtude da situação de crise do mercado italiano do tabaco em rama.

355    Além disso, em conformidade com a jurisprudência referida nos n.os 352 e 353 supra e com a referida nos n.os 162 e 346 supra, deve declarar‑se que a referência à Decisão 2003/600 não é pertinente. Em todo o caso, importa observar que a Comissão explicou efectivamente que a situação em que tinha sido adoptada essa decisão era consideravelmente diferente da do presente caso, na medida em que, no caso da carne bovina francesa, o comportamento em causa era a resposta a uma crise imprevista que resultava de uma queda dramática da procura devido a factores totalmente alheios à situação económica do sector, ao passo que no caso vertente as dificuldades do sector existiam há muito tempo e eram em grande parte de natureza estrutural.

356    No que diz respeito ao argumento segundo o qual o comportamento dos transformadores foi uma resposta à necessidade de contrariar o poder dos intermediários, a Comissão explicou, nos considerandos 289 e 290 da decisão impugnada, as razões que a levaram a não acolher esse argumento. Em particular, no considerando 289 da decisão impugnada, afirmou correctamente que não cabia às empresas tomar medidas contrárias ao artigo 81.°, n.° 1, CE para compensar práticas que, com razão ou sem ela, considerava ilegais.

357    Há ainda que observar que a Transcatab não provou as «terríveis intimidações e ameaças» a que alega ter sido sujeita. Com efeito, como a Comissão observa, o documento n.° 2573 dos autos, que invocou, mais não é do que uma acta, redigida pelos representantes da Dimon Itália, de uma reunião que teve lugar em 1997 entre, nomeadamente, a Deltafina, a Transcatab e a APTI, sobre o tabaco produzido para além da quota e a necessidade de as autoridades tomarem medidas adequadas para assegurar o seu escoamento. Este documento apenas evoca a possibilidade de haver protestos dos agricultores devido às dificuldades do seu sector. Não decorre, contudo, desse documento que esses eventuais protestos, de que não existe qualquer prova de que tenham realmente ocorrido, tivessem necessariamente por alvo os transformadores. Ora, a simples possibilidade da existência de protestos não constitui uma situação excepcional de crise susceptível de justificar comportamentos contrários ao artigo 81.° CE. Além disso, o relatório da comissão de inquérito parlamentar invocado pela Transcatab não menciona qualquer facto específico relativo a actividades ilegais no mercado do tabaco, não sendo por isso pertinente neste contexto.

358    Por fim, o argumento relativo à situação financeira da Transcatab foi analisado e julgado improcedente no âmbito da terceira parte do segundo fundamento.

359    Assim, há que julgar improcedente a sexta parte do quarto fundamento e, por conseguinte, todo o fundamento.

5.     Quanto ao quinto fundamento, relativo à aplicação da comunicação sobre a cooperação

 Argumentos das partes

360    Em primeiro lugar, a Transcatab alega que a Comissão, tendo considerado que a comunicação sobre a cooperação não era aplicável à Deltafina, devia tê‑la tratado como a primeira sociedade a beneficiar da redução da coima.

361    Em segundo lugar, a Transcatab defende que, de acordo com o ponto 23, último parágrafo, da comunicação sobre a cooperação, não devia ter sido punida pelos seus comportamentos durante o período entre 1999 e 2002. Com efeito, foi a primeira empresa a informar a Comissão da existência dos acordos concluídos nesse período. O seu contributo tinha sido extremamente detalhado, decisivo e completo. Antes de a Transcatab apresentar as suas informações, a Comissão só dispunha de algumas informações fornecidas pela Deltafina e pela Dimon. A Transcatab dá vários exemplos de informações apresentadas relativamente a cada um dos anos do período compreendido entre 1999 e 2002.

362    Deste modo, no que diz respeito a este período, a Transcatab forneceu «elementos de prova relacionados com factos anteriormente desconhecidos da Comissão» e os referidos factos tiveram uma «incidência directa sobre a gravidade ou duração» do cartel, na acepção do ponto 23, último parágrafo, da comunicação sobre a cooperação. Este parágrafo visa permitir à Comissão compensar a percentagem de redução que uma empresa corre o risco de não obter em virtude do seu atraso relativamente aos seus concorrentes, devido ao tempo consagrado à redacção de uma declaração completa.

363    A Comissão entende que os argumentos da Transcatab devem ser julgados improcedentes.

 Apreciação do Tribunal

 Quanto à qualidade de primeira sociedade a beneficiar da redução da coima

364    Deve recordar‑se que as condições de admissibilidade dos recursos são questões de ordem pública que o órgão jurisdicional da União pode e deve, se for caso disso, suscitar oficiosamente (v. acórdão Honeywell/Comissão, n.° 132 supra, n.° 53 e jurisprudência aí indicada; v. também, neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Novembro de 2007, Stadtwerke Schwäbisch Hall e o./Comissão, C‑176/06 P, não publicado na Colectânea, n.° 18).

365    Como se recordou nos n.os 131 e 132 supra, nos termos do artigo 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a petição deve conter, designadamente, «o objecto do litígio» e «a exposição sumária dos fundamentos do pedido». Além disso, segundo o artigo 48.°, n.° 2, do referido regulamento, «[é] proibido deduzir novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo». Decorre destas disposições que todo o fundamento que não esteja suficientemente articulado na petição inicial deve ser considerado inadmissível. Além disso, a exposição sumária dos fundamentos da recorrente deve ser suficientemente clara e precisa para permitir à recorrente preparar a sua defesa e ao Tribunal decidir o processo, eventualmente sem mais informações (acórdãos do Tribunal Geral de 24 de Fevereiro de 2000, ADT Projekt/Comissão, T‑145/98, Colect., p. II‑387, n.° 66, e de 16 de Março de 2004, Danske Busvognmænd/Comissão, T‑157/01, Colect., p. II‑917, n.° 45). Requerem‑se exigências análogas quando um vício é invocado em apoio de um fundamento (acórdão do Tribunal Geral de 14 de Maio de 1998, Mo och Domsjö/Comissão, T‑352/94, Colect., p. II‑1989, n.° 333).

366    Acresce que, segundo jurisprudência bem assente, a fim de garantir a segurança jurídica e uma boa administração da justiça, é preciso, para que um recurso seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito, nos quais este se funda, resultem, pelos menos sumariamente, mas de forma coerente e compreensível, do texto da própria petição (acórdão Honeywell/Comissão, já referido no n.° 132 supra, n.° 56). A este respeito, embora a petição possa ser baseada e completada no que respeita a aspectos específicos, por remissões feitas para excertos de documentos que a ela são anexados, uma remissão global para outros documentos, mesmo anexados à petição, não poderá compensar a inexistência de elementos essenciais da argumentação de direito, que, por força das disposições acima recordadas, devem figurar na petição (despacho do Tribunal Geral de 21 de Maio de 1999, Asia Motor France e o./Comissão, T‑154/98, Colect., p. II‑1703, n.° 49). Além disso, não compete ao Tribunal procurar e identificar, nos anexos, os fundamentos e os argumentos que pode considerar que constituem o fundamento do recurso, uma vez que os anexos têm uma função meramente probatória e instrumental (v. acórdão do Tribunal Geral de 7 de Maio de 2009, NVV e o./Comissão, T‑151/05, Colect., p. II‑1219, n.° 61 e jurisprudência aí indicada).

367    No caso em apreço, a apresentação do argumento em análise é muito sumária, já que a Transcatab só lhe dedica uma frase na petição.

368    Na audiência, ao mesmo tempo que reconheceu que a acusação fora apresentada de forma lacónica, a Transcatab esclareceu o seu alcance. A Transcatab alega essencialmente que, caso o Tribunal considere que a comunicação sobre a cooperação não era aplicável à Deltafina e que, por isso, a Mindo, e não a Deltafina, devia ser considerada a primeira empresa a beneficiar da imunidade em matéria de coimas, a Transcatab devia ser considerada – com base numa espécie de «efeito dominó» – a primeira sociedade a beneficiar da redução da coima nos termos do ponto 23, primeiro parágrafo, alínea b), da comunicação sobre a cooperação. Assim, deveria aumentar‑se a redução da coima que a Comissão concedeu à Transcatab.

369    A este respeito, importa observar que a procedência do argumento da Transcatab pressupõe, em primeiro lugar, que a Mindo tenha interposto recurso da decisão impugnada no Tribunal Geral, em segundo, que tenha suscitado um fundamento relativo ao facto de que deveria ser ela própria e não a Mindo a gozar da imunidade em matéria de coimas, dada a não aplicação a esta última da comunicação sobre a cooperação e, por último, que o Tribunal julgue este fundamento procedente no processo relativo à Mindo.

370    Deste modo, a acusação da Transcatab assenta numa remissão implícita para um fundamento eventualmente suscitado noutro processo e ao qual nem sequer é feita uma referência expressa. Além disso, uma tal acusação só pode ser acolhida se o fundamento eventualmente suscitado pela Mindo no outro processo for acolhido pelo Tribunal.

371    Ora, aceitar a admissibilidade de fundamentos não suficientemente desenvolvidos na petição mas que remetem para fundamentos hipoteticamente suscitados por um terceiro noutro processo, para o qual se remeteu na petição, equivaleria a permitir a fuga às exigências imperativas do artigo 44.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, recordadas no n.° 365 supra (v., neste sentido, acórdão Honeywell/Comissão, já referido no n.° 132 supra, n.° 64).

372    Em todo o caso, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o Tribunal Geral deve declarar a inadmissibilidade de um pedido constante da petição que lhe foi apresentada quando os elementos essenciais de facto e de direito em que se funda esse pedido não decorram, de forma coerente e compreensível, do texto da própria petição, não podendo a inexistência desses elementos na petição ser suprida pela sua apresentação na audiência (acórdão de 18 de Julho de 2006, Rossi/IHMI, C‑214/05 P, Colect., p. I‑7057, n.° 37).

373    À luz de todas estas considerações, a acusação em causa deve ser julgada inadmissível.

 Quanto ao ponto 23, último parágrafo, da comunicação sobre a cooperação.

374    Quanto ao argumento da Transcatab de que, em conformidade com o ponto 23, último parágrafo, da comunicação sobre a cooperação, aquela não deveria ter sido punida pelos seus comportamentos entre 1999 e 2002, enquanto primeira empresa a informar a Comissão da existência dos acordos celebrados nesse período, cabe recordar que, nos termos desta disposição, «se uma empresa fornecer elementos de prova relacionados com factos anteriormente desconhecidos da Comissão, com incidência directa sobre a gravidade ou duração do cartel presumido, a Comissão não tomará em consideração estes elementos ao fixar o montante de qualquer coima a aplicar à empresa que os forneceu».

375    Há igualmente que recordar que, no âmbito da apreciação da cooperação dos membros de um cartel, só um erro manifesto de apreciação da Comissão pode ser censurado, uma vez que esta beneficia de uma ampla margem de apreciação na avaliação da qualidade e da utilidade da cooperação prestada por uma empresa (v., neste sentido, acórdão de 10 de Maio de 2007, SGL Carbon/Comissão, n.° 331, supra, n.° 88).

376    Importa, assim, em primeiro lugar, esclarecer o âmbito do ponto 23, último parágrafo, da comunicação sobre a cooperação e, em segundo, verificar se a Comissão incorreu um erro manifesto de apreciação na aplicação desta disposição ao punir a Transcatab pelos seus comportamentos entre 1999 e 2002.

377    Há que, desde logo, afastar a interpretação proposta pela Transcatab, segundo a qual o ponto 23, último parágrafo, da comunicação sobre a cooperação visa permitir à Comissão compensar a percentagem de redução que uma empresa corre o risco de não obter por chegar mais tarde do que os seus concorrentes devido ao tempo dedicado à redacção de uma declaração completa (v. n.° 362 supra). Esta interpretação contraria a lógica da comunicação sobre a cooperação, na medida em que pode pôr em causa o objectivo principal do sistema criado por essa comunicação, ou seja, o de incentivar os membros do acordo a «traí‑lo» e a cooperar com a Comissão.

378    Com efeito, decorre do preâmbulo da comunicação sobre a cooperação que a sua lógica é a de incentivar as empresas participantes em acordos ilegais a cooperar com a Comissão no quadro da luta contra os cartéis pelo facto de os acordos deste tipo constituírem práticas que integram as mais graves restrições da concorrência. Neste contexto, a fim de favorecer essa cooperação, a Comissão cria um sistema que tem por objectivo conceder às empresas que colaboram com ela seja a imunidade, seja reduções das coimas que podem ser‑lhes aplicadas.

379    Ora, é inerente a esta lógica que o efeito pretendido pela comunicação sobre a cooperação é o de criar um clima de incerteza no seio dos cartéis, incentivando a sua denúncia à Comissão. Esta incerteza resulta precisamente do facto de os participantes no cartel saberem que só um deles poderá beneficiar da imunidade em relação à coima, denunciando os outros participantes na infracção e expondo‑os assim ao risco de lhes serem aplicadas coimas. No quadro deste sistema, e segundo a mesma lógica, as empresas mais rápidas a oferecer colaboração obterão reduções mais importantes das coimas, que de outra forma lhes seriam aplicadas, do que as concedidas às empresas menos rápidas a cooperar.

380    A ordem cronológica e a rapidez da cooperação oferecida pelos membros do cartel constituem, assim, elementos fundamentais do sistema criado pela comunicação sobre a cooperação.

381    Ora, a interpretação da finalidade de uma disposição da comunicação sobre a cooperação deve respeitar a própria lógica dessa comunicação. Nesta perspectiva, o ponto 23, último parágrafo, da referida comunicação deve interpretar‑se no sentido de ter por objectivo recompensar uma empresa que, embora não tendo sido a primeira a apresentar o pedido de imunidade relativamente ao cartel em causa, tenha sido a primeira a apresentar à Comissão elementos de prova relativos a factos desconhecidos da Comissão, com incidência directa na gravidade ou duração do cartel. Por outras palavras, se os elementos de prova apresentados por uma empresa disserem respeito a factos que permitam à Comissão modificar a apreciação que, nesse momento, faz da gravidade ou da duração do cartel, a empresa que apresenta esses elementos de prova é recompensada com a imunidade relativamente aos factos que esses elementos de prova demonstram.

382    Assim, o ponto 23, último parágrafo, da comunicação sobre a cooperação não diz respeito aos casos em que uma empresa se limitou a apresentar elementos de prova novos ou mais completos relativamente a factos já conhecidos da Comissão. O referido parágrafo também não se aplica aos casos em que uma empresa dá a conhecer factos novos que, todavia, não são susceptíveis de modificar a apreciação que a Comissão faz da gravidade ou da duração do cartel. Ao invés, esta disposição aplica‑se exclusivamente nos casos em que estejam preenchidas duas condições: em primeiro lugar, a empresa em causa é a primeira a provar factos anteriormente desconhecidos da Comissão; em segundo lugar, estes factos, com incidência directa na gravidade ou duração do eventual cartel, permitem à Comissão formular novas conclusões sobre a infracção.

383    É, portanto, à luz destas considerações que cabe verificar se a Comissão cometeu um erro ao punir a Transcatab pelos seus comportamentos entre 1999 e 2002. A este respeito, cabe observar, em primeiro lugar, que no considerando 497 da decisão impugnada, a Comissão afirmou expressamente que não ignorava nenhum dos factos a respeito dos quais a Transcatab tinha apresentado elementos de prova e, em segundo lugar, que, no quadro da presente acusação, os argumentos da Transcatab apenas se referem à duração do cartel. Em contrapartida, não têm por objecto factos com incidência directa na gravidade da infracção.

384    Decorre dos autos que, desde a apresentação do pedido de imunidade pela Deltafina, em 19 de Fevereiro de 2002, a Comissão tinha conhecimento de que o cartel começara em 1995 e durou até 2001. Com efeito, no seu pedido de imunidade, a Deltafina tinha, por um lado, reconhecido expressamente esse facto e, por outro lado, apresentado oito notas manuscritas relativas a reuniões e discussões entre os transformadores relativas ao ano de 1999, duas notas manuscritas sobre o ano de 2000 e duas outras sobre 2001. Além disso, cabe observar que a Transcatab se limita a afirmar ter sido a primeira a apresentar prova de vários acordos e contactos entre os transformadores nesse período. Em contrapartida, não afirma que a Comissão ainda não sabia que o cartel entre os transformadores estava operacional no período compreendido entre 1999 e 2002.

385    Além disso, uma análise detalhada da decisão impugnada demonstra igualmente que a Comissão baseou a sua decisão em várias informações sobre os contactos entre os transformadores provenientes da Deltafina e da Dimon Italia e, portanto, independentemente das informações fornecidas pela Transcatab.

386    No que diz respeito, em particular, ao ano de 1999, decorre da decisão impugnada que a Deltafina deu várias indicações dos contactos ocorridos entre os transformadores nesse ano, por exemplo nos considerandos 159 (nota n.° 181), 195 (nota n.° 206), 199 (nota n.° 212) e 200 (nota n.° 214). Ora, decorre de todas essas notas que a Deltafina descreveu o conteúdo das reuniões em declarações prestadas antes da apresentação pela Transcatab do pedido de redução da coima.

387    Quanto ao alargamento do cartel à produção excedentária, decorre da decisão impugnada que os considerandos 144 e 148 foram redigidos com base em informações prestadas pela Deltafina. A Comissão precisou na tréplica que esses considerandos se baseiam em documentos apresentados pela Deltafina em 22 de Fevereiro de 2002, ou seja, mais uma vez, antes da apresentação do pedido de redução da coima pela Transcatab. O facto de esse alargamento ter sido formalizado posteriormente num acordo apresentado pela Transcatab em nada muda a apreciação da presente acusação da Transcatab à luz do ponto 23, último parágrafo, da comunicação sobre a cooperação.

388    No que diz respeito ao ano de 2000, os considerandos 203 (nota n.° 216) e 204 (nota n.° 218) da decisão impugnada revelam que a Deltafina apresentou várias provas dos contactos entre os transformadores ocorridos nesse ano. A nota n.° 218 explica, nomeadamente, que a Deltafina descreveu o conteúdo da reunião mencionada no considerando 204 da decisão impugnada em declarações anteriores à apresentação pela Transcatab do pedido de redução da coima, o que foi confirmado pela Comissão na tréplica. Além disso, decorre dos autos que, em 19 de Março de 2002, a Deltafina também forneceu informações e apresentou documentos à Comissão sobre os contactos realizados nesse ano.

389    No que diz respeito ao ano de 2001, decorre dos considerandos 209 (nota n.° 223) e 211 (nota n.° 225) da decisão impugnada que, antes da apresentação do pedido de redução pela Transcatab, já a Deltafina tinha apresentado à Comissão documentos que provavam a existência, nesse ano, de contactos entre os transformadores. Em particular, os documentos 495, 498, 524 e 614, mencionados nessas duas notas, provam inequivocamente a existência de contactos entre os transformadores nesse período. Estes documentos revelam igualmente que, antes da apresentação do pedido de redução da coima pela Transcatab, a Comissão já tinha conhecimento dos contactos ilícitos entre os transformadores, designadamente a Transcatab, pelo menos até 15 de Outubro de 2001.

390    No que diz respeito ao ano de 2002, a Comissão defende que já tinha conhecimento da continuação dos contactos entre os transformadores nesse ano, devido à telecópia, mencionada na nota n.° 235 da decisão impugnada, apresentada pela Dimon. A Transcatab alega, contudo, que este documento foi apresentado depois de 18 de Abril de 2002, data em que apresentou os documentos mencionados na nota n.° 234 a respeito do ano de 2002.

391    A este respeito, importa observar que, mesmo admitindo que este documento foi apresentado pela Dimon Italia depois da Transcatab e que, por isso, esta foi a primeira empresa a apresentar provas dos encontros ocorridos no início de 2002, esse facto não tem qualquer consequência prática.

392    Com efeito, por um lado, como se observou no n.° 389 supra, decorre dos autos que, antes da apresentação do pedido de redução da coima pela Transcatab, a Comissão dispunha de provas relativas à duração do cartel pelo menos até 15 de Outubro de 2001. Tendo o cartel começado em 29 de Setembro de 1995 (v. considerando 377 da decisão impugnada), facto que não é contestado pela Transcatab, há que reconhecer que antes da apresentação dos documentos pela Transcatab a Comissão já dispunha, portanto, de informações suficientes para concluir que o cartel tinha durado mais de seis anos. Assim, esta conclusão, por si só, permitia à Comissão agravar o montante de partida da coima em 60%. Assim, conclui‑se que o facto de a Comissão ter apurado uma duração superior em quatro meses (até 19 de Fevereiro de 2002) não tem qualquer impacto na determinação da sanção final.

393    Por outro lado, cabe recordar que nos considerandos 256 e seguintes da decisão impugnada, a Comissão considerou, sem que a Transcatab o contestasse (v. n.° 233 supra), que o cartel era uma infracção única e continuada. A Comissão também concluiu que esta infracção cessou em 19 de Fevereiro de 2002, ou seja, no dia em que a Deltafina apresentou o seu pedido de imunidade. Ora, a Transcatab não afirmou nem provou que deixou de participar na infracção antes dessa data.

394    A este respeito, cabe recordar que uma empresa que tenha participado numa infracção deste tipo através de comportamentos que lhe são próprios, que integram os conceitos de acordo ou de prática concertada com um objectivo anticoncorrencial, na acepção do artigo 81.°, n.° 1, CE, e que visam contribuir para a realização da infracção, no seu conjunto, é igualmente responsável, relativamente a todo o período em que participou na referida infracção, pelos comportamentos postos em prática por outras empresas no âmbito da mesma infracção (v. acórdão BST/Comissão, n.° 222 supra, n.° 33 e jurisprudência aí indicada).

395    Do memo modo, uma empresa pode ser considerada responsável por um acordo global, mesmo que se prove que apenas participou directamente num ou em diversos elementos constitutivos desse acordo, desde que soubesse, ou tivesse necessariamente a obrigação de saber, por um lado, que a colusão na qual participava se inscrevia num plano global e, por outro, que esse plano global abrangia a totalidade dos elementos constitutivos do cartel (acórdãos do Tribunal Geral PVC II, n.° 91 supra, n.° 773; HFB e o./Comissão, n.° 130 supra, n.° 231, e de 19 de Maio de 2010, Boliden e o./Comissão, T‑19/05, Colect., p. II‑1843, n.° 61).

396    Nestas circunstâncias, cabe concluir que a Transcatab não apresentou elementos de prova relativos a factos anteriormente desconhecidos da Comissão, com incidência directa sobre a gravidade ou duração do cartel presumido que justificassem a aplicação da imunidade parcial prevista no ponto 23, último parágrafo, da comunicação sobre a cooperação. Consequentemente, a Transcatab não pode alegar que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação e que não pode, portanto, ser considerada responsável pela infracção no seu todo.

397    Por conseguinte, o pedido de anulação parcial da decisão impugnada deve ser julgado totalmente improcedente. Quanto ao pedido de reforma da decisão impugnada, o Tribunal entende que, não havendo nenhum elemento susceptível de justificar a redução do montante da coima, esse pedido não deve ser acolhido. Resulta de tudo o que precede que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente.

6.     Quanto ao pedido reconvencional da Comissão

 Argumentos das partes

398    A Comissão alega que a Transcatab contestou os factos, nomeadamente a duração do cartel, tais como apurados pela Comissão na decisão impugnada. Ao afirmar, no quadro da primeira parte do terceiro fundamento, que a partir de 1999 teve apenas comportamentos que se inscreviam exclusivamente no quadro dos acordos interprofissionais (v. n.os 227 e 228 supra), a Transcatab não se limitou a contestar a interpretação dos factos feita pela Comissão, mas pôs em causa os factos que anteriormente reconhecera. A contestação, pela Transcatab, da duração do cartel, que é um elemento essencial da descrição dos factos, torna parcialmente injustificada a redução de 30% que a Comissão lhe concedeu. Assim, a Comissão pede ao Tribunal que diminua a redução da coima de 30% para 25% e a fixe assim, no uso do seu poder de plena jurisdição, em 15 milhões de euros.

399    A Transcatab opõe‑se ao pedido reconvencional da Comissão.

 Apreciação do Tribunal

400    Decorre da decisão impugnada que o facto de a Transcatab não ter «contestado os factos em que a Comissão se baseou na comunicação de acusações» constituiu uma das considerações com base nas quais a Comissão lhe concedeu uma redução de 30% da coima (v. considerandos 498 e 499 da decisão impugnada).

401    Todavia, decorre da resposta da Transcatab à comunicação de acusações que, embora não tenha respondido expressamente às acusações da Comissão relativas à duração da infracção, alegou, contudo, que, na medida em que a partir de 1999 os transformadores passaram a actuar no respeito da lei n.° 88/88, não deviam ser considerados responsáveis pelos comportamentos anticoncorrenciais ocorridos a partir desse ano.

402    Assim, embora a apresentação deste argumento esteja em contradição com certas afirmações feitas na fase administrativa e com a não de contestação de certos aspectos da análise da Comissão, isso em nada modifica a conclusão de que o argumento contido na primeira parte do terceiro fundamento já havia sido invocado na fase administrativa. Por conseguinte, quando a Comissão concedeu a redução à Transcatab já tinha conhecimento deste argumento, pelo que este não podia constituir uma contestação da realidade dos factos que punha em causa a redução concedida na decisão impugnada ao abrigo da comunicação sobre a cooperação.

403    Cabe, por conseguinte, negar provimento ao pedido reconvencional da Comissão.

404    Atento tudo quanto precede, há que negar provimento ao recurso no seu todo, bem como ao pedido reconvencional da Comissão.

 Quanto às despesas

405    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Contudo, nos termos do n.° 3, primeiro parágrafo, da mesma disposição, se cada parte obtiver vencimento parcial, ou perante circunstâncias excepcionais, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.

406    No presente processo, a Transcatab foi vencida no recurso que interpôs e a Comissão no seu pedido reconvencional. Dado que esta apenas marginalmente pretendia aumentar o montante das coimas, há que reconhecer que foi essencialmente a recorrente que foi vencida nos seus pedidos e fundamentos. Nestas condições, há que decidir que a recorrente suportará as suas próprias despesas e 90% das despesas da Comissão, enquanto a Comissão suportará 10% das suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      É negado provimento ao pedido reconvencional da Comissão Europeia.

3)      A Transcatab SpA suportará as suas próprias despesas e 90% das despesas da Comissão.

4)      A Comissão suportará 10% das suas próprias despesas.

Azizi

Cremona

Frimodt Nielsen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 5 de Outubro de 2011.

Índice


Antecedentes do litígio

1.  Procedimento administrativo

2.  Decisão impugnada

Destinatários da decisão impugnada

Determinação do montante da coima

Fixação do montante de partida das coimas

Fixação do montante de base das coimas

Circunstâncias atenuantes

Aplicação da comunicação sobre a cooperação

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

1.  Quanto ao primeiro fundamento, relativo à imputação da infracção à sociedade‑mãe da Transcatab

Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa a uma interpretação incorrecta da jurisprudência, a uma não consideração dos elementos de prova e a uma violação dos direitos de defesa

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

–  Quanto à violação das regras que regem a imputabilidade das práticas da filial à respectiva sociedade‑mãe

–  Quanto à não consideração dos elementos de prova apresentados para ilidir a presunção

–  Quanto à violação dos direitos de defesa

Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa à violação do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

2.  Quanto ao segundo fundamento, relativo à fixação do montante de partida da coima

Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa à gravidade da infracção

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

–  Quanto à qualificação como infracção muito grave

–  Quanto ao impacto concreto da infracção no mercado

–  Quanto à dimensão geográfica do mercado

–  Quanto à violação da obrigação de fundamentação

–  Quanto às violações dos direitos de defesa

Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa à violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade de tratamento e da protecção das expectativas legítimas na fixação do montante de base da coima

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

–  Quanto à violação do princípio da proporcionalidade

–  Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento

–  Quanto à violação do princípio da protecção da confiança legítima

Quanto à terceira parte do segundo fundamento, relativa à violação do princípio da proporcionalidade quando da ponderação do carácter dissuasivo da sanção e da situação financeira da Transcatab

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

3.  Quanto ao terceiro fundamento, relativo à fixação do montante de base da coima

Quanto à primeira parte do terceiro fundamento, relativa ao incorrecto agravamento do montante da coima ao abrigo da duração da infracção

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

–  Quanto ao agravamento da coima ao abrigo da duração do acordo

–  Quanto à inexistência de prejuízo para os consumidores

Quanto à segunda parte do terceiro fundamento, relativa à violação do princípio ne bis in idem e a uma fundamentação insuficiente

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto à terceira parte do terceiro fundamento, relativa à violação do princípio da igualdade de tratamento

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

4.  Quanto ao quarto fundamento, relativo a certas circunstâncias atenuantes

Quanto à primeira parte do quarto fundamento, relativa à circunstância atenuante referente à não aplicação do acordo

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto à segunda parte do quarto fundamento, relativa à circunstância atenuante referente à cessação das actividades ilícitas antes da intervenção da Comissão

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto à terceira parte do quarto fundamento, relativa à circunstância atenuante referente à existência de dúvidas razoáveis sobre o carácter ilícito do comportamento em causa

Quanto à existência de dúvidas razoáveis sobre o carácter ilícito do comportamento em causa

–  Argumentos das partes

–  Apreciação do Tribunal

Quanto à diferença de tratamento relativamente ao processo Tabaco em rama – Espanha

–  Argumentos das partes

–  Apreciação do Tribunal

Quanto à quarta parte do quarto fundamento, relativa à circunstância atenuante referente à colaboração efectiva da Transcatab no processo

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto à quinta parte do quarto fundamento, relativa à circunstância atenuante referente à inexistência de precedente no mercado do tabaco em rama quando a Comissão deu início às suas averiguações

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto à sexta parte do quarto fundamento, relativa às características socioeconómicas do sector do tabaco em rama em Itália e à crise do sector

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

5.  Quanto ao quinto fundamento, relativo à aplicação da comunicação sobre a cooperação

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto à qualidade de primeira sociedade a beneficiar da redução da coima

Quanto ao ponto 23, último parágrafo, da comunicação sobre a cooperação.

6.  Quanto ao pedido reconvencional da Comissão

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto às despesas


** Língua do processo: italiano.

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