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Document 62005TJ0446

Acórdão do Tribunal Geral (Quinta Secção) de 28 de abril de 2010.
Amann & Söhne GmbH & Co. KG e Cousin Filterie SAS contra Comissão Europeia.
Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Mercado europeu do fio industrial – Decisão que declara provada uma infracção ao artigo 81.° CE e ao artigo 53.° do Acordo EEE – Conceito de infracção única – Definição do mercado – Coimas – Limite da coima – Gravidade e duração da infracção – Circunstâncias atenuantes – Cooperação – Proporcionalidade – Igualdade de tratamento – Direitos de defesa – Orientações para o cálculo do montante das coimas.
Processo T-446/05.

Colectânea de Jurisprudência 2010 II-01255

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2010:165

Processo T‑446/05

Amann & Söhne GmbH & Co. KG e Cousin Filterie SAS

contra

Comissão Europeia

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Mercado europeu do fio industrial – Decisão que dá por provada uma infracção ao artigo 81.° CE e ao artigo 53.° do Acordo EEE – Conceito de infracção única – Definição do mercado – Coimas – Limite da coima – Gravidade e duração da infracção – Circunstâncias atenuantes – Cooperação – Proporcionalidade – Igualdade de tratamento – Direitos de defesa – Orientações para o cálculo do montante das coimas»

Sumário do acórdão

1.      Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Proibição – Infracções – Acordos e práticas concertadas que podem ser tratados como constitutivos de uma infracção única – Conceito

(Artigo 81.°, n.° 1, CE; Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 2)

2.      Recurso de anulação – Decisão da Comissão tomada com base nos artigos 81.° CE ou 82.° CE – Apreciação económica complexa – Fiscalização jurisdicional – Limites

(Artigos 81.° CE e 82.° CE; Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 2)

3.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Poder de apreciação da Comissão – Fiscalização jurisdicional – Competência de plena jurisdição do julgador comunitário

(Artigos 81.° CE, 82.° CE, 229.° CE e 253.° CE; Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigos 23.°, n.os 2 e 3, e 31.°)

4.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Poder de apreciação conferido à Comissão pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 – Violação do princípio da legalidade das penas – Inexistência

(Artigos 81.° CE e 82.° CE; Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 2)

5.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Pluralidade de infracções

(Artigos 81.° CE e 82.° CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

6.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

7.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Medida da capacidade efectiva para causar um prejuízo ao mercado afectado

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)

8.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Repartição das empresas em causa por categorias que têm um ponto de partida específico

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

9.      Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Necessidade de tomar em conta os volumes de negócios das empresas em causa e de garantir a proporcionalidade das coimas com esses volumes de negócios – Inexistência

(Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 3; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

10.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Repartição das empresas em causa por categorias que têm um ponto de partida específico

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 1 A, sexto parágrafo)

11.    Concorrência – Coimas – Decisão que aplica coimas – Dever de fundamentação – Alcance

(Artigo 253.° CE; Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão)

12.    Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Participação em reuniões de empresas com objecto anticoncorrencial – Circunstância que permite, na falta de distanciamento relativamente às decisões tomadas, concluir pela participação no acordo subsequente

(Artigo 81.°, n.° 1, CE)

13.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Duração da infracção – Infracções de média e longa duração – Majoração de 10 % do montante de partida por ano

(Regulamento do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 3; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 1 B)

14.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Circunstâncias atenuantes

(Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 3, terceiro travessão)

15.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Volume de negócios a tomar em consideração para o cálculo da coima

(Comunicação 98/C 9/03 da Comissão, ponto 1 A)

16.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Consideração dos efeitos da infracção

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°)

17.    Concorrência – Procedimento administrativo – Decisão da Comissão que declara a existência de uma infracção – Elementos de prova que podem ser aceites

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 27, n.° 1)

18.    Concorrência – Procedimento administrativo – Pedido de informações – Direitos de defesa

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 11.°, n.° 5)

19.    Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Cooperação da empresa no procedimento administrativo

(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 11.°, n.os 4 e 5)

1.      O conceito de infracção única visa uma situação em que várias empresas participaram numa infracção que consiste num comportamento continuado com uma única finalidade económica e com o intuito de falsear a concorrência ou ainda em infracções individuais ligadas entre si através de uma identidade de objecto (mesma finalidade de conjunto dos elementos) e de sujeitos (identidade das empresas em causa, conscientes de participarem no objecto comum). Uma violação do artigo 81.°, n.° 1, CE pode resultar não apenas de um acto isolado mas igualmente de uma série de actos ou mesmo de um comportamento continuado. Esta interpretação não pode ser contestada com base no facto de um ou diversos elementos dessa série de actos ou desse comportamento continuado também poderem constituir, só por si e considerados isoladamente, uma violação da referida disposição. Quando as diferentes acções se inscrevem num «plano de conjunto» em razão do seu objecto idêntico que falseia o jogo da concorrência no interior do mercado comum, a Comissão pode imputar a responsabilidade por essas acções em função da participação na infracção considerada no seu todo. Além disso, o conceito de infracção única pode corresponder à qualificação jurídica de um comportamento anticoncorrencial que consista em acordos, em práticas concertadas e em decisões de associações de empresas.

O conceito de objectivo único não pode ser determinado pela referência geral à distorção da concorrência no mercado afectado pela infracção, uma vez que o impacto na concorrência constitui, como objectivo ou como efeito, um elemento consubstancial a qualquer comportamento abrangido pelo artigo 81.°, n.° 1, CE. Essa definição do conceito de objectivo único pode retirar ao conceito de infracção única e continuada uma parte do seu sentido, na medida em que pode ter como consequência que vários comportamentos relativos a um sector económico proibidos pelo artigo 81.°, n.° 1, CE devam ser sistematicamente qualificados como elementos constitutivos de uma infracção única. Assim, para efeitos de qualificação das diversas actuações como infracção única e continuada, há que verificar se apresentam uma relação de complementaridade, no sentido de que cada uma delas se destina a enfrentar uma ou mais consequências do jogo normal da concorrência, e contribuem, através de uma interacção, para a realização do conjunto dos efeitos anticoncorrenciais pretendidos pelos seus autores, no âmbito de um plano global com um objectivo único. A esse respeito, há que ter em conta quaisquer circunstâncias susceptíveis de demonstrar ou pôr em causa essa relação, tais como o período de aplicação, o conteúdo e, correlativamente, o objectivo das diversas actuações em causa. Assim, é por razões objectivas que a Comissão pode abrir processos distintos, dar por provadas várias infracções distintas e aplicar várias coimas distintas.

A qualificação de certas actuações ilícitas como actuações constitutivas de uma única e mesma infracção ou de uma pluralidade de infracções afecta, em princípio, a sanção que pode ser aplicada. Com efeito, o apuramento de uma pluralidade de infracções pode levar à aplicação de várias coimas distintas, sempre dentro dos limites previstos no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE].

(cf. n.os 89‑94, 133‑134)

2.      Quanto à validade do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE], à luz do princípio da legalidade das penas, como reconhecido pelo julgador comunitário em conformidade com as indicações fornecidas pela Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e com as tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, a Comissão não dispõe de uma margem de apreciação ilimitada, em primeiro lugar, para dar por provada a existência de infracções às normas de concorrência, em segundo lugar, para determinar se os diversos actos ilícitos constituem uma infracção única e continuada ou várias infracções autónomas e, em terceiro lugar, para fixar o montante das coimas por essas infracções.

Em primeiro lugar, as infracções às normas de concorrência pelas quais a Comissão pode, nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, aplicar coimas são unicamente as infracções aos artigos 81.° CE ou 82.° CE. A questão de saber se as condições dos artigos 81.° CE e 82.° CE estão preenchidas está sujeita, em princípio, à total fiscalização do julgador comunitário. Por outro lado, embora seja verdade que, na eventualidade de isso exigir apreciações económicas ou técnicas complexas, a jurisprudência reconhece à Comissão uma certa margem de apreciação, esta em nenhum caso é ilimitada. Com efeito, a existência dessa margem de apreciação não implica que o Tribunal Geral, em sede de recurso de anulação, deva deixar de fiscalizar a interpretação que a Comissão der a dados dessa natureza. O julgador comunitário deve não só verificar a exactidão material das provas apresentadas, a sua fiabilidade e a sua coerência mas também fiscalizar se esses elementos constituem todos os dados relevantes a tomar em consideração na apreciação de uma situação complexa e se são susceptíveis de servir de suporte às conclusões que deles são extraídas.

(cf. n.os 130‑131)

3.      A Comissão não dispõe de uma margem de apreciação ilimitada na fixação das coimas por infracção às normas de concorrência. Embora o critério objectivo do limite da coima e os critérios subjectivos da gravidade e da duração da infracção deixem à Comissão uma ampla margem de apreciação, não é menos certo que são critérios que permitem à Comissão aplicar as sanções tendo em conta o grau de ilicitude do comportamento em causa. Assim, há que considerar que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e o artigo 23.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1/2003, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE], embora deixando à Comissão uma certa margem de apreciação, definem os critérios e limites a que ela está sujeita no exercício do seu poder em matéria de coimas. Por outro lado, para fixar coimas ao abrigo dessas disposições, a Comissão tem de respeitar os princípios gerais de direito, muito especialmente os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, tal como tratados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral.

Por força do artigo 229.° CE e do artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003, o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral decidem com competência de plena jurisdição dos recursos interpostos das decisões através das quais a Comissão tenha fixado coimas, podendo, assim, não só anular as decisões tomadas pela Comissão mas também suprimir, reduzir ou aumentar a coima aplicada. Deste modo, a prática administrativa da Comissão está sujeita à plena fiscalização dos tribunais comunitários.

Em conformidade com o artigo 253.° CE, a Comissão, na decisão de aplicação de uma coima, apesar do contexto habitualmente conhecido da decisão, tem de apresentar uma fundamentação, designadamente quanto ao montante da coima aplicada e ao método para o efeito. Essa fundamentação deve deixar transparecer, de modo claro e inequívoco, o raciocínio da Comissão, de modo a permitir que os interessados conheçam as justificações da medida tomada, a fim de apreciarem a oportunidade de um recurso para o juiz comunitário e, sendo esse o caso, de permitirem a este último exercer a sua fiscalização.

(cf. n.os 140, 142‑144, 148)

4.      A qualificação de certas actuações ilícitas como constitutivas de uma só e mesma infracção ou de uma pluralidade de infracções afecta, em princípio, a sanção que pode ser aplicada, uma vez que uma pluralidade de infracções pode levar à aplicação de várias coimas distintas, cada uma dentro dos limites fixados pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e pelo artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE], que dispõem que, para cada empresa ou associação de empresas participante na infracção, a coima não deve exceder 10% do seu volume de negócios total realizado no exercício social anterior. Daí resulta que, ao aplicar duas coimas cujos montantes somados excedem o limite de 10% do volume de negócios das recorrentes, a Comissão não cometeu qualquer violação do princípio nulla poena sine lege.

(cf. n.os 150‑151)

5.      O objectivo de dissuasão que a Comissão pode prosseguir na fixação do montante de uma coima pretende garantir que, na condução das suas actividades na Comunidade Europeia ou no Espaço Económico Europeu, as empresas respeitem as regras de concorrência previstas no Tratado para o efeito. No caso de pluralidade de infracções, a Comissão pode considerar que esse objectivo não será atingido só pela aplicação de uma sanção por uma das infracções.

(cf. n.° 160)

6.      O princípio da proporcionalidade impõe que os actos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do adequado e necessário para a realização do objectivo pretendido. No contexto do cálculo das coimas, a gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número de elementos e não se deve atribuir a nenhum desses outros elementos uma importância desproporcionada relativamente aos outros elementos de apreciação. O princípio da proporcionalidade implica neste contexto que a Comissão deve fixar a coima proporcionalmente aos elementos tidos em conta para apreciar a gravidade da infracção e que deve aplicar esses elementos de forma coerente e objectivamente justificada.

Na apreciação da gravidade de uma infracção, a Comissão deve ter em conta um grande número de elementos cujo carácter e importância variam segundo o tipo e circunstâncias específicas da infracção. Entre estes elementos que atestam a gravidade de uma infracção, não se pode excluir a possibilidade de figurar, consoante o caso, a dimensão do mercado do produto em causa. Por conseguinte, embora a dimensão do mercado possa ser um elemento a tomar em consideração para determinar a gravidade da infracção, a sua importância varia em função do tipo de infracção e das circunstâncias específicas da infracção.

As restrições horizontais do tipo «cartel de preços» na acepção das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA são «muito graves» por natureza. Nesse contexto, a pequena dimensão dos mercados em causa, admitindo‑a verificada, tem apenas uma pequena importância face ao conjunto dos outros elementos demonstrativos da gravidade da infracção.

(cf. n.os 171, 175‑176, 178)

7.      Na análise, efectuada para fixar o montante da coima por infracção às normas comunitárias de concorrência, da capacidade económica efectiva das sociedades infractoras para prejudicarem significativamente a concorrência, que implica uma apreciação da importância real dessas empresas no mercado afectado, ou seja, da sua influência no mesmo, o volume de negócios global apenas permite obter uma perspectiva incompleta das coisas. Não se pode excluir, com efeito, a possibilidade de uma empresa poderosa com uma multiplicidade de actividades diferentes estar presente apenas de forma acessória num mercado específico de produtos. Do mesmo modo, não se pode excluir a possibilidade de uma empresa com uma posição importante num mercado geográfico extracomunitário dispor apenas de uma posição débil no mercado comunitário ou no do Espaço Económico Europeu. Em tais casos, o simples facto de tal empresa realizar um volume de negócios global considerável não significa necessariamente que exerce uma influência determinante no mercado afectado. Por isso, embora o volume de negócios de uma empresa realizado nos mercados em causa não possa ser determinante para se concluir que essa empresa pertence a uma entidade económica poderosa, é, em contrapartida, relevante para determinar a influência que ela pôde exercer no mercado.

Neste sentido, a parte do volume de negócios com origem nas mercadorias objecto da infracção é susceptível de dar uma justa indicação da amplitude da infracção no mercado em causa. Com efeito, esse volume de negócios é susceptível de dar uma justa indicação da responsabilidade de cada empresa nesses mercados, visto que constitui um elemento objectivo que dá uma justa medida da nocividade dessa prática para o jogo normal da concorrência, assim representando um bom indicador da capacidade de cada empresa para causar um dano.

(cf. n.os 187‑188)

8.      Para a fixação do montante das coimas a aplicar aos diversos participantes num acordo, o método de repartir os membros desse cartel em várias categorias, o que leva a uma criação de taxas fixas do montante de partida das coimas fixadas às empresas pertencentes a cada categoria, embora se traduza em ignorar as diferenças de dimensão entre empresas da mesma categoria, não pode ser criticado, desde que sejam respeitados os princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento. Não compete ao Tribunal Geral pronunciar‑se sobre a oportunidade desse sistema, mesmo admitindo que prejudica as empresas de menor dimensão. Com efeito, o Tribunal Geral, no âmbito da sua fiscalização da legalidade do exercício do poder de apreciação da Comissão nessa matéria, deve limitar‑se a fiscalizar se a repartição dos membros do cartel em categorias é coerente e objectivamente justificada, sem substituir sem mais a apreciação da Comissão pela sua.

(cf. n.° 196)

9.      O artigo 23.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° CE e 82.° CE, também não exige que, no caso de aplicação de coimas a várias empresas envolvidas na mesma infracção, o montante da coima aplicada a uma empresa de pequena ou média dimensão não seja superior, em percentagem do volume de negócios, ao das coimas aplicadas às empresas maiores. Com efeito, resulta dessa disposição que, tanto para as empresas de pequena ou média dimensão como para as empresas de maior dimensão, há que tomar em consideração, na determinação do montante da coima, a gravidade e a duração da infracção. Na medida em que a Comissão aplique a cada uma das empresas envolvidas na mesma infracção coimas justificadas, relativamente à gravidade e à duração da infracção, não merece qualquer reparo o facto de, para algumas delas, o montante da coima ser superior, face ao volume de negócios, ao de outras empresas. Assim, a Comissão não tem de reduzir o montante das coimas quando as empresas em causa são pequenas e médias empresas. Com efeito, a dimensão da empresa já foi tida em conta no limite fixado no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 e nas disposições das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA. Com excepção destas considerações relativas à dimensão, não há qualquer razão para tratar as pequenas e médias empresas de forma diferente das outras empresas. O facto de as empresas em causa serem pequenas e médias empresas não as isenta do respeito das normas de concorrência.

(cf. n.os 199‑200)

10.    No âmbito das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, que dispõem no seu ponto 1 A, sexto parágrafo, que uma disparidade considerável na dimensão das empresas autoras de uma infracção da mesma natureza é, nomeadamente, susceptível de justificar uma diferenciação para efeitos de análise da gravidade da infracção, não viola o princípio da igualdade de tratamento uma decisão da Comissão que classifica no mesmo grupo várias empresas, uma das quais tendo um volume de negócios global claramente ou mesmo «sensivelmente» inferior ao das outras empresas, com base nos respectivos volumes de negócios no mercado em causa e nas suas quotas de mercado muito semelhantes, e aplicar‑lhes um montante de partida específico idêntico.

(cf. n.os 202, 205)

11.    Na determinação do montante da coima por infracção às normas de concorrência, as exigências da formalidade essencial constituída pelo dever de fundamentação estão preenchidas quando a Comissão indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infracção. Essas exigências não impõem que a Comissão indique na decisão os números relativos ao modo de cálculo das coimas, sublinhando‑se que, em qualquer dos casos, a Comissão não pode, pelo recurso exclusivo e mecânico a fórmulas aritméticas, privar‑se do seu poder de apreciação. Numa decisão que aplica coimas a várias empresas, o alcance do dever de fundamentação deve ser apreciado nomeadamente à luz do facto de que a gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número de elementos, nomeadamente as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o alcance dissuasor das coimas, sem que se tenha instituído uma lista vinculativa ou taxativa de critérios a ter necessariamente em conta.

(cf. n.° 226)

12.    O facto de não ter participado na reunião multilateral e de ter cessado, na sequência das mensagens de correio electrónico de Maio de 2001, de transmitir informações aos outros membros do cartel não demonstra que tivesse deixado de participar nele se não se tiver distanciado publicamente do conteúdo.

(cf. n.os 240‑241, 244)

13.    De acordo com o disposto no artigo 23.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° CE e 82.° CE, a duração da infracção constitui um dos elementos a tomar em consideração para determinar o montante da coima a aplicar às empresas culpadas de infracções às normas de concorrência.

Embora as disposições do ponto 1 B das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA não prevejam qualquer majoração para as infracções de curta duração, em geral de duração inferior a um ano, aplica‑se uma majoração às infracções de duração média, em geral com uma duração entre um e cinco anos, majoração essa que pode chegar a 50% do montante de partida da coima. Quanto às infracções de longa duração, em geral com duração superior a cinco anos, apenas se prevê que o montante pode ser majorado de 10% ao ano. Essas majorações não são automáticas, deixando as orientações uma margem de apreciação à Comissão.

(cf. n.os 237, 247, 249)

14.    As Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA não enumeram de forma imperativa as circunstâncias atenuantes que a Comissão tem de tomar em conta. Assim, de modo nenhum a Comissão poderá ser obrigada, no quadro do seu poder de apreciação, a aplicar uma redução da coima pela cessação de uma infracção manifesta, tenha essa cessação ocorrido antes ou após as suas intervenções.

A cessação das infracções às normas de concorrência logo com as primeiras intervenções da Comissão, prevista no ponto 3, terceiro travessão, das orientações logicamente só pode constituir uma circunstância atenuante se existirem razões que permitam acreditar que as empresas em causa foram incentivadas a cessar os seus comportamentos anticoncorrenciais pelas intervenções em causa. Com efeito, verifica‑se que a finalidade dessa disposição é encorajar as empresas a cessarem os seus comportamentos anticoncorrenciais imediatamente quando a Comissão abre um inquérito. Uma redução do montante da coima a esse respeito não pode ser aplicada no caso de essas empresas já terem tomado uma decisão firme de pôr termo à infracção antes da data das primeiras intervenções da Comissão ou no caso de a infracção já ter chegado ao fim antes dessa data. Esta última hipótese é suficientemente tida em conta no cálculo da duração do período de infracção fixado.

(cf. n.os 259‑260)

15.    As Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA dispõem, quanto aos elementos subjectivos a tomar em conta na fixação do montante de partida, que é necessário tomar em consideração a capacidade económica efectiva dos autores da infracção de causarem um prejuízo considerável aos outros operadores, nomeadamente aos consumidores, e fixar o montante da coima num nível que lhe garanta um carácter suficientemente dissuasor. Segundo essas mesmas orientações, nos casos que envolvam várias empresas, como os casos de cartel, pode ser conveniente ponderar o montante de partida geral, a fim de ter em conta o peso específico, e, portanto, o impacto real do comportamento ilícito de cada empresa na concorrência, nomeadamente se existir uma disparidade considerável em termos de dimensão das empresas autoras de uma infracção da mesma natureza, e adaptar em conformidade o montante de partida geral segundo o carácter específico de cada empresa.

As orientações não se opõem a que tais volumes de negócios sejam tomados em consideração para a determinação do montante da coima a fim de serem respeitados os princípios gerais de direito comunitário e quando as circunstâncias o exijam.

Assim, uma repartição das empresas em duas categorias, em função do seu volume de negócios, é uma forma razoável de tomar em conta a sua importância relativa no mercado ao fixar o montante de partida da coima, desde que não leve a uma representação grosseiramente deformada do mercado em causa.

(cf. n.os 273‑275, 280)

16.    Em matéria de concorrência, o ónus da prova da existência de efeitos de uma infracção num mercado, que cabe à Comissão quando tem em conta esses efeitos no cálculo da coima em função da gravidade da infracção, é menos acentuado que o seu ónus de provar a existência enquanto tal de uma infracção no âmbito de um cartel. Com efeito, para ter em conta o impacto concreto do cartel no mercado, basta que a Comissão forneça «boas razões para serem levadas em conta».

(cf. n.° 301)

17.    Os direitos de defesa só são violados por causa de uma discordância entre a comunicação de acusações e a decisão final se uma acusação dada por provada nessa decisão não tivesse sido exposta de forma suficiente a permitir que os destinatários se defendessem.

Se esses documentos não tiverem sido mencionados na comunicação de acusações, a empresa em causa tem razão para considerar que não têm importância para o processo. Ao não informar uma empresa de que certos documentos serão utilizados na decisão, a Comissão impede‑a de manifestar em tempo útil a sua opinião sobre o valor probatório desses documentos. Daí resulta que esses documentos não podem ser considerados meios de prova válidos no que a ela respeita.

Um documento utilizado pela Comissão como prova de uma acusação na decisão final, mesmo quando tenha sido utilizado na comunicação de acusações como prova de outra acusação, só é oponível à empresa na decisão se ela pudesse razoavelmente inferir da comunicação de acusações e do conteúdo desse documento as conclusões que a Comissão tencionava extrair.

(cf. n.os 313‑315)

18.    Não se pode reconhecer um direito ao silêncio absoluto a uma empresa destinatária de uma decisão de pedido de informações na acepção do artigo 11.°, n.° 5, do Regulamento n.° 17. Com efeito, o reconhecimento desse direito iria além do necessário para preservar os direitos de defesa das empresas e constituiria um entrave injustificado ao desempenho da missão da Comissão de garantir o respeito das normas de concorrência no mercado comum. Esse direito ao silêncio só pode ser reconhecido se a empresa for obrigada a fornecer respostas que a levem a admitir a existência da infracção cuja prova cabe à Comissão.

Para preservar o efeito útil do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, a Comissão pode, assim, obrigar as empresas a fornecerem todas as informações necessárias relativas aos factos de que possam ter conhecimento e, se necessário, os documentos correlativos que estejam na sua posse, mesmo que estes possam servir para comprovar a existência de um comportamento anticoncorrencial. Esse poder de informações da Comissão não colide com o artigo 6.°, n.os 1 e 2, da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais nem com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

De qualquer forma, o facto de se ser obrigado a responder às questões puramente factuais colocadas pela Comissão e a satisfazer os seus pedidos de apresentação de documentos preexistentes não é susceptível de violar o princípio do respeito dos direitos de defesa ou o direito a um processo equitativo, que oferecem, no domínio do direito da concorrência, uma protecção equivalente à garantida pelo artigo 6.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Com efeito, nada impede o destinatário de um pedido de informações de demonstrar, mais tarde no quadro do procedimento administrativo ou num processo perante o juiz comunitário, que os factos constantes das suas respostas ou os documentos transmitidos têm um significado diferente daquele que lhes deu a Comissão.

Por último, quando, num pedido de informações nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, além das questões meramente factuais e dos pedidos de apresentação de documentos preexistentes, a Comissão pede a uma empresa que descreva o objecto e como decorreram as várias reuniões em que participou e os resultados ou as conclusões dessas reuniões, quando é manifesto que a Comissão tem suspeitas de que o objectivo das referidas reuniões era restringir a concorrência, esse pedido é susceptível de obrigar a empresa questionada a admitir a sua participação numa infracção às regras comunitárias de concorrência, de modo que a referida empresa não é obrigada a responder a este tipo de questões. Nesse caso, o facto de, não obstante, uma empresa fornecer informações quanto a estes pontos deve ser considerado uma colaboração espontânea da empresa, susceptível de justificar uma redução da coima, em aplicação da comunicação sobre a cooperação. Resulta igualmente da jurisprudência que, nesse caso, as empresas não podem alegar que o seu direito a não se incriminarem foi violado por terem respondido voluntariamente a esse pedido.

(cf. n.os 326‑329)

19.    Num procedimento administrativo aberto por cartel proibido, a colaboração de uma empresa na investigação não dá origem a uma redução da coima quando essa colaboração não ultrapassar o que resulta das obrigações que lhe incumbem por força do artigo 11.°, n.os 4 e 5, do Regulamento n.° 17. Em contrapartida, no caso de uma empresa que, em resposta a um pedido nos termos do artigo 11.°, presta informações que vão muito além daquelas que podem ser exigidas pela Comissão por força desse mesmo artigo, a empresa pode beneficiar de uma redução da coima.

(cf. n.° 340)







ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

28 de Abril de 2010 (*)

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Mercado europeu do fio industrial – Decisão que declara provada uma infracção ao artigo 81.° CE e ao artigo 53.° do Acordo EEE – Conceito de infracção única – Definição do mercado – Coimas – Limite da coima – Gravidade e duração da infracção – Circunstâncias atenuantes – Cooperação – Proporcionalidade – Igualdade de tratamento – Direitos de defesa – Orientações para o cálculo do montante das coimas»

No processo T‑446/05,

Amann & Söhne GmbH & Co. KG, com sede em Bönnigheim (Alemanha),

Cousin Filterie SAS, com sede em Wervicq‑Sud (França),

representadas por A. Röhling, M. Dietrich e C. Horstkotte, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por F. Castillo de la Torre e K. Mojzesowicz, na qualidade de agentes, assistidos por G. Eickstädt, advogado,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão C (2005) 3452 da Comissão, de 14 de Setembro de 2005, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° [CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/38.337 PO/Fil), conforme alterada pela decisão C (2005) 3765 da Comissão, de 13 de Outubro de 2005, e, a título subsidiário, um pedido de redução da coima aplicada às recorrentes por essa decisão,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente, M. Prek (relator) e V. M. Ciucă, juízes,

secretário: T. Weiler, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 17 de Dezembro de 2008,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

A –  Objecto do litígio

1        Pela decisão C (2005) 3452, de 14 de Setembro de 2005, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° [CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/38.337 PO/Fil, a seguir «decisão recorrida»), conforme alterada pela decisão C (2005) 3765 da Comissão, de 13 de Outubro de 2005, da qual foi publicado um resumo no Jornal Oficial da União Europeia de 26 de Janeiro de 2008 (JO C 21, p. 10), a Comissão das Comunidades Europeias declarou que as recorrentes, Amann & Söhne GmbH & Co. KG (a seguir «Amann») e Cousin Filterie SAS (a seguir «Cousin»), tinham participado num conjunto de acordos e práticas concertadas no mercado do fio destinado à indústria automóvel (a seguir «fio destinado à indústria automóvel») no Espaço Económico Europeu (EEE), no período compreendido entre Maio/Junho de 1998 e 15 de Maio de 2000, e que a Amann tinha ainda participado num conjunto de acordos e práticas concertadas no fio industrial com exclusão do sector automóvel (a seguir «fio industrial»), no Benelux, na Dinamarca, na Finlândia, na Noruega e na Suécia (a seguir «países nórdicos»), no período compreendido entre Janeiro de 1990 e Setembro de 2001.

2        A Comissão, por um lado, aplicou solidariamente à Amann e à Cousin uma coima no montante de 4,888 milhões de euros pela sua participação no cartel do fio destinado à indústria automóvel no EEE e, por outro lado, à Amann uma coima no montante de 13,09 milhões de euros pela sua participação no cartel do fio industrial no Benelux e nos países nórdicos.

B –   Procedimento administrativo

3        Em 7 e 8 de Novembro de 2001, a Comissão efectuou inspecções, nos termos do artigo 14.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), nas instalações de vários produtores de fio. Essas inspecções foram efectuadas na sequência de informações fornecidas em Agosto de 2000 pela The English Needle & Tackle Co. (decisão recorrida, considerando 78).

4        Em 26 de Novembro de 2001, a Coats Viyella plc (a seguir «Coats») apresentou um pedido de clemência ao abrigo da Comunicação da Comissão sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas (JO 1996, C 207, p. 4, a seguir «comunicação sobre a cooperação»), ao qual estavam juntos determinados documentos apresentados como prova da existência dos seguintes acordos: em primeiro lugar, um acordo sobre o mercado do fio destinado à indústria automóvel no EEE, em segundo lugar, um acordo sobre o mercado do fio destinado à indústria do Reino Unido e, em terceiro lugar, um acordo sobre o mercado do fio destinado à indústria dos países do Benelux e dos países nórdicos (decisão recorrida, considerando 82).

5        Com base nos documentos apreendidos nas inspecções e nos documentos fornecidos pela Coats, a Comissão pediu informações às empresas em causa em Março e Agosto de 2003, de acordo com o artigo 11.° do Regulamento n.° 17 (decisão recorrida, considerando 83).

6        Em 18 de Março de 2004, a Comissão deduziu uma comunicação de acusações que dirigiu a várias empresas pela sua participação em um ou mais dos acordos acima referidos no n.° 4, incluindo o no mercado do fio destinado à indústria do Benelux e dos países nórdicos.

7        Todas as empresas destinatárias da comunicação de acusações apresentaram observações escritas (decisão recorrida, considerando 90).

8        Procedeu‑se a uma audição em 19 e 20 de Julho de 2004 (decisão recorrida, considerando 92).

9        Em 24 de Setembro de 2004, foi facultada às partes uma versão não confidencial das respostas à comunicação de acusações e as observações das partes na audição, tendo‑lhes sido concedido um prazo para novas observações (decisão recorrida, considerando 93).

10      Em 14 de Setembro de 2005, a Comissão adoptou a decisão recorrida.

C –  Decisão recorrida

1.      Mercados em causa

a)     Mercados de produtos

11      Na decisão recorrida, a Comissão indica que o sector do fio pode ser dividido em dois segmentos, isto é, por um lado, o do fio utilizado pela indústria para coser ou bordar diversos produtos de vestuário ou outros, como artigos de couro, revestimentos têxteis para automóveis e colchões, e, por outro, o do fio doméstico utilizado pelos particulares em trabalhos de costura ou de reparação e em actividades de lazer (decisão recorrida, considerando 9).

12      Quanto ao segmento do fio industrial, resulta da decisão recorrida que pode ser dividido em três categorias consoante a respectiva utilização: a linha de costura, destinada à confecção, utilizada em diferentes tipos de vestuário, o fio de bordar, utilizado em máquinas de bordar industriais informatizadas para ornamentar roupas, sapatos de desporto e têxteis de casa, e o fio especial, utilizado em diversos sectores como o do calçado, dos artigos de couro e automóvel (decisão recorrida, considerando 11).

13      Resulta ainda que o fio destinado à indústria pode também ele ser dividido em várias categorias consoante o tipo e a estrutura do fio (decisão recorrida, considerando 12).

14      Na decisão recorrida, a Comissão entende que se pode considerar que o fio destinado à indústria, do ponto de vista da oferta, constitui um mercado de produtos único, uma vez que não existe correspondência estrita entre a utilização final e o tipo de fibra e/ou a estrutura do fio. A Comissão precisa que, segundo a Coats, certos clientes do sector da confecção utilizam fios especiais e que certos clientes do sector dos bordados utilizam fio de confecção. Acrescenta que a Coats salientou que os processos de produção do fio destinado à confecção, do fio de bordado e dos diversos tipos de fios especiais podiam ser comuns e facilmente intermutáveis (decisão recorrida, considerando 13).

15      Contudo, a Comissão distingue, na decisão recorrida, entre o fio destinado à indústria automóvel e o fio destinado ao resto da indústria. Com efeito, a Comissão considera que, embora os processos de produção desses dois tipos sejam semelhantes ou facilmente intermutáveis, a procura da indústria automóvel provém de clientes que impõem um nível superior de especificações em certos produtos que utilizam, por exemplo, o fio utilizado nos cintos de segurança, e que dão importância à uniformidade dos produtos nos diversos países em que os utilizam na sua indústria (decisão recorrida, considerando 14).

16      Na presente lide, os mercados dos produtos abrangidos pelas infracções imputadas às recorrentes são o do fio destinado à indústria automóvel e, no que respeita à infracção imputada à Amann, o do fio industrial.

b)     Mercados geográficos

17      A Comissão indica, na decisão recorrida, que o mercado do fio destinado à indústria automóvel deve, por causa das maiores especificações acima referidas, uma vez que necessita de uniformidade no EEE, ser diferenciado do mercado do fio industrial. Considera que o mercado do fio destinado à indústria automóvel se estende a todo o EEE. Com efeito, a Comissão verifica que só alguns fornecedores podem assegurar uma oferta uniforme desses produtos em todo o EEE. Isso deve‑se ao facto de os compradores terem necessidade de fios uniformes para facilitar a produção nos diversos países, de esses fios terem que obedecer a normas específicas de qualidade (por exemplo, o fio utilizado na confecção de cintos de segurança) e de, por questões relativas à qualidade dos produtos e à responsabilidade, a rastreabilidade da produção desses fios ser essencial (decisão recorrida, considerandos 21 e 22).

18      Em contrapartida, quanto ao fio industrial, a Comissão verifica que, segundo as informações prestadas pelas partes, o mercado geográfico em causa é de dimensão regional. Acrescenta que a região pode abranger, consoante os casos, vários países do EEE, por exemplo, os países do Benelux ou os países nórdicos, ou um só país, por exemplo o Reino Unido (decisão recorrida, considerando 17).

19      Resulta da decisão recorrida que o mercado geográfico abrangido pela infracção relativa ao fio industrial imputada à Amann é o dos países do Benelux e dos países nórdicos, ao passo que o mercado abrangido pela infracção relativa ao fio destinado à indústria automóvel imputada às recorrentes se estende ao EEE.

2.     Dimensão e estrutura dos mercados em causa

20      A Comissão precisa na decisão recorrida que as vendas de fio industrial no Benelux e nos países nórdicos eram de cerca de 50 milhões de euros em 2000 e de cerca de 40 milhões de euros em 2004, e que as vendas de fio destinado à indústria automóvel eram de cerca de 20 milhões de euros em 1999 (decisão recorrida, considerandos 28 e 35).

21      Verifica‑se igualmente que, no final dos anos 90, os principais fornecedores de fio industrial no Benelux e nos países nórdicos eram, nomeadamente, a Amann, a Barbour Threads Ltd (a seguir «Barbour»), antes da sua aquisição pela Coats, a Belgian Sewing Thread NV (a seguir «BST»), a Coats, a Gütermann AG e a Zwicky & Co. AG (a seguir «Zwicky»), e que os de fio destinado à indústria automóvel eram, nomeadamente, as recorrentes, a Coats, a Oxley Threads Ltd (a seguir «Oxley»), a Gütermann e a Zwicky.

3.     Descrição dos comportamentos ilícitos

22      A Comissão indica, na decisão recorrida, que os comportamentos imputados às recorrentes, relativos ao cartel no mercado do fio destinado à indústria automóvel no EEE, decorreram entre Maio/Junho de 1998 e Maio de 2000.

23      Os membros do cartel no mercado do fio destinado à indústria automóvel no EEE tinham por objectivo principal manter os preços num nível alto (decisão recorrida, considerando 214).

24      Para esse efeito, foram organizadas cinco reuniões em que os participantes antes de mais fixaram dois tipos de preços indicativos para os produtos de base vendidos ao sector automóvel europeu, um aplicado aos clientes existentes e o outro aos novos clientes. Seguidamente, foram trocadas informações sobre os preços aplicados aos clientes e sobre os preços indicativos mínimos. Por fim, os participantes comprometeram‑se a evitar praticar preços inferiores aos do fornecedor existente (decisão recorrida, considerando 215).

25      Quanto aos comportamentos relativos ao cartel no mercado do fio industrial no Benelux e nos países nórdicos, a Comissão verifica que decorreram entre os anos de 1990 e 2001.

26      Segundo a Comissão, quanto ao cartel no mercado do fio industrial no Benelux e nos países nórdicos, as empresas em causa encontraram‑se pelo menos uma vez por ano e essas reuniões foram organizadas em duas sessões, uma dedicada ao mercado dos países do Benelux e a outra ao dos países nórdicos, sendo o seu objectivo principal o de manter os preços num nível alto em cada um desses mercados.

27      Os participantes trocaram listas de preços e informações sobre os descontos, sobre a aplicação dos aumentos dos preços de catálogo, sobre as reduções de descontos e sobre o aumento de preços especiais aplicáveis a certos clientes. Foram também celebrados acordos sobre as futuras listas de preços, sobre a taxa máxima de descontos, sobre as reduções de descontos e sobre o aumento dos preços especiais aplicáveis a certos clientes, e ainda acordos destinados a evitar praticar preços inferiores aos do fornecedor existente e para repartir os clientes entre si (decisão recorrida, considerandos 99 a 125).

4.     Dispositivo da decisão recorrida

28      No artigo 1.°, n.° 1, da decisão recorrida, a Comissão deu por provado que seis empresas, entre as quais as recorrentes, tinham cometido uma infracção ao artigo 81.°, n.° 1, CE e ao artigo 53.°, n.° 1, do Acordo EEE ao participarem num conjunto de acordos e práticas concertadas no mercado do fio destinado à indústria automóvel no EEE, no período compreendido entre Maio/Junho de 1998 e Maio de 2000, no que respeita às recorrentes. Do mesmo modo, no artigo 1.°, n.° 1, da decisão recorrida, a Comissão considerou provado que oito empresas, entre as quais a Amann, tinham cometido uma infracção ao artigo 81.°, n.° 1, CE e ao artigo 53.°, n.° 1, do Acordo EEE ao participarem em acordos e práticas concertadas nos mercados do fio industrial no Benelux e nos países nórdicos, no período compreendido entre Janeiro de 1990 e Setembro de 2001, no que respeita à Amann.

29      Nos termos do artigo 2.°, primeiro parágrafo, da decisão recorrida, são aplicadas as seguintes coimas:

a)      relativamente ao cartel no mercado do fio destinado à indústria automóvel no EEE:

–        às recorrentes, solidariamente: 4,888 milhões de euros;

–        à Coats: 0,65 milhão de euros;

–        à Oxley: 1,271 milhão de euros;

–        à Barbour and Hicking Pentecost plc, solidariamente: 0,715 milhão de euros;

b)      relativamente ao cartel no mercado do fio industrial no Benelux e nos países nórdicos, nomeadamente:

–        à Coats: 15,05 milhões de euros;

–        à Amann: 13,09 milhões de euros;

–        à BST: 0,979 milhão de euros;

–        à Gütermann: 4,021 milhões de euros;

–        à Zwicky: 0,174 milhão de euros.

 Tramitação do processo e pedidos das partes

30      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de Dezembro de 2005, as recorrentes interpuseram o presente recurso.

31      Tendo sido modificada a composição das Secções do Tribunal Geral, o juiz‑relator foi afectado à Quinta Secção, à qual o presente processo foi, consequentemente, distribuído.

32      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão recorrida na medida em que lhes diz respeito;

–        a título subsidiário, reduzir adequadamente o montante da coima;

–        condenar a Comissão nas despesas.

33      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

 Questão de direito

34      Em primeiro lugar, as recorrentes invocam um fundamento de anulação da decisão recorrida por violação do artigo 7.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1).

35      Em segundo lugar, as recorrentes invocam uma série de fundamentos de anulação da coima. Por um lado, alegam que a Comissão lhes aplicou uma coima cujo montante excede o limite de 10% do seu volume de negócios. Por outro, invocam sete fundamentos relativos, respectivamente, à violação dos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade na aplicação da coima, à fixação errada do montante de partida da coima aplicada pelo cartel do fio industrial, ao cálculo errado da duração da infracção no mercado do fio industrial, ao facto de não terem sido tidas em consideração certas circunstâncias atenuantes na infracção no mercado do fio industrial, ao cálculo errado do montante de partida e ao montante de base da coima aplicada pela infracção no mercado do fio destinado à indústria automóvel, ao facto de não ter sido tida em consideração a não aplicação do acordo do fio destinado à indústria automóvel e à violação do direito de audiência e dos direitos de defesa.

A –  Quanto ao fundamento de anulação da decisão recorrida, invocado pelas recorrentes, relativo à violação do artigo 7.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 1/2003

1.     Argumentos das partes

36      As recorrentes alegam que as infracções imputadas constituem uma infracção única, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 1/2003, uma vez que os mercados do fio destinado à indústria automóvel e do fio industrial não são mercados de produtos ou geográficos distintos, que existe um elemento subjectivo comum entre esses acordos e que os critérios utilizados pela Comissão para afirmar a inexistência de uma infracção única não são válidos.

37      Em primeiro lugar, quanto à existência de um mercado de produtos único, as recorrentes negam ter confirmado expressamente que o fio destinado ao vestuário e o fio destinado à indústria automóvel pertenciam a dois mercados distintos. Com efeito, a resposta da Amann ao pedido de informações, que qualificava o mercado do fio destinado à indústria automóvel de mundial, de modo nenhum implica um reconhecimento da alegada autonomia desse mercado. Além disso, tendo entregado estimativas para seis diferentes segmentos do fio, a Amann não conseguiu fazê‑lo para o segmento do fio destinado ao sector automóvel.

38      Segundo as recorrentes, também as declarações de outros operadores como a Coats e a Gütermann não permitem concluir pela existência de uma distinção entre o mercado do fio destinado à indústria automóvel e o mercado do fio industrial.

39      O ponto de vista das recorrentes quanto à unicidade do mercado é confirmado pela apresentação dos produtos feita por todas as empresas. É esse o caso, nomeadamente, da segmentação feita pela Gütermann, pela Amann e pela Coats. Afirmam que se verifica que é possível uma utilização do mesmo fio em vários ramos.

40      A existência de normas de especificações mais rigorosas impostas pelos grandes clientes do sector automóvel também não justifica a distinção entre o fio industrial e o fio destinado à indústria automóvel. Com efeito, os fios são geralmente produzidos de acordo com as exigências da indústria automóvel e fornecidos nessa qualidade aos grandes clientes de outros sectores industriais. Aliás, a produção de dois tipos de fio de qualidades diferentes não seria defensável do ponto de vista económico. Assim, as características técnicas do fio destinado à indústria automóvel são, no essencial, idênticas às do fio industrial. São, portanto, intermutáveis, até porque são comercializados em função dos produtos e não dos clientes.

41      Em segundo lugar, as recorrentes criticam a Comissão por não ter analisado se os diferentes comportamentos imputados estavam unidos entre si por um elemento subjectivo comum e se constituíam, assim, uma infracção única. A própria Comissão considerou provado que as infracções tinham todas em vista falsear a evolução normal dos preços no mercado em causa.

42      O facto de serem acordos sobre os preços e de as decisões tomadas para as regiões em causa serem praticamente idênticas sustenta a tese da unicidade das infracções. As recorrentes acrescentam que, na maior parte dos Estados‑Membros, o elemento subjectivo é o critério determinante para uma infracção ser considerada única.

43      Alegam ainda que, tendo em conta a dimensão média da maior parte das empresas em causa, os seus dirigentes e sócios tinham de ter necessariamente conhecimento das diversas infracções. No que a elas se refere, precisam que o elemento subjectivo resulta ainda da inexistência de compartimentação das competências internas no domínio da comercialização do fio industrial e do fio destinado à indústria automóvel.

44      Referem ainda, no essencial, a incoerência da Comissão, que partiu do princípio de uma infracção única para as sucessivas infracções cometidas em cada acordo, mas não fez o mesmo para os acordos entre si. A esse respeito, a decisão recorrida contém, nos considerandos 266 a 270, várias contradições que podem demonstrar que a tese da Comissão quanto à existência de infracções distintas não é defensável.

45      Em terceiro lugar, as recorrentes contestam os critérios a que a Comissão recorreu para determinar a existência ou não de uma infracção única.

46      Em primeiro lugar, alegam que esses critérios não são válidos. Por um lado, alegam que a própria Comissão está indecisa na utilização dos critérios para determinar a existência de uma infracção única, pois justifica a existência de duas infracções distintas baseando‑se em participantes diferentes, noutro modo de funcionamento e na inexistência de coordenação global, e baseia‑se seguidamente na diferença a nível dos mercados em causa, para vir depois a declarar que os acordos sobre o Benelux e os países nórdicos devem ser analisados em conjunto, visto estarem ligados por uma organização, um modo de funcionamento e participantes idênticos. As recorrentes verificam, assim, que o critério da coordenação global já não tem qualquer papel no respeitante ao reconhecimento de uma infracção única no Benelux e nos países nórdicos.

47      Por outro lado, entendem ser irrelevante o critério da delimitação do mercado de produtos, no caso de produtos aparentados. Com efeito, a utilização desse critério, com excepção dos casos evidentes em que os produtos não pertencem ao mesmo mercado, traduzir‑se‑ia em conferir à Comissão uma margem de apreciação quase incontrolável no âmbito da punição de infracções ao direito da concorrência. O critério da não identidade dos participantes é também irrelevante. Com efeito, as recorrentes salientam que a questão de saber quem representa as empresas não tem qualquer importância, uma vez que a participação é imputável à empresa.

48      Em segundo lugar, a Amann e a Cousin alegam que, de qualquer forma, a aplicação desses critérios deveria ter levado ao Comissão a concluir pela existência de uma infracção única.

49      Por um lado, invocam o facto de a Comissão não conseguir justificar validamente a existência de infracções distintas com base na inexistência de coordenação entre os cartéis, pois ela própria salienta, reproduzindo nesse ponto as declarações da Coats, que, tendo em conta que a delimitação dos mercados de produtos era mais por país, não era necessário proceder a uma coordenação entre as regiões em causa. Do mesmo modo, a tentativa da Comissão de proceder a uma distinção entre a coordenação dos mercados geográficos e a dos mercados de produtos distintos não tem qualquer relevância visto que, no caso de mercados geográficos diferentes, não teria sentido uma coordenação entre mercados de produtos distintos. É por isso que as recorrentes alegam que se deve analisar os comportamentos em causa admitindo que as reuniões dedicadas às diversas regiões se inscreviam num plano global aprovado pelas respectivas direcções e confirmado por documentos que referem contactos frequentes entre representantes da Coats e da Amann que tinham por objecto questões de «estratégia superior» na Europa. Esses documentos demonstram a existência de um elemento subjectivo comum. A esse respeito, as recorrentes censuram a Comissão de não ter analisado a questão de saber se esse tipo de contacto também não existiu entre a Coats e outros concorrentes.

50      Por outro lado, não há qualquer diferença determinante entre os participantes nos cartéis e na sua organização. A este respeito, as recorrentes afirmam que, segundo a jurisprudência, não se pode excluir a possibilidade de uma infracção única no sentido jurídico do termo pelo simples facto de cada empresa participar na infracção à sua própria maneira, podendo, assim, uma empresa participar num cartel único sem participar em todos os seus elementos constitutivos.

51      Em face disto, as recorrentes referem que só três empresas participaram num só acordo, estando todas as outras envolvidas em dois ou mais acordos, o que constitui uma imbricação a nível dos participantes que aponta no sentido da existência de uma infracção única. Além disso, uma comparação entre as reuniões do cartel no mercado do fio industrial e as reuniões do cartel no mercado do fio destinado à indústria automóvel em nada sustenta a tese da existência de infracções distintas. Em ambos os casos, as reuniões foram realizadas irregularmente.

52      A Comissão refuta esses argumentos.

2.     Apreciação do Tribunal

a)     Quanto à distinção dos mercados de produtos e geográficos

53      Resulta da decisão recorrida que a Comissão considerou que, pela sua especificidade, o mercado do fio destinado à indústria automóvel se devia distinguir do mercado do fio industrial, tanto do ponto de vista dos produtos como do ponto de vista geográfico (v. n.os 12 a 16 e 18 a 20 supra).

54      A título preliminar, há que referir que a definição do mercado em causa, na medida em que envolve apreciações económicas complexas por parte da Comissão, só pode ser objecto de uma fiscalização limitada por parte do julgador comunitário (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 30 de Março de 2000, Kish Glass/Comissão, T‑65/96, Colect., p. II‑1885, n.° 64, e de 6 de Junho de 2002, Airtours/Comissão, T‑342/99, Colect., p. II‑2585, n.° 26). No entanto, esse mesmo julgador não deve deixar de fiscalizar a interpretação que a Comissão dá aos dados de natureza económica. Nesta matéria, incumbe‑lhe verificar se a Comissão baseou a sua apreciação em provas exactas, fiáveis e coerentes, se essas provas são todos os dados relevantes a ter em consideração para apreciar uma situação complexa e se são susceptíveis de fundamentar as conclusões que delas se retiram (v. acórdão de 17 de Setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, Colect., p. II‑3601, n.° 482).

55      Seguidamente, há que lembrar que o mercado a tomar em consideração abrange todos os produtos que, em função das suas características, são particularmente adequados à satisfação de necessidades constantes e são pouco intermutáveis com outros produtos (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1983, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 37). Mais especificamente, o Tribunal de Justiça considerou que o conceito de mercado de produtos implica que possa existir uma concorrência efectiva entre os seus produtos, o que pressupõe um grau suficiente de intermutabilidade entre todos os produtos pertencentes ao mesmo mercado (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão, 85/76, Colect., p. 217, n.° 28).

56      Quanto à intermutabilidade, deve ser apreciada em função de um conjunto de indícios que são as características próprias dos produtos, as condições da concorrência e a estrutura da procura e da oferta no mercado (acórdão Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, referido no n.° 55 supra, n.° 37).

57      Embora, do ponto de vista económico, a substituibilidade do lado da procura seja o critério de avaliação mais imediato e mais eficaz face aos fornecedores de determinado produto (acórdão do Tribunal Geral de 4 de Julho de 2006, easyJet/Comissão, T‑177/04, Colect., p. II‑1931, n.° 99), a substituibilidade do lado da oferta pode também ser tomada em consideração para definir o mercado em causa nas operações em que essa substituibilidade tenha efeitos equivalentes aos da substituibilidade do lado da procura em termos de imediatismo e eficácia. Assim, o critério da substituibilidade do lado da oferta implica que os produtores possam, por meio de uma simples adaptação, apresentar‑se nesse mercado com suficiente força para constituir um contrapeso sério aos produtores já instalados no mercado (acórdão do Tribunal Geral de 30 de Setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑191/98, T‑212/98 a T‑214/98, Colect., p. II‑3275, n.° 829).

58      Quanto aos próprios produtos, refira‑se que podem constituir um mercado distinto quando se individualizam por características particulares de produção que os façam ser especificamente adequados a esse destino ou quando sejam individualizados pela sua utilização (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão, 6/72, Colect., p. 109, n.° 33).

59      Por último, há que lembrar que a Comissão adoptou uma Comunicação relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência (JO 1997, C 372, p. 5, a seguir «comunicação sobre a definição do mercado»), em que precisa os critérios a seguir para definir um mercado de produtos relevante e para delimitar o mercado geográfico em causa. O mercado de produtos em causa é aí definido como aquele que «compreende todos os produtos e/ou serviços considerad[o]s permutáveis ou substituíveis pelo consumidor devido às suas características, preços e utilização pretendida». Quanto ao mercado geográfico, é definido como aquele que «compreende a área em que as empresas em causa fornecem produtos ou serviços, em que as condições da concorrência são suficientemente homogéneas e que podem distinguir‑se de áreas geográficas vizinhas devido ao facto, em especial, das condições da concorrência serem consideravelmente diferentes nessas áreas». O mercado em causa em que se deve apreciar determinado problema de concorrência é, portanto, determinado conjugando o mercado de produtos e o mercado geográfico.

60      À luz destas considerações, há que analisar a justeza das conclusões da Comissão que constam dos considerandos 14 e 22 da decisão recorrida, quanto à existência de dois mercados de produtos e geográficos distintos, a saber, o do fio destinado à indústria automóvel no EEE e o do fio industrial no Benelux e nos países nórdicos. Para isso, a Comissão analisou a substituibilidade dos produtos do lado da procura, por um lado, e do lado da oferta, por outro.

61      Em primeiro lugar, no que respeita à substituibilidade do lado da procura, a decisão recorrida contém uma série de elementos demonstrativos da sua inexistência.

62      Primeiro, resulta dos considerandos 14 e 22 da decisão recorrida que a procura da indústria automóvel provém de grandes clientes e que estes são em muito menor número que as outras empresas clientes no mercado do fio industrial. Isto não foi posto em causa pelas recorrentes. Na audiência, confirmaram que os clientes do sector automóvel eram muito mais poderosos devido às grandes quantidades que compram.

63      Segundo, resulta desses considerandos da decisão recorrida que os clientes do sector automóvel compram fio para as suas unidades de produção instaladas em diversos países e que exigem, assim, um produto uniforme em cada um desses países. Essa necessidade de uniformidade, aliás não impugnada pelas recorrentes, explica‑se perfeitamente do ponto de vista económico. Com efeito, é razoável admitir que a adaptação das máquinas de produção ao tipo de fio utilizado tenha custos. As indústrias do sector automóvel tentam, portanto, atenuar esses custos comprando em grande quantidade um tipo de fio bem específico e adaptando a esse fio, uma única vez, as suas máquinas de produção instaladas em vários países.

64      Terceiro, resulta dos considerandos 14 e 22 da decisão recorrida que os fios destinados à indústria automóvel devem obedecer a normas particularmente rigorosas, específicas do sector, e que a sua rastreabilidade é um factor essencial, por razões de qualidade dos produtos e de responsabilidade por eles. Isto foi confirmado pelas recorrentes, quer na petição quer na audiência.

65      Com efeito, admitiram que, em geral, são os clientes quem decide o fio necessário à sua produção e quem escolhe, portanto, o produto que corresponde às suas necessidades de utilizadores. Em particular, quanto aos clientes do sector automóvel, as recorrentes reconheceram que estes exigem que o fio corresponda no mínimo à norma ISO 9002. Inclusivamente esclareceram na audiência que existem características especiais para a indústria automóvel, ditas «TS950», e que têm esses elementos em conta na produção.

66      Por outro lado, as recorrentes descreveram o processo de certificação dos fios pelos clientes do sector automóvel. Antes de mais, as recorrentes desenvolvem um tipo de fio que corresponda, no mínimo, à norma ISO 9002. Seguidamente, o fio é testado pelo fabricante automóvel que tencione utilizá‑lo na sua produção e, finalmente, é por ele certificado se o teste for conclusivo.

67      Em face destas considerações, há que admitir que o fio específico escolhido pela indústria automóvel não pode ser substituído por outros fios industriais. O facto de esse tipo de fio ser vendido a outros clientes não pertencentes à indústria automóvel não tem qualquer importância a este respeito. Com efeito, ao contrário dos outros eventuais compradores desse produto, as empresas do sector automóvel só comprarão o fio que tenha qualidades intrínsecas específicas e que por elas tenha sido certificado em função de qualidades particulares. Assim, as recorrentes não podem razoavelmente alegar que existe uma substituibilidade do ponto de vista da procura.

68      Também as declarações da Coats em resposta ao pedido de informações da Comissão vão no sentido de confirmar a inexistência da substituibilidade do ponto de vista da procura. Com efeito, a Coats salientou que certos clientes do sector da confecção utilizavam fio de bordar tal como certos clientes do sector do bordado utilizavam fio destinado à confecção. Em contrapartida, não foi referida a existência dessa substituibilidade do lado da procura nos clientes do sector automóvel.

69      Em segundo lugar, embora a Comissão tenha entendido que, do ponto de vista da oferta, o fio industrial podia ser considerado um mercado de produtos único, por não existir uma correspondência estrita entre a utilização e o tipo de fibra e/ou de estrutura do fio e a semelhança ou a intermutabilidade dos processos de produção desse fio, concluiu que o mesmo não acontecia com o fio destinado à indústria automóvel.

70      Para essa conclusão, a Comissão baseou‑se nas especificidades do fio destinado à indústria automóvel, na necessidade de garantir uma oferta estandardizada e na capacidade de resposta às encomendas dos grandes clientes desse sector. Baseou‑se também no facto de o mercado geográfico do fio destinado à indústria automóvel se estender em todo o território do EEE, ao contrário do que acontece com o fio industrial, que tem um carácter unicamente regional. Em face destes elementos, considerou que só algumas empresas podiam satisfazer esse tipo de procura (v. considerando 22 da decisão recorrida).

71      Antes de mais, nos termos do n.° 20 da comunicação sobre a definição do mercado, para haver a substituibilidade do lado da oferta, os fornecedores devem poder reorientar a sua produção para os produtos em causa e comercializá‑los a curto prazo sem qualquer custo ou risco suplementar substancial em reacção a variações ligeiras, mas permanentes, dos preços relativos. Seguidamente, no n.° 21 da comunicação sobre a definição do mercado, a Comissão salienta que essa substituibilidade existe frequentemente nos casos em que as empresas oferecem uma gama de qualidades ou tipos do mesmo produto e que, mesmo embora, para um comprador final ou determinado grupo de consumidores finais, essas diferenças de qualidade não sejam substituíveis, são agrupadas num único mercado de produtos. Desde logo, o fio industrial corresponde ao tipo de produto a que se refere o n.° 21 da comunicação sobre a definição do mercado.

72      Por último, nos n.os 22 e 23 da comunicação sobre a definição do mercado, a Comissão confirma, por meio de exemplos concretos, que os fornecedores em causa devem ter a possibilidade de propor e vender imediatamente essas diferentes qualidades de produtos sem aumentar os custos de forma substancial e que não devem existir dificuldades particulares na fase da distribuição.

73      É à luz destas considerações que se tem de determinar se a Comissão apreciou correctamente o critério da substituibilidade do ponto de vista da oferta.

74      Em primeiro lugar, como acima se refere nos n.os 63 e seguintes, os produtores de fio destinado à indústria automóvel devem adaptar as suas máquinas de produção para o fio produzido obedecer a normas específicas.

75      Em segundo lugar, o raciocínio das recorrentes quanto aos baixos custos de produção do fio destinado à indústria automóvel não é convincente. Com efeito, é certo que as recorrentes alegam que não só os fios são geralmente produzidos de acordo com as exigências da indústria automóvel e nessa qualidade entregados aos clientes de outros sectores industriais mas também que os custos de adaptação da cadeia de fabrico seriam muito maiores se fosse necessário fabricar um produto unicamente para o sector automóvel para seguidamente modificar a cadeia de produção para a adaptar ao fabrico de produtos destinados a outros sectores industriais.

76      Não é menos certo que, embora, por razões de racionalização da produção, uma sociedade que já tenha presença no mercado do fio destinado à indústria automóvel produza essencialmente fios que correspondem à norma superior independentemente do destino do produto, ela só o fará porque tem presença no mercado automóvel, devido aos altos custos ligados à produção de acordo com as normas específicas relativas aos fios destinados à indústria automóvel. Por outras palavras, uma sociedade cuja actividade principal seja o fio destinado à confecção ou o fio de bordar não tem qualquer interesse em produzir um fio especial destinado ao sector automóvel pelo simples facto de poder vendê‑lo a eventuais clientes do sector automóvel.

77      Assim, a afirmação das recorrentes de que os custos de produção do fio destinado à indústria automóvel são tão baixos que a produção se faz sempre segundo uma norma de especificação mais alta não está demonstrada no que respeita aos produtores de fio industrial.

78      Em terceiro lugar, a clara diferença entre os dois mercados no plano geográfico não foi posta em causa pelas recorrentes no procedimento administrativo. Em resposta ao pedido de informações da Comissão, a Amann chegou mesmo a qualificar de mundial o mercado do fio destinado à indústria automóvel. Também a Coats assinalou que também as características específicas deste último mercado o limitam aos fornecedores «regionais» e «globais», termos estes que devem ser interpretados, no contexto da resposta, no sentido de «se estendem a todo o território do EEE» e «mundial».

79      Assim, a substituibilidade do ponto de vista da oferta pressupõe que a maior parte dos produtores de fio sejam capazes de produzir fio específico e uniforme em grande quantidade para cada cliente do sector da indústria automóvel e de o distribuir com rapidez em todo o EEE. Em face do exposto, esse raciocínio não é muito defensável.

80      Portanto, a Comissão não cometeu qualquer erro manifesto de apreciação ao concluir pela existência de dois mercados de produtos e geográficos distintos do ponto de vista da oferta.

81      A esse respeito, há que precisar que a Comissão apreciou e interpretou correctamente as respostas das recorrentes e das outras empresas em causa, com base nas quais chegou à conclusão da existência de dois mercados de produtos distintos.

82      Desde logo, a Comissão colocou às recorrentes a questão de saber se a linha de coser vestuário para uso industrial, o fio de bordar para uso industrial, o fio especial para uso industrial e o fio de uso doméstico constituíam diferentes mercados de produtos do sector do fio. A Comissão apresentou também um quadro destinado a determinar os mercados geográficos em causa em cada uma das categorias de fio acima referidas, prevendo ainda uma rubrica específica «Fio para automóvel». Esclareceu que essa categoria estava incluída no fio especial para uso industrial, mas sublinhou que queria saber a opinião da Amann e da Cousin sobre o mercado geográfico em causa desse tipo de fio.

83      Em resposta a esse pedido de informações, a Amann referiu que a análise em separado detalhadamente feita pela Comissão estava correcta pelo facto de «existirem especificações de produtos e necessidades específicas dos clientes que, no domínio da indústria do vestuário, em particular, se distinguem claramente dos outros dois sectores a nível da variedade dos coloridos, etc.» A Cousin, por sua vez, também assinalou o seu acordo total com a segmentação apresentada pela Comissão. No entanto, precisou a grande dificuldade de avaliar os mercados, sobretudo quando se trata de fios especiais, dada a enorme diversidade das utilizações em causa, sublinhando ter contado mais de 80 profissões.

84      Assim, é certo que as recorrentes admitiram expressamente que o mercado do fio especial constituía um mercado de produtos distinto, mas, ao contrário do que afirma a Comissão nos articulados, não reconheceram expressamente que o próprio mercado do fio destinado à indústria automóvel incluído no mercado do fio especial era um mercado de produtos distinto.

85      Também a Gütermann confirmou a subdivisão proposta pela Comissão, mas não se pronunciou expressamente sobre o mercado do fio destinado à indústria automóvel. Quanto à Coats, respondeu à questão dos mercados segundo os produtos que não pensava que as diferenças entre os produtos fossem suficientes para concluir pela existência de três mercados distintos, não deixando de reconhecer as características específicas do mercado do fio destinado à indústria automóvel, como acima referido no n.° 78. Só a Oxley confirmou directamente e justificou a distinção do mercado do fio destinado à indústria automóvel.

86      Embora a interpretação desses elementos, quanto à existência de um mercado do fio destinado à indústria automóvel distinto, não seja tão evidente como a Comissão afirma, não deixa de ser verdade que as suas deduções não estão feridas de qualquer erro manifesto de apreciação nem de qualquer desvirtuação dos factos.

87      De resto, as suas deduções são confirmadas por outros indícios como os sítios Internet das empresas, que apresentam em geral uma rubrica distinta para o fio destinado à indústria automóvel. Do mesmo modo, todas essas empresas são titulares de marcas de fio especificamente criadas para esse sector.

88      Resulta do exposto que a Comissão não cometeu qualquer erro manifesto de apreciação ao considerar que, no caso, o mercado do fio destinado à indústria automóvel e o mercado do fio industrial eram diferentes.

b)     Quanto à alegada existência de um «plano de conjunto»

89      Antes de mais, há que lembrar que o conceito de infracção única visa uma situação em que várias empresas participaram numa infracção que consiste num comportamento continuado com uma única finalidade económica e com o intuito de falsear a concorrência ou ainda em infracções individuais ligadas entre si através de uma identidade de objecto (mesma finalidade de conjunto dos elementos) e de sujeitos (identidade das empresas em causa, conscientes de participarem no objecto comum) (acórdão do Tribunal Geral de 8 de Julho de 2008, BPB/Comissão, T‑53/03, Colect., p. II‑1333, n.° 257).

90      Seguidamente, refira‑se que uma violação do artigo 81.°, n.° 1, CE pode resultar não apenas de um acto isolado mas igualmente de uma série de actos ou mesmo de um comportamento continuado. Esta interpretação não pode ser contestada com base no facto de um ou diversos elementos dessa série de actos ou desse comportamento continuado também poderem constituir, só por si e considerados isoladamente, uma violação da referida disposição. Quando as diferentes acções se inscrevem num «plano de conjunto» em razão do seu objecto idêntico que falseia o jogo da concorrência no interior do mercado comum, a Comissão pode imputar a responsabilidade por essas acções em função da participação na infracção considerada no seu todo (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑123, n.° 258).

91      Além disso, segundo jurisprudência assente, o conceito de infracção única pode corresponder à qualificação jurídica de um comportamento anticoncorrencial que consista em acordos, em práticas concertadas e em decisões de associações de empresas (v. neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 20 de Abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, T‑305/94 a T‑307/94, T‑313/94 a T‑316/94, T‑318/94, T‑325/94, T‑328/94, T‑329/94 e T‑335/94, Colect., p. II‑931, n.os 696 a 698; de 20 de Março de 2002, HFB e o./Comissão, T‑9/99, Colect., p. II‑1487, n.° 186; e de 12 de Dezembro de 2007, BASF/Comissão, T‑101/05 e T‑111/05, Colect., p. II‑4949, n.° 159).

92      Há que esclarecer também que o conceito de objectivo único não pode ser determinado pela referência geral à distorção da concorrência no mercado afectado pela infracção, uma vez que o impacto na concorrência constitui, como objectivo ou como efeito, um elemento consubstancial a qualquer comportamento abrangido pelo artigo 81.°, n.° 1, CE. Essa definição do conceito de objectivo único pode retirar ao conceito de infracção única e continuada uma parte do seu sentido, na medida em que pode ter como consequência que vários comportamentos relativos a um sector económico proibidos pelo artigo 81.°, n.° 1, CE devam ser sistematicamente qualificados como elementos constitutivos de uma infracção única. Assim, para efeitos de qualificação das diversas actuações como infracção única e continuada, há que verificar se apresentam uma relação de complementaridade, no sentido de que cada uma delas se destina a enfrentar uma ou mais consequências do jogo normal da concorrência, e contribuem, através de uma interacção, para a realização do conjunto dos efeitos anticoncorrenciais pretendidos pelos seus autores, no âmbito de um plano global com um objectivo único. A esse respeito, há que ter em conta quaisquer circunstâncias susceptíveis de demonstrar ou pôr em causa essa relação, tais como o período de aplicação, o conteúdo (incluindo os métodos utilizados) e, correlativamente, o objectivo das diversas actuações em causa (v., neste sentido, acórdão BASF/Comissão, referido no n.° 91 supra, n.os 179 a 181).

93      Assim, é por razões objectivas que a Comissão pode abrir processos distintos, dar por provadas várias infracções distintas e aplicar várias coimas distintas (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 15 de Junho de 2005, Tokai Carbon e o./Comissão, T‑71/03, T‑74/03, T‑87/03 e T‑91/03, não publicado na Colectânea, a seguir «acórdão Tokai II», n.° 124).

94      Por último, há que observar que a qualificação de certas actuações ilícitas como actuações constitutivas de uma única e mesma infracção ou de uma pluralidade de infracções afecta, em princípio, a sanção que pode ser aplicada. Com efeito, o apuramento de uma pluralidade de infracções pode levar à aplicação de várias coimas distintas, sempre dentro dos limites previstos no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 (acórdão BASF/Comissão, referido no n.° 91 supra, n.° 158).

95      É à luz destas considerações que se tem de apreciar a existência de um «plano de conjunto».

96      Há que observar desde logo que as recorrentes alegam principalmente que, no caso, o elemento subjectivo comum reside no facto de todas as infracções terem em vista falsear a evolução normal dos preços. Ora, esse objectivo de falsificação dos preços é inerente a qualquer cartel de preços e, só por si, não basta para demonstrar a existência de um elemento subjectivo comum. A esse respeito, e contrariamente às afirmações das recorrentes, a Comissão de modo nenhum partiu do princípio da existência de uma relação entre as infracções na decisão recorrida. Com efeito, no considerando 269, mais não faz do que mencionar o objectivo anticoncorrencial único e a finalidade económica única que consistia numa falsificação da evolução normal dos preços que é inerente a esse tipo de cartel, embora insistindo no facto de esse objectivo e essa finalidade serem prosseguidos em cada uma das três infracções diferentes.

97      Seguidamente, para refutar a existência de uma infracção única, além do facto de o mercado do fio destinado à indústria automóvel e o do fio industrial serem distintos, como de resto acima se refere nos n.os 53 a 88, a Comissão baseou‑se essencialmente na inexistência da identidade da maior parte dos membros envolvidos nos cartéis e na inexistência de coordenações globais entre estes. As recorrentes não lograram pôr em causa esses critérios nem demonstraram, portanto, a existência de uma «relação estreita» entre as diversas actuações anticoncorrenciais.

98      Em primeiro lugar, quanto ao critério relativo à inexistência de identidade dos participantes, a Comissão enumerou, nos considerandos 96 e 216 da decisão recorrida, os participantes no cartel no mercado do fio destinado à indústria automóvel e no cartel no mercado do fio industrial. Seguidamente, afirmou, no considerando 265, alínea a), da decisão recorrida, que a maior parte das empresas só tinham participado num único cartel, pois não tinham actividade nos mercados abrangidos pelo outro cartel.

99      Há que observar que, nas dez empresas que participaram nos cartéis, só três estiveram envolvidas em dois deles. Com efeito, a Ackermann Nähgarne GmbH & Co, a Bieze Stork BV, BST, a Cousin, a Gütermann, a Zwicky e a Oxley só tiveram a ver com um deles. Só a Coats, a Barbour (até à sua aquisição pela Coats) e a Amann participaram nos dois cartéis. A simples participação dessas três empresas nos dois cartéis não pode constituir, por si própria, um indício da existência de uma estratégia comum (v., neste sentido, acórdão Tokai II, referido no n.° 93 supra, n.° 120). Sublinhe‑se ainda que, com excepção da Barbour, os representantes das empresas presentes nas reuniões organizadas no âmbito do cartel no mercado do fio destinado à indústria automóvel e no âmbito do cartel no mercado do fio industrial não foram os mesmos no período de sobreposição dos dois cartéis (1998‑2000).

100    Assim, as afirmações da Comissão no considerando 265, alínea a), da decisão recorrida não estão feridas de qualquer erro manifesto de apreciação.

101    Em segundo lugar, o conteúdo dos acordos também não pode servir para justificar a existência de um plano global. Com efeito, resulta da decisão recorrida que os conteúdos respectivos do acordo sobre o mercado do fio destinado à indústria automóvel e do acordo sobre o mercado do fio industrial se distinguem claramente a esse respeito.

102    Quanto ao cartel no mercado do fio destinado à indústria automóvel, os considerandos 215, 220, 223, 224, 226, 228 a 230, 233 a 236 e 238 da decisão recorrida revelam, por um lado, que as informações trocadas entre os participantes no cartel eram relativas aos preços aplicados a certos clientes e, por outro, que os acordos a que se chegou consistiram na fixação de preços‑alvo mínimos para os produtos de base vendidos à clientela do sector automóvel, de dois tipos de preços‑alvo respectivamente para os clientes existentes e para os novos clientes e de preços‑alvo mínimos para certos clientes abrangidos pelas trocas de informações. Os participantes acordaram ainda evitar praticar preços inferiores aos do fornecedor existente.

103    Quanto ao cartel no mercado do fio industrial, resulta dos considerandos 99 a 153 da decisão recorrida, por um lado, que as informações trocadas eram relativas às listas de preços e de descontos, à aplicação de aumentos dos preços de catálogo, a reduções de descontos e ao aumento dos preços especiais aplicáveis a certos clientes e, por outro, que as partes acordaram futuras listas de preços, a taxa máxima de descontos, as diminuições de descontos e o aumento dos preços especiais aplicáveis a certos clientes e acordaram evitar praticar preços inferiores aos do fornecedor existente.

104    Os referidos considerandos da decisão recorrida confirmam que existe uma clara diferença entre os dois cartéis quanto ao seu conteúdo. Contudo, a existência de uma ou outra semelhança entre ambos, como os acordos para evitar praticar preços inferiores aos do fornecedor existente, não pode, só por si, pôr isso em causa.

105    Em terceiro lugar, os modos de funcionamento de cada um dos cartéis foram diferentes em grande medida. Com efeito, como refere a Comissão no considerando 218 da decisão recorrida, o cartel no mercado do fio destinado à indústria automóvel foi organizado de forma bastante flexível, por meio de pequenas reuniões irregulares completadas por frequentes contactos bilaterais. Os considerandos 96 a 99 e 149 a 153 da decisão recorrida revelam que o cartel no mercado do fio industrial no Benelux e nos países nórdicos se concretizou pela realização de reuniões, pelo menos uma vez por ano, e que estas eram divididas em duas partes, isto é, uma sessão dedicada ao mercado dos países nórdicos e uma sessão relativa ao mercado do Benelux. Daí resulta também que havia contactos bilaterais periódicos.

106    Em face destes elementos, a Comissão não cometeu qualquer erro manifesto de apreciação ao concluir, nos considerandos 265 a 267 da decisão recorrida, que o cartel no mercado do fio destinado à indústria automóvel e o cartel no mercado do fio industrial no Benelux e nos países nórdicos deviam ser distinguidos um do outro e constituíam, portanto, duas infracções distintas.

107    A esse respeito, refira‑se que, ao contrário do cartel no mercado do fio destinado à indústria automóvel, o cartel no mercado do fio industrial no Benelux e o cartel no mercado do fio industrial nos países nórdicos foram considerados uma única infracção pelo facto de os produtos serem idênticos, de os participantes no cartel serem os mesmos, de o conteúdo e o modo de funcionamento do cartel serem semelhantes, de as reuniões serem feitas no mesmo dia e de as empresas participantes aí estarem representadas pelas mesmas pessoas.

108    Além disso, são irrelevantes, por um lado, o argumento da inexistência de separação de competências entre as recorrentes, no domínio da comercialização do fio industrial e do fio destinado à indústria automóvel e, por outro, o argumento de os dirigentes e sócios das empresas participantes inevitavelmente terem de tomar conhecimento da existência dos vários cartéis. Em nada são a prova da existência de um elemento subjectivo comum.

109    Há que rejeitar também o argumento das recorrentes quanto à existência de uma coordenação global, baseado em contactos frequentes entre um representante da Coats e o gerente da Amann. Não existe nos autos nenhuma declaração que possa ser interpretada como indício de uma coordenação global. Na audiência, as recorrentes admitiram que não tinham a possibilidade de apresentar em juízo qualquer documento preciso que demonstrasse uma vontade de coordenação global entre a Amann e a Coats.

110    Por último, as recorrentes alegam, erradamente, que o critério de delimitação do mercado dos produtos não é um critério válido de apreciação, pois, nos casos de produtos aparentados, conferiria à Comissão uma margem de apreciação incontrolável para concluir pela existência de duas infracções distintas. Com efeito, por um lado, esse poder de apreciação da Comissão não é ilimitado, pois a Comissão continua sujeita à fiscalização do Tribunal Geral acima referida no n.° 54. Por outro lado, no presente caso, o critério dos mercados de produtos foi apenas um critério entre outros para concluir pela existência de duas infracções distintas.

111    Em face do exposto, improcede o fundamento relativo à violação do artigo 7.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 1/2003.

B –  Quanto aos fundamentos de redução da coima

1.     Quanto ao fundamento, invocado pelas recorrentes, relativo à inobservância do limite máximo da sanção, previsto no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003

a)     Argumentos das partes

112    O fundamento deduzido pelas recorrentes contém três alegações.

113    Na primeira alegação, as recorrentes afirmam que as duas infracções são, na realidade, uma infracção única e que, portanto, pode ser‑lhes aplicada uma única coima, não podendo o seu montante exceder o limite de 10% do volume de negócios global. Ora, o montante total dessa soma excede esse limite, sendo assim violados os artigos 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

114    Alegam que foi violado o princípio de direito constitucional comunitário nulla poena sine lege. No essencial, criticam o facto de a Comissão poder, através de uma divisão dos mercados em que tenham sido detectadas infracções paralelas, atribuir a si própria uma margem de manobra ilimitada para fixar coimas superiores ao limite de 10% do volume de negócios global. Entendem que, com efeito, resulta do princípio da legalidade não só a proibição de o julgador condenar em penas sem fundamento legal mas também o dever de o legislador redigir normas penais de forma clara e precisa. O imperativo de clareza aplica‑se, assim, aos elementos constitutivos de uma norma mas também às suas consequências jurídicas. Esses imperativos valem também para as normas acima referidas que prevêem coimas por infracções às normas de concorrência.

115    Na audiência, chamadas a prestar esclarecimentos sobre a sua argumentação, as recorrentes precisaram que esta deve ser interpretada no sentido de que põe também em causa a legalidade da própria norma e, portanto, que suscitam uma questão de ilegalidade do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

116    Por outro lado, refutam o argumento da Comissão quanto à sua obrigação de respeitar o princípio non bis in idem, uma vez que esse princípio não dá qualquer garantia quanto à exactidão do reconhecimento de uma ou mais infracções. No essencial, alegam que o problema se situa a montante, isto é, na própria determinação da existência de uma ou mais infracções.

117    Com a segunda alegação, as recorrentes defendem que a Comissão pode aplicar uma coima única por diferentes infracções quando estas tenham por objecto os mesmos tipos de actuações em diferentes mercados e os participantes sejam, em grande medida, as mesmas empresas. Essas duas condições estão preenchidas no presente caso.

118    As recorrentes consideram que a Comissão se afastou da sua prática decisória anterior sem a mais pequena fundamentação. Com efeito, consideram que a Comissão, no caso de não utilizar o seu poder de aplicar uma única coima por várias infracções, tem de o fundamentar, de acordo com os princípios gerais do direito administrativo europeu. Por conseguinte, no presente caso, a Comissão violou o artigo 253.° CE.

119    Seguidamente, procedem a uma comparação da decisão recorrida com a decisão da Comissão, de 21 de Novembro de 2001, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° [CE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/E‑1/37.512 – Vitaminas) (a seguir «decisão Vitaminas»). Com efeito, nessa decisão, a Comissão reuniu as coimas aplicadas pelas diversas infracções numa só coima global e, portanto, considerou necessário respeitar o limite de 10% do volume de negócios global. Ora, como na decisão Vitaminas, os cartéis do presente processo estão unidos num mesmo contexto material e «espaciotemporal».

120    Com a sua terceira alegação, as recorrentes afirmam que o efeito dissuasor pretendido pela Comissão já foi atingido com a aplicação da coima pela infracção cometida no mercado do fio industrial. A Comissão deveria, pois, ter tido isso em conta na fixação do montante da coima aplicada pelo cartel do fio destinado à indústria automóvel.

121    A Comissão refuta esses argumentos.

b)     Apreciação do Tribunal

122    O presente fundamento suscitado pelas recorrentes inclui, no essencial, três alegações, sendo a primeira relativa à violação do princípio nulla poena sine lege, a segunda relativa à obrigação de aplicar uma coima única por várias infracções e a terceira relativa à inobservância dos objectivos legais da sanção.

 Quanto à violação do princípio nulla poena sine lege e à questão de ilegalidade do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003

123    Em primeiro lugar, há que analisar a questão da ilegalidade do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003 arguida pelas recorrentes a três níveis. Em primeiro lugar, alegam, no essencial, que o próprio conceito de infracção, tal como mencionado no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, não é claro. Em segundo lugar, alegam que o conceito de infracção única e continuada também não é claramente definido e que a Comissão pode, assim, influenciar arbitrariamente a determinação do montante da coima através de uma divisão dos mercados em que tenham sido provadas infracções paralelas. Em terceiro lugar, alegam que também as sanções previstas pelo mesmo artigo não são claras.

124    Há que lembrar previamente que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o princípio da legalidade das penas é um corolário do princípio da segurança jurídica, que constitui um princípio geral do direito comunitário e que impõe, designadamente, que uma regulamentação comunitária, particularmente quando aplique ou permita a aplicação de sanções, seja clara e precisa, a fim de as pessoas às quais diz respeito poderem conhecer sem ambiguidade os direitos e obrigações que dela decorrem e agir em conformidade (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 1981, Gondrand e Garancini, 169/80, Recueil, p. 1931, n.° 17; de 13 de Fevereiro de 1996, Van Es Douane Agenten, C‑143/93, Colect., p. I‑431, n.° 27; e acórdão do Tribunal Geral de 5 de Abril de 2006, Degussa/Comissão, T‑279/02, Colect., p. II‑897, n.° 66).

125    Este princípio, que faz parte das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros e que foi consagrado em vários tratados internacionais, nomeadamente no artigo 7.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH»), impõe‑se tanto às normas de carácter penal como aos instrumentos administrativos específicos que apliquem ou permitam aplicar sanções administrativas (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Novembro de 1987, Maizena e o., 137/85, Colect., p. 4587, n.° 15). Aplica‑se não apenas às normas que definem os elementos constitutivos de uma infracção mas igualmente às que determinam as consequências decorrentes de uma infracção às primeiras (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 1996, X, C‑74/95 e C‑129/95, Colect., p. I‑6609, n.° 25, e acórdão Degussa/Comissão, referido no n.° 124 supra, n.° 67).

126    A este respeito, refira‑se que, nos termos do artigo 7.°, n.° 1, da CEDH:

«Ninguém pode ser condenado por uma acção ou uma omissão que, no momento em que foi cometida, não constituía infracção, segundo o direito nacional ou internacional. Igualmente não pode ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infracção foi cometida.»

127    Segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «TEDH»), resulta desta disposição que a lei deve definir claramente as infracções e as penas que as reprimem. Este requisito está preenchido quando o justificiável puder saber, a partir da letra da disposição e, se necessário, com o auxílio da interpretação que lhe tenha sido dada pelos tribunais, quais são os actos e omissões que determinam a sua responsabilidade penal (v. TEDH, acórdão Coëme c. Bélgica de 22 de Junho de 2000, Colectânea dos acórdãos e decisões, 2000‑VII, § 145) (acórdão Degussa/Comissão, referido no n.° 124 supra, n.° 69).

128    Resulta da jurisprudência do TEDH que, para cumprir as exigências do artigo 7.°, n.° 1, da CEDH, não é necessário que os termos das disposições que servem de base à aplicação dessas sanções sejam de tal modo precisos a ponto de as consequências que poderão decorrer de uma infracção a essas disposições serem previsíveis com absoluta certeza (acórdão Degussa/Comissão, referido no n.° 124 supra, n.° 71).

129    Com efeito, segundo a jurisprudência do TEDH, a existência de termos vagos nas disposições não determina necessariamente a violação do artigo 7.° da CEDH e o facto de uma lei conferir um poder de apreciação não infringe, por si só, a exigência de previsibilidade, na condição de o alcance e as modalidades do exercício de tal poder se encontrarem definidos com clareza suficiente, tendo em conta a finalidade legítima em jogo, para fornecer ao indivíduo uma protecção adequada contra o arbítrio (v. TEDH, acórdão Margareta e Roger Andersson de 25 de Fevereiro de 1992, série A, n.° 226, § 75). A este respeito, para além do texto da própria lei, o TEDH tem em conta a questão de saber se os conceitos indeterminados utilizados foram esclarecidos por uma jurisprudência constante e publicada (v. TEDH, acórdão G. de 27 de Setembro de 1995, série A, n.° 325‑B, § 25) (acórdão Degussa/Comissão, referido no n.° 124 supra, n.° 72).

130    Quanto à legalidade do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, à luz do princípio da legalidade das penas, como reconhecido pela jurisprudência comunitária em conformidade com as indicações fornecidas pela CEDH e com as tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, há que salientar que, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, a Comissão não dispõe de uma margem de apreciação ilimitada, em primeiro lugar, para dar por provada a existência de infracções às normas de concorrência, em segundo lugar, para determinar se os diversos actos ilícitos constituem uma infracção única e continuada ou várias infracções autónomas e, em terceiro lugar, para fixar o montante das coimas por essas infracções.

131    Em primeiro lugar, as infracções às normas de concorrência pelas quais a Comissão pode, nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, aplicar coimas são unicamente as infracções aos artigos 81.° CE ou 82.° CE. Ora, as recorrentes alegam erradamente que a Comissão dispõe de uma margem de apreciação ilimitada para considerar provadas essas infracções. Por um lado, há que lembrar que a questão de saber se as condições dos artigos 81.° CE e 82.° CE estão preenchidas está sujeita, em princípio, à total fiscalização do juiz comunitário (v., neste sentido e por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 1998, Deere/Comissão, C‑7/95 P, Colect., p. I‑3111, n.° 34 e jurisprudência aí referida, e acórdão do Tribunal Geral de 8 de Julho de 2008, AC‑Treuhand/Comissão, T‑99/04, Colect., p. II‑1501, n.° 144). Por outro lado, embora seja verdade que, na eventualidade de isso exigir apreciações económicas ou técnicas complexas, a jurisprudência reconhece à Comissão uma certa margem de apreciação, esta em nenhum caso é ilimitada. Com efeito, a existência dessa margem de apreciação não implica que o Tribunal deixe de fiscalizar a interpretação que a Comissão der a dados dessa natureza. O julgador comunitário deve não só verificar a exactidão material das provas apresentadas, a sua fiabilidade e a sua coerência mas também fiscalizar se esses elementos constituem todos os dados relevantes a tomar em consideração na apreciação de uma situação complexa e se são susceptíveis de servir de suporte às conclusões que deles são extraídas (v., neste sentido, acórdão Microsoft/Comissão, referido no n.° 54 supra, n.° 88 e jurisprudência aí referida).

132    De resto, as recorrentes não alegam que a definição de um dos tipos de infracção previstos no artigo 81.° CE, que consistem em «acordos entre empresas [...] que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum, designadamente as que consistam em [...] [f]ixar, de forma directa ou indirecta, os preços de compra ou de venda, ou quaisquer outras condições de transacção», não lhes permitiu saber que os cartéis no mercado do fio industrial no Benelux e nos países nórdicos e no mercado do fio destinado à indústria automóvel no EEE constituíam infracções na acepção do referido artigo 81.° CE, assim dando origem à sua responsabilidade.

133    Em segundo lugar, no que respeita à alegada inexistência de critérios que permitam determinar se existe uma infracção única e continuada ou várias infracções autónomas, não se pode deixar de reconhecer que esses critérios não surgem enquanto tais no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 ou no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, nem no artigo 81.° CE. Contudo, o conceito de infracção única e continuada foi utilizado e precisado por uma jurisprudência constante e publicada. Os critérios como a identidade do objectivo (mesma finalidade do conjunto dos elementos) e a identidade de sujeitos (identidade das empresas em causa, conscientes de participar no objectivo comum) que se destinam a determinar se as infracções cometidas se inscrevem num «plano de conjunto» assim se integrando numa infracção única foram pormenorizados ao longo dos anos na jurisprudência, como a acima referida no n.° 89.

134    Foram, pois, razões objectivas que permitiram que a Comissão abrisse procedimentos distintos, desse por provadas infracções distintas e aplicasse várias coimas distintas (v., neste sentido, acórdão Tokai II, referido no n.° 93 supra, n.° 124).

135    A esse respeito, resulta claramente da análise do fundamento de anulação da decisão recorrida (n.os 53 e seguintes supra) que os critérios seguidos pela Comissão para concluir pela existência de duas infracções diferentes são critérios constantes resultantes da jurisprudência.

136    Embora seja verdade que certos critérios deixam à Comissão uma ampla margem de apreciação, não é menos certo que a fiscalização desse poder de apreciação, exercida pelo juiz comunitário, permitiu precisamente, através de uma jurisprudência constante e publicada, precisar certos conceitos. Em particular, é esse o caso da definição do mercado de produtos e do mercado geográfico, aplicada no presente caso pela Comissão e para a qual esta teve de proceder a apreciações económicas complexas. Como acima se refere na análise do primeiro fundamento (n.os 53 e seguintes supra), a Comissão teve de obedecer, no exercício do seu poder de apreciação, aos critérios fixados pela jurisprudência, tais como a substituibilidade do ponto de vista da oferta e do ponto de vista da procura.

137    Acresce que, por razões de transparência e para aumentar a segurança jurídica das empresas, a Comissão publicou a comunicação sobre a definição do mercado, onde enuncia os critérios que aplica para efeitos de definição do mercado em causa em cada caso concreto. A esse respeito, ao adoptar essas regras de conduta e ao anunciar pela sua publicação que passará a aplicá‑las aos casos a que respeitem, a Comissão autolimita‑se no exercício do seu poder de apreciação e não se pode afastar dessas regras, sob pena de eventualmente incorrer em violação de princípios gerais de direito, tais como a igualdade de tratamento e a protecção da confiança legítima. Além disso, a comunicação sobre a definição do mercado, embora não constitua o fundamento jurídico da decisão recorrida, determina, de forma geral e abstracta, os critérios que a Comissão impôs a si própria para determinar a existência de um ou vários mercados, para efeitos de determinação da existência de uma ou várias infracções, e garante, por conseguinte, a segurança jurídica das empresas (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑5425, n.os 211 e 213). Daí resulta que a comunicação sobre a definição do mercado contribuiu para precisar os limites do exercício do poder de apreciação da Comissão, que já resultavam do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

138    A esse respeito, resulta dos n.os 4 e 5 da comunicação sobre a definição do mercado que «a Comissão pretende reforçar a transparência da sua política e do processo de tomada de decisões no domínio da política da concorrência» e que, «[u]ma maior transparência contribuirá igualmente para que as empresas e os seus consultores estejam em melhores condições para prever a possibilidade de a Comissão levantar problemas do ponto de vista da concorrência no âmbito de um processo individual [podendo as] empresas [...], por conseguinte, ter em conta esta possibilidade na tomada das suas decisões internas quando projectam, por exemplo, [...] a conclusão de determinados acordos».

139    Assim, tendo isto em conta, um operador avisado pode, se necessário com aconselhamento jurídico, prever de forma suficientemente precisa o método que a Comissão virá a aplicar para apurar, em face de determinados comportamentos de uma empresa, a existência de uma infracção única e continuada ou de várias infracções autónomas.

140    Em terceiro lugar, quanto à alegação de falta de clareza das sanções previstas no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, não se pode deixar de observar que, ao contrário do que alegam as recorrentes, a Comissão não dispõe de uma margem de apreciação ilimitada na fixação das coimas por infracção às normas de concorrência (v., por analogia, acórdão Degussa/Comissão, referido no n.° 124 supra, n.° 74).

141    Com efeito, o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 limitam o poder de apreciação da Comissão. Por um lado, prevêem um critério objectivo que proíbe que a coima aplicada a cada empresa ou associação de empresas exceda 10% do seu volume de negócios. Assim, a coima possivelmente aplicável tem um limite quantificável e absoluto, calculado em função de cada empresa, por cada infracção, pelo que o montante máximo da coima que poderá ser aplicada a uma empresa é antecipadamente determinável. Por outro lado, o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e o artigo 23.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003, que completa o artigo 23.°, n.° 2, do mesmo regulamento, impõem que a Comissão fixe as coimas em cada caso concreto «toma[ndo] em consideração a gravidade e a duração da infracção» (v., por analogia, acórdão Degussa/Comissão, referido no n.° 124 supra, n.° 75).

142    Embora seja verdade que o critério objectivo do limite da coima e os critérios subjectivos da gravidade e da duração da infracção deixam à Comissão uma ampla margem de apreciação, não é menos certo que são critérios que permitem à Comissão aplicar as sanções tendo em conta o grau de ilicitude do comportamento em causa. Assim, neste momento, há que considerar que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e o artigo 23.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1/2003, embora deixando à Comissão uma certa margem de apreciação, definem os critérios e limites a que ela está sujeita no exercício do seu poder em matéria de coimas (v., por analogia, acórdão Degussa/Comissão, referido no n.° 124 supra, n.° 76).

143    Por outro lado, há que observar que, para fixar coimas ao abrigo do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, a Comissão tem de respeitar os princípios gerais de direito, muito especialmente os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, tal como tratados pela jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral (v., por analogia, acórdãos do Tribunal Geral, Degussa/Comissão, referido no n.° 124 supra, n.° 77, e de 8 de Outubro de 2008, Schunk e Schunk Kohlenstoff‑Technik/Comissão, T‑69/04, Colect., p. II‑2567, n.° 41).

144    Importa acrescentar também que, por força do artigo 229.° CE e do artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003, o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral decidem com competência de plena jurisdição dos recursos interpostos das decisões através das quais a Comissão tenha fixado coimas, podendo, assim, não só anular as decisões tomadas pela Comissão mas também suprimir, reduzir ou aumentar a coima aplicada. Deste modo, a prática administrativa da Comissão está sujeita à plena fiscalização dos tribunais comunitários (v., por analogia, acórdão Schunk e Schunk Kohlenstoff‑Technik/Comissão, referido no n.° 143 supra, n.° 41). Esta fiscalização é exercida pelos tribunais comunitários com observância dos critérios a que se refere o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e o artigo 23.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1/2003 e permitiu precisamente esclarecer, em jurisprudência assente e publicada, os conceitos indeterminados que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 podia conter, conceitos esses retomados no artigo 23.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1/2003 (v., neste sentido e por analogia, acórdão Degussa/Comissão, referido no n.° 124 supra, n.° 79).

145    Por outro lado, com base em critérios constantes do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e, mais recentemente, do artigo 23.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1/2003, e esclarecidos pela jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral, a Comissão desenvolveu uma prática administrativa conhecida e acessível. Embora a prática decisória da Comissão não sirva, em si mesma, de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência (v. acórdão do Tribunal Geral de 18 de Julho de 2005, Scandinavian Airlines System/Comissão, T‑241/01, Colect., p. II‑2917, n.° 87 e jurisprudência aí referida), não deixa de ser verdade que, por força do princípio da igualdade de tratamento, a Comissão não pode tratar situações comparáveis de modo diferente ou situações diferentes de maneira idêntica, salvo se esse tratamento for objectivamente justificado (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 1984, Sermide, 106/83, Recueil, p. 4209, n.° 28, e acórdão do Tribunal Geral de 14 de Maio de 1998, BPB de Eendracht/Comissão, T‑311/94, Colect., p. II‑1129, n.° 309).

146    Há que ter ainda em conta que, para assegurar a transparência e a fim de aumentar a segurança jurídica em benefício das empresas em causa, a Comissão publicou as Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° [CA] (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações»), nas quais enuncia o método de cálculo que impõe a si própria para cada caso concreto. As considerações acima feitas no n.° 137 relativas à definição do mercado valem também paras as orientações. Com efeito, a Comissão impôs limites a si própria no exercício do seu poder de apreciação ao adoptar essas normas de conduta e ao anunciar pela sua publicação que passaria a aplicá‑las aos casos abrangidos e não se poderia afastar delas sob pena de poder ser sancionada, eventualmente, por violação de princípios gerais do direito, como o da igualdade de tratamento ou o da protecção da confiança legítima. Além disso, embora as orientações não constituam o fundamento jurídico da decisão recorrida, determinam, de forma geral e abstracta, a metodologia que a Comissão impôs a si própria para efeitos da fixação do montante das coimas aplicadas pela decisão recorrida e garantem, por conseguinte, a segurança jurídica das empresas (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, referido no n.° 137 supra, n.os 211 e 213). Daí resulta que a adopção das orientações pela Comissão, na medida em que está inserida no quadro jurídico imposto pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e, mais recentemente, pelo artigo 23.°, n.os 2 e 3, do Regulamento n.° 1/2003, contribuiu para precisar os limites do exercício do seu poder de apreciação que já resultavam dessas disposições (v., neste sentido e por analogia, acórdão Degussa/Comissão, referido no n.° 124 supra, n.° 82).

147    Assim, vistos os diversos elementos atrás mencionados, um operador diligente pode, eventualmente com recurso a consultadoria jurídica, prever de modo suficientemente preciso o método de cálculo e a ordem de grandeza das coimas em que pode incorrer por causa de determinado comportamento. O facto de esse operador não poder, antecipadamente, conhecer com precisão o nível das coimas que a Comissão aplicará em cada caso concreto não constitui uma violação do princípio da legalidade das penas, tendo em conta que, em razão da gravidade das infracções que a Comissão deve punir, os objectivos de repressão e de dissuasão justificam que se evite que as empresas possam avaliar os benefícios que retirariam da sua participação numa infracção, tendo desde logo em conta o montante da coima que lhes seria aplicada em razão desse comportamento ilícito (acórdãos Degussa/Comissão, referido no n.° 124 supra, n.° 83, e Schunk e Schunk Kohlenstoff‑Technik/Comissão, referido no n.° 143 supra, n.° 45).

148    A este propósito, apesar de as empresas não poderem, antecipadamente, saber com precisão o nível das coimas que a Comissão fixará em cada caso concreto, importa salientar que, em conformidade com o artigo 253.° CE, a Comissão, na decisão de aplicação de uma coima, apesar do contexto habitualmente conhecido da decisão, tem de apresentar uma fundamentação, designadamente quanto ao montante da coima aplicada e ao método para o efeito. Essa fundamentação deve deixar transparecer, de modo claro e inequívoco, o raciocínio da Comissão, de modo a permitir que os interessados conheçam as justificações da medida tomada, a fim de apreciarem a oportunidade de um recurso para o juiz comunitário e, sendo esse o caso, de permitirem a este último exercer a sua fiscalização (acórdãos Degussa/Comissão, referido no n.° 124 supra, n.° 84, e Schunk e Schunk Kohlenstoff‑Technik/Comissão, referido no n.° 143 supra, n.° 46).

149    Em segundo lugar, quanto ao argumento baseado na existência de uma única infracção e de, por isso, ter sido excedido o limite de 10% do volume de negócios, há que lembrar que, por um lado, a análise do fundamento de anulação da decisão recorrida revelou que a Comissão concluiu acertadamente pela existência de duas infracções distintas. Ora, como acima se refere no n.° 94, a condenação por uma pluralidade de infracções pode levar à aplicação de várias coimas distintas, sempre dentro dos limites estabelecidos pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e pelo artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003. Portanto, a Comissão podia a priori aplicar uma coima por cada infracção, não tendo de aplicar uma coima global única.

150    Por outro lado, há que determinar se o montante total das coimas aplicadas a uma empresa autora de várias infracções pode exceder o limite de 10%. A esse respeito, há que lembrar que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 dispõem que, para cada empresa ou associação de empresas participante na infracção, a coima não deve exceder 10% do seu volume de negócios total realizado no exercício social anterior. Estas disposições não fazem referência à soma das várias coimas aplicadas a uma sociedade. Se as recorrentes tiverem efectivamente cometido infracções distintas, é irrelevante que as infracções tenham sido dadas por provadas em várias decisões ou numa só, pois a única questão que importa é saber se são na realidade infracções distintas. Assim, a qualificação de certas actuações ilícitas como constitutivas de uma só e mesma infracção ou de uma pluralidade de infracções afecta, em princípio, a sanção que pode ser aplicada, uma vez que uma pluralidade de infracções pode levar à aplicação de várias coimas distintas, cada uma dentro dos limites fixados pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e pelo artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 (v., neste sentido e por analogia, acórdão Tokai II, referido no n.° 93 supra, n.° 118, e BASF/Comissão, referido no n.° 91 supra, n.° 158).

151    Daí resulta que, ao aplicar duas coimas cujos montantes somados excedem o limite de 10% do volume de negócios das recorrentes, a Comissão não cometeu qualquer violação do princípio nulla poena sine lege.

152    Resulta de todo o exposto que improcedem a alegação de violação do princípio nulla poena sine lege e a questão de ilegalidade do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

 Quanto à alegação relativa à obrigação de aplicar uma coima única por várias infracções

153    Há que julgar improcedente o argumento subsidiário das recorrentes segundo o qual, mesmo em presença de duas infracções distintas, deveria ter sido aplicada uma única coima global.

154    É certo que resulta da jurisprudência que a Comissão pode aplicar uma coima única por diferentes infracções (acórdãos do Tribunal Geral de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, T‑83/91, Colect., p. II‑755, n.° 236; de 15 de Março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colect., p. II‑491, n.° 4761; e de 30 de Setembro de 2003, Michelin/Comissão, T‑203/01, Colect., p. II‑4071, n.° 265).

155    Contudo, isso é apenas uma faculdade que a Comissão utilizou em certas circunstâncias, nomeadamente quando as infracções se inscrevem numa estratégia coerente de conjunto (v., neste sentido, acórdãos Cimenteries CBR e o./Comissão, referido no n.° 154 supra, n.os 4761 a 4764, e Tetra Pak/Comissão, referido no n.° 154 supra, n.° 236), quando existe uma unidade de infracções (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 à 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 127) ou quando as infracções dadas por provadas pela decisão da Comissão tiverem por objecto o mesmo tipo de actuações em diferentes mercados, nomeadamente a fixação de preços e de quotas e a troca de informações, e os participantes nessas infracções tenham sido em grande medida as mesmas empresas (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 6 de Abril de 1995, Cockerill Sambre/Comissão, T‑144/89, Colect., p. II‑947, n.° 92). A análise do primeiro fundamento demonstrou que essas circunstâncias não se verificavam no presente caso.

156    Também não se pode inferir dessa jurisprudência a existência de uma prática anterior da Comissão pela qual esta se tivesse obrigado a utilizar automaticamente a possibilidade de aplicação de uma coima única no caso de uma pluralidade de infracções ou que tivesse de fundamentar por que não o fez. Essa jurisprudência tende mais a demonstrar que a prática de aplicar uma coima única é uma excepção, uma vez que só é seguida em certas circunstâncias.

157    A esse respeito, as decisões da Comissão invocadas pelas recorrentes também não podem ser reveladoras dessa prática. Com efeito, quer na decisão da Comissão, de 10 de Outubro de 2001, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 81.° [CE] (Processo COMP/36.264 – Mercedes Benz (JO 2002, L 257, p. 1), em particular no n.° 253, quer na decisão Vitaminas, referida no n.° 119 supra (n.os 711 e 775), as diversas infracções deram origem a diferentes montantes de coima, seguidamente somados de forma a fixar um montante total de coima. A actuação da Comissão foi portanto a de aplicar várias coimas, seguidamente somadas. De qualquer forma, a anterior prática decisória da Comissão não serve por si própria de quadro jurídico para as coimas em matéria de concorrência, visto que esse quadro é definido unicamente pelo Regulamento n.° 17, pelo Regulamento n.° 1/2003 e pelas orientações (v., neste sentido e por analogia, acórdãos do Tribunal Geral de 20 de Março de 2002, LR AF 1998/Comissão, T‑23/99, Colect., p. II‑1705, n.° 234, e Michelin/Comissão, referido no n.° 154 supra, n.° 254).

158    Consequentemente, há que rejeitar o argumento relativo a uma alegada prática anterior da Comissão de, por um lado, apenas aplicar uma coima global única em caso de infracções distintas e, por outro, aplicar o limite de 10% do volume de negócios global da empresa ao montante final da coima resultante da soma das diferentes coimas aplicadas às distintas infracções cometidas pela empresa em questão.

 Quanto à alegação relativa à inobservância dos objectivos legais da sanção

159    As recorrentes alegam erradamente que a Comissão deveria ter tido em conta o efeito dissuasor da condenação numa coima pelo acordo no mercado do fio industrial no Benelux e nos países nórdicos, quando aplicou a coima pelo acordo no mercado do fio destinado à indústria automóvel no EEE.

160    Com efeito, o objectivo de dissuasão que a Comissão pode prosseguir na fixação do montante de uma coima pretende garantir que, na condução das suas actividades na Comunidade Europeia ou no EEE, as empresas respeitem as regras de concorrência previstas no Tratado para o efeito (acórdão do Tribunal Geral de 29 de Novembro de 2005, Heubach/Comissão, T‑64/02, Colect., p. II‑5137, n.° 181). No caso de pluralidade de infracções, a Comissão pode considerar que esse objectivo não será atingido só pela aplicação de uma sanção por uma das infracções.

161    Consequentemente, improcede esta alegação.

162    Resulta de todas as considerações expostas que improcede o fundamento relativo ao desrespeito do limite máximo da sanção, previsto no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e no artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003.

2.     Quanto ao fundamento, invocado pelas recorrentes, relativo à violação dos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade na aplicação da coima

a)     Argumentos das partes

163    As recorrentes deduzem várias alegações em apoio do fundamento relativo ao carácter desproporcionado da coima e à violação do princípio da igualdade de tratamento na aplicação da coima.

164    Em primeiro lugar, quanto à violação do princípio da proporcionalidade, as recorrentes alegam que a Comissão não teve em conta as diferenças consideráveis de dimensão entre as empresas em causa na determinação das coimas apesar de a isso a obrigarem as orientações. Foi erradamente que a Comissão se baseou exclusivamente no volume de negócios realizado pelas empresas no mercado abrangido pela infracção. Assim, a coima aplicada às recorrentes representa 13,7% do volume de negócios mundial do grupo, ao passo que a da Coats apenas representa 2,3% do seu volume de negócios mundial. Em face de grandes concorrentes como a Coats, a Amann entende ser apenas uma média empresa.

165    Considera igualmente que o princípio da proporcionalidade foi violado por ter sido também violado o princípio da igualdade da sanção, consagrado no ponto 1 A, sétimo parágrafo, das orientações. A Comissão não teve em conta a capacidade económica ou contributiva das empresas, que se mede pelo seu volume de negócios global.

166    Considera ainda que o sistema de «taxa fixa» instituído pelas orientações é anormalmente desvantajoso para as pequenas e médias empresas, o que é confirmado pelo membro da Comissão responsável pelas questões de concorrência e pela própria Comissão.

167    Por outro lado, a coima que lhes foi aplicada é totalmente desproporcionada face à dimensão do mercado. A Comissão violou assim os princípios da adequação da pena e da proporcionalidade. As recorrentes lembram, com efeito, que as decisões que aplicam coimas tanto prosseguem objectivos repressivos como preventivos e que as penas não podem, assim, ir além do necessário para garantir a «ressocialização» do agente. Daí resulta que quanto menor for o volume de negócios abrangido pela infracção face ao volume de negócios global de uma empresa mais distante deve a sanção ficar do limite de 10%.

168    Em segundo lugar, as recorrentes alegam, com apoio em números, uma violação do princípio da igualdade de tratamento entre elas e a Coats, tanto ao nível do montante de base da coima como do respectivo montante final. Com efeito, a Comissão não teve em nenhuma conta a reduzida dimensão da Amann de um ponto de vista absoluto e, no que respeita ao fio industrial, de um ponto de vista relativo, tendo, desse modo, cometido um erro de direito ao classificá‑la no mesmo grupo da Coats. Além disso, a própria Comissão partiu do princípio de uma posição preponderante da Coats, mas não refere na decisão recorrida de que forma teve isso em conta.

169    A Comissão tem de ter em conta a dimensão das outras empresas em causa, uma vez que a dimensão e o poder económico das empresas constituem elementos de apreciação do mesmo valor que, entre outros critérios, devem ser tidos em conta na fixação do montante da coima.

170    A Comissão contesta este fundamento.

b)     Apreciação do Tribunal

 Quanto à violação do princípio da proporcionalidade

171    Há que lembrar que o princípio da proporcionalidade impõe que os actos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do adequado e necessário para a realização do objectivo pretendido. No contexto do cálculo das coimas, a gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número de elementos e não se deve atribuir a nenhum desses outros elementos uma importância desproporcionada relativamente aos outros elementos de apreciação. O princípio da proporcionalidade implica neste contexto que a Comissão deve fixar a coima proporcionalmente aos elementos tidos em conta para apreciar a gravidade da infracção e que deve aplicar esses elementos de forma coerente e objectivamente justificada (acórdão do Tribunal Geral de 27 de Setembro de 2006, Jungbunzlauer/Comissão, T‑43/02, Colect., p. II‑3435, n.os 226 a 228).

–       Quanto ao argumento de não se ter tido em conta a dimensão do mercado

172    As recorrentes censuram erradamente a Comissão de ter fixado coimas desproporcionadas face à dimensão dos mercados em causa.

173    Com efeito, há que lembrar que, nos termos do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, a Comissão pode aplicar coimas às empresas, cujo montante não exceda 10% do volume de negócios realizado no exercício anterior por cada uma das empresas participantes na infracção. Para determinar o montante da coima dentro desse limite, o seu n.° 3 manda tomar em conta a gravidade e a duração da infracção. Além disso, de acordo com as orientações, a Comissão fixa o montante de partida em função da gravidade da infracção, tendo em conta a própria natureza da infracção, o seu impacto concreto no mercado se for mensurável e a extensão do mercado geográfico.

174    Assim, nem o Regulamento n.° 1/2003 nem as orientações prevêem que o montante das coimas seja fixado directamente em função da dimensão do mercado afectado, sendo esse factor apenas um elemento pertinente entre outros. Este quadro jurídico não impõe, portanto, enquanto tal, que a Comissão tenha em conta a pequena dimensão do mercado dos produtos (v., por analogia, acórdão do Tribunal Geral de 27 de Setembro de 2006, Roquette Frères/Comissão, T‑322/01, Colect., p. II‑3137, n.° 148).

175    Contudo, segundo a jurisprudência, na apreciação da gravidade de uma infracção, a Comissão deve ter em conta um grande número de elementos cujo carácter e importância variam segundo o tipo de infracção em causa e as circunstâncias específicas da infracção (acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, referido no n.° 155 supra, n.° 120). Entre estes elementos que atestam a gravidade de uma infracção, não se pode excluir a possibilidade de figurar, consoante o caso, a dimensão do mercado do produto em causa.

176    Por conseguinte, embora a dimensão do mercado possa ser um elemento a tomar em consideração para determinar a gravidade da infracção, a sua importância varia em função do tipo de infracção e das circunstâncias específicas da infracção.

177    No caso, a infracção no mercado do fio destinado à indústria automóvel consistiu principalmente na fixação de objectivos em termos de preços dos produtos de base vendidos à clientela automóvel europeia, na troca de informações sobre os preços praticados a certos clientes, no acordo de fixação de objectivos em termos de preços mínimos para esses clientes e no acordo de evitar praticar preços inferiores aos do fornecedor existente (decisão recorrida, considerandos 215 e 420). Quanto à infracção no mercado do fio industrial, consistiu essencialmente na troca de informações sensíveis sobre as listas de preços e/ou sobre os preços por cliente, em acordos sobre subidas de preços e/ou sobre objectivos em termos de preços, em evitar praticar preços inferiores aos do fornecedor existente e em repartir entre si os clientes (decisão recorrida, considerandos 99 a 125 e 345).

178    Essas práticas constituem restrições horizontais do tipo «cartel de preços» na acepção das orientações e são, portanto, «muito graves» por natureza. A esse respeito, há que salientar que as recorrentes não contestam a natureza muito grave da infracção cometida durante dois anos no mercado do fio destinado à indústria automóvel no EEE, por um lado, nem a natureza muito grave da infracção cometida durante mais de dez anos no mercado do fio industrial no Benelux e nos países nórdicos, por outro. Nesse contexto, a pequena dimensão dos mercados em causa, admitindo‑a verificada, tem apenas uma pequena importância face ao conjunto dos outros elementos demonstrativos da gravidade da infracção.

179    De qualquer forma, há que ter em conta que a Comissão considerou que as infracções deviam ser consideradas muito graves na acepção das orientações, que, para esses casos, dispõem que a Comissão pode «prever» um montante de partida superior a 20 milhões de euros. Contudo, quanto à infracção no mercado do fio destinado à indústria automóvel, a Comissão fixou um montante de partida, determinado em função da gravidade da infracção, de 5 milhões de euros para as recorrentes e de 1,3 milhão de euros para as outras empresas (decisão recorrida, considerandos 432 a 435). Do mesmo modo, no que respeita à infracção no mercado do fio industrial, a Comissão fixou um montante de partida de 14 milhões de euros para as empresas da primeira categoria (entre as quais a Amann), de 5,2 milhões de euros para a da segunda categoria, de 2,2 milhões de euros para as da terceira categoria e de 0,1 milhão de euros para a da quarta categoria (decisão recorrida, considerando 358).

180    Daí resulta que os montantes de partida para o cálculo das coimas aplicadas às recorrentes corresponderam a um montante claramente inferior àquele que, de acordo com as orientações, a Comissão poderia ter «previsto» para infracções muito graves.

181    À luz destas considerações, há que rejeitar o argumento das recorrentes relativo ao carácter desproporcionado das coimas aplicadas às recorrentes face à dimensão do mercado do fio destinado à indústria automóvel no EEE, por um lado, e à do mercado do fio industrial no Benelux e nos países nórdicos, por outro.

–       Quanto ao argumento relativo a ter sido tido em conta exclusivamente o volume de negócios nos mercados afectados pelas infracções

182    As recorrentes não têm razão ao invocarem uma violação do princípio da proporcionalidade por a Comissão alegadamente se ter baseado exclusivamente no volume de negócios das empresas nos mercados a que respeitam os produtos em causa para determinar o montante de partida das coimas, não tendo, assim, em conta a diferença de dimensão das empresas.

183    Em primeiro lugar, quanto à alegação de a Comissão se ter baseado no volume de negócios das empresas nos mercados em causa, refira‑se que, na fixação do montante de partida das coimas, determinado em função da gravidade da infracção, a Comissão considerou necessário proceder a um tratamento diferenciado das empresas envolvidas nos cartéis a fim de ter em conta a capacidade económica efectiva dos infractores para causarem um prejuízo considerável na concorrência e fixar a coima num nível que garanta um efeito dissuasor suficiente. Acrescenta que era necessário ter em conta o peso específico de cada empresa e, portanto, o impacto real do seu comportamento ilícito na concorrência. Na apreciação destes elementos, a Comissão optou por se basear no volume de negócios realizado por cada empresa nos mercados em causa com os produtos abrangidos pelos acordos.

184    Consequentemente, e como acima se refere no n.° 179, a Comissão repartiu as empresas em duas categorias quanto à infracção no mercado do fio destinado à indústria automóvel. As recorrentes, tendo em conta o seu volume de negócios de 8,55 milhões de euros, foram classificadas na primeira categoria. A Oxley, a Coats e a Barbour, tendo em conta o seu volume de negócios entre 1 e 3 milhões de euros, foram colocadas na segunda categoria. No que respeita à infracção no mercado do fio industrial, a Comissão repartiu as empresas em quatro categorias. A Amann e a Coats, tendo em conta o seu volume de negócios situado entre 14 e 18 milhões de euros, foram classificadas na primeira categoria. A BST, visto o seu volume de negócios entre 5 e 8 milhões de euros, foi colocada na segunda categoria. A Gütermann, a Barbour e a Bieze Stork, tendo em conta o seu volume de negócios entre 2 e 4 milhões de euros, foram colocadas na terceira categoria e a Zwicky, tendo em conta o seu volume de negócios entre 0 e 1 milhão de euros, foi colocada na quarta categoria.

185    Com base nestas considerações, a Comissão fixou às recorrentes um montante de partida, determinado em função da gravidade da infracção, de 5 milhões de euros pela primeira infracção (decisão recorrida, considerandos 432 a 435) e de 14 milhões de euros à Amann pela segunda infracção (decisão recorrida, considerandos 356 a 358).

186    Antes de mais, há que observar que as orientações não prevêem que o montante das coimas seja calculado em função do volume de negócios global ou do volume de negócios realizado pelas empresas no mercado em causa. Contudo, desde que a opção da Comissão não esteja ferida de erro manifesto de apreciação, não se opõem a que esses volumes de negócios sejam tomados em consideração na determinação do montante da coima, a fim de respeitar os princípios gerais do direito comunitário e quando as circunstâncias o exijam (acórdão do Tribunal Geral de 29 de Abril de 2004, Tokai Carbon e o./Comissão, T‑236/01, T‑239/01, T‑244/01 a T‑246/01, T‑251/01 e T‑252/01, Colect., p. II‑1181, a seguir «acórdão Tokai I», n.° 195). O volume de negócios pode, assim, entrar em linha de conta no momento de se tomar em consideração os elementos de apreciação que são a capacidade económica efectiva dos autores da infracção para causarem um prejuízo aos outros operadores, nomeadamente aos consumidores, e de fixar o montante da coima num nível que lhe garanta um carácter suficientemente dissuasor. A Comissão pode ainda tomá‑lo em conta na apreciação do peso específico e, portanto, do impacto real do comportamento ilícito de cada empresa na concorrência, nomeadamente quando existe uma disparidade considerável na dimensão das empresas autoras de uma infracção da mesma natureza (acórdão do Tribunal Geral de 9 de Julho de 2003, Cheil Jedang/Comissão, T‑220/00, Colect., p. II‑2473, n.° 82).

187    Quanto à escolha que a Comissão pode fazer entre um ou outro volume de negócios, resulta da jurisprudência que, na análise, para fixar o montante da coima por infracção às normas comunitárias de concorrência, da capacidade económica efectiva das sociedades infractoras para prejudicarem significativamente a concorrência, que implica uma apreciação da importância real dessas empresas no mercado afectado, ou seja, da sua influência no mesmo, o volume de negócios global apenas permite obter uma perspectiva incompleta das coisas. Não se pode excluir, com efeito, a possibilidade de uma empresa poderosa com uma multiplicidade de actividades diferentes estar presente apenas de forma acessória num mercado específico de produtos. Do mesmo modo, não se pode excluir a possibilidade de uma empresa com uma posição importante num mercado geográfico extracomunitário dispor apenas de uma posição débil no mercado comunitário ou no do EEE. Em tais casos, o simples facto de tal empresa realizar um volume de negócios global considerável não significa necessariamente que exerce uma influência determinante no mercado afectado. Por isso, embora o volume de negócios de uma empresa realizado nos mercados em causa não possa ser determinante para se concluir que essa empresa pertence a uma entidade económica poderosa, é, em contrapartida, relevante para determinar a influência que ela pôde exercer no mercado (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 29 de Novembro de 2005, SNCZ/Comissão, T‑52/02, Colect., p. II‑5005, n.° 65, e Union Pigments/Comissão, T‑62/02, Colect., p. II‑5057, n.° 152).

188    Neste sentido, resulta de jurisprudência assente que a parte do volume de negócios com origem nas mercadorias objecto da infracção é susceptível de dar uma justa indicação da amplitude da infracção no mercado em causa (acórdãos Cheil Jedang/Comissão, referido no n.° 186 supra, n.° 91, e de 9 de Julho de 2003, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, T‑224/00, Colect., p. II‑2597, n.° 196). Com efeito, esse volume de negócios é susceptível de dar uma justa indicação da responsabilidade de cada empresa nesses mercados, visto que constitui um elemento objectivo que dá uma justa medida da nocividade dessa prática para o jogo normal da concorrência, assim representando um bom indicador da capacidade de cada empresa para causar um dano.

189    Tendo em conta estas considerações, a Comissão não violou o princípio da proporcionalidade ao privilegiar, na fixação dos montantes de partida no âmbito do cálculo das coimas aplicadas às recorrentes, os volumes de negócios realizados nos mercados em causa e para os produtos em causa.

190    Em segundo lugar, à luz dessas considerações, também é irrelevante a alegação de que a Comissão não teve em conta, na fixação do montante das coimas, a dimensão das empresas em causa determinada pelo seu volume de negócios global.

191    Com efeito, há que lembrar que as orientações dispõem que se deve ter em consideração a capacidade económica efectiva dos infractores para causarem danos significativos aos outros operadores, nomeadamente aos consumidores, e fixar o montante da coima num nível que lhe garanta um carácter suficientemente dissuasor (ponto 1 A, quarto parágrafo). Essas mesmas orientações acrescentam que, nos casos que envolvem várias empresas, como os cartéis, pode ser necessário ponderar o montante de partida geral, para ter em conta o peso específico, e portanto o impacto real, do comportamento ilícito de cada empresa na concorrência, nomeadamente quando exista uma disparidade considerável na dimensão das empresas que cometeram uma infracção da mesma natureza, e adaptar em conformidade o montante de partida geral segundo o carácter específico de cada empresa (ponto 1 A, sexto parágrafo) (acórdão Cheil Jedang/Comissão, referido no n.° 186 supra, n.° 81).

192    Por outro lado, como acima se refere no n.° 186, as orientações não prevêem que o montante das coimas seja calculado em função do volume de negócios global das empresas em causa, mas também não se opõem a que, dentro do respeito das condições enunciadas nesse número do presente acórdão, esse volume de negócios seja tomado em conta para efeitos desse cálculo.

193    No caso, como acima se menciona nos n.os 183 a 189, a opção da Comissão de se basear no volume de negócios nos mercados em causa para determinar a capacidade de cada empresa em questão para causar um dano foi coerente e objectivamente justificada. Nisso, a Comissão prosseguia também um objectivo de dissuasão ao evidenciar que penalizaria mais gravemente as empresas que tivessem participado num cartel num mercado em que tivessem um grande peso.

194    Daí resulta que também há que rejeitar o argumento relativo ao carácter desproporcionado da coima face aos volumes de negócios das recorrentes. Com efeito, estas não podem validamente concluir por uma desproporção do montante final da coima aplicada, uma vez que o ponto de partida das respectivas coimas se justifica à luz dos critérios seguidos pela Comissão na apreciação da importância de cada uma das empresas no mercado em causa (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 20 de Março de 2002, LR AF 1998/Comissão, T‑23/99, Colect., p. II‑1705, n.° 304, e de 5 de Dezembro de 2006, Westfalen Gassen Nederland/Comissão, T‑303/02, Colect., p. II‑4567, n.° 185).

–       Quanto ao «sistema de taxa fixa» previsto nas orientações

195    Os reparos das recorrentes ao «sistema de taxa fixa» previsto nas orientações não têm qualquer relevância.

196    Com efeito, é jurisprudência assente que, na fixação do montante das coimas aplicadas aos vários participantes num cartel, o método de repartir os membros desse cartel em várias categorias, o que leva a uma criação de taxas fixas do montante de partida das coimas fixadas às empresas pertencentes a cada categoria, embora se traduza em ignorar as diferenças de dimensão entre empresas da mesma categoria, não pode ser criticado, desde que sejam respeitados os princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento (acórdãos do Tribunal Geral de 19 de Março de 2003, CMA CGM e o./Comissão, T‑213/00, Colect., p. II‑913, n.° 385; de 15 de Março de 2006, Daiichi Pharmaceutical/Comissão, T‑26/02, Colect., p. II‑713, n.os 83 a 85; e de 15 de Março de 2006, BASF/Comissão, T‑15/02, Colect., p. II‑497, n.° 150). Se esses princípios forem respeitados, não compete ao Tribunal Geral pronunciar‑se sobre a oportunidade desse sistema, mesmo admitindo que prejudica as empresas de menor dimensão. Com efeito, o Tribunal Geral, no âmbito da sua fiscalização da legalidade do exercício do poder de apreciação da Comissão nessa matéria, deve limitar‑se a fiscalizar se a repartição dos membros do cartel em categorias é coerente e objectivamente justificada, sem substituir sem mais a apreciação da Comissão pela sua (acórdão de 15 de Março de 2006, BASF/Comissão, já referido, n.° 157).

–       Quanto ao facto de não ter sido tida em conta a situação das recorrentes como «médias empresas»

197    O argumento de que a Comissão devia ter tido em conta o facto de as recorrentes serem médias empresas é irrelevante.

198    Com efeito, há que lembrar que a Comissão, uma vez que não tem de efectuar o cálculo do montante da coima a partir de montantes baseados no volume de negócios das empresas em causa, também não tem de assegurar, no caso de aplicação de coimas a várias empresas envolvidas na mesma infracção, que os montantes finais das coimas resultantes do seu cálculo traduzam toda a diferenciação entre elas quanto ao seu volume de negócios global ou ao seu volume de negócios no mercado do produto em causa (acórdão do Tribunal Geral de 20 de Março de 2002, Dansk Rørindustri/Comissão, T‑21/99, Colect., p. II‑1681, n.° 202).

199    A esse respeito, há que precisar que o artigo 23.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003 também não exige que, no caso de aplicação de coimas a várias empresas envolvidas na mesma infracção, o montante da coima aplicada a uma empresa de pequena ou média dimensão não seja superior, em percentagem do volume de negócios, ao das coimas aplicadas às empresas maiores. Com efeito, resulta dessa disposição que, tanto para as empresas de pequena ou média dimensão como para as empresas de maior dimensão, há que tomar em consideração, na determinação do montante da coima, a gravidade e a duração da infracção. Na medida em que a Comissão aplique a cada uma das empresas envolvidas na mesma infracção coimas justificadas, relativamente à gravidade e à duração da infracção, não merece qualquer reparo o facto de, para algumas delas, o montante da coima ser superior, face ao volume de negócios, ao de outras empresas (v., por analogia, acórdãos de 20 de Março de 2002, Dansk Rørindustri/Comissão, referido no n.° 198 supra, n.° 203, e Westfalen Gassen Nederland/Comissão, referido no n.° 194 supra, n.° 174).

200    Assim, a Comissão não tem de reduzir o montante das coimas quando as empresas em causa são pequenas e médias empresas. Com efeito, a dimensão da empresa já foi tida em conta no limite fixado no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 e nas disposições das orientações. Com excepção destas considerações relativas à dimensão, não há qualquer razão para tratar as pequenas e médias empresas de forma diferente das outras empresas. O facto de as empresas em causa serem pequenas e médias empresas não as isenta do respeito das normas de concorrência (v., por analogia, acórdão SNCZ/Comissão, referido no n.° 187 supra, n.° 84).

201    Por todas estas razões, o argumento de uma alegada violação do princípio da igualdade da sanção deve também ser julgado improcedente.

 Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento

202    No que respeita à alegada violação do princípio da igualdade de tratamento, há que observar que a repartição por categorias deve respeitar o princípio segundo o qual é proibido tratar situações comparáveis de modo diferente e situações diferentes de maneira idêntica, salvo se esse tratamento for objectivamente justificado. Nessa óptica, as orientações prevêem, no seu ponto 1 A, sexto parágrafo, que uma disparidade considerável na dimensão das empresas autoras de uma infracção da mesma natureza é, nomeadamente, susceptível de justificar uma diferenciação para efeitos de análise da gravidade da infracção.

203    A repartição em grupos pode violar o princípio da igualdade de tratamento quer entre os diferentes grupos, tratando de forma diferente empresas que se encontram numa situação comparável, quer no interior de cada grupo, tratando de forma idêntica empresas que se encontram em situação diferente. No caso, as duas situações são denunciadas pelas recorrentes, a primeira no âmbito do cartel no mercado do fio destinado à indústria automóvel, a segunda no âmbito do cartel no mercado do fio industrial no Benelux e nos países nórdicos. Importa, portanto, examinar se essas diferenças de tratamento entre as empresas existem e se, eventualmente, são objectivamente justificadas (v., neste sentido, acórdão CMA CGM e o./Comissão, referido no n.° 196 supra, n.os 407 e 408).

204    É ponto assente que existe uma significativa diferença de dimensão entre as recorrentes e a Coats. Uma vez que, no que respeita ao cartel no mercado do fio destinado à indústria automóvel no EEE, lhes foi aplicado um montante de partida diferente devido à sua classificação em duas categorias diferentes, e, quanto ao cartel no mercado do fio industrial no Benelux e nos países nórdicos, lhes foi aplicado um montante de partida idêntico devido à sua classificação no mesmo grupo, há que analisar se a diferença de tratamento pode ser objectivamente justificada pela preeminência dada à importância respectiva das empresas no mercado em causa (determinada pelo volume de negócios realizado no mercado em causa com o produto em causa) relativamente à dimensão das empresas (determinada pelo volume de negócios global).

205    A esse respeito, o Tribunal Geral já considerou que tinha sido coerente e objectivamente justificado classificar no mesmo grupo várias empresas, uma das quais tendo um volume de negócios global claramente ou mesmo «sensivelmente» inferior ao das outras empresas, com base nos respectivos volumes de negócios no mercado em causa e nas suas quotas de mercado muito semelhantes, e aplicar‑lhes um montante de partida específico idêntico. Assim, considerou que a Comissão de modo nenhum tinha violado o princípio da igualdade de tratamento (v., neste sentido, acórdãos Cheil Jedang/Comissão, referido no n.° 186 supra, n.os 104 a 115, e Union Pigments/Comissão, referido no n.° 187 supra, n.os 155 a 158).

206    A mesma conclusão se impõe no presente caso. Com efeito, como foi acima referido, quanto ao mercado do fio destinado à indústria automóvel, as recorrentes e a Coats foram classificadas respectivamente na primeira e segunda categorias pelo facto de o volume de negócios das recorrentes realizado nesse mercado ser de cerca de cinco vezes superior ao da Coats. Do mesmo modo, quanto ao mercado do fio industrial, a Amann e a Coats foram colocadas na mesma categoria, pois os seus volumes de negócios realizados nesse mercado eram muito semelhantes. Assim, foi coerente e objectivamente justificado agrupar essas empresas com base nisso.

207    Daí resulta que a Comissão não cometeu nenhuma violação do princípio da igualdade de tratamento.

208    Tendo em conta estas considerações, o fundamento relativo à violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento deve ser julgado improcedente.

3.     Quanto ao fundamento, invocado pela Amann, relativo à fixação errada do montante de partida da coima aplicada pelo cartel do fio industrial

a)     Argumentos das partes

209    A Amann alega que a Comissão violou as orientações ao classificá‑la na mesma categoria da Coats.

210    Com efeito, antes de mais, a Comissão baseou‑se exclusivamente nos volumes de negócios realizados em 2000 com os produtos abrangidos pelo cartel no mercado do fio industrial para diferenciar as empresas. Ora, não teve em conta o facto de a Coats ter adquirido todo o capital social da Barbour em 1999 e de que, portanto, o seu volume de negócios deveria ter sido somado ao da Barbour na diferenciação.

211    Seguidamente, tendo a Comissão indicado apenas intervalos de volumes de negócios para essas duas empresas (de 2 a 4 milhões de euros para uma, de 14 a 18 milhões de euros para a outra), a Amann não considerou ter condições para determinar o montante exacto desses volumes de negócios. Ora, segundo a Amann, a Comissão deveria ter dado provas de um particular cuidado na fixação do montante de partida da coima uma vez que o sistema do cálculo das coimas por taxa fixa previsto nas orientações não leva, definitivamente, em conta as diferenças de dimensão entre as empresas. A Amann refere que o método utilizado para classificar as empresas em diferentes grupos deve ser correcto, coerente e não discriminatório. Afirma que a Comissão não respeitou essas obrigações resultantes do princípio da igualdade de tratamento. A Amann entende ainda que, visto apenas dispor de intervalos de volumes de negócios, não tem como saber se a Comissão procedeu de forma correcta, coerente e não discriminatória na determinação do montante de partida da coima. Nessa medida, invoca também uma violação do artigo 253.° CE.

212    Por último, entende que a Comissão atribuiu ao volume de negócios resultante da venda dos produtos objecto da infracção uma importância desproporcionada relativamente aos outros elementos de apreciação.

213    A Comissão conclui pela improcedência deste fundamento.

b)     Apreciação do Tribunal

214    Em primeiro lugar, há que analisar a alegação da Amann de que a Comissão não procedeu de forma correcta, coerente e não discriminatória na classificação das empresas nos diversos grupos e na determinação do montante de partida da coima.

215    Desde já se rejeita o argumento da Amann de que a Comissão, na diferenciação dos montantes de partida, não teve em conta o volume de negócios da Barbour, cujo capital social a Coats tinha adquirido na totalidade em Setembro de 1999.

216    Com efeito, na resposta de 11 de Abril de 2005 ao pedido de informações da Comissão, a Coats explicou que, desde Setembro de 1999, a Barbour não explorou qualquer empresa operacional nem realizou qualquer volume de negócios. O volume de negócios de 14 a 18 milhões de euros em 2000 realizado pela Coats no mercado do fio industrial no Benelux e nos países nórdicos inclui, portanto, simultaneamente a actividade comercial da Coats e a actividade da Barbour adquirida pela Coats em Setembro de 1999, pelo que não pode ser posto em causa.

217    Seguidamente, há que lembrar que a Comissão considerou necessário proceder a um tratamento diferenciado das empresas envolvidas no cartel para ter em conta a capacidade económica efectiva dos infractores para causarem um dano considerável na concorrência, bem como fixar a coima num nível que garanta um efeito dissuasor suficiente. Acrescentou que era necessário ter em conta o peso específico do comportamento ilícito de cada empresa e, portanto, o seu impacto real na concorrência (decisão recorrida, considerandos 354 e 355). Para efeitos de apreciação desses elementos, a Comissão optou por se basear no volume de negócios realizado por cada empresa no mercado do fio industrial relativo ao último ano da infracção, o ano de 2000, tal como resulta do quadro que consta do considerando 356 da decisão recorrida.

218    Consequentemente, como acima referido no n.° 184, repartiu as empresas em quatro categorias, colocou a Amann e a Coats na primeira categoria e fixou um montante de partida de 14 milhões de euros a essas duas empresas.

219    A esse respeito, o Tribunal Geral, no âmbito da sua fiscalização da legalidade do exercício do poder de apreciação da Comissão, deve limitar‑se a fiscalizar se essa repartição é coerente e objectivamente justificada (v. acórdão BASF/Comissão, referido no n.° 196 supra, n.° 157 e jurisprudência aí referida).

220    A esse respeito, há que considerar que uma repartição das empresas em quatro categorias é um modo razoável de tomar em consideração a sua importância relativa no mercado a fim de fixar o montante de partida, desde que não conduza a uma representação grosseiramente deformada do mercado em causa. No caso, uma vez que o método da Comissão consiste em determinar categorias em função dos volumes de negócios realizados no mercado em causa com esse produto, respectivamente de 14 a 18 milhões de euros, de 5 a 8 milhões de euros, de 2 a 4 milhões de euros e de 0 a 1 milhão de euros, não se pode considerar a priori que é desprovido de coerência interna.

221    As críticas da Amann quanto ao método de determinação das categorias e de fixação do montante de partida da coima de cada uma delas são tanto mais infundadas quanto, no que respeita à categoria em que foi colocada a Amann, o montante de 14 milhões de euros escolhido como montante de partida para o cálculo da coima era o mais baixo dessa categoria.

222    A esse respeito, há que rejeitar o argumento da Amann de que não devia estar na mesma categoria da Coats pelo alegado facto de os respectivos volumes de negócios no mercado do fio industrial apresentarem uma diferença de pelo menos dois milhões de euros e de as empresas que tinham a mesma diferença terem sido classificadas em categorias diferentes. Com efeito, há que observar que, no acórdão de 14 de Julho de 2005, Acerinox/Comissão (C‑57/02 P, Colect., p. I‑6689, n.os 74 a 80), a que se refere acertadamente a Comissão, o Tribunal de Justiça admitiu a classificação na mesma categoria de empresas com uma diferença de quotas de mercado maior que a do presente caso.

223    Por último, tendo em conta as considerações acima feitas nos n.os 182 a 194, há que rejeitar o argumento da Amann de que a Comissão deu uma importância desproporcionada ao volume de negócios resultante da venda dos produtos objecto da infracção, relativamente aos outros elementos de apreciação.

224    Assim, a Comissão procedeu de forma correcta, coerente e não discriminatória na classificação das empresas em diferentes grupos e na determinação do montante de partida da coima.

225    Em segundo lugar, a Amann invoca erradamente a violação do dever de fundamentação pelo alegado facto de apenas dispor de intervalos de volumes de negócios e não poder, portanto, conhecer a forma pela qual a Comissão tinha determinado os montantes de partida em função desses volumes de negócios.

226    Com efeito, por um lado, resulta da jurisprudência que, no cálculo do montante da coima por infracção às normas de concorrência, as exigências da formalidade essencial constituída pelo dever de fundamentação estão preenchidas quando a Comissão indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infracção (acórdão do Tribunal Geral de 30 de Setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑191/98, T‑212/98 a T‑214/98, Colect., p. II‑3275, n.° 1521). Essas exigências não impõem que a Comissão indique na decisão os números relativos ao modo de cálculo das coimas, sublinhando‑se que, em qualquer dos casos, a Comissão não pode, pelo recurso exclusivo e mecânico a fórmulas aritméticas, privar‑se do seu poder de apreciação. Numa decisão que aplica coimas a várias empresas, o alcance do dever de fundamentação deve ser apreciado nomeadamente à luz do facto de que a gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número de elementos, nomeadamente as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o alcance dissuasor das coimas, sem que se tenha instituído uma lista vinculativa ou taxativa de critérios a ter necessariamente em conta (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, Colect., p. I‑8375, n.os 464 e 465).

227    No caso, resulta destas considerações que foram preenchidas as condições impostas pela jurisprudência, uma vez que a Comissão indicou que tinha analisado a gravidade da infracção aplicando os critérios das orientações e que tinha seguidamente classificado as empresas em função da sua importância no mercado determinada pelo seu volume de negócios nesse mesmo mercado e determinando um montante de partida que leva em conta a extensão do mercado geográfico em causa.

228    Por outro lado, a Comissão cumpriu o seu dever de fundamentação ao indicar intervalos de volumes de negócios suficientemente estreitos para permitir à Amann determinar a forma pela qual fixou os montantes de partida, não deixando de garantir os segredos de negócios.

229    Portanto, não se pode censurar a Comissão de qualquer violação do dever de fundamentação.

230    Consequentemente, improcede o fundamento relativo à fixação errada do montante de partida da coima aplicada pelo cartel do fio industrial.

4.     Quanto ao fundamento, invocado pela Amann, relativo ao cálculo errado da duração da infracção no mercado do fio industrial

a)     Argumentos das partes

231    Segundo a Amann, o cálculo da duração da infracção é errado.

232    Em primeiro lugar, a duração da infracção que ela teria cometido no mercado do fio industrial no Benelux e nos países nórdicos foi apenas de onze anos, e não de onze anos e nove meses. A sua última participação na infracção remonta à reunião de 16 de Janeiro de 2001 e não à de 18 de Setembro de 2001, o que confirma o considerando 147 da decisão recorrida. Assim, o montante de partida da coima deveria ter sido aumentado no máximo em 110%, e não em 115%.

233    A Amann salienta ainda que, mesmo que se devesse concluir, com base nos contactos bilaterais cuja existência é afirmada pela Comissão, que estava envolvida nos acordos em causa depois de 16 de Janeiro de 2001, isso teria sido só até Maio de 2001. A infracção teria então tido uma duração máxima de onze anos e quatro meses.

234    Em segundo lugar, invocando a esse respeito várias decisões da Comissão, a Amann alega que o primeiro ano da infracção não devia contar no aumento do montante de partida da coima.

235    Em terceiro lugar, a Comissão deveria ter usado o seu poder de apreciação, nos termos do ponto 1 B, segundo parágrafo, das orientações, para aumentar o montante de partida, aplicando‑lhe uma percentagem bem inferior a 10% por cada ano de infracção, uma vez que os preços do fio destinado à indústria têxtil, a priori, não seriam ou seriam muito pouco susceptíveis de produzir duradouramente efeitos nocivos para os consumidores, visto a parte de custo do fio apenas representar 0,15% no custo dos produtos finais.

236    A Comissão refuta todas essas alegações, pelo que pede que o fundamento seja julgado improcedente.

b)     Apreciação do Tribunal

237    De acordo com o disposto no artigo 23.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003, a duração da infracção constitui um dos elementos a tomar em consideração para determinar o montante da coima a aplicar às empresas culpadas de infracções às normas de concorrência.

238    No que respeita ao factor relativo à duração da infracção, as orientações estabelecem uma distinção entre as infracções de curta duração (em geral inferior a um ano), em relação às quais o montante de partida fixado a título da gravidade não deve ser aumentado, as infracções de duração média (em geral de um a cinco anos), em relação às quais esse montante pode ser aumentado até 50%, e as infracções de longa duração (em geral superior a cinco anos), em relação às quais esse montante pode ser aumentado em 10% por cada ano (ponto 1 B, primeiro parágrafo, primeiro a terceiro travessões).

239    Resulta do considerando 359 da decisão recorrida que a Amann participou no cartel no mercado do fio industrial no Benelux e nos países nórdicos de Janeiro de 1990 a Setembro de 2001, isto é, um período de infracção de 11 anos e 9 meses. Esse período corresponde a uma infracção de longa duração. O montante de partida da sua coima foi, consequentemente, aumentado em 115% com base na duração da infracção (considerando 360 da decisão recorrida).

240    Em primeiro lugar, o facto de a Amann não ter participado na reunião multilateral de 18 de Setembro de 2001 não basta para demonstrar que renunciou a participar na infracção a partir de 16 de Janeiro de 2001, data da última reunião multilateral em que esteve presente.

241    Só se poderia concluir pela cessação definitiva da sua pertença ao cartel se se tivesse distanciado publicamente do conteúdo do acordo na reunião de 16 de Janeiro de 2001, o que não fez (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 6 de Abril de 1995, Tréfileurope/Comissão, T‑141/89, Colect., p. II‑791, n.° 85, e BPB de Eendracht/Comissão, referido no n.° 145 supra, n.° 203).

242    Além disso, como referido no considerando 99 da decisão recorrida, o cartel no mercado do fio industrial no Benelux e nos países nórdicos estava organizado por reuniões multilaterais mas também por reuniões bilaterais. Ora, a Amann manteve efectivamente contactos bilaterais regulares depois de 16 de Janeiro de 2001. Com efeito, resulta do considerando 151 da decisão recorrida que a Amann e a Coats trocaram mensagens de correio electrónico para troca de informações sobre os preços, o que a Amann, de resto, não põe em causa.

243    O facto de as últimas mensagens datarem de Maio de 2001 não basta para levar a considerar que a Amann tinha posto fim à sua participação na infracção a partir de Junho de 2001.

244    A esse respeito, há que observar que, como acima referido no n.° 27, o cartel consistia na troca de informações sobre os preços, sobre os descontos e sobre os preços especiais, e em acordos sobre as futuras listas de preços, sobre os descontos e sobre os preços especiais, bem como em acordos para evitar praticar preços inferiores aos do fornecedor existente e para repartição dos clientes. O simples facto, admitindo‑o demonstrado, de a Amann ter cessado, na sequência das mensagens de correio electrónico de Maio de 2001, de transmitir informações aos outros membros do cartel não demonstra que tivesse deixado de participar nele (v., neste sentido, acórdão de 27 de Setembro de 2006, Archer Daniels Midland/Comissão, T‑329/01, Colect., p. II‑3255, n.° 252).

245    Daí resulta que a Comissão não cometeu qualquer erro de cálculo ao aplicar um aumento de 5% ao montante de partida da coima aplicada à Amann pela sua participação na infracção depois da reunião multilateral de 16 de Janeiro de 2001.

246    Em segundo lugar, o modo de cálculo que consiste em não tomar em conta o primeiro ano de infracção no aumento da coima em função da duração da infracção não apresenta as características de uma prática constante da Comissão. Com efeito, não foi aplicado nas decisões mais recentes da Comissão. Além disso, há que observar, como faz a Comissão, que as decisões invocadas pela Amann em apoio da sua argumentação respeitam a infracções de duração média (até 5 anos) e, portanto, não são nada ilustrativas de uma alegada prática decisória constante da Comissão em infracções de longa duração. Além disso, a Comissão dispõe, no domínio da fixação do montante das coimas, de um amplo poder de apreciação e não está vinculada pelas apreciações que fez anteriormente (v., neste sentido, acórdão Michelin/Comissão, referido no n.° 154 supra, n.° 292).

247    Pelo contrário, resulta, aliás, do acórdão Cheil Jedang/Comissão (referido no n.° 186 supra, n.° 133) invocado pela Amann que as disposições do ponto 1 B das orientações de modo nenhum dizem que o primeiro ano de infracção não deve ser tido em conta. Com efeito, só está previsto que, para as infracções de curta duração, em geral de duração inferior a um ano, não se aplica qualquer majoração. Em contrapartida, aplica‑se uma majoração às infracções de duração superior, majoração que pode ser, por exemplo, de 50% quando a infracção tenha durado entre um e cinco anos. O Tribunal Geral acrescentou que, embora esta última disposição não preveja um aumento automático de 10% ao ano para as infracções de duração média, deixa, a esse respeito, uma margem de apreciação à Comissão. O mesmo resulta, aliás, do ponto 1 B, terceiro travessão, das orientações, relativamente às infracções de longa duração, que só prevê que o montante pode ser acrescido de 10% ao ano (acórdão Cheil Jedang/Comissão, já referido, n.os 133 e 134). Nesse acórdão Cheil Jedang/Comissão, a razão que levou o Tribunal Geral a concluir que não se devia aplicar um aumento de 10% tem unicamente a ver com as especificidades do caso então em apreço, a saber, o facto de, na decisão, a Comissão ter aplicado, sem qualquer justificação, um agravamento de 40% a certas empresas por uma infracção que tinha durado cinco anos, ao passo que tinha fixado um aumento de 30% à recorrente por uma infracção com uma duração de dois anos e dez meses.

248    Em terceiro lugar, a Amann não tem razão ao alegar que a Comissão não usou o seu poder de apreciação ao aplicar automaticamente a taxa máxima de 10% por cada ano de infracção e, portanto, ao não ter em conta o facto de os preços do fio industrial, a priori, não serem ou serem muito pouco susceptíveis de produzir duradouramente efeitos nocivos ao consumidor.

249    Há que lembrar que, embora o ponto 1 B, primeiro parágrafo, terceiro travessão, das orientações não preveja um aumento automático de 10% por ano para as infracções de longa duração, deixa à Comissão uma margem de apreciação a esse respeito (acórdãos do Tribunal Geral de 18 de Junho de 2008, Hoechst/Comissão, T‑410/03, Colect., p. II‑881, n.° 396, e BPB/Comissão, referido no n.° 89 supra, n.° 362).

250    No caso, resulta do n.° 239 supra que a Comissão respeitou as regras que impôs a si própria nas orientações para efeitos de aumento do montante das coimas pela duração da infracção. Tendo em conta os elementos do caso, há que considerar que a Comissão usou correctamente o seu poder de apreciação ao aumentar a coima em 10% por cada ano em que se verificou a infracção.

251    Resulta igualmente de jurisprudência assente que um aumento do montante da coima em função da duração não se limita aos casos em que exista uma relação directa entre a duração e um prejuízo acrescido causado aos objectivos comunitários das normas de concorrência (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 12 de Julho de 2001, Tate & Lyle e o./Comissão, T‑202/98, T‑204/98 e T‑207/98, Colect., p. II‑2035, n.° 106, e Michelin/Comissão, referido no n.° 154 supra, n.° 278).

252    No caso, resulta dos considerandos 347 a 351 da decisão recorrida que a Comissão analisou os efeitos nocivos concretos do cartel no mercado em causa. Concluiu que era difícil medi‑los com precisão, mas que o impacto dos acordos colusórios era bem real.

253    À luz da jurisprudência e tendo em conta os elementos do presente caso, há que considerar que a Comissão não cometeu qualquer erro manifesto de apreciação ao aumentar a coima em 10% por cada ano de infracção.

254    Consequentemente, improcede o fundamento relativo ao cálculo errado da duração da infracção no mercado do fio industrial.

5.     Quanto ao fundamento, invocado pela Amann, relativo ao facto de não terem sido tidas em conta certas circunstâncias atenuantes relativas à infracção no mercado do fio industrial

a)     Argumentos das partes

255    A Amann invoca uma circunstância atenuante prevista no ponto 3, sétimo travessão, das orientações, devido à sua decisão unilateral de renunciar à infracção, por sua própria iniciativa e antes das primeiras intervenções da Comissão. Com efeito, alega não ter participado em mais nenhuma reunião depois da reunião de 16 de Janeiro de 2001, e ter posto fim a todos os contactos bilaterais a partir de Março de 2001. A esse respeito, salienta que, como não invocou o ponto 3, terceiro travessão, das orientações, a jurisprudência segundo a qual são as intervenções da Comissão que devem ter levado as empresas em causa a cessar os seus comportamentos anticoncorrenciais em nada se opõe ao reconhecimento de uma circunstância atenuante. Ao agir assim, a, Amann entende ter‑se exposto ao risco de sanções dos seus concorrentes, em particular da Coats. Longe de ser teórico, esse risco de represálias é demonstrado pelas mensagens de correio electrónico trocadas com o representante da Coats, como confirmou a BST na audição de 19 e 20 de Julho de 2004. De resto, a Comissão não analisou essas declarações, assim violando o dever de apuramento dos factos que se lhe impõe.

256    Por outro lado, ao alegar que a cessação da infracção já tinha sido tida em conta na apreciação da duração, a Comissão ignora que a duração objectiva de uma infracção deve distinguir‑se do aspecto subjectivo do respectivo fim. Não se pode excluir a possibilidade de tomar um comportamento em consideração como circunstância atenuante quando tiver tido efeitos positivos para a empresa a nível da duração da infracção.

257    A Comissão refuta esses argumentos.

b)     Apreciação do Tribunal

258    Há que lembrar que as orientações prevêem, no seu ponto 3, a diminuição do montante de base por «circunstâncias atenuantes específicas», tais como o papel exclusivamente passivo ou seguidista na realização da infracção, a não aplicação efectiva dos acordos ou práticas ilícitos, a cessação das infracções logo com as primeiras intervenções da Comissão ou outras circunstâncias não referidas expressamente.

259    Há que reconhecer que esse texto não enumera de forma imperativa as circunstâncias atenuantes que a Comissão tem de tomar em conta. Por conseguinte, a Comissão conserva uma certa margem para apreciar de forma global a importância de uma eventual redução do montante das coimas por circunstâncias atenuantes (acórdão do Tribunal Geral de 8 de Julho de 2004, Dalmine/Comissão, T‑50/00, Colect., p. II‑2395, n.° 326). Assim, de modo nenhum a Comissão poderá ser obrigada, no quadro do seu poder de apreciação, a aplicar uma redução da coima pela cessação de uma infracção manifesta, tenha essa cessação ocorrido antes ou após as suas intervenções (acórdão Tokai II, referido no n.° 93 supra, n.° 292).

260    Saliente‑se ainda que, segundo jurisprudência assente, a cessação das infracções às normas de concorrência logo com as primeiras intervenções da Comissão, prevista no ponto 3, terceiro travessão, das orientações logicamente só pode constituir uma circunstância atenuante se existirem razões que permitam acreditar que as empresas em causa foram incentivadas a cessar os seus comportamentos anticoncorrenciais pelas intervenções em causa. Com efeito, verifica‑se que a finalidade dessa disposição é encorajar as empresas a cessarem os seus comportamentos anticoncorrenciais imediatamente quando a Comissão abre um inquérito. Uma redução do montante da coima a esse respeito não pode ser aplicada no caso de essas empresas já terem tomado uma decisão firme de pôr termo à infracção antes da data das primeiras intervenções da Comissão ou no caso de a infracção já ter chegado ao fim antes dessa data. Esta última hipótese é suficientemente tida em conta no cálculo da duração do período de infracção fixado (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Janeiro de 2007, Dalmine/Comissão, C‑407/04 P, Colect., p. I‑829, n.° 158; acórdãos do Tribunal Geral de 8 de Julho de 2004, Mannesmannröhren Werke/Comissão, T‑44/00, Colect., p. II‑2223, n.os 280 e 281, e de 12 de Dezembro de 2007, BASF/Comissão, referido no n.° 91 supra, n.° 128).

261    Por outro lado, refira‑se que a Amann baseia o seu direito a beneficiar de circunstâncias atenuantes no facto de ter decidido unilateralmente, a partir da reunião de 16 de Janeiro de 2001, não participar em mais nenhuma reunião e pôr fim a qualquer contacto bilateral. Ora, como acima referido nos n.os 240 e seguintes, a Amann continuou a participar em reuniões bilaterais depois dessa reunião multilateral.

262    Pelas mesmas razões, improcede também o argumento da Amann de que a Coats desempenhou o papel de líder do cartel e proferiu ameaças contra ela na sequência da sua decisão de deixar de participar na infracção. A esse respeito, o argumento da recorrente de violação do dever de a Comissão apurar os factos é inoperante. Com efeito, como resulta do n.° 261 supra, o postulado de partida da recorrente de que pôs termo à sua participação na infracção a seguir à reunião de 16 de Janeiro de 2001 é inexacto. Não pode, portanto, alegar validamente que a cessação da infracção depois dessa reunião teve o efeito de a expor a represálias da Coats, pelo que não pode invocar qualquer violação do dever de apuramento dos factos a esse respeito.

263    Por último, mesmo que a Amann tivesse cessado de participar antes na infracção, resulta da jurisprudência acima referida que a Comissão mantém uma certa margem para apreciar de uma forma global a importância de uma eventual redução do montante das coimas a título de circunstâncias atenuantes e de modo nenhum pode ser obrigada a aplicar uma redução de coima pela cessação de uma infracção manifesta antes das suas intervenções.

264    Por conseguinte, o presente fundamento é julgado improcedente.

6.     Quanto ao fundamento, invocado pelas recorrentes, relativo ao cálculo errado do montante de partida e do montante de base da coima aplicada pela infracção no mercado do fio destinado à indústria automóvel

a)     Argumentos das partes

265    Em primeiro lugar, as recorrentes invocam uma fixação arbitrária do montante de partida da coima aplicada pela infracção no mercado do fio destinado à indústria automóvel. A decisão recorrida não permite, com efeito, conhecer a forma pela qual a Comissão fixou esse montante nem em que base definiu as categorias. Com efeito, os montantes de partida (5 milhões de euros para as recorrentes e 1,3 milhão de euros para as outras empresas em causa) não correspondem com precisão aos diversos volumes de negócios realizados com o produto objecto do cartel.

266    Seguidamente, a Comissão não explicou por que razão, ao contrário da Coats e da Barbour, considerou as recorrentes uma unidade de empresas. A esse respeito, não são convincentes as alegações da Comissão quanto ao exercício de uma forte influência da Amann sobre a Cousin antes da aquisição da maior parte do seu capital social. Segundo as recorrentes, a situação da Coats e da Barbour deveria ter sido apreciada da mesma forma que a das recorrentes. As informações fornecidas pela Oxley na resposta à comunicação de acusações pretendem também demonstrar que a Comissão subestimou a importância da «Coats/Barbour». Ora, as recorrentes alegam que não está excluída a possibilidade de que, se a Comissão tivesse classificado correctamente essas empresas, teria chegado a outro montante de partida. Em face disto, a decisão recorrida não está fundamentada.

267    A resposta da Comissão confirma o seu erro de lógica, uma vez que a participação da Barbour só foi tida em conta até à sua aquisição pela Coats em Setembro de 1999 e, depois dessa aquisição, só teve em conta o volume de negócios da Coats, quando lhe deveria ter imputado igualmente o volume de negócios realizado pela Barbour em 1999. O montante desse volume de negócios era de cerca de 6 milhões de euros. Portanto, as recorrentes criticam o facto de o montante de partida que lhes foi aplicado ser de 5 milhões de euros (visto os seus volumes de negócios cumulados serem de 8,55 milhões de euros), quando o montante de partida aplicado à Coats foi apenas de 1,3 milhão de euros (cujo volume de negócios era de cerca de 6 milhões de euros). Denunciam ainda o facto de a categorização feita pela Comissão ter levado a que os seus volumes de negócios cumulados tivessem sido levados em conta para todo o período, quando o da Barbour, na fixação do montante da coima, só foi levado em conta a partir da sua aquisição pela Coats.

268    Em segundo lugar, estão errados o cálculo do montante de base em função da duração da infracção, de Maio/Junho de 1998 a 15 de Maio de 2000, isto é, um ano e onze meses, e o aumento do montante de partida da coima de 15% daí resultante.

269    Segundo as recorrentes, não existe qualquer prova da existência de uma reunião em Maio/Junho de 1998 nem de que elas tenham participado. Assinalam que a única prova em que a Comissão se baseia é a resposta da Coats ao pedido de informações. Ora, essa resposta da Coats assenta apenas numa nota de um antigo colaborador. A realização dessa reunião apenas assenta em «diz‑se que» e a autenticidade da nota suscita dúvidas que a Comissão deveria ter esclarecido procedendo a investigações. Segundo as recorrentes, a primeira reunião só se realizou em Junho de 1999. A Oxley não estava em condições de fornecer a menor indicação sobre essa reunião e a Coats não estava em condições de fornecer explicações precisas sobre a sua participação. Vistas as incertezas existentes sobre essa reunião, as recorrentes criticam ainda a Comissão por não ter tentado de nenhuma forma clarificar o lugar dessa reunião. Entendem, assim, que o cálculo do montante de base da coima só deve ser feito a partir de 15 de Abril de 1999.

270    A Comissão refuta este fundamento.

b)     Apreciação do Tribunal

271    Em primeiro lugar, há que analisar o argumento de fixação arbitrária do montante de partida da coima.

272    Há que lembrar que as orientações, em primeiro lugar, prevêem a apreciação da gravidade da infracção em si mesma, com base na qual pode ser fixado «um montante de partida geral». A gravidade da infracção é assim determinada em função de elementos objectivos, como a natureza da infracção, o seu impacto concreto no mercado, se for mensurável, e a extensão do mercado geográfico em causa. Em segundo lugar, a gravidade da infracção é analisada com base num conjunto de elementos subjectivos. São, assim, tomadas em conta as características da empresa, designadamente a sua dimensão e a sua quota no mercado relevante, o que pode conduzir à ponderação do montante de partida, à repartição das empresas em categorias e à fixação de um «montante de partida específico». Em terceiro lugar, a duração da infracção é tomada em conta na fixação do montante de base, tal como, em quarto lugar, as circunstâncias agravantes e atenuantes que permitem avaliar nomeadamente a gravidade relativa da participação na infracção de cada uma das empresas em causa.

273    Mais em particular, quanto aos elementos subjectivos tomados em conta na fixação do montante de partida, as orientações dispõem que é necessário tomar em consideração a capacidade económica efectiva dos autores da infracção de causarem um prejuízo considerável aos outros operadores, nomeadamente aos consumidores, e fixar o montante da coima num nível que lhe garanta um carácter suficientemente dissuasor (ponto 1 A, quarto parágrafo).

274    Segundo essas mesmas orientações, nos casos que envolvam várias empresas, como os casos de cartel, pode ser conveniente ponderar o montante de partida geral, a fim de ter em conta o peso específico, e, portanto, o impacto real do comportamento ilícito de cada empresa na concorrência, nomeadamente se existir uma disparidade considerável em termos de dimensão das empresas autoras de uma infracção da mesma natureza, e adaptar em conformidade o montante de partida geral segundo o carácter específico de cada empresa (ponto 1 A, sexto parágrafo) (acórdão Cheil Jedang/Comissão, referido no n.° 186 supra, n.° 81).

275    Há que observar que as orientações não prevêem que o montante das coimas seja calculado em função do volume de negócios global ou do volume de negócios realizado pelas empresas no mercado em causa. Contudo, também não se opõem a que tais volumes de negócios sejam tomados em consideração para a determinação do montante da coima a fim de serem respeitados os princípios gerais de direito comunitário e quando as circunstâncias o exijam. Em especial, o volume de negócios pode entrar em linha de conta quando se tenha em consideração os diferentes elementos acima enumerados nos n.os 269 e 270 (acórdãos Cheil Jedang/Comissão, referido no n.° 186 supra, n.° 82, e Tokai I, referido no n.° 186 supra, n.° 195).

276    No caso, resulta dos considerandos 418 e seguintes da decisão recorrida que a Comissão respeitou as disposições das orientações. Com efeito, teve em consideração a natureza da infracção, o seu impacto concreto no mercado e a extensão do mercado geográfico em causa. Tendo esses factores em conta, qualificou a infracção de muito grave, não deixando de esclarecer, no considerando 428 da decisão recorrida, que teria em conta a pequena dimensão do mercado em causa para fixar o montante da coima.

277    Seguidamente, no âmbito do cartel no mercado do fio industrial no Benelux e nos países nórdicos, considerou necessário proceder a um tratamento diferenciado das empresas envolvidas no cartel do fio destinado à indústria automóvel a fim de ter em conta a capacidade económica efectiva dos infractores para causarem um dano considerável à concorrência e a fim de fixar a coima num nível que garantisse um efeito dissuasor suficiente. Acrescentou que era necessário ter em conta o peso específico do comportamento ilícito de cada empresa e, portanto, o seu impacto real na concorrência. Para efeitos de apreciação destes elementos, a Comissão optou por se basear no volume de negócios no mercado em causa do produto abrangido pelo cartel (decisão recorrida, considerandos 430 a 432).

278    Consequentemente, agrupou as empresas em duas categorias. A Amann e a Cousin, tendo em conta um volume de negócios acumulado de 8,55 milhões de euros, foram classificadas na primeira categoria. A Coats, a Oxley e a Barbour, tendo em conta o seu volume de negócios estimado entre 1 e 3 milhões de euros, foram colocadas na segunda categoria. A Comissão fixou o montante de partida, determinado em função da gravidade da infracção, em 5 milhões de euros para a Amann e a Cousin e em 1,3 milhão de euros para a Coats, a Oxley e a Barbour (decisão recorrida, considerandos 432 a 435).

279    Como acima se destaca nos n.os 216 a 221, o Tribunal Geral, no âmbito da sua fiscalização da legalidade do exercício do poder de apreciação da Comissão, deve limitar‑se a fiscalizar se essa repartição é coerente e objectivamente justificada (v. acórdão BASF/Comissão, referido no n.° 196 supra, n.° 157 e jurisprudência aí referida).

280    A esse respeito, há que considerar que uma repartição das empresas em duas categorias é uma forma razoável de tomar em conta a sua importância relativa no mercado ao fixar o montante de partida, desde que não leve a uma representação grosseiramente deformada do mercado em causa. No caso, o método da Comissão que consiste em fixar categorias em função dos volumes de negócios realizados no mercado em causa com esse produto não pode, a priori, ser considerado desprovido de coerência interna.

281    Quanto à determinação enquanto tal do montante de partida, há que considerar que a opção pelo número de 5 milhões de euros para as empresas da primeira categoria não pode ser qualificada de arbitrária nem excede os limites do seu amplo poder de apreciação nessa matéria. Com efeito, esse número foi determinado tendo em conta categorias que, elas próprias, foram validamente fixadas, como acima se refere nos n.os 277 e 278. Além disso, o número de 5 milhões de euros escolhido como montante de partida é inferior ao volume de negócios da recorrente que serviu de referência para a primeira categoria.

282    Tendo em conta essas observações, as recorrentes afirmam erradamente que a Comissão definiu as duas categorias e calculou o montante de partida da coima de forma arbitrária.

283    Seguidamente, é irrelevante o reparo feito à Comissão de não ter considerado a Coats e a Barbour uma «unidade de empresas» e, portanto, de não ter somado os seus volumes de negócios. Com efeito, resulta da decisão recorrida (considerandos 40 e 67) que a Coats só adquiriu a Barbour em Setembro de 1999. Assim, esta constituía uma empresa juridicamente independente, pelo que podia ser individualmente responsabilizada pela infracção cometida no período de Maio/Junho de 1998 a Setembro de 1999. Quanto à Coats, resulta da decisão recorrida que participou na infracção de 8 de Junho de 1999 a 15 de Maio de 2000, pelo que podia ser individualmente responsabilizada pelos seus comportamentos ilícitos.

284    Assim, ao contrário do que alegam as recorrentes, não se tinha de somar os volumes de negócios da Coats e da Barbour nem classificá‑las na primeira categoria.

285    Refira‑se, porém, que a Comissão teve em conta unicamente o volume de negócios da Coats para 1999. Ora, seria justificado acrescentar a esse valor a parte do volume de negócios da Barbour de Outubro a Dezembro de 1999, isto é, 3/12 do volume de negócios anual da Barbour. O volume de negócios da Coats teria, assim, aumentado num montante compreendido entre 250 000 e 750 000 euros. Contudo, esse erro de cálculo em nada põe em causa a classificação das recorrentes na primeira categoria nem o montante de partida que lhes foi aplicado. Com efeito, as recorrentes não contestam a afirmação da Comissão nos considerandos 323 e 433 da decisão recorrida de que deviam ser consideradas uma «unidade de empresas» e de que, por isso, a Comissão tinha somado com razão os respectivos volumes de negócios.

286    Por último há que rejeitar o argumento relativo a uma violação do artigo 253.° CE pelo facto, por um lado, de a Comissão não ter explicado por que razão, ao contrário da Coats e da Barbour, considerava as recorrentes uma «unidade de empresas» e, por outro, de a determinação e cálculo do montante de partida serem incompreensíveis.

287    Com efeito, por um lado, a Comissão indicou claramente nos considerandos 323 e 433 da decisão recorrida por que razões as recorrentes deviam ser consideradas uma «unidade de empresas». Por outro lado, como acima se observa no n.° 226, o dever de fundamentação não impõe que a Comissão indique na decisão os números relativos ao modo de cálculo das coimas, sublinhando‑se que, em qualquer dos casos, a Comissão não pode, pelo recurso exclusivo e mecânico a fórmulas aritméticas, privar‑se do seu poder de apreciação.

288    No caso, como acima resulta dos n.os 276 a 278, a Comissão cumpriu perfeitamente o seu dever de fundamentação ao indicar, nos considerandos 418 e seguintes da decisão recorrida, os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade da infracção.

289    Em segundo lugar, no que respeita ao argumento de fixação errada do montante de base da coima por errada determinação da duração da infracção, resulta dos autos que a primeira reunião sobre o mercado do fio destinado à indústria automóvel não se realizou Junho de 1999 como afirmam as recorrentes, mas em Maio/Junho de 1998.

290    Na resposta à comunicação de acusações, a Amann menciona expressamente a existência dessa reunião e indica que permitiu aos participantes estabelecerem um primeiro contacto entre eles, trocar informações sobre certos preços e manifestar a sua intenção de fixar preços por um período não superior a seis meses.

291    Há que considerar que este argumento não tem suporte nos factos.

292    Além disso, a alegação de a Comissão não poder determinar com exactidão se a reunião se realizou em Maio ou em Junho é irrelevante, pois o cálculo da duração da infracção foi feito a partir de Junho, que constitui um ponto de partida mais favorável às recorrentes.

293    Em face do exposto, há que julgar improcedente o fundamento relativo ao cálculo errado do montante de partida e do montante de base da coima.

7.     Quanto ao fundamento, invocado pelas recorrentes, relativo a alegadamente não ter sido tomada em conta a não execução do acordo relativo ao fio destinado à indústria automóvel

a)     Argumentos das partes

294    As recorrentes alegam que as considerações da Comissão sobre o impacto da infracção no mercado são erradas. Com efeito, a decisão recorrida não demonstrou a execução dos acordos celebrados no âmbito do cartel do fio destinado à indústria automóvel. Os documentos em que a Comissão baseia as suas asserções quanto à execução efectiva dos acordos só são invocados como provas da existência de reuniões entre os participantes. A própria Comissão admite, no considerando 427 da decisão recorrida, ter tido dificuldades a nível da prova da execução dos acordos.

295    Em particular, a Comissão afirma erradamente que a Cousin impôs aumentos de preços à sua cliente Johnson Controls. As recorrentes salientaram que esse aumento correspondia à sua política individual de preços e não tinha qualquer relação com os acordos. A esse respeito, não foi concedido às recorrentes o direito de audiência quanto a esse ponto, suscitado pela primeira vez na decisão recorrida, pelo que consideram que não pode ser utilizado como prova da execução do acordo.

296    As recorrentes invocam o dever de a Comissão ter em conta na avaliação da gravidade da infracção todos os elementos que possam ser determinantes a nível do impacto concreto da infracção no mercado. A esse respeito, a Comissão teria dado por provada a existência de uma circunstância atenuante que justificava uma atenuação da pena mesmo nos processos em que os acordos só tivessem sido parcialmente executados. Uma vez que a não execução é ainda mais importante no presente caso, as recorrentes entendem que a Comissão deveria tê‑la tomado em consideração, de acordo com a sua prática decisória, devendo, assim, aplicar‑lhe uma circunstância atenuante nos termos do ponto 3, segundo travessão, das orientações ou tê‑la em conta na determinação da gravidade da infracção.

297    A Comissão refuta este fundamento.

b)     Apreciação do Tribunal

298    A título preliminar, refira‑se que o considerando 233 da decisão recorrida revela que, na reunião de 9 de Julho de 1999, a Cousin indicou que tentaria aumentar os preços à sua cliente Johnson Controls. Resulta ainda das observações da Barbour que um representante da Cousin telefonou a um representante da Barbour para lhe confirmar que o aumento tinha sido aplicado. Observe‑se, por último, que a Cousin confirma ter aumentado os seus preços, mas alega que esse aumento não resultou de qualquer acordo.

299    Em primeiro lugar, as recorrentes alegam erradamente que o aumento dos preços aplicados à Johnson Controls nunca foi invocado na comunicação de acusações e que, portanto, nunca tiveram a oportunidade de lhe responder. Esse argumento não corresponde aos factos, pois a Comissão referiu isso expressamente nos n.os 192 e 201 da comunicação de acusações.

300    Em segundo lugar, a Comissão concluiu acertadamente pela execução do acordo ao basear‑se no referido aumento dos preços à Johnson Controls. Com efeito, as declarações da Cousin na reunião de 9 de Julho de 1999 relativas à sua intenção de aumentar os preços à Johnson Controls, a chamada telefónica entre esta e a Barbour que anunciava essa intenção e a confirmação desse aumento pela Cousin no âmbito do procedimento administrativo constituem um conjunto de indícios suficiente a esse respeito. Cabia, pois, às recorrentes demonstrar que o aumento dos preços em nada constituía a aplicação de um acordo, o que não fizeram, limitando‑se a invocar a sua «política individual em matéria de preços».

301    Em terceiro lugar, quanto aos efeitos da infracção, a Comissão afirmou, no considerando 427 da decisão recorrida, que os acordos colusórios tinham sido executados e tinham tido impacto no mercado em causa do produto em causa, «embora seja difícil medir esse impacto com precisão». Há que lembrar que, em matéria de concorrência, o ónus da prova da existência de efeitos de uma infracção num mercado, que cabe à Comissão quando tem em conta esses efeitos no cálculo da coima em função da gravidade da infracção, é menos acentuado que o seu ónus de provar a existência enquanto tal de uma infracção no âmbito de um cartel. Com efeito, para ter em conta o impacto concreto do cartel no mercado, basta que a Comissão forneça «boas razões para serem levadas em conta» (acórdão Jungbunzlauer/Comissão, referido no n.° 171 supra, n.° 161). O aumento de preços à Johnson Controls constitui assim, só por si, uma razão muito boa para ter em conta o impacto concreto da infracção no mercado.

302    Em quarto lugar, resulta do exposto que as recorrentes de modo nenhum podem reivindicar a circunstância atenuante de não aplicação efectiva dos acordos.

303    Este fundamento deve, por conseguinte, ser julgado improcedente.

8.     Quanto ao fundamento relativo à violação do direito de audiência e dos direitos de defesa

a)     Argumentos das partes

304    Em apoio deste fundamento são apresentadas duas alegações. A primeira é relativa à violação do direito de audiência, a segunda à violação dos direitos de defesa.

305    Em primeiro lugar, a Amann entende ter sido violado o seu direito de audiência, consagrado no artigo 27.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003. Com efeito, a Comissão baseou uma grande parte da sua decisão a respeito de certos descontos em documentos referidos no considerando 116 da decisão recorrida. Ora, esses documentos e as conclusões que a Comissão deles retira não foram, neste contexto, levados ao conhecimento da Amann na comunicação de acusações. Esses documentos não podem, portanto, servir de prova de uma infracção aos artigos 81.° CE 53.° EEE. Com efeito, a Amann indica que a simples presença desses documentos no processo da Comissão e a possibilidade de os consultar no âmbito do acesso ao processo não bastam para garantir o respeito do direito de audiência.

306    Afirma que a Comissão violou ainda o seu direito de audiência ao basear‑se em alegações sobre as quais não teve a ocasião de apresentar as suas observações. Com efeito, a decisão recorrida faz referência a uma discussão sobre a redução dos descontos na Suécia, em 19 de Setembro de 2000, para basear a sua alegação de troca de informações sobre os descontos e de um acordo para a sua redução. Ora, a comunicação de acusações não tem qualquer indicação a respeito de acordos desse tipo relativos à Suécia, mas refere‑os para a Finlândia. A Amann observa que a própria Comissão reconheceu, no considerando 116 da decisão recorrida, ter mencionado por erro a Finlândia em vez da Suécia na comunicação de acusações. Entende, assim, não ter sido ouvida quanto a esse ponto. Entende ainda que a Comissão afirma erradamente que a Amann podia inferir do documento referido na comunicação de acusações que a alegação era relativa à Suécia. Com efeito, esse documento, uma mensagem electrónica de 10 de Outubro de 2000, tinha sido mencionado num contexto diferente do contexto dos acordos sobre os descontos. Além disso, o conteúdo do documento em nada permitia concluir por um acordo concreto sobre descontos. A Amann alega que, segundo a jurisprudência, não são os documentos enquanto tais que importam, mas as conclusões que deles extraiu a Comissão. Essa jurisprudência é aplicável ao presente caso, mesmo embora a decisão recorrida referisse a existência da dita mensagem electrónica, pois essa referência foi feita noutro contexto.

307    Acresce que a Comissão se contradiz ao alegar que, na realidade, tencionava fazer referência à Suécia em vez da Finlândia, alegando por outro lado que existiam acordos nos dois países.

308    Em segundo lugar, as recorrentes afirmam que a Comissão violou os seus direitos de defesa ao exigir‑lhes respostas a questões relativas a contactos havidos com concorrentes, que constam dos pedidos de informações de 6 e 24 de Março de 2003, sem precisar que eram interrogadas como «arguidas». Alegam que, segundo a jurisprudência, não se pode exigir às recorrentes que forneçam detalhes sobre os aspectos abordados e as decisões tomadas no contexto dos contactos mantidos com concorrentes nem, por maioria de razão, pedir às empresas, além de uma descrição pura e simples dos factos e da apresentação de documentos existentes, informações sobre o objecto, a realização e os resultados dos contactos com os concorrentes quando a Comissão suspeita manifestamente que esses encontros tinham por finalidade restringir a concorrência. Ora, as recorrentes consideram que foi esse o caso, baseando‑se no ponto 4.1 desses pedidos de informações.

309    Visto que as recorrentes responderam de forma circunstanciada a todas as questões da Comissão, apesar da existência de um direito de se recusarem a fazê‑lo, invocam o direito a uma redução superior à de 15% aplicada às suas coimas, nos termos do ponto D 2 da comunicação sobre a cooperação. Entendem ter ido muito além do que a Comissão tinha o direito de lhes exigir.

310    Também consideram insuficiente a referida redução de 15% em comparação com a de 50% concedida à Coats. Com efeito, entendem que a Comissão deveria ter tido em conta o facto de, na investigação, já ter encontrado documentos essenciais que lhe permitiam facilmente dar por provada a existência de uma infracção nos domínios em causa. Além disso, a Coats tinha uma vantagem face aos seus concorrentes, pois já estava informada da iminência de um procedimento, pelo que a apresentação de um pedido de clemência se impunha por si própria. Além disso, a Coats desempenhou o papel de líder, o que confirmam várias empresas envolvidas. Tendo em conta estes elementos, as recorrentes entendem que deveriam ter beneficiado do mesmo tratamento da Coats.

311    A Comissão refuta este fundamento.

b)     Apreciação do Tribunal

 Quanto à alegada violação do direito de audiência

312    Segundo jurisprudência assente, a comunicação de acusações deve incluir uma exposição das acusações redigidas em termos suficientemente claros, ainda que sucintos, para permitir aos interessados tomarem efectivamente conhecimento dos comportamentos que lhes são imputados pela Comissão e apresentarem utilmente a sua defesa antes de a Comissão adoptar uma decisão definitiva. Essa exigência é respeitada quando a decisão não lhes impute a prática de infracções diferentes das referidas na comunicação de acusações e apenas se baseie em factos sobre os quais eles tenham tido a oportunidade de se explicar (acórdãos do Tribunal Geral de 14 de Maio de 1998, Mo och Domsjö/Comissão, T‑352/94, Colect., p. II‑1989, n.° 63; CMA CGM e o./Comissão, referido no n.° 196 supra, n.° 109, e Tokai II, referido no n.° 93 supra, n.° 138).

313    Assim sendo, os direitos de defesa só são violados por causa de uma discordância entre a comunicação de acusações e a decisão final se uma acusação dada por provada nessa decisão não tivesse sido exposta de forma suficiente a permitir que os destinatários se defendessem (acórdão do Tribunal Geral de 8 de Julho de 2004, Corus UK/Comissão, T‑48/00, Colect., p. II‑2325, n.° 100).

314    Resulta ainda da jurisprudência que o que importa não são os documentos enquanto tais, mas as conclusões que deles retira a Comissão, e que, se esses documentos não tiverem sido mencionados na comunicação de acusações, a empresa em causa tem razão para considerar que não têm importância para o processo. Ao não informar uma empresa de que certos documentos serão utilizados na decisão, a Comissão impede‑a de manifestar em tempo útil a sua opinião sobre o valor probatório desses documentos. Daí resulta que esses documentos não podem ser considerados meios de prova válidos no que a ela respeita (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 25 de Outubro de 1983, AEG‑Telefunken/Comissão, 107/82, Recueil, p. 3151, n.° 27, e de 3 de Julho de 1991, AKZO/Comissão, C‑62/86, Colect., p. I‑3359, n.° 21; acórdão do Tribunal Geral de 10 de Março de 1992, Shell/Comissão, T‑11/89, Colect., p. II‑757, n.° 55).

315    Contudo, um documento utilizado pela Comissão como prova de uma acusação na decisão final, mesmo quando tenha sido utilizado na comunicação de acusações como prova de outra acusação, só é oponível à empresa na decisão se ela pudesse razoavelmente inferir da comunicação de acusações e do conteúdo desse documento as conclusões que a Comissão tencionava extrair (v., neste sentido, acórdão Shell/Comissão, referido no n.° 314 supra, n.° 62).

316    É à luz desta jurisprudência que se deve analisar a alegação da Amann.

317    Há que lembrar que, no considerando 116 da decisão recorrida, a Comissão reconheceu ter mencionado erradamente nos n.os 104 e 126 da comunicação de acusações que na reunião de 19 de Setembro de 2000 em Budapeste (Hungria) tinha sido acordada uma redução dos descontos na Finlândia. Rectificou esse erro nesse mesmo considerando 116, salientando que o país a que respeitava a redução de descontos era, na realidade, a Suécia.

318    Observe‑se desde logo que o título antes dos n.os 125 e 126 da comunicação de acusações, denominado «Reunião no Hotel Mercure de Budapeste de 19 de Setembro de 2000», remete para a nota de pé de página n.° 244, que refere a mensagem electrónica de 10 de Outubro de 2000 que continha os elementos abordados nessa reunião, incluindo a diminuição dos descontos na Suécia.

319    Não se pode também deixar de referir que a Amann teve conhecimento desse documento, o que atesta a sua resposta à comunicação de acusações. Com efeito, esta refere que esse documento contém uma mensagem de correio electrónico de J. L. (Coats) a F. S. (Coats) de 10 de Outubro de 2000 que continha um relatório muito detalhado do conteúdo da reunião de Budapeste.

320    Resulta muito claramente dessa mensagem de correio electrónico que o único país a que respeitava a redução dos descontos era a Suécia e que nenhum outro elemento relativo à Finlândia podia lançar a confusão quanto à existência de um eventual acordo sobre essa redução neste último país.

321    Além disso, e ao contrário do que alega a Amann, essa mensagem de correio electrónico não foi apresentada num contexto diferente, pois enumera os acordos a que se chegou na reunião de 19 de Setembro de 2000, na qual a Amann não contesta aliás ter participado.

322    Assim, de acordo com a jurisprudência acima referida, há que considerar que a Amann podia inferir razoavelmente da comunicação de acusações e do conteúdo do documento quais as conclusões que a Comissão tencionava extrair, pelo que podia rectificar o erro relativo ao único país a que respeitava a redução dos descontos.

323    A esse respeito, é irrelevante a argumentação da Amann segundo a qual a frase contida na mensagem de correio electrónico «Suécia: […] há que aumentar os preços especiais em 3,5% em 1 de Abril de 2001 ou reduzir os descontos» não lhe permitia saber que a Comissão tencionava basear‑se nessa frase para demonstrar a existência de um acordo sobre a redução dos descontos na Suécia. Com efeito, resulta das considerações aqui feitas que a Amann deveria esperar que a Comissão se baseasse nesse elemento.

324    Portanto, há que concluir que o direito de audiência da Amann não foi violado.

 Quanto à alegada violação dos direitos de defesa, nomeadamente do princípio da proibição da auto‑incriminação

325    Resulta da jurisprudência relativa à extensão dos poderes da Comissão em matéria de processos de investigação prévia e de procedimentos administrativos que a Comissão pode obrigar, sendo caso disso através de uma decisão, uma empresa a fornecer‑lhe todas as informações necessárias relativas aos factos de que possa ter conhecimento. Contudo, não pode impor‑lhe a obrigação de fornecer respostas através das quais seja levada a admitir a existência da infracção cuja prova cabe à Comissão (acórdãos do Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 1989, Orkem/Comissão, 374/87, Colect., p. 3283, n.os 34 e 35; Aalborg Portland e o./Comissão, referido no n.° 90 supra, n.os 61 e 65; e Dalmine/Comissão, referido no n.° 260 supra, n.° 34).

326    Assim, não se pode reconhecer um direito ao silêncio absoluto a uma empresa destinatária de uma decisão de pedido de informações na acepção do artigo 11.°, n.° 5, do Regulamento n.° 17. Com efeito, o reconhecimento desse direito iria além do necessário para preservar os direitos de defesa das empresas e constituiria um entrave injustificado ao desempenho da missão da Comissão de garantir o respeito das normas de concorrência no mercado comum. Esse direito ao silêncio só pode ser reconhecido se a empresa for obrigada a fornecer respostas que a levem a admitir a existência da infracção cuja prova cabe à Comissão (acórdão Tokai I, referido no n.° 186 supra, n.° 402).

327    Para preservar o efeito útil do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, a Comissão pode, assim, obrigar as empresas a fornecerem todas as informações necessárias relativas aos factos de que possam ter conhecimento e, se necessário, os documentos correlativos que estejam na sua posse, mesmo que estes possam servir para comprovar a existência de um comportamento anticoncorrencial. Esse poder de informações da Comissão não colide com o artigo 6.°, n.os 1 e 2, da CEDH nem com a jurisprudência do TEDH (acórdão Tokai I, referido no n.° 186 supra, n.os 403 e 404).

328    De qualquer forma, o facto de se ser obrigado a responder às questões puramente factuais colocadas pela Comissão e a satisfazer os seus pedidos de apresentação de documentos preexistentes não é susceptível de violar o princípio do respeito dos direitos de defesa ou o direito a um processo equitativo, que oferecem, no domínio do direito da concorrência, uma protecção equivalente à garantida pelo artigo 6.° da CEDH. Com efeito, nada impede o destinatário de um pedido de informações de demonstrar, mais tarde no quadro do procedimento administrativo ou num processo perante o juiz comunitário, que os factos constantes das suas respostas ou os documentos transmitidos têm um significado diferente daquele que lhes deu a Comissão (acórdão Tokai I, referido no n.° 186 supra, n.° 406).

329    Por último, quando, num pedido de informações nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, além das questões meramente factuais e dos pedidos de apresentação de documentos preexistentes, a Comissão pede a uma empresa que descreva o objecto e como decorreram as várias reuniões em que participou e os resultados ou as conclusões dessas reuniões, quando é manifesto que a Comissão tem suspeitas de que o objectivo das referidas reuniões era restringir a concorrência, esse pedido é susceptível de obrigar a empresa questionada a admitir a sua participação numa infracção às regras comunitárias de concorrência, de modo que a referida empresa não é obrigada a responder a este tipo de questões. Nesse caso, o facto de, não obstante, uma empresa fornecer informações quanto a estes pontos deve ser considerado uma colaboração espontânea da empresa, susceptível de justificar uma redução da coima, em aplicação da comunicação sobre a cooperação (acórdão do Tribunal Geral de 6 de Dezembro de 2005, Brouwerij Haacht/Comissão, T‑48/02, Colect., p. II‑5259, n.° 107). Resulta igualmente da jurisprudência que, nesse caso, as empresas não podem alegar que o seu direito a não se incriminarem foi violado por terem respondido voluntariamente a esse pedido (acórdão do Tribunal Geral, Dalmine/Comissão, referido no n.° 259 supra, n.° 46).

330    À luz desta jurisprudência, há que determinar se a Comissão violou o direito das recorrentes a não se incriminarem.

331    Em primeiro lugar, destaque‑se que a Comissão pediu informações por meio de pedidos de informações (correspondência de 6 e 24 de Março de 2003) e não por decisões.

332    Quanto ao próprio conteúdo das informações pedidas, resulta do ponto 4 desses pedidos que a Comissão pretendia receber nomeadamente indicações sobre as reuniões com os concorrentes, a data, o lugar e a lista de participantes, o objecto e a forma como essas reuniões tinham decorrido e ainda informações sobre os contactos bilaterais. As recorrentes não tinham qualquer obrigação de responder às questões se se verificasse que as suas respostas as levariam a confessar a sua participação na presumível infracção. Contudo, responderam voluntariamente a esses pedidos, pelo que não podem alegar que, por isso, foi violado o seu direito a não se incriminarem.

333    Em segundo lugar, quanto à alegação das recorrentes de a Comissão não as ter informado do que lhes era imputado, há que lembrar, a título preliminar, a necessidade de uma relação entre as informações pedidas pela Comissão ao abrigo do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 e a infracção investigada, mencionada no pedido. Com efeito, o artigo 11.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17 habilita a Comissão a recolher, nomeadamente junto das empresas, «todas as informações necessárias» para poder aplicar os princípios consagrados nos artigos 81.° CE e 82.° CE. Por outro lado, o artigo 11.° do Regulamento n.° 17 dispõe, no n.° 3, que, no pedido de informações, a Comissão deve indicar, nomeadamente, «os fundamentos jurídicos e o objectivo do pedido». Resulta, assim, da conjugação dos n.os 1 e 3 do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 e das exigências relativas ao respeito dos direitos de defesa das empresas em causa que o critério da necessidade, previsto no artigo 11.° do Regulamento n.° 17, deve ser apreciado em função da finalidade da investigação, tal como obrigatoriamente precisado no próprio pedido de informações. Com efeito, tal como o Tribunal de Justiça já decidiu sobre uma disposição comparável ao artigo 11.° do Regulamento n.° 17, no acórdão de 21 de Setembro de 1989, Hoechst/Comissão (46/87 e 227/88, Colect., p. 2859, n.° 29), relativo aos poderes de investigação conferidos à Comissão pelo artigo 14.° do Regulamento n.° 17, a obrigação de a Comissão indicar o objecto e o objectivo da investigação constitui uma exigência fundamental para não só revelar a justificação da intervenção prevista nas empresas mas também dar‑lhes a possibilidade de determinarem o alcance do seu dever de colaboração, preservando embora os seus direitos de defesa. Daí resulta que a Comissão só pode exigir a comunicação de informações susceptíveis de lhe permitir investigar as suspeitas de infracção que justificam o processamento do inquérito e estejam indicadas no pedido de informações (acórdãos do Tribunal Geral de 12 de Dezembro de 1991, SEP/Comissão, T‑39/90, Colect., p. II‑1497, n.° 25, e de 8 de Março de 1995, Société Générale/Comissão, T‑34/93, Colect., p. II‑545, n.os 40, 62 e 63).

334    Resulta dessa jurisprudência que, no seu pedido de informações, a Comissão não tem de imputar expressamente as suspeitas de infracção às empresas em causa, pelo que, nessa fase, não tem de informar a empresa de que é arguida. Com efeito, desde que a Comissão indique claramente os fundamentos jurídicos e o objectivo do pedido, há que considerar que os direitos de defesa da empresa em causa foram garantidos.

335    No caso, a Comissão cumpriu perfeitamente as suas obrigações ao indicar claramente, nos pedidos de informações acima referidos, o objecto e o objectivo do pedido.

336    A esse respeito e em terceiro lugar, é também irrelevante a alegação das recorrentes de que a Comissão não lhes deu a conhecer certas informações na sua posse. Com efeito, em sede de procedimento administrativo em matéria de concorrência, é o envio da comunicação de acusações, por um lado, e o acesso ao processo que permita ao destinatário dessa comunicação tomar conhecimento das provas que constam do processo da Comissão, por outro, o que assegura os direitos de defesa e o direito a um processo equitativo da empresa em causa. Com efeito, é pela comunicação de acusações que a empresa em causa é informada de todos os elementos essenciais em que a Comissão se baseia nessa fase do procedimento. Por conseguinte, só após o envio dessa comunicação pode a empresa em causa fazer valer plenamente os direitos de defesa. Se os direitos de defesa fossem extensivos ao período anterior ao envio da comunicação de acusações, a eficácia da investigação da Comissão ficaria comprometida, pois a empresa poderia, logo na primeira fase da investigação da Comissão, identificar as informações do conhecimento da Comissão e, portanto, as que ainda poderiam ser‑lhe escondidas (acórdão do Tribunal de Justiça, Dalmine/Comissão, referido no n.° 260 supra, n.os 58 a 60).

337    Em quarto lugar, as recorrentes reivindicam erradamente o direito a uma redução suplementar do montante da coima com base na cooperação, por terem respondido ao pedido de informações fornecendo informações «bem além» daquelas que lhe podiam ser exigidas nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17.

338    Devido à cooperação prestada pelas recorrentes no inquérito relativo aos dois cartéis, as coimas aplicadas foram reduzidas em 15%, por aplicação do ponto D 2, primeiro e segundo travessões, da comunicação sobre a cooperação. Com efeito, a Comissão considerou que as recorrentes transmitiram informações e documentos que tinham contribuído materialmente para a prova da existência da infracção e admitiram, nomeadamente, ter participado em reuniões com os seus concorrentes, para trocar, discutir ou mesmo manter os preços. Por outro lado, não impugnaram substancialmente os factos em que a Comissão baseou as suas acusações (considerandos 390 a 397 e 460 a 463 da decisão recorrida).

339    Por um lado, há que lembrar que uma redução da coima com base na cooperação durante o procedimento administrativo só se justifica se o comportamento da empresa em causa tiver permitido à Comissão apurar a existência de uma infracção com menos dificuldade e, tal sendo caso, pôr‑lhe termo (acórdãos do Tribunal Geral de 14 de Maio de 1998, SCA Holding/Comissão, T‑327/94, Colect., p. II‑1373, n.° 156, e de 13 de Dezembro de 2001, Krupp Thyssen Stainless e Acciai speciali Terni/Comissão, T‑45/98 e T‑47/98, Colect., p. II‑3757, n.° 270).

340    Por outro lado, a colaboração de uma empresa na investigação não dá origem a uma redução da coima quando essa colaboração não ultrapassar o que resulta das obrigações que lhe incumbem por força do artigo 11.°, n.os 4 e 5, do Regulamento n.° 17 (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 10 de Março de 1992, Solvay/Comissão, T‑12/89, Colect., p. II‑907, n.os 341 e 342). Em contrapartida, no caso de uma empresa que, em resposta a um pedido nos termos do artigo 11.°, presta informações que vão muito além daquelas que podem ser exigidas pela Comissão por força desse mesmo artigo, a empresa em causa pode beneficiar de uma redução da coima (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 14 de Maio de 1998, Cascades/Comissão, T‑308/94, Colect., p. II‑925, n.° 262).

341    Não deixa de ser verdade que é o teor das informações transmitidas à Comissão que deve determinar se as recorrentes transmitiram efectivamente informações bem além daquelas que a Comissão lhes podia exigir.

342    Ora, as recorrentes não demonstraram de que modo as informações transmitidas iam, quanto ao seu teor, bem além do que a Comissão podia exigir.

343    Além disso, cumpre observar que as recorrentes não admitiram todos os elementos em que a Comissão baseou a decisão recorrida. Com efeito, há que referir, nomeadamente, que a Cousin afirmou ter sempre continuado a fazer as suas ofertas de produtos sem ter as discussões em conta em momento algum e que a Amann contestou a duração da infracção.

344    Portanto, a redução de 15% da coima das recorrentes revela‑se justificada em face das circunstâncias do caso. Assim, o argumento relativo à insuficiência da redução de 15%, comparada com a de 50% concedida à Coats, deve também ser rejeitado.

345    Improcede, portanto, este fundamento.

346    Resulta do exposto que há que negar provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

347    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená‑las nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Amann & Söhne GmbH & Co. KG e a Cousin Filterie SAS são condenadas nas despesas.

Vilaras

Prek

Ciucă

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 28 de Abril de 2010.

Assinaturas

Índice


Antecedentes do litígio

A –  Objecto do litígio

B –  Procedimento administrativo

C –  Decisão recorrida

1.  Mercados em causa

a)  Mercados de produtos

b)  Mercados geográficos

2.  Dimensão e estrutura dos mercados em causa

3.  Descrição dos comportamentos ilícitos

4.  Dispositivo da decisão recorrida

Tramitação do processo e pedidos das partes

Questão de direito

A –  Quanto ao fundamento de anulação da decisão recorrida, invocado pelas recorrentes, relativo à violação do artigo 7.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 1/2003

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal

a)  Quanto à distinção dos mercados de produtos e geográficos

b)  Quanto à alegada existência de um «plano de conjunto»

B –  Quanto aos fundamentos de redução da coima

1.  Quanto ao fundamento, invocado pelas recorrentes, relativo à inobservância do limite máximo da sanção, previsto no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

Quanto à violação do princípio nulla poena sine lege e à questão de ilegalidade do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003

Quanto à alegação relativa à obrigação de aplicar uma coima única por várias infracções

Quanto à alegação relativa à inobservância dos objectivos legais da sanção

2.  Quanto ao fundamento, invocado pelas recorrentes, relativo à violação dos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade na aplicação da coima

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

Quanto à violação do princípio da proporcionalidade

–  Quanto ao argumento de não se ter tido em conta a dimensão do mercado

–  Quanto ao argumento relativo a ter sido tido em conta exclusivamente o volume de negócios nos mercados afectados pelas infracções

–  Quanto ao «sistema de taxa fixa» previsto nas orientações

–  Quanto ao facto de não ter sido tida em conta a situação das recorrentes como «médias empresas»

Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento

3.  Quanto ao fundamento, invocado pela Amann, relativo à fixação errada do montante de partida da coima aplicada pelo cartel do fio industrial

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

4.  Quanto ao fundamento, invocado pela Amann, relativo ao cálculo errado da duração da infracção no mercado do fio industrial

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

5.  Quanto ao fundamento, invocado pela Amann, relativo ao facto de não terem sido tidas em conta certas circunstâncias atenuantes relativas à infracção no mercado do fio industrial

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

6.  Quanto ao fundamento, invocado pelas recorrentes, relativo ao cálculo errado do montante de partida e do montante de base da coima aplicada pela infracção no mercado do fio destinado à indústria automóvel

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

7.  Quanto ao fundamento, invocado pelas recorrentes, relativo a alegadamente não ter sido tomada em conta a não execução do acordo relativo ao fio destinado à indústria automóvel

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

8.  Quanto ao fundamento relativo à violação do direito de audiência e dos direitos de defesa

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

Quanto à alegada violação do direito de audiência

Quanto à alegada violação dos direitos de defesa, nomeadamente do princípio da proibição da auto‑incriminação

Quanto às despesas


* Língua do processo: alemão.

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