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Document 62005CJ0456
Judgment of the Court (Third Chamber) of 6 December 2007. # Commission of the European Communities v Federal Republic of Germany. # Failure of a Member State to fulfil obligations - Article 43 EC- Psychotherapists admitted to practise - System of quotas - Derogating transitional rules - Proportionality - Admissibility. # Case C-456/05.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 6 de Dezembro de 2007.
Comissão das Comunidades Europeias contra República Federal da Alemanha.
Incumprimento de Estado - Artigo 43.º CE - Psicoterapeutas convencionados - Sistema de quotas - Regras transitórias derrogatórias - Proporcionalidade - Admissibilidade.
Processo C-456/05.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 6 de Dezembro de 2007.
Comissão das Comunidades Europeias contra República Federal da Alemanha.
Incumprimento de Estado - Artigo 43.º CE - Psicoterapeutas convencionados - Sistema de quotas - Regras transitórias derrogatórias - Proporcionalidade - Admissibilidade.
Processo C-456/05.
Colectânea de Jurisprudência 2007 I-10517
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2007:755
Processo C‑456/05
Comissão das Comunidades Europeias
contra
República Federal da Alemanha
«Incumprimento de Estado – Artigo 43.° CE – Psicoterapeutas convencionados – Sistema de quotas – Regras transitórias derrogatórias – Proporcionalidade – Admissibilidade»
Conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi apresentadas em 28 de Junho de 2007
Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 6 de Dezembro de 2007
Sumário do acórdão
1. Acção por incumprimento – Objecto do litígio
(Artigo 226.° CE)
2. Livre circulação de pessoas – Liberdade de estabelecimento – Restrições – Legislação nacional relativa ao exercício das profissões de saúde
(Artigos 12.° CE e 43.° CE)
1. É admissível uma acção por incumprimento tendo por objecto uma reserva de aplicação da disposições transitórias que permitem apenas aos psicoterapeutas que tenham exercido numa região de um Estado‑Membro, no âmbito das caixas de seguro de doença desse Estado‑Membro, durante o período de referência, exercer a sua actividade sob o regime convencionado e recusam dar a mesma possibilidade aos psicoterapeutas que tenham exercido a sua actividade, durante o mesmo período, fora desse Estado‑Membro, no âmbito das caixas de seguro de doença de outro Estado‑Membro, dado que a impossibilidade de estes últimos beneficiarem das disposições transitórias não está limitada no tempo, assumindo, pelo contrário, carácter permanente e se mantinha, nomeadamente, quando terminou o prazo fixado no parecer fundamentado.
(cf. n.os 17‑20)
2. Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 43.° CE um Estado‑Membro que reserva as disposições transitórias ou «direitos adquiridos», que permitem aos psicoterapeutas beneficiar de uma autorização ou de uma habilitação concedidas independentemente do regime convencionado em vigor, apenas aos psicoterapeutas que tenham exercido a sua actividade numa região deste Estado‑Membro, no âmbito das caixas de seguro de doença nacionais e não toma em consideração a actividade profissional comparável ou semelhante exercida por psicoterapeutas noutros Estados‑Membros. Efectivamente, o requisito de ter exercido a actividade de psicoterapeuta numa região do Estado‑Membro em causa no âmbito do regime convencionado desse Estado‑Membro, ainda que aplicável indistintamente, subordina a atribuição de um direito ao preenchimento de um requisito de residência numa região deste Estado‑Membro e favorece assim os cidadãos nacionais em detrimento dos nacionais de outros Estados‑Membros, de maneira contrária ao princípio da não discriminação enunciado no artigo 12.° CE
Esta restrição à liberdade de estabelecimento das pessoas singulares não pode ser justificada pelo objectivo da protecção de um direito adquirido, a saber, o facto de ter uma clientela de doentes após vários anos de actividade profissional, na medida em que ultrapassa o que é necessário para alcançar esse objectivo.
(cf. n.os 56, 57, 63, 65, 73, 76, disp.)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)
6 de Dezembro de 2007 (*)
«Incumprimento de Estado – Artigo 43.° CE – Psicoterapeutas convencionados – Sistema de quotas – Regras transitórias derrogatórias – Proporcionalidade – Admissibilidade»
No processo C‑456/05,
que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 23 de Dezembro de 2005,
Comissão das Comunidades Europeias, representada por H. Støvlbæk e S. Grünheid, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
demandante,
contra
República Federal da Alemanha, representada por M. Lumma e U. Forsthoff, na qualidade de agentes,
demandada,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),
composto por: A. Rosas, presidente de secção, U. Lõhmus, J. Klučka, A. Ó Caoimh e P. Lindh (relatora), juízes,
advogado‑geral: P. Mengozzi,
secretário: R. Grass,
vistos os autos,
ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 28 de Junho de 2007,
profere o presente
Acórdão
1 Com a sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao reservar as disposições transitórias ou «direitos adquiridos», que permitem aos psicoterapeutas beneficiar de uma autorização ou de uma habilitação concedidas independentemente do regime convencionado em vigor, aos psicoterapeutas que tenham exercido a sua actividade no âmbito das caixas de seguro de doença alemãs, e ao não tomar em consideração a actividade profissional comparável ou semelhante exercida por psicoterapeutas noutros Estados‑Membros, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 43.° CE.
Quadro jurídico
2 A lei relativa às profissões de psicoterapeuta‑psicólogo e de psicoterapeuta especialista em crianças e adolescentes, que altera o livro V do Código Social (a seguir «SGB V») e outras leis (Gesetz über die Berufe des Psychologischen Psychotherapeuten und des Kinder‑ und Jugendlichenpsychotherapeuten, zur Änderung des Fünften Buches Sozialgesetzbuch und anderer Gesetze), de 16 de Junho de 1998 (BGBl 1998 I, p. 1311, a seguir «lei sobre os psicoterapeutas»), rege o acesso ao exercício das profissões de saúde de «psicoterapeuta‑psicólogo» e de «psicoterapeuta especialista em crianças e adolescentes» (parte profissional, § 1, intitulado «[lei sobre os psicoterapeutas]») e a incorporação de novas profissões de saúde no regime do seguro de doença obrigatório (parte relativa ao seguro de doença, § 2, intitulado «modificação do [SGB V]»).
3 A lei sobre os psicoterapeutas prevê que, a partir de 1 de Janeiro de 1999, os psicoterapeutas que desejem exercer sob o regime convencionado estão sujeitos a um sistema de quotas por região. O psicoterapeuta que se instale numa região apenas pode exercer sob o regime convencionado se os psicoterapeutas que exercem nessa região não excederem um certo número, correspondente àquele de que a região necessita.
4 Todavia, a lei sobre os psicoterapeutas contém disposições por força das quais, mesmo que o número de psicoterapeutas de que uma região necessita seja ultrapassado, aqueles que já estejam instalados na referida região e que exerçam sob o sistema convencionado podem continuar a beneficiar desse regime se preencherem os requisitos previstos no § 95, n.os 10 e 11, do SGB V (a seguir «disposições transitórias»).
5 Este § 95, n.° 10, relativo às autorizações concedidas aos psicoterapeutas, tem a seguinte redacção:
«Estão autorizados a dispensar cuidados convencionados os psicoterapeutas que:
1. até 31 de Dezembro de 1998 preencham os requisitos de habilitação, nos termos do § 12 da lei sobre os psicoterapeutas, e de qualificação, nos termos do § 95 c, segundo parágrafo, ponto 3, do SGB V, e tenham apresentado um pedido de autorização;
2. entreguem o documento de habilitação antes de 31 de Março de 1999;
3. tenham participado, no período entre 25 de Junho de 1994 e 24 de Junho de 1997, no tratamento psicoterapêutico ambulatório dos segurados das caixas de seguro obrigatório de doença.
A comissão de autorização deve pronunciar‑se sobre os pedidos de autorização antes de 30 de Abril de 1999.»
6 As disposições do referido § 95, n.° 11, relativas às habilitações concedidas aos psicoterapeutas, prevêem:
«Estão habilitados a dispensar cuidados convencionados os psicoterapeutas que:
1. até 31 de Dezembro de 1998 preencham os requisitos de habilitação, nos termos do § 12 da lei sobre os psicoterapeutas, […] e tenham apresentado um pedido de qualificação complementar;
2. entreguem o documento de habilitação antes de 31 de Março de 1999;
3. tenham participado, no período entre 25 de Junho de 1994 e 24 de Junho de 1997, no tratamento psicoterapêutico ambulatório dos segurados das caixas de seguro obrigatório de doença.
A comissão de autorização deve pronunciar‑se sobre os pedidos de autorização, antes de 30 de Abril de 1999.»
7 A expressão «tenham participado», no período entre 25 de Junho de 1994 e 24 de Junho de 1997 (a seguir «período de referência»), no tratamento psicoterapêutico ambulatório dos segurados das caixas de seguro obrigatório de doença, previsto no § 95, n.os 10, ponto 3, e 11, ponto 3, do SGB V, foi interpretada pelo Bundessozialgericht num acórdão de 8 de Novembro de 2000 (B 6 KA 52/00 R, a seguir «acórdão de 8 de Novembro de 2000»). Segundo este, considera‑se que um psicoterapeuta preenche o requisito constante dos referidos números quando tenha efectuado 250 horas de tratamentos no decurso do período de referência, durante um lapso de tempo ininterrupto de seis a doze meses. Além disso, o local onde este número de horas foi efectuado deve ser idêntico àquele para o qual foi apresentado o pedido de autorização.
Fase pré‑contenciosa
8 A Comissão accionou o procedimento por incumprimento previsto no artigo 226.° CE pelo envio, em 30 de Outubro de 2000, de uma notificação para cumprir, à República Federal da Alemanha, na qual sustenta que as disposições transitórias são contrárias ao artigo 43.° CE. Segundo a Comissão, este Estado‑Membro violou as obrigações que lhe incumbem por força deste artigo, ao considerar unicamente como actividade anterior digna de protecção a actividade profissional exercida por conta do seguro de doença obrigatório alemão, com exclusão de qualquer actividade profissional comparável ou semelhante exercida noutro Estado‑Membro.
9 A República Federal da Alemanha apresentou as suas observações em resposta a esta notificação para cumprir, por carta de 12 de Janeiro de 2001.
10 Não tendo ficado satisfeita com esta resposta, a Comissão emitiu, em 21 de Dezembro de 2001, um parecer fundamentado, convidando este Estado‑Membro a tomar as medidas necessárias para lhe dar cumprimento no prazo de dois meses a contar da sua recepção.
11 Por carta de 20 de Março de 2002, a República Federal da Alemanha respondeu a este parecer fundamentado, reiterando o seu desacordo com a posição da Comissão.
12 Não se considerando satisfeita com esta resposta, a Comissão intentou a presente acção.
Quanto à acção
Quanto à admissibilidade
13 A República Federal da Alemanha suscita uma excepção de inadmissibilidade baseada em quatro fundamentos, a saber:
– a inexistência de violação actual do Tratado CE;
– a natureza marginal do incumprimento imputado;
– a falta de interesse em agir; e
– a extensão do objecto do litígio.
Quanto à inexistência de violação actual do Tratado
14 A República Federal da Alemanha alega que a acção não é dirigida contra uma violação actual das regras do Tratado, mas que diz respeito apenas a factos passados, situados entre 1 de Janeiro de 1997 e 31 de Dezembro de 1998. Salienta que, desde há aproximadamente sete anos, nenhuma decisão de autorização ou de habilitação pode ser adoptada com fundamento nas disposições transitórias. Assim, considera que não subsiste nenhum incumprimento susceptível de constituir objecto de uma acção nos termos do artigo 226.° CE.
15 Há que recordar que, segundo jurisprudência assente, a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro, tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado (v., nomeadamente, acórdão de 27 de Outubro de 2005, Comissão/Itália, C‑525/03, Colect., p. I‑9405, n.° 14).
16 Por conseguinte, importa verificar se, nessa data, a legislação controvertida continuava a produzir efeitos (v., neste sentido, acórdãos de 10 de Abril de 2003, Comissão/Alemanha, C‑20/01 e C‑28/01, Colect., p. I‑3609, n.os 34 e 37; de 9 de Setembro de 2004, Comissão/Alemanha, C‑125/03, ainda não publicado na Colectânea, n.os 12 e 13; e Comissão/Itália, já referido, n.° 16).
17 A este respeito, saliente‑se que a acção da Comissão visa as disposições transitórias ou «direitos adquiridos» na medida em que reservam aos psicoterapeutas que tenham exercido numa região da Alemanha, no âmbito das caixas de seguro de doença alemãs, durante o período de referência, a possibilidade de exercer a sua actividade sob o regime convencionado e recusam dar a mesma possibilidade aos psicoterapeutas que tenham exercido a sua actividade, durante o mesmo período, fora da Alemanha, no âmbito das caixas de seguro de doença de outro Estado‑Membro.
18 Ora, há que reconhecer que a impossibilidade de estes últimos beneficiarem das disposições transitórias não está limitada no tempo. Pelo contrário, assume carácter permanente e mantinha‑se, nomeadamente, quando terminou o prazo fixado no parecer fundamentado.
19 Esta situação distingue‑se da que estava em causa no processo que deu lugar ao acórdão Comissão/Itália, já referido. Com efeito, como resulta do n.° 16 do referido acórdão, a acção por incumprimento tinha por objecto um único despacho, o qual já não era aplicável no momento em que expirou o prazo estabelecido no parecer fundamentado, e não os contratos que tinham sido celebrados com base neste. Em contrapartida, a presente acção é dirigida contra o facto de as disposições transitórias serem reservadas aos psicoterapeutas que tenham exercido a sua actividade numa região da Alemanha, no âmbito das caixas de seguro de doença alemãs, e de não se tomar em consideração a actividade profissional comparável ou semelhante exercida por psicoterapeutas noutros Estados‑Membros.
20 Daí resulta que as disposições transitórias em causa no presente processo continuavam a produzir efeitos na data pertinente para a apreciação da admissibilidade da acção e que, por conseguinte, a primeira excepção de inadmissibilidade deve ser julgada improcedente.
Quanto à natureza marginal do incumprimento imputado
21 A República Federal da Alemanha sustenta que, na hipótese de ser declarada a violação das regras do Tratado, esta apresenta, de qualquer modo, uma natureza marginal, pelo que não pode justificar uma acção por incumprimento.
22 A este respeito, há que recordar que, nos termos do procedimento previsto no artigo 226.° CE, a Comissão pode recorrer ao Tribunal de Justiça se considerar que um Estado‑Membro não cumpriu qualquer das obrigações que lhe incumbem por força do Tratado. Este artigo não contém nenhuma condição respeitante ao grau de gravidade do incumprimento. Como resulta de jurisprudência assente, é à Comissão que compete apreciar a oportunidade da propositura da acção contra um Estado‑Membro, indicar as disposições alegadamente violadas e escolher o momento em que dá início ao procedimento por incumprimento, pelo que as considerações que determinam esta escolha não podem afectar a admissibilidade da acção (v. acórdão de 8 de Dezembro de 2005, Comissão/Luxemburgo, C‑33/04, Colect., p. I‑10629, n.° 66). Daqui resulta que qualquer violação do Tratado, seja qual for a sua gravidade, pode ser objecto de uma acção nos termos do referido artigo.
23 Por conseguinte, a excepção de inadmissibilidade relativa à natureza alegadamente marginal do incumprimento deve ser julgada improcedente.
Quanto à falta de interesse em agir
24 Segundo a República Federal da Alemanha, a Comissão não tem interesse em agir no presente processo. Com a sua acção, pretende, na realidade, apoiar os interesses dos dois psicoterapeutas austríacos, cuja situação expõe, que se opuseram às autoridades nacionais e estão na origem de litígios ainda pendentes nos órgãos jurisdicionais nacionais. A Comissão apoia, assim, os interesses de particulares contra um Estado‑Membro. Ora, estes últimos dispõem da possibilidade de desencadear os meios de acção que lhes são próprios perante os órgãos jurisdicionais nacionais.
25 A este respeito, basta recordar que, no âmbito das competências de que dispõe ao abrigo do artigo 226.° CE, a Comissão não é obrigada a demonstrar a existência de interesse em agir. Com efeito, incumbe à Comissão velar oficiosamente e no interesse geral pela aplicação do direito comunitário pelos Estados‑Membros e obter a declaração da existência de eventuais incumprimentos das obrigações dele derivadas, tendo como objectivo a sua cessação (v. acórdão Comissão/Luxemburgo, já referido, n.° 65). Além disso, como foi recordado no n.° 22 do presente acórdão, é à Comissão que compete apreciar a oportunidade da propositura da acção contra um Estado‑Membro.
26 Por conseguinte, a excepção de inadmissibilidade relativa à falta de interesse em agir deve ser julgada improcedente.
Quanto à extensão do objecto do litígio
27 A República Federal da Alemanha alega também que a Comissão defende, pela primeira vez na fase da propositura da acção, que as disposições transitórias são susceptíveis de infringir a liberdade de estabelecimento dos psicoterapeutas estabelecidos na Alemanha, na medida em que se afiguram constituir um obstáculo à deslocação destes últimos para outro Estado‑Membro durante o período de referência. O argumento da Comissão constitui uma extensão do objecto do litígio tal como delimitado na fase pré‑contenciosa e é, por conseguinte, inadmissível.
28 Há que referir que, por carta de 10 de Novembro de 1999 dirigida à República Federal da Alemanha e à qual a notificação para cumprir se refere, os serviços competentes da Comissão já tinham comunicado a este Estado‑Membro as suas dúvidas quanto à compatibilidade das disposições transitórias com as regras do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento, na medida em que não previam que as autoridades alemãs competentes tenham em consideração a actividade exercida por psicoterapeutas no âmbito do seguro obrigatório de outros Estados‑Membros. Na notificação para cumprir, é também feita referência, genericamente, à não tomada em consideração da actividade exercida fora do âmbito do seguro obrigatório na Alemanha. É forçoso concluir que tal acusação era susceptível de dizer respeito tanto aos psicoterapeutas originários de outros Estados‑Membros como aos psicoterapeutas originários da Alemanha que se estabeleceram noutros Estados‑Membros.
29 Por conseguinte, embora os argumentos da Comissão apresentados na fase pré‑contenciosa apenas visassem a restrição à liberdade de estabelecimento dos psicoterapeutas originários de outros Estados‑Membros, a menção expressa, na fase da propositura da acção, de uma violação à liberdade de estabelecimento de certos psicoterapeutas originários da Alemanha não constitui um fundamento novo, distinto do que foi inicialmente suscitado, mas simplesmente um desenvolvimento deste.
30 Importa, por conseguinte, julgar improcedente a excepção de inadmissibilidade relativa à extensão do objecto do litígio.
31 Sendo julgados improcedentes todos os fundamentos de inadmissibilidade, há que examinar o mérito da acção.
Quanto ao mérito
Argumentação das partes
32 A Comissão sustenta que a redacção das disposições transitórias revela uma restrição à liberdade de estabelecimento.
33 Estas disposições constituem uma derrogação do regime de quotas, do qual apenas podem beneficiar os psicoterapeutas que, durante o período de referência, tenham tratado doentes no âmbito do seguro de doença obrigatório alemão. Em contrapartida, os psicoterapeutas que tenham dispensado cuidados no âmbito do seguro de doença obrigatório de outro Estado‑Membro, durante esse período, não podem beneficiar desta derrogação.
34 São, por conseguinte, excluídos do benefício das disposições transitórias todos os psicoterapeutas que se estabeleceram na Alemanha entre 1 de Janeiro de 1997 e o fim do período transitório, a saber, 31 de Dezembro de 1998, uma vez que, a partir de 1 de Janeiro de 1997, estes psicoterapeutas deixaram de preencher o requisito relativo à execução, no âmbito do regime de seguro obrigatório alemão, de 250 horas de trabalho ao longo de um período ininterrupto de pelo menos seis meses durante o período de referência. A Comissão sublinha, com efeito, que, a partir de 1 de Janeiro de 1997, faltavam menos de seis meses para o termo do período de referência, fixado em 24 de Junho de 1997.
35 Esta exclusão afecta principalmente os psicoterapeutas estabelecidos noutros Estados‑Membros, que fizeram uso do direito à liberdade de estabelecimento instalando‑se na Alemanha entre 1 de Janeiro de 1997 e 31 de Dezembro de 1998. Afecta igualmente os psicoterapeutas estabelecidos na Alemanha, que tenham feito uso do seu direito à liberdade de estabelecimento instalando‑se noutro Estado‑Membro durante o período de referência e que tenham regressado à Alemanha antes de 1 de Janeiro de 1999.
36 A Comissão ilustra a referida exclusão baseando‑se na situação de dois psicoterapeutas austríacos que se instalaram na Alemanha, respectivamente, em 1 de Janeiro e 1 de Outubro de 1998, em regiões onde a oferta de cuidados foi posteriormente considerada excedentária segundo a lei sobre os psicoterapeutas. A partir destas datas, os interessados trabalharam para o seguro de doença obrigatório alemão, mas não conseguiram obter autorização para exercer nas regiões da sua escolha como psicoterapeutas convencionados ao abrigo do § 95, n.° 10, do SGB V. A Comissão salienta que as autoridades alemãs não tiveram em consideração a experiência profissional destes psicoterapeutas no âmbito do regime austríaco convencionado durante o período de referência, experiência essa que correspondia, no entanto, em número de horas de tratamento, à exigida pela jurisprudência alemã.
37 Segundo a Comissão, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente, do acórdão de 7 de Maio de 1991, Vlassopoulou (C‑340/89, Colect., p. I‑2357), que a actividade exercida por estes psicoterapeutas noutros Estados‑Membros, no âmbito da segurança social destes Estados‑Membros, deve ser tomada em consideração para verificar se podem beneficiar das disposições transitórias.
38 A circunstância de as disposições que são objecto da presente acção por incumprimento constituírem medidas transitórias que se destinam a proteger direitos adquiridos não dispensa a República Federal da Alemanha da obrigação de respeitar as regras do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento. No caso em apreço, a aplicação das disposições transitórias a certos psicoterapeutas estabelecidos noutros Estados‑Membros não põe em perigo o objectivo visado nestas últimas. O facto de limitar o benefício destas disposições aos psicoterapeutas estabelecidos na Alemanha apresenta, por conseguinte, um carácter desproporcionado.
39 A Comissão acrescenta, subsidiariamente, que o carácter discriminatório das disposições transitórias relativas aos psicoterapeutas estabelecidos noutros Estados‑Membros é particularmente flagrante na medida em que o psicoterapeuta estabelecido na Alemanha não é obrigado, na prática, a já ter trabalhado na região onde se deseja instalar. Dito de outra forma, desde que tenha trabalhado no âmbito da segurança social alemã durante os anos em questão e que tenha efectuado o número de horas exigido, o psicoterapeuta estabelecido na Alemanha poderá pedir para beneficiar do convencionamento, ainda que se instale noutra região.
40 A República Federal da Alemanha alega que as disposições transitórias não são discriminatórias. Destinam‑se a proteger situações adquiridas, consideradas dignas de protecção, a saber, as dos psicoterapeutas instalados numa região da Alemanha, onde trabalharam durante um certo tempo sob o regime convencionado. O legislador certificou‑se de que essas pessoas não fossem obrigadas a mudar‑se e a perder a sua clientela. Resulta da própria natureza das situações em causa que estas apenas podem ser adquiridas no território alemão.
41 Este Estado‑Membro sublinha que, no seu acórdão de 8 de Novembro de 2000, o Bundessozialgericht interpretou as disposições transitórias no sentido de que se aplicam apenas a pessoas que desejem continuar a beneficiar do convencionamento na região da Alemanha onde já estavam instaladas, e não a pessoas que desejem mudar de região. Por conseguinte, considera que a Comissão sustenta, sem razão, que estas disposições se aplicam seja qual for a região na qual o psicoterapeuta alemão procura instalar‑se e deduz, erradamente, que o lugar, designadamente o Estado‑Membro no qual um tal trabalho convencionado foi executado, não deve ser determinante.
42 Segundo a República Federal da Alemanha, o acórdão Vlassopoulou, já referido, não é pertinente. O processo que esteve na origem desse acórdão tinha por objecto a não tomada em consideração da experiência profissional de advogados noutros Estados‑Membros. No caso em apreço, a experiência profissional adquirida noutro Estado‑Membro é inteiramente tomada em consideração para o exercício da actividade de psicoterapeuta na Alemanha, e a jurisprudência resultante do acórdão Vlassopoulou, já referido, é assim perfeitamente respeitada. O problema que se coloca é o de saber se, no âmbito da lei sobre os psicoterapeutas, um psicoterapeuta beneficia ou não de uma situação adquirida, digna de protecção, ou, dito de outra forma, se exerceu ou não a sua actividade profissional num local preciso, durante um dado período. O referido acórdão Vlassopoulou não diz respeito a este tipo de situação.
43 Este Estado‑Membro alega que, aquando da elaboração das disposições transitórias, não era necessário tomar em consideração a experiência adquirida por psicoterapeutas noutro Estado‑Membro, uma vez que uma actividade anterior, exercida fora da Alemanha, não era, precisamente, pertinente para efeitos da protecção dos direitos adquiridos. A apreciação da natureza proporcionada das disposições transitórias não deve, por conseguinte, depender da tomada em consideração destes psicoterapeutas.
44 A República Federal da Alemanha acrescenta que se, como defende a Comissão, se devesse estender o benefício da derrogação a psicoterapeutas provenientes de outros Estados‑Membros, tendo em conta as horas de trabalho convencionadas que efectuaram no Estado‑Membro de que são nacionais, estes últimos acabariam por ser favorecidos relativamente aos psicoterapeutas estabelecidos na Alemanha que não podem invocar as horas de trabalho convencionadas efectuadas fora da região para a qual solicitam uma autorização.
Apreciação do Tribunal de Justiça
– Consideração preliminar
45 Com vista a examinar a compatibilidade das disposições transitórias com o artigo 43.° CE, importa analisá‑las tendo em conta a interpretação que o Bundessozialgericht lhes deu no seu acórdão de 8 de Novembro de 2000.
46 A circunstância de estas disposições terem eventualmente sido aplicadas, de forma incorrecta, pelas autoridades alemãs, antes do presente acórdão, não é pertinente para efeitos de apreciação da sua validade.
47 Por conseguinte, há que tomar como ponto de partida a interpretação das disposições transitórias feita pelo Bundessozialgericht, segundo a qual a identidade entre o lugar onde o psicoterapeuta trabalhou durante o período de referência e aquele onde pretende exercer a partir de 1 de Janeiro de 1999 é uma condição necessária para se poder beneficiar da aplicação destas disposições.
Quanto ao alegado incumprimento
48 Na falta de harmonização das actividades de psicoterapeuta, os Estados‑Membros continuam, em princípio, a ser competentes para definir as condições de acesso às referidas actividades. Devem, todavia, exercer as suas competências neste domínio, respeitando as liberdades fundamentais, nomeadamente a liberdade de estabelecimento garantida pelo artigo 43.° CE (v., neste sentido, acórdãos de 3 de Outubro de 2000, Corsten, C‑58/98, Colect., p. I‑7919, n.° 31, e Vlassopoulou, já referido, n.° 9).
49 Segundo jurisprudência assente, este artigo opõe‑se a qualquer medida nacional que, embora aplicável sem discriminação em razão da nacionalidade, seja susceptível de afectar ou de tornar menos atractivo o exercício, pelos nacionais comunitários, incluindo os do Estado‑Membro autor da medida, das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado. Só assim não será se tal medida puder ser justificada por razões imperiosas de interesse geral, desde que seja adequada para garantir a realização do objectivo por ela prosseguido e não ultrapasse o necessário para alcançar esse objectivo (v., nomeadamente, acórdãos de 31 de Março de 1993, Kraus, C‑19/92, Colect., p. I‑1663, n.° 32; de 17 de Outubro de 2002, Payroll e o., C‑79/01, Colect., p. I‑8923, n.os 26 e 28; e de 21 de Abril de 2005, Comissão/Grécia, C‑140/03, Colect., p. I‑3177, n.os 27 e 34).
50 Há, por conseguinte, que verificar se as disposições transitórias constituem uma restrição à liberdade de estabelecimento e, nessa eventualidade, se essa restrição pode ser justificada.
– Quanto à existência de uma restrição à liberdade de estabelecimento
51 Reportando‑se, nomeadamente, ao acórdão Vlassopoulou, já referido, a Comissão sustenta que as disposições transitórias violam a liberdade de estabelecimento na medida em que não têm em conta a experiência profissional adquirida, durante o período de referência, pelos psicoterapeutas estabelecidos noutros Estados‑Membros no âmbito do regime convencionado desses Estados.
52 A este respeito, é pacífico que os psicoterapeutas estabelecidos fora do território alemão, que exerceram a sua actividade profissional no âmbito de caixas de seguro de doença diferentes das caixas de seguro de doença alemãs e que transferiram o seu consultório para a Alemanha entre 1 de Janeiro de 1997 e 31 de Dezembro de 1998, não podem beneficiar da derrogação prevista nas disposições transitórias. Além disso, os psicoterapeutas estabelecidos na Alemanha, que exerceram a sua actividade profissional no quadro das caixas de seguro de doença de outro Estado‑Membro antes de regressar à Alemanha entre estas duas datas, também deparam com esta impossibilidade. Em ambas as situações, a experiência adquirida no âmbito do regime convencionado de outro Estado‑Membro não é tomada em consideração.
53 Se, à semelhança dos dois psicoterapeutas austríacos citados pela Comissão, estes psicoterapeutas tiverem optado por se instalar numa região da Alemanha onde as quotas máximas resultantes da lei sobre os psicoterapeutas estão ultrapassadas, não podem continuar a exercer a sua actividade profissional sob o regime convencionado. Ora, não podendo beneficiar deste regime, apenas podem contar com uma clientela privada e prestar cuidados que não são reembolsados pelo seguro de doença obrigatório, o que pode limitar de maneira significativa a sua actividade profissional, ou mesmo obrigá‑los a cessar a mesma.
54 As disposições transitórias aplicam‑se, na verdade, a todos os psicoterapeutas, independentemente da sua nacionalidade, de modo que os psicoterapeutas estabelecidos na Alemanha são afectados por estas disposições da mesma forma que os psicoterapeutas estabelecidos noutros Estados‑Membros se tiverem mudado de região e se se tiverem instalado, entre 1 de Janeiro de 1997 e 31 de Dezembro de 1998, numa região da Alemanha onde as quotas foram ultrapassadas. Todavia, é forçoso reconhecer que a dupla exigência que consiste em os interessados, por um lado, terem exercido a sua actividade numa região da Alemanha, no âmbito do regime convencionado alemão, durante o período de referência e, por outro, terem de apresentar um pedido de autorização para esta mesma região é, por natureza, susceptível de ser mais benéfica para os psicoterapeutas estabelecidos na Alemanha do que para os estabelecidos noutros Estados‑Membros durante o mesmo período.
55 Desta forma, a exigência imposta pelas disposições transitórias desfavorece as pessoas que exerceram o seu direito à liberdade de estabelecimento e favorece, pelo contrário, aquelas que não deslocaram a sua actividade ou que o fizeram no interior de uma mesma região da Alemanha. Daqui resulta que esta exigência produz efeitos, em primeiro lugar, em detrimento dos psicoterapeutas estabelecidos em Estados‑Membros diferentes da República Federal da Alemanha, cuja experiência no âmbito do regime convencionado do seu Estado de origem é equivalente em número de horas e em duração à prevista nas disposições transitórias e que se estabeleceram na Alemanha entre 1 de Janeiro de 1997 e 31 de Dezembro de 1998 e, em segundo lugar, em detrimento dos psicoterapeutas estabelecidos na Alemanha que exerceram a sua actividade noutro Estado‑Membro durante o período de referência e se reinstalaram na Alemanha entre estas duas datas.
56 Há que recordar que o Tribunal de Justiça já considerou que uma lei, ainda que aplicável indistintamente, que subordinava a atribuição de um direito ao preenchimento de um requisito de residência numa região de um Estado‑Membro, favorecendo assim os cidadãos nacionais em detrimento dos cidadãos de outros Estados‑Membros, era contrária ao princípio da não discriminação enunciado no artigo 12.° CE (v., neste sentido, quanto ao direito de alegar na sua língua materna, acórdão de 24 de Novembro de 1998, Bickel e Franz, C‑274/96, Colect., p. I‑7637, n.° 26).
57 Deve considerar‑se, à luz deste acórdão, que o requisito que consiste em ter exercido a actividade de psicoterapeuta numa região da Alemanha no âmbito do regime convencionado alemão, que exige ter estado estabelecido numa região da Alemanha, constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento dos psicoterapeutas estabelecidos noutro Estado‑Membro.
58 No que diz respeito, mais especificamente, à segunda categoria de pessoas mencionada no n.° 55 do presente acórdão, a saber, os psicoterapeutas estabelecidos na Alemanha que exerceram o seu direito à liberdade de estabelecimento durante o período de referência, estabelecendo‑se noutro Estado‑Membro, há que recordar que o Tribunal de Justiça já decidiu que é incompatível com o direito à livre circulação que seja aplicado a um cidadão da União Europeia, no Estado‑Membro de que é nacional, um tratamento menos favorável do que aquele de que beneficiaria se não tivesse feito uso dos direitos conferidos pelo Tratado em matéria de livre circulação (acórdão de 11 de Julho de 2002, D’Hoop, C‑224/98, Colect., p. I‑6191, n.° 30; e, neste sentido, acórdão de 29 de Abril de 2004, Pusa, C‑224/02, Colect., p. I‑5763, n.° 20).
59 Este raciocínio é aplicável, por analogia, às pessoas que fizeram uso da sua liberdade de estabelecimento. Na medida em que as disposições transitórias têm por efeito tratar menos favoravelmente os psicoterapeutas estabelecidos na Alemanha que se instalaram fora deste Estado‑Membro durante o período de referência e que regressaram a este último antes de 1 de Janeiro de 1999 do que os que permaneceram no referido Estado‑Membro durante o mesmo período, há que declarar que estas disposições são incompatíveis com as disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento, a menos que possam ser justificadas.
60 Por conseguinte, a Comissão considerou acertadamente que as disposições transitórias constituem uma restrição à liberdade de estabelecimento dos psicoterapeutas comunitários, incluindo dos psicoterapeutas alemães.
61 Há que averiguar se estas disposições podem, todavia, ser justificadas.
– Quanto à existência de uma justificação
62 Segundo a República Federal da Alemanha, os psicoterapeutas estabelecidos numa região da Alemanha durante o período de referência, que constituíram uma clientela formada por pacientes abrangidos pelo seguro de doença obrigatório alemão, merecem uma protecção particular. Esta clientela constitui um direito adquirido. Importa, assim, que estes psicoterapeutas não sejam obrigados a fechar os seus consultórios a partir de 1 de Janeiro de 1999 e, por consequência, a perder a sua clientela.
63 Há que considerar que a protecção de um direito adquirido, a saber, o facto de ter uma clientela de doentes após vários anos de actividade profissional, constitui uma razão imperiosa de interesse geral. Um Estado‑Membro pode, com efeito, considerar necessário, em tal caso, graças à adopção de medidas apropriadas, proteger a clientela e, desse modo, a actividade dos profissionais visados.
64 As disposições transitórias, que introduzem uma derrogação à lei sobre os psicoterapeutas com vista a proteger as pessoas que estavam estabelecidas na Alemanha durante o período de referência e que exerceram no âmbito do regime convencionado alemão, devem ser consideradas aptas a preservar os direitos adquiridos destas pessoas, limitando o número de psicoterapeutas convencionados independentemente das necessidades.
65 Importa, contudo, que estas disposições não ultrapassem o que é necessário para alcançar esse objectivo (acórdão de 30 de Novembro de 1995, Gebhard, C‑55/94, Colect., p. I‑4165, n.° 37).
66 Para apreciar o carácter proporcionado ou não das disposições transitórias, há que verificar se é necessário, com vista a alcançar o referido objectivo, reservar estas disposições aos psicoterapeutas que tenham exercido a sua actividade no âmbito das caixas de seguro de doença alemãs durante o período de referência e não ter em conta uma actividade comparável exercida por psicoterapeutas no âmbito do regime convencionado de outros Estados‑Membros.
67 Dito de outra forma, há que examinar se a tomada em consideração da actividade destes últimos pôs em causa a finalidade das disposições derrogatórias.
68 É forçoso reconhecer, em primeiro lugar, que esta tomada em consideração não afectou a protecção dos direitos adquiridos dos psicoterapeutas estabelecidos na Alemanha durante o período de referência. Com efeito, traduziu‑se numa protecção de outros psicoterapeutas e não teve nenhum efeito na situação dos primeiros.
69 Em seguida, põe‑se a questão de saber se esta protecção terá posto em causa o objectivo de limitar o número de psicoterapeutas convencionados, independentemente das necessidades.
70 A este respeito, não se contesta que a referida protecção poderia ter tido como consequência o aumento do número de psicoterapeutas convencionados, independentemente das necessidades. Todavia, sendo admitida uma derrogação à lei sobre os psicoterapeutas, a fim de proteger psicoterapeutas estabelecidos na Alemanha antes da entrada em vigor da lei, a República Federal da Alemanha devia questionar‑se se era necessário fazer beneficiar desta derrogação apenas as pessoas estabelecidas no seu território durante o período de referência, excluindo todas as que estavam estabelecidas noutro Estado‑Membro durante este período. Com efeito, na medida em que estas últimas se limitaram a exercer o seu direito a uma liberdade fundamental, mereciam, em princípio, beneficiar igualmente de uma protecção da sua actividade convencionada na Alemanha. Apenas poderia ser de outro modo se esta protecção privasse as disposições transitórias da sua finalidade, ou seja, permitir a um número limitado de psicoterapeutas serem convencionados, independentemente das necessidades.
71 Ora, como alegou a Comissão e contrariamente à afirmação da República Federal da Alemanha, o número de psicoterapeutas visados era limitado. Com efeito, incluía os psicoterapeutas que se instalaram na Alemanha entre 1 de Janeiro de 1997 e 31 de Dezembro de 1998 e, de entre estes, os que exerceram, no âmbito das caixas de seguro de doença de outro Estado‑Membro, uma actividade comparável à exigida por força do § 95 do SGB V.
72 Importa igualmente concluir que a definição das disposições transitórias pelo legislador alemão não comporta um limiar numérico máximo. Ao exigir que os psicoterapeutas que pretendam invocar as disposições transitórias tenham exercido a sua actividade no âmbito das caixas de seguro de doença alemãs durante o período de referência, ou seja, um período de três anos, este legislador apenas delineou um quadro que podia incluir um número mais ou menos elevado de psicoterapeutas. Ora, a República Federal da Alemanha não apresentou nenhum elemento susceptível de indicar que a tomada em consideração dos psicoterapeutas que exerceram a sua actividade durante o mesmo período sob o regime do seguro de doença obrigatório de outros Estados‑Membros teria abrangido um número de pessoas tal que prejudicaria a finalidade das disposições transitórias.
73 Importa, por conseguinte, considerar que a não tomada em consideração de todos os psicoterapeutas que exerceram a sua actividade fora do sistema convencionado alemão durante o período de referência apresenta carácter desproporcionado.
74 A República Federal da Alemanha alega, por outro lado, que a aplicação das disposições transitórias a estes psicoterapeutas teria por efeito favorecer os psicoterapeutas estabelecidos noutros Estados‑Membros relativamente aos que se estabeleceram noutras regiões da Alemanha.
75 Este argumento, no entanto, não é determinante. A aplicação de condições diferentes a residentes de outros Estados‑Membros que invocam a liberdade de estabelecimento pode ser necessária, para que sejam respeitadas as regras relativas à liberdade de estabelecimento. Assim, ainda que os psicoterapeutas estabelecidos fora do território alemão durante o período de referência dispusessem de uma vantagem relativamente aos psicoterapeutas estabelecidos numa região da Alemanha durante este período e que, em seguida, mudaram de região, esta circunstância não bastaria para modificar a conclusão relativa ao carácter desproporcionado das disposições transitórias.
76 Do exposto resulta que, ao reservar as disposições transitórias ou «direitos adquiridos», que permitem aos psicoterapeutas beneficiar de uma autorização ou de uma habilitação concedidas independentemente do regime convencionado em vigor, aos psicoterapeutas que tenham exercido a sua actividade numa região da Alemanha, no âmbito das caixas de seguro de doença alemãs, e ao não tomar em consideração a actividade profissional comparável ou semelhante exercida por psicoterapeutas noutros Estados‑Membros, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 43.° CE.
Quanto às despesas
77 Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Federal da Alemanha e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide:
1) Ao reservar as disposições transitórias ou «direitos adquiridos», que permitem aos psicoterapeutas beneficiar de uma autorização ou de uma habilitação concedidas independentemente do regime convencionado em vigor, aos psicoterapeutas que tenham exercido a sua actividade numa região da Alemanha, no âmbito das caixas de seguro de doença alemãs, e ao não tomar em consideração a actividade profissional comparável ou semelhante exercida por psicoterapeutas noutros Estados‑Membros, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 43.° CE.
2) A República Federal da Alemanha é condenada nas despesas.
Assinaturas
* Língua do processo: alemão.