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Document 62005CJ0032

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 30 de Novembro de 2006.
Comissão das Comunidades Europeias contra Grão-Ducado do Luxemburgo.
Incumprimento de Estado - Ambiente - Directiva 2000/60/CE - Não comunicação das medidas de transposição - Obrigação de adoptar uma legislação-quadro ao nível do direito nacional - Inexistência - Transposição incompleta ou não transposição dos artigos 2.º, 7.º, n.º 2, e 14.º.
Processo C-32/05.

Colectânea de Jurisprudência 2006 I-11323

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2006:749

Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Parte decisória

Partes

No processo C‑32/05,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 31 de Janeiro de 2005,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por S. Pardo Quintillán e J. Hottiaux, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Grão‑Ducado do Luxemburgo, representado por S. Schreiner, na qualidade de agente, assistido por P. Kinsch, avocat,

demandado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Rosas, presidente de secção, A. Borg Barthet e A. Ó Caoimh (relator), juízes,

advogada‑geral: E. Sharpston,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 23 de Março de 2006,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 18 de Maio de 2006,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão

1. Com a sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, por não ter adoptado as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Directiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2000, que estabelece um quadro de acção comunitária no domínio da política da água (JO L 327, p. 1, a seguir «directiva»), com excepção dos artigos 3.°, n. os  1 a 3 e 5 a 7, e 7.°, n.° 3, e, de qualquer forma, por não lhe ter comunicado as referidas disposições, o Grão‑Ducado do Luxemburgo não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força desta directiva.

Quadro jurídico

Regulamentação comunitária

2. O décimo oitavo considerando da directiva dispõe:

«A política comunitária de água exige um enquadramento legal transparente, eficaz e coerente. A Comunidade deve definir princípios comuns e um enquadramento global para as suas acções. A presente directiva permitirá estabelecer esse enquadramento e irá coordenar, integrar e, a mais longo prazo, permitir o desenvolvimento dos princípios e estruturas globais necessários para a protecção e a utilização sustentável da água na Comunidade, segundo o princípio da subsidiariedade.»

3. Resulta do vigésimo nono considerando da directiva que, ao tentarem alcançar os objectivos previstos na mesma e ao estabelecerem um programa de medidas para o efeito, os Estados‑Membros podem fasear a execução do programa de medidas a fim de diluir os respectivos custos.

4. Nos termos do artigo 1.° da directiva, esta tem por objectivo «estabelecer um enquadramento para a protecção das águas de superfície interiores, das águas de transição, das águas costeiras e das águas subterrâneas».

5. O artigo 2.° da directiva define 41 conceitos relevantes para a directiva. Alguns destes conceitos dizem respeito às normas de qualidade da água que a directiva, em particular, o seu artigo 4.°, impõe que os Estados‑Membros respeitem. Os prazos em que estas normas devem ser respeitadas estão fixados, designadamente, nos artigos 4.° a 6.° e 8.° da directiva.

6. O artigo 3.° da directiva, cuja epígrafe é «Coordenação das disposições administrativas a aplicar nas regiões hidrográficas», tem a seguinte redacção:

«1. Os Estados‑Membros identificarão as bacias hidrográficas que se encontram no seu território e, para efeitos da presente directiva, incluirão cada uma delas numa região hidrográfica. […]

2. Os Estados‑Membros tomarão as disposições administrativas adequadas, incluindo a designação das autoridades competentes adequadas, para a aplicação das regras da presente directiva em cada região hidrográfica existente no seu território.

3. Os Estados‑Membros garantirão que uma bacia hidrográfica que abranja o território de mais de um Estado‑Membro seja incluída numa região hidrográfica internacional. A pedido dos Estados‑Membros interessados, a Comissão actuará para facilitar essa inclusão numa região hidrográfica internacional.

[…]

4. Os Estados‑Membros assegurarão que os requisitos previstos na presente directiva para a realização dos objectivos ambientais fixados no artigo 4.°, e em especial todos os programas de medidas, sejam coordenados para a totalidade da região hidrográfica. Para as regiões hidrográficas internacionais, os Estados‑Membros envolvidos assegurarão conjuntamente a referida coordenação, podendo para o efeito utilizar estruturas já existentes decorrentes de acordos internacionais. A pedido dos Estados‑Membros envolvidos, a Comissão actuará para facilitar o estabelecimento dos programas de medidas.

[…]

6. Para efeitos da presente directiva, os Estados‑Membros podem designar um organismo nacional ou internacional já existente como autoridade competente.

7. Os Estados‑Membros designarão a autoridade competente até à data prevista no artigo 24.°

[…]»

7. O artigo 4.° enuncia os objectivos ambientais que os Estados‑Membros estão obrigados a atingir ao tornar operacionais os programas de medidas especificados nos planos de gestão de bacias hidrográficas para as águas de superfície, as águas subterrâneas e as zonas protegidas. No essencial, exige‑se que os Estados‑Membros adoptem as medidas destinadas a evitar a deterioração da qualidade das referidas águas e das zonas protegidas e a melhorá‑la e restabelecê‑la nos níveis definidos nas disposições da directiva, em especial no artigo 2.° da mesma.

8. Em conformidade com o artigo 4.°, n.° 1, alínea c), da directiva, «[o]s Estados‑Membros darão cumprimento a quaisquer normas e objectivos o mais tardar 15 anos a contar da data de entrada em vigor da presente directiva, excepto nos casos em que a legislação comunitária ao abrigo da qual tenha sido criada uma determinada zona protegida preveja outras condições».

9. No que se refere às águas utilizadas para captação de água potável, o artigo 7.° da directiva enuncia:

«1. Os Estados‑Membros identificarão, dentro de cada região hidrográfica:

– todas as massas de água destinadas à captação de água para consumo humano que forneçam mais de 10 m 3 por dia, em média, ou que sirvam mais de 50 pessoas, e

– as massas de água previstas para esse fim.

Os Estados‑Membros monitorizarão, nos termos do anexo V, as massas de água que, nos termos do anexo V, forneçam mais de 100 m 3 por dia, em média.

2. Em relação a cada massa de água identificada nos termos do n.° 1, para além do cumprimento dos objectivos do artigo 4.°, segundo os requisitos da presente directiva aplicáveis às massas de águas de superfície, incluindo os padrões de qualidade estabelecidos a nível comunitário nos termos do artigo 16.°, os Estados‑Membros devem garantir que, de acordo com o regime de tratamento de águas aplicado e nos termos da legislação comunitária, as águas resultantes preencham os requisitos da Directiva 80/778/CEE [do Conselho, de 15 de Julho de 1980, relativa à qualidade das águas destinadas ao consumo humano (JO L 229, p. 11; EE 15 F2 p. 174)], com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 98/83/CE [do Conselho, de 3 de Novembro de 1998 (JO L 330, p. 32)].

3. Os Estados‑Membros garantirão a necessária protecção das massas de água identificadas, a fim de evitar a deterioração da sua qualidade, a fim de reduzir o nível de tratamentos de purificação necessário na produção de água potável. Os Estados‑Membros poderão criar zonas de protecção dessas massas de água.»

10. Nos termos do artigo 14.° da directiva:

«1. Os Estados‑Membros incentivarão a participação activa de todas as partes interessadas na execução da presente directiva, especialmente na elaboração, revisão e actualização dos planos de gestão de bacia hidrográfica. Os Estados‑Membros garantirão, em relação a cada região hidrográfica, que sejam publicados e facultados ao público, incluindo os utilizadores, para eventual apresentação de observações:

a) Um calendário e um programa de trabalhos para a elaboração do plano, incluindo uma lista das medidas de consulta a tomar, pelo menos três anos antes do início do período a que se refere o plano de gestão;

b) Uma síntese intercalar das questões significativas relativas à gestão da água detectadas na bacia hidrográfica, pelo menos dois anos antes do início do período a que se refere o plano de gestão;

c) Projectos do plano de gestão de bacia hidrográfica, pelo menos um ano antes do início do período a que se refere o plano de gestão.

Mediante pedido, será facultado acesso aos documentos de apoio e à informação utilizada para o desenvolvimento do projecto de plano de gestão de bacia hidrográfica.

2. Os Estados‑Membros devem prever um período de, pelo menos, seis meses para a apresentação de observações escritas sobre esses documentos, a fim de possibilitar a participação activa e a consulta.

3. Os n. os  1 e 2 são também aplicáveis às versões actualizadas dos planos de gestão de bacia hidrográfica.»

11. O artigo 24.° da directiva enuncia:

«1. Os Estados‑Membros porão em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente directiva o mais tardar em 22 de Dezembro de 2003. Do facto informarão imediatamente a Comissão.

[…]

2. Os Estados‑Membros comunicarão à Comissão o texto das principais disposições de direito interno que adoptarem nas matérias reguladas pela presente directiva. A Comissão dará conhecimento delas aos restantes Estados‑Membros.»

Legislação nacional

12. A Lei de 29 de Julho de 1993, relativa à protecção e à gestão da água (Mém. A 1993, p. 1302, a seguir «Lei de 1993»), regula as águas de superfície e subterrâneas, tanto públicas como privadas.

13. Nos termos do artigo 2.° da Lei de 1993, cuja epígrafe é «Princípios orientadores»:

«1. As disposições da presente lei têm por objectivo combater a poluição das águas e garantir a sua regeneração, a fim de cumprir as exigências, designadamente:

– da saúde humana e dos animais, bem como do equilíbrio ecológico;

– da vida biológica do meio aquático receptor e, em especial, da fauna piscícola;

– do fornecimento de água para consumo humano e para utilizações industriais;

– da conservação das águas;

– das águas balneares, dos desportos aquáticos e de outras actividades de lazer;

– da protecção da paisagem e dos sítios;

– da agricultura, da indústria, dos transportes e de todas as outras actividades humanas de interesse geral.

2. Quem utilizar as águas mencionadas na presente lei deve esforçar‑se por prevenir ou reduzir, na medida do possível, toda e qualquer poluição das águas, aplicando a diligência requerida pelas circunstâncias.»

14. O artigo 3.° da mesma lei contém uma lista de doze definições de conceitos utilizados na lei.

15. No que diz respeito à identificação, à criação e à gestão das zonas de protecção das águas, os artigos 18.° e 19.° da Lei de 1993 têm a seguinte redacção:

«18. Zonas de protecção das águas

1. A fim de assegurar a qualidade das águas destinadas à alimentação humana, os terrenos situados à volta dos pontos de captação podem ser declarados zonas de protecção imediata, zonas de protecção intermédia e zonas de protecção alargada.

Esta medida de execução deve ser conforme com o plano nacional de gestão das águas, previsto no artigo 6.° da presente lei.

2. Deve adquirir‑se a propriedade plena dos terrenos situados na zona de protecção imediata.

Estes podem ser expropriados segundo as modalidades e formas previstas na Lei de 15 de Março de 1979 relativa à expropriação por utilidade pública.

3. Na zona de protecção intermédia, pode proibir‑se, regulamentar‑se ou submeter‑se a autorização especial todas as actividades, instalações e todos os depósitos susceptíveis de deteriorar directa ou indirectamente a qualidade das águas.

4. Na zona de protecção alargada, podem ser regulamentadas as actividades, instalações e depósitos referidos no n.° 3.

19. Modalidades de criação e de gestão de zonas de protecção das águas

1. A criação de zonas de protecção das águas é proposta pelo Ministro, com o acordo do Conselho de Ministros.

2. O Ministro ordena a abertura de um processo que contenha:

– uma nota que indique o objecto, os motivos e o alcance da operação;

– o relatório geológico que indique, designadamente, a rapidez da relação hidrogeológica entre as zonas de infiltração e os pontos de captação a proteger;

– a lista dos municípios incluídos, total ou parcialmente, na zona a proteger, com a indicação das secções cadastrais correspondentes por município;

– um mapa topográfico e os mapas cadastrais com o traçado dos limites da zona a proteger;

– o plano de gestão que estabeleça

a) os encargos impostos aos proprietários e aos possuidores,

b) as servidões que oneram os terrenos da zona protegida,

c) na medida do necessário, as adaptações e as obras exigidas pela função da zona protegida.

3. Para efeitos de consulta pelo público, o Ministro envia o processo ao comissário de distrito territorialmente competente.

O comissário de distrito ordena o depósito do processo no edifício da câmara municipal, durante trinta dias, para que o público possa tomar conhecimento do mesmo. O depósito é publicado através de editais afixados no município da forma usual e que convidem a que se tome conhecimento da documentação.

No prazo previsto no parágrafo anterior, as objecções ao projecto devem ser dirigidas ao executivo municipal, que dá conhecimento das mesmas ao conselho municipal mediante parecer. Este processo, com as reclamações e o parecer do conselho municipal, deve ser transmitido, no mês em que expira o prazo de publicação, ao comissário de distrito, que transmitirá estes documentos ao Ministro, juntamente com as suas observações.

4. A declaração de zona de protecção das águas é feita por regulamento grão‑ducal, ouvido o Conselho de Estado.

5. O regulamento grão‑ducal que declara uma parte do território como zona de protecção das águas pode impor encargos aos proprietários ou aos possuidores de imóveis e onerar as propriedades com servidões que digam respeito, designadamente:

– à utilização das águas;

– à regulamentação da utilização de pesticidas e de adubos poluentes;

– à proibição da alteração da utilização dos solos.

Os efeitos da declaração de zona de protecção das águas aplicam‑se ao território em causa, independentemente da mudança de proprietário.»

Fase pré‑contenciosa do processo

16. Por considerar que a directiva não tinha sido transposta para o direito luxemburguês no prazo imposto, a Comissão, depois de, em 26 de Janeiro de 2004, ter notificado o Grão‑Ducado do Luxemburgo para apresentar as suas observações em conformidade com o artigo 226.° CE, emitiu, por carta de 9 de Julho de 2004, um parecer fundamentado, convidando este Estado‑Membro a tomar as medidas necessárias para dar cumprimento às suas obrigações resultantes da directiva, no prazo de dois meses a contar da notificação deste parecer.

17. Na sua resposta de 27 de Setembro de 2004 ao referido parecer fundamentado, as autoridades luxemburguesas indicaram diferentes razões para justificar o atraso na transposição da directiva, designadamente, a falta de clareza de certos conceitos mencionados na mesma e a resolução do Governo luxemburguês de aproveitar a referida transposição para proceder a uma revisão fundamental da legislação nacional existente. Todavia, as referidas autoridades precisaram que o atraso na transposição formal da directiva de forma alguma constitui um obstáculo ao respeito dos diferentes prazos nela impostos.

18. Não tendo ficado satisfeita com essa resposta, a Comissão decidiu intentar a presente acção.

Quanto à acção

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à não comunicação das medidas de transposição

Argumentos das partes

19. A Comissão recorda que, de acordo com o artigo 24.° da directiva, os Estados‑Membros deviam ter posto em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à directiva, o mais tardar, em 22 de Dezembro de 2003, e que a deviam ter informado imediatamente desse facto. Na petição, alega que as autoridades luxemburguesas não a informaram das disposições adoptadas.

20. A Comissão, tendo em consideração as informações fornecidas pelo Governo luxemburguês na contestação, a respeito de uma carta que lhe foi endereçada pela Representação Permanente do Luxemburgo junto da União Europeia em 24 de Agosto de 2004 (a seguir «carta de 24 de Agosto de 2004»), relativa à aplicação do artigo 3.° da directiva, admite na réplica que, devido a uma falta de coordenação entre os seus próprios serviços, não teve conhecimento dessa carta. Contudo, embora a Comissão reconheça que a comunicação exigida por força do referido artigo 3.° foi, assim, efectuada, continua a alegar que esta comunicação ocorreu depois da expiração do prazo fixado nesse mesmo artigo 3.°, n.° 8, a saber, o dia 22 de Junho de 2004, e, além disso, posteriormente ao envio do parecer fundamentado.

21. No que se refere à Lei de 1993, que, segundo o Grão‑Ducado do Luxemburgo, atribui às autoridades deste Estado‑Membro poderes suficientes para assegurar a realização dos objectivos operacionais da directiva, e que lhe foi comunicada pela primeira vez com a contestação, a Comissão salienta que, antes desta comunicação, nunca tinha tido conhecimento da existência desta lei nem do seu conteúdo. Consequentemente, conclui que o Grão‑Ducado do Luxemburgo não comunicou as medidas adoptadas para dar cumprimento à directiva no prazo prescrito.

Apreciação do Tribunal de Justiça

22. Segundo jurisprudência constante, a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado. As alterações posteriormente ocorridas não podem ser tomadas em consideração pelo Tribunal (v., designadamente, acórdãos de 14 de Setembro de 2004, Comissão/Espanha, C‑168/03, Colect., p. I‑8227, n.° 24, e de 12 de Janeiro de 2006, Comissão/Portugal, C‑118/05, ainda não publicado na Colectânea, n.° 7).

23. No caso em apreço, há que observar, em primeiro lugar, que a carta de 24 de Agosto de 2004 foi enviada antes do termo do prazo de dois meses fixado no parecer fundamentado de 9 de Julho de 2004. Embora seja verdade que, como a Comissão observou, as autoridades luxemburguesas não fizeram referência a esta carta durante a fase pré‑contenciosa do processo, não é menos verdade que a comunicação das medidas adoptadas para transpor o artigo 3.° da directiva foi efectuada antes da expiração do referido prazo.

24. Nestas condições, deve concluir‑se que o primeiro fundamento da Comissão é improcedente no que diz respeito à comunicação das medidas de transposição dessa disposição.

25. Além disso, no que diz respeito à notificação das outras disposições adoptadas pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo para transpor a directiva, há que observar que este Estado‑Membro transmitiu, pela primeira vez, com a contestação, uma cópia da Lei de 1993, alegando que esta transpunha adequadamente a directiva. Sem que se deva apurar, de facto, se esta lei constitui ou não uma transposição adequada da directiva, pois esta questão é objecto do segundo fundamento da Comissão, há que observar que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.° 22 do presente acórdão, um fundamento de defesa invocado tão tardiamente não tem efeitos na existência do fundamento relativo à falta notificação das informações necessárias no prazo fixado no parecer fundamentado.

26. Por último, no que se refere às medidas adoptadas para transpor o artigo 7.°, n.° 3, da directiva, a Comissão reconheceu na réplica que se pode considerar que os artigos 18.° e 19.° da Lei de 1993 transpõem de forma satisfatória esta disposição. No entanto, tendo esta lei sido comunicada à Comissão, pela primeira vez, em anexo à contestação, deve considerar‑se procedente, pelos motivos referidos no número anterior deste acórdão, o fundamento invocado pela Comissão, relativo à falta de comunicação das medidas adoptadas para transpor o artigo 7.°, n.° 3, da directiva.

27. À luz destas considerações, deve decidir‑se que, por não ter comunicado à Comissão as disposições legislativas, regulamentares e administrativas que transpõem a Directiva 2000/60, com excepção das relativas ao artigo 3.° desta directiva, o Grão‑Ducado do Luxemburgo não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 24.° da mesma.

Quanto ao segundo fundamento, relativo à não adopção das medidas necessárias para transpor a directiva

Argumentos das partes

28. A Comissão alega que a directiva requer, por parte dos Estados‑Membros, a adopção de medidas de transposição, gerais e particulares, para que as suas ordens jurídicas nacionais sejam compatíveis com os objectivos nela fixados. A directiva impõe aos Estados‑Membros a adopção de uma legislação‑quadro no domínio da água, que devia ter sido adoptada, o mais tardar, até 22 de Dezembro de 2003, bem como a adopção de acções concretas a realizar nessa mesma data ou em datas faseadas no tempo. Segundo a Comissão, a elaboração de uma legislação nacional que estabeleça um quadro geral é a etapa mais importante da transposição, dado que se trata de fixar as principais obrigações dos Estados‑Membros e de conferir bases jurídicas adequadas para a adopção de medidas mais específicas.

29. A título subsidiário, a Comissão sustenta que as disposições da Lei de 1993 não asseguram uma transposição completa da directiva.

30. O Governo luxemburguês entende que a directiva não requer medidas efectivas de transposição para tornar a ordem jurídica luxemburguesa compatível com os objectivos nela fixados. Por um lado, a directiva insiste mais nas acções concretas a empreender pelas autoridades nacionais do que na harmonização formal do direito nacional com o direito comunitário. Não se trata de uma directiva de harmonização da legislação, mas unicamente de uma directiva que exige um quadro para uma política comunitária no domínio da água.

31. O referido governo salienta igualmente que cada uma das obrigações operacionais atribuídas às autoridades dos Estados‑Membros é estabelecida com um prazo de execução que vai de 2006 a 2015 e que está a tomar medidas para assegurar que os objectivos assim definidos possam ser alcançados nos prazos fixados pela directiva. Quanto ao restante, considera que a legislação luxemburguesa, designadamente a Lei de 1993, confere às autoridades nacionais um leque de medidas que parecem ser suficientes para alcançar os objectivos operacionais da directiva.

Apreciação do Tribunal de Justiça

– Quanto à obrigação de adoptar uma legislação‑quadro para transpor a directiva

32. No que concerne, antes de mais, à questão de saber se a directiva impõe aos Estados‑Membros a adopção de uma legislação‑quadro para transpor para o direito nacional as obrigações decorrentes da directiva, há que recordar que cada um dos Estados‑Membros destinatários de uma directiva tem a obrigação de adoptar, na sua ordem jurídica interna, todas as medidas necessárias com vista a assegurar a plena eficácia da directiva, em conformidade com o objectivo por ela prosseguido (v., designadamente, acórdãos de 7 de Maio de 2002, Comissão/Suécia, C‑478/99, Colect., p. I‑4147, n.° 15, e de 26 de Junho de 2003, Comissão/França, C‑233/00, Colect., p. I‑6625, n.° 75).

33. Deve precisar‑se que a primeira parte do segundo fundamento da Comissão não visa a questão de saber se o Grão‑Ducado do Luxemburgo tem a obrigação de tomar todas as medidas necessárias para assegurar a plena eficácia da directiva, o que o mesmo não contesta, mas sim a de saber se o referido Estado‑Membro tem a obrigação de adoptar uma medida precisa, a saber, uma legislação‑quadro, para assegurar a plena eficácia da directiva e respeitar as obrigações que esta lhe impõe.

34. Nos próprios termos do artigo 249.°, terceiro parágrafo, CE, os Estados‑Membros beneficiam da escolha da forma e dos meios de transposição das directivas que permitam garantir da melhor forma o resultado por elas prosseguido. Resulta desta disposição que a transposição de uma directiva para o direito interno não exige necessariamente uma acção legislativa em cada Estado‑Membro. Por isso, o Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido que nem sempre é exigida a reprodução formal das disposições de uma directiva numa norma legal expressa e específica, podendo um contexto jurídico geral ser suficiente para a execução de uma directiva, em função do conteúdo desta. Em especial, a existência de princípios gerais de direito constitucional ou administrativo pode tornar supérflua a transposição através de medidas legislativas ou regulamentares específicas, na condição, porém, de que esses princípios garantam efectivamente a plena aplicação da directiva pela Administração nacional e de que, caso a disposição em causa da directiva vise criar direitos para os particulares, a situação jurídica decorrente desses princípios seja suficientemente precisa e clara e que os seus beneficiários possam tomar conhecimento da plenitude dos seus direitos e, sendo caso disso, invocá‑los nos órgãos jurisdicionais nacionais (v., designadamente, acórdãos de 23 de Maio de 1985, Comissão/Alemanha, 29/84, Recueil, p. 1661, n. os  22 e 23; de 9 de Setembro de 1999, Comissão/Alemanha, C‑217/97, Colect., p. I‑5087, n. os  31 e 32; e de 26 de Junho de 2003, Comissão/França, já referido, n.° 76).

35. O Tribunal de Justiça decidiu igualmente que uma disposição que apenas diz respeito às relações entre os Estados‑Membros e a Comissão não deve, em princípio, ser transposta. Todavia, dado que os Estados‑Membros têm a obrigação de garantir o pleno respeito do direito comunitário, a Comissão tem a faculdade de demonstrar que o respeito do disposto numa directiva que regula essas relações impõe a adopção de medidas de transposição específicas na ordem jurídica nacional (v., neste sentido, acórdãos de 24 de Junho de 2003, Comissão/Portugal, C‑72/02, Colect., p. I‑6597, n. os  19 e 20, e de 20 de Novembro de 2003, Comissão/França, C‑296/01, Colect., p. I‑13909, n.° 92).

36. Por conseguinte, importa determinar, em cada caso concreto, a natureza das disposições, previstas numa directiva, objecto da acção por incumprimento, para que se possa medir o alcance da obrigação de transposição que incumbe aos Estados‑Membros.

37. A prática legislativa comunitária demonstra que podem existir grandes diferenças quanto aos tipos de obrigações que as directivas impõem aos Estados‑Membros e, portanto, quanto aos resultados que devem ser alcançados (acórdão de 18 de Junho de 2002, Comissão/França, C‑60/01, Colect., p. I‑5679, n.° 25).

38. Com efeito, determinadas directivas exigem que sejam adoptadas medidas legislativas a nível nacional e que o seu cumprimento fique sujeito a um controlo jurisdicional ou administrativo (v., a este respeito, acórdãos de 16 de Novembro de 1989, Comissão/Bélgica, C‑360/88, Colect., p. 3803; de 6 de Dezembro de 1989, Comissão/Grécia, C‑329/88, Colect., p. 4159; e de 18 de Junho de 2002, Comissão/França, já referido, n.° 26).

39. Outras directivas exigem que os Estados‑Membros adoptem as medidas necessárias para garantir que determinados objectivos formulados de maneira geral e não quantificáveis sejam atingidos, deixando embora aos Estados‑Membros uma certa margem de apreciação quanto à natureza das medidas a tomar (v., a este respeito, acórdão de 9 de Novembro de 1999, Comissão/Itália, dito «San Rocco», C‑365/97, Colect., p. I‑7773, n. os  67 e 68, e de 18 de Junho de 2002, Comissão/França, já referido, n.° 27).

40. Outras directivas ainda exigem aos Estados‑Membros que alcancem resultados muito precisos e concretos após um determinado prazo (v., a este respeito, acórdãos de 14 de Julho de 1993, Comissão/Reino Unido, C‑56/90, Colect., p. I‑4109, n. os  42 a 44; de 19 de Março de 2002, Comissão/Países Baixos, C‑268/00, Colect., p. I‑2995, n. os  12 a 14; e de 18 de Junho de 2002, Comissão/França, já referido, n.° 28).

41. No que concerne à presente acção, deve recordar‑se que a Directiva 2000/60 é uma directiva‑quadro adoptada com base no artigo 175.°, n.° 1, CE. Estabelece princípios comuns e um quadro global de acção para a protecção das águas e assegura a coordenação, a integração assim como, a mais longo prazo, o desenvolvimento dos princípios gerais e das estruturas que permitem a protecção e uma utilização ecologicamente viável da água na Comunidade Europeia. Os princípios comuns e o quadro global de acção por ela estabelecidos devem ser posteriormente desenvolvidos pelos Estados‑Membros, que devem adoptar uma série de medidas particulares em conformidade com os prazos previstos pela directiva. Esta última não tem, porém, por objectivo a harmonização completa da legislação dos Estados‑Membros no domínio da água.

42. Resulta do exame desta directiva que a mesma contém disposições de natureza variada que impõem obrigações aos Estados‑Membros (v., a título de exemplo, o artigo 4.°, que obriga os Estados‑Membros a executar as medidas necessárias para prevenir a deterioração do estado de todas as massas de águas de superfície e subterrâneas), aos Estados‑Membros para com a Comissão e a Comunidade (v., a título de exemplo, o artigo 24.°, n.° 2, relativo à obrigação de comunicação das medidas de transposição) e às próprias instituições (v., a título de exemplo, os artigos 16.° e 17.° da directiva, que convidam as instituições comunitárias a adoptar medidas comunitárias em matéria de poluição da água e das águas subterrâneas).

43. Resulta de um exame global da directiva que a maior parte das suas disposições são do tipo das mencionadas no n .° 39 do presente acórdão, a saber, prescrevem aos Estados‑Membros a adopção das medidas necessárias para garantir que se alcancem determinados objectivos, por vezes formulados de forma geral, deixando, no entanto, aos referidos Estados uma margem de apreciação quanto à natureza das medidas a adoptar.

44. Esta directiva contém igualmente disposições como o artigo 1.°, que enuncia simplesmente os diferentes objectivos que a mesma visa alcançar e que, como a própria Comissão reconheceu na audiência, não requer uma transposição.

45. Em resposta a questões colocadas na audiência, destinadas a determinar as disposições concretas da directiva em que se funda a obrigação de adoptar uma legislação‑quadro para respeitar as exigências da mesma, a Comissão referiu os artigos 1.° e 2.° da directiva, que enunciam os objectivos que pretende atingir e as definições em que se baseia, sem precisar em que medida é que estas disposições exigem a adopção dessa legislação nem por que é que a adopção de uma lei desse tipo é necessária para permitir aos Estados‑Membros garantir os objectivos estabelecidos pela directiva nos prazos prescritos.

46. Contudo, não decorre dessas disposições da directiva nem de nenhuma outra disposição da mesma que os Estados‑Membros são obrigados a adoptar essa legislação‑quadro, a fim de transpor correctamente as suas disposições.

47. Como o Governo luxemburguês reconheceu na audiência, é certo que a adopção de uma legislação‑quadro pode ser uma maneira adequada, ou mesmo mais simples, de transpor a directiva, uma vez que pode dar às autoridades competentes, num texto único, bases jurídicas claras para elaborar as diferentes medidas previstas pela directiva no domínio da água e cujo prazo de execução é faseado no tempo. A adopção dessa legislação‑quadro pode igualmente facilitar o trabalho da Comissão, que deve assegurar que as obrigações que incumbem aos Estados‑Membros por força desta directiva sejam respeitadas.

48. Contudo, a adopção de uma legislação‑quadro não constitui a única maneira de os Estados‑Membros garantirem a plena aplicação da directiva e preverem um sistema organizado e articulado destinado a respeitar os objectivos visados pela mesma.

49. Se o legislador comunitário tivesse querido impor aos Estados‑Membros a obrigação de adoptar na sua ordem jurídica interna uma legislação‑quadro para transpor a directiva, poderia ter inserido no texto desta uma disposição nesse sentido. Ora, não foi isso que aconteceu.

50. De qualquer forma, o próprio facto de a Comissão ter reconhecido, no processo perante o Tribunal de Justiça, que o Grão‑Ducado do Luxemburgo transpôs efectivamente algumas disposições da directiva, designadamente a maioria das disposições do artigo 3.° e o artigo 7.°, n. os  1 e 3, da directiva, e de ter admitido que não é necessário transpor o artigo 1.° demonstra que não é indispensável uma legislação‑quadro para a transposição das obrigações previstas nesta directiva.

51. Dado que cabe à Comissão demonstrar a existência do incumprimento alegado, apresentando ao Tribunal de Justiça os elementos necessários para que este declare verificada a existência desse incumprimento, sem poder basear‑se numa qualquer presunção (v., designadamente, acórdãos de 25 de Maio de 1982, Comissão/Países Baixos, 96/81, Recueil, p. 1791, n.° 6; de 26 de Junho de 2003, Comissão/Espanha, C‑404/00, Colect., p. I‑6695, n.° 26; de 6 de Novembro de 2003, Comissão/Reino Unido, C‑434/01, Colect., p. I‑13239, n.° 21, e de 29 de Abril de 2004, Comissão/Áustria, C‑194/01, Colect., p. I‑4579, n.° 34), e não tendo a Comissão explicado, no caso em apreço, por que é que considera que determinadas disposições da directiva obrigam os Estados‑Membros a adoptar uma legislação‑quadro, nem justificado o carácter indispensável dessa medida para garantir o resultado prosseguido pela directiva, há que concluir que a primeira parte do segundo fundamento é improcedente.

– Quanto à transposição da directiva pela Lei de 1993

52. Em resposta aos argumentos apresentados pela primeira vez pelo Governo luxemburguês na contestação, a Comissão alegou, a título subsidiário, que a Lei de 1993 não transpõe correctamente as disposições da directiva.

53. A este respeito, há que observar que, no parecer fundamentado, bem como na petição apresentada ao Tribunal de Justiça, nos termos da qual a Comissão censura o Grão‑Ducado do Luxemburgo por não ter adoptado nenhuma das medidas necessárias para a transposição da directiva, a Comissão não tentou demonstrar em que medida é que o direito luxemburguês em vigor não era conforme às disposições da directiva. Foi apenas na réplica que esta instituição alegou que a Lei de 1993 não transpõe adequadamente a referida directiva.

54. Todavia, esta falta de precisão na petição resulta do próprio comportamento das autoridades luxemburguesas que, durante a fase pré‑contenciosa do processo, não mencionaram a Lei de 1993 como medida suficiente de transposição da directiva e deram a entender que as disposições necessárias para essa transposição estavam em vias de ser adoptadas.

55. Tendo o Governo luxemburguês alegado a conformidade da Lei de 1993 com a directiva, pela primeira vez, na contestação, a Comissão, da mesma forma, apresentou na réplica argumentos que demonstram que a transposição alegada pelo Grão‑Ducado do Luxemburgo é, em todo o caso, incorrecta ou incompleta no que diz respeito a certas disposições da directiva, e fê‑lo para ter em conta as informações comunicadas tardiamente pelo Governo luxemburguês na contestação.

56. O Tribunal de Justiça já decidiu, em circunstâncias análogas, que se a fase pré‑contenciosa do processo atingiu o seu objectivo destinado a proteger os direitos do Estado‑Membro em causa, o referido Estado‑Membro, que, na fase pré‑contenciosa do processo, não indicou à Comissão que era de considerar que a directiva já estava transposta para o direito interno em vigor, não pode acusar a Comissão de ter alargado ou alterado o objecto da acção, como havia sido definido na referida fase pré‑contenciosa. Segundo o Tribunal de Justiça, depois de ter censurado a um Estado‑Membro a não transposição absoluta de uma directiva, a Comissão pode precisar, na réplica, que a transposição alegada pelo Estado‑Membro em causa, pela primeira vez, na sua contestação é, seja como for, incorrecta ou incompleta no que se refere a algumas disposições da mesma directiva, estando essa acusação necessariamente incluída na acusação de não transposição absoluta da directiva e tendo um carácter subsidiário relativamente a esta última (acórdão de 16 de Junho de 2005, Comissão/Itália, C‑456/03, Colect., p. I‑5335, n. os  23 a 42, em especial n.° 40).

57. Na réplica, a Comissão alegou que o Grão‑Ducado do Luxemburgo não procedeu à transposição dos artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 4, 7.°, n. os  1 e 2, e 14.° da directiva.

58. Na audiência, desistiu do fundamento relativo ao artigo 7.°, n.° 1. Além disso, conforme resulta do n.° 44 do presente acórdão, a Comissão reconheceu que não é necessário transpor o artigo 1.° da directiva, pelo que se deve considerar que desistiu deste fundamento.

59. A Comissão também alegou na audiência que o Grão‑Ducado do Luxemburgo não procedeu à transposição dos artigos 4.°, 8.° a 11.°, 13.°, conjugado com o anexo VI, e 24.° da directiva.

60. Todavia, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, segundo a qual o Estado em causa deve poder apresentar utilmente os seus fundamentos de defesa a respeito das acusações formuladas pela Comissão (v., designadamente, acórdãos de 29 de Abril de 2004, Comissão/Portugal, C‑117/02, Colect., p. I‑5517, n.° 53, e de 16 de Junho de 2005, Comissão/Itália, já referido, n.° 36), há que limitar a segunda parte do segundo fundamento da Comissão às disposições da directiva que a Comissão apresentou na réplica e de cuja invocação ainda não desistiu (a saber, os artigos 2.°, 3.°, n.° 4, 7.°, n.° 2, e 14.° da referida directiva), uma vez que o Grão‑Ducado do Luxemburgo não teve oportunidade, no que diz respeito às outras disposições da directiva invocadas pela Comissão, pela primeira vez, na audiência, de apresentar utilmente os seus fundamentos de defesa.

61. No que se refere, em primeiro lugar, ao artigo 2.° da directiva, a Comissão entende que as definições nele contidas não foram transpostas para o direito nacional. A Lei de 1993 define apenas os conceitos de «descarga», de «poluição» e de «águas subterrâneas». A Comissão refere, designadamente, os conceitos de «bacia hidrográfica», «bom potencial ecológico» e «bom estado químico», que, embora constem do artigo 2.° da directiva, não se encontram na Lei de 1993.

62. O Governo luxemburguês não afirma que esta lei contém todas as definições enumeradas no referido artigo 2.°, defendendo que as referidas definições só são relevantes para definir o conteúdo das obrigações operacionais que a directiva impõe aos Estados‑Membros. Considera que, em si mesmas, não necessitam de ser transpostas.

63. O artigo 2.° da directiva, conjugado com, por exemplo, o artigo 4.° da mesma, impõe aos Estados‑Membros obrigações precisas a executar em prazos determinados, a fim de prevenir a deterioração do estado de todas as massas de águas de superfície e subterrâneas. O mesmo se diga de vários outros conceitos definidos no mesmo artigo 2.°, conjugado com, entre outros, os artigos 5.°, 6.° e 8.° da directiva.

64. A incompatibilidade de uma legislação nacional com as disposições comunitárias, mesmo directamente aplicáveis, não pode ser definitivamente eliminada senão através de normas internas de carácter coercivo (v., neste sentido, acórdãos de 7 de Março de 1996, Comissão/França C‑334/94, Colect., p. I‑1307, n.° 30, e de 13 de Março de 1997, Comissão/França, C‑197/96, Colect., p. I‑1489, n.° 14).

65. Ora, é forçoso concluir que, pelo facto de se excluírem da Lei de 1993 as definições dos conceitos constantes do artigo 2.° da directiva e os prazos em que há que rejeitar as normas de qualidade da água, prazos esses que são fixados nos artigos 4.° a 6.° e 8.° da mesma directiva, as obrigações decorrentes do referido artigo 2.°, em conjugação com estas últimas disposições, não foram executadas com o carácter coercivo exigido. Consequentemente, o argumento da Comissão relativo à violação do artigo 2.° da directiva deve ser considerado procedente.

66. No que se refere, em segundo lugar, ao artigo 3.°, n.° 4, da directiva, a Comissão considera que nenhuma disposição da Lei de 1993 transpõe correctamente esta disposição.

67. Nos termos da directiva, os Estados‑Membros assegurarão que os requisitos nela previstos para a realização dos objectivos ambientais fixados no seu artigo 4.°, em especial, todos os programas de medidas, sejam coordenados para a totalidade da região hidrográfica. Contudo, resulta da redacção do artigo 3.°, n.° 4, da directiva que as obrigações dele resultantes diferem consoante a região hidrográfica em questão seja nacional ou internacional, na acepção da directiva. Para as regiões hidrográficas internacionais, os Estados‑Membros envolvidos assegurarão conjuntamente a referida coordenação, podendo, para o efeito, utilizar estruturas já existentes decorrentes de acordos internacionais.

68. O Governo luxemburguês não contesta a existência de uma obrigação de coordenação imposta pelo artigo 3.°, n.° 4. Alega, no entanto, que não existem regiões hidrográficas nacionais no seu território. Conforme resulta da carta de 24 de Agosto de 2004, as duas únicas regiões hidrográficas, na acepção da directiva, existentes no território do Luxemburgo são bacias hidrográficas internacionais, a saber, a região hidrográfica do Reno, através do Mosela, e a região hidrográfica do Mosa, através do Chiers.

69. No que se refere à região hidrográfica do Reno, esse governo anexou à sua tréplica o texto do Comunicado da Conferência Ministerial sobre o Reno, da Comissão Internacional para a Protecção do Reno (a seguir «CIPR»), de 29 de Janeiro de 2001. Resulta deste documento que foi especificamente criado um comité ad hoc de coordenação no seio da CIPR, constituído por representantes de todos os Estados membros desta comissão, para dar cumprimento à obrigação de coordenação instituída pela directiva.

70. No que diz respeito à região hidrográfica do Mosa, resulta do quarto e do quinto considerando e dos artigos 1.°, 2.°, 4.° e 5.° do Acordo Internacional sobre o Mosa, de 3 de Dezembro de 2003, igualmente anexado à referida tréplica, que foi especificamente criada uma Comissão Internacional para a Protecção do Mosa, com o objectivo de, designadamente, assegurar a coordenação exigida pela directiva. O Grão‑Ducado do Luxemburgo é parte contratante no referido acordo internacional, que indica que as medidas de coordenação exigidas pela directiva para a região hidrográfica do Mosa serão adoptadas no seio deste organismo internacional.

71. A Comissão não contestou a alegação do Governo luxemburguês de que as duas únicas regiões hidrográficas situadas no seu território, na acepção da directiva, são regiões hidrográficas internacionais e não nacionais. Também não questionou a informação fornecida por este Estado‑Membro, segundo a qual todos os Estados membros em causa encarregaram efectivamente dois organismos internacionais de assegurar a coordenação das medidas de execução da directiva no que diz respeito a essas regiões hidrográficas internacionais.

72. Por conseguinte, não tendo a Comissão demonstrado que o Grão‑Ducado do Luxemburgo, membro desses organismos internacionais, não executou as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 3.°, n.° 4, da directiva no que diz respeito às regiões hidrográficas internacionais situadas no seu território, este argumento invocado no âmbito da segunda parte do segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

73. No que se refere, em terceiro lugar, ao artigo 7.° n.° 2, da directiva, a Comissão alega que nenhuma disposição da Lei de 1993 transpõe, ainda que parcialmente, as obrigações resultantes desta disposição que impõem aos Estados‑Membros o respeito das normas específicas de qualidade para as massas de água destinadas ao consumo humano.

74. Nos termos do artigo 7.°, n.° 2, da directiva, em relação a cada massa de água identificada nos termos do n.° 1 desta disposição, para além do cumprimento dos objectivos do artigo 4.°, segundo os requisitos da directiva aplicáveis às massas de águas de superfície, incluindo os padrões de qualidade estabelecidos a nível comunitário nos termos do artigo 16.°, os Estados‑Membros devem garantir que, de acordo com o regime de tratamento de águas aplicado e nos termos da legislação comunitária, as águas resultantes preencham os requisitos da Directiva 80/778, com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 98/83.

75. Esta disposição impõe aos Estados‑Membros obrigações de resultado, formuladas de forma clara e inequívoca, a fim de que as suas massas de água satisfaçam, designadamente, os objectivos precisos do artigo 4.° da directiva.

76. Daqui resulta que o Grão‑Ducado do Luxemburgo devia, como resulta da jurisprudência referida no n.° 64 do presente acórdão, ter transposto esta disposição através de medidas com força coerciva no seu ordenamento jurídico interno, o mais tardar, na data fixada no artigo 24.° da directiva.

77. Não tendo o Governo luxemburguês invocado nenhum fundamento de defesa para justificar a falta, na Lei de 1993 ou no ordenamento jurídico luxemburguês, de uma disposição correspondente ao artigo 7.°, n.° 2, da directiva, deve concluir‑se que este argumento invocado no âmbito da segunda parte do segundo fundamento da Comissão é procedente.

78. Por último, no que diz respeito ao artigo 14.° da directiva, a Comissão alega que a Lei de 1993 não prevê a consulta e a informação do público sobre a elaboração de projectos de planos de gestão da água nem a participação do público na execução da directiva, exigidas por esta disposição.

79. O Governo luxemburguês contesta que resulte do artigo 14.° da directiva, em conjugação com o artigo 13.° da mesma, que o prazo imposto para dar cumprimento às obrigações de informação do público já tenha expirado. Sustenta que o Grão‑Ducado do Luxemburgo assegurará que as disposições do referido artigo 14.° sejam respeitadas nas datas indicadas pela directiva.

80. A este respeito, há que observar que o artigo 14.° da directiva visa conferir aos particulares e às partes interessadas o direito de participarem activamente na execução da directiva, designadamente na elaboração, na revisão e na actualização dos planos de gestão de regiões hidrográficas.

81. A falta, no direito luxemburguês, de qualquer medida de transposição não assegura, de maneira alguma, o cumprimento da obrigação segundo a qual as medidas nacionais de transposição devem tornar o prazo previsto no artigo 13.°, n.° 6, da directiva juridicamente obrigatório para as autoridades nacionais competentes e permitir aos particulares conhecer com uma certa antecedência a plenitude dos seus direitos no âmbito dos procedimentos previstos no artigo 14.°, n. os  1 e 2, da directiva.

82. Por conseguinte, deve concluir‑se que este argumento invocado no âmbito da segunda parte do segundo fundamento da Comissão, relativo à não transposição do artigo 14.° da directiva, é procedente.

83. Atendendo ao exposto, deve concluir‑se que, por não ter adoptado, no prazo prescrito, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para se conformar com os artigos 2.°, 7.°, n.° 2, e 14.° da directiva, o Grão‑Ducado do Luxemburgo não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 24.° desta directiva. A acção é julgada improcedente quanto ao restante.

Quanto às despesas

84. Por força do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

85. Segund o o artigo 69.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma suporte as suas próprias despesas.

86. No caso vertente, deve salientar‑se que a Comissão foi parcialmente vencida na parte em que pediu que se declarasse que o Grão‑Ducado do Luxemburgo não adoptou uma lei‑quadro para transpor a directiva.

87. Pelo seu lado, o Grão‑Ducado do Luxemburgo não forneceu todas as informações úteis sobre as disposições de direito interno através das quais considerava ter cumprido as diferentes obrigações que a directiva lhe impõe.

88. Nestas circunstâncias, há que condenar a Comissão e o Grão‑Ducado do Luxemburgo a suportarem as suas próprias despesas.

Parte decisória

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) decide

1) Por não ter comunicado à Comissão das Comunidades Europeias as disposições legislativas, regulamentares e administrativas que transpõem a Directiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2000, que estabelece um quadro de acção comunitária no domínio da política da água, com excepção das relativas ao artigo 3.° desta directiva, o Grão‑Ducado do Luxemburgo não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 24.° da mesma.

2) Por não ter adoptado, no prazo prescrito, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para se conformar com os artigos 2.°, 7.°, n.° 2, e 14.° da Directiva 2000/60, o Grão‑Ducado do Luxemburgo não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 24.° desta directiva.

3) A acção é julgada improcedente quanto ao restante.

4) A Comissão das Comunidades Europeias e o Grão‑Ducado do Luxemburgo suportarão as suas próprias despesas.

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