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Document 62005CC0193

Conclusões da advogada-geral Stix-Hackl apresentadas em 11 de Maio de 2006.
Comissão das Comunidades Europeias contra Grão-Ducado do Luxemburgo.
Incumprimento de Estado - Liberdade de estabelecimento - Directiva 98/5/CE - Exercício permanente da profissão de advogado num Estado-Membro diferente daquele onde foi adquirida a qualificação - Controlo prévio do conhecimento das línguas do Estado-Membro de acolhimento - Proibição de exercer actividades de domiciliação de sociedades - Obrigação de apresentar anualmente um certificado de inscrição na autoridade competente do Estado-Membro de origem.
Processo C-193/05.

Colectânea de Jurisprudência 2006 I-08673

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2006:313

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

CHRISTINE STIX‑HACKL

apresentadas em 11 de Maio de 2006 1(1)

Processo C‑193/05

Comissão das Comunidades Europeias

contra

Grão‑Ducado do Luxemburgo

«Incumprimento de Estado – Directiva 98/5/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de Fevereiro de 1998 tendente a facilitar o exercício permanente da profissão de advogado num Estado‑Membro diferente daquele em que foi adquirida a qualificação profissional – Verificação dos conhecimentos linguísticos – Proibição do exercício da actividade de domiciliação (‘domiciliataire’) de sociedades – Obrigação de apresentar todos os anos o certificado de Estado‑Membro de origem»





I –    Observações introdutórias

1.     A presente acção por incumprimento, tal como o pedido de decisão prejudicial paralelo (2), tem por objecto o acesso à profissão de advogado no Luxemburgo. Em particular, trata‑se da compatibilidade dos requisitos legais constantes da legislação luxemburguesa com a Directiva 98/5/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de Fevereiro de 1998 tendente a facilitar o exercício permanente da profissão de advogado num Estado‑Membro diferente daquele em que foi adquirida a qualificação profissional (3) (a seguir «Directiva 98/5»).

II – Quadro jurídico

A –    Direito comunitário

2.     Segundo o artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 98/5, a directiva tem por objecto facilitar o exercício permanente da profissão de advogado a título independente ou assalariado num Estado‑Membro diferente daquele em que foi adquirida a qualificação profissional.

3.     Segundo o artigo 2.°, primeiro parágrafo, qualquer advogado tem o direito de exercer, a título permanente, em qualquer outro Estado‑Membro, com o título profissional de origem, as actividades de advogado previstas no artigo 5.°

4.     O artigo 3.°, n.os 1, 2 e 4, da Directiva 98/5, que regula a inscrição junto da autoridade competente, estabelece que:

«1. O advogado que pretenda exercer num Estado‑Membro diferente daquele em que adquiriu a sua qualificação profissional é obrigado a inscrever‑se junto da autoridade competente desse Estado‑Membro.

2. A autoridade competente do Estado‑Membro de acolhimento procederá à inscrição do advogado mediante apresentação do certificado da inscrição deste último junto da autoridade competente do Estado‑Membro de origem. Poderá exigir que o certificado da autoridade competente do Estado‑Membro de origem, no momento da sua apresentação, não tenha sido emitido há mais de três meses. Comunicará essa inscrição à autoridade competente do Estado‑Membro de origem.

[...]

4. Sempre que a autoridade competente do Estado‑Membro de acolhimento publicar os nomes dos advogados nela inscritos, publicará também os nomes dos advogados inscritos ao abrigo da presente directiva.»

5.     O artigo 5.° da Directiva 98/5, que regula o domínio de actividade, estabelece que:

«1. Sob reserva dos n.os 2 e 3, o advogado que exerça com o título profissional de origem desenvolve as mesmas actividades profissionais que o advogado que exerça com o título profissional adequado do Estado‑Membro de acolhimento, podendo, nomeadamente, dar consultas jurídicas em matéria de direito do seu Estado‑Membro de origem, de direito comunitário, de direito internacional e de direito do Estado‑Membro de acolhimento. Deverá respeitar, em todos os casos, as regras de processo aplicáveis nos órgãos jurisdicionais nacionais.

2. Os Estados‑Membros que, no seu território, autorizem uma categoria determinada de advogados a elaborar documentos que confiram poderes para administrar os bens de pessoas falecidas ou digam respeito à constituição ou à transferência de direitos reais sobre imóveis, documentos que noutros Estados‑Membros são reservados a profissões diferentes da de advogado, podem excluir dessas actividades o advogado que exerça com o título profissional de origem obtido num destes últimos Estados‑Membros.

3. Para o exercício das actividades relativas à representação e defesa de um cliente em juízo e na medida em que o direito do Estado‑Membro de acolhimento reserve essas actividades aos advogados que exerçam com o título profissional desse Estado, este último pode exigir que os advogados que exerçam com o título profissional de origem actuem de concerto quer com um advogado que exerça perante a jurisdição competente e que será, se necessário, responsável perante essa jurisdição, quer com um ‘avoué’ que exerça perante essa jurisdição.

No entanto, a fim de assegurar o bom funcionamento do sistema judicial, os Estados‑Membros podem prever regras específicas de acesso aos tribunais supremos, tais como o recurso a advogados especializados.»

6.     O artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 98/5 estabelece que:

«Antes de instaurar um processo disciplinar a um advogado que exerça com o título profissional de origem, a autoridade competente do Estado‑Membro de acolhimento comunicará o facto o mais rapidamente possível à autoridade competente do Estado‑Membro de origem, prestando‑lhe todas as informações úteis.

O primeiro parágrafo é aplicável mutatis mutandis quando for instaurado um processo disciplinar pela autoridade competente do Estado‑Membro de origem, que informará desse facto a autoridade competente do ou dos Estados‑Membros de acolhimento.»

B –    Direito nacional

7.     A regulamentação correspondente ao regime das línguas aqui em causa consta da «loi du 24 février 1984 sur le régime des langues» (a seguir «Lei de 1984») (4).

8.     Segundo o respectivo artigo 2.°, os actos legislativos e seus regulamentos de execução são redigidos em francês. Os restantes regulamentos podem também ser redigidos noutra língua. A língua utilizada no acto jurídico fica a valer como a única que faz fé.

9.     Segundo o artigo 3.° da Lei de 1984, sem prejuízo de legislação especial, podem ser utilizadas as línguas francesa, alemã e luxemburguesa em matéria administrativa e judicial.

10.   A lei que transpôs a Directiva 98/5 para o direito do Grão‑Ducado do Luxemburgo é uma lei de 13 de Novembro de 2002 (a seguir «Lei de 2002») (5), através da qual foram alteradas determinadas disposições do direito luxemburguês (6).

11.   O regime jurídico relativo ao exercício da actividade de domiciliação («domiciliataire») consta do artigo 1.°, n.° 1, da Lei de 31 de Maio de 1999 (7), na redacção que lhe foi dada pelo artigo 15.° da Lei de 13 de Novembro de 2002. Segundo esse regime, apenas os advogados inscritos na lista I, na acepção do artigo 8.°, n.° 3, da Lei de 1991, podem exercer a actividade de domiciliação.

12.   Segundo o artigo 8.°, n.° 3, da Lei de 1991, na redacção dada pelo artigo 14.° da Lei de 2002, existem quatro listas de advogados: a lista I (advogados que preenchem os requisitos do artigo 5.°, isto é, a inscrição, e do artigo 6.°, relativo aos requisitos para proceder à inscrição e ao juramento, e que tenham sido aprovados no exame de fim de «stage»), a lista II (advogados que preenchem os requisitos dos artigos 5.° e 6.°), a lista III (advogados honorários) e a lista IV (advogados que exercem a sua actividade com o título profissional de origem).

13.   Em anexo às minhas conclusões no processo C‑506/04, também apresentadas hoje, encontram‑se mais disposições do direito nacional.

III – Matéria de facto, fase pré‑contenciosa e fase contenciosa

14.   No decurso do ano de 2003, a Comissão recebeu uma queixa na qual se afirmava a existência de obstáculos em relação ao exercício da profissão de advogado no Luxemburgo com o título de origem. Estes obstáculos diziam respeito, em primeiro lugar, aos conhecimentos linguísticos exigidos com base na Lei de 2002 e, em segundo lugar, à proibição de exercício de actividade de domiciliação («domiciliataire») e à obrigação de apresentar todos os anos o certificado do Estado‑Membro de origem.

15.   Por notificação para cumprir de 17 de Outubro de 2003, a Comissão deu início a uma acção por incumprimento, nos termos do artigo 226.° CE, contra o Luxemburgo. Após a resposta do Luxemburgo, de 23 de Dezembro de 2003, a Comissão enviou‑lhe, em 9 de Julho de 2004, um parecer fundamentado, ao qual o Luxemburgo reagiu por carta de 23 de Setembro de 2004.

16.   Em 29 de Abril de 2005, a Comissão intentou no Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias uma acção ao abrigo do artigo 226.° CE contra o Grão‑Ducado do Luxemburgo, pedindo que o Tribunal de Justiça se dignasse:

1)      declarar que, ao manter a exigência de conhecimentos linguísticos, a proibição de exercer a actividade de domiciliação e a obrigação de apresentar todos os anos o certificado do Estado‑Membro de origem, para o estabelecimento com o título profissional de origem, o Grão‑Ducado do Luxemburgo não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da Directiva 98/5/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de Fevereiro de 1998 tendente a facilitar o exercício permanente da profissão de advogado num Estado‑Membro diferente daquele em que foi adquirida a qualificação profissional, em particular dos seus artigos 2.°, 3.° e 5.°;

2)      condenar o Grão‑Ducado do Luxemburgo nas despesas.

IV – Quanto ao primeiro fundamento: exigências relativas aos conhecimentos linguísticos

A –    Argumentação das partes

1.      A Comissão

17.   A introdução da verificação dos conhecimentos linguísticos como condição de inscrição de um «advogado europeu» no quadro de advogados está em contradição com o objectivo geral da Directiva 98/5 de facilitar o exercício permanente da profissão de advogado num Estado‑Membro diferente daquele em que foi adquirida a qualificação profissional e viola, em particular, o artigo 3.°, n.° 2, da Directiva 98/5, segundo o qual o Estado‑Membro de acolhimento procederá à inscrição do advogado exclusivamente «mediante a apresentação do certificado da inscrição deste último junto da autoridade competente do Estado‑Membro de origem».

18.   Tal como se depreende do acórdão no processo Luxemburgo/Parlamento e Conselho (8), o legislador comunitário preferiu um dispositivo que conjuga a informação do consumidor, as limitações feitas ao âmbito ou às modalidades de exercício de determinadas actividades da profissão, o cúmulo das regras profissionais e deontológicas a observar, a obrigação de subscrever um seguro, bem como um regime disciplinar que associa as autoridades competentes do Estado‑Membro de origem e do Estado‑Membro de acolhimento, ao sistema de controlo a priori de uma qualificação em direito nacional do Estado‑Membro de acolhimento, e, por maioria de razão, de controlo a priori dos conhecimentos linguísticos das línguas oficiais do Estado‑Membro de acolhimento.

19.   Ao contrário do ponto de vista defendido pelo Governo luxemburguês, não podem ser impostas aos «advogados europeus» que pretendam exercer a sua actividade no Estado‑Membro de acolhimento com o seu título profissional de origem as mesmas condições – especialmente, em relação às línguas – que aos advogados que querem exercer a sua profissão com o título profissional utilizado no Estado‑Membro de acolhimento.

20.   Analisando mais de perto o tipo de casos que são habitualmente tratados pelos advogados abrangidos pelo âmbito de aplicação da Directiva 98/5 (v., em particular, o quinto considerando da Directiva 98/5), é manifesto que não são obrigatoriamente necessários conhecimentos das línguas oficiais do Estado‑Membro de acolhimento.

21.   A introdução de um controlo linguístico como condição da inscrição de um «advogado europeu» no quadro de advogados está em contradição com o objectivo geral da Directiva 98/5 de facilitar o exercício permanente da profissão de advogado num Estado‑Membro diferente daquele em que foi adquirida a qualificação profissional, e viola, em particular, o artigo 3.°, n.° 2, da Directiva 98/5, segundo o qual o Estado‑Membro de acolhimento procederá à inscrição do advogado exclusivamente «mediante a apresentação do certificado da inscrição deste último junto da autoridade competente do Estado‑Membro de origem».

2.      O Governo luxemburguês

22.   As exigências relativas aos conhecimentos linguísticos visam indistintamente todos os advogados que desejem inscrever‑se num dos quadros de advogados do território luxemburguês. Com efeito, um advogado não poderia invocar o seu título profissional estrangeiro para se exprimir perante as autoridades luxemburguesas ou os órgãos jurisdicionais luxemburgueses numa língua diferente das línguas oficiais habituais.

23.   Neste ponto, é de referir o acórdão Haim, relativo ao grupo profissional dos dentistas, cujos fundamentos, que assentam na fiabilidade necessária da comunicação com os clientes, as autoridades e os organismos profissionais, abonam no presente processo a favor da exigência de determinados conhecimentos linguísticos aos advogados que pretendam exercer a sua actividade no Luxemburgo com o título profissional de origem.

24.   Uma vez que o advogado que exerce a sua profissão com o seu título profissional de origem também pode dar consultas no âmbito do direito luxemburguês, justifica‑se que se exijam a esse advogado conhecimentos linguísticos que lhe permitam ler e compreender os textos jurídicos luxemburgueses.

25.   Além disso, deve ser sublinhado que os avisos de multa da polícia por acidentes de viação são habitualmente escritos em alemão, tal como a legislação fiscal luxemburguesa, o que pressupõe a consulta de jurisprudência e doutrina em língua alemã.

26.   Para além disso, a língua luxemburguesa é habitualmente utilizada nos órgãos jurisdicionais de pequena instância, onde não é obrigatória a constituição de advogado (Avocat à la Cour), pela parte luxemburguesa, que comparece pessoalmente no órgão jurisdicional para a sua própria defesa. Por outro lado, muitos luxemburgueses exprimem‑se exclusivamente na sua língua materna, quando consultam um advogado.

27.   Acresce ainda que, como se depreende do regulamento interno da Ordem dos Advogados do Luxemburgo (9), o conjunto das regras profissionais e deontológicas está escrito exclusivamente em língua francesa.

B –    Apreciação

28.   Já acima se afirmou que a regra controvertida diz respeito a um exame linguístico exigido aos advogados que tenham uma qualificação profissional adquirida num Estado‑Membro diferente e que pretendam exercer em permanência a sua actividade com o título profissional do seu Estado‑Membro de origem.

29.   Neste aspecto, o artigo 3.°, n.° 1, da Lei de 2002 estabelece que os «advogados europeus» devem estar inscritos no quadro dos advogados para poderem exercer a advocacia com o título de origem. Tal inscrição, por seu lado, é efectuada, nos termos do n.° 2 do artigo referido, após prestação de uma prova oral que abrange a verificação do conhecimento das línguas francesa, luxemburguesa e alemã.

1.      A letra da Directiva 98/5

30.   Para responder à questão de saber se uma tal exigência é compatível com as garantias estabelecidas na Directiva 98/5, é necessário examinar primeiro a letra desta directiva.

31.   A Directiva 98/5 não contém qualquer regulamentação expressa relativamente a um exame de línguas. Deve, por isso, verificar‑se se dela se pode inferir, pelos menos de forma implícita, a possibilidade de serem exigidos conhecimentos linguísticos e quais. O artigo 2.°, n.° 1, da directiva estabelece que qualquer advogado pode exercer, a título permanente, em qualquer outro Estado‑Membro, com o título profissional de origem, as actividades de advogado previstas no artigo 5.° Como condição, o artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 98/5 enuncia a obrigação de inscrição junto da autoridade competente do Estado‑Membro em causa. Para a inscrição, é necessária, nos termos do artigo 3.°, n.° 2, da directiva, a apresentação de um certificado da inscrição do advogado junto da autoridade competente do Estado‑Membro de origem.

32.   A Directiva 98/5 procede a uma harmonização definitiva das condições de inscrição.

33.   A apresentação do certificado é a única condição que está expressamente prevista na Directiva 98/5 e está associada à efectivação da inscrição, donde se pode concluir que outras condições – como a de aprovação num exame de línguas – não foram deliberadamente previstas pelo legislador e, por isso, não devem ser consideradas. Tal conclusão corresponde à formulação incondicional (10) do artigo 2.°, n.° 1.

34.   No entanto, segundo uma outra interpretação, poderia entender‑se que não foi definida uma regra relativa a uma prova de línguas unicamente pelo facto de tal possibilidade já ser implicitamente admitida noutras disposições da Directiva 98/5. Segundo o artigo 6.°, n.° 1, o advogado que exerce a sua actividade com o título profissional de origem está sujeito também às regras profissionais e deontológicas do Estado‑Membro de acolhimento. Não se pode, porém, deduzir desta disposição que um exame de línguas previsto nas regras profissionais do Estado‑Membro de acolhimento seja automaticamente compatível com a Directiva 98/5. Caso contrário, os Estados‑Membros poderiam prever livremente nas suas regulamentações dificuldades acrescidas para os «advogados europeus» e, deste modo, inviabilizar os objectivos da Directiva 98/5. O artigo 6.° não pode, pois, ser interpretado no sentido de que permite o exame controvertido.

35.   A letra da Directiva 98/5 advoga, portanto, contra a compatibilidade da dita directiva com uma prova de línguas.

2.      Os fins da Directiva 98/5

36.   Nos termos do artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 98/5, esta deve concretizar a liberdade de circulação prevista no Tratado, em relação à profissão de advogado.

37.   O primeiro marco do desenvolvimento legislativo, nesta matéria, foi realizado pela Directiva 77/249/CEE do Conselho, de 22 de Março de 1977, tendente a facilitar o exercício efectivo da livre prestação de serviços pelos advogados (11) (a seguir «Directiva 77/249»). O passo seguinte foi conseguido pela aprovação da Directiva 89/48/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, relativa a um sistema geral de reconhecimento dos diplomas de ensino superior que sancionam formações profissionais com uma duração mínima de três anos (12) (a seguir «Directiva 89/48»).

38.   Porém, como a Directiva 89/48 se aplica a um grande número de profissões regulamentadas, foi considerada insuficiente para a realização das liberdades fundamentais dos advogados. Devido às particularidades da profissão de advogado, foi necessário um regime jurídico especial, concretizado com a Directiva 98/5. O objectivo desta última directiva é o de facilitar o exercício da liberdade de estabelecimento por parte de uma determinada categoria de advogados migrantes, que são aqueles que querem exercer a sua actividade com o título profissional de origem (13).

39.   A necessidade de um regime jurídico especial surgiu, segundo o quinto considerando da Directiva 98/5, das novas necessidades dos utentes do Direito, que, em consequência da realização do mercado interno, procuram conselhos para transacções que, em muitos casos, envolvem aspectos regulados pelo direito internacional, pelo direito comunitário e pelos direitos nacionais. Nesse sentido, a Directiva 98/5 pretende designadamente, em comparação com o sistema geral de reconhecimento (Directiva 89/48), «facilitar» a integração na profissão do Estado‑Membro de acolhimento.

40.   A instituição, a nível nacional, de uma prova de línguas levaria, porém, a que o acesso à profissão de advogado num outro Estado‑Membro estivesse exposto a uma barreira semelhante àquela existente no âmbito da Directiva 89/48: o artigo 4.° desta directiva permite aos Estados‑Membros prever uma prova de aptidão para a profissão de advogado. Como as provas de línguas e de matéria têm um efeito comparável, a integração na profissão seria pouco «mais fácil» do que mediante a aplicação do sistema geral de reconhecimento. Ora, desse modo, o objectivo da Directiva 98/5 de dar mais um passo para a integração, em comparação com a Directiva 89/48, estaria em perigo.

41.   Realce‑se, em conclusão, que os conhecimentos linguísticos são evidentemente importantes para uma actividade frutífera. Esta asserção vale particularmente para os conhecimentos da ou das línguas do país. Estes últimos são por vezes indispensáveis no contacto com os clientes e as autoridades do Estado‑Membro em causa. Assim, se um advogado não dispuser ele próprio dos conhecimentos linguísticos necessários, tem de se fazer assistir por um advogado que domine línguas. Vistos nesta perspectiva, os conhecimentos linguísticos limitados ou a falta deles repercutem‑se sobre a actividade material do «advogado europeu» em causa e limitam o seu campo de actividade.

42.   Neste contexto, chama‑se igualmente mais uma vez à atenção para o facto de que a problemática que é objecto do presente processo diz respeito à actividade de advogados exercida com o título profissional do Estado‑Membro de origem, e não aos chamados advogados nacionais, isto é, com o título profissional do Estado‑Membro de acolhimento. Desde logo por essa razão não devem ser impostas as mesmas exigências a esse grupo de «advogados europeus» que aos advogados que queiram exercer a sua actividade com o título profissional do Estado‑Membro de acolhimento.

3.      A génese da Directiva 98/5

43.   A inadmissibilidade de exames de línguas é ainda apoiada pela análise do processo legislativo destas normas. Este foi caracterizado por uma multiplicidade de alterações desde a proposta da Comissão de 30 de Março de 1995 (14) até à versão definitiva de 16 de Fevereiro de 1998. Assim, por exemplo, na proposta da Comissão, nos termos do respectivo artigo 2.°, o exercício da profissão de advogado num outro Estado‑Membro com o título profissional de origem estava limitado a cinco anos.

44.   No entanto, ressalta o facto de estar prevista, desde o início e sem ter sido alterada, a inscrição mediante a apresentação de um certificado do Estado‑Membro de origem como a única condição para o exercício da profissão. A fundamentação da Comissão relativamente ao artigo 2.° da sua proposta de Directiva 98/5 fala expressamente da «única condição» para a inscrição. Só o Comité Económico e Social, no seu parecer (15), formulou reservas em relação a uma solução que possibilitava a prestação de conselhos sobre o direito do Estado‑Membro de acolhimento sem um controlo prévio dos conhecimentos (linguísticos). No entanto, estas reservas não foram retidas no processo legislativo subsequente e também não voltam a aparecer nas contribuições do Parlamento Europeu e do Conselho.

45.   Uma das constantes na génese da Directiva 98/5, caracterizada por uma multiplicidade de alterações, é, por conseguinte, a associação da inscrição à simples apresentação de um certificado do Estado‑Membro de origem.

46.   Esta solução indica que todos os órgãos que participaram de forma decisiva no processo legislativo afastaram a possibilidade de os Estados‑Membros poderem prever exigências linguísticas.

4.      A jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às liberdades fundamentais

47.   As conclusões deduzidas da letra, dos fins e da génese da Directiva 98/5 correspondem também em geral à jurisprudência do Tribunal de Justiça relativamente às liberdades fundamentais pertinentes.

48.   Porém, é possível considerar os acórdãos nos processos Groener(16) e Haim(17) como derrogações a esta linha geral. Nestes processos, o Tribunal de Justiça decidiu que as exigências linguísticas representam, na verdade, um obstáculo para o exercício das liberdades garantidas pelo Tratado, mas que podem ser justificadas por razões imperativas de interesse geral (18), entre as quais se contam também a comunicação com os pacientes, as autoridades administrativas e os organismos profissionais.

49.   Nos presentes processos, poderiam ser relevantes motivos semelhantes, nomeadamente a comunicação entre advogado e constituinte, a protecção deste último da prestação de conselhos sem qualidade por falta de conhecimentos linguísticos do advogado, assim como a garantia de uma boa administração da justiça. Se as conclusões das decisões referidas fossem transponíveis para a situação em causa no presente processo, tal constituiria um argumento a favor da possibilidade de existência de um exame de línguas a nível dos Estados‑Membros.

50.   No processo Groener, o Tribunal de Justiça considerou que uma disposição irlandesa segundo a qual a nomeação para um lugar permanente de professor a tempo inteiro em instituições públicas de ensino profissional dependia da comprovação de conhecimentos suficientes de irlandês era compatível com o Regulamento n.° 1612/68 do Conselho relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (19).

51.   Para tal, apoiou‑se, porém, no artigo 3.°, n.° 1, último parágrafo, do Regulamento n.° 1612/68, que prevê para os conhecimentos linguísticos uma excepção expressa ao princípio do n.° 1, segundo travessão, segundo o qual não são aplicáveis as disposições legislativas, regulamentares ou administrativas nacionais que tenham por objectivo ou efeito afastar os nacionais dos outros Estados‑Membros do emprego oferecido. No entanto, precisamente, a Directiva 98/5 não contém tal excepção ou regra de autorização.

52.   Além disso, a argumentação do Tribunal de Justiça baseia‑se no facto de que cabe à profissão de professor um papel essencial na realização da política de defesa da identidade e da cultura nacionais, através do ensino dispensado e das relações privilegiadas mantidas com os estudantes. Na verdade, o Grão‑Ducado do Luxemburgo assume uma posição especial semelhante à da Irlanda em relação às línguas (20). No entanto, a profissão de advogado não pode ser comparada com a profissão de professor. A sua tarefa não é defender a língua como expressão da identidade e da cultura nacionais, nem ele se encontra em posição para tal (21).

53.   Perante as diferenças apresentadas, o processo Groener não pode ser invocado como argumento a favor de um exame nacional de línguas.

54.   No acórdão Haim, o Tribunal de Justiça entendeu que as instâncias competentes de um Estado‑Membro estão autorizadas a sujeitar a contratação, em regime convencionado, de um dentista, nacional de outro Estado‑Membro, aí estabelecido e habilitado a exercer, à condição de tal dentista ter os conhecimentos linguísticos necessários ao exercício da sua profissão no Estado‑Membro de estabelecimento.

55.   As disposições do direito comunitário aplicáveis no processo Haim distinguem‑se, porém, das da Directiva 98/5 num ponto decisivo.

56.   De facto, o artigo 18.°, n.° 3, da Directiva 78/686/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1978, que tem por objectivo o reconhecimento mútuo dos diplomas, certificados e outros títulos de dentista e que inclui medidas destinadas a facilitar o exercício efectivo do direito de estabelecimento e da livre prestação de serviços (22) (a seguir «Directiva 78/686»), dispõe que os Estados‑Membros providenciarão por que os beneficiários da Directiva 78/686 adquiram, no interesse dos seus pacientes, os conhecimentos da língua necessários no Estado‑Membro de acolhimento. No entanto, precisamente, a Directiva 98/5 não contém uma disposição semelhante.

57.   Na verdade, a Directiva 78/686 não foi aplicável ao caso Haim, visto que Salomone Haim não tinha obtido o seu diploma de dentista na União Europeia, mas sim na Turquia. Porém, as considerações do advogado‑geral J. Mischo(23) neste processo evidenciam que a faculdade admitida na decisão do Tribunal de Justiça de impor exigências linguísticas ficou‑se ainda a dever à regra especial do artigo 18.°, n.° 3, da Directiva 78/686. Segundo essas considerações, o requisito linguístico aplicável, nos termos da referida directiva, aos cidadãos comunitários titulares de um diploma obtido num Estado‑Membro diferente e que, portanto, se enquadram no âmbito de aplicação do artigo 18.°, n.° 3, vale, por maioria de razão, para os nacionais de outros Estados‑Membros titulares de um diploma de um país terceiro.

58.   Assim, perante as diferenças existentes em relação ao presente processo, o acórdão Haim também não pode servir de argumento a favor de um exame de línguas no quadro da Directiva 98/5.

5.      A jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à Directiva 98/5

59.   Além disso, devem colher‑se outras afirmações da jurisprudência do Tribunal de Justiça contra a admissibilidade de uma prova de línguas, em particular o acórdão Luxemburgo/Parlamento e Conselho (24).

60.   No âmbito deste processo, o Tribunal de Justiça teve de decidir um recurso de anulação interposto pelo Luxemburgo da Directiva 98/5. O Luxemburgo contestou a validade da Directiva 98/5, entre outros motivos porque esta renunciava a um controlo prévio dos advogados que exercem a sua actividade com o título profissional de origem, no que respeita aos seus conhecimentos do direito do Estado‑Membro de acolhimento. Tal facto prejudicava, em seu entender, a protecção dos consumidores e o interesse da boa administração da justiça, enquanto expressão de razões imperativas do interesse geral.

61.   No entanto, no seu acórdão, o Tribunal de Justiça rejeitou esta argumentação do Luxemburgo. Ao adoptar medidas de coordenação, o legislador comunitário tem em conta o interesse geral prosseguido pelos Estados‑Membros e adopta o nível de protecção desse interesse que pareça aceitável na Comunidade(25). Nos n.os 34 a 43, o Tribunal de Justiça esclarece em detalhe que a directiva, nos seus artigos 4.°, 5.°, 6.° e 7.°, já toma precauções suficientes para garantir o referido interesse.

62.   O Tribunal de Justiça considerou, no seu acórdão, que o advogado que exerce a sua actividade com o título profissional de origem está obrigado, por exemplo, a utilizar esse título na língua oficial do seu Estado‑Membro de origem, como modo de informação do consumidor e para evitar qualquer confusão com o título profissional do Estado‑Membro de acolhimento. Além disso, está sujeito a determinadas limitações no que toca ao âmbito e às modalidades de exercício da profissão e ainda às regras profissionais e deontológicas do Estado‑Membro de acolhimento. Ao efectuar essa escolha do modo e do nível de protecção dos consumidores e de garantia de uma boa administração da justiça, o legislador comunitário não ultrapassou os limites do seu poder de apreciação.

63.   Em seguida, deverá verificar‑se se estas apreciações do Tribunal de Justiça podem ser aplicadas para se concluir pela incompatibilidade de uma prova de línguas com a Directiva 98/5. Para isso, duas condições terão de estar preenchidas. Por um lado, as afirmações do Tribunal de Justiça dizem respeito a um exame dos conhecimentos (materiais) do direito do Estado‑Membro de acolhimento. O mesmo terá então de valer para o exame dos conhecimentos linguísticos. Por outro lado, o acórdão foi proferido no âmbito de um recurso de anulação. Ao facto de o legislador comunitário não ter ultrapassado os limites do seu poder de apreciação deve ainda acrescer que os Estados‑Membros não podem prever qualquer outro sistema de protecção.

64.   Quanto à primeira condição, ou seja, a possibilidade de se comparar um exame de conhecimentos jurídicos com uma prova de línguas, deve‑se referir que – tal como o Tribunal de Justiça afirma – o legislador comunitário não elimina o dever de conhecer o direito nacional, mas apenas liberta o advogado de provar esses conhecimentos a priori. Assim, o Tribunal de Justiça aceita que os conhecimentos (jurídicos) podem ser adquiridos progressivamente pela actividade prática.

65.   Do mesmo modo, os conhecimentos linguísticos podem ser aperfeiçoados constantemente pelo trabalho quotidiano no Estado‑Membro de acolhimento. Para além disso, o mecanismo de protecção previsto para o conhecimento jurídico estende‑se, de igual forma, ao caso das insuficiências linguísticas: também neste caso, a sujeição a regras profissionais e deontológicas do Estado‑Membro de acolhimento serve para evitar que sejam causados danos aos constituintes. As regras deontológicas em vigor incluem, com base no modelo contido no número 3.1.3. das disposições adoptadas pelo Conselho das Ordens de Advogados da União Europeia (CCBE), a obrigação, garantida pelo direito disciplinar, de recusar um mandato quando o advogado saiba ou deva saber que não possui os conhecimentos necessários. Tal pode evidentemente ser transposto para os conhecimentos linguísticos em falta.

66.   Assim, se as suas capacidades linguísticas não forem suficientes para apreciar correctamente certos factos, com base nas normas correspondentes, o advogado é obrigado, tal como no caso de falta de conhecimentos jurídicos, a não aceitar o mandato.

67.   Por conseguinte, as considerações do Tribunal de Justiça em relação ao conhecimento material são transponíveis para as exigências linguísticas.

68.   Para além disso, teria ainda de estar preenchida a segunda condição. À primeira vista, poder‑se‑ia argumentar que a circunstância de o legislador comunitário ter permanecido dentro dos limites do seu poder de apreciação ao estabelecer um mecanismo de protecção que não inclui um exame a priori não conduz automaticamente à proibição de um sistema diferente. Com efeito, não se pode concluir das considerações do Tribunal de Justiça que um mecanismo de controlo a priori não esteja abrangido dentro dos limites do poder de apreciação do legislador comunitário.

69.   Esta questão não deve, porém, ser confundida com a questão de saber quais são as possibilidades que restam aos Estados‑Membros depois de o legislador comunitário ter optado por um mecanismo de protecção – legalmente admissível. Tendo o legislador comunitário definido como norma uma variante determinada, os Estados‑Membros já não podem – salvo autorização expressa – afastar‑se de tal opção.

70.   Por conseguinte, a segunda condição está igualmente preenchida. A apreciação do Tribunal no processo Luxemburgo/Parlamento e Conselho, relativa à anulação da Directiva 98/5, é, portanto, relevante para o presente processo. O resultado da incompatibilidade do exame de línguas com a Directiva 98/5, encontrado através da análise da letra e da génese da directiva, é, pois, confirmado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

6.      Os efeitos da Directiva 2005/36

71.   No entanto, a Directiva 98/5 deverá talvez ainda ser interpretada à luz da recente Directiva 2005/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Setembro de 2005, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais (26) (a seguir «Directiva 2005/36»). Esta estabelece, no seu artigo 53.°, que os beneficiários do reconhecimento de qualificações profissionais devem ter os conhecimentos linguísticos necessários para o exercício da profissão no Estado‑Membro de acolhimento.

72.   No presente processo, trata‑se, porém, do exercício da actividade no Estado‑Membro de acolhimento com o título profissional do Estado‑Membro de origem. Tal como o Tribunal de Justiça afirmou no processo Luxemburgo/Parlamento e Conselho, para proceder ao tratamento diferenciado dos dois grupos de advogados (27), os dois grupos referidos não são comparáveis entre si (28).

73.   Deve‑se concluir desta distinção que, no âmbito do exercício da actividade de advogado com o título profissional do Estado‑Membro de origem, em causa no presente litígio, não devem ser invocados argumentos fundados no âmbito da actividade com o título profissional do Estado‑Membro de acolhimento, em virtude de a base factual ser diferente. A Directiva 98/5 não deve, por isso, ser interpretada à luz da Directiva 2005/36. Fica, portanto, ressalvada a conclusão da incompatibilidade de uma prova de línguas com a directiva referida em primeiro lugar.

7.      A comparação com a Directiva 77/249

74.   Por fim, a comparação com a Directiva 77/249 aponta também no sentido da proibição de uma prova de línguas prévia. Como resulta da argumentação do Luxemburgo no processo Luxemburgo/Parlamento e Conselho (29), o Grão‑Ducado não contesta a possibilidade de advogados estrangeiros, em aplicação da Directiva 77/249, exercerem uma actividade de consulta jurídica, relativa ao direito do Estado‑Membro de acolhimento, no Estado‑Membro de acolhimento, com o título profissional do seu Estado‑Membro de origem, sem terem de comprovar previamente os seus conhecimentos linguísticos.

75.   Sendo assim, existem muitas razões para que tal possibilidade se aplique também em relação à Directiva 98/5, visto que ambas as directivas são análogas em grande parte, no que respeita às disposições que são determinantes no presente processo. A única diferença consiste no facto de que uma se enquadra na liberdade de circulação de serviços, ao passo que a outra se baseia nos artigos 43.° e seguintes CE.

76.   Poder‑se‑ia, todavia, argumentar que precisamente deste aspecto resulta uma diferença considerável, que justifica um tratamento diferenciado, pois o advogado unicamente prestador de serviços só permanece pouco tempo no Estado‑Membro em causa e cumpre aí muito menos mandatos dados localmente do que o advogado aí estabelecido. Por conseguinte, o risco que corre o constituinte de obter conselhos jurídicos sem qualidade é mais reduzido no âmbito da Directiva 77/249 do que no âmbito da Directiva 98/5.

77.   No entanto, observando com maior rigor, tal não é o caso. Como resulta de argumento a contrario retirado do artigo 4.°, n.os 1, 2 e 4, assim como do artigo 7.°, n.° 2, da Directiva 77/249, o advogado prestador de serviços não está sujeito na mesma medida que o «advogado europeu» estabelecido às regras profissionais e deontológicas, bem como às sanções disciplinares associadas do Estado‑Membro de acolhimento. Este «potencial de dissuasão» mais reduzido poderia eventualmente conduzir o primeiro a adoptar um comportamento de maior risco em relação à falta de aptidão linguística. Além disso, o advogado estabelecido, graças a um contacto mais estreito com o sistema jurídico local e a(s) respectiva(s) língua(s), estaria em melhores condições de propor conselhos jurídicos de confiança (30).

78.   Consequentemente, os perigos que ameaçam os constituintes, assim como a administração da justiça, resultantes da falta de conhecimentos linguísticos do «advogado europeu» estabelecido, pelo menos não são mais elevados do que os existentes no âmbito da pura prestação de serviços por advogados.

8.      Conclusão provisória

79.   Do exposto resulta que as autoridades competentes do Estado‑Membro de acolhimento não estão autorizadas a fazer depender o exercício da profissão de advogado com o título profissional do Estado‑Membro de origem no Estado‑Membro de acolhimento, ou seja, num Estado‑Membro diferente daquele em que foi adquirida a qualificação profissional, da aprovação num exame de línguas prévio.

80.   Mesmo que o Tribunal de Justiça venha a considerar que um exame de línguas é, em princípio, compatível com as garantias estabelecidas pela Directiva 98/5, coloca‑se ainda a questão de saber se esta directiva permite as exigências relativas aos conhecimentos linguísticos vigentes no Luxemburgo.

81.   Tal como já foi exposto acima, o exame dos conhecimentos linguísticos controvertido estende‑se ao francês, ao alemão e ao luxemburguês.

82.   Na verdade, nos termos do artigo 3.° da Lei de 1984, sobre o regime das línguas (31), pode ser utilizada no Luxemburgo, tanto perante a Administração como perante os órgãos jurisdicionais, qualquer uma das três línguas. Porém, tal facto não justifica de modo nenhum, em termos de proporcionalidade, o conhecimento prévio das três línguas pelo «advogado europeu».

83.   Como resulta em particular do artigo 2.° da referida lei, no Luxemburgo, todos os actos legislativos e os seus regulamentos de execução são redigidos em francês. Segundo as indicações do Grão‑Ducado, o francês é também a língua das regras profissionais e deontológicas dos advogados. Só certas partes do direito fiscal geral, nomeadamente o regime dos impostos, baseado no regime da República Federal da Alemanha, estão redigidas na língua alemã.

84.   Assim, pelo menos o conhecimento do luxemburguês – e mesmo o do alemão – não é de modo nenhum necessário para garantir a prestação de conselhos jurídicos de confiança, com vista à protecção do constituinte e à boa administração da justiça.

85.   Por consequência, o primeiro fundamento é procedente.

V –    Quanto ao segundo fundamento: proibição do exercício da actividade de domiciliação («domiciliataire»)

A –    Argumentação das partes

1.      A Comissão

86.   Segundo o artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 98/5, o advogado que exerça com o título profissional de origem, sem prejuízo de determinadas excepções previstas no artigo 5.°, n.os 2 e 3, da Directiva 98/5, tem o direito de desenvolver as mesmas actividades que o advogado que exerça com o título profissional adequado do Estado‑Membro de acolhimento. Por conseguinte, os Estados‑Membros não têm o direito, ao transporem a Directiva 98/5, de prever outras excepções. A proibição de exercer a domiciliação infringe, portanto, o artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 98/5.

87.   Ao contrário do que sugere a argumentação apresentada pelo Governo luxemburguês, o «advogado europeu» não pode ser comparado a um advogado luxemburguês inscrito na lista II do quadro de advogados (advogado estagiário – avocat stagiaire), ao qual também é proibido o exercício da domiciliação. Enquanto a referida lista diz respeito àqueles que são admitidos ao estágio de advocacia, mas cuja admissão definitiva depende ainda da aprovação no exame de final de estágio, no caso do «advogado europeu», trata‑se de um advogado plenamente credenciado.

88.   A exigência do conhecimento do direito local também não pode justificar uma limitação das actividades do advogado que exerce com o seu título profissional de origem. A possibilidade de o Governo luxemburguês invocar uma ameaça para a ordem pública como causa de justificação pressupõe a existência de uma ameaça real e suficientemente grave que afecte um interesse fundamental da sociedade, o que não acontece no caso do exercício da actividade de domiciliação por um advogado aprovado num outro Estado‑Membro.

89.   Para garantir a eficácia plena do artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 98/5, o artigo 6.°, n.° 3, da mesma directiva prevê a possibilidade de os Estados‑Membros exigirem que o advogado que exerça com o título profissional de origem subscreva um seguro de responsabilidade profissional ou se inscreva num fundo de garantia profissional.

2.      O Governo luxemburguês

90.   Com a Lei de 1999, o legislador luxemburguês pretendeu, para proteger a ordem pública, reservar a actividade de domiciliação de sociedades aos advogados familiarizados com o direito local e a prática local, a fim de pôr termo a certos abusos prejudiciais para o mercado luxemburguês, relacionados com domiciliações fictícias.

91.   Uma vez que aquele que detém o domicílio tem a tarefa de verificar se as sociedades preenchem as condições legais relativas ao acesso à profissão, assim como as disposições locais relativas às abertura de contas sociais e à convocação da assembleia geral, o exercício da actividade de domiciliação exige uma experiência profissional na área do direito das sociedades e um bom conhecimento deste último, o que levou o legislador luxemburguês a excluir os advogados inscritos na lista II (advogados estagiários – «avocats stagiaires») e os «advogados europeus» desta actividade.

92.   Na medida em que exerçam a sua profissão com o seu título profissional de origem, os advogados aprovados plenamente pelo seu Estado‑Membro de origem não serão equiparados aos advogados do Estado‑Membro de acolhimento. Têm, no entanto, a possibilidade, ao abrigo da Directiva 98/5 (veja‑se o quarto considerando), de se integrarem na instância profissional do Estado‑Membro de acolhimento, após um período necessário à aquisição de experiência profissional e mediante as condições previstas no artigo 10.° da Directiva 98/5. Durante o referido período e tal como os advogados estagiários (avocats stagiaires), os «advogados europeus», nos termos do artigo 5.°, n.° 4, da Lei de 2002, só podem actuar em conjunto com um advogado do foro (avocat à la Cour), que assume juridicamente a responsabilidade pelos assuntos e processos reservados por lei ou por regulamento a tal advogado.

B –    Apreciação

93.   Em primeiro lugar, há que reter que a regulamentação luxemburguesa segundo a qual apenas os advogados inscritos na lista I podem exercer a domiciliação exclui, desse modo, desta actividade os outros advogados. Trata‑se, especificamente, dos advogados inscritos nas listas II a IV.

94.   Estes advogados «excluídos» não podem, pois, exercer as mesmas actividades profissionais que aqueles que exerçam com o título profissional adequado do Estado‑Membro de acolhimento.

95.   A regulamentação controvertida produz, assim, o efeito de negar aos advogados que exerçam a sua actividade com o título profissional do Estado‑Membro de origem o direito fundamental de exercício da mesma actividade profissional previsto no artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 98/5.

96.   Na verdade, o artigo 5.°, n.° 1, da Directiva 98/5 permite aos Estados‑Membros prever certas excepções a este direito fundamental. No entanto, a regulamentação controvertida não corresponde a nenhuma das previsões dos n.os 2 e 3 relacionadas com esta questão.

97.   Também não pode contrapor‑se que mesmo certos advogados luxemburgueses e, em concreto, os «avocats stagiaires» inscritos na lista II, não podem exercer a domiciliação. Este grupo não é, com efeito, semelhante ao dos «advogados europeus», visto que estes últimos advogados dispõem de aptidão profissional plena. Estes dois grupos são, portanto, demasiado diferentes para poderem ser sujeitos à mesma regulamentação jurídica neste aspecto.

98.   Este tratamento diferenciado também não pode ser justificado pelo facto de as tarefas associadas à actividade de domiciliação exigirem experiência profissional e uma familiarização especial com o enquadramento jurídico, em particular o direito das sociedades, e com a prática local. O exercício da advocacia exige em permanência, e não apenas por razões de responsabilidade jurídica, um certo grau de diligência e de familiarização com a matéria jurídica.

99.   De resto, o direito das sociedades é um ramo do direito que está fortemente harmonizado ao nível do direito comunitário, comparativamente com outros ramos. Nessa perspectiva, legislação análoga deverá estar em larga medida em vigor no Estado‑Membro de origem de um «advogado europeu».

100. Não é necessário analisar profundamente se a obrigação controvertida pode ser qualificada de exigência de «ordre public», tendo em conta os critérios rigorosos da jurisprudência do Tribunal de Justiça a este respeito (32). No presente processo, não se consegue sequer estabelecer qual o interesse fundamental da sociedade que seria protegido com a regulamentação controvertida e por que razão poderá existir uma ameaça real e actual a tal interesse.

101. Por conseguinte, o segundo fundamento é igualmente procedente.

VI – Quanto ao terceiro fundamento: obrigação de apresentar todos os anos o certificado do Estado‑Membro de origem

A –    Argumentação das partes

1.      A Comissão

102. Na opinião da Comissão, o Governo luxemburguês esclareceu, na sua resposta ao parecer fundamentado, que tinha tomado conhecimento do argumento da Comissão, segundo o qual a exigência de uma apresentação anual reiterada do certificado de inscrição junto da autoridade competente do Estado‑Membro de origem representava um encargo administrativo injustificado, à luz das disposições da Directiva 98/5.

103. A Comissão salienta, porém, que esta exigência, que contraria a letra da Directiva 98/5 pelas razões expostas no parecer fundamentado, continua até agora incluída na lei de transposição da Directiva 98/5 para o direito luxemburguês.

2.      O Governo luxemburguês

104. O Governo luxemburguês remete, neste ponto, para a sua resposta ao parecer fundamentado. Tomou conhecimento neste parecer fundamentado do argumento da Comissão, segundo o qual a obrigação controversa representa um encargo administrativo não justificado.

B –    Apreciação

105. No que respeita à exigência, prevista no artigo 3.°, n.° 2, da Lei de 2002, de apresentar todos os anos o certificado do Estado‑Membro de origem, há que constatar, em primeiro lugar, que o Governo luxemburguês parece reconhecer a existência de incumprimento a esse respeito.

106. Quanto ao mérito da questão, há que considerar em relação a esta exigência do direito luxemburguês que se trata de uma obrigação que não está expressamente prevista na Directiva 98/5. Também não se consegue deduzir de outro modo desta directiva que tal exigência é admissível. Antes pelo contrário, tal exigência contraria os fins prosseguidos por esta directiva e os mecanismos nela estabelecidos.

107. De facto, a Directiva 98/5 obriga o Estado‑Membro de origem a colaborar com o Estado‑Membro de acolhimento. Tal é demonstrado, em particular, pela obrigação, prevista no seu artigo 7.°, n.° 2, segundo parágrafo, de informar a autoridade competente do ou dos Estados‑Membros de acolhimento da instauração de um processo disciplinar.

108. A obrigação prevista no direito luxemburguês representa um encargo em termos administrativos, em particular pela sua frequência anual, que, de resto, também não respeita o princípio da proporcionalidade.

109. Por consequência, também o terceiro fundamento é procedente.

VII – Despesas

110. Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Uma vez que o Grão‑Ducado do Luxemburgo foi vencido, deve ser condenado nas despesas.

VIII – Conclusão

111. Com base no exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que:

1)      declare que, ao manter, para o estabelecimento com o título profissional do Estado‑Membro de origem, a exigência de uma prova de línguas, a proibição de exercer a actividade de domiciliação e a obrigação de apresentar todos os anos o certificado do Estado‑Membro de origem, o Grão‑Ducado do Luxemburgo não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da Directiva 98/5/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Fevereiro de 1998, tendente a facilitar o exercício permanente da profissão de advogado num Estado‑Membro diferente daquele em que foi adquirida a qualificação profissional;

2)      condene o Grão‑Ducado do Luxemburgo nas despesas.


1 – Língua original: alemão.


2 – Processo Wilson (C‑506/04). As minhas conclusões neste processo são também apresentadas hoje (11 de Maio de 2006).


3 – JO L 77, p. 36.


4 – Mémorial A n.° 16, de 27 de Fevereiro de 1984, p. 196.


5 – Mémorial A n.° 140, de 17 de Dezembro de 2002, p. 3202.


6 – Lei de 10 de Agosto de 1991 relativa à profissão de advogado (Mémorial A n.° 58, de 27 de Agosto de 1991, p. 1110) e Lei de 31 de Maio de 1999.


7 – Mémorial A n.° 77, de 21 de Junho de 1999, p. 1681.


8 – Acórdão de 7 de Novembro de 2000, Luxemburgo/Parlamento e Conselho (C‑168/98, Colect., p. I‑9131, n.os 33 a 43).


9 – Mémorial A n.° 53, de 20 de Abril de 2005.


10 – Neste sentido, v. também Pertek, J., «La Communauté peut instituer un système de reconnaissance mutuelle des autorisations nationales d’exercice permettant de pratiquer toutes les activités typiques de l’avocat dans un État d’accueil», La Semaine juridique – édition générale 2001 II 10637, pp. 2258 e 2260.


11 – JO L 78, p. 17.


12 – JO 1989, L 19, p. 16.


13 – Acórdão Luxemburgo/Parlamento e Conselho (já referido na nota 8, n.° 43).


14 – JO C 128, p. 6.


15 – JO 1995, C 256, p. 14.


16 – Acórdão de 28 de Novembro de 1989, Groener (379/87, Colect., p. 3967, n.os 17 a 20).


17 – Acórdão de 4 de Julho de 2000, Haim (C‑424/97, Colect., p. I‑5123, n.os 52 a 61).


18 – V. acórdãos de 6 de Junho de 2000, Angonese (C‑281/98, Colect., p. I‑4139, n.os 42 a 44), e de 2 de Julho de 1996, Comissão/Luxemburgo (C‑473/93, Colect., p. I‑3207, n.° 35).


19 – Regulamento do Conselho de 15 de Outubro de 1968 (JO L 257, p. 2).


20 – Acórdão Comissão/Luxemburgo (já referido na nota 18, n.° 35).


21 – V. McMahon, B., Common Market Law Review, 1990, pp. 136 e 137.


22 – JO L 233, p. 1.


23 – Conclusões do advogado‑geral J. Mischo de 19 de Maio de 1999, no processo Haim (já referido na nota 17, n.os 89 a 91).


24 – Acórdão Luxemburgo/Parlamento e Conselho (já referido na nota 8, n.os 32 a 44).


25 – Acórdãos Luxemburgo/Parlamento e Conselho (já referida na nota 8, n.° 32), e de 13 de Maio de 1997, Alemanha/Parlamento e Conselho (C‑233/94, Colect., p. I‑2405, n.° 17).


26 – JO L 255, p. 22.


27 – Acórdão Luxemburgo/Parlamento e Conselho (já referido na nota 8, n.os 20 a 29).


28 – Para uma crítica ao modo de proceder do Tribunal de Justiça, mas de acordo com a conclusão, Cabral, P. – Common Market Law Review 2002, pp. 140 a 143.


29 – Acórdão Luxemburgo/Parlamento e Conselho (já referido na nota 8, n.os 20 e 21); no mesmo sentido, também Friden, G., Cour de justice des communautés européennes, Annales du droit luxembourgeois 2000, pp. 283 e 284.


30 – Conclusões do advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo Colomer de 24 de Fevereiro de 2000, no processo Luxemburgo/Parlamento e Conselho (acórdão já referido na nota 8, n.os 43 e segs.).


31 – Mémorial A (já referido na nota 4, pp. 196 e segs.).


32 – Acórdãos de 10 de Julho de 1986, Segers (79/85, Colect., p. 2375), de 29 de Outubro de 1998, Comissão/Espanha (C‑114/97, Colect., p. I‑6717), e de 9 de Março de 2000, Comissão/Bélgica (C‑355/98, Colect., p. I‑1221).

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