Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62005CC0005

    Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 1 de Dezembro de 2005.
    Staatssecretaris van Financiën contra B. F. Joustra.
    Pedido de decisão prejudicial: Hoge Raad der Nederlanden - Países Baixos.
    Disposições fiscais - Harmonização das legislações - Directiva 92/12/CEE - Impostos especiais de consumo - Vinho - Artigos 7.º a 10.º - Determinação do Estado-Membro em que o imposto é exigível - Aquisição por um particular para satisfação das suas próprias necessidades e das de outros particulares - Encaminhamento para outro Estado-Membro por uma empresa de transportes - Regime aplicável no Estado-Membro de destino.
    Processo C-5/05.

    Colectânea de Jurisprudência 2006 I-11075

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2005:737

    Conclusões do Advogado-Geral

    Conclusões do Advogado-Geral

    1. Pelo presente pedido de decisão prejudicial, o Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos) pretende obter orientações sobre a interpretação dos artigos 7.° a 9.° da Directiva 92/12/CEE do Conselho (2), a qual faz parte integrante da legislação que estabelece o mercado interno.

    2. Estas disposições estabelecem regras sobre o local onde o imposto especial de consumo (3) deve ser cobrado, nas diversas circunstâncias em que bens sujeitos ao imposto especial de consumo circulam entre Estados‑Membros; em regra, o imposto é exigível no Estado‑Membro do destino final.

    3. Contudo, o artigo 8.° dispõe que o imposto especial de consumo sobre os «produtos adquiridos por particulares, para satisfação das suas necessidades e transportados pelos próprios» deve ser cobrado no Estado‑Membro em que foram adquiridos.

    4. No presente processo, um particular, residente nos Países Baixos, adquiriu vinho em França, com o imposto especial de consumo pago, para satisfação tanto das suas necessidades como das de outros particulares residentes nos Países Baixos, aos quais prestou o serviço a título pessoal e não lucrativo. Contudo, não transportou ele próprio o vinho, mas contratou uma empresa de transportes para o fazer.

    5. As autoridades aduaneiras neerlandesas pretendem agora cobrar o imposto especial de consumo sobre o vinho.

    Direito comunitário aplicável

    Directiva 92/12

    6. É útil, ainda que algo trabalhoso, analisar com algum pormenor as partes relevantes da Directiva 92/12.

    7. Os quarto a oitavo considerandos são do seguinte teor:

    «[...] para garantir o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno, a exigibilidade dos impostos especiais de consumo deve ser idêntica em todos os Estados‑Membros;

    [...] qualquer entrega, detenção com vista à entrega ou afectação às necessidades de um operador que exerça de forma independente uma actividade económica ou às necessidades de um organismo de direito público que tenha lugar num Estado‑Membro que não seja o da introdução no consumo, dará lugar à exigibilidade do imposto especial de consumo nesse Estado‑Membro;

    [...] os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo adquiridos por particulares para fins pessoais e transportados pelos próprios deverão ser tributados no Estado‑Membro onde esses produtos foram adquiridos;

    [...] para comprovar que os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo não são detidos para fins pessoais, mas sim para fins comerciais, os Estados‑Membros podem estabelecer alguns critérios, inclusivamente limites indicativos;

    [...] os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo comprados por pessoas que não possuam a qualidade de depositário autorizado ou de operador registado ou não registado e expedidos ou transportados directa ou indirectamente pelo vendedor ou por sua própria conta devem ser sujeitos ao imposto especial de consumo no Estado‑Membro de destino;».

    8. Nos termos do n.° 1 do artigo 3.°, a directiva é aplicável, a nível comunitário, a óleos minerais, álcool e bebidas alcoólicas e tabacos manufacturados.

    9. O artigo 4.° contém as seguintes definições:

    «a) Depositário autorizado: a pessoa singular ou colectiva autorizada pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro a, no exercício da sua profissão, produzir, transformar, deter, receber e expedir, num entreposto fiscal, produtos sujeitos ao imposto especial de consumo em regime de suspensão do imposto;

    [...]

    c) Regime de suspensão: regime fiscal aplicável à produção, transformação, detenção e circulação dos produtos em regime de suspensão do imposto especial de consumo;

    d) Operador registado: a pessoa singular ou colectiva que não tem a qualidade de depositário autorizado, autorizada pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro a receber, no exercício da sua profissão, produtos sujeitos ao imposto especial de consumo em regime de suspensão do referido imposto provenientes de outro Estado‑Membro. Esse operador não pode contudo deter nem expedir os produtos em regime de suspensão do imposto especial de consumo;

    e) Operador não registado: a pessoa singular ou colectiva que não tem a qualidade de depositário autorizado, habilitada a receber, no exercício da sua profissão e a título ocasional, produtos sujeitos ao imposto especial de consumo em regime de suspensão do referido imposto provenientes de outro Estado‑Membro. Esse operador não pode deter nem expedir os produtos em regime de suspensão do imposto especial de consumo. O operador não registado deve, antes da expedição das mercadorias, garantir o pagamento do imposto especial de consumo às autoridades fiscais do Estado‑Membro de destino.»

    10. Nos termos do n.° 1 do artigo 6.°, o imposto especial de consumo deve ser exigido no momento da introdução no consumo ou da constatação das faltas; considera‑se como introdução no consumo de produtos sujeitos ao imposto especial de consumo:

    «a) Toda e qualquer saída, mesmo irregular, de um regime de suspensão;

    b) Todo e qualquer fabrico, mesmo irregular, desses produtos fora de um regime de suspensão;

    c) Toda e qualquer importação, mesmo irregular, desses produtos quando estes não se encontrem em regime de suspensão.»

    Para este efeito, considera‑se «importação» a entrada do produto na Comunidade, de acordo com o n.° 1 do artigo 5.°

    11. O artigo 7.° prevê, na parte que releva para o presente processo:

    «1. No caso de os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo que tenham já sido introduzidos no consumo num Estado‑Membro serem detidos para fins comerciais noutro Estado‑Membro, o imposto será cobrado no Estado‑Membro em que os produtos são detidos.

    2. Para tal, e sem prejuízo do disposto no artigo 6.°, sempre que os produtos já introduzidos no consumo num Estado‑Membro, tal como definido no artigo 6.°, sejam entregues ou se destinem a ser entregues noutro Estado‑Membro ou afectos, noutro Estado‑Membro, às necessidades de um operador que exerça uma actividade económica independente ou às necessidades de um organismo de direito público, o imposto torna‑se exigível nesse outro Estado‑Membro.

    3. O imposto especial de consumo é devido pela pessoa que efectua a entrega, que detém os produtos destinados a ser entregues ou pela pessoa junto da qual se efectua a afectação dos produtos num Estado‑Membro diferente daquele em que foram introduzidos no consumo ou ainda pelo operador profissional ou organismo de direito público.

    [...]

    5. A pessoa, o operador ou o organismo referidos no n.° 3 deverão cumprir as seguintes obrigações:

    a) Antes da expedição das mercadorias, fazer uma declaração junto das autoridades fiscais do Estado‑Membro de destino e garantir o pagamento do imposto especial de consumo;

    b) Pagar o imposto especial de consumo do Estado‑Membro de destino de acordo com as modalidades previstas por esse Estado‑Membro;

    c) Prestar‑se a todos os controlos que permitam à administração do Estado‑Membro de destino certificar‑se da recepção efectiva das mercadorias, bem como do pagamento do imposto especial de consumo a que estão sujeitas.

    6. O imposto especial de consumo pago no primeiro Estado‑Membro referido no n.° 1 será reembolsado em conformidade com o n.° 3 do artigo 22.°

    [...]»

    12. Nos termos do artigo 8.°:

    «No que se refere aos produtos adquiridos por particulares, para satisfação das suas necessidades e transportados pelos próprios, o princípio que rege o mercado interno prevê que os impostos especiais de consumo sejam cobrados no Estado‑Membro onde os produtos foram adquiridos.»

    13. O artigo 9.° prevê, na parte que releva para o presente processo:

    «1. Sem prejuízo dos artigos 6.°, 7.° e 8.°, o imposto especial de consumo torna‑se exigível quando os produtos introduzidos [ (4) ] no consumo num determinado Estado‑Membro forem detidos para fins comerciais noutro Estado‑Membro.

    Neste caso, o imposto especial de consumo é devido no Estado‑Membro em cujo território se encontram os produtos e torna‑se exigível ao detentor dos produtos.

    2. Para estabelecer que os produtos referidos no artigo 8.° se destinam a fins comerciais, os Estados‑Membros devem ter em conta, nomeadamente, os seguintes pontos:

    – o estatuto comercial e os motivos do detentor dos produtos,

    – o local em que se encontram os produtos ou, eventualmente, a forma de transporte utilizada,

    – qualquer documento relativo aos produtos,

    – a natureza dos produtos,

    – a quantidade dos produtos.

    Para a aplicação do quinto travessão do primeiro parágrafo, os Estados‑Membros podem, apenas como elemento de prova, estabelecer níveis indicativos. Esses níveis indicativos não podem ser inferiores a:

    [...]

    b) Bebidas alcoólicas

    [...]

    Vinhos (dos quais 60 l, no máximo, de vinhos espumant[e]s) 90 l

    [...]» (5)

    14. O artigo 10.° dispõe:

    «1. Os produtos sujeitos ao imposto especial de consumo comprados por pessoas que não possuam a qualidade de depositário, de operador registado ou não registado e que sejam expedidos ou transportados directa ou indirectamente pelo vendedor ou por sua própria conta ficam sujeitos ao imposto especial de consumo no Estado‑Membro de destino. Para efeitos do presente artigo, entende‑se por Estado‑Membro de destino o Estado‑Membro de chegada da remessa ou do transporte.

    2. Para o efeito, o fornecimento de produtos sujeitos ao imposto especial de consumo que já tenham sido introduzidos no consumo em determinado Estado‑Membro e que impliquem a expedição ou o transporte desses produtos para os destinatários referidos no n.° 1 estabelecidos em outro Estado‑Membro e que sejam expedidos ou transportados directa ou indirectamente pelo vendedor ou por sua própria conta dá origem à exigibilidade do imposto especial de consumo sobre esses produtos no Estado‑Membro de destino.

    3. O imposto especial de consumo do Estado‑Membro de destino é exigível ao vendedor no momento em que a entrega é efectuada. No entanto, os Estados‑Membros podem adoptar medidas que prevejam que o imposto especial de consumo é devido por um representante fiscal diferente do destinatário dos produtos. Esse representante fiscal deverá estar estabelecido no Estado‑Membro de destino e possuir autorização das autoridades fiscais desse mesmo Estado‑Membro.

    O Estado‑Membro em que se encontra estabelecido o vendedor deve garantir que este cumpra os seguintes requisitos:

    – garantir o pagamento do imposto especial de consumo, nas condições estabelecidas pelo Estado‑Membro de destino, antes da expedição dos produtos e garantir o pagamento do mesmo imposto após a chegada dos produtos,

    – manter a contabilidade dos fornecimentos dos produtos.

    4. Nos casos referidos no n.° 2, os impostos especiais de consumo pagos no primeiro Estado‑Membro são reembolsados em conformidade com o disposto no n.° 4 do artigo 22.°

    [...]»

    15. O n.° 3 do artigo 22.° prevê:

    «Nos casos referidos no artigo 7.°, o Estado‑Membro de partida apenas deve proceder ao reembolso do imposto especial de consumo que já cobrou se esse imposto especial já tiver sido pago no Estado‑Membro de destino nos termos do disposto no n.° 5 do artigo 7.°

    Todavia, os Estados‑Membros podem não deferir esse pedido de reembolso se ele não obedecer aos critérios de regularidade por eles estabelecidos.»

    Os antecedentes e as propostas alterações da Directiva 92/12

    16. Também é útil considerar as disposições supra à luz da proposta original de directiva (6) da Comissão e da sua actual proposta de alteração dos artigos 7.° a 10.°, anexa a um relatório sobre a aplicação destes artigos (7) .

    17. Como explica a Comissão neste relatório (8), a formulação actual dos artigos 7.° a 10.° da directiva é o resultado de debates bastan te longos e complexos realizados no âmbito do Conselho. A proposta original tinha uma única disposição (o artigo 5.°) para todos os movimentos intracomunitários de produtos com o imposto especial de consumo pago, a qual permitia cobrar o imposto num Estado‑Membro diferente daquele em que os produtos eram consumidos (9) . Como se previa uma harmonização mais estreita das taxas, e como os princípios gerais que regulam o mercado único já garantiam aos particulares a liberdade de adquirir, não foram propostas disposições sobre a aquisição por estes noutros Estados‑Membros. Durante a discussão, o Conselho apercebeu‑se da dificuldade de se alcançar, a curto‑prazo, a harmonização das taxas e focou a sua atenção, em vez disso, no sistema de circulação e de controlo dos produtos sujeitos ao imposto especial de consumo, o qual passou a exigir regras de aplicação mais claras.

    18. A Comissão resume, da seguinte forma, as diversas dificuldades encontradas na aplicação das disposições (10) :

    «[...] a construção legislativa resultante desses debates não é especialmente harmoniosa. Com efeito, para uma mesma situação, a saber, a detenção para fins comerciais noutro Estado‑Membro, são aplicáveis três disposições com a mesma finalidade, designadamente, o pagamento dos impostos especiais de consumo no referido Estado‑Membro. Por outro lado, o respectivo âmbito de aplicação nem sempre está claramente estabelecido. Consequentemente, alguns tipos de movimentos podem ser abrangidos por várias disposições diferentes, que implicam o cumprimento de formalidades distintas».

    19. Na parte que releva para o presente processo, são propostas as seguintes alterações das disposições acima reproduzidas.

    20. O novo n.° 1 do artigo 7.° proposto contém uma definição de «fins comerciais» que são considerados «todos os fins que não sejam necessidades próprias dos particulares».

    21. O novo artigo 8.° proposto tem a seguinte redacção:

    «No que se refere aos produtos adquiridos por particulares, para satisfação das suas necessidades e transportados pelos próprios, os impostos especiais de consumo são cobrados no Estado‑Membro onde os produtos foram adquiridos.

    No que se refere aos produtos que não os tabacos manufacturados adquiridos pelos particulares, o disposto no primeiro parágrafo aplica‑se igualmente no caso do transporte por sua conta.

    A tributação no Estado‑Membro de aquisição aplica‑se igualmente sempre que os produtos sejam expedidos de um particular para outro sem contrapartida directa ou indirecta.»

    22. No artigo 9.°, é proposta a eliminação do n.° 1 e da lista dos níveis indicativos mínimos específicos.

    The Man in Black

    23. Em 2 de Abril de 1998, o Tribunal de Justiça proferiu acórdão no processo EMU Tabac e o. (a seguir «The Man in Black») (11) .

    24. The Man in Black Ltd era uma filial no Reino Unido de uma empresa luxemburguesa, que solicitava e fornecia a particulares residentes no Reino Unido encomendas de produtos de tabaco. The Man in Black adquiria os produtos no Luxemburgo e importava‑os para o Reino Unido, por intermédio de um transportador privado, em nome e por conta dos particulares em questão, mediante a cobrança de uma comissão. Cada aquisição estava limitada a uma quantidade que não excedesse os níveis indicativos mínimos do n.° 2 do artigo 9.° da Directiva 92/12.

    25. A questão que se levantou foi a de saber se um esquema deste tipo podia ser abrangido pelo artigo 8.° da directiva, de tal forma que o imposto especial de consumo só fosse exigível no Luxemburgo e não no Reino Unido.

    26. O Tribunal de Justiça concluiu que as condições do artigo 8.° devem permitir estabelecer o carácter estritamente pessoal da detenção das mercadorias em questão (12) e que a disposição não tem vocação para se aplicar quando a compra e/ou o transporte das mercadorias sujeitas a imposto especial de consumo foram realizados por intermédio de um agente (13) . Além disso, era claro que o legislador comunitário em momento algum pretendeu referir‑se à intervenção de um agente no âmbito do artigo 8.° (14) . A situação em questão surgia antes como podendo estar abrangida tanto pelo artigo 7.° como pelo artigo 10.° da directiva (15) . O artigo 10.° visa mais a natureza objectiva das transacções do que a sua forma jurídica; uma vez que, especificamente, The Man in Black era uma filial do vendedor e solicitava encomendas aos particulares, em vez de actuar por iniciativa destes, as mercadorias em causa eram expedidas ou transportadas directa ou indirectamente pelo vendedor ou por sua própria conta, na acepção do disposto no artigo 10.° da directiva (16) .

    27. Na decisão, o Tribunal de Justiça entendeu que a Directiva 92/12 «deve ser interpretada no sentido de que não se opõe à cobrança, num Estado‑Membro A, de impostos especiais de consumo sobre mercadorias introduzidas no consumo num Estado‑Membro B, onde foram adquiridas a uma sociedade X, para as necessidades de particulares residentes no Estado‑Membro A, por intermédio de uma sociedade Y, que intervém na qualidade de agente desses particulares e contra remuneração, sabendo‑se que o transporte das mercadorias do Estado‑Membro B para o Estado‑Membro A foi também organizado pela sociedade Y, por conta dos particulares, e realizado por um transportador profissional que age a título oneroso».

    Antecedentes e tramitação do presente processo

    28. B. F. Joustra e cerca de 70 outros particulares formaram um grupo denominado «Cercle des Amis du Vin» (a seguir «grupo»).

    29. Todos os anos, em nome do grupo mas por conta própria e dos outros membros, como particulares, encomenda vinho de França – em princípio dos produtores visitados pelos membros do grupo durante as férias – e providencia a recolha do vinho por uma empresa de transportes neerlandesa e a entrega dele na sua residência, aí guardando o vinho na garagem, até que os outros membros levantem a respectiva parte.

    30. O próprio B. F. Joustra, num documento anexo ao pedido de decisão prejudicial, explica que a prática surgiu quando um grupo de entusiastas da comida e do vinho provou e comprou vinho das explorações vinícolas que visitaram durante as férias em França. Face às dificuldades que encontraram para transportarem eles próprios o vinho para casa (alguns não tinham viatura própria ou não tinham espaço nela), decidiram transportá‑lo por meio de uma empresa de transportes neerlandesa. Desde então, continuaram a prática, mas decidiram que era mais eficaz agrupar as encomendas.

    31. Verifica‑se que o vinho em questão foi todo introduzido no consumo em França, onde o respectivo imposto especial de consumo foi pago; que nenhum membro recebe uma quantidade de vinho ou de espumante superior aos níveis indicativos mínimos previstos no n.° 2 do artigo 9.° da Directiva 92/12; e que todo o vinho se destina à satisfação das necessidades pessoais dos membros.

    32. B. F. Joustra paga o vinho e o transporte e é reembolsado por cada um dos outros membros do custo das mercadorias específicas e da parte proporcional das despesas de transporte. Presta, assim, o serviço a título pessoal, e não com fins lucrativos.

    33. Relativamente a 1997, B. F. Joustra requereu o estatuto de operador não registado (17), que lhe foi concedido. Nessa qualidade, declarou ter recebido, nesse ano, de França, 13,68 hl de vinho e 1,44 hl de espumante (18) . Sobre esta remessa as autoridades aduaneiras neerlandesas cobraram 1 997 NLG (906,20 EUR) a título de imposto especial de consumo.

    34. B. F. Joustra impugnou essa cobrança nos tribunais neerlandeses. O órgão jurisdicional regional de recurso, o Gerechtshof te ’s‑Hertogenbosch, decidiu a seu favor, com o fundamento de que, enquanto o vinho esteve na sua garagem, B. F. Joustra não o deteve para fins comerciais e, portanto, para qualquer outro fim que não o da satisfação das suas necessidades pessoais, na acepção da lei neerlandesa que aplicou a Directiva 92/12.

    35. As autoridades aduaneiras interpuseram recurso para o Hoge Raad, alegando que o Gerechtshof tinha interpretado erradamente a noção de «fins comerciais» dos artigos 7.° e 9.° da directiva. Segundo elas, apenas a detenção pelos particulares, para satisfação das suas necessidades pessoais, dos produtos que eles próprios tenham transportado, não se inclui nessa noção.

    36. O Hoge Raad pretende agora obter uma decisão a título prejudicial quanto às seguintes questões:

    «1) O artigo 8.° da Directiva 92/12/CEE deve ser interpretado no sentido de que, no caso de um particular comprar pessoalmente num determinado Estado‑Membro, e para uso pessoal, bens sujeitos ao imposto especial de consumo que envia para outro Estado Membro através de uma empresa de transportes, o imposto especial de consumo só deve ser cobrado no Estado‑Membro onde foi feita a aquisição dos bens?

    2) O artigo 8.° da Directiva 92/12/CEE deve ser interpretado no sentido de que o imposto especial de consumo apenas é cobrado no Estado‑Membro onde são adquiridos os bens no caso de, como na presente situação, particulares comprarem bens sujeitos a imposto especial de consumo num Estado‑Membro determinado através de outro particular que age a título não profissional e sem fins lucrativos e que os envia para outro Estado‑Membro, por conta dos compradores, através de uma empresa de transportes?

    3) Sendo a resposta a (uma) (d)estas questões negativa, os artigos 7.° e 9.° da Directiva 92/12 devem ser interpretados no sentido de que, no caso de um particular enviar para outro Estado‑Membro, através de um terceiro agindo por sua conta, bens sujeitos a imposto especial de consumo e introduzidos no consumo num Estado‑Membro, para sua utilização própria e para utilização de outros particulares que ele representa, é para fins comerciais, na acepção dos artigos 7.° e 9.° da directiva, que o particular detém no Estado‑Membro de destino os referidos bens (quer os destinados a consumo próprio quer os destinados ao consumo dos outros particulares), mesmo que não actue profissionalmente nem com fins lucrativos?

    4) Se a resposta à terceira questão for negativa, resulta de outra disposição da directiva que o particular em causa na terceira questão é devedor de imposto especial de consumo no Estado‑Membro de destino?»

    Alegações apresentadas ao Tribunal de Justiça

    37. Foram apresentadas observações escritas pelos Governos italiano, neerlandês, polaco, português, sueco e do Reino Unido, bem como pela Comissão. Não foi requerida nem realizada qualquer audiência.

    38. Todos os seis Estados‑Membros concordam que as palavras «transportados pelos próprios» devem ser interpretadas de forma estrita, pelo que o artigo 8.° da Directiva 92/12 não se aplica a bens que não sejam transportados pessoalmente pelas pessoas em questão. Concordam ainda que, na situação descrita, os bens são detidos para «fins comerciais», na acepção dos artigos 7.° e 9.°, e que a quarta questão não carece de resposta.

    39. A Comissão só diverge na sua abordagem da primeira questão, a qual, nas circunstâncias do processo principal, se refere ao vinho encomendado por B. F. Joustra para satisfação das suas necessidades e entregue em sua casa por um transportador contratado por si: nestas circunstâncias, a Comissão considera que o artigo 8.° deverá aplicar‑se, desde que o particular em questão providencie ele próprio o transporte como se fosse o transportador, mas que os Estados‑Membros podem recusar a sua aplicação em caso de abuso.

    40. As diversas considerações apresentadas podem resumir‑se da seguinte forma.

    A favor da interpretação estrita de «transportados pelos próprios»

    41. Em primeiro lugar, de acordo com a sua letra, o artigo 8.° da Directiva 92/12 só se aplica a produtos adquiridos por particulares, para satisfação das suas necessidades e transportados pelos próprios. A sua interpretação estrita foi confirmada no processo The Man in Black. Em contrapartida, como salientado pelo advogado‑geral D. Ruiz‑Jarabo nas conclusões que apresentou nesse processo (19), há outras disposições da directiva que prevêem de forma explícita a intervenção de outra parte. O n.° 3 do artigo 9.°, por exemplo, fala de «formas de transporte atípicas efectuadas por particulares ou por sua conta», enquanto o n.° 1 do artigo 10.° se refere a produtos «expedidos ou transportados directa ou indirectamente pelo vendedor ou por sua própria conta».

    42. Em segundo lugar, poder‑se‑ia inferir da proposta de uma nova versão do artigo 8.° (20) que a actual redacção exclui necessariamente o transporte por conta do particular em questão.

    43. Em terceiro lugar, se o artigo 8.° se aplicar a situações em que o particular não acompanha pessoalmente os bens, isso poderá dar lugar a abusos. (No entanto, a Comissão considera que o perigo pode ser minimizado se a aplicação do artigo 8.° estiver sujeita à condição de que o transporte deve ser providenciado pelo cliente particular e que os Estados‑Membros podem recusar a aplicação da disposição se as quantidades envolvidas excederem os níveis plausíveis de satisfação das necessidades pessoais.)

    A favor de uma interpretação mais flexível de «transportados pelos próprios»

    44. Em primeiro lugar, existem circunstâncias em que os particulares contratam outros para transportarem quantidades reduzidas de bens com o imposto especial de consumo pago, de um Estado‑Membro para outro, para satisfação das suas necessidades, em que parece inadequado impor o pesado processo (21) de pagar o imposto no segundo Estado‑Membro e de pedir o seu reembolso no primeiro. O recheio de uma habitação transportado por uma empresa de transportes, no caso de uma mudança de residência entre Estados‑Membros, pode incluir produtos como vinho; um turista que comprou algumas caixas de vinho local nas férias poderá transportá‑lo pessoalmente se regressar a casa de automóvel, mas não se viajar de avião; e é comum enviar pequenos presentes pessoais de bens sujeitos ao imposto especial de consumo por correio ou por uma empresa transportadora.

    45. Em segundo lugar, entre estes exemplos, o transporte do recheio de habitações estava anteriormente isento do imposto especial de consumo, nos termos do n.° 1 do artigo 1.° da Directiva 83/183 (22), e os pequenos presentes pessoais encontravam‑se isentos, de forma semelhante, nos termos do n.° 1 do artigo 1.° da Directiva 74/651 (23) . Estas disposições deixaram de se aplicar a partir de 31 de Dezembro de 1992, nos termos do n.° 3 do artigo 23.° da Directiva 92/12, mas não com a intenção de reintroduzir os impostos especiais de consumo sobre esses movimentos; elas deixaram, simplesmente, de ter qualquer utilidade, devido à supressão do princípio da tributação na importação, nas relações entre os Estados‑Membros (24) . Constituiria um retrocesso interpretar a Directiva 92/12, destinada a promover os objectivos do mercado interno, no sentido de reintroduzir, entre Estados‑Membros, as barreiras do imposto especial de consumo no que respeita aos particulares.

    46. Em terceiro lugar, apesar da formulação ampla da fundamentação do acórdão The Man in Black (25), a decisão concreta tinha um alcance mais reduzido. Tal como a situação de facto que lhe era subjacente, estava limitada aos casos em que o transporte entre o Estado‑Membro B e o Estado‑Membro A era não só efectuado por um transportador profissional mas também providenciado pelo vendedor dos bens, por conta do comprador. Diferentemente, o presente processo diz respeito a um comprador que providencia, ele próprio, o transporte. Não se trata de uma venda à distância, como no processo The Man in Black, mas de uma compra à distância.

    A favor de uma interpretação ampla de «para fins comerciais»

    47. Em primeiro lugar, o regime dos artigos 7.° a 9.° da Directiva 92/12 só considera dois tipos de situações. Se o transporte de bens sujeitos ao imposto especial de consumo não estiver abrangido pelo artigo 8.°, ele será necessariamente para fins comerciais, na acepção dos artigos 7.° e 9.°

    48. Em segundo lugar, para se determinar se os produtos se destinam a fins comerciais, os Estados‑Membros devem ter em conta diversos critérios, incluindo a quantidade dos produtos e a forma de transporte utilizada. A quantidade importada por B. F. Joustra, ou susceptível de ser importada num esquema semelhante, excede claramente as necessidades pessoais de qualquer pessoa razoável e deve, por conseguinte, ser considerada comercial. Além disso, o recurso a uma empresa de transportes profissional introduz na transacção um elemento comercial inegável.

    49. Em terceiro lugar, o sistema criado pela Directiva 92/12 envolve o controlo da circulação comercial de bens sujeitos ao imposto especial de consumo por meio de um documento administrativo que acompanha esses bens, documento que não existe quando são os particulares que os transportam. A possibilidade de grandes quantidades de bens serem transportadas por particulares em remessas consolidadas, sem um documento a acompanhá‑las, poria em causa esse sistema e poderia tornar os controlos ineficazes.

    Apreciação

    Observação preliminar

    50. Como salientou a Comissão, há uma possível discrepância entre certas apreciações factuais constantes da decisão do Gerechtshof, anexa ao pedido de decisão prejudicial do Hoge Raad.

    51. O Hoge Raad baseia‑se no pressuposto de que o vinho em questão foi introduzido no consumo em França, onde o respectivo imposto especial de consumo foi pago. Estes factos também constam da decisão do Gerechtshof, da qual, no entanto, também parece resultar que, independentemente do que tenha acontecido noutros anos, B. F. Joustra agiu como um operador não registado relativamente à remessa em causa, de 1997. Se assim foi, o vinho devia ter sido importado no regime de suspensão do imposto especial de consumo.

    52. A apreciação da situação de B. F. Joustra difere claramente, consoante ele tenha agido como um particular ou como um operador não registado. Este Tribunal não pode, contudo, determinar tais questões de facto. Além disso, se B. F. Joustra agiu como um operador não registado, as questões em apreço não deveriam, em princípio, colocar‑se, uma vez que a directiva regula as responsabilidades dos operadores não registados. Por conseguinte, prosseguirei a minha análise partindo da situação apresentada pelo órgão jurisdicional de reenvio.

    Interpretação dos artigos 6.° a 10.° da Directiva 92/12

    53. As questões suscitadas no presente processo referem‑se essencialmente à interpretação das expressões «para satisfação das suas necessidades» e «transportados pelos próprios», do artigo 8.° da Directiva 92/12, e «para fins comerciais», dos artigos 7.° e 9.°

    54. Antes de me debruçar sobre estes aspectos, no contexto específico da situação de B. F. Joustra, e sobre as questões colocadas pelo Hoge Raad, parece‑me útil considerá‑los de uma forma mais genérica, no contexto do sistema, como um todo, criado pela directiva para determinar o Estado‑Membro onde deve ser cobrado o imposto especial de consumo, ou seja o sistema dos artigos 6.° a 10.°

    55. Neste sistema, o artigo 6.° estabelece, no essencial, a regra geral de que o imposto é exigível no Estado onde os bens forem, pela primeira vez, introduzidos no consumo.

    56. Os artigos 7.° a 10.° prevêem casos em que, após a primeira introdução no consumo e a cobrança do imposto especial de consumo, os bens são transportados para outro Estado‑Membro.

    57. Assim, como excepção à regra geral, os artigos 7.°, 9.° e 10.° prevêem que, se tais bens forem detidos para fins comerciais no segundo Estado‑Membro ou, consoante o caso, para aí forem transportados pelo vendedor do primeiro Estado‑Membro ou por sua própria conta, o imposto é exigível no segundo Estado‑Membro e o imposto previamente cobrado no primeiro Estado‑Membro deverá ser reembolsado.

    58. O artigo 8.°, em contrapartida, não constitui uma derrogação da regra geral, antes confirmando que se aplica aos bens adquiridos por particulares, para satisfação das suas necessidades e transportados pelos próprios.

    59. Por conseguinte, parece‑me que o artigo 8.° não constitui uma disposição essencial no regime dos artigos 6.° a 10.° Se não existisse, os bens adquiridos por particulares para satisfação das suas necessidades e transportados pelos próprios continuariam a estar sujeitos à regra geral da tributação no Estado onde foram pela primeira vez introduzidos no consumo, uma vez que nenhuma interpretação pode considerar que tais bens são detidos para fins comerciais ou foram transportados pelo vendedor ou por sua própria conta.

    60. Na sua actual redacção, o artigo 8.° não abrange os bens adquiridos por particulares para satisfação das suas necessidades e transportados por sua própria conta.

    61. Mesmo, porém, que tais bens estivessem abrangidos, como na proposta de alteração da Comissão, parece‑me que a disposição continuaria a não ser essencial. Os bens adquiridos por particulares para satisfação das suas necessidades e transportados por sua conta estão excluídos, pela sua própria definição, do âmbito de aplicação dos artigos 7.°, 9.° e 10.° e, consequentemente, estão abrangidos pela regra geral do artigo 6.°, pelo que o imposto só é exigível no Estado‑Membro onde foram pela primeira vez introduzidos no consumo.

    62. Para se chegar a esta conclusão, não é necessário adoptar uma interpretação especialmente estrita ou especialmente ampla das expressões em questão. Basta observar que i) bens adquiridos para satisfação das necessidades de um particular e bens detidos para fins comerciais são categorias que se excluem mutuamente, e que ii) quando um tal particular providencia a entrega em sua casa dos bens que adquiriu, estes bens não são transportados pelo vendedor ou por sua própria conta.

    63. Neste contexto, a questão de saber se o transporte foi efectuado pelo vendedor ou por sua própria conta, e não pelo comprador, é uma questão que já foi examinada no acórdão The Man in Black (26) . Em todo o caso, não me parece que ela se coloque no presente processo.

    64. O significado essencial de «bens adquiridos para satisfação das necessidades de um particular» (27) e o de «bens detidos para fins comerciais» são simples e contrastam de forma clara. No entanto, a linha divisória precisa entre os dois significados pode não ser tão clara em casos extremos. Sempre que necessário, parece preferível definir esta linha por referência a «fins comerciais», em vez de o fazer por referência a «satisfação de necessidades próprias», uma vez que a directiva não fornece qualquer auxílio específico quanto aos contornos desta última expressão mas fornece várias indicações quanto ao alcance da primeira.

    65. Os artigos 7.° e 9.° sobrepõem‑se na medida em que se referem ambos a bens detidos para fins comerciais, sobre os quais deverá ser cobrado o imposto especial de consumo no Estado‑Membro onde se encontram detidos.

    66. Com efeito, o n.° 2 do artigo 7.° define tais bens como aqueles que sejam «entregues ou se destinem a ser entregues ou afectos [...] às necessidades de um operador que exerça uma actividade económica independente ou às necessidades de um organismo de direito público». O artigo 9.° não contém uma definição semelhante, mas o n.° 2 enumera vários factores a ter em conta para estabelecer que os «produtos referidos no artigo 8.°» se destinam a fins comerciais.

    67. Daí retiro, em especial, duas conclusões.

    68. Em primeiro lugar, o artigo 9.° só é directamente aplicável a bens que, de outra forma, seriam abrangidos pelo artigo 8.° – ou seja, bens adquiridos por particulares e transportados pelos próprios (28) . Assim, só poderá aplicar‑se aos casos em que os particulares em questão não transportem eles próprios os bens, antes providenciando o seu transporte por outra pessoa, se o artigo 8.° for interpretado de modo a cobrir estas situações.

    69. Em segundo lugar, no entanto, os artigos 7.° e 9.° devem ser interpretados de forma coerente, de modo a que a definição do n.° 2 do artigo 7.° também seja válida no contexto do artigo 9.°, e deve ser possível ter em conta os critérios de prova enumerados no n.° 2 do artigo 9.° para se determinar se uma situação corresponde a esta definição no contexto do artigo 7.°

    70. Passarei, agora, a examinar as questões do Hoge Raad, à luz destas considerações.

    A primeira questão

    71. No que diz respeito aos factos do presente processo, a primeira questão refere‑se apenas ao vinho que B. F. Joustra encomendou e recebeu em sua casa para satisfação das suas necessidades. O Hoge Raad pergunta se, numa situação destas, o artigo 8.° da Directiva 92/12 impede a cobrança do imposto noutro Estado que não seja o Estado‑Membro da aquisição.

    72. O artigo 8.° só se poderia aplicar a esta situação se a expressão «transportados pelos próprios» fosse interpretada de modo a significar também «ou por sua própria conta».

    73. Por um lado, esta interpretação parece‑me difícil. O texto do artigo 8.° é inequívoco – especialmente quando comparado com outras disposições que se referem expressamente ao transporte pelo vendedor ou pelo comprador ou por sua própria conta – e a existência da proposta de alteração que introduz especificamente as palavras «por sua conta» tende a confirmar que – pelo menos na perspectiva da Comissão – esse sentido não pode ser dado à actual redacção.

    74. Por outro lado, parece‑me desnecessária. Conforme explanei acima, os bens não detidos para fins comerciais (e não o podem ser, se se destinam à satisfação de necessidades próprias do particular) nem transportados pelo vendedor ou por sua própria conta, só estão sujeitos ao imposto especial de consumo no Estado‑Membro onde foram pela primeira vez introduzidos no consumo, de acordo com o artigo 6.° da Directiva 92/12, exactamente como seria o caso se o artigo 8.° se aplicasse.

    75. Entendo, portanto, que o artigo 8.° não se aplica às circunstâncias apresentadas na primeira questão do Hoge Raad; contudo, uma vez que os artigos 7.°, 9.° e 10.° também não se aplicam, decorre do artigo 6.° que o imposto especial de consumo só poderá ser cobrado no Estado‑Membro da aquisição.

    A segunda questão

    76. No que diz respeito aos factos do presente processo, a segunda questão refere‑se ao vinho que B. F. Joustra encomendou por conta de outros membros do grupo e mandou entregar em sua casa para que eles aí o levantassem mediante o reembolso do custo do vinho e do transporte. Mais uma vez, o Hoge Raad pergunta se o artigo 8.° da Directiva 92/12 impede a cobrança do imposto noutro Estado que não seja o Estado‑Membro da aquisição.

    77. Decorre da minha análise da primeira questão que o artigo 8.° também não se pode aplicar a esta situação.

    78. É igualmente manifesto que o artigo 10.° não se pode aplicar, uma vez que os bens não foram transportados pelo vendedor ou por sua própria conta.

    79. Contudo, uma vez que não se pode considerar que B. F. Joustra tenha adquirido o vinho para satisfação das suas necessidades (foi especificamente adquirido para a satisfação das necessidades de outros), torna‑se mais difícil excluir a possibilidade de que ele o deteve «para fins comerciais», na acepção dos artigos 7.° e/ou 9.° Analisarei este aspecto no contexto da terceira questão.

    A terceira questão

    80. A terceira questão do Hoge Raad consiste, essencialmente, em saber se deve considerar‑se que um particular na situação de B. F. Joustra detém o vinho, adquirido quer para satisfação das suas necessidades quer para outros particulares, para fins comerciais, na acepção dos artigos 7.° e/ou 9.° da Directiva 92/12, mesmo que ele não aja a título profissional ou com fins lucrativos.

    81. Já respondi a esta questão em relação ao vinho que B. F. Joustra adquiriu para satisfação das suas necessidades, o qual não pode, por definição, ser considerado detido para fins comerciais. Por conseguinte, restringirei a análise seguinte ao vinho que ele adquiriu por conta dos outros membros do grupo.

    82. Também já referi o meu entendimento de que o artigo 9.° não se pode aplicar directamente quando os bens em questão não são transportados pelo comprador, mas por sua conta (29) ; em contrapartida, o artigo 7.° pode aplicar‑se. Para os efeitos deste artigo, a questão que se coloca é a de saber se o particular em questão agiu como «um operador que exerça uma actividade económica independente», podendo os critérios de prova enumerados no n.° 2 do artigo 9.° ser tidos em conta para determinar se é esse o caso.

    83. Um particular na posição de B. F. Joustra está certamente a desenvolver uma actividade independente e essa actividade possui uma dimensão económica clara, de um tipo que é usual para os comerciantes. Ele adquire bens por conta de outros, providencia e paga o seu transporte, e entrega‑os em troca do devido pagamento. Por outro lado, não obtém nem procura obter lucro.

    84. No entanto, uma actividade não deixa, necessariamente, de ser económica simplesmente porque não tem fins lucrativos. O serviço prestado por alguém como B. F. Joustra a outros particulares a título não lucrativo compete directamente com os serviços de comerciantes, os quais prosseguem fins lucrativos e estão, por conseguinte, sujeitos aos requisitos do artigo 7.° da directiva, de forma que o imposto especial de consumo sobre os bens que fornecem é exigível no Estado‑Membro de destino. Não me parece compatível com o regime dos artigos 6.° a 10.° da directiva permitir que particulares forneçam vinho a outros, de forma a que esses requisitos sejam evitados, independentemente de prosseguirem ou não fins lucrativos.

    85. Por conseguinte, concluo que deve considerar‑se, em princípio, que um particular na situação de B. F. Joustra detém os bens para fins comerciais, na acepção do artigo 7.°, independentemente de prosseguir ou não fins lucrativos.

    86. Por último, se no caso em apreço B. F. Joustra agiu, de facto, na qualidade de operador não registado (30), parece‑me óbvio que o vinho que lhe foi entregue, mas não para satisfação das suas necessidades, deve ser considerado como detido para fins comerciais, na acepção do artigo 7.°

    A quarta questão

    87. A quarta questão do Hoge Raad consiste, essencialmente, em saber se, no caso de a situação de um particular como B. F. Joustra não ser abrangida nem pelo artigo 8.° nem pelos artigos 7.° ou 9.° da Directiva 92/12, qualquer outra disposição dessa directiva exige que ele pague o imposto especial de consumo no Estado‑Membro da entrega.

    88. Resulta da minha análise das questões anteriores que nenhuma parte do vinho que B. F. Joustra adquiriu e fez entregar em sua casa é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 8.° – ou, consequentemente, do artigo 9.° – porque ele não o transportou pessoalmente, antes tendo contratado o seu transporte.

    89. Uma vez que foi o próprio B. F. Joustra quem tomou a iniciativa de providenciar este transporte, o artigo 10.°, a única outra disposição da directiva com base na qual o imposto especial de consumo podia ser cobrado no Estado‑Membro da entrega, também não se pode aplicar. A condição para a aplicação desse ar tigo é a de que os bens sejam expedidos ou transportados directa ou indirectamente pelo vendedor ou por sua própria conta.

    90. Consequentemente, a resposta à quarta questão deve ser negativa.

    Observações finais

    91. As dificuldades surgidas no caso em apreço ilustram, de forma muito clara, alguns dos problemas que a Comissão procura resolver na sua proposta de alteração da Directiva 92/12.

    92. Embora eu tenha procurado encontrar uma interpretação funcional da actual redacção, parece‑me que a revisão da legislação constitui uma necessidade urgente para se poder lidar de uma forma clara com estes problemas.

    93. Outro problema, não levantado pelo órgão jurisdicional de reenvio mas referido nas observações, é o da dupla tributação do imposto especial de consumo.

    94. Apesar de a directiva prever mecanismos de reembolso, a Comissão refere que, na prática, se torna impossível para os particulares recuperar o imposto especial de consumo num Estado‑Membro quando ele foi novamente pago noutro, situação que a Comissão considera incompatível com os princípios que regem o mercado interno. O Governo sueco, por seu lado, sustenta que o pagamento do imposto especial de consumo em dois Estados‑Membros não é incompatível com a finalidade da directiva, que é assegurar a cobrança do imposto especial de consumo e prevenir a fraude.

    95. Parece‑me que a abordagem da Comissão é correcta e que os procedimentos de reembolso devem ser suficientemente certos, rápidos e fáceis de aceder para não interferirem com o direito de os particulares transportarem, dentro da Comunidade, bens sujeitos ao imposto especial de consumo mediante o pagamento do imposto num único Estado‑Membro. Na medida em que tal abordagem possa não resultar, de forma clara, da actual redacção da directiva, esta constitui também uma questão a ser analisada pelo legislador ao considerar a possibilidade de introduzir alterações.

    Conclusão

    96. À luz das considerações antecedentes, entendo que o Tribunal de Justiça deve responder às questões colocadas pelo Hoge Raad da seguinte forma:

    Sempre que um particular comprar bens sujeitos ao imposto especial de consumo, pagar o respectivo imposto num Estado‑Membro e providenciar pessoalmente o seu transporte para outro Estado‑Membro, para uso pessoal, mas não transportar ele próprio os bens, esta situação não é abrangida pelo âmbito de aplicação dos artigos 7.°, 8.°, 9.° ou 10.° da Directiva 92/12/CEE pelo que, nos termos do artigo 6.° da mesma directiva, o imposto só é exigível no primeiro Estado‑Membro.

    Sempre que um tal particular adquirir bens sujeitos ao imposto especial de consumo, pagar o respectivo imposto num Estado‑Membro e providenciar pessoalmente o seu transporte para outro Estado‑Membro, por conta e para uso de outros particulares que pagam as despesas por ele efectuadas, mas não transportar ele próprio os bens, esta situação não é abrangida pelo âmbito de aplicação dos artigos 8.°, 9.° ou 10.° da Directiva 92/12/CEE. No entanto, deverá, em princípio, considerar‑se que o particular em questão detém os bens para fins comerciais, na acepção do artigo 7.° da mesma directiva, independentemente de prosseguir ou não fins lucrativos, pelo que o imposto é exigível no segundo Estado‑Membro, mas o imposto pago no primeiro Estado‑Membro deve ser reembolsado por esse Estado‑Membro.

    (1) .

    (2)  – De 25 de Fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO L 76, p. 1), na redacção que lhe foi dada, em especial, pelas Directivas 92/108/CEE, de 14 de Dezembro de 1992 (JO L 390, p. 124), e 94/74/CE, de 22 de Dezembro de 1994 (JO L 365, p. 46).

    (3)  – «Imposto especial de consumo: um imposto odioso cobrado sobre bens e determinado não pelos juízes comuns que apreciam as questões da propriedade, mas por miseráveis contratados por aqueles a quem é pago o imposto.» (Samuel Johnson, A Dictionary of the English Language , Londres, 1755). Para os presentes efeitos, poderá definir‑se de forma mais prosaica como um imposto indirecto cobrado sobre óleos minerais, álcool e bebidas alcoólicas e tabacos manufacturados.

    (4)  – Nota não relevante para a versão portuguesa das presentes conclusões.

    (5)  – O n.° 3 do artigo 9.° refere‑se à situação bastante específica, que não é aqui directamente relevante, dos óleos minerais introduzidos no consumo noutro Estado‑Membro e transportados através de «formas de transporte atípicas» por particulares ou por sua conta.

    (6)  – COM (90) 431 final, de 7 de Novembro de 1990.

    (7)  – COM (2004) 227 final. Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu sobre a aplicação dos artigos 7.° a 10.° da Directiva 92/12/CEE e proposta de Directiva do Conselho que altera a Directiva 92/12.

    (8)  – Ponto 2.1, p. 6.

    (9)  – Nota não relevante para a versão portuguesa das presentes conclusões.

    (10)  – Ponto 3.2, p. 9.

    (11)  – C‑296/95, Colect., p. I‑1605.

    (12)  – N.° 26 do acórdão.

    (13)  – N.° 37 do acórdão.

    (14)  – N.° 40 do acórdão.

    (15)  – N.° 43 do acórdão.

    (16)  – N. os 46 a 49 do acórdão.

    (17)  – V. artigo 4.°, alínea e), da directiva, citado no n.° 9, supra .

    (18)  – Uma média, tratando‑se de 70 destinatários, de menos de 20 litros de vinho e de pouco mais de 2 litros de espumante para cada um.

    (19)  – N.° 34 e segs.

    (20)  – V. n.° 22, supra .

    (21)  – V. artigos 7.°, n. os  5 e 6, e 22.°, n.° 3, da directiva, citados nos n. os 11 e 15, supra .

    (22)  – Directiva 83/183/CEE do Conselho, de 28 de Março de 1983, relativa às isenções fiscais aplicáveis às importações definitivas de bens pessoais de particulares provenientes de um Estado‑Membro (JO L 105, p. 64).

    (23)  – Directiva 74/651/CEE do Conselho, de 19 de Dezembro de 1974, relativa às isenções fiscais aplicáveis à importação de mercadorias objecto de pequenas remessas sem carácter comercial na Comunidade (JO L 354, p. 57).

    (24)  – Vigésimo considerando da Directiva 92/12 (décimo nono considerando na versão inglesa e em algumas outras versões linguísticas, onde falta, estranhamente, o décimo nono considerando da versão francesa e da maior parte das outras versões [ NT : nomeadamente da versão portuguesa]).

    (25)  – V. n.° 27, supra .

    (26)  – V. n. os 27 e 28, supra .

    (27)  – Que, em qualquer interpretação sensata, deverão incluir os bens partilhados com a família ou os amigos e a oferta de presentes pessoais.

    (28)  – Pelo menos, no que se refere aos n. os 1 e 2 do artigo 9.° O n.° 3 da mesma disposição (v. nota 5, supra ) diz respeito a circunstâncias específicas que não estão aqui em causa e poderá, talvez, ser melhor compreendido como uma disposição separada do resto do artigo 9.°

    (29)  – V. n.° 69; mas sem prejuízo do disposto na nota 28.

    (30)  – V. n. os 34 e 51 a 53, supra .

    Top