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Document 62004CJ0526

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 7 de Septembro de 2006.
    Laboratoires Boiron SA contra Union de recouvrement des cotisations de sécurité sociale et d'allocations familiales (Urssaf) de Lyon, que sucedeu, nos direitos e nas obrigações, à Agence centrale des organismes de sécurité sociale (ACOSS).
    Pedido de decisão prejudicial: Cour de cassation - França.
    Auxílios de Estado - Artigos 87.º CE e 88.º, n.º 3, CE - Imposto sobre as vendas directas de medicamentos - Sujeição dos laboratórios farmacêuticos e não dos grossistas-distribuidores - Proibição de executar uma medida de auxílio não notificada - Possibilidade de invocar a ilegalidade de uma medida de auxílio para obter o reembolso de um imposto - Compensação que representa a contrapartida de obrigações de serviço público impostas aos grossistas-distribuidores - Ónus da prova de uma compensação adicional - Modalidades previstas pelo direito nacional - Proibição de tornar impossível na prática ou excessivamente difícil o reembolso do imposto.
    Processo C-526/04.

    Colectânea de Jurisprudência 2006 I-07529

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2006:528

    Processo C‑526/04

    Laboratoires Boiron SA

    contra

    Union de recouvrement des cotisations de sécurité sociale et d'allocations familiales (Urssaf) de Lyon, que      sucedeu, nos direitos e nas obrigações, à Agence centrale des organismes de sécurité sociale (ACOSS)

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour de cassation (França)]

    «Auxílios de Estado – Artigos 87.° CE e 88.°, n.° 3, CE – Imposto sobre as vendas directas de medicamentos – Sujeição dos laboratórios farmacêuticos e não dos grossistas‑distribuidores – Proibição de executar uma medida de auxílio não notificada – Possibilidade de invocar a ilegalidade de uma medida de auxílio para obter o reembolso de um imposto – Compensação que representa a contrapartida de obrigações de serviço público impostas aos grossistas‑distribuidores – Ónus da prova de uma compensação adicional – Modalidades previstas pelo direito nacional – Proibição de tornar impossível na prática ou excessivamente difícil o reembolso do imposto»

    Conclusões do advogado‑geral A. Tizzano apresentadas em 30 de Março de 2006 

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 7 de Setembro de 2006 

    Sumário do acórdão

    1.     Auxílios concedidos pelos Estados – Projectos de auxílios – Proibição de execução antes da decisão final da Comissão – Alcance – Obrigações dos órgãos jurisdicionais nacionais

    (Artigos 87.º, n.º 1, CE e 88.º, n.º 3, CE)

    2.     Auxílios concedidos pelos Estados – Recuperação de um auxílio ilegal

    (Artigo 88.º, n.º 2, primeiro parágrafo, CE)

    1.     Uma medida de auxílio na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE executada em violação das obrigações resultantes do artigo 88.°, n.° 3, CE é ilegal. Compete aos órgãos jurisdicionais nacionais proteger os direitos dos particulares face a uma eventual violação, por parte das autoridades nacionais, da proibição de executar auxílios, retirando daí todas as consequências, em conformidade com a sua ordem jurídica interna, no que se refere tanto à validade dos actos de execução das medidas de auxílio em causa como à restituição dos apoios financeiros concedidos.

    Embora, os devedores de um imposto não possam alegar que a isenção de que beneficiam outras empresas constitui um auxílio de Estado para não pagarem o referido imposto ou para obterem a sua restituição, tal sucede apenas quando se trata de uma isenção, em benefício de determinados operadores, de um imposto com alcance geral. A situação é completamente diferente quando se trata de um imposto a que apenas está sujeita uma das duas categorias de operadores em situação concorrencial. Em tal caso de sujeição assimétrica a um imposto, o auxílio pode, com efeito, resultar do facto de a outra categoria de operadores económicos, com a qual a categoria de operadores tributada está em relação directa de concorrência, não estar sujeita ao referido imposto.

    Assim é que, num sistema em que existem dois circuitos de distribuição de medicamentos directamente concorrentes, ou seja, por um lado, o dos grossistas‑distribuidores e, por outro, o dos laboratórios farmacêuticos que praticam a venda directa, e no qual a não sujeição dos grossistas‑distribuidores ao imposto sobre as vendas directas constitui um objectivo deliberado, ou mesmo o objectivo principal desse imposto, dado que o imposto sobre as vendas directas se destina designadamente a reequilibrar as condições de concorrência entre os dois circuitos de distribuição de medicamentos, que eram distorcidas, segundo o legislador, pela existência de obrigações de serviço público que só são impostas aos grossistas‑distribuidores, a sujeição de um laboratório farmacêutico a tal imposto é susceptível de constituir um acto que implica a execução de uma medida de auxílio, cabendo por isso, se for o caso, ao órgão jurisdicional nacional retirar daí todas as consequências, em conformidade com a sua ordem jurídica interna, no que se refere à validade de tal acto, uma vez que a não sujeição ao imposto dos grossistas‑distribuidores acarreta uma compensação adicional a seu favor, na medida em que a vantagem que estes últimos tiram dessa não sujeição excede os custos adicionais que suportam para o cumprimento das obrigações de serviço público que lhes são impostas.

    Por essa razão, nessa situação em que é o imposto sobre as vendas directas em si mesmo e não uma qualquer isenção dissociável deste imposto que constitui a medida de auxílio em causa, há que admitir que um laboratório farmacêutico, devedor dessa contribuição, pode alegar que a não sujeição dos grossistas‑distribuidores a essa contribuição constitui um auxílio de Estado para obter a restituição da parte das somas pagas que corresponde à vantagem económica injustamente obtida pelos grossistas‑distribuidores. Isto não se traduz em conduzir o juiz nacional a permitir que o número de beneficiários do auxílio seja alargado. Pelo contrário, tal reembolso constitui uma medida especialmente adequada para reduzir o número de operadores económicos lesados pela medida que se considera constituir um auxílio e, consequentemente, para limitar os seus efeitos anticoncorrenciais. Conceder a um operador económico o direito de invocar a ilegalidade de um imposto nessas circunstâncias para obter o reembolso das somas pagas a título desse imposto é coerente, aliás, com os princípios subjacentes à jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de impostos parafiscais.

    (cf. n.os 29, 30, 32‑41, 46, 48, disp. 1)

    2.     Não havendo regulamentação comunitária na matéria, compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais das acções judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos que para os cidadãos resultam do efeito directo do direito comunitário, desde que, por aplicação do princípio da equivalência, essas modalidades não sejam menos favoráveis do que as das acções análogas de natureza interna e que, por aplicação do princípio da efectividade, não tornem impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária.

    A este respeito, o direito comunitário não se opõe à aplicação de regras do direito nacional que sujeitam o reembolso de uma contribuição obrigatória, como o imposto sobre as vendas directas de medicamentos, suportado em França pelos laboratórios farmacêuticos, à prova, que incumbe ao autor do pedido de reembolso, de que a vantagem de que usufruem os grossistas‑distribuidores por não estarem sujeitos a essa contribuição excede os custos adicionais que suportam pelo cumprimento das obrigações de serviço público que lhes são impostas pela legislação nacional e, em especial, de que pelo menos uma das condições designadas «Altmark» não está reunida.

    No entanto, a fim de assegurar o respeito pelo princípio da efectividade, o órgão jurisdicional nacional, se verificar que o facto de impor a um laboratório farmacêutico o ónus da prova da existência de uma compensação adicional em benefício dos grossistas‑distribuidores, e portanto da natureza de auxílio de Estado do imposto sobre as vendas directas, é susceptível de tornar impossível ou excessivamente difícil a produção de tal prova, designadamente por esta assentar em dados de que esse laboratório não pode dispor, é obrigado a recorrer a todos os meios processuais que lhe são disponibilizados pelo direito nacional, entre os quais se encontra a possibilidade de ordenar as medidas de instrução necessárias, incluindo a apresentação de um documento por uma das partes ou por um terceiro.

    (cf. n.os 51, 56, 57, disp. 2)




    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

    7 de Setembro de 2006 (*)

    «Auxílios de Estado – Artigos 87.° CE e 88.°, n.° 3, CE – Imposto sobre as vendas directas de medicamentos – Sujeição dos laboratórios farmacêuticos e não dos grossistas‑distribuidores – Proibição de executar uma medida de auxílio não notificada – Possibilidade de invocar a ilegalidade de uma medida de auxílio para obter o reembolso de um imposto – Compensação que representa a contrapartida de obrigações de serviço público impostas aos grossistas‑distribuidores – Ónus da prova de uma compensação adicional – Modalidades previstas pelo direito nacional – Proibição de tornar impossível na prática ou excessivamente difícil o reembolso do imposto»

    No processo C‑526/04,

    que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pela Cour de cassation (França), por decisão de 14 de Dezembro de 2004, entrado no Tribunal de Justiça em 29 de Dezembro de 2004, no processo

    Laboratoires Boiron SA

    contra

    Union de recouvrement des cotisations de sécurité sociale et d’allocations familiales (Urssaf) de Lyon, que sucedeu, nos direitos e nas obrigações, à Agence centrale des organismes de sécurité sociale (ACOSS),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

    composto por: C. W. A. Timmermans (relator), presidente de secção, J. Makarczyk, R. Silva de Lapuerta, P. Kūris e G. Arestis, juízes,

    advogado‑geral: A. Tizzano,

    secretário: K. Sztranc, administradora,

    vistos os autos e após a audiência de 13 de Outubro de 2005,

    vistas as observações apresentadas:

    –       em representação dos Laboratoires Boiron SA, por A. Lyon‑Caen, J. Philippe, C.‑M. Dorémus e O. Cavézian, avocats,

    –       em representação da Union de recouvrement des cotisations de sécurité sociale e d’allocations familiales (Urssaf) de Lyon, que sucedeu, nos direitos e nas obrigações, à Agence centrale des organismes de sécurité sociale (ACOSS), por H. Calvet e O. Billard, avocats,

    –       em representação do Governo francês, por G. de Bergues e S. Ramet, na qualidade de agentes,

    –       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por V. Di Bucci, na qualidade de agente,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 30 de Março de 2006,

    profere o presente

    Acórdão

    1       O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação das disposições do Tratado CE relativas aos auxílios de Estado, em especial, dos artigos 87.° CE e 88.°, n.° 3, CE.

    2       Este pedido foi apresentado no âmbito de um recurso interposto pelos Laboratoires Boiron SA (a seguir «Boiron»), com vista à obtenção do reembolso das somas pagas à Agence centrale des organismes de sécurité sociale (a seguir «ACOSS») relativamente ao imposto sobre as vendas directas de medicamentos. A Union de recouvrement des cotisations de sécurité sociale et d’allocations familiales (Urssaf) de Lyon sucedeu posteriormente, nos direitos e nas obrigações, à ACOSS.

     Legislação nacional

    3       Nos termos do artigo R. 5106 5° do Código da Saúde Pública (code de la santé publique), entende‑se por «grossista‑distribuidor» «qualquer empresa que se dedique à compra ou armazenagem de medicamentos diferentes dos destinados a ser experimentados no homem, tendo em vista a sua distribuição por grosso e no estado em que se encontram».

    4       O Decreto ministerial de 3 de Outubro de 1962, que estabelece as obrigações dos grossistas‑distribuidores no que respeita ao fornecimento de medicamentos às farmácias (JORF de 12 de Outubro de 1692, p. 9999), em vigor até Fevereiro de 1998, dispunha, designadamente:

    «Artigo 1.° – Todos os estabelecimentos de venda por grosso de produtos farmacêuticos a que se refere o quarto parágrafo do artigo R. 5115‑6 do code de la santé publique, bem como as suas sucursais, devem dispor em permanência dum stock de medicamentos especializados que permita assegurar o abastecimento do consumo mensal das farmácias de empresa do sector que abastecem e que pertencem à sua clientela habitual.

    Este stock de medicamentos deve corresponder a uma ‘colecção’ de especialidades que inclua pelo menos dois terços do número das apresentações de especialidades efectivamente exploradas e, em valor, deve corresponder ao valor médio das vendas mensais do ano anterior.

    Artigo 2.° – Todos os estabelecimentos de venda por grosso de produtos farmacêuticos, bem como as suas sucursais, devem estar em condições de assegurar a entrega de qualquer especialidade explorada a qualquer farmácia que faça parte da sua clientela habitual e que pertença ao seu sector de distribuição e, no prazo de 24 horas a seguir à recepção da encomenda, de qualquer especialidade que faça parte da sua ‘colecção’.

    Estes estabelecimentos devem controlar o seu aprovisionamento das especialidades a fim de evitar qualquer ruptura de stock.»

    5       Este regime foi alterado, designadamente, pelo Decreto n.° 98‑79, de 11 de Fevereiro de 1998, relativo aos estabelecimentos farmacêuticos e que altera o Código da Saúde Pública (code de la santé publique) (JORF de 13 de Fevereiro de 1998, p. 2287).

    6       O artigo 12.° da Lei n.° 97‑1164, de 19 de Dezembro de 1997, relativa ao financiamento da segurança social para 1998 (JORF de 23 de Dezembro de 1997, p. 18635), que inseriu, designadamente, o artigo L. 245‑6‑1 no Código da Segurança Social, impõe aos laboratórios farmacêuticos uma contribuição de 2,5% sobre o volume de negócios líquido de impostos que estes realizam em França com as farmácias de empresa, as farmácias mutualistas e as farmácias de sociedades de socorro mineiras, a título de vendas por grosso de especialidades farmacêuticas. Esta contribuição é chamada «imposto sobre as vendas directas».

    7       O artigo L. 245‑6‑4 do Código da Segurança Social dispõe que o imposto sobre as vendas directas reverte a favor da Caisse nationale d’assurance maladie des travailleurs salariés.

    8       Na sua decisão 97‑393, de 18 de Dezembro de 1997 (JORF de 23 de Dezembro de 1997, p. 18649), proferida num recurso em que se impugnava o artigo 12.° da Lei n.° 97‑1164, o Conseil constitutionnel (França) relembrou que o imposto sobre as vendas directas, que não onera as vendas de medicamentos efectuadas pelos grossistas‑distribuidores, foi instituído com a finalidade de contribuir para o financiamento da Caisse nationale d'assurance maladie e de reequilibrar as condições de concorrência entre os circuitos de distribuição de medicamentos, que se consideravam distorcidas pelo facto de os grossistas‑distribuidores estarem submetidos a obrigações de serviço público que não impendem sobre os laboratórios farmacêuticos.

    9       O artigo L 245‑6‑1 do Código da Segurança Social foi revogado, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2003, pelo artigo 16.° da Lei n.° 2002‑1487, de 20 de Dezembro de 2002, relativa ao financiamento da segurança social para 2003 (JORF de 24 de Dezembro de 2002, p. 21482).

     Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    10     A Boiron é uma sociedade de direito francês que fabrica especialidades homeopáticas e, em França, distribui‑as exclusivamente em farmácias através de um sistema de vendas directas ou por intermédio de grossistas‑distribuidores.

    11     Declarou apenas à ACOSS, a título de imposto sobre as vendas directas para os anos de 1998 e 1999, o volume de negócios realizado através de venda directa às farmácias, excluindo o correspondente às vendas realizadas por intermédio de grossistas‑distribuidores.

    12     A ACOSS considerou que estas últimas vendas deviam ser reintegradas no total das vendas directas que constituem a base tributável do referido imposto e, consequentemente, procedeu ao reajustamento correspondente a esta reintegração.

    13     A Boiron pagou os montantes reclamados, mas contestou‑os. Não tendo obtido resposta do conselho de administração da ACOSS, órgão perante o qual tinha interposto recurso gracioso, a Boiron reclamou a restituição das somas pagas junto do tribunal des affaires de sécurité sociale de Lyon.

    14     Para sustentar o seu pedido, alega essencialmente que, à luz do artigo 87.° CE, a isenção do imposto sobre as vendas directas constitui um auxílio de Estado ilegal a favor dos grossistas‑distribuidores.

    15     Por decisão de 3 de Junho de 2000, o tribunal des affaires de sécurité sociale de Lyon julgou procedente o pedido da Boiron e condenou a ACOSS a reembolsar as somas que lhe tinham sido pagas.

    16     A cour d’appel de Lyon, no seguimento da interposição de recurso por parte da ACOSS, num primeiro momento, decidiu suspender a instância até à prolação do acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Novembro de 2001, Ferring (C‑53/00, Colect., p. I‑9067), e, num segundo momento, por acórdão de 29 de Outubro de 2002, anulou a decisão proferida em primeira instância.

    17     A Boiron interpôs então recurso de cassação, suscitando quatro fundamentos, dos quais só o primeiro, relativo à interpretação das disposições do Tratado relativas aos auxílios de Estado, é objecto das questões prejudiciais.

    18     A Cour de cassation observa, em primeiro lugar, que a cour d’appel de Lyon rejeitou o pedido da Boiron ao declarar, baseando‑se no acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Setembro de 2001, Banks (C‑390/98, Colect., p. I‑6117, n.° 80, e jurisprudência referida), que os devedores de uma contribuição obrigatória não podem invocar que a isenção de que beneficiam outras pessoas constitui um auxílio de Estado, para se subtraírem ao pagamento da referida contribuição. Esta jurisprudência foi confirmada pelo acórdão de 13 de Junho de 2002, Sea‑Land Service e Nedlloyd Lijnen (C‑430/99 e C‑431/99, Colect., p. I‑5235, n.° 47).

    19     O órgão jurisdicional de reenvio sublinha que, noutros acórdãos, o Tribunal de Justiça não se opôs à admissibilidade da acção de reembolso dos impostos ou contribuições cobrados com desrespeito da obrigação de notificação prévia prevista no artigo 88.°, n.° 3, CE.

    20     A Cour de cassation considera que estes acórdãos se pronunciam sobre esta questão de forma meramente implícita, não obstante ter sido suscitada uma questão prévia de admissibilidade (v. acórdão Ferring, já referido), ou se referem a regimes de auxílio em que os impostos ou contribuições cujo reembolso era pedido tinham sido especificamente cobrados para financiar o auxílio controvertido (acórdãos de 21 de Outubro de 2003, Van Calster e o., C‑261/01 e C‑262/01, Colect., p. I‑12249, e de 20 de Novembro de 2003, GEMO, C‑126/01, Colect., p. I‑13769).

    21     O órgão jurisdicional de reenvio relembra, em segundo lugar, que, no acórdão Ferring, já referido, o Tribunal de Justiça declarou que o imposto sobre as vendas directas, uma vez que onera unicamente as vendas directas de medicamentos realizadas pelos laboratórios farmacêuticos, só constitui um auxílio de Estado aos grossistas‑distribuidores na medida em que a vantagem obtida por eles através da não sujeição ao referido imposto exceda os custos adicionais que suportam para cumprimento de obrigações de serviço público que lhes são impostas pela regulamentação nacional.

    22     A Cour de cassation refere que, no acórdão de 24 de Julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00, Colect., p. I‑7747), o Tribunal de Justiça precisou que, para que subvenções públicas possam ser consideradas uma compensação que representa a contrapartida das prestações efectuadas pelas empresas beneficiárias para cumprir obrigações de serviço público, compete ao órgão jurisdicional nacional verificar se estão reunidas as condições seguintes (a seguir «condições ditas ‘Altmark’»):

    –       em primeiro lugar, a empresa beneficiária deve efectivamente ser encarregada do cumprimento de obrigações de serviço público e estas obrigações devem ser claramente definidas;

    –       em segundo lugar, os parâmetros com base nos quais é calculada a compensação devem ser previamente estabelecidos de forma objectiva e transparente;

    –       em terceiro lugar, a compensação não pode ultrapassar o necessário para cobrir total ou parcialmente os custos ocasionados pelo cumprimento das obrigações de serviço público, tendo em conta as respectivas receitas assim como um lucro razoável pela execução dessas obrigações;

    –       em quarto lugar, quando a escolha da empresa a encarregar do cumprimento de obrigações de serviço público não for efectuada através de um processo de concurso público, se o nível da compensação necessária foi determinado com base numa análise dos custos que uma empresa média, bem gerida e adequadamente equipada para poder satisfazer as exigências de serviço público requeridas, teria suportado para cumprir estas obrigações, tendo em conta as respectivas receitas assim como um lucro razoável pela execução destas obrigações.

    23     A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio constata, em primeiro lugar, que as condições ditas «Altmark» se referem a dados aos quais o operador económico que invoca a ilegalidade do auxílio e que é alheio às relações jurídicas que vinculam o beneficiário da subvenção ou da isenção ao Estado ou ao organismo que a instituiu ou designou para gerir o auxílio não tem necessariamente acesso fora de uma acção judicial que pusesse em causa o próprio beneficiário.

    24     A Cour de cassation relembra em seguida que, segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, são incompatíveis com o direito comunitário todos os meios de prova cujo efeito seja tornar impossível na prática ou excessivamente difícil a obtenção da restituição das taxas cobradas em violação do direito comunitário (v., designadamente, acórdãos de 9 de Novembro de 1983, San Giorgio, 199/82, Recueil, p. 3595, n.° 14, e de 9 de Fevereiro de 1999, Dilexport, C‑343/96, Colect., p. I‑579, n.° 48).

    25     Finalmente, o órgão jurisdicional de reenvio refere que, nos termos das disposições de direito nacional em matéria de ónus da prova, o operador económico que invoca, para fundamentar o seu pedido de reembolso, a natureza de auxílio de Estado da medida em causa pode ser obrigado a demonstrar que as condições ditas «Altmark» não estão reunidas. Acrescenta que a não apresentação da prova necessária à procedência do pedido deste operador pode constituir o único obstáculo à demonstração da natureza de auxílio de Estado dessa medida.

    26     Nestas condições, a Cour de cassation decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)      O direito comunitário deve ser interpretado no sentido de que um laboratório farmacêutico devedor de uma contribuição como a prevista no artigo 12.° da Lei n.° 97‑1164, de 19 de Dezembro de 1997, relativa ao financiamento da segurança social para 1998, tem o direito de alegar que a não sujeição dos grossistas‑distribuidores a esta contribuição constitui um auxílio de Estado, para obter a sua restituição?

    2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, e uma vez que o provimento do pedido de restituição pode depender unicamente dos elementos apresentados pelo seu autor, o direito comunitário deve ser interpretado no sentido de que constituem meios de prova cujo efeito é tornar impossível na prática ou excessivamente difícil a restituição de uma contribuição obrigatória, como a contribuição prevista no artigo 245‑6‑1 do Código da Segurança Social, cujo pedido foi apresentado à autoridade competente com o fundamento de que a isenção de contribuição de que beneficiam os grossistas‑distribuidores é constitutiva de um auxílio de Estado que não foi notificado à Comissão das Comunidades Europeias, as normas de direito nacional que sujeitam essa restituição à prova, que incumbe ao autor do pedido, de que a vantagem desses beneficiários excede os custos adicionais que têm de suportar para o cumprimento das obrigações de serviço público que lhes são impostas pela regulamentação nacional ou que as condições fixadas pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 24 de Julho de 2003 [Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg] não estão reunidas?»

     Quanto às questões prejudiciais

     Quanto à primeira questão

    27     Resulta do acórdão Ferring, já referido, que o artigo 87.° CE deve ser interpretado no sentido de que uma medida como o imposto sobre as vendas directas, que onera unicamente as vendas directas de medicamentos realizadas pelos laboratórios farmacêuticos, só constitui um auxílio de Estado aos grossistas‑distribuidores na medida em que a vantagem obtida por eles implique uma compensação adicional a seu favor, ou seja, desde que a vantagem que estes operadores económicos retiram da não sujeição a esse imposto exceda os custos adicionais que suportam para cumprimento das obrigações de serviço público que lhes são impostas pela legislação nacional.

    28     No presente caso, a Boiron, um laboratório farmacêutico devedor do imposto sobre as vendas directas, sustenta que a não sujeição a esse imposto dos grossistas‑distribuidores implica uma compensação adicional e por isso constitui, enquanto tal, um auxílio ilegal em seu benefício. Baseando‑se neste argumento, este operador exigiu o reembolso das somas pagas a título do referido imposto nos anos fiscais de 1998 e 1999.

    29     A este respeito, há que recordar que uma medida de auxílio na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE executada em violação das obrigações resultantes do artigo 88.°, n.° 3, CE é ilegal. Compete aos órgãos jurisdicionais nacionais proteger os direitos dos particulares face a uma eventual violação, por parte das autoridades nacionais, da proibição de executar auxílios, retirando daí todas as consequências, em conformidade com a sua ordem jurídica interna, no que se refere tanto à validade dos actos de execução das medidas de auxílio em causa como à restituição dos apoios financeiros concedidos (v., designadamente, acórdão de 27 de Outubro de 2005, Distribution Casino France e o., C‑266/04 a C‑270/04, C‑276/04 e C‑321/04 a C‑325/04, Colect., p. I‑9481, n.° 30, e jurisprudência referida).

    30     É verdade que, em vários processos que lhe foram submetidos, o Tribunal de Justiça já decidiu que os devedores de um imposto não podem alegar que a isenção de que beneficiam outras empresas constitui um auxílio de Estado para não pagarem o referido imposto ou para obterem a sua restituição (v., designadamente, acórdãos, já referidos, Banks, n.° 80, e Distribution Casino France e o., n.os 42 e 44, bem como de 15 de Junho de 2006, Air Liquide, C‑393/04 e C‑41/05, ainda não publicado na Colectânea, n.° 43).

    31     No entanto, a natureza das medidas nacionais em causa nos processos que deram origem aos acórdãos referidos no número anterior difere de forma essencial da natureza do imposto sobre as vendas directas.

    32     Com efeito, nos referidos processos, estava sempre em causa uma isenção, em benefício de determinados operadores, de um imposto com alcance geral e alegava‑se que essa isenção era, por si só, constitutiva de uma medida de auxílio.

    33     Pelo contrário, no processo principal, não se trata de tal regime de tributação, mas de um imposto a que apenas está sujeita uma das duas categorias de operadores em situação concorrencial, a saber, os laboratórios farmacêuticos.

    34     Em tal caso de sujeição assimétrica a um imposto, o alegado auxílio resulta do facto de a outra categoria de operadores económicos, com a qual a categoria de operadores tributada está em relação directa de concorrência, no presente caso os grossistas‑distribuidores, não estar sujeita ao referido imposto.

    35     No presente caso, é facto assente que essa não sujeição constitui aliás um objectivo deliberado, ou mesmo o objectivo principal do imposto sobre as vendas directas.

    36     A este respeito, importa recordar que, no n.° 19 do acórdão Ferring, já referido, o Tribunal salientou que existem em França dois circuitos de distribuição de medicamentos directamente concorrentes: por um lado, o dos grossistas‑distribuidores e, por outro, o dos laboratórios farmacêuticos que praticam a venda directa. Além disso, no referido número, o Tribunal de Justiça indicou que o imposto sobre as vendas directas se destina designadamente a reequilibrar as condições de concorrência entre os dois circuitos de distribuição de medicamentos, que eram distorcidas, segundo o legislador francês, pela existência de obrigações de serviço público que só são impostas aos grossistas‑distribuidores. Finalmente, o Tribunal de Justiça acrescentou que, na sequência da criação do referido imposto pela Lei n.° 97‑1164, não só se interrompeu o crescimento das vendas directas registado nos anos imediatamente anteriores, como se inverteu a tendência, tendo sido recuperadas quotas de mercado pelos grossistas‑distribuidores.

    37     Se for provado que a não sujeição ao imposto sobre as vendas directas acarreta uma compensação adicional a favor dos grossistas‑distribuidores, na medida em que a vantagem que estes últimos tiram dessa não sujeição excederia os custos adicionais que suportam para o cumprimento das obrigações de serviço público que lhes são impostas, a sujeição de um laboratório farmacêutico como a Boiron a tal imposto constituiria um acto que implica a execução de uma medida de auxílio.

    38     Nesse caso, caberia ao órgão jurisdicional nacional, como se recordou no n.° 29 do presente acórdão, retirar daí todas as consequências, em conformidade com a sua ordem jurídica interna, no que se refere à validade de tal acto.

    39     No presente caso, a própria medida que se alega constituir um auxílio é um imposto sobre as vendas directas e não uma qualquer isenção dissociável deste imposto.

    40     Em tal situação, há que reconhecer que um operador económico como a Boiron pode invocar a ilegalidade do imposto sobre as vendas directas, por constituir um auxílio de Estado, para pedir o seu reembolso.

    41     Este entendimento não se traduz aliás em conduzir o juiz nacional a permitir que o número de beneficiários do auxílio seja alargado. Pelo contrário, tal reembolso, desde que seja devido, constitui uma medida especialmente adequada para reduzir o número de operadores económicos lesados pela medida que se considera constituir um auxílio e, consequentemente, para limitar os seus efeitos anticoncorrenciais.

    42     O órgão jurisdicional de reenvio e as partes que apresentaram observações ao Tribunal suscitaram a questão de saber se tal direito de invocar a ilegalidade de um imposto sobre as vendas directas que se considera constituir um auxílio de Estado para obter o respectivo reembolso é coerente com os princípios subjacentes à jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de impostos parafiscais iniciada pelo acórdão Van Calster e o., já referido, e desenvolvido em acórdãos subsequentes.

    43     Resulta desta jurisprudência que, quando uma medida de auxílio da qual o respectivo modo de financiamento faz parte integrante tiver sido executada com desrespeito da obrigação de notificação, os órgãos jurisdicionais nacionais são obrigados, em princípio, a ordenar o reembolso dos impostos ou contribuições especificamente cobrados para financiar esse auxílio (acórdão Van Calster e o., já referido, n.° 54).

    44     A este respeito, o Tribunal de Justiça especificou que, para que se possa considerar que um imposto faz parte integrante de uma medida de auxílio, deve existir uma relação de afectação obrigatória entre o imposto e o auxílio por força da legislação nacional pertinente, no sentido de o produto do imposto ser necessariamente destinado ao financiamento do auxílio (v., designadamente, acórdão Air Liquide, já referido, n.° 46, e jurisprudência referida).

    45     Relativamente ao imposto sobre as vendas directas, a sua particularidade reside no facto de este imposto e a alegada medida de auxílio constituírem dois elementos indissociáveis de uma única e mesma medida fiscal. Neste caso, o vínculo entre o imposto e o auxílio é ainda mais estreito que no caso de um imposto parafiscal como o que foi objecto do acórdão Van Calster e o., já referido.

    46     Nestas condições, conceder a um operador económico como a Boiron o direito de invocar a ilegalidade do imposto sobre as vendas directas para obter o reembolso das somas pagas a título desse imposto é coerente com os princípios subjacentes à jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de impostos parafiscais inaugurada pelo acórdão Van Calster e o., já referido, e desenvolvida em acórdãos subsequentes.

    47     Há que acrescentar que, seja como for, tal reembolso só pode ser concedido se se provar que as referidas somas, ou pelo menos a parte destas cujo reembolso é pedido, representam uma compensação adicional em benefício dos grossistas‑distribuidores, pelo que lhes conferem, nessa medida, uma vantagem económica e se, além disso, estiverem também reunidas as condições referidas no artigo 87.°, n.° 1, CE para que uma medida seja qualificada como auxílio de Estado.

    48     Atendendo ao que precede, há que responder à primeira questão que o direito comunitário deve ser interpretado no sentido de que um laboratório farmacêutico, devedor de uma contribuição como a prevista no artigo 12.° da Lei n.° 97‑1164, pode alegar que a não sujeição dos grossistas‑distribuidores a essa contribuição constitui um auxílio de Estado, para obter a restituição da parte das somas pagas que corresponde à vantagem económica injustamente obtida pelos grossistas‑distribuidores.

     Quanto à segunda questão

    49     No processo principal, um laboratório farmacêutico, devedor do imposto sobre as vendas directas, que é pacífico que não foi notificado nos termos do artigo 88.°, n.° 3, CE, invoca a ilegalidade desse imposto para obter o respectivo reembolso, por a não sujeição dos grossistas‑distribuidores – que são os concorrentes directos desse laboratório – a esse imposto constituir um auxílio de Estado.

    50     Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o respeito do princípio da efectividade está assegurado quando, nos termos das regras nacionais aplicáveis em matéria de ónus da prova e a fim de poder obter o reembolso das somas pagas a título de imposto sobre as vendas directas, cabe ao operador económico que solicita o reembolso deste imposto provar que essa não sujeição dos grossistas‑distribuidores a imposto implica uma compensação adicional em benefício destes últimos, quando pelo menos uma das quatro condições ditas «Altmark» não está preenchida, e constitui portanto, enquanto tal, a vantagem económica a que se refere o artigo 87.°, n.° 1, CE.

    51     Não havendo regulamentação comunitária na matéria, como sucede no processo principal, compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro designar os órgãos jurisdicionais competentes e regular as modalidades processuais das acções judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos que para os cidadãos resultam do efeito directo do direito comunitário, desde que essas modalidades não sejam menos favoráveis do que as das acções análogas de natureza interna (princípio da equivalência) e não tornem impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade) (v., designadamente, acórdão de 10 de Abril de 2003, Steffensen, C‑276/01, Colect., p. I‑3735, n.° 60, e jurisprudência referida).

    52     A este propósito, o órgão jurisdicional de reenvio observa, por um lado, que, embora o ónus da prova de uma compensação adicional em benefício dos grossistas‑distribuidores, que implica que se demonstre que pelo menos uma das quatro condições ditas «Altmark» não está preenchida, caiba em princípio, nos termos do direito nacional aplicável, ao operador económico que invoca a existência do auxílio para obter o reembolso do imposto em causa, esse direito nacional concede igualmente ao órgão jurisdicional um amplo poder para ordenar oficiosamente todas as medidas de instrução legalmente admissíveis.

    53     O órgão jurisdicional de reenvio refere, por outro lado, que esse poder constitui apenas uma simples faculdade e que a não apresentação, por parte do referido operador, da prova necessária à procedência do seu pedido pode constituir o único obstáculo à demonstração da natureza de auxílio de Estado do imposto sobre as vendas directas, na acepção do artigo 88.°, n.° 3, CE, uma vez que as condições ditas «Altmark» se referem a dados a que este operador não teve necessariamente acesso fora de uma acção judicial que ponha em causa o beneficiário do alegado auxílio.

    54     A Union de recouvrement des cotisations de sécurité sociale et d’allocations familiales (Urssaf) de Lyon indicou, além disso, que o órgão jurisdicional nacional dispõe, em especial, da faculdade de ordenar a uma parte ou a um terceiro no litígio que apresente um acto ou um documento.

    55     Nestas condições, a fim de assegurar o respeito do princípio da efectividade, o órgão jurisdicional nacional, se verificar que o facto de impor a um laboratório farmacêutico como a Boiron o ónus da prova da existência de uma compensação adicional em benefício dos grossistas‑distribuidores, e portanto da natureza de auxílio de Estado do imposto sobre as vendas directas, é susceptível de tornar impossível ou excessivamente difícil a produção de tal prova, designadamente por esta assentar em dados de que esse laboratório não pode dispor, é obrigado a recorrer a todos os meios processuais que lhe são disponibilizados pelo direito nacional, entre os quais se encontra a possibilidade de ordenar as medidas de instrução necessárias, incluindo a apresentação de um documento por uma das partes ou por um terceiro.

    56     Atendendo ao que precede, há que responder à segunda questão que o direito comunitário não se opõe à aplicação de regras do direito nacional que sujeitam o reembolso de uma contribuição obrigatória, como a prevista no artigo 12.° da Lei n.° 97‑1164, à prova, que incumbe ao autor do pedido de reembolso, de que a vantagem de que usufruem os grossistas‑distribuidores por não estarem sujeitos a essa contribuição excede os custos adicionais que suportam pelo cumprimento das obrigações de serviço público que lhes são impostas pela legislação nacional e, em especial, que pelo menos uma das condições ditas «Altmark» não está reunida.

    57     No entanto, a fim de assegurar o respeito pelo princípio da efectividade, o órgão jurisdicional nacional, se verificar que o facto de impor a um laboratório farmacêutico como a Boiron o ónus da prova da existência de uma compensação adicional em benefício dos grossistas‑distribuidores, e portanto da natureza de auxílio de Estado do imposto sobre as vendas directas, é susceptível de tornar impossível ou excessivamente difícil a produção de tal prova, designadamente por esta assentar em dados de que esse laboratório não pode dispor, é obrigado a recorrer a todos os meios processuais que lhe são disponibilizados pelo direito nacional, entre os quais se encontra a possibilidade de ordenar as medidas de instrução necessárias, incluindo a apresentação de um documento por uma das partes ou por um terceiro.

     Quanto às despesas

    58     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

    1)      O direito comunitário deve ser interpretado no sentido de que um laboratório farmacêutico, devedor de uma contribuição como a prevista no artigo 12.° da Lei n.° 97‑1164, de 19 de Dezembro de 1997, relativa ao financiamento da segurança social para 1998, pode alegar que a não sujeição dos grossistas‑distribuidores a essa contribuição constitui um auxílio de Estado, para obter a restituição da parte das somas pagas que corresponde à vantagem económica injustamente obtida pelos grossistas‑distribuidores.

    2)      O direito comunitário não se opõe à aplicação de regras do direito nacional que sujeitam o reembolso de uma contribuição obrigatória, como a prevista no artigo 12.° da referida Lei n.° 97‑1164, à prova, que incumbe ao autor do pedido de reembolso, de que a vantagem de que usufruem os grossistas‑distribuidores por não estarem sujeitos a essa contribuição excede os custos adicionais que suportam pelo cumprimento das obrigações de serviço público que lhes são impostas pela legislação nacional e, em especial, que pelo menos uma das condições referidas no acórdão de 24 de Julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg (C‑280/00), não está reunida.

    No entanto, a fim de assegurar o respeito pelo princípio da efectividade, o órgão jurisdicional nacional, se verificar que o facto de impor a um laboratório farmacêutico como a Boiron o ónus da prova da existência de uma compensação adicional em benefício dos grossistas‑distribuidores, e portanto da natureza de auxílio de Estado do imposto sobre as vendas directas, é susceptível de tornar impossível ou excessivamente difícil a produção de tal prova, designadamente por esta assentar em dados de que esse laboratório não pode dispor, é obrigado a recorrer a todos os meios processuais que lhe são disponibilizados pelo direito nacional, entre os quais se encontra a possibilidade de ordenar as medidas de instrução necessárias, incluindo a apresentação de um documento por uma das partes ou por um terceiro.

    Assinaturas


    * Língua do processo: francês.

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