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Document 62004CJ0438

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 13 de Julho de 2006.
Mobistar SA contra Institut belge des services postaux et des télécommunications (IBPT).
Pedido de decisão prejudicial: Cour d'appel de Bruxelles - Bélgica.
Sector das telecomunicações - Serviço universal e direitos dos utilizadores - Portabilidade dos números de telefone - Custos de activação em caso de manutenção de um número de telefone móvel - Artigo 30.º, n.º 2, da Directiva 2002/22/CE (directiva 'serviço universal') - Tarifação da interligação relacionada com a oferta de portabilidade dos números - Orientação dos preços em função dos custos - Poder de regulação das autoridades reguladoras nacionais - Artigo 4.º, n.º 1, da Directiva 2002/21/CE (directiva-quadro) - Protecção jurídica efectiva - Protecção da confidencialidade dos dados.
Processo C-438/04.

Colectânea de Jurisprudência 2006 I-06675

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2006:463

Processo C‑438/04

Mobistar SA

contra

Institut belge des services postaux et des télécommunications (IBPT)

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela cour d'appel de Bruxelles (Bélgica)]

«Sector das telecomunicações – Serviço universal e direitos dos utilizadores – Portabilidade dos números de telefone – Custos de activação em caso de manutenção de um número de telefone móvel – Artigo 30.°, n.° 2, da Directiva 2002/22/CE (directiva ‘serviço universal’) – Tarifação da interligação relacionada com a oferta de portabilidade dos números – Orientação dos preços em função dos custos – Poder de regulação das autoridades reguladoras nacionais – Artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 2002/21/CE (directiva‑quadro) – Protecção jurídica efectiva – Protecção da confidencialidade dos dados»

Conclusões da advogada‑geral C. Stix-Hackl apresentadas em 23 de Março de 2006 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 13 de Julho de 2006 

Sumário do acórdão

1.     Aproximação das legislações – Sector das telecomunicações – Serviço universal e direitos dos utilizadores

(Directiva 2002/22 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 30.º, n.º 2)

2.     Aproximação das legislações – Sector das telecomunicações – Quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações electrónicas – Directiva 2002/21

(Directiva 2002/21 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 4.º)

1.     A tarifação de interligação relacionada com a oferta de portabilidade dos números, prevista no artigo 30.°, n.° 2, da Directiva 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações electrónicas, refere‑se aos custos com o tráfego dos números mantidos e aos custos de activação suportados pelos operadores de telefonia móvel para executar os pedidos de portabilidade de número.

O referido artigo não se opõe à adopção de uma medida nacional que define um método determinado para o cálculo dos custos e que fixa previamente e através de um modelo teórico de custos os preços máximos que podem ser exigidos pelo operador cedente ao operador receptor, a título de custos de activação, desde que os preços sejam fixados em função dos custos, de modo a que os consumidores não sejam dissuadidos de utilizar a funcionalidade da portabilidade.

(cf. n.os 30, 37, disp. 1-2)

2.     O artigo 4.° da Directiva 2002/21/CE, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações electrónicas, deve ser interpretado no sentido de que o organismo designado para apreciar os recursos contra as decisões das autoridades reguladoras nacionais deve dispor de todas as informações necessárias para examinar o mérito de um recurso, incluindo, se for caso disso, as informações confidenciais que as referidas autoridades tenham tomado em consideração para adoptar a decisão objecto do recurso. Incumbe, contudo, a este organismo garantir o tratamento confidencial dos dados em causa, respeitando as exigências de uma protecção jurídica efectiva e assegurando o respeito pelos direitos de defesa das partes no litígio.

(cf. n.o 43, disp. 3)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

13 de Julho de 2006 (*)

«Sector das telecomunicações – Serviço universal e direitos dos utilizadores – Portabilidade dos números de telefone – Custos de activação em caso de manutenção de um número de telefone móvel – Artigo 30.°, n.° 2, da Directiva 2002/22/CE (directiva ‘serviço universal’) – Tarifação da interligação relacionada com a oferta de portabilidade dos números – Orientação dos preços em função dos custos – Poder de regulação das autoridades reguladoras nacionais – Artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 2002/21/CE (directiva‑quadro) – Protecção jurídica efectiva – Protecção da confidencialidade dos dados»

No processo C‑438/04,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pela cour d’appel de Bruxelles (Bélgica), por decisão de 14 de Outubro de 2004, entrado no Tribunal de Justiça em 19 de Outubro seguinte, no processo

Mobistar SA

contra

Institut belge des services postaux et des télécommunications (IBPT),

sendo intervenientes:

Belgacom Mobile SA,

Base SA,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, R. Schintgen, P. Kūris (relator), G. Arestis e J. Klučka, juízes,

advogada‑geral: C. Stix‑Hackl,

secretário: K. Sztranc, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 20 de Outubro de 2005,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação da Mobistar SA, por F. Louis e A. Vallery, avocats,

–       em representação do Institut belge des services postaux et des télécommunications (IBPT), por S. Depré, C. Janssens e S. Adam, avocats,

–       em representação da Belgacom Mobile SA, por D. Van Liedekerke, avocat,

–       em representação da Base SA, por A. Verheyden e Y. Desmedt, avocats,

–       em representação do Governo italiano, por I. M. Braguglia, na qualidade de agente, assistido por P. Gentili, avvocato dello Stato,

–       em representação do Governo cipriota, por D. Lysandou, na qualidade de agente,

–       em representação do Governo lituano, por D. Kriaučiūnas, na qualidade de agente,

–       em representação do Governo do Reino Unido, por M. Bethell, na qualidade de agente, assistido por K. Smith e G. Peretz, barristers,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por D. Maidani e M. Shotter, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 23 de Março de 2006,

profere o presente

Acórdão

1       O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação da Directiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva‑quadro) (JO L 108, p. 33, a seguir «directiva‑quadro»), e da Directiva 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva serviço universal) (JO L 108, p. 51, a seguir «directiva serviço universal»).

2       Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Mobistar SA (a seguir «Mobistar») ao Institut belge des services postaux et des télécommunications (IBPT), pessoa colectiva de direito público, relativo à decisão deste, de 16 de Setembro de 2003, que fixa o custo de activação a pagar pelo operador receptor de telefonia móvel em caso de transferência ou de transmissão do número de um operador para outro em relação ao período compreendido entre 1 de Outubro de 2002 e 1 de Outubro de 2005 (a seguir «decisão controvertida»).

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

3       A Directiva 97/33/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Junho de 1997, relativa à interligação no sector das telecomunicações com o objectivo de assegurar o serviço universal e a interoperabilidade através da aplicação dos princípios da oferta de rede aberta (ORA) (JO L 199, p. 32), na redacção dada pela Directiva 98/61/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Setembro de 1998 (JO L 268, p. 37, a seguir «Directiva 97/33»), foi revogada pela directiva‑quadro com efeitos a partir de 25 de Julho de 2003. Nos termos do seu artigo 1.°, primeiro parágrafo, a Directiva 97/33 definia um quadro regulamentar destinado a assegurar, na Comunidade Europeia, a interligação das redes de telecomunicações e, em particular, a interoperabilidade dos serviços, e o fornecimento de um serviço universal num contexto de mercados abertos e concorrenciais.

4       O artigo 2.°, n.° 1, alínea a), dessa directiva definia o conceito de «interligação» como «a ligação física e lógica das redes de telecomunicações utilizadas por uma mesma organização ou por uma organização diferente de modo a permitir aos utilizadores de uma organização comunicarem com os utilizadores da mesma ou de outra organização ou acederem a serviços prestados por outra organização».

5       O artigo 7.° da mesma directiva fixava os princípios de tarifação da interligação e regulamentava os sistemas de contabilização dos custos no domínio dessa mesma interligação. O anexo IV dessa directiva continha uma «[l]ista dos elementos exemplificativos de cálculo das taxas de interligação». Este anexo estabelecia, nomeadamente, que «[a]s taxas de interligação podem incluir uma parte razoável, de acordo com o princípio da proporcionalidade, dos custos conjuntos comuns e dos custos incorridos na oferta de acesso idêntico e de portabilidade dos números, bem como dos custos da garantia dos requisitos essenciais (manutenção da integridade da rede, segurança da rede em situações de emergência, interoperabilidade dos serviços e protecção dos dados)».

6       O artigo 12.°, n.° 5, da Directiva 97/33 dispunha:

«As autoridades reguladoras nacionais encorajarão a introdução, tão rápida quanto possível, da portabilidade dos números entre operadores, através da qual os assinantes que o solicitem podem manter o seu número ou números na rede telefónica pública fixa e na Rede Digital com Integração de Serviços (RDIS), independentemente da organização que oferece o serviço, no caso de números geográficos, num determinado local e, no caso dos restantes números, em qualquer local, e assegurarão que esta facilidade esteja disponível o mais tardar em 1 de Janeiro de 2000 ou, nos países aos quais tenha sido concedido um período transitório adicional, tão cedo quanto possível, mas nunca mais de dois anos depois de qualquer data posterior aprovada para a liberalização total dos serviços de telefonia vocal.

Para garantir que os encargos para o consumidor sejam razoáveis, as autoridades reguladoras nacionais deverão assegurar que os preços da interligação relacionada com o fornecimento desta funcionalidade sejam razoáveis.»

7       Foi adoptado um novo quadro jurídico para todas as redes e serviços de transmissão, sob a forma de quatro directivas, a saber, além da directiva‑quadro e da directiva serviço universal, a Directiva 2002/19/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa ao acesso e interligação de redes de comunicações electrónicas e recursos conexos (directiva acesso) (JO L 108, p. 7, a seguir «directiva acesso»), e a Directiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva autorização) (JO L 108, p. 21, a seguir «directiva autorização»).

8       O artigo 30.° da directiva serviço universal dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros garantirão que todos os assinantes de serviços telefónicos acessíveis ao público, incluindo serviços móveis, que o solicitem possam manter o(s) seu(s) número(s) independentemente da empresa que oferece o serviço:

a)      No caso de números geográficos, num local específico; e

b)      No caso de números não geográficos, em qualquer local.

O presente número não se aplica à portabilidade de números entre redes que fornecem serviços fixos e redes móveis.

2.      As autoridades reguladoras nacionais garantirão que os preços de interligação relacionados com a oferta de portabilidade dos números se baseiem nos custos e que os eventuais encargos directos para os assinantes não desincentivem a utilização destes recursos.

3.      As autoridades reguladoras nacionais não devem impor tarifas de retalho para as operações de portabilidade dos números de forma a causar distorções da concorrência, por exemplo fixando tarifas de retalho específicas ou comuns.»

9       O artigo 4.°, n.° 1, da directiva‑quadro dispõe:

«Os Estados‑Membros deverão assegurar a existência de mecanismos eficazes, a nível nacional, através dos quais qualquer utilizador ou empresa que ofereça redes e/ou serviços de comunicações electrónicas que tenha sido prejudicado/a por uma decisão de uma autoridade reguladora nacional, tenha o direito de interpor recurso contra essa decisão junto de um organismo de recurso, que pode ser um tribunal, independente das partes envolvidas e que disponha dos conhecimentos especializados necessários ao desempenho das suas funções. Os Estados‑Membros assegurarão que o mérito da causa seja devidamente apreciado e que exista um mecanismo de recurso efectivo. Enquanto não for reconhecido o resultado do recurso, mantém‑se a decisão da autoridade reguladora nacional, a não ser que o organismo de recurso decida em contrário.»

 Legislação nacional

10     Com a decisão controvertida, adoptada em aplicação da Lei belga de 17 de Janeiro de 2003 relativa ao estatuto do regulador dos sectores dos correios e telecomunicações belgas (Moniteur belge de 24 de Janeiro de 2003, a seguir «Lei de 17 de Janeiro de 2003») e do Decreto real de 23 de Setembro de 2002 relativo à portabilidade dos números dos utilizadores finais dos serviços de telefonia móvel oferecidos ao público (Moniteur belge de 1 de Outubro de 2002, a seguir «Decreto real de 23 de Setembro de 2002»), o IBPT, autoridade reguladora nacional na acepção do artigo 2.°, alínea g), da directiva‑quadro, fixou os custos de activação por número de telefone móvel transferido com sucesso de um operador para outro, em 3,86 euros, para uma instalação simples e, em 23,41 euros, para uma instalação complexa, para o período de 1 de Outubro de 2002 a 1 de Outubro de 2005. Nos termos do artigo 19.° do mesmo decreto real, os referidos custos foram fixados com base no conceito de «custos teóricos de um operador de telefonia móvel eficiente». Resulta do ponto 4 da decisão controvertida que esse operador de referência não é necessariamente aquele cujos custos são os menos elevados, mas o que se deve considerar competitivo num grupo de contextos comparáveis. Para adoptar a decisão controvertida, o IBPT teve em conta as informações fornecidas pela Mobistar, pela Belgacom Mobile SA (a seguir «Belgacom Mobile») e pela Base SA (a seguir «Base»), ou seja, os três operadores de telefonia móvel activos na Bélgica.

11     O Decreto real de 23 de Setembro de 2002 contém, entre outras, regras sobre quem deve suportar os custos em que incorrem os operadores relacionados com a portabilidade dos números de telefone móvel. Distingue quatro tipos de custos: os custos relacionados com a execução da portabilidade, os custos de activação por linha ou por número (a seguir «custos de activação»), os custos relacionados com a base de dados central de referência, bem como os custos de tráfego relacionados com a portabilidade dos números (a seguir «custos de tráfego»).

12     Os custos de activação são definidos pelo artigo 18.° desse decreto real como «o custo adicional não recorrente gerado pela transferência de um ou de vários números de telefone móvel, além dos custos ligados à transferência de um ou de vários números sem portabilidade, para outro operador ou prestador de serviços de telefonia móvel, ou para pôr termo ao fornecimento do serviço».

13     Nos termos do artigo 19.° do referido decreto real, «os custos de activação por linha ou por número [...] são fixados pelo [IBPT] com base nos custos teóricos de um operador de telefonia móvel eficiente. Os montantes fixados pelo [IBPT] para cobrir os custos de activação por linha ou por número [...] serão fixados em função dos custos».

14     Da decisão de reenvio resulta que só estão em causa os custos de activação suportados pelo operador de telefonia móvel do qual um número de telefone móvel é transferido (a seguir «operador cedente»). O operador cedente pode facturar ao operador móvel para o qual é transferido o número de telefone móvel (a seguir «operador receptor») os custos de activação até ao montante fixado pelo IBPT. O referido montante é um montante máximo, de forma que os operadores de telefonia móvel podem negociar entre si um montante inferior. Em contrapartida, um operador cedente também pode, em princípio, exigir o montante fixado pelo IBPT, mesmo que os seus custos de activação reais sejam inferiores.

15     Nos termos do artigo 11.° do Decreto real de 23 de Setembro de 2002, o operador cedente não pode exigir compensação a um utilizador final que tenha feito transferir o seu número. Porém, o operador receptor não pode exigir ao utilizador final uma compensação superior a 15 euros pela transferência do seu número.

16     Finalmente, nos termos do artigo 18.° desse decreto real, por custos de tráfego entende‑se «os custos suplementares gerados na rede pelas chamadas para números transferidos por comparação com as chamadas para números não transferidos». Estes custos devem ser objecto de reembolso proporcional ao operador cedente pelo operador a partir de cuja rede a chamada é gerada e que factura a chamada ao utilizador final.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

17     A Mobistar interpôs recurso da decisão controvertida para a cour d’appel de Bruxelles, considerando que os custos fixados pela referida decisão são demasiado elevados. Dirigiu esse recurso contra o IBPT, a Belgacom Mobile e a Base. Contrariamente à Mobistar, a Belgacom Mobile considera que os referidos custos não são suficientemente elevados, enquanto a Base, que apoia a posição da Mobistar, suscita a ilegalidade do Decreto real de 23 de Setembro de 2002 e, portanto, da decisão controvertida, de que aquele constitui o fundamento, invocando em especial o desrespeito pelo artigo 30.°, n.° 2, da directiva serviço universal.

18     A cour d’appel de Bruxelles considera que os efeitos de uma medida pela qual é imposto um preço máximo comum para a portabilidade de um número, preço esse que só pode ser derrogado em baixa com o acordo do operador cedente, devem ser imputados à decisão controvertida e que a procedência do recurso depende das respostas a diferentes questões respeitantes à legalidade do Decreto real de 23 de Setembro de 2002, que constitui a base jurídica da referida decisão.

19     Nestas condições, a cour d’appel de Bruxelles decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      No que respeita ao serviço de portabilidade dos números previsto no artigo 30.° da directiva [serviço universal]:

a)      O artigo 30.°, n.° 2, da directiva serviço universal, que prevê que as autoridades reguladoras nacionais garantirão que a tarifação de interligação relacionada com a oferta de portabilidade dos números se baseie nos custos, refere‑se somente aos custos relacionados com o tráfego para o número mantido ou também aos montantes dos custos suportados pelos operadores para executar os pedidos de portabilidade do número?

b)      Caso o artigo 30.°, n.° 2, da directiva [serviço universal] se refira apenas à tarifação de interligação relacionada com o tráfego para o número mantido, deve ser interpretado no sentido de que:

i)      Deixa à discrição dos operadores a negociação das condições comerciais do serviço e proíbe os Estados‑Membros de imporem previamente condições comerciais às empresas às quais incumbe a obrigação de prestar o serviço de portabilidade do número no que respeita às prestações relacionadas com a execução de um pedido de portabilidade?

ii)      Não proíbe os Estados‑Membros de imporem previamente condições comerciais para o referido serviço aos operadores que forem designados como detendo um poder de mercado significativo num determinado mercado?

c)      Caso o artigo 30.°, n.° 2, da directiva [serviço universal] deva ser interpretado no sentido de que impõe a todos os operadores a obrigação de se basearem nos custos, no que respeita aos custos de portabilidade do número, o mesmo deve ser interpretado no sentido de que se opõe:

i)      A uma medida reguladora nacional que imponha um determinado método para o cálculo dos custos?

ii)      A uma medida nacional que fixe previamente a repartição dos custos entre os operadores?

iii)      A uma medida nacional que habilite a autoridade reguladora nacional a fixar previamente, para todos os operadores e em relação a um determinado período, o montante máximo dos encargos que o operador cedente pode exigir ao operador receptor?

iv)      A uma medida nacional que conceda ao operador cedente o direito de aplicar a tarifação determinada pela autoridade reguladora nacional, dispensando‑a da obrigação de provar que a tarifação que aplica é baseada nos seus próprios custos?

2)      Quanto ao direito de recurso previsto no artigo 4.° da directiva‑quadro […]:

O artigo 4.°, n.° 1, da directiva‑quadro deve ser interpretado no sentido de que a autoridade designada para conhecer dos recursos deve poder dispor de todas as informações de que necessite para que o mérito da causa possa ser devidamente apreciado, incluindo as informações confidenciais com base nas quais a autoridade reguladora nacional tomou a decisão objecto de recurso?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

 Quanto à primeira parte da primeira questão

20     Com a primeira parte da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a tarifação da interligação relacionada com a oferta de portabilidade dos números, tal como prevista no artigo 30.°, n.° 2, da directiva serviço universal, se refere não só aos custos com o tráfego mas também aos custos de activação.

21     A Mobistar e a Belgacom Mobile, bem como o IBPT, a Comissão das Comunidades Europeias e os Governos cipriota e lituano defendem que as disposições do referido artigo 30.°, n.° 2, apenas respeitam aos custos relacionados com o tráfego para o número mantido, e não aos custos suportados para executar os pedidos de portabilidade dos números entre operadores móveis.

22     Pelo contrário, a Base e os Governos italiano e do Reino Unido consideram que a tarifação da interligação mencionada no referido artigo engloba todos os serviços relacionados com a execução da portabilidade dos números, pelos quais os operadores podem pedir uma compensação.

23     A título liminar, há que precisar que o conceito de portabilidade dos números abrange a funcionalidade que permite a um assinante de telefonia móvel conservar o mesmo número de telefone em caso de mudança de operador.

24     A execução desta funcionalidade implica que as plataformas entre operadores sejam compatíveis, que o número do assinante seja transferido de um operador para outro e que as operações técnicas permitam o reencaminhamento das chamadas telefónicas para o número mantido.

25     A portabilidade dos números tem por objectivo suprimir os entraves à livre escolha dos consumidores, nomeadamente entre os operadores de telefonia móvel, e garantir assim o desenvolvimento de uma concorrência efectiva no mercado dos serviços telefónicos.

26     A fim de alcançar estes objectivos, o legislador comunitário previu, no artigo 30.°, n.° 2, da directiva serviço universal, que as autoridades reguladoras nacionais devem garantir que a tarifação de interligação relacionada com a oferta de portabilidade dos números se baseie nos custos e que os eventuais encargos directos para os assinantes não desincentivem a utilização destes recursos.

27     Ora, a interpretação segundo a qual os custos de activação não são abrangidos pela referida disposição seria contrária ao objectivo e à finalidade da directiva serviço universal, criando o risco de limitar o seu efeito útil do ponto de vista da oferta da portabilidade.

28     Com efeito, os custos de activação representam uma parte importante dos custos que podem, directa ou indirectamente, ser repercutidos pelo operador receptor no assinante que quer utilizar a funcionalidade da portabilidade do seu número móvel.

29     Se o dever de vigilância imposto pelo artigo 30.°, n.° 2, da directiva serviço universal não abrangesse esses custos, a sua fixação a níveis demasiado elevados pelos operadores cedentes, nomeadamente os já estabelecidos no mercado e que dispõem de uma grande clientela, poderia criar o risco de dissuadir os consumidores de utilizarem esta funcionalidade, ou mesmo de torná‑la largamente ilusória na prática.

30     Importa, pois, responder à primeira parte da primeira questão que a tarifação da interligação relacionada com a oferta de portabilidade dos números, prevista no artigo 30.°, n.° 2, da directiva serviço universal, se refere aos custos com o tráfego dos números mantidos e aos custos de activação suportados pelos operadores de telefonia móvel para executar os pedidos de portabilidade de número.

 Quanto à segunda e à terceira parte da primeira questão

31     Tendo em conta a resposta dada à primeira parte da primeira questão, só há que responder à terceira parte da mesma.

32     O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, nesta terceira parte, se as autoridades reguladoras nacionais podem fixar previamente preços máximos para todos os operadores de telefonia móvel através de um modelo teórico de custos.

33     Há que assinalar, antes de mais, que o artigo 30.°, n.° 2, da directiva serviço universal impõe às autoridades reguladoras nacionais que garantam que os operadores determinem os preços em função dos seus custos e, além disso, que os preços não sejam dissuasivos para o consumidor.

34     Desde que se verifique que as tarifas são fixadas em função dos custos, a referida disposição confere uma certa margem de apreciação às autoridades nacionais para avaliar a situação e definir o método que lhes parece mais adequado para realizar a plena eficácia da portabilidade, de modo a que os consumidores não sejam dissuadidos de utilizar essa funcionalidade.

35     Ora, há que observar que a referida margem de apreciação não foi ultrapassada no caso em apreço pelas autoridades reguladoras nacionais. Efectivamente, um método que consiste em definir um valor máximo de preço, como o adoptado neste caso pelas autoridades belgas, pode ser considerado compatível com o artigo 30.°, n.° 2, da directiva serviço universal, desde que os novos operadores tenham a possibilidade efectiva de contestar a aplicação dos preços máximos pelos operadores já presentes no mercado, demonstrando que esses preços são demasiado elevados relativamente à estrutura dos custos desses operadores.

36     Assim, resulta do exposto que, em princípio, a directiva serviço universal não se opõe a que as autoridades nacionais competentes fixem previamente preços máximos para todos os operadores de telefonia móvel através de um modelo teórico de custos.

37     Tendo em conta todas estas considerações, há que responder à terceira parte da primeira questão que o artigo 30.°, n.° 2, da directiva serviço universal não se opõe à adopção de uma medida nacional, como a que está em causa no processo principal, que fixa previamente e através de um modelo teórico de custos os preços máximos que podem ser exigidos pelo operador cedente ao operador receptor, a título de custos de activação, desde que os preços sejam fixados em função dos custos, de modo a que os consumidores não sejam dissuadidos de utilizar a funcionalidade da portabilidade.

 Quanto à segunda questão

38     Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no essencial, se resulta do artigo 4.° da directiva‑quadro que um organismo independente, referido por esta disposição, como o tribunal de reenvio, deve dispor de todos os dados necessários para a apreciação do mérito de um recurso que lhe tenha sido submetido, incluindo dados que, segundo a regulamentação aplicável em matéria de segredo comercial, são confidenciais.

39     Resulta da decisão de reenvio que o IBPT invoca o dever de confidencialidade a que está sujeito nos termos do seu estatuto, definido pela Lei de 17 de Janeiro de 2003.

40     A este propósito, importa observar que o organismo ao qual, nos termos do artigo 4.° da directiva‑quadro, seja confiada a apreciação dos recursos contra as decisões da autoridade reguladora nacional, deve poder dispor de todas as informações necessárias para se pronunciar, com conhecimento de causa, sobre o mérito dos recursos, incluindo as informações confidenciais. Porém, a protecção dessas informações e do segredo comercial deve ser assegurada e adaptada de forma a conciliá‑la com as exigências de uma protecção jurídica efectiva e com respeito pelos direitos de defesa das partes no litígio.

41     Resulta expressamente do artigo 4.°, n.° 1, da directiva‑quadro que o direito de recurso que pode ser exercido por qualquer utilizador ou fornecedor contra as decisões da autoridade reguladora nacional que o prejudiquem se deve basear num mecanismo de recurso eficaz que permita que o mérito da causa seja devidamente apreciado.

42     Por outro lado, o artigo 5.°, n.° 3, da mesma directiva dispõe que, no âmbito do intercâmbio de informações entre as autoridades reguladoras nacionais e a Comissão, as informações consideradas confidenciais pelas referidas autoridades podem ser comunicadas à Comissão, que deve, no entanto, garantir essa confidencialidade.

43     Assim, há que responder à segunda questão que o artigo 4.° da directiva‑quadro deve ser interpretado no sentido de que o organismo designado para apreciar os recursos contra as decisões das autoridades reguladoras nacionais deve dispor de todas as informações necessárias para examinar o mérito de um recurso, incluindo, se for caso disso, as informações confidenciais que as referidas autoridades tenham tomado em consideração para adoptar a decisão objecto do recurso. Incumbe, contudo, a este organismo garantir o tratamento confidencial dos dados em causa, respeitando as exigências de uma protecção jurídica efectiva e assegurando o respeito pelos direitos de defesa das partes no litígio.

 Quanto às despesas

44     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

1)      A tarifação de interligação relacionada com a oferta de portabilidade dos números, prevista no artigo 30.°, n.° 2, da Directiva 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva serviço universal), refere‑se aos custos com o tráfego dos números mantidos e aos custos de activação suportados pelos operadores de telefonia móvel para executar os pedidos de portabilidade de número.

2)      O artigo 30.°, n.° 2, da Directiva 2002/22 não se opõe à adopção de uma medida nacional que define um método determinado para o cálculo dos custos e que fixa previamente e através de um modelo teórico de custos os preços máximos que podem ser exigidos pelo operador cedente ao operador receptor, a título de custos de activação, desde que os preços sejam fixados em função dos custos, de modo a que os consumidores não sejam dissuadidos de utilizar a funcionalidade da portabilidade.

3)      O artigo 4.° da Directiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva‑quadro), deve ser interpretado no sentido de que o organismo designado para apreciar os recursos contra as decisões das autoridades reguladoras nacionais deve dispor de todas as informações necessárias para examinar o mérito de um recurso, incluindo, se for caso disso, as informações confidenciais que as referidas autoridades tenham tomado em consideração para adoptar a decisão objecto do recurso. Incumbe, contudo, a este organismo garantir o tratamento confidencial dos dados em causa, respeitando as exigências de uma protecção jurídica efectiva e assegurando o respeito pelos direitos de defesa das partes no litígio.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.

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