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Document 62004CJ0434

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 28 de Septembro de 2006.
Processo-crime contra Jan-Erik Anders Ahokainen e Mati Leppik.
Pedido de decisão prejudicial: Korkein oikeus - Finlândia.
Livre circulação de mercadorias - Artigos 28.º CE e 30.º CE - Regulamentação nacional que proíbe, salvo com autorização prévia, a importação de álcool etílico não desnaturado com um grau alcoólico superior a 80% - Medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa - Justificação pela protecção da saúde e da ordem públicas.
Processo C-434/04.

Colectânea de Jurisprudência 2006 I-09171

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2006:609

Processo C‑434/04

Processo penal

contra

Jan‑Erik Anders Ahokainen

e

Mati Leppik

(pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Korkein oikeus]

«Livre circulação de mercadorias – Artigos 28.° CE e 30.° CE – Regulamentação nacional que proíbe, salvo com autorização prévia, a importação de álcool etílico não desnaturado com um grau alcoólico superior a 80% – Medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa – Justificação pela protecção da saúde e da ordem públicas»

Conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro apresentadas em 13 de Julho de 2006 

Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção) de 28 de Setembro de 2006 

Sumário do acórdão

1.     Disposições fiscais – Harmonização das legislações – Impostos especiais de consumo – Directiva 92/12

(Directiva 92/12 do Conselho)

2.     Livre circulação de mercadorias – Restrições quantitativas – Medidas de efeito equivalente

(Artigos 28.° CE e 30.° CE)

1.     A Directiva 92/12, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, que tem por fim definir o regime aduaneiro e fiscal aplicável a esses produtos, não tem por objecto regular especificamente a protecção das exigências de interesse geral referidas no artigo 30.° CE, de forma que os Estados‑Membros, no respeito do Tratado, conservam a sua competência para adoptar as medidas necessárias à protecção dessas exigências.

(cf. n.° 15)

2.     Os artigos 28.° CE e 30.° CE não se opõem a um regime que subordina a importação de álcool etílico não desnaturado, com um grau alcoólico superior a 80 graus, a autorização prévia, salvo se se verificar que, nas circunstâncias de direito e de facto que caracterizam a situação no Estado‑Membro em causa, a protecção da saúde e da ordem públicas contra os malefícios do álcool pode ser assegurada com medidas que afectem menos o comércio intracomunitário.

(cf. n.° 40, disp. 1)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

28 de Setembro de 2006 (*)

«Livre circulação de mercadorias – Artigos 28.° CE e 30.° CE – Regulamentação nacional que proíbe, salvo com autorização prévia, a importação de álcool etílico não desnaturado com um grau alcoólico superior a 80% – Medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa – Justificação pela protecção da saúde e da ordem públicas»

No processo C‑434/04,

que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Korkein oikeus (Finlândia), por decisão de 6 de Outubro de 2004, entrado no Tribunal de Justiça em 11 de Outubro de 2004, no processo penal contra

Jan‑Erik Anders Ahokainen,

Mati Leppik,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Rosas, presidente de secção, J.‑P. Puissochet (relator), A. Borg Barthet, U. Lõhmus e A. Ó Caoimh, juízes,

advogado‑geral: M. Poiares Maduro,

secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,

vistos os autos e após a audiência de 17 de Maio de 2006,

vistas as observações apresentadas:

–       em representação do Virallinen syyttäjä, por M. Illman, procurador no Tribunal de Primeira Instância de Raasepori,

–       em representação do Governo finlandês, por T. Pynnä e E. Bygglin, na qualidade de agentes,

–       em representação do Governo português, por L. Fernandes e A. Seiça Neves, na qualidade de agentes,

–       em representação do Governo sueco, por A. Falk, na qualidade de agente,

–       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por M. van Beek e P. Aalto, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 13 de Julho de 2006,

profere o presente

Acórdão

1       O pedido de decisão prejudicial tem por objecto a interpretação dos artigos 28.° CE e 30.° CE, e foi formulado no quadro de um processo penal instaurado contra J.‑E. Ahokainen e M. Leppik, por terem importado, para a Finlândia, álcool etílico de contrabando.

 Quadro jurídico

2       Nos termos do seu artigo 1.°, a Lei n.° 1143/1994, relativa ao álcool [alkoholilaki (1143/1994), a seguir «lei do álcool»], tem por objectivo orientar o consumo de álcool, de forma a prevenir os efeitos prejudiciais causados à saúde e à sociedade pelas substâncias alcoólicas.

3       Segundo o artigo 3.°, n.° 2, da lei do álcool, tal como alterado pela Lei n.° 1/2001, entende‑se por «bebida alcoólica» qualquer bebida destinada ao consumo, cujo teor em álcool etílico seja inferior ou igual a 80 graus.

4       Nos termos da referida lei do álcool, o espírito, que não é considerado uma bebida alcoólica susceptível de ser consumida, define‑se como sendo álcool etílico não desnaturado ou uma solução aquosa de álcool etílico não desnaturado com um teor em álcool de mais de 80 graus.

5       Essa regulamentação determina, nomeadamente, que a utilização, a produção e a importação de espírito são reservadas aos detentores de uma autorização emitida para esse efeito.

6       O artigo 8.° da lei do álcool regulamenta a importação de bebidas alcoólicas e de «espíritos» para fins comerciais, bem como a autorização para importar álcool etílico. Por força do n.° 1 desse artigo, a importação de bebidas alcoólicas para consumo pessoal, bem como para fins comerciais, não está subordinada a uma autorização de importação especial. Por força do n.° 2, primeiro parágrafo, desse artigo, um profissional pode, com autorização da tuotevalvontakeskus (agência de controlo de produtos), importar espíritos. De acordo com o segundo parágrafo do n.° 2 do mesmo artigo, um particular pode importar espíritos para consumo próprio quando tiver obtido a autorização da referida agência de controlo, em conformidade com o artigo 17.° da mesma lei, após lhe ter enviado uma declaração atestando a sua qualidade de importador.

7       Para que seja concedida uma autorização de utilização de espíritos, o requerente deve alegar uma necessidade justificada (artigo 17.°, n.° 3, da lei do álcool).

8       Em conformidade com o artigo 82.° da Lei do álcool n.° 459/1968 – substituída, com excepção das disposições em matéria de sanções, pela lei do álcool –, quem importar ou exportar, ou tentar importar ou exportar, de forma ilícita, bebidas alcoólicas ou álcool etílico, é passível de pena por contrabando de substâncias alcoólicas.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

9       Por ocasião de um controlo aduaneiro efectuado em 1 de Agosto de 2002, foram descobertos, num camião proveniente da Alemanha, 9 492 litros de espírito (álcool etílico com 96,4 a 96,5 graus), em garrafas de litro. Face à maneira como estava embalado e às explicações fornecidas, o produto era provavelmente destinado a ser consumido como bebida alcoólica diluída. Segundo a carta de porte, o camião deveria ter um carregamento de 32 paletes de óleo de sésamo.

10     J.‑E. Ahokainen e M. Leppik foram condenados pelo Raaseporin käräjäoikeus (Tribunal de Primeira Instância de Raasepori) a penas de prisão por contrabando de substâncias alcoólicas. Esse órgão jurisdicional ordenou também a perda do álcool etílico a favor do Estado.

11     O Helsingin hovioikeus (Tribunal de Segunda Instância de Helsínquia) confirmou essa sentença.

12     Chamado a conhecer de um recurso de revista interposto por J.‑E. Ahokainen e M. Leppik da decisão do órgão jurisdicional de segunda instância, o Korkein oikeus (Supremo Tribunal) interrogou‑se, em particular, sobre a questão de saber se o regime finlandês de autorização em matéria de espíritos devia ser considerado de efeito equivalente a restrições quantitativas na acepção do artigo 28.° CE e, tal sendo o caso, se podia ser considerado lícito, tendo em conta o seu objecto, ao abrigo do artigo 30.° CE.

13     Parecendo‑lhe necessária uma interpretação das disposições pertinentes do Tratado CE, o Korkein oikeus decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 28.° CE ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um Estado‑Membro segundo a qual apenas quem tenha obtido autorização pode importar álcool etílico não desnaturado com um teor alcoólico em volume igual ou superior a 80 graus?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, o regime de autorização deve ser considerado autorizado pelo artigo 30.° CE?»

 Quanto às questões prejudiciais

14     Através das suas questões prejudiciais, que devem examinar‑se conjuntamente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as disposições do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias se opõem a uma condição de autorização prévia para a importação de espírito, como a que está prevista na lei do álcool.

15     A fim de responder utilmente ao órgão jurisdicional de reenvio, deve recordar‑se que a Directiva 92/12/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO L 76, p. 1), que tem por fim definir o regime aduaneiro e fiscal aplicável a esses produtos, de que o álcool faz parte, não tem por objecto regular especificamente a protecção das exigências de interesse geral referidas no artigo 30.° CE, de forma que os Estados‑Membros, no respeito do Tratado, conservam a sua competência para adoptar as medidas necessárias à protecção dessas exigências (v., por analogia, acórdão de 15 de Junho de 1999, Heinonen, C‑394/97, Colect., p. I‑3599, n.° 29).

16     Há, por isso, que examinar se há uma restrição na acepção do artigo 28.° CE, por um lado, e a possibilidade de uma justificação à luz do artigo 30.° CE, por outro.

 A restrição na acepção do artigo 28.° CE

 Argumentação das partes

17     Para o Virallinen syyttäjä (Ministério Público), bem como para os Governos finlandês e português, uma legislação de um Estado‑Membro que submete a importação de espírito a um regime de autorização não é contrária ao artigo 28.° CE. Em contrapartida, o Governo sueco e a Comissão das Comunidades Europeias sustentam que a obrigação de pedir ao Estado de importação uma autorização antes de importar as mercadorias em causa é uma medida proibida pelo artigo 28.° CE, mesmo quando essa autorização constitua uma simples formalidade e seja emitida automaticamente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

18     Qualquer regulamentação comercial dos Estados‑Membros susceptível de entravar directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio intracomunitário deve ser considerada uma medida de efeito equivalente a restrições quantitativas e, por essa razão, proibida pelo artigo 28.° CE (v., nomeadamente, acórdãos de 11 de Julho de 1974, Dassonville, 8/74, Recueil, p. 837, n.° 5, Colect., p. 423; de 19 de Junho de 2003, Comissão/Itália, C‑420/01, Colect., p. I‑6445, n.° 25; e de 26 de Maio de 2005, Burmanjer e o., C‑20/03, Colect., p. I‑4133, n.° 23). Mesmo regulamentações indistintamente aplicáveis aos produtos nacionais e aos produtos importados, cuja aplicação aos produtos importados seja susceptível de diminuir o seu volume de vendas, constituem, em princípio, medidas de efeito equivalente proibidas pelo artigo 28.° CE (v., nomeadamente, acórdão de 20 de Fevereiro de 1979, Rewe‑Zentral, dito «Cassis de Dijon», 120/78, Colect., p. 327).

19     O Tribunal de Justiça precisou, no entanto, que disposições nacionais que limitam ou proíbem determinadas modalidades de venda que, por um lado, se apliquem a todos os operadores interessados que exerçam a sua actividade no território nacional e, por outro, afectem da mesma forma, tanto de direito como de facto, a comercialização dos produtos nacionais e dos provenientes de outros Estados‑Membros não são de molde a entravar directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio entre os Estados‑Membros, na acepção da jurisprudência inaugurada pelo acórdão Dassonville, já referido (v., neste sentido, acórdão de 24 de Novembro de 1993, Keck e Mithouard, C‑267/91 e C‑268/91, Colect., p. I‑6097, n.° 16).

20     No que respeita, mais especificamente, à qualificação de uma autorização prévia de importação à luz das disposições do Tratado, o Tribunal de Justiça teve ocasião de decidir que tal sistema é, em princípio, contrário ao artigo 28.° CE, uma vez que esta disposição constitui um obstáculo à aplicação, nas relações intracomunitárias, de uma legislação nacional que mantenha a exigência, ainda que puramente formal, de licenças de importação ou de qualquer outro sistema similar (acórdãos de 8 de Fevereiro de 1983, Comissão/Reino Unido, dito «leite UHT», 124/81, Recueil, p. 203, n.° 9, e de 5 de Julho de 1990, Comissão/Bélgica, C‑304/88, Colect., p. I‑2801, n.° 9; v. também acórdão de 26 de Maio de 2005, Comissão/França, C‑212/03, Colect., p. I‑4213, n.° 16, e acórdão do Tribunal da EFTA de 16 de Dezembro de 1994, Restamark, E‑1/94, EFTA Court Report, p. 15, n.os 49 e 50).

21     O facto de impor formalidades à importação, como é o caso das disposições em causa no processo principal que instituem um regime de autorização prévia, é, com efeito, susceptível de entravar o comércio intracomunitário e perturbar o acesso ao mercado das mercadorias que são legalmente fabricadas e comercializadas noutros Estados‑Membros. O entrave é ainda mais forte se o regime expuser os referidos produtos a custos suplementares (v., nomeadamente, acórdão de 23 de Outubro de 1997, Franzén, C‑189/95, Colect., p. I‑5909, n.° 71). Não se trata, em tais circunstâncias, de uma «simples» limitação ou proibição de certas modalidades de venda.

22     Uma condição de autorização prévia, como a que está em causa no processo principal, deve, portanto, ser considerada um entrave ao comércio entre os Estados‑Membros, que entra no âmbito de aplicação do artigo 28.° CE.

 As razões justificativas na acepção do artigo 30.° CE

23     Tal entrave é todavia susceptível de ser justificado por razões referidas no artigo 30.° CE.

 Argumentação das partes

24     O Virallinen syyttäjä e o Governo finlandês observam que o consumo de álcool, em particular entre os jovens, representa não só o principal factor de risco para a saúde pública na Finlândia, mas é também a causa de perturbações na ordem e na segurança públicas, estando estreitamente associado à delinquência bem como à ocorrência de acidentes.

25     No que respeita à proporcionalidade, alegam que a regulamentação em causa é adaptada e necessária para atingir os objectivos que prossegue, dado que as proibições relativas ao álcool com um grau alcoólico superior a 80% se limitam ao consumo privado e que o regime de autorização prévia tem em vista evitar os riscos de tal consumo, particularmente nefasto para os jovens, para os quais um preparado alcoólico particularmente forte, mas de preço muito baixo, tal como o espírito, constitui um produto atraente. De qualquer forma, esse sistema não impede que uma pessoa que tenha recebido autorização importe espírito fabricado nos outros Estados‑Membros e destinado aos usos contemplados na lei.

26     Pelo seu lado, a Comissão considera as medidas em causa desproporcionadas em relação ao objectivo prosseguido. Observa, nomeadamente, que as declarações dos importadores e os certificados de importação bastam, em regra, para atingir os objectivos legítimos do Estado‑Membro.

27     Considerando que o espírito está excluído do mercado finlandês do consumo privado, a Comissão levanta, além disso, a questão de saber em que medida um regime de autorização prévia respeitante ao seu uso e à sua importação para fins comerciais poderá directamente responder ao objectivo de protecção da saúde e da ordem públicas.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

28     É pacífico que uma regulamentação, como a que está em causa no processo principal, que tem por objectivo orientar o consumo de álcool de forma a prevenir os efeitos prejudiciais causados à saúde das pessoas e à sociedade pelas substâncias alcoólicas e que, assim, procura combater o abuso do álcool, responde a preocupações de saúde e ordem públicas reconhecidas pelo artigo 30.° CE.

29     Para que preocupações de saúde e de ordem públicas possam justificar um entrave como o que é ocasionado pelo sistema de autorização prévia de importação em causa no processo principal, é, todavia, necessário que a medida considerada seja proporcionada ao objectivo a atingir e não constitua um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada ao comércio entre Estados‑Membros.

30     No que respeita aos riscos de discriminação e de restrição, nenhum elemento dos autos permite pensar que os motivos de saúde e de ordem públicas invocados pelas autoridades finlandesas tenham sido desviados do seu fim e utilizados de forma a discriminar mercadorias originárias de outros Estados‑Membros ou a proteger indirectamente certas produções nacionais (acórdãos de 14 de Dezembro de 1979, Henn e Darby, 34/79, Recueil, p. 3795, n.° 21, e de 25 de Julho de 1991, Aragonesa de Publicidad Exterior e Publivía, C‑1/90 e C‑176/90, Colect., p. I‑4151, n.° 20).

31     Pelo que respeita ao carácter proporcionado da medida, tratando‑se de uma excepção ao princípio da livre circulação de mercadorias, compete às autoridades nacionais demonstrar que a sua regulamentação respeita o princípio da proporcionalidade, ou seja, que é necessária para atingir o objectivo invocado, neste caso, a protecção da saúde e da ordem públicas, e que esse objectivo não poderia ser atingido através de proibições ou limitações de menor amplitude ou susceptíveis de afectar menos o comércio intracomunitário (v., neste sentido, acórdão de 14 de Julho de 1994, Van der Veldt, C‑17/93, Colect., p. I‑3537, n.° 15, e acórdão Franzén, já referido, n.os 75 e 76).

32     Como sublinharam o Virallinen syyttäjä e o Governo finlandês, os Estados‑Membros dispõem, todavia, de uma margem de apreciação para determinar, em função da particularidade dos contextos sociais e da importância que atribuam a objectivos legítimos à luz do direito comunitário, tais como a prevenção dos abusos do álcool e o combate às diferentes formas de criminalidade associadas ao seu consumo, as medidas adequadas à obtenção de resultados concretos (v., nomeadamente, acórdão Heinonen, já referido, n.° 43).

33     Como observou o Governo sueco, entre os bens ou interesses protegidos pelo artigo 30.° CE, a saúde e a vida das pessoas ocupam a primeira categoria. Cabe aos Estados‑Membros, no respeito do direito comunitário e, em particular, do princípio da proporcionalidade, decidir a que nível entendem assegurar a sua protecção e a forma como esse nível deve ser atingido (acórdão de 10 de Novembro de 1994, Ortscheit, C‑320/93, Colect., p. I‑5243, n.° 16; v., neste sentido, igualmente, acórdão Heinonen, já referido, n.° 45).

34     Relativamente à compatibilidade, com o direito comunitário, de um regime belga de importação de animais vivos e de um regime britânico de importação de leite UHT, o Tribunal de Justiça considerou que um sistema de autorização prévia constituía uma medida desproporcionada para assegurar a protecção da saúde e da vida das pessoas e dos animais. Precisou que um Estado‑Membro pode tomar medidas menos restritivas para proteger esses interesses, limitando‑se a recolher as informações que lhe são úteis, por exemplo, pela via de declarações subscritas pelos importadores, acompanhadas, tal sendo o caso, de certificados apropriados emitidos pelo Estado‑Membro expedidor (acórdãos, já referidos, leite UHT, n.° 17, e Comissão/Bélgica, n.° 14).

35     O Tribunal de Justiça declarou também que os artigos 30.° e 36.° do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 28.° CE e 30.° CE) se opõem a disposições nacionais que reservam a importação de bebidas alcoólicas aos operadores titulares de uma autorização de fabrico ou de comércio por grosso, quando, por um lado, o regime de autorização constitui um entrave à importação de bebidas alcoólicas provenientes dos outros Estados‑Membros, por as expor a custos suplementares, e quando, por outro, não for demonstrado que o regime de licenças instituído pelas referidas disposições nacionais, nomeadamente no que respeita às condições relativas às capacidades de armazenagem e aos direitos e taxas, de montante elevado, exigidos aos titulares de licenças, é proporcionado ao objectivo de saúde pública prosseguido, nem que esse objectivo não podia ser atingido por medidas menos restritivas das trocas comerciais intracomunitárias (acórdão Franzén, já referido, n.os 71, 76 e 77).

36     Em contrapartida, no processo que deu lugar ao acórdão Heinonen, já referido, o Tribunal de Justiça afirmou, nos n.os 40 a 44 desse acórdão, que uma regulamentação finlandesa, baseada na lei do álcool, que introduzia uma restrição à importação de bebidas alcoólicas pelos viajantes provenientes de países terceiros, em função da duração da viagem, não era contrária ao direito comunitário. Entendeu que a medida era adequada e necessária porque contribuía para melhorar a situação social e sanitária e porque era limitada e dizia respeito apenas a viagens que satisfaziam critérios precisos, ao passo que as medidas alternativas propostas pela Comissão não pareciam suficientemente eficazes para atingir o objectivo prosseguido.

37     No entanto, relativamente à apreciação a fazer sobre a proporcionalidade de uma regulamentação sueca – motivada por preocupações de saúde pública similares àquelas em que se baseava a legislação finlandesa mencionada no número precedente – que proibia a inserção de anúncios publicitários de bebidas alcoólicas em publicações periódicas, e, em particular, sobre a questão de saber se o objectivo pretendido, que era o combate ao abuso do álcool, podia ser atingido por restrições de menor amplitude ou que afectassem menos o comércio intracomunitário, o Tribunal de Justiça entendeu que essa apreciação pressupunha uma análise das circunstâncias de direito e de facto caracterizadoras da situação no Estado‑Membro em causa, que o órgão jurisdicional de reenvio estava em melhores condições de efectuar (acórdão de 8 de Março de 2001, Gourmet International Products, C‑405/98, Colect., p. I‑1795, n.° 33).

38     No caso em apreço, pelas razões evocadas no número precedente, deve confiar‑se ao órgão jurisdicional nacional o cuidado de decidir, baseando‑se nos elementos de direito e de facto de que dispõe, se as medidas concretamente adoptadas pela República da Finlândia são susceptíveis de combater de maneira eficaz os abusos ligados a um consumo de espírito enquanto bebida, ou se medidas menos restritivas poderão assegurar um resultado similar. O controlo da proporcionalidade e da eficácia das medidas tomadas assenta, com efeito, em apreciações de facto que o órgão jurisdicional de reenvio está em melhores condições de efectuar que o Tribunal de Justiça.

39     Cabe, assim, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar a credibilidade das alegações do Virallinen syyttäjä e do Governo finlandês, respeitantes aos riscos de consumo de espírito e à eficácia do sistema de autorização prévia. Incumbir‑lhe‑á também verificar os resultados das medidas restritivas, averiguando se estas permitiram travar, ainda que parcialmente, os fenómenos de perturbação da ordem pública e de atentado à saúde dos cidadãos, indicados pelo Virallinen syyttäjä e pelo Governo finlandês. Por fim, não esquecendo que a utilização e a venda de espírito estão também submetidas a um regime de autorização, incumbir‑lhe‑á ainda examinar se o objectivo prosseguido pela regulamentação controvertida não poderá ser atingido por via de declarações subscritas pelos importadores, acompanhadas, tal sendo o caso, de certificados adequados, emitidos pelo Estado‑Membro expedidor, que permitam às autoridades competentes obter as informações necessárias para controlar o destino do espírito importado e impedir os abusos.

40     Há, portanto, que responder que os artigos 28.° CE e 30.° CE não se opõem a um regime, como o previsto pela lei do álcool, que subordina a importação de álcool etílico não desnaturado, com um grau alcoólico superior a 80 graus, a autorização prévia, salvo se se verificar que, nas circunstâncias de direito e de facto que caracterizam a situação no Estado‑Membro em causa, a protecção da saúde e da ordem públicas contra os malefícios do álcool pode ser assegurada com medidas que afectem menos o comércio intracomunitário.

 Quanto às despesas

41     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

Os artigos 28.° CE e 30.° CE não se opõem a um regime, como o previsto pela Lei n.° 1143/1994, relativa ao álcool [alkoholilaki (1143/1994)], que subordina a importação de álcool etílico não desnaturado, com um grau alcoólico superior a 80 graus, a autorização prévia, salvo se se verificar que, nas circunstâncias de direito e de facto que caracterizam a situação no Estado‑Membro em causa, a protecção da saúde e da ordem públicas contra os malefícios do álcool pode ser assegurada com medidas que afectem menos o comércio intracomunitário.

Assinaturas


* Língua do processo: finlandês.

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