This document is an excerpt from the EUR-Lex website
Document 62004CJ0413
Judgment of the Court (Grand Chamber) of 28 November 2006.#European Parliament v Council of the European Union.#Directive 2003/54/EC - Common rules for the internal market in electricity - Directive 2004/85/EC - Temporary derogations in favour of Estonia - Legal basis.#Case C-413/04.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 28 de Novembro de 2006.
Parlamento Europeu contra Conselho da União Europeia.
Directiva 2003/54/CE - Regras comuns para o mercado interno da electricidade - Directiva 2004/85/CE - Derrogações provisórias a favor da Estónia - Base jurídica.
Processo C-413/04.
Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 28 de Novembro de 2006.
Parlamento Europeu contra Conselho da União Europeia.
Directiva 2003/54/CE - Regras comuns para o mercado interno da electricidade - Directiva 2004/85/CE - Derrogações provisórias a favor da Estónia - Base jurídica.
Processo C-413/04.
Colectânea de Jurisprudência 2006 I-11221
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2006:741
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Parte decisória
No processo C‑413/04,
que tem por objecto um recurso de anulação nos termos do artigo 230.° CE, entrado em 23 de Setembro de 2004,
Parlamento Europeu, representado por A. Baas e U. Rösslein, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
recorrente,
apoiado por
Comissão das Comunidades Europeias, representada por J. Sack e P. Van Nuffel, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
interveniente,
contra
Conselho da União Europeia, representado por A. Lopes Sabino e M. Bishop, na qualidade de agentes,
recorrido,
apoiado por
República de Estónia, representada por L. Uibo, na qualidade de agente,
República da Polónia, representada por M. Węglarz, T. Nowakowski e T. Krawczyk, na qualidade de agentes,
intervenientes,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),
composto por: V. Skouris, presidente, C. W. A. Timmermans, A. Rosas, K. Lenaerts, R. Schintgen, P. Kūris e E. Juhász, presidentes de secção, K. Schiemann (relator), J. Makarczyk, G. Arestis, A. Borg Barthet, A. Ó Caoimh e L. Bay Larsen, juízes,
advogado‑geral: L. A. Geelhoed,
secretário: L. Hewlett, administradora principal,
vistos os autos e após a audiência de 15 de Março de 2006,
ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 1 de Junho de 2006,
profere o presente
Acórdão
1. Na sua petição, o Parlamento Europeu pede a anulação da Directiva 2004/85/CE do Conselho, de 28 de Junho de 2004, que altera a Directiva 2003/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho no que respeita à aplicação de certas disposições à Estónia (JO L 236, p. 10, a seguir «directiva impugnada»).
2. A Directiva 96/92/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Dezembro de 1996, que estabelece regras comuns para o mercado interno da electricidade (JO 1997, L 27, p. 20), entrou em vigor em 19 de Fevereiro de 1997. Devia ser transposta para a ordem jurídica interna, o mais tardar, em 19 de Fevereiro de 1999.
3. O Tratado relativo à adesão de dez novos Estados‑Membros à União Europeia, entre os quais a República da Estónia, foi assinado em 16 de Abril de 2003 (JO 2003, L 236, p. 17, a seguir «Tratado de Adesão de 2003»). Tal como resulta do artigo 1.°, n.° 2, do referido tratado, as condições desta admissão e as adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia, dela decorrentes, constam do acto anexo a este tratado, que faz parte integrante deste último (a seguir «acto de adesão de 2003»).
4. O Anexo VI do acto de adesão de 2003 prevê medidas transitórias a favor da República da Estónia, nomeadamente no que diz respeito à aplicação da Directiva 96/92.
5. A Directiva 2003/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2003, que estabelece regras comuns para o mercado interno da electricidade e que revoga a Directiva 96/92 (JO L 176, p. 37), foi adoptada com base nos artigos 47.°, n.° 2, 55.° CE e 95.° CE.
6. A fim de adiar, a título transitório, a aplicação de certas disposições da Directiva 2003/54 no que respeita à República da Estónia, o Conselho da União Europeia adoptou a directiva impugnada. Esta directiva foi adoptada com base no artigo 57.° do acto de adesão de 2003.
7. Em apoio do seu recurso, o Parlamento Europeu alega, por um lado, que a directiva impugnada não podia ser validamente adoptada com base no referido artigo 57.° e, por outro, que não respeitava o dever de fundamentação previsto no artigo 253.° CE.
8. Por despachos do presidente do Tribunal de Justiça de 21 de Dezembro de 2004 e de 9 de Março de 2005, foram admitidas as intervenções da Comissão das Comunidades Europeias, da República da Estónia e da República da Polónia no presente processo, em apoio, a primeira, do Parlamento e, as outras duas, do Conselho.
Contexto jurídico
Tratado de Adesão de 2003
9. O artigo 2.°, n. os 2 e 3, do Tratado de Adesão de 2003 dispõe:
«2. O presente Tratado entrará em vigor em 1 de Maio de 2004 [...]
3. Sem prejuízo do disposto no n.° 2, as Instituições da União podem adoptar antes da adesão as medidas previstas no segundo parágrafo do n.° 2 do artigo 6.°, no segundo parágrafo do n.° 6 do artigo 6.°, […] nos artigos 38.°, 39.°, 41.°, 42.° e 55.° a 57.° do Acto de Adesão, nos seus Anexos III a XIV […]. Essas medidas só entram em vigor sob reserva e à data da entrada em vigor do presente Tratado.»
10. O artigo 20.° do acto de adesão de 2003 prevê:
«Os actos enumerados no Anexo II do presente Acto devem ser adaptados nos termos desse anexo.»
11. Nos termos do artigo 21.° deste mesmo acto:
«As adaptações dos actos enumerados no Anexo III do presente Acto, necessárias em consequência da adesão, devem ser efectuadas segundo as orientações definidas nesse anexo e de acordo com o procedimento e as condições previstas no artigo 57.°»
12. O artigo 24.° do referido acto dispõe:
«As medidas enumeradas nos Anexos V, VI, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII e XIV do presente Acto aplicam‑se, em relação aos novos Estados‑Membros, nas condições definidas nesses Anexos.»
13. O artigo 55.° do acto de adesão de 2003 prevê:
«O Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão e mediante pedido devidamente fundamentado de um dos novos Estados‑Membros, pode, antes de 1 de Maio de 2004, tomar medidas que consistam em derrogações temporárias de actos das instituições adoptados entre 1 de Novembro de 2002 e a data de assinatura do Tratado de Adesão.»
14. O artigo 57.° do referido acto dispõe:
«1. Quando os actos das Instituições, anteriores à adesão, devam ser adaptados em virtude da adesão, e as adaptações necessárias não estiverem previstas no presente Acto ou nos seus Anexos, estas devem ser efectuadas nos termos do n.° 2. Essas adaptações entram em vigor a partir da adesão.
2. O Conselho, deliberando por maioria qualificada, sob proposta da Comissão, ou a Comissão, consoante a Instituição que tenha adoptado os actos iniciais, elaborará os textos necessários para o efeito.»
15. Importa clarificar desde logo que, embora a versão francesa do referido artigo 57.° sugira que as adaptações efectuadas nos termos dessa disposição devem ser «anteriores à adesão», o referido limite temporal não se prende, na realidade, como resulta de outras versões linguísticas desta disposição, com a possibilidade de se recorrer ao artigo 57.°, mas sim com a data dos actos a alterar [v., neste sentido, acerca da disposição idêntica constante do Acto relativo às condições de adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 1994, C 241, p. 21, a seguir «acto de adesão de 1994»), acórdão de 2 de Outubro de 1997, Parlamento/Conselho, C‑259/95, Colect., p. I‑5303, n. os 12 a 22].
16. O Anexo VI do acto de adesão de 2003 inclui a precisão segundo a qual:
«Na Estónia, o n.° 2 do artigo 19.° da Directiva 96/92/CE não é aplicável até 31 de Dezembro de 2008.»
17. Anexada à Acta Final do Tratado de Adesão de 2003, a declaração n.° 8 comum aos quinze Estados‑Membros, intitulada «Declaração relativa ao xisto betuminoso, ao mercado interno da electricidade e à Directiva 96/92/CE […] (Directiva ‘Electricidade’): Estónia» (a seguir «declaração n.° 8»), dispõe:
«A União vai continuar a acompanhar de perto a situação para se certificar de que a Estónia respeita os seus compromissos, nomeadamente no que se refere à continuação da preparação para o mercado interno da energia (reestruturação do sector dos xistos betuminosos, reestruturação do sector da electricidade, legislação, reforço da Inspecção do Mercado da Energia, etc.).
A União chama a atenção da Estónia para as conclusões dos Conselhos Europeus de Lisboa e de Barcelona relativas à abertura acelerada dos mercados, nomeadamente nos sectores da electricidade e do gás, tendo em vista realizar um mercado interno plenamente operacional nessas áreas, e toma nota das declarações feitas pela Estónia sobre esta matéria em 27 de Maio de 2002, no contexto das negociações de adesão. Não obstante a necessidade da rápida implementação de um mercado interno da electricidade operacional, a União toma nota de que a Estónia reserva a sua posição relativamente à futura evolução legislativa nesta área. A este respeito, a União reconhece a situação específica da reestruturação do sector dos xistos betuminosos, que exigirá esforços especiais até ao final de 2012, e a necessidade de uma abertura gradual do mercado estónio da electricidade a clientes não domésticos até essa data.
A União observa que, a fim de limitar uma eventual distorção da concorrência no mercado interno da electricidade, poderão ter de ser aplicados mecanismos de salvaguarda, tais como a cláusula de reciprocidade da Directiva 96/92/CE.
A Comissão acompanhará atentamente o desenvolvimento da produção de electricidade e as eventuais mudanças no mercado da electricidade na Estónia e nos países vizinhos.
Sem prejuízo do acima exposto, a partir de 2009, qualquer Estado‑Membro poderá solicitar à Comissão que avalie a evolução dos mercados da electricidade da área do Mar Báltico. Com base nessa avaliação, que terá plenamente em conta a natureza ímpar dos xistos betuminosos e as considerações sociais e económicas relacionadas com a extracção, produção e consumo de xistos betuminosos na Estónia, bem como os objectivos da Comunidade no que diz respeito ao mercado da electricidade, a Comissão apresentará um relatório ao Conselho, acompanhado das recomendações apropriadas.»
Direito derivado
18. O artigo 19.° da Directiva 96/92 dispunha:
«1. Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para assegurar uma abertura dos seus mercados da electricidade que permita que os contratos subordinados às condições enunciadas nos artigos 17.° e 18.° sejam celebrados pelo menos num grau significativo, a notificar anualmente à Comissão.
A quota do mercado nacional será calculada com base na quota comunitária de electricidade consumida pelos consumidores finais que gastam mais de 40 GWh por ano (por local de consumo e incluindo a autoprodução).
A quota média comunitária será calculada pela Comissão com base nas informações que lhe forem fornecidas periodicamente pelos Estados‑Membros. Todos os anos, antes de 1 de Novembro, a Comissão publicará no Jornal Oficial das Comunidades Europeias essa quota média comunitária, que define a percentagem de abertura do mercado, acompanhada de todas as informações que permitam esclarecer o cálculo efectuado.
2. A quota do mercado nacional referida no n.° 1 será progressivamente aumentada durante um período de seis anos. Este aumento será calculado reduzindo o limiar de consumo comunitário de 40 GWh, a que se refere o n.° 1, para um nível de consumo anual de electricidade de 20 GWh, três anos após a entrada em vigor da presente directiva e para um nível de consumo anual de electricidade de 9 GWh seis anos após a entrada em vigor da presente directiva.
3. Os Estados‑Membros especificarão os clientes que, no seu território, representam as quotas a que se referem os n. os 1 e 2, que possuam capacidade jurídica para celebrar contratos de fornecimento de electricidade nos termos dos artigos 17.° e 18.°, dado que todos os consumidores finais que consumam anualmente mais de 100 GWh por ano (por local de consumo, incluindo a autoprodução) são obrigatoriamente incluídos nessa categoria.
As empresas distribuidoras, quando não especificadas como clientes admissíveis nos termos do presente número, terão capacidade jurídica para celebrar contratos de fornecimento, nas condições enunciadas nos artigos 17.° e 18.°, relativamente à quantidade de electricidade consumida pelos seus clientes considerados admissíveis dentro da sua rede de distribuição, a esses clientes.
4. Até 31 de Janeiro de cada ano, os Estados‑Membros publicarão os critérios de definição dos clientes admissíveis com capacidade para celebrar contratos nas condições enunciadas nos artigos 17.° e 18.° […]»
19. O trigésimo terceiro considerando da Directiva 2003/54 precisa que, «[d]ada a amplitude das alterações introduzidas na Directiva 96/92/CE, é conveniente, por razões de clareza e racionalização, refundir as disposições em questão».
20. O artigo 29.°, segundo parágrafo, da dita directiva dispõe, a este respeito, que «[a] Directiva 96/92/CE é revogada com efeitos a partir de 1 de Julho de 2004, sem prejuízo das obrigações dos Estados‑Membros em matéria de prazos de transposição e de aplicação da referida directiva. As remissões para a directiva revogada devem entender‑se como sendo feitas para a presente directiva e devem ser lidas de acordo com o quadro de correspondência constante do anexo B». De acordo com o quadro de correspondência, o artigo 21.° da Directiva 2003/54 corresponde ao artigo 19.° da Directiva 96/92.
21. O artigo 21.° da Directiva 2003/54 tem a seguinte redacção:
«Abertura dos mercados e reciprocidade
1. Os Estados‑Membros devem garantir que os clientes elegíveis sejam:
a) Até 1 de Julho de 2004, os clientes elegíveis referidos nos n. os 1 a 3 do artigo 19.° da Directiva 96/92/CE. Os Estados‑Membros devem publicar os critérios de definição destes clientes elegíveis até 31 de Janeiro de cada ano;
b) A partir de 1 de Julho de 2004, o mais tardar, todos os clientes não domésticos;
c) A partir de 1 de Julho de 2007, todos os clientes.
[...]»
22. Por força do artigo 30.°, n.° 1, desta directiva, os Estados‑Membros devem pôr em vigor as disposições necessárias para lhe dar cumprimento, o mais tardar, até 1 de Julho de 2004.
A directiva impugnada
23. Reportando‑se ao artigo 57.° do acto de adesão de 2003, a República da Estónia, por carta de 17 de Setembro de 2003, apresentou à Comissão um pedido de alteração da Directiva 2003/54 que tivesse em conta tanto a derrogação concedida a este Estado‑Membro pelo Anexo VI do acto de adesão de 2003, no que respeita ao artigo 19.°, n.° 2, da Directiva 96/92, como a declaração n.° 8.
24. Em 27 de Abril de 2004, a Comissão elaborou uma proposta de directiva destinada a adiar, a título transitório, a transposição de certas disposições da Directiva 2003/54 no que respeita a República da Estónia (COM/2004/318 final). Esta proposta baseava‑se nos artigos 47.°, n.° 2, CE, 55.° CE e 95.° CE.
25. Embora confirmando a referida proposta, cujos termos reproduz no essencial, a directiva impugnada foi adoptada pelo Conselho, em 28 de Junho de 2004, com base no artigo 57.° do acto de adesão de 2003. O Parlamento foi informado desta adopção pelo Secretário‑Geral do Conselho, por carta de 9 de Julho de 2004.
26. A referida carta explicava que, «[atendendo] à ligação entre o Tratado de Adesão e [esta] proposta [...] e atendendo à necessidade de adaptar [este] acto em tempo útil, e, em todo o caso, antes de 1 de Julho de 2004, data de transposição da Directiva 2003/54 [...], o Conselho decidiu manter o artigo 57.° do [acto de adesão de 2003] como base jurídica […], base esta que exige a participação do Parlamento Europeu no processo legislativo».
27. O artigo 1.° da directiva impugnada prevê o aditamento de um novo número, o n.° 3, ao artigo 26.° da Directiva 2003/54, com a seguinte redacção:
«A Estónia beneficiará de uma derrogação temporária da aplicação das alíneas b) e c) do n.° 1 do artigo 21.°, até 31 de Dezembro de 2012. A Estónia tomará as medidas necessárias para garantir a abertura do seu mercado da electricidade. Esta abertura será feita de um modo progressivo durante o período de referência, a fim de se chegar a uma abertura total em 1 de Janeiro de 2013. Em 1 de Janeiro de 2009, a abertura mínima do mercado deve representar 35% do consumo. A Estónia comunicará anualmente à Comissão os limiares de consumo que dão direito a elegibilidade para o consumidor final.»
28. O primeiro a quarto, o sétimo e o oitavo considerando da directiva impugnada referem:
«(1) Durante as negociações da adesão, a Estónia invocou as especificidades do seu sector eléctrico para solicitar um período transitório para a aplicação da Directiva 96/92/CE […]
(2) No Anexo VI do Acto de Adesão [de 2003], foi concedido à Estónia um período transitório, até 31 de Dezembro de 2008, para a aplicação do n.° 2 do artigo 19.° da Directiva 96/92/CE, relativo à abertura gradual do mercado.
(3) A Declaração n.° 8 […] reconheceu, por outro lado, que a situação específica relativa à reforma do sector dos xistos betuminosos na Estónia ia exigir esforços particulares até ao final de 2012.
(4) A Directiva 96/92/CE foi substituída pela Directiva 2003/54/CE, a qual deve ser aplicada até 1 de Julho de 2004 e que visa acelerar a abertura do mercado da electricidade.
[...]
(7) O xisto betuminoso constitui o único verdadeiro recurso próprio da Estónia, representando a produção nacional quase 84% da produção mundial. 90% da electricidade produzida na Estónia provém deste combustível sólido. Trata‑se, portanto, de um domínio estratégico para a segurança do aprovisionamento deste país.
(8) A concessão de uma derrogação complementar para o período de 2009 a 2012 garantirá a segurança dos investimentos nas centrais de produção, bem como a segurança do aprovisionamento da Estónia, permitindo simultaneamente resolver os graves problemas ambientais criados por essas centrais.»
Quanto ao recurso
29. O Parlamento invoca dois fundamentos de recurso, relativos, o primeiro, ao carácter errado da base jurídica da directiva impugnada e, o segundo, à violação do dever de fundamentação.
Quanto ao primeiro fundamento
30. Com o seu primeiro fundamento, o Parlamento alega que a directiva impugnada, que institui derrogações transitórias no que respeita à aplicação da Directiva 2003/54, não podia ser validamente adoptada com base no artigo 57.° do acto de adesão de 2003 e que o deveria ter sido em conformidade com o processo legislativo ordinário previsto no Tratado CE, ou seja, no caso vertente, com base nos artigos 47.°, n.° 2, CE, 55.° CE e 95.° CE, que serviram de base jurídica para a adopção da Directiva 2003/54. Com efeito, o referido artigo 57.° só autoriza as adaptações destinadas a permitir a plena aplicabilidade de actos das instituições em relação aos Estados aderentes, e não a concessão de derrogações transitórias a estes.
31. A este respeito, refira‑se que, tal como sublinhou o Parlamento, resulta do teor do artigo 57.° do acto de adesão de 2003 que esta disposição autoriza a adopção de «adaptações» que se tornaram «necessárias» em virtude da adesão e que não estejam previstas no acto de adesão ou nos seus anexos.
32. Tal como alega correctamente a Comissão, resulta dos artigos 20.° e 21.° do acto de adesão de 2003, que juntos constituem o título I, intitulado «Adaptações dos actos adoptados pelas instituições», da terceira parte do referido acto, por sua vez intitulada «Disposições permanentes», que as «adaptações» a que se referem os referidos artigos correspondem, em princípio, a alterações de carácter necessário para efeitos de assegurar a plena aplicabilidade dos actos das instituições aos novos Estados‑Membros e que se destinam, nessa perspectiva, a completar de forma duradoura os referidos actos.
33. Em contrapartida, estas «adaptações» não englobam normalmente as derrogações temporárias à aplicação de actos comunitários que, por sua vez, são objecto do artigo 24.° do acto de adesão de 2003, que consta do título I, intitulado «Medidas transitórias», da quarta parte do referido acto, intitulado «Disposições temporárias».
34. Ora, nada permite considerar que o conceito de «adaptação» deveria revestir uma acepção diferente, consoante seja utilizado no âmbito dos artigos 20.° e 21.° do acto de adesão de 2003 ou no do artigo 57.° do mesmo acto. O próprio artigo 21.° remete, aliás, para as disposições do artigo 57.° quanto ao procedimento e às condições em que devem ser definidas as adaptações que prevê, ao passo que o artigo 57.°, que se refere a adaptações que «não estiverem previstas no [acto de adesão] ou nos seus anexos», sugere, por sua vez, que as adaptações a adoptar com base nesta disposição são do mesmo tipo que as previstas, nomeadamente, nos artigos 20.° e 21.° do referido acto.
35. Além disso, a concessão de derrogações temporárias na perspectiva da adesão próxima constitui, tal como sublinharam correctamente o Parlamento e a Comissão, o objecto específico de uma outra disposição do acto de adesão de 2003, ou seja, o artigo 55.°, dificilmente se concebendo, a este respeito, que os signatários do referido acto tenham pretendido prever duas disposições distintas de forma a permitir a adopção de um mesmo acto.
36. Isto é tanto mais verdade quanto o referido artigo 55.° sujeita a concessão destas derrogações temporárias a condições nitidamente mais restritivas que as previstas no artigo 57.° para a adopção de medidas de adaptação. Por um lado, com efeito, o artigo 55.° só autoriza derrogações relativamente a actos comunitários que tenham sido adoptados entre 1 de Novembro de 2002 (data do encerramento das negociações de adesão) e 16 de Abril de 2003 (data da assinatura do Tratado de Adesão de 2003). Por outro lado, tal concessão encontra‑se sujeita a uma exigência de unanimidade no seio do Conselho.
37. Resulta das considerações precedentes que as medidas susceptíveis de serem adoptadas com base no artigo 57.° do acto de adesão de 2003 se limitam, em princípio, às adaptações destinadas a tornar os actos comunitários anteriores aplicáveis nos novos Estados‑Membros, excluindo qualquer outra alteração (v., em sentido análogo, a propósito da disposição idêntica constante do acto de adesão de 1994, acórdão Parlamento/Conselho, já referido, n. os 14 e 19), nomeadamente, derrogações provisórias.
38. Daqui resulta que derrogações provisórias à aplicação de disposições de um acto comunitário, que apenas têm por objecto e finalidade adiar temporariamente a aplicação efectiva do acto comunitário em causa relativamente a um novo Estado‑Membro, não podem, em princípio, ser qualificadas de «adaptações» na acepção do artigo 57.° do referido acto.
39. No entanto, no caso em apreço, importa observar que, embora seja verdade que a directiva impugnada se destina a adiar temporariamente a aplicação efectiva de certas disposições da Directiva 2003/54 em relação à República da Estónia, não é menos verdade que algumas das medidas que inclui nesta perspectiva revestem também, por outro lado, o carácter de medidas de adaptação necessárias para efeitos de assegurar a plena aplicabilidade da Directiva 2003/54 no que se refere a esse Estado‑Membro.
40. Este é o caso das medidas destinadas a ter em conta, no âmbito da Directiva 2003/54, a medida transitória anteriormente concedida à República da Estónia pelo Anexo VI do acto de adesão de 2003, no que diz respeito à Directiva 96/92. As considerações que se seguem justificam esta conclusão.
41. Por um lado, tal como alegam correctamente o Governo estónio e a Comissão, e contrariamente ao que sustenta o Conselho, a derrogação transitória constante do Anexo VI do acto de adesão de 2003, no que respeita à Directiva 96/92, não caducou com a revogação desta directiva pela Directiva 2003/54.
42. Com efeito, importa recordar, em primeiro lugar, que o artigo 10.° do acto de adesão de 2003 prevê que a aplicação dos tratados e dos actos adoptados pelas instituições é objecto, a título transitório, de disposições derrogatórias previstas no referido acto. O artigo 24.° do mesmo acto precisa, a este respeito, que as medidas transitórias enumeradas nos diversos anexos aos quais esta disposição se refere, entre os quais o Anexo VI, se aplicam, em relação aos novos Estados‑Membros, nas condições definidas nesses anexos. Quanto ao artigo 60.° do mesmo acto, confirma que os anexos ao acto fazem parte integrante dele.
43. As disposições que constam do Anexo VI do acto de adesão de 2003 são assim objecto de um acordo entre os Estados‑Membros e os Estados aderentes e constituem disposições de direito primário (v., neste sentido, acórdão de 28 de Abril de 1988, LAISA e CPC España/Conselho, 31/86 e 35/86, Colect., p. 2285, n.° 12).
44. Em segundo lugar, resulta do trigésimo terceiro considerando e do artigo 29.° da Directiva 2003/54 que esta deve ser considerada o prolongamento da Directiva 96/92, que refunde, e isto devido ao alcance das alterações que introduz nesta última e por razões de clareza e racionalização, sem, no entanto, alterar os prazos de transposição e de aplicação previstos na Directiva 96/92.
45. Atendendo ao exposto, deve considerar‑se que a derrogação transitória prevista no Anexo VI do acto de adesão de 2003 tem, como sustenta correctamente o Governo estónio, plena vocação para ser aplicada no novo quadro legislativo constituído pela Directiva 2003/54.
46. Por outro lado, nestas condições, o referido governo alegou também correctamente que, no caso de não adaptação do artigo 21.° da Directiva 2003/54 para se ter plenamente em conta a derrogação transitória acima mencionada, existiria um risco de contradição entre os efeitos decorrentes desta derrogação e as exigências resultantes do referido artigo 21.° para os Estados‑Membros.
47. Com efeito, resulta do Anexo VI do acto de adesão de 2003 que a República da Estónia está dispensada, até 31 de Dezembro de 2008, de garantir a abertura do seu mercado da electricidade nas condições previstas no artigo 19.°, n.° 2, da Directiva 96/92. Isto significa, nomeadamente, que, ao abrigo desta última disposição, a obrigação de os Estados‑Membros garantirem, nas condições nela previstas, um grau de abertura do seu mercado da electricidade próximo dos 35% [v., a este respeito, a Comunicação da Comissão de 19 de Dezembro de 2003 relativa ao cálculo da quota média comunitária de abertura do mercado da electricidade, definido na Directiva 96/92/CE (JO C 321, p. 51)] era, em relação à República da Estónia, adiada até 31 de Dezembro de 2008.
48. Uma vez que o artigo 21.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2003/54 se limita a recordar as exigências que já resultam para os Estados‑Membros da abertura parcial do mercado realizada pelo artigo 19.° da Directiva 96/92, deve considerar‑se que a derrogação prevista no Anexo VI do acto de adesão de 2003, relativamente a esta disposição, a favor da República da Estónia, se aplica de pleno direito no que respeita a este novo artigo 21.°, n.° 1, alínea a).
49. Ao invés, o artigo 21.°, n.° 1, alíneas b) e c), da Directiva 2003/54 dispõe que os Estados‑Membros são, além disso, obrigados a abrir os seus mercados respectivos, a partir de 1 de Julho de 2004, no que se refere à totalidade dos clientes não domésticos e, a partir de 1 de Julho de 2007, no que se refere a todos os clientes. Por conseguinte, a abertura gradual imposta no referido artigo 21.°, n.° 1, alíneas b) e c), deve realizar‑se ainda antes de 1 de Janeiro de 2009 e, tal como sustenta o Governo estónio, sem impugnação, a referida abertura excede, além disso, largamente, em cada um dos dois casos referidos nessas disposições, 35% do consumo.
50. Nestas condições, é indiscutível que a consideração do direito adquirido que, para a República da Estónia, constitui a derrogação transitória relativa à Directiva 96/92, constante do Anexo VI do acto de adesão de 2003, impunha, ainda que apenas por considerações elementares de segurança jurídica, uma adaptação do artigo 21.°, n.° 1, alíneas b) e c), da Directiva 2003/54, para efeitos de assegurar a aplicabilidade coerente destas disposições a esse Estado‑Membro.
51. Esta adaptação requeria assim, pelo menos, a suspensão da aplicação do disposto no artigo 21.°, n.° 1, alíneas b) e c), da Directiva 2003/54, até 31 de Dezembro de 2008, em relação à República da Estónia, de forma a manter, em benefício deste Estado‑Membro, a dispensa de abertura do seu mercado da electricidade antes de 1 de Janeiro de 2009, a que tinha direito nos termos previstos no Anexo VI do acto de adesão de 2003.
52. Resulta do exposto que, na medida em que a directiva impugnada previu essa suspensão da aplicação do artigo 21.°, alíneas b) e c), da Directiva 2003/54 até 31 de Dezembro de 2008, podia ser validamente adoptada com base no artigo 57.° do acto de adesão de 2003.
53. No entanto, importa observar que a directiva impugnada não se limitou a tal medida. Concedeu, efectivamente, à República da Estónia um período de transição adicional, que vai além de 31 de Dezembro de 2008, até ao final de 2012, no que se refere à aplicação do artigo 21.°, n.° 1, alíneas b) e c), da Directiva 2003/54, dispondo, porém, a este respeito, que a abertura do mercado deve realizar‑se progressivamente para alcançar 35% do mercado em 1 de Janeiro de 2009 e a abertura total para o final de 2012, e instituindo, para este efeito, a obrigação de a República da Estónia comunicar anualmente à Comissão os limiares de consumo que dão direito a elegibilidade para o consumidor final (a seguir, conjuntamente, «derrogações adicionais instituídas pela directiva impugnada»).
54. Ora, estas derrogações adicionais não podiam, por seu lado, ser concedidas com base no artigo 57.° do acto de adesão de 2003.
55. É certo que não se pode afirmar, como faz o Parlamento, que tal concessão constitui uma derrogação ao próprio acto de adesão pelo facto de este só ter previsto a favor da Estónia um período de transição que termina no final de 2008.
56. Com efeito, é óbvio, como sublinhou com razão o Governo estónio, que a derrogação prevista no Anexo VI do acto de adesão de 2003 se enquadra num contexto legislativo em que a Directiva 96/92 apenas previa uma abertura parcial do mercado, e que foi unicamente face a essa abertura parcial que se considerou adequada a data de 31 de Dezembro de 2008 para ter em conta as exigências decorrentes da situação particular do sector da electricidade deste novo Estado‑Membro. Desta forma, de modo algum foram excluídas disposições que poderiam ter sido adoptadas em função destas mesmas exigências, em caso de evolução subsequente do referido quadro legislativo, designadamente, para uma abertura total do mercado em causa.
57. Por outro lado, é verdade que o período de transição adicional assim concedido à Estónia pela directiva impugnada vai manifestamente, tal como sublinhou o Governo estónio, na linha da declaração n.° 8. A referida declaração refere‑se, efectivamente, a uma aceleração próxima da abertura dos mercados no sector da electricidade e reconhece designadamente, nessa perspectiva, a situação particular deste novo Estado‑Membro, relacionada com a reestruturação do sector do xisto betuminoso, que exige esforços específicos até ao final de 2012.
58. No entanto, não é menos verdade que tal tomada de posição, constante de uma declaração comum aos Estados‑Membros da União anexa à Acta Final do Tratado de Adesão de 2003, não pode, contrariamente ao que sustenta o Governo estónio, determinar a base jurídica a que se deve recorrer para conceder derrogações como as derrogações adicionais instituídas pela directiva impugnada.
59. Ora, note‑se que as referidas derrogações adicionais não respondem ao conceito de adaptação na acepção do artigo 57.° do acto de adesão de 2003, tal como este conceito foi definido nos n. os 31 a 38 do presente acórdão.
60. Com efeito, as referidas derrogações adicionais instituídas pela directiva impugnada constituem medidas que, à semelhança da maioria das derrogações temporárias, apenas têm por objecto e por finalidade adiar temporariamente a aplicação efectiva do acto comunitário em questão e cuja adopção implica, por consequência, uma apreciação de carácter político. Ao contrário da derrogação em causa nos n. os 39 a 52 do presente acórdão, que, por seu lado, se destina a integrar no quadro legislativo próprio da Directiva 2003/54 o direito adquirido que a derrogação prevista no Anexo VI do acto de adesão de 2003 constitui para a República da Estónia, as referidas derrogações adicionais não podem ser consideradas indispensáveis para efeitos de assegurar a plena aplicabilidade da referida directiva em relação a este novo Estado‑Membro.
61. Daqui decorre que as derrogações adicionais instituídas pela directiva impugnada não podiam ser validamente adoptadas com base no artigo 57.° do acto de adesão de 2003.
62. Contrariamente ao que defende o Conselho, daqui não resulta, no entanto, nenhum vazio jurídico a este respeito. Uma vez assinado o Tratado de Adesão de 2003, e sem prejuízo da aplicação dos procedimentos especiais previstos nesse tratado para decidir sobre certos tipos de medidas transitórias, tais como, por exemplo, as previstas nos artigos 41.° ou 42.° do acto de adesão de 2003, não há, com efeito, nenhuma objecção de princípio a que os actos comunitários adoptados após esta assinatura e antes da entrada em vigor do referido Tratado de Adesão, e que incluam derrogações temporárias a favor de um futuro Estado aderente, sejam adoptados directamente com base nas disposições do Tratado CE.
63. Com efeito, essas disposições derrogatórias, que só são aplicáveis sob determinadas condições e na data de entrada em vigor efectiva do Tratado de Adesão de 2003, não podem, contrariamente ao que sustenta o Conselho, ignorar os artigos 249.°, n. os 2 e 3, CE e 299.° CE, de acordo com os quais os actos adoptados pelas instituições se aplicam aos Estados‑Membros, nem o artigo 2.°, n. os 2 e 3, do referido Tratado de Adesão.
64. Por um lado, estas disposições específicas, como, de resto, os actos de que constam e/ou que derrogam, só são aplicáveis aos Estados aderentes na data em que a adesão se torna efectiva, data em que adquirem a qualidade de Estado‑Membro.
65. Por outro lado, a circunstância de o artigo 2.°, n.° 2, do Tratado de Adesão de 2003 dispor que o referido tratado só entra em vigor em 1 de Maio de 2004 e de o n.° 3 desse mesmo artigo prever que, em derrogação a esse princípio, certas disposições do referido tratado podem ser aplicadas antecipadamente não prejudica a possibilidade de se prever, em actos adoptados não ao abrigo desse tratado mas com base no próprio Tratado CE, as condições em que esses actos, adoptados entre a assinatura do Tratado de Adesão e a sua entrada em vigor, serão aplicáveis aos futuros Estados‑Membros, uma vez efectivada a adesão.
66. Importa, pelo contrário, observar que, relativamente aos actos que devem assim ser adoptados durante o período entre a data de assinatura do Tratado de Adesão e aquela em que a referida adesão produz efeitos, as instituições comunitárias estão perfeitamente cientes da iminência da adesão dos novos Estados‑Membros, enquanto estes dispõem da possibilidade de defender, quando necessário, os seus interesses, especialmente através do procedimento de informação e de consulta (v., neste sentido, acórdão de 16 de Fevereiro de 1982, Halyvourgiki e Helleniki Halyvourgia/Comissão, 39/81, 43/81, 85/81 e 88/81, Recueil, p. 593, n.° 10).
67. Por conseguinte, é, em princípio, no âmbito do referido procedimento, ao usufruir do estatuto de observador que detêm no seio do Conselho e graças às possibilidades de diálogo e de cooperação que estes mecanismos específicos oferecem, que os futuros Estados‑Membros podem, uma vez informados da adopção futura de novos actos comunitários, afirmar o seu interesse em obter as derrogações transitórias necessárias, tendo em conta, por exemplo, a impossibilidade de assegurarem a aplicação imediata dos referidos actos no momento da adesão ou importantes problemas de ordem sócio‑económica que tal aplicação poderia originar.
68. É graças a estes mecanismos que os interesses particulares assim invocados poderão, designadamente, ser adequadamente ponderados com o interesse geral da Comunidade, e que as considerações relativas aos princípios da igualdade, da lealdade ou da solidariedade entre os Estados‑Membros actuais e futuros invocados pelo Governo polaco poderão vir a desempenhar um papel.
69. A existência destes mecanismos específicos, próprios ao processo de adesão seguido, confirma, portanto, que, em princípio, é através do processo legislativo normal previsto no tratado, e não no âmbito do procedimento especial previsto no artigo 57.° do acto de adesão de 2003, que deviam ter sido adoptadas as derrogações adicionais instituídas pela directiva impugnada.
70. De igual modo, não se pode aceitar o argumento do Conselho relativo à urgência com que teve de adoptar essas derrogações adicionais com base no referido artigo 57.°, mesmo antes da data em que deviam ter sido aplicadas as disposições necessárias para dar cumprimento à Directiva 2003/54, em vez de seguir o processo legislativo de co‑decisão que demora muito mais tempo, a fim de evitar gerar insegurança jurídica e prejudicar os interesses legítimos dos operadores com actividade no mercado estónio da electricidade.
71. Por um lado, com efeito, como foi sublinhado nos n. os 66 a 68 do presente acórdão, quando a Comunidade prevê a adopção de um acto legislativo no decurso do período entre a assinatura do Tratado de Adesão de 2003 e a sua entrada em vigor, o procedimento de informação e de consulta pode dar origem à concessão de eventuais derrogações transitórias a favor de um Estado aderente, quanto à aplicação das disposições do acto cuja adopção está assim prevista.
72. Sobre este ponto, aliás, nenhuma das partes deu informações que sugiram que o referido procedimento de informação e de consulta não foi normalmente seguido e que o Governo estónio não teve a possibilidade de defender os seus interesses relativamente à proposta de directiva que conduziu à adopção da Directiva 2003/54, em conformidade com o previsto nesse procedimento (v., em sentido análogo, acórdão Halyvourgiki e Helleniki Halyvourgia/Comissão, já referido, n.° 15).
73. Por outro lado, como recordou o Parlamento, uma vez apresentada uma proposta da Comissão, o Conselho dispõe, se necessário, da possibilidade de chamar a atenção do Parlamento para a urgência que poderia haver na adopção de um acto concreto. Com efeito, o processo de co‑decisão previsto no artigo 251.° CE de modo algum exclui a adopção relativamente rápida de um texto legislativo, especialmente no caso de não existir nenhuma divergência significativa entre os pontos de vista do Parlamento e do Conselho.
74. Quanto à insegurança jurídica que pode eventualmente resultar do decurso do prazo inerente ao processo legislativo normal, só poderia ser remediada, como alegou correctamente a Comissão, atribuindo um eventual efeito retroactivo à derrogação transitória solicitada no caso de esta ser aprovada.
75. Resulta, a este respeito, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, embora o princípio da segurança jurídica se oponha, regra geral, a que os efeitos de um acto comunitário no tempo retroajam a uma data anterior à da sua publicação, pode assim não ser, a título excepcional, quando o objectivo a alcançar o exija e quando a confiança legítima dos interessados seja devidamente respeitada (v. acórdãos de 13 de Novembro de 1990, Fedesa e o., C‑331/88, Colect., p. I‑4023, n.° 45, e Parlamento/Conselho, já referido, n.° 21).
76. Importa ainda observar que, como sustentou nomeadamente o Governo polaco, é certamente possível que a inexistência de uma disposição geral no acto de adesão de 2003, que permita aprovar derrogações transitórias no tocante à aplicação aos novos Estados‑Membros de actos adoptados entre a data da assinatura do Tratado de Adesão de 2003 e a da sua entrada em vigor, e a simples existência, para estes fins, do procedimento de informação e de consulta sejam consideradas retrospectivamente insatisfatórias. É também possível que esta circunstância esteja na origem do facto de o artigo 55.° do Acto relativo às condições de adesão da República da Bulgária e da Roménia e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 2005, L 157, p. 203), invocado por diversas partes e cujo objecto é semelhante ao do artigo 55.° do acto de adesão de 2003, prever expressamente que a competência do Conselho para adoptar derrogações temporárias abrange igualmente os actos das instituições adoptados entre a data da assinatura do Tratado de Adesão e a da adesão. No entanto, as eventuais imperfeições que o acto de adesão de 2003 encerra a este respeito não podem autorizar o recurso a uma base jurídica errada.
77. Resulta de todas as considerações precedentes que as derrogações adicionais instituídas pela directiva impugnada, às quais se refere o n.° 53 do presente acórdão, não podiam ser validamente adoptadas com base no artigo 57.° do acto de adesão de 2003.
78. Daqui decorre que o primeiro fundamento é procedente na medida em que visa denunciar a ilegalidade das referidas derrogações adicionais.
Quanto ao segundo fundamento
79. Uma vez que a análise do primeiro fundamento só permite concluir pela existência de uma ilegalidade parcial da directiva impugnada, importa analisar o segundo fundamento relativo ao vício de fundamentação da referida directiva, a fim de verificar se esta está ou não totalmente ferida de ilegalidade quanto a esse segundo aspecto.
80. Com o segundo fundamento, o Parlamento alega que a directiva impugnada não explica se procede a uma adaptação em virtude da adesão, e em que medida o faz, nem as razões do recurso à base jurídica excepcional constituída pelo artigo 57.° do acto de adesão de 2003, que opera uma excepção ao processo legislativo normal. De resto, o preâmbulo da referida directiva não foi alterado relativamente à exposição de motivos da proposta da Comissão referida no n.° 24 do presente acórdão, apesar de esta se basear nos artigos 47.°, n.° 2, CE, 55.° CE e 95.° CE e de não ter sido dada nenhuma explicação para esta diferença.
81. A este propósito, há que lembrar que, segundo jurisprudência assente, a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do acto em causa. Embora essa fundamentação deva revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio seguido pela instituição comunitária autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecerem as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização, não se exige, porém, que especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes. Com efeito, a questão de saber se a fundamentação de um acto preenche os requisitos do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor literal mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v., designadamente, acórdão de 10 de Julho de 2003, Comissão/BEI, C‑15/00, Colect., p. I‑7281, n.° 174).
82. No caso vertente, tal como afirmaram correctamente o Conselho e o Governo estónio, o preâmbulo da directiva impugnada, que se refere ao pedido da República da Estónia, à derrogação transitória relativa à Directiva 96/92 prevista a favor deste Estado‑Membro pelo Anexo VI do acto de adesão de 2003, à declaração n.° 8, à aceleração da abertura do mercado da electricidade realizada pela Directiva 2003/54, e, por último, às especificidades do sector do xisto betuminoso estónio e às dificuldades que este sector enfrentaria na ausência das medidas transitórias previstas pela directiva impugnada, pode permitir que os interessados conheçam suficientemente as justificações das referidas medidas transitórias e que o órgão jurisdicional competente exerça a sua fiscalização.
83. Estes elementos permitem, nomeadamente, ao Tribunal de Justiça fiscalizar a justeza da base jurídica escolhida pelo legislador comunitário, sem que a escolha desta, que foi expressamente identificada no preâmbulo da directiva impugnada como sendo o artigo 57.° do acto de adesão de 2003, exija uma fundamentação mais detalhada. O facto de o Conselho não ter escolhido a base jurídica proposta pela Comissão não precisa de uma fundamentação mais específica a este respeito.
84. Nestas condições, o segundo fundamento deve ser declarado improcedente.
Quanto à anulação parcial da directiva impugnada
85. Tal como resulta dos n. os 77 e 78 do presente acórdão, o primeiro fundamento foi declarado parcialmente procedente na medida em que as derrogações adicionais instituídas pela directiva impugnada não podiam ser validamente adoptadas com base no artigo 57.° do acto de adesão de 2003.
86. A este respeito, importa recordar que, como resulta de jurisprudência assente, a anulação parcial de um acto comunitário só é possível se os elementos cuja anulação é pedida forem destacáveis da parte restante do acto (v., designadamente, acórdão de 24 de Maio de 2005, França/Parlamento e Conselho, C‑244/03, Colect., p. I‑4021, n.° 12 e a jurisprudência aí referida).
87. Ora, no presente caso, as derrogações adicionais instituídas pela directiva impugnada são bem destacáveis da parte restante da referida directiva que, tal como resulta do artigo 1.°, interpretado à luz do segundo e do oitavo considerando, prossegue um duplo objectivo, isto é, por um lado, a tomada em consideração, no âmbito do regime previsto na Directiva 2003/54, do período transitório anteriormente concedido à República da Estónia pelo Anexo VI do acto de adesão de 2003 em relação à Directiva 96/92, e, por outro, a concessão, para o período de 2009‑2012, de uma derrogação adicional acompanhada de uma obrigação de aplicação progressiva do artigo 21.° da Directiva 2003/54.
88. Daqui decorre que a directiva impugnada deve ser anulada na parte em que prevê a favor da Estónia uma derrogação à aplicação do artigo 21.°, n.° 1, alíneas b) e c), da Directiva 2003/54, para além de 31 de Dezembro de 2008, assim como uma obrigação correlativa de garantir uma abertura apenas parcial do mercado que represente 35% do consumo em 1 de Janeiro de 2009 e uma obrigação de comunicação anual dos limiares de consumo que dão direito a elegibilidade para o consumidor final.
Quanto aos efeitos da anulação no tempo
89. O Conselho, invocando o artigo 231.°, n.° 2, CE e a necessidade de se evitar uma situação de incerteza para os operadores económicos e investidores no sector da electricidade da Estónia, assim como para os trabalhadores em causa, apoiado neste ponto pelo Governo estónio e pela Comissão, pede que o Tribunal de Justiça, no caso de anular a directiva impugnada, mantenha os efeitos do referido acto até que seja adoptada uma nova directiva.
90. Sublinhando que o seu recurso não se refere ao mérito do pedido de derrogação apresentado pela República da Estónia, mas simplesmente à base jurídica com que foi adoptada a directiva impugnada, o Parlamento indica não querer pronunciar‑se sobre este pedido do Conselho.
91. A este respeito, há que observar que o referido pedido foi formulado na perspectiva de uma eventual anulação total da directiva impugnada pelo Tribunal de Justiça.
92. Ora, no presente caso, a directiva impugnada é apenas objecto de uma anulação parcial na medida especificada no n.° 88 do presente acórdão, enquanto a derrogação temporária constante do artigo 21.°, n.° 1, alíneas b) e c), da Directiva 2003/54, prevista na directiva impugnada, é mantida até 31 de Dezembro de 2008. Nestas condições, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre o pedido do Conselho acima referido.
Quanto às despesas
93. Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. No entanto, nos termos do artigo 69.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, o Tribunal de Justiça pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes, ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas, se cada parte obtiver vencimento parcial. No presente caso, tendo o Parlamento pedido a condenação do Conselho e tendo este sido vencido na maior parte dos seus fundamentos, há que condená‑lo nas despesas. Em conformidade com o disposto no artigo 69.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, a República da Polónia, a República da Estónia e a Comissão, que intervieram no litígio, suportarão as respectivas despesas.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide
1) A Directiva 2004/85/CE do Conselho, de 28 de Junho de 2004, que altera a Directiva 2003/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho no que respeita à aplicação de certas disposições à Estónia, é anulada na parte em que prevê, a favor da Estónia, uma derrogação à aplicação do artigo 21.°, n.° 1, alíneas b) e c), da Directiva 2003/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2003, que estabelece regras comuns para o mercado interno da electricidade e que revoga a Directiva 96/92/CE, para além de 31 de Dezembro de 2008, assim como uma obrigação correlativa de garantir uma abertura apenas parcial do mercado que represente 35% do consumo em 1 de Janeiro de 2009 e uma obrigação de comunicação anual dos limiares de consumo que dão direito a elegibilidade para o consumidor final.
2) É negado provimento ao recurso quanto ao restante.
3) O Conselho da União Europeia é condenado nas despesas.
4) A República da Polónia, a República da Estónia e a Comissão das Comunidades Europeias suportarão as respectivas despesas.