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Document 62003CC0466

    Conclusões da advogada-geral Trstenjak apresentadas em 8 de Março de 2007.
    Albert Reiss Beteiligungsgesellschaft mbH contra Land Baden-Württemberg.
    Pedido de decisão prejudicial: Landgericht Baden-Baden - Alemanha.
    Directiva 69/335/CEE - Impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais - Legislação nacional que prevê a cobrança de emolumentos notariais pela autenticação das transferências das partes sociais nas sociedades de responsabilidade limitada - Decisão de tributação - Qualificação como ‘imposição semelhante ao imposto sobre as entradas de capital’ - Formalidade prévia - Impostos sobre a transmissão de valores mobiliários - Direitos com carácter remuneratório.
    Processo C-466/03.

    Colectânea de Jurisprudência 2007 I-05357

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2005:390

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL

    L. A. GEELHOED

    apresentadas em 16 de Junho de 2005 1(1)

    Processo C-466/03

    Albert Reiss Beteiligungsgesellschaft mbH

    contra

    Land Baden‑Württemberg

    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Landgericht Baden‑Baden (Alemanha)]

    «Interpretação do artigo 10.º, alínea c), da Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais, alterada pela Directiva 85/303/CEE do Conselho, de 10 de Junho de 1985 – Aumento do capital de uma sociedade de responsabilidade limitada através da entrada de uma parte social detida noutra sociedade – Emolumentos devidos pela autenticação notarial do acto que atesta a transmissão da parte social»





    I –    Introdução

    1.     Através do pedido de decisão prejudicial do presente processo, o Landgericht Baden‑Baden (Alemanha) pergunta ao Tribunal de Justiça se os emolumentos devidos pela autenticação, efectuada por um notário público, de um contrato por meio do qual partes sociais de uma sociedade são transferidas para outra sociedade como contribuição para o aumento de capital desta última são proibidos pelo artigo 10.º, alínea c), da Directiva 69/335/CEE, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais (2). No decurso do processo perante o Tribunal de Justiça, suscitou‑se a questão de saber se esses emolumentos podem ser autorizados ao abrigo da derrogação prevista no artigo 12.º, n.º 1, alínea a), desta directiva, relativamente aos impostos sobre a transmissão de valores mobiliários.

    II – Disposições pertinentes

    A –    Legislação comunitária

    2.     As disposições da Directiva 69/335 pertinentes no presente caso são as seguintes:

    «Artigo 3.º

    1.      Para efeitos do disposto na presente directiva, por ‘sociedade de capitais’ entende-se:

    a)      as sociedades de direito belga, alemão, francês, italiano, luxemburguês e neerlandês, designadas respectivamente:

    […]

    –       société de personnes à responsabilité limitée/personenvennootschap met beperkte aansprakelijkheid, Gesellschaft mit beschrankter Haftung, société à responsabilité limitée, societá a responsabilitá limitada, société à responsabilité limitée;

    […]

    Artigo 4.º

    1.      Estão sujeitas ao imposto sobre as entradas de capital as seguintes operações:

    a)      a constituição de uma sociedade de capitais;

    […]

    c)      o aumento do capital social de uma sociedade de capitais mediante a entrada de bens de qualquer espécie;

    […]

    Artigo 10.º

    Além do imposto sobre as entradas de capital, os Estados‑Membros não cobrarão, no que diz respeito às sociedades, associações ou pessoas colectivas com fins lucrativos, qualquer imposição, seja sob que forma for:

    a)      em relação às operações referidas no artigo 4.º;

    b)      em relação às entradas de capital, empréstimos ou prestações, efectuadas no âmbito das operações referidas no artigo 4.º;

    c)      em relação ao registo ou qualquer outra formalidade prévia ao exercício de uma actividade a que uma sociedade, associação ou pessoa colectiva com fins lucrativos esteja sujeita em consequência da sua forma jurídica.

    Artigo 12.º

    1.      Em derrogação do disposto nos artigos 10.º e 11.º, os Estados‑Membros podem cobrar:

    a)      impostos sobre a transmissão de valores mobiliários, cobrados forfetariamente ou não;

    […]

    e)      direitos com carácter remuneratório;

    […]»

    B –    Legislação nacional

    3.     Nos termos do § 36, n.º 2, da Gesetz über die Kosten in Angelegenheiten der freiwilligen Gerichtsbarkeit [lei federal relativa à tributação de actos de natureza não judicial; também referida como Kostenordnung (regulamento dos emolumentos), a seguir «KostO»] (3), para a autenticação de contratos o emolumento devido é cobrado duas vezes.

    4.     O § 15, n.º 3, da Gesetz betreffend die Gesellschaften mit beschränkter Haftung (4) (lei das sociedades de responsabilidade limitada, a seguir «GGmbH») determina que a cessão de partes sociais efectuada pelos sócios exige a autenticação notarial dos contratos.

    III – Factos, tramitação processual e questão prejudicial

    5.     Em 30 de Julho de 2002, a sociedade Albert Reiss Beteiligungsgesellschaft mbH (a seguir «ARBmbH») decidiu converter o seu capital nominal inicial de 100 000 DEM em euros e aumentá‑lo para 100 000 EUR através de uma entrada em espécie. A entrada consistiu na parte social única da sociedade ARKU Maschinenbau GmbH. Nessa data, Albert Reiss era o único sócio das duas sociedades. O contrato relativo à entrada de capital foi anexado à acta relativa à decisão de aumento do capital.

    6.     O aumento do capital foi inscrito no registo comercial junto do Amtsgericht Baden‑Baden em 4 de Novembro de 2002. Juntamente com outros emolumentos, foi cobrada, ao abrigo do § 36, n.º 2, do KostO, uma verba de 11 424 EUR, pela transmissão da parte social na sociedade ARKU Maschinenbau GmbH, verba essa designada por «imposto 20/10» (o dobro do valor do emolumento normalmente cobrado) calculada sobre o valor do negócio, correspondente ao valor real da parte social transmitida, que era de 3 763 443,90 EUR, e acrescida do imposto sobre o valor acrescentado.

    7.     A ARBmbH impugnou a liquidação no Amtsgericht Baden‑Baden. A acção foi julgada improcedente pelo tribunal, que fundamentou a sua decisão alegando que o artigo 10.º, alínea c), da Directiva 69/335 não é aplicável, que os requisitos específicos para a transmissão de partes sociais de uma sociedade de responsabilidade limitada estão previstos no § 15, n.º 3, do GGmbH e que a obrigação de pagar emolumentos recai sobre o devedor, independentemente de se tratar de uma sociedade de capitais ou de uma pessoa singular.

    8.     A ARBmbH interpôs recurso desta decisão para o Landgericht Baden‑Baden, alegando que os impostos relativos à autenticação notarial de um contrato de transmissão de partes sociais em sociedades de responsabilidade limitada exigida pelo § 15, n.º 3, do GGmbH constituem uma imposição proibida pelo artigo 10.º, alínea c), da Directiva 69/335.

    9.     Por considerar que para a decisão do recurso para ele interposto é essencial a interpretação do artigo 10.º, alínea c), da Directiva 69/335 e tendo determinado que não se verifica nenhuma das condições derrogatórias previstas no artigo 12.º da Directiva 69/335, designadamente no artigo 12.º, n.º 1, alínea e), o Landgericht Baden‑Baden decidiu suspender a instância e submeter a seguinte questão prejudicial, nos termos do artigo 234.º CE:

    «O artigo 10.°, alínea c), da Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais, com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 85/303/CEE do Conselho, de 10 de Junho de 1985, também se aplica aos emolumentos relativos à autenticação notarial dum contrato de cessão de [partes sociais] numa sociedade [de responsabilidade limitada]?»

    10.   Foram apresentadas observações escritas pelo Governo do Land Baden‑Württemberg (a seguir «Land») e pela Comissão.

    11.   Ao analisar este processo, o Tribunal de Justiça decidiu inicialmente pronunciar‑se através de despacho fundamentado, nos termos do artigo 104.º, n.º 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. No entanto, no seguimento de objecções apresentadas pelo Land, que referiu que nem todos os aspectos da resposta à questão prejudicial podiam ser facilmente inferidos da jurisprudência existente, o Tribunal de Justiça reconsiderou e decidiu pronunciar‑se sobre a questão prejudicial através de um acórdão.

    IV – Apreciação

    12.   A questão prejudicial submetida pelo Landgericht está redigida em termos muito genéricos e não contém todos os elementos pertinentes para apresentar uma resposta que possa ser útil para a decisão do caso. Há que salientar, com base na informação que consta dos autos, que a questão se refere a uma situação em que a cobrança dos emolumentos controvertidos é feita por notários que são funcionários públicos do Land e que a transmissão de partes sociais está relacionada com o aumento do capital social de uma sociedade de capitais. Além disso, resulta das observações escritas apresentadas pelo Land que a decisão do caso poderá também depender da eventual aplicação da derrogação prevista no artigo 12.º, n.º 1, alínea a), da Directiva 69/335. É, portanto, necessário tomar em consideração estes aspectos na resposta a dar à questão que foi submetida.

    13.   O Land observa que à questão submetida deve ser dada resposta negativa. Refere que o requisito da autenticação previsto no § 15, n.º 3, do GGmbH tem por destinatário não a sociedade cujas partes sociais são cedidas (a ARKU Maschinenbau), mas o anterior sócio (Albert Reiss) e o novo sócio (a ARBmbH). São estes os responsáveis pelo pagamento do imposto, e não a sociedade cujas partes sociais foram cedidas. Por este motivo, em sua opinião, a operação não é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 10.º, alínea c), da Directiva 69/335. O Land refere, em seguida, que o emolumento poderá, eventualmente, estar abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 10.º, alínea b), da Directiva 69/335, em virtude de constituir a contrapartida da prestação de um serviço que faz parte integrante de uma operação referida no artigo 4.º da Directiva 69/335, ou seja, do aumento do capital social da ARBmbH. No entanto, independentemente de violar ou não o artigo 10.º, alínea c), da Directiva 69/335, o emolumento controvertido deve ser considerado um imposto sobre a transmissão de valores mobiliários, na acepção do artigo 12.º, n.º 1, alínea a), Directiva 69/335, e ficar, consequentemente, isento da proibição contida naquela disposição.

    14.   A Comissão tem uma opinião contrária e refere jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que determina que os emolumentos cobrados por notários públicos no âmbito das formalidades exigidas para os aumentos de capital são proibidos pelo artigo 10.º, alínea c), da Directiva 69/335 (5). Apesar de indicar que a autenticação notarial da transmissão de partes sociais não depende, em si mesma, da forma jurídica das partes contratantes, refere que, no presente caso, a transmissão é uma condição indispensável para o aumento do capital da ARBmbH. Esta conclusão impõe-se tanto mais quanto o contrato de transmissão de partes sociais está anexado à acta relativa à decisão de aumento do capital. Como a cessão de partes sociais tem de ser considerada parte integrante da operação de aumento do capital e o emolumento é cobrado no âmbito de uma formalidade relacionada com essa operação, deve considerar‑se que este é proibido pelo artigo 10.º, alínea c), da Directiva 69/335. Acrescenta que, nos termos do artigo 12.º, n.º 1, alínea e), da Directiva 69/335, o valor desses emolumentos não pode ser superior ao dos custos.

    15.   Apesar do Tribunal de Justiça ainda não se ter pronunciado expressamente sobre o problema suscitado na questão prejudicial, a jurisprudência relativa à interpretação da Directiva 69/335 fornece critérios suficientes para responder à questão da aplicabilidade do artigo 10.º, alínea c), da directiva aos factos do caso em apreço. Pelo contrário, o aspecto relativo à aplicabilidade do artigo 12.º, n.º 1, alínea a), da directiva é relativamente novo e há que dedicar‑lhe uma atenção especial.

    16.   Em primeiro lugar, é útil recordar a função do artigo 10.º, alínea c), da Directiva 69/335 no sistema da directiva considerada no seu todo. A Directiva 69/335 substitui os vários tipos de impostos indirectos cobrados pelos Estados‑Membros sobre as reuniões de capitais por um imposto único sobre as entradas de capital. Este imposto é cobrado uma única vez, com base numa harmonização de estrutura e de taxas. A proibição, no artigo 10.º, de outras imposições com características idênticas ao imposto sobre as entradas de capital tem por objectivo proteger este sistema de imposto único sobre as entradas de capital e garantir que o mesmo não é frustrado, de modo intencional ou involuntário, pela aplicação dessas imposições (6). Este objectivo tem guiado o Tribunal de Justiça na determinação do âmbito de aplicação daquela disposição.

    17.   No que toca à questão de saber se emolumentos notariais como os controvertidos pertencem à categoria de «qualquer imposição, seja sob que forma for» na acepção do artigo 10.º, alínea c), da Directiva 69/335, o Tribunal de Justiça já lhe deu resposta no acórdão Modelo (7) e, na esteira deste último, no despacho no processo Gründerzentrum (8). Este despacho aplicou‑se precisamente a uma situação ocorrida no Land Baden‑Württemberg. Segundo esta jurisprudência (9), os emolumentos constituem uma imposição na acepção da Directiva 69/335:

    –       quando são cobrados pela autenticação de uma operação abrangida pela Directiva 69/335,

    –       no quadro de um sistema que se caracteriza pelo facto de os notários serem funcionários públicos,

    –       e quando são, em parte, entregues ao Estado para financiamento das missões deste.

    Considerando que o Tribunal de Justiça já declarou que o sistema notarial do Land Baden‑Württemberg é deste tipo, os emolumentos controvertidos constituem, pela sua natureza, imposições na acepção do artigo 10.º da Directiva 69/335 e são proibidos na medida em que se referem a operações abrangidas pelo âmbito de aplicação daquela disposição.

    18.   A proibição do artigo 10.º, alínea c), da Directiva 69/335 aplica‑se a imposições relacionadas com o registo ou qualquer outra formalidade prévia ao exercício de uma actividade a que uma sociedade esteja sujeita devido à sua forma jurídica. Ao expor a ratio desta proibição, o Tribunal de Justiça indicou, no acórdão Denkavit Internationaal e o. (10), que a proibição se justifica porque embora essas imposições não incidam sobre as entradas de capital enquanto tais, são, todavia, cobradas por causa de formalidades ligadas à forma jurídica da sociedade, isto é, à forma jurídica do instrumento utilizado para a reunião dos capitais. A sua manutenção poderia pôr em causa os objectivos prosseguidos pela directiva (11).

    19.   Mais concretamente, o Tribunal de Justiça declarou que a proibição contida no artigo 10.º, alínea c), da Directiva 69/335 abrange não apenas os emolumentos pagos pelo registo de novas sociedades mas também os impostos devidos por sociedades pelo registo de aumentos de capital na medida em que, também estes, são cobrados por conta de uma formalidade essencial relacionada com a forma jurídica das sociedades em causa. Embora o registo do aumento de capital não constitua, formalmente, um procedimento prévio ao exercício da actividade de uma sociedade, não deixa de ser necessário à prossecução dessa actividade (12).

    20.   Os emolumentos controvertidos na causa principal foram cobrados pela autenticação notarial da transmissão de uma parte social de um sócio de uma sociedade de capitais. Esta formalidade é essencial para a realização dessa transmissão nos termos do § 15, n.º 3, do GGmbH. Regra geral, esta exigência aplica‑se independentemente da forma jurídica do transmitente e do transmissário. Como tal, os emolumentos cobrados relativamente a esta formalidade não estão, consequentemente, abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 10.º, alínea c), da Directiva 69/335. Contudo, esta conclusão não é aceitável à luz dos factos da presente causa, na medida em que existe uma relação jurídica e económica directa entre a transmissão de partes sociais e o aumento do capital da ARBmbH. Concordo com o ponto de vista da Comissão, segundo o qual, na presente situação, a transmissão de partes sociais deve ser considerada parte integrante da operação de aumento de capital. Na realidade, a transmissão destinou‑se a financiar o aumento do capital da sociedade de capitais beneficiária e o contrato foi anexado à acta relativa à decisão de aumento do capital. Nestas circunstâncias, todos os emolumentos cobrados pelas formalidades exigidas pela legislação nacional para a realização dos diversos elementos da operação de aumento do capital estão relacionados com a forma jurídica da sociedade em causa e devem ser considerados imposições proibidas pelo artigo 10.º, alínea c), da Directiva 69/335.

    21.   Qualquer opinião contrária equivaleria a permitir a cobrança de uma imposição suplementar sobre as operações de reunião de capitais. Esta cobrança seria contrária ao princípio do imposto único sobre as entradas de capital e enfraqueceria o efeito útil do artigo 10.º, alínea c), da Directiva 69/335 na protecção deste princípio.

    22.   Inversamente, quando não exista uma relação económica e jurídica entre a transmissão de partes sociais e a reunião ou o aumento do capital de uma sociedade de capitais, como sucede num processo paralelo actualmente pendente no Tribunal de Justiça (13), quaisquer emolumentos cobrados por um notário público num sistema como o descrito no n.º 17 supra para o cumprimento de formalidades relacionadas com a transmissão de partes sociais, não estarão abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 10.º, alínea c), da Directiva 69/335.

    23.   Por último, não quero deixar de referir, quanto à aplicabilidade do artigo 10.º, alínea c), da Directiva 69/335, que o facto de a sociedade cujas partes sociais são transferidas (a ARKU Maschinenbau) não ser o devedor dos emolumentos notariais relativos à autenticação da transferência, como foi alegado pelo Land, é irrelevante. Relevante é o facto de ter sido cobrado um emolumento que está formalmente relacionado com uma operação abrangida pelo âmbito de aplicação da directiva e que esse emolumento pode desencorajar a livre circulação de capitais.

    24.   De seguida, há que apreciar a questão de saber se, como foi alegado pelo Land, os emolumentos relativos à transmissão de partes sociais podem ser isentos da proibição contida no artigo 10.º, alínea c), da Directiva 69/335 por serem «impostos sobre a transmissão de valores mobiliários», na acepção do artigo 12.º, n.º 1, alínea a), da directiva. Nos termos desta disposição, esses impostos podem ser cobrados pelos Estados‑Membros, forfetariamente ou não, «em derrogação do disposto nos artigos 10.º e 11.º».

    25.   No acórdão Codan (14), o Tribunal de Justiça interpretou o artigo 12.º, n.º 1, alínea a), da Directiva 69/335 num contexto semelhante ao do processo principal. O acórdão Codan tem na sua origem a cobrança, na Dinamarca, de um imposto sobre a transmissão de acções numa situação em que a sociedade adquirente aumentou o seu capital social no valor correspondente ao das acções transmitidas. A questão submetida pelo órgão jurisdicional nacional ao Tribunal de Justiça centrava‑se na questão de saber se o artigo 12.º, n.º 1, alínea a), da directiva se aplica aos impostos sobre a transmissão de valores mobiliários, independentemente de a sociedade que emitiu essas acções estar cotada na Bolsa e independentemente de a transmissão das acções ter tido lugar na Bolsa ou directamente entre o transmitente e o adquirente. O órgão jurisdicional nacional não submeteu qualquer questão sobre a eventual aplicabilidade do artigo 10.º da Directiva 69/335, atendendo a que as partes na causa principal estavam de acordo quanto ao facto de a transacção estar abrangida pelo âmbito de aplicação da directiva. Consequentemente, o Tribunal de Justiça apresentou ao tribunal dinamarquês uma resposta precisa e não se pronunciou expressamente nem sobre o âmbito específico do artigo 12.º, n.º 1, alínea a), nem sobre a relação entre esta disposição e os artigos 10.º e 11.º da directiva.

    26.   A relação entre o artigo 12.º, por um lado, e os artigos 10.º e 11.º, por outro, é determinada pelas primeiras palavras do artigo 12.º, que refere expressamente estas duas disposições. Contudo, o modo pelo qual esta relação foi expressa parece ser divergente nas várias versões linguísticas do artigo 12.º Enquanto algumas versões linguísticas referem expressamente que o artigo 12.º constitui uma derrogação aos artigos 10.º e 11.º («Par dérogation», «In Abweichung», «in deroga», «In afwijking», «Em derrogação», «poiketen»), outras versões linguísticas utilizam uma terminologia que sugere que o artigo 12.º procura demarcar o seu âmbito de aplicação do dos artigos 10.º e 11.º («Notwithstanding», «No obstante», «Uanset», «Utan hinder»). Esta diferença é significativa. Se o artigo 12.º da directiva for entendido como uma derrogação aos artigos 10.º e 11.º, então os impostos enumerados nesta disposição podem ser cobrados apesar de serem abrangidos pelo âmbito de aplicação das proibições contidas nos artigos 10.º e 11.º Se, pelo contrário, o artigo 12.º se demarcar do âmbito de aplicação dos artigos 10.º e 11.º, então os impostos em causa só podem estar abrangidos pelo âmbito de aplicação ou dos artigos 10.º e 11.º ou do artigo 12.º

    27.   Os princípios para interpretar uma disposição comunitária em caso de divergência das versões linguísticas estão assentes. Enfatizando a necessidade de interpretações uniformes, o Tribunal de Justiça decidiu, segundo jurisprudência constante, que, em caso de divergência entre versões linguísticas, a disposição em causa deve ser interpretada em função da economia geral e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento (15).

    28.   No que respeita às finalidades da Directiva 69/335, o Tribunal de Justiça referindo‑se aos considerandos da directiva, relembrou, uma vez mais no acórdão Codan, que esta «visa promover a livre circulação de capitais, considerada essencial para a criação de uma união económica com características análogas às de um mercado interno. Para alcançar esse objectivo, é necessário, no que respeita aos impostos que incidem sobre as reuniões de capitais, eliminar os impostos indirectos, até então em vigor nos Estados-Membros, e aplicar, em sua substituição, um imposto cobrado uma única vez no mercado comum e de nível idêntico em todos os Estados‑Membros» (16). Como referi no n.º 16 destas conclusões, o artigo 10.º da directiva tem por objectivo garantir que o sistema de imposto único sobre as entradas de capital não é frustrado, de modo intencional ou involuntário, pela aplicação de outras imposições às reuniões ou aos aumentos de capital.

    29.   Tanto o objectivo da Directiva 69/335 como a função desempenhada pelo artigo 10.º no sistema da directiva são, portanto, decisivos na determinação da interpretação do artigo 12.º Esta disposição não deve, de modo algum, ser interpretada de forma a pôr em causa a eficácia ou o «effet utile» da directiva.

    30.   Seguindo este raciocínio, parece‑me que permitir, ao abrigo do artigo 12.º da directiva, a cobrança de um emolumento que foi considerado um imposto indirecto sobre as reuniões de capitais, na acepção do artigo 10.º da directiva, retiraria a esta disposição a sua finalidade. Por esta razão, entendo que o artigo 12.º não pode ser considerado uma derrogação à proibição contida no artigo 10.º Demarca, antes, o âmbito de aplicação dessa disposição ao indicar as categorias de impostos que, pela sua natureza, não obstarão em princípio às reuniões de capitais.

    31.   À luz da interpretação acima dada ao artigo 10.º, alínea c), da Directiva 69/335, o artigo 12.º, n.º 1, alínea a), da directiva não pode, consequentemente, isentar impostos relativos à autenticação de operações que estão económica e juridicamente relacionadas com reuniões de capitais ou com aumentos de capital de uma sociedade de capitais. Só é aplicável aos impostos sobre a transmissão de partes sociais quando essa relação não exista. Outra interpretação do artigo 12.º, n.º 1, alínea a), comporta o risco de se comprometer a eficácia do sistema do imposto único sobre as entradas de capital implementado pela Directiva 69/335.

    32.   Por último, tendo em atenção que este aspecto foi referido pela Comissão, acrescento que os emolumentos notariais controvertidos também não podem ser isentos ao abrigo do artigo 12.º, n.º 1, alínea e), da Directiva 69/335, que prevê uma excepção aos artigos 10.º e 11.º da directiva relativamente aos «direitos com carácter remuneratório». É jurisprudência assente que «a distinção entre as imposições proibidas pelo artigo 10.º da Directiva 69/335 e os direitos com carácter remuneratório cuja cobrança é autorizada implica que estes últimos incluam apenas retribuições cujo montante é calculado com base no custo do serviço prestado. Uma retribuição cujo montante não tenha qualquer relação com o custo desse serviço específico ou cujo montante seja calculado não em função do custo da operação de que é a contrapartida, mas em função da globalidade dos custos de funcionamento e de investimento do serviço encarregado dessa operação deve ser considerada uma imposição à qual se aplica unicamente a proibição instituída pelo artigo 10.º da Directiva 69/335» (17).

    V –    Conclusão

    33.   À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo à questão submetida pelo Landgericht Baden‑Baden:

    «O artigo 10.º, alínea c), da Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais, alterada pela Directiva 85/303/CEE do Conselho, de 10 de Junho de 1985, proíbe que sejam cobrados emolumentos relativos à autenticação notarial de transmissões de partes sociais numa sociedade de responsabilidade limitada em circunstâncias como as do processo principal, a saber, quando os notários sejam funcionários públicos e os emolumentos sejam parcialmente pagos à autoridade pública que os emprega, e utilizados para o financiamento das missões desta, e quando a transmissão de partes sociais esteja económica e juridicamente relacionada com o aumento do capital social de uma sociedade de capitais. Estes emolumentos não podem ser considerados ‘impostos sobre a transmissão de valores mobiliários’ na acepção do artigo 12.º, n.º 1, alínea a), da Directiva 69/335.»


    1 – Língua original: inglês.


    2 – Directiva do Conselho, de 17 de Julho de 1969, relativa aos impostos indirectos que incidem sobre as reuniões de capitais (JO L 249, p. 25; EE 09 F1 p. 22), alterada pela Directiva 85/303/CEE do Conselho, de 10 de Junho de 1985 (JO L 156, p. 23; EE 09 F1 p. 171, a seguir «Directiva 69/335»).


    3 – Lei de 26 de Julho de 1957 (BGBl. 1957 I, p. 960), alterada pela Lei de 22 de Fevereiro de 2002 (BGBl. 2002 I, p. 981).


    4 – Lei de 20 de Abril de 1892 (RGBl., p. 477), alterada pela Lei de 19 de Julho de 2002 (BGBl. 2002 I, p. 2681).


    5 – Acórdãos de 2 de Dezembro de 1997, Fantask e o. (C‑188/95, Colect., p. I‑6783, n.º 22); de 29 de Setembro de 1999, Modelo (C‑56/98, Colect., p. I‑6427, n.º 25); e de 21 de Setembro de 2000, Modelo Continente (C‑19/99, Colect., p. I‑7213, n.º 25).


    6 – V. último considerando do preâmbulo da directiva. V., igualmente, acórdão Modelo, C‑56/98, já referido na nota 5, n.º 27.


    7 – Acórdão C‑56/98, já referido na nota 5.


    8 – Despacho de 21 de Março de 2002, Gründerzentrum (C‑264/00, Colect., p. I‑3333).


    9 – V. n.º 27 do despacho. V., igualmente, acórdão Modelo, C‑56/98, já referido na nota 5, n.º 22.


    10 – Acórdão de 11 de Junho de 1996 (C‑2/94, Colect., p. I‑2827).


    11 – Idem, n.º 23, e acórdão Modelo, C‑56/98, já referido na nota 5, n.º 24.


    12 – Acórdão Fantask e o., já referido na nota 5, n.º 22.


    13 – Processo Organon Portuguesa, C‑193/04, no qual o Tribunal de Justiça proferirá o seu acórdão sem ouvir o advogado‑geral, nos termos do artigo 20.º, n.º 5, do Estatuto do Tribunal de Justiça.


    14 – Acórdão de 17 de Dezembro de 1998 (C‑236/97, Colect., p. I‑8679).


    15 – Acórdão Codan, já referido na nota 14, n.º 26, e jurisprudência aí referida. V., igualmente, acórdão de 9 de Janeiro de 2003, Nani Givane e o. (C‑257/00, Colect., p. I‑345, n.º 37).


    16 – N.º 27 do acórdão.


    17 – V., entre outros, acórdãos de 20 de Abril de 1993, Ponente Carni e Cispadana Costruzioni (C‑71/91 e C‑178/91, Colect., p. I‑1915, n.os 41 e 42); Modelo, C‑56/98, já referido na nota 5, n.° 29; de 21 de Junho de 2001, SONAE (C‑206/99, Colect., p. I‑4679, n.° 32), e despacho Grunderzentrum, já referido na nota 8, n.º 31.

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