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Document 62002TJ0093

Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção Alargada) de 18 de Janeiro de 2005.
Confédération nationale du Crédit mutuel contra Comissão das Comunidades Europeias.
Auxílios de Estado - Medidas tomadas pela República Francesa a favor do Crédit mutuel - Livret bleu - Decisão 2003/216/CE - Dever de fundamentação - Recurso de anulação.
Processo T-93/02.

Colectânea de Jurisprudência 2005 II-00143

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2005:11

Arrêt du Tribunal

Processo T‑93/02

Confédération nationale du Crédit mutuel

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Auxílios de Estado – Medidas tomadas pela República Francesa a favor do Crédit mutuel – Livret bleu – Decisão 2003/216/CE – Dever de fundamentação – Recurso de anulação»

Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção alargada) de 18 de Janeiro de 2005 

Sumário do acórdão

1.     Actos das instituições – Fundamentação – Dever – Alcance – Decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estado – Controlo jurisdicional

(Artigo 87.° CE e 253.° CE)

2.     Direito comunitário – Interpretação – Actos das instituições – Fundamentação – Tomada em consideração

3.     Auxílios concedidos pelos Estados – Conceito – Renúncia por um Estado‑Membro a receitas fiscais – Renúncia que conduz a uma transferência indirecta de recursos de Estado em favor de uma empresa distinta do contribuinte isento – Inclusão

(Artigo 87.°, n.° 1, CE)

4.     Comissão – Princípio da colegialidade – Alcance – Fundamentação das decisões – Modificação depois da adopção – Ilegalidade – Consequência – Impossibilidade de sanar uma fundamentação insuficiente através de explicações fornecidas perante o Tribunal

(Artigo 253.° CE)

1.     O dever de fundamentação constitui uma formalidade essencial que deve ser distinguida da questão da procedência da fundamentação, uma vez que esta última diz respeito à legalidade quanto ao fundo do acto em litígio. A fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do acto, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional competente exercer o seu controlo. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas a quem o acto diga directa e individualmente respeito podem ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto preenche os requisitos do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa.

No que diz respeito à questão de saber se uma decisão está suficientemente fundamentada relativamente à identificação do auxílio cuja incompatibilidade com o Tratado ela declara, há, portanto, que verificar se esta decisão permite aos interessados conhecer a medida ou as medidas de Estado que a Comissão entendeu constituírem um auxílio e ao Tribunal exercer o seu controlo sobre a apreciação destas medidas. Em contrapartida, não importa saber, no âmbito do exame da fundamentação, se a qualificação de auxílio dada a estas medidas é justificada.

(cf. n.os 67‑69)

2.     A parte decisória de um acto é indissociável da sua fundamentação e deve ser interpretada, se necessário, tendo em conta os motivos que levaram à sua adopção.

(cf. n.° 74).

3.     Não é necessário, para poder concluir pela existência de uma intervenção mediante recursos de Estado a favor de uma empresa, que esta seja o seu beneficiário directo. O facto de um Estado‑Membro renunciar a receitas fiscais pode, com efeito, implicar uma transferência indirecta de recursos do Estado, susceptível de ser qualificada de auxílio a favor de operadores económicos diversos daqueles aos quais a vantagem fiscal é conferida directamente.

(cf. n.° 95)

4.     A parte decisória e os fundamentos de uma decisão, que deve obrigatoriamente ser fundamentada por força do artigo 253.° CE, constituem um todo indivisível, pelo que quando a sua adopção está abrangida pela competência do colégio dos membros da Comissão, compete unicamente a este último, por força do princípio da colegialidade, adoptar simultaneamente um e os outros, uma vez que qualquer modificação da fundamentação que exceda uma adaptação puramente gramatical ou ortográfica é do seu domínio exclusivo. Donde decorre que a argumentação apresentada pelos agentes da Comissão perante o Tribunal não pode sanar a insuficiência de fundamentação da decisão impugnada.

(cf. n.os 124, 126)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção alargada)
18 de Janeiro de 2005(1)

«Auxílios de Estado – Medidas tomadas pela República Francesa a favor do Crédit mutuel – Livret bleu – Decisão 2003/216/CE – Dever de fundamentação – Recurso de anulação»

No processo T‑93/02,

Confédération nationale du Crédit mutuel, com sede em Paris (França), representada por A. Carnelutti, advogado,

recorrente,

apoiada porRepública Francesa, representada por G. de Bergues e F. Million, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por G. Rozet, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 2003/216/CE da Comissão, de 15 de Janeiro de 2002, relativa ao auxílio estatal executado pela República Francesa a favor do Crédit mutuel (JO 2003, L 88, p. 39), na forma de uma compensação excessiva paga a título dos custos de recolha e gestão da poupança regulamentada nos termos do mecanismo do «Livret bleu»,



O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção alargada),



composto por: J. Pirrung, presidente, V. Tiili, A. W. H. Meij, M. Vilaras e N. J. Forwood, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

profere o presente



Acórdão




Antecedentes do litígio

1
Com o presente recurso, a Confédération nationale du Crédit mutuel pede que o Tribunal de Primeira Instância anule a Decisão 2003/216/CE da Comissão, de 15 de Janeiro de 2002, relativa ao auxílio estatal executado pela República Francesa a favor do Crédit mutuel (JO 2003, L 88, p. 39, a seguir «decisão impugnada»).

Crédit mutuel

2
O Crédit mutuel é um grupo bancário descentralizado, constituído por uma rede de caixas locais do Crédit mutuel com estatuto de sociedades cooperativas. Cada caixa local do Crédit mutuel deve aderir a uma federação regional e cada federação à Confédération nationale du Crédit mutuel, órgão central da rede na acepção do artigo L511‑30 do code monétaire et financier francês. Este organismo, recorrente nos presentes autos, tem o estatuto de associação sem fim lucrativo.

3
O número das caixas locais do Crédit mutuel, cada uma das quais pode ter uma ou várias agências, passou de 2 031 em 1991 para 1 820 em 2001. No momento da adopção da decisão impugnada, estas caixas eram detidas por cerca de 5,7 milhões de sócios. Entre 1999 e 2001, o Crédit mutuel foi o quinto banco francês em termos de depósitos e o terceiro em termos de rede de agências.

Livret bleu

4
O Livret bleu, criado pela Lei n.° 75‑1242, de 27 de Dezembro de 1975, que aprova a lei de finanças rectificativa para 1975 (JORF de 28 de Dezembro de 1975, p. 13435), é um produto de poupança regulamentada, destinado ao grande público, tendo as autoridades públicas concedido ao Crédit mutuel o direito da sua distribuição exclusiva.

5
A taxa de remuneração, pelo Crédit mutuel, dos depósitos do Livret bleu é regulamentada pelo Estado. A taxa de juro líquida de impostos, paga aos aforradores, é idêntica à do Livret A (distribuído pelas Caisses d’épargne e pela La Poste), que é o principal produto concorrente de poupança regulamentada. Esta taxa era de 3% ao ano no momento da adopção da decisão impugnada. O montante dos depósitos por livret (caderneta) não pode exceder um limite máximo, idêntico ao fixado para o Livret A, que, a partir de 1991, era de 100 000 francos franceses (FRF) (15 245 EUR) para os particulares e é de 15 300 EUR desde 1 de Janeiro de 2002.

6
A remuneração dos depósitos no Livret bleu era objecto de um tratamento fiscal derrogatório do regime geral aplicável à fiscalidade da poupança. Ao passo que a legislação fiscal geral permite às pessoas singulares optarem, no que respeita designadamente aos juros dos depósitos cujo devedor esteja estabelecido na França, por uma taxa liberatória que substitui o imposto sobre o rendimento, este direito de opção não existe para a remuneração do Livret bleu que está sujeita, em todos os casos, à taxa liberatória. Contudo, esta tem por base unicamente um terço desta remuneração.

7
Os fundos recolhidos no Livret bleu, cujo montante flutuou durante a década de 90 entre 80 e 100 mil milhões de FRF, foram, desde o início, objecto de diversas afectações possíveis. Num primeiro momento, o Crédit mutuel tinha o dever de afectar 50% dos fundos (parte aumentada para 65% em 1983) a aplicações de interesse geral (a seguir «AIG»), consagradas designadamente ao financiamento das autarquias locais e à subscrição de títulos emitidos pelo Estado e respectivas instituições públicas, ficando o saldo à livre disposição do banco.

8
A partir da data de entrada em vigor de um Decreto de 27 de Setembro de 1991 (JORF de 26 de Novembro de 1991, p. 15383), uma parte crescente destes fundos foi afectada ao financiamento da habitação social, designadamente pela centralização dos fundos na Caisse des dépôts et consignations (a seguir «CDC»), que consagra os fundos que lhe são afectados ao financiamento da habitação social, concedendo empréstimos aos organismos gestionários das habitações de renda limitada, tal como acontece com a utilização dos fundos do Livret A das Caisses d’épargne e da La Poste. Após a entrada em vigor do Decreto de 27 de Setembro de 1991, a totalidade dos novos fundos recolhidos no Livret bleu foi afectada ao financiamento da habitação social e a poupança mobilizada até 31 de Dezembro de 1990 devia ser progressivamente centralizada na CDC em fracções anuais de 10% até 2000. Actualmente, a totalidade dos novos fundos está centralizada na CDC.

9
Após 1991, a CDC entrega ao Crédit mutuel, unicamente no que respeita aos fundos centralizados, uma remuneração correspondente à taxa de juro líquida fixada pelos poderes públicos, paga aos aforradores, e a uma comissão de intermediação de 1,3% dos fundos (a seguir «comissão de recolha»).

10
Durante o período examinado pela decisão impugnada, podiam, portanto, distinguir‑se três aplicações dos fundos do Livret bleu:

os fundos centralizados na CDC a partir de 1991 (destinados ao financiamento da habitação social e que são objecto do pagamento da comissão de recolha);

as outras AIG que não os fundos mencionados (constituídas sobretudo por empréstimos a longo prazo às colectividades públicas, a seguir «outras AIG»);

as aplicações livres.

As duas últimas categorias de aplicações estavam, contudo, destinadas a desaparecer progressivamente durante esse período.

11
O Livret bleu desempenhou um papel importante para o Crédit mutuel. A sua importância relativa, em termos quantitativos, atenuou‑se todavia nos anos que precederam 2002. A percentagem relativa ao Livret bleu nos depósitos do Crédit mutuel, que era de 70% em 1975 e ainda de cerca de 60% em 1985, baixou para um nível inferior a 25% a partir de 1997.

O processo administrativo

12
Em 25 de Janeiro de 1991, foi apresentada à Comissão uma denúncia referente aos auxílios concedidos pela República Francesa ao Crédit mutuel a título do Livret bleu. Por ofício de 6 de Fevereiro de 1998, a Comissão informou as autoridades francesas da sua decisão de dar início ao processo de exame previsto pelo artigo 88.°, n.° 2, CE (JO C 146, p. 6).

13
O Crédit mutuel enviou em 18 de Junho de 1998 à Comissão uma missiva que apresentava argumentos destinados a refutar a qualificação de auxílios de Estado no que respeita às medidas a que se referia a abertura do processo, bem como um processo de contabilidade analítica relativo ao Livret bleu. Numerosas partes interessadas, entre as quais os denunciantes, também apresentaram as suas observações à Comissão.

14
Tendo em conta o processo apresentado pelo Crédit mutuel, a Comissão decidiu efectuar uma auditoria à contabilidade analítica do Livret bleu. Para tal, recrutou um consultor cujo relatório final foi apresentado para análise às autoridades francesas e ao Crédit mutuel em 10 de Janeiro de 2000. Em Maio de 2000, a recorrente mandatou um outro consultor para uma missão que compreendia a revisão da metodologia da contabilidade analítica do Crédit mutuel e a elaboração da conta de exploração do Livret bleu. Esta missão foi concluída em Setembro de 2000 com a entrega de um relatório pormenorizado. A Comissão procedeu em Abril de 2001 a uma extensão do contrato deste segundo consultor, por forma a que este identificasse os desvios entre os dois estudos contabilísticos e determinasse as alterações de dados ou de metodologia que poderiam, se fosse caso disso, ser legitimamente utilizados e integrados na sua avaliação anterior. O relatório final do consultor foi entregue às autoridades francesas em 23 de Julho de 2001. O Crédit mutuel e o seu consultor manifestaram o seu desacordo relativamente às conclusões finais do consultor da Comissão.

A decisão impugnada

15
Em 15 de Janeiro de 2002, a Comissão adoptou a decisão impugnada.

16
Após ter resumido os factos e as observações recebidas durante o processo administrativo, a Comissão consagrou o ponto V da decisão impugnada à apreciação das medidas de compensação concedidas ao Crédit mutuel. Este ponto comporta cinco subdivisões.

17
O ponto V.1 da decisão impugnada está consagrado à «[d]istorção da concorrência e [ao] efeito sobre o comércio entre os Estados‑Membros» e conduziu, no considerando 92, à seguinte conclusão:

«Os auxílios potenciais concedidos ao Crédit [m]utuel, tendo em conta o seu carácter de auxílios ao funcionamento, a situação económica do sector bancário na Europa e as limitações de solvabilidade específicas do sector bancário, provocam um efeito sobre o comércio desde a entrada em vigor do Livret bleu e produziram um efeito crescente de distorção da concorrência no sector financeiro. Desta forma, será necessário considerar que, aquando da sua introdução em 1975, o auxílio potencial era um auxílio novo.»

18
Após ter examinado, no ponto V.2 da decisão impugnada, a «qualificação de recursos estatais», a Comissão expôs, no considerando 100, o que por si só constitui o ponto V.3, intitulado «Vantagens concorrenciais»:

«Se a compensação recebida pelo Crédit [m]utuel, relativa à sua missão de serviço público, sob a forma de comissão de recolha de depósitos paga pela CDC, exceder os custos líquidos deste serviço público (tomando em consideração o conjunto dos lucros e custos relacionados com o cumprimento desta missão), o Crédit [m]utuel beneficia de uma vantagem concorrencial relativamente aos outros bancos, na medida em que obtém recursos suplementares que não lhes são concedidos.»

19
No início do considerando 101 da decisão impugnada, que consta do ponto V.4, consagrado à «[a]valiação do montante do auxílio estatal», a Comissão define a sua abordagem no que toca à determinação do montante do auxílio nos termos seguintes:

«Na medida em que as autoridades francesas invocaram a existência de um serviço de interesse económico geral ligado ao mecanismo do Livret bleu, a Comissão deverá tentar obter um balanço dos produtos e dos encargos relacionados com a realização do referido serviço, para determinar qual o nível em que a compensação paga pelo Estado se afigura justificada.»

20
Na sequência das várias peritagens contabilísticas, a Comissão chegou às seguintes conclusões no que respeita aos resultados da conta de exploração do Livret bleu:

a gestão dos fundos centralizados na CDC apresentou prejuízos durante toda a década de 90, mas voltou a apresentar lucros em 1998;

a gestão das outras AIG proporcionou lucros avaliados, durante a década de 90, num montante anual compreendido entre 59 milhões de FRF e 957 milhões de FRF;

a gestão das aplicações livres conduziu a perdas.

21
Estes resultados estão resumidos, no considerando 179 da decisão impugnada, no seguinte quadro (em milhões de FRF):

Ano

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

Cumulado

Fundos centralizados

[...] 1 – Dados confidenciais ocultados.

[...]

[...]

[...]

[...]

[...]

[...]

[...]

-399

[Outras] AIG

[...]

[...]

[...]

[...]

[...]

[...]

[...]

[...]

2 592

Aplicações livres

[...]

[...]

[...]

[...]

[...]

[...]

[...]

[...]

-1 119

Margem total líquida de imposto

1 096

505

301

-471

-135

-87

-156

20

1 074

22
No que toca à realização de um balanço global dos produtos e dos custos relacionados com o cumprimento do serviço de interesse económico geral ligado ao mecanismo do Livret bleu, a Comissão expôs:

«[109] As receitas das [outras] AIG deverão, de qualquer forma, ser tomadas em consideração, porque fazem parte integrante das obrigações impostas pelo Estado no âmbito do sistema Livret bleu. De notar, além disso, que a exclusão de determinadas aplicações lucrativas levaria a uma situação absurda: o Estado deveria compensar as perdas em determinadas aplicações e, simultaneamente, seriam realizados lucros suficientes noutras aplicações no âmbito do sistema do Livret bleu que não seriam tomados em consideração.

[110] A situação é menos evidente no que se refere às aplicações livres que registaram perdas de cerca de mil milhões de [FRF] no período analisado. Oneram desta forma o orçamento do Estado que, caso tais aplicações não existissem, teria registado uma situação de equilíbrio que implicaria uma redução correspondente da comissão de recolha de fundos. A Comissão considerou, contudo, que os custos líquidos das aplicações livres deverão ser incluídos.»

23
A título de apreciação final, a Comissão indicou no considerando 180 da decisão impugnada:

«Na medida em que a soma das vantagens económicas contabilísticas decorrentes da exploração do Livret bleu (comissão de recolha de fundos, lucros da gestão das [outras] AIG, lucros da gestão dos fundos por conta própria, ou seja, aplicações livres) excede os custos incorridos pelo Crédit [m]utuel para a gestão da recolha de fundos e da poupança mobilizada, existe uma transferência de recursos públicos que constitui um auxílio estatal.»

24
A Comissão avaliou, portanto, o montante do auxílio acumulado durante o período de 1991‑1998 como a soma dos resultados que figuram no quadro reproduzido no n.° 21, supra, ou seja, 1 074 milhões de FRF.

25
Após ter examinado, no ponto V.5, a compatibilidade dos auxílios concedidos ao Crédit mutuel com o Tratado, a Comissão, concluiu, no ponto VI da decisão impugnada:

«[202] A atribuição ao Crédit [m]utuel do direito de distribuição do Livret bleu contém elementos de auxílios estatais, na acepção do n.° 1 do artigo 87.° [CE]. Estes auxílios não podem beneficiar de nenhuma das derrogações previstas nos n.os 2 e 3 do artigo 87.° [CE].

[203] A derrogação prevista no n.° 2 do artigo 86.° [CE] apenas pode ser parcialmente aplicada, uma vez que, tal como demonstrado pela auditoria realizada por conta da Comissão, as compensações concedidas durante este período não se limitaram estritamente aos custos adicionais associados à missão de interesse económico geral, que podem ser tomados em consideração. Uma vez que se tratava da única derrogação possível que permitia isentar as medidas em questão das obrigações previstas pelas regras de concorrência e, nomeadamente, da proibição prevista no n.° 1 do artigo 87.° [CE], a parte dos recursos estatais concedidos ao Crédit [m]utuel que ultrapassa a cobertura dos custos líquidos de gestão e recolha de depósitos do Livret bleu, tomando em consideração uma margem normal de rendibilidade, constitui uma compensação excessiva dos custos da missão de serviço público tratando-se, por conseguinte, de um auxílio estatal incompatível com o mercado comum.»

26
O artigo 1.° da decisão impugnada dispõe:

«1. As medidas adoptadas pela França a favor do Crédit [m]utuel no âmbito da recolha e gestão da poupança regulamentada no âmbito do mecanismo do ‘Livret bleu’ contêm auxílios estatais incompatíveis com o mercado comum.

2. Estes auxílios não podem beneficiar de nenhuma derrogação no âmbito dos n.os 2 e 3 do artigo 87.° [CE]. Podem, em parte, beneficiar da derrogação prevista no n.° 2 do artigo 86.° [CE], na medida em que são indispensáveis, tendo em vista o cumprimento da missão de interesse económico geral atribuída pelo Estado ao Crédit [m]utuel. Os auxílios que excedem os custos de recolha de depósitos e de gestão do Livret bleu não podem ser considerados compatíveis com o interesse comum.»

27
Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da decisão impugnada, «[a] França procederá à recuperação junto do Crédit mutuel dos auxílios incompatíveis com o mercado comum que lhe foram concedidos após 1 de Janeiro de 1991». Este número também contém as indicações destinadas a determinar o montante dos auxílios que a França está obrigada a recuperar.

28
Os n.os 2 a 5 do artigo 2.° dispõem:

«2. A França alterará a taxa de remuneração da poupança mobilizada através do Livret bleu paga pela [CDC] ao Crédit [m]utuel, tendo em vista suprimir, no futuro, qualquer auxílio que ultrapasse os custos de gestão e de recolha de depósitos que podem ser tomados em consideração.

3. As autoridades francesas notificarão o Crédit [m]utuel no sentido de elaborar uma contabilidade separada do Livret bleu e de a publicar.

4. As autoridades francesas enviarão à Comissão o relatório anual do banco e um relatório trianual da contabilidade do Livret bleu.

5. A Comissão procederá a todas as verificações que considerar necessárias tendo em vista controlar que os auxílios concedidos ao Crédit [m]utuel são estritamente proporcionais à missão de interesse económico geral que lhe foi confiada. Mandatará, se o considerar necessário, consultores para realizar auditorias da contabilidade analítica do Livret bleu.»


Tramitação processual e pedidos das partes

29
Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 28 de Março de 2002, a recorrente interpôs o presente recurso.

30
Por despacho de 11 de Setembro de 2002, foi admitida a intervenção da República Francesa em apoio dos pedidos da recorrente.

31
Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Segunda Secção alargada) decidiu dar início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, convidou as partes a juntarem certos documentos e colocou‑lhes por escrito certas questões. As partes apresentaram as suas respostas e juntaram os documentos no prazo que lhes foi fixado.

32
Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal, na audiência pública de 8 de Junho de 2004. Foram convidadas a responder, por escrito, a duas questões suplementares, tendo‑o feito dentro do prazo fixado. A fase oral foi encerrada em 14 de Julho de 2004.

33
A recorrente concluiu pedindo que o Tribunal se digne:

anular a decisão impugnada;

a título subsidiário, anular o seu artigo 2.°, na parte em que ordena a recuperação do auxílio identificado;

condenar a Comissão nas despesas.

34
A República Francesa, interveniente, concluiu pedindo que o Tribunal se digne:

anular a decisão impugnada;

condenar a Comissão nas despesas.

35
A Comissão concluiu pedindo que o Tribunal se digne:

negar provimento ao recurso;

condenar a recorrente nas despesas.


Questão de direito

Observações preliminares

36
Em apoio do seu pedido de anulação, a recorrente invoca sete fundamentos. Com o primeiro fundamento, assente na violação do artigo 87.°, n.° 1, CE, invoca que as medidas objecto da decisão impugnada não podem ser qualificadas de auxílios. Os segundo a quarto fundamentos, invocados a título subsidiário, destinam‑se a demonstrar que, mesmo supondo a existência de um auxílio, este poderia unicamente ser qualificado de existente. Com o quinto fundamento, invocado igualmente a título subsidiário, a recorrente sustenta que a Comissão infringiu as disposições do artigo 14.° do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de Março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo 93.° do Tratado CE (JO L 83, p. 1), pois que ordenou a restituição do pretenso auxílio. Com o seu sexto fundamento, a recorrente critica a Comissão por violação dos seus direitos processuais e do princípio da boa administração. O sétimo fundamento assenta na violação do artigo 253.° CE.

37
Decorre do conjunto dos fundamentos invocados pelas partes que a questão principal colocada no presente litígio é a da identificação, pela decisão impugnada, do auxílio, isto é, da medida estatal que terá conferido uma vantagem ao Crédit mutuel. Portanto, há que verificar se a decisão impugnada indica, com suficiente clareza, as medidas e as vantagens qualificadas, no caso em apreço, de auxílio incompatível com o Tratado.

Quanto à fundamentação da decisão impugnada no que respeita à identificação do auxílio

Argumentos das partes

38
As críticas da recorrente que respeitam à identificação do auxílio figuram, em primeiro lugar, nas terceira a quinta partes do seu sétimo fundamento, assente na violação do dever de fundamentação. Em segundo lugar, a recorrente avança, designadamente no âmbito dos seus primeiro e quarto fundamentos, argumentos destinados a demonstrar que a fundamentação da decisão impugnada é insuficiente e contraditória no que toca a vários aspectos da definição do auxílio. De igual modo, a Comissão avança argumentos respeitantes à identificação do auxílio no âmbito dos seus argumentos respeitantes aos primeiro, quarto e sétimo fundamentos.

39
Os argumentos das partes respeitam, essencialmente, a três aspectos da definição do auxílio controvertido, a saber:

a identificação da medida susceptível de ter conferido uma vantagem ao Crédit mutuel;

a identificação dos recursos do Estado por meio dos quais a vantagem em causa terá sido conferida;

a qualificação, no que respeita ao regime do Livret bleu, de auxílio novo desde 1975.

– Quanto à identificação da medida que conferiu uma vantagem

40
No âmbito da primeira parte do seu primeiro fundamento, a recorrente alega que a decisão impugnada é ambígua e contraditória no que toca à identificação das medidas que, segundo a Comissão, terão conferido uma vantagem ao Crédit mutuel.

41
A recorrente argumenta em primeiro lugar que, na decisão impugnada, a Comissão não identificou qualquer vantagem susceptível de ser qualificada, enquanto tal, como auxílio de Estado e de ser seguidamente facilmente quantificada.

42
Salienta que o único elemento identificado pela Comissão como susceptível de «conduzir a um auxílio» (mas sem constituir, em si mesmo, um auxílio) é a comissão de recolha. Contudo, a recorrente é de opinião de que a Comissão considerou implicitamente que a vantagem provinha de igual modo dos demais produtos do Livret bleu, pois que adoptou um «método global», segundo o qual todos os rendimentos obtidos pelo Crédit mutuel do Livret bleu e todos os custos ligados à distribuição deste produto foram tomados em consideração para apreciar se a remuneração que o Crédit mutuel obtém pela sua missão de distribuição do Livret bleu é adequada. Entende que a decisão impugnada sofre de falta de clareza a esse respeito.

43
A recorrente critica o raciocínio da Comissão, em primeiro lugar, no que toca à apreciação do desagravamento fiscal parcial e da exclusividade de distribuição do Livret bleu, em segundo lugar, no que toca à tomada em consideração das aplicações do Livret bleu e, em terceiro lugar, no que respeita à avaliação da comissão de recolha.

44
No que toca, em primeiro lugar, ao desagravamento fiscal e à exclusividade, a recorrente refere que a Comissão, tendo simultaneamente abandonado qualquer pretensão referente a um eventual «efeito chamariz» do Livret bleu, persiste, através de alusões, em pretender que, devido ao seu desagravamento fiscal e ao facto de que é distribuído unicamente por um único estabelecimento de crédito, o Livret bleu conferirá vantagens específicas ao Crédit mutuel. Na sua réplica, a recorrente refere que não se fez todavia qualquer demonstração da razão pela qual a exclusividade conferida terá constituído uma vantagem na decisão impugnada. Em seu entender, estamos aqui perante uma falta manifesta de fundamentação a apreciar, se necessário, oficiosamente.

45
Em segundo lugar, no que respeita às aplicações do Livret bleu, a recorrente alega que a decisão impugnada está ferida de falta manifesta de fundamentação no que toca à questão de saber se os produtos das outras AIG podem ser qualificados de vantagem. Em seu entender, o simples facto de estas operações terem constituído uma das aplicações das quantias depositadas no âmbito do sistema do Livret bleu não permite em caso algum deduzir que o Crédit mutuel terá obtido condições mais favoráveis do que as decorrentes das operações normais de mercado.

46
Em terceiro lugar, a recorrente entende que também não é possível qualificar a comissão de recolha de vantagem económica conferida em condições externas ao mercado. Entende que a Comissão não tem em conta a natureza desta comissão. A recorrente alega ainda que não surge claramente, na leitura da decisão impugnada, se o auxílio identificado pela Comissão é constituído pela comissão de recolha no seu conjunto ou apenas por uma fracção desta e, nesse caso, qual a fracção que pode ser assim qualificada.

47
Na sua réplica, a recorrente sustenta que a aplicação do «método global» na decisão impugnada contém uma contradição manifesta e conduz a um resultado incoerente. Expõe que, em várias partes da decisão impugnada, é unicamente a comissão de recolha que é identificada como um auxílio potencial, ao passo que as outras aplicações (outras AIG e aplicações livres) só são tomadas em conta para calcular o custo líquido do sistema. Não exclui que a comissão de recolha possa ser qualificada de auxílio se se vier a demonstrar que é superior aos custos de gestão do Livret bleu e se todas as outras condições de aplicação do artigo 87.° CE estiverem preenchidas, pois que a actividade remunerada seria então lucrativa e não haveria lugar à sua remuneração. Segundo a recorrente, a Comissão entendeu contudo que o montante do auxílio corresponde, não à comissão de recolha, mas ao saldo (positivo) da actividade do Crédit mutuel relacionado com o Livret bleu. Assim, a Comissão terá incluído no montante do auxílio o conjunto dos lucros realizados pelo Crédit mutuel e, designadamente, os provenientes das outras AIG. A recorrente afirma que esta contradição não permite entender em que consiste o auxílio identificado pela Comissão e justifica, por si só, a anulação da decisão impugnada.

48
Por último, a recorrente qualifica de aberrantes os resultados que produz a abordagem da Comissão do ponto de vista dos montantes que devem ser restituídos ao Estado pelo Crédit mutuel. Salienta que, quando se examina o balanço de exploração do Livret bleu, entre 1991 e 1998, resulta da decisão impugnada que apenas os três primeiros anos produziram um excedente de exploração que ascendeu a 1 096 milhões de FRF em 1991, a 505 milhões de FRF em 1992 e a 301 milhões de FRF em 1993. Em seu entender, estes excedentes são integralmente devidos a produtos diversos da comissão de recolha que, durante os mesmos anos, produziu receitas de, respectivamente, 8, 62 e 113 milhões de FRF. Em contrapartida, no decurso dos anos de 1994 a 1997, ter‑se‑á registado um défice de exploração, ao passo que a parte da comissão de recolha nos produtos do Livret bleu não terá cessado de aumentar. A recorrente salienta que a comissão de recolha não pôde contribuir para os excedentes dos três primeiros anos e que também não impediu um défice no decurso dos quatro anos seguintes. Segundo a recorrente, se os resultados positivos dos três primeiros anos podiam, nestas condições, opor‑se ao pagamento de uma comissão de recolha durante estes mesmos anos, não se justifica, em contrapartida, que se chegue, através de uma globalização aplicada a um longo período, a restituições que excedem significativamente os montantes provenientes da comissão de recolha e de gestão dos anos em que se obteve um lucro líquido.

49
A Comissão entende que a redacção da decisão impugnada não é ambígua. Em apoio desta tese, remete para o considerando 203 da decisão impugnada (v. n.° 25, supra) e para o artigo 1.°, n.° 1, do seu dispositivo (v. n.° 26, supra).

50
Em resposta às questões do Tribunal, a Comissão afirma que a atribuição da comissão de recolha é a única medida que, nos termos da decisão impugnada, conferiu ao Crédit mutuel um auxílio de Estado. Em seu entender, isto resulta claramente dos considerandos 14, 28, 30, 66, 98, 167 e 168 e, designadamente, do artigo 2.°, n.° 2, do dispositivo da decisão impugnada.

51
Em contrapartida, a Comissão afirma que a decisão impugnada não qualificou de vantagens nem a isenção fiscal nem o direito exclusivo de distribuição do Livret bleu. Em seu entender, resulta claramente da decisão impugnada que a redução do imposto, que implica uma mobilização dos recursos do Estado, beneficia directamente os consumidores individuais e não o banco.

52
No que toca às aplicações do Livret bleu, a Comissão afirma que é errado sustentar que a decisão impugnada terá considerado que os produtos («benefícios») normais da gestão do Livret bleu constituíam um auxílio de Estado incompatível com o mercado comum. Entende que esta crítica decorre de uma confusão entre, por um lado, o conceito de vantagem concorrencial decorrente de uma compensação excessiva pelos recursos do Estado dos custos líquidos da missão de interesse económico geral e, por outro, do conceito das vantagens económicas tomadas em conta (como são igualmente tomados em conta os encargos e os custos incorridos) para determinar os custos líquidos do cumprimento desta missão. A Comissão entende que o considerando 100 da decisão impugnada (reproduzido no n.° 18, supra) expõe sem ambiguidade a questão da vantagem concorrencial. Na audiência, a Comissão explicou, em resposta a uma questão do Tribunal, que algumas passagens da decisão impugnada que mencionam a noção de vantagens no contexto do custo dos recursos do Livret bleu figuram na secção consagrada ao estabelecimento do balanço de actividade e referem‑se, portanto e exclusivamente, ao segundo conceito anteriormente referido.

53
No que toca aos argumentos avançados na réplica, a Comissão alega que a recorrente avança uma pretensão profundamente diferente da pretensão inicial constante da petição. Entende que a recorrente não tem em conta a definição do auxílio como resulta do artigo 1.° da decisão impugnada e também não tem em conta que os trabalhos de contabilidade analítica permitiram estabelecer um balanço não apenas dos encargos ligados ao cumprimento da missão de serviço de interesse económico geral confiada ao Crédit mutuel mas também do conjunto das receitas (produtos de exploração comercial e recursos do Estado) obtidas por ocasião do cumprimento desta missão. A Comissão recorda que o saldo deste balanço representa «a parte dos recursos estatais concedidos ao Crédit mutuel que ultrapassa a cobertura dos custos líquidos de gestão e de recolha de depósito do Livret bleu, tomando em consideração uma margem normal de rendibilidade».

54
Por último, a Comissão sustenta que o montante de 1 074 milhões de FRF referido no considerando 178 e no artigo 2.°, n.° 1, da decisão impugnada constitui efectivamente, para o período de 1991 a 1998, o montante dos recursos públicos recebidos no decurso deste período que excedeu os custos de recolha e de gestão do Livret bleu.

– Quanto à identificação dos recursos do Estado

55
A recorrente entende que a Comissão não fundamentou de forma bastante a qualificação de recursos do Estado no que toca a certos elementos presentes no regime do Livret bleu.

56
Em primeiro lugar, no que toca à isenção fiscal parcial, não foi avançada qualquer fundamentação quanto ao facto de o regime do Livret bleu conduzir à tributação de pessoas que de outro modo não seriam sujeitos passivos. A recorrente recorda que a decisão impugnada concluiu que são unicamente os consumidores que beneficiam desta isenção.

57
Em segundo lugar, a fundamentação da decisão impugnada não revela se os produtos das outras AIG são qualificados de recursos do Estado. A decisão impugnada limita‑se a considerar que fazem parte do Livret bleu, sem avançar mais precisões. A recorrente entende que, se esta observação significa que se trata de recursos do Estado, é ambígua e, por esse facto, inadequada. Na réplica, alega que é paradoxal que a Comissão negue que os produtos das outras AIG tenham podido ser qualificados de recursos do Estado ao passo que, na decisão impugnada, estes produtos foram integrados no montante das quantias que devem ser restituídas pelo Crédit mutuel ao Estado. Em seu entender, não se pode conceber que quantias que foram objecto de um pedido de restituição não tenham sido qualificadas de auxílio de Estado e sem terem, portanto, sido equiparadas a recursos do Estado.

58
Em terceiro lugar, a recorrente e a interveniente entendem que a Comissão não fundamentou de forma bastante a sua conclusão de que a comissão de recolha constitui um recurso do Estado.

59
A Comissão salienta que as disposições do artigo 253.° CE impõem‑lhe unicamente a fundamentação das posições assumidas num acto jurídico. Entende que a conclusão da decisão impugnada que consta do considerando 203 expõe, sem a menor ambiguidade, que, na medida em que a intervenção financeira do Estado produz uma compensação excessiva dos custos líquidos ocasionados com a missão de serviço de interesse económico geral confiada ao Crédit mutuel, esta compensação excessiva constitui um auxílio de Estado incompatível com o mercado comum.

60
Afirma que a isenção fiscal não foi qualificada, pela decisão impugnada, de recurso do Estado ou de auxílio aos lucros do Crédit mutuel.

61
A Comissão também contesta a tese segundo a qual a decisão impugnada trata os produtos das outras AIG como recursos do Estado. Recorda que a argumentação da recorrente e da interveniente a este respeito decorre de uma confusão entre, por um lado, a vantagem concorrencial resultante da compensação excessiva pelo Estado dos custos da missão de interesse económico geral confiada ao Crédit mutuel e, por outro, as vantagens económicas tomadas em consideração para o estabelecimento dos custos líquidos desta missão.

62
Na tréplica, a Comissão salienta que a decisão impugnada só qualifica de recurso do Estado a comissão de recolha, paga a partir de 1991. Na audiência, a Comissão acrescentou, em resposta a uma questão do Tribunal, que isto resulta manifestamente do considerando 14 e do artigo 2.°, n.° 2, da decisão impugnada. Entende que a decisão impugnada tem fundamentação bastante no que respeita à qualificação desta comissão como recurso do Estado.

– Quanto à qualificação do regime do Livret bleu como auxílio novo aquando da sua instituição em 1975

63
A recorrente alega que a decisão impugnada afirma, no considerando 92, que o mecanismo do Livret bleu deve ser qualificado como auxílio novo desde 1975, sem fornecer qualquer fundamentação a este respeito. As explicações avançadas neste contexto, referentes à apreciação da incidência sobre as trocas e a concorrência, não indicam as razões pelas quais este mecanismo revestia carácter de auxílio em 1975. Ademais, esta qualificação será contradita pelas afirmações da decisão que concluem pela impossibilidade de retroceder para além de 1991 para a determinação da eventual existência de um auxílio. Na audiência, a recorrente alega que existe uma contradição flagrante entre a afirmação de que o auxílio data de 1975 e a de que o financiamento do Livret bleu constitui um regime de auxílios ou um auxílio novo a partir de 1991. Em seu entender, a Comissão fez confusão entre os dois auxílios alegados, o de 1975 e o de 1991, e esta confusão também se encontra no método utilizado para o cálculo do auxílio alegado. A recorrente entende que esta confusão torna a decisão impugnada dificilmente compreensível.

64
Neste contexto, a recorrente alega que a Comissão não podia concluir pela qualificação do regime do Livret bleu como auxílio novo sem ter previamente feito a demonstração da existência de um auxílio. A decisão impugnada não comporta, contudo, qualquer demonstração da existência de um auxílio no momento da criação do Livret bleu.

65
A Comissão entende que a decisão impugnada está fundamentada de forma bastante no que respeita à qualificação de auxílio do Livret bleu desde 1975. Recorda que a análise criticada está desenvolvida no ponto V.1 da decisão impugnada, intitulado «Distorção da concorrência e efeito sobre o comércio entre os Estados‑Membros». Em resposta a uma questão do Tribunal, precisou, na audiência, que procedeu à análise que figura nesta secção da decisão antes de se pronunciar sobre os demais elementos característicos e constitutivos do conceito de auxílio de Estado, e designadamente antes de tomar posição sobre a questão dos recursos do Estado. A análise dos efeitos do Livret bleu sobre as trocas e sobre a concorrência a partir de 1975 explica‑se, segundo a Comissão, pelo facto de estar obrigada a pronunciar‑se sobre os argumentos dos denunciantes que invocaram, designadamente, um elemento de auxílio decorrente do «efeito chamariz» do Livret bleu, tendo este efeito, supondo que comporta um elemento de auxílio, existido desde a criação do Livret bleu em 1975. Além disso, invoca o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Junho de 2000, Alzetta e o./Comissão (T‑298/97, T‑312/97, T‑313/97, T‑315/97, T‑600/97 a T‑607/97, T‑1/98, T‑3/98 a T‑6/98 e T‑23/98, Colect., p. II‑2319, n.os 142 a 148), nos termos do qual está obrigada a examinar se, no momento da instituição de um auxílio, o mercado em causa estava aberto à concorrência. Refere que o considerando 92 da decisão impugnada, que contém a conclusão desta secção, se refere a um «auxílio potencial», o que demonstra que a medida ainda não tinha sido definitivamente qualificada nessa fase. Em seu entender, o facto de o adjectivo «potencial» ter posteriormente desaparecido da redacção da decisão impugnada explica‑se por um esforço de redacção sucinta e por razões de contingência material.

66
A Comissão sustenta que a decisão impugnada indica que o facto relevante no presente processo decorre da utilização feita pelo Crédit mutuel dos fundos recolhidos através do Livret bleu que tinha à sua disposição. Em seu entender, é a este título que se verifica a distorção da concorrência.

Apreciação do Tribunal

67
A título liminar, há que recordar que o dever de fundamentação constitui uma formalidade essencial que deve ser distinguida da questão da procedência da fundamentação, uma vez que esta última diz respeito à legalidade quanto ao fundo do acto em litígio (acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 67, e de 22 de Março de 2001, França/Comissão, C‑17/99, Colect., p. I‑2481, n.° 35).

68
A fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do acto, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional competente exercer o seu controlo. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas a quem o acto diga directa e individualmente respeito podem ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto preenche os requisitos do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Março de 1985, Países Baixos e Leeuwarder Papierwarenfabriek/Comissão, 296/82 e 318/82, Recueil, p. 809, n.° 19; de 14 de Fevereiro de 1990, Delacre e o./Comissão, C‑350/88, Colect., p. I‑395, n.os 15 e 16; de 29 de Fevereiro de 1996, Bélgica/Comissão, C‑56/93, Colect., p. I‑723, n.° 86; Comissão/Sytraval e Brink’s France, referido no n.° 67, supra, n.° 63, e França/Comissão, referido no n.° 67, supra, n.os 35 e 36).

69
No que diz respeito à questão de saber se a decisão impugnada está suficientemente fundamentada relativamente à identificação do auxílio cuja incompatibilidade com o Tratado é declarada, há, portanto, que verificar se esta decisão permite aos interessados conhecer a medida ou as medidas de Estado que a Comissão entendeu constituírem um auxílio e ao Tribunal exercer o seu controlo sobre a apreciação destas medidas. Em contrapartida, não importa saber, no âmbito do exame da fundamentação, se a qualificação de auxílio dada a estas medidas é justificada.

– Dispositivo e «Conclusão» da decisão impugnada

70
Há que referir, em primeiro lugar, que o artigo 1.°, n.° 1, da decisão impugnada, nos termos do qual «as medidas adoptadas pela [República Francesa] a favor do Crédit [m]utuel no âmbito da recolha e gestão da poupança regulamentada no âmbito do mecanismo do ‘Livret bleu’ contêm auxílios estatais incompatíveis com o mercado comum», não indica explicitamente quais são as medidas de Estado relativas ao regime do Livret bleu que foram nesta decisão consideradas como tendo conferido auxílios ao Crédit mutuel.

71
A tese da Comissão, de que o artigo 2.°, n.° 2, do dispositivo da decisão impugnada indica claramente que foi unicamente a comissão de recolha a considerada para esse efeito, não pode ser acolhida.

72
É certo que esta disposição, que obriga a República Francesa a alterar a taxa de remuneração da poupança mobilizada através do Livret bleu paga pela CDC, tendo em vista suprimir, no futuro, qualquer auxílio que ultrapasse os custos de gestão e de recolha de depósitos, se refere unicamente à comissão de recolha. Contudo, não identifica o auxílio, mas sim as medidas que a República Francesa está obrigada a tomar futuramente a fim de evitar o pagamento de um auxílio na forma da comissão de recolha. Ora, está assente que a centralização dos fundos do Livret bleu na CDC foi realizada em 1999 e que, a partir desse momento, a comissão de recolha é o único produto obtido pelo Crédit mutuel da gestão do Livret bleu. Portanto, este ponto do dispositivo não permite qualquer conclusão quanto à definição do auxílio cuja incompatibilidade com o mercado comum é declarada no artigo 1.°, n.° 1, da decisão impugnada a respeito dos anos anteriores à completa centralização.

73
Donde decorre que a designação do auxílio no dispositivo da decisão impugnada não basta para permitir aos interessados e ao Tribunal conhecer a ou as medidas que, no caso em apreço, foram consideradas como constituindo um auxílio.

74
Segundo jurisprudência bem firmada, a parte decisória de um acto é indissociável da sua fundamentação, e deve ser interpretada, se necessário, tendo em conta os motivos que levaram à sua adopção (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 1997, TWD/Comissão, C‑355/95 P, Colect., p. I‑2549, n.° 21; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Outubro de 1997, SCK e FNK/Comissão, T‑213/95 e T‑18/96, Colect., p. II‑1739, n.° 104; de 11 de Março de 1999, Eurofer/Comissão, T‑136/94, Colect., p. II‑263, n.° 171, e Alzetta e o., referido no n.° 65, supra, n.° 163).

75
A este respeito, no ponto VI da decisão impugnada, intitulado «Conclusão», a Comissão declarou, no considerando 202: «[a] atribuição ao Crédit [m]utuel do direito de distribuição do Livret bleu contém elementos de auxílios estatais, na acepção do n.° 1 do artigo 87.° [CE]». O considerando 203 invocado pela Comissão (reproduzido no n.° 25, supra) refere‑se às «compensações concedidas» e às «medidas em questão» antes de declarar que «a parte dos recursos estatais concedidos ao Crédit [m]utuel que ultrapassa [os custos de gestão e de recolha] do Livret bleu ‘tomando em consideração uma margem normal de rendibilidade’ constitui [...] um auxílio estatal».

76
Não introduzindo o considerando 202 dos fundamentos qualquer precisão relativamente ao dispositivo e não identificando o considerando 203 expressamente as medidas criticadas, há que examinar se a análise, pela decisão impugnada, das condições que devem estar preenchidas para que uma intervenção estatal possa ser qualificada de auxílio permite identificar com precisão as medidas que foram consideradas como tendo conferido um auxílio ao Crédit mutuel.

– Análise à luz do conceito de auxílio de Estado

77
Nos termos do artigo 87.°, n.° 1, CE, devem estar preenchidas quatro condições a este respeito. Em primeiro lugar, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou proveniente de recursos estatais. Em segundo lugar, essa intervenção deve ser susceptível de afectar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. Em terceiro lugar, deve conceder uma vantagem ao seu beneficiário. Em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, C‑280/00, Colect., p. I‑7747, n.° 75).

78
A Comissão procedeu ao exame destas condições nos pontos V.1 a V.4 (considerandos 76 a 181) da decisão impugnada. Contudo, não seguiu, na sua análise, a ordem em que estas condições foram anteriormente invocadas. Com efeito, debruçou‑se, em primeiro lugar, no ponto V.1, sobre a «[d]istorção da concorrência e [o] efeito sobre o comércio entre Estados‑Membros», antes de examinar, no ponto V.2, a «[c]lassificação de recursos estatais». Prosseguiu com o ponto V.3, intitulado «[v]antagens concorrenciais», e, por último, consagrou o ponto V.4 à «[a]valiação do montante do auxílio estatal». Como seguidamente revelará o exame do conteúdo destes diferentes pontos, esta sequência está na origem de certos problemas de compreensão que coloca a decisão impugnada. Portanto, há que examinar, seguindo a ordem por que optou a Comissão, se as razões constantes destes quatro pontos permitem identificar as medidas na origem do auxílio criticado.

– Análise da distorção da concorrência e do efeito sobre o comércio

79
A Comissão começa pelo exame, nos considerandos 76 a 92 da decisão impugnada, das segunda e quarta das condições mencionadas no n.° 77, supra. A sua análise divide‑se em três fases, cuja primeira constitui um estudo detalhado do «[e]feito do auxílio sobre o comércio a partir de 1975», a segunda, uma apresentação da «realização da liberalização do sector bancário na União Europeia após o final dos anos 70 e o reforço da concorrência» e, a terceira, uma recapitulação da «posição do Crédit mutuel no mercado bancário francês».

80
No que toca, em primeiro lugar, à análise dos efeitos sobre o comércio desde 1975 (considerandos 76 a 84 da decisão impugnada), é forçoso concluir que esta parte da decisão impugnada cria a impressão de que a Comissão entendeu que as medidas instituídas em 1975 comportavam auxílios ao Crédit mutuel, sem todavia precisar quais destas medidas foram tomadas em conta a esse respeito. O facto de a Comissão salientar, no decurso da tramitação processual perante o Tribunal de Primeira Instância, que o auxílio é constituído pela comissão de recolha instituída em 1991 mais não pode do que aumentar a confusão a este respeito.

81
As explicações referentes a esta abordagem avançadas pela Comissão na audiência, em resposta às questões do Tribunal, não podem afastar a impressão de que a Comissão pôde considerar que o auxílio controvertido decorre, pelo menos parcialmente, das medidas adoptadas em 1975.

82
Em primeiro lugar, a afirmação de que o exame dos efeitos sobre o comércio precedeu o referente aos recursos do Estado revela um problema quanto ao método seguido pela Comissão no caso em apreço. É certo que o critério da aptidão de uma medida para afectar as trocas entre os Estados‑Membros traça o limite entre o âmbito de aplicação do controlo dos auxílios pela Comissão e o âmbito reservado à acção autónoma dos Estados‑Membros, e a Comissão não dispõe de poderes de intervenção a respeito de uma medida de Estado se a referida condição não estiver preenchida. Portanto, é oportuno, designadamente no âmbito de um processo de exame referente a um mecanismo complexo composto por diferentes medidas de Estado, como o Livret bleu, que a Comissão verifique provisoriamente, no momento do início do processo e antes de iniciar a análise das medidas individuais, se esse mecanismo, no seu conjunto, pode afectar as trocas. Todavia, na decisão final da Comissão, há que substituir esta apreciação provisória por uma apreciação definitiva dos efeitos potenciais sobre as trocas entre os Estados‑Membros das medidas qualificadas definitivamente de auxílios. Isto é tanto mais importante quanto a decisão final só qualifique de auxílios uma parte das medidas sobre as quais versou o processo de exame, o que, segundo a Comissão, foi precisamente o que ocorreu no caso em apreço. O argumento avançado pela Comissão não é, portanto, de natureza a afastar a ambiguidade criada pelo facto de o exame dos efeitos do Livret bleu sobre o comércio em 1975 figurar na decisão impugnada, no que toca à qualificação como auxílios das medidas adoptadas em 1975.

83
Seguidamente, a obrigação de responder aos denunciantes não podia obrigar a Comissão a seguir as diligências que tomou. Sendo certo que as denúncias apresentadas à Comissão se referiam a medidas adoptadas em 1975, e que estava, portanto, obrigada a examinar estas últimas, nada a obrigava a concluir que estas medidas podiam afectar as trocas, quando entendesse que não podiam ser qualificadas de auxílios por outras razões.

84
Por último, no que toca às consequências a retirar do acórdão Alzetta e o./Comissão (referido no n.° 65, supra), a Comissão refere correctamente que está obrigada, a fim de determinar se os auxílios concedidos no âmbito de um regime de auxílios devem ser qualificados de existentes ou de novos, a verificar se, no momento da instituição deste regime, o mercado em causa estava ou não aberto à concorrência. Ora, esta explicação confirma a impressão de que, nos termos da decisão impugnada, o regime de auxílios examinado foi instituído em 1975.

85
Em segundo lugar, o exame das consequências da liberalização do sector bancário nos considerandos 85 a 89 da decisão impugnada conduz à conclusão de que «o efeito sobre o comércio dos auxílios concedidos a uma instituição bancária se tornou extremamente sensível» a partir de 1990. Apesar de a comissão de recolha não ser mencionada nos considerandos 85 a 89 da decisão impugnada, estes podem ser entendidos como destinando‑se a demonstrar que esta medida pôde ter tido um considerável efeito sobre o comércio. Esta análise não introduz qualquer clarificação sobre a questão de saber se, a par da comissão de recolha, foram tomadas em consideração outras medidas como podendo estar na origem do auxílio controvertido.

86
Em terceiro lugar, as explicações que figuram nos considerandos 90 e 91 da decisão impugnada, respeitantes à posição do Crédit mutuel no mercado bancário francês, por um lado, visam afastar o argumento de que a competência territorial limitada das caixas locais do Crédit mutuel exclui qualquer impacto do auxílio sobre o comércio e, por outro, contêm certas considerações sucintas quanto à distorção da concorrência, afirmando a Comissão designadamente:

«O Crédit [m]utuel é uma empresa rentável [...] Uma eventual compensação excessiva dos custos líquidos de recolha de poupança e de gestão das missões de interesse económico geral permitiram‑lhe aumentar os seus lucros e acumular capitais próprios suplementares. Ora, a limitação em termos de solvabilidade [...] resultante da regulamentação bancária europeia introduz uma obrigação que limita as capacidades de crescimento das instituições de crédito. Qualquer auxílio ao funcionamento, na medida em que reforça os fundos próprios, constitui um considerável efeito de alavanca para ultrapassar estas limitações. Estes mecanismos de limitação de solvabilidade facilitam a apreciação das distorções de concorrência no caso de auxílios a instituições de crédito. Se os auxílios têm por efeito directo ou indirecto um aumento dos fundos próprios, a distorção de concorrência pode traduzir‑se no aumento das actividades do banco.»

87
Os considerandos 90 e 91 da decisão impugnada não se pronunciam, portanto, de forma definitiva, sobre a existência de uma distorção da concorrência no caso em apreço, mas limitam‑se a fornecer algumas precisões quanto aos critérios de apreciação que a Comissão pretende seguir. Esta passagem não permite determinar se, a par da comissão de recolha, outras medidas terão podido contribuir, segundo a decisão impugnada, para uma compensação excessiva dos custos de recolha e de gestão, a um aumento dos fundos próprios e, por esse facto, a uma distorção da concorrência.

88
Por último, a conclusão destes motivos, no considerando 92 da decisão impugnada (reproduzido no n.° 17, supra), utiliza termos particularmente imprecisos no que respeita à identificação do auxílio, referindo‑se apenas a «auxílios potenciais concedidos ao Crédit mutuel» que têm um «carácter de auxílios ao funcionamento» e concluindo que «aquando da sua introdução em 1975, o auxílio potencial era um auxílio novo». A comissão de recolha nem sequer foi mencionada nesta conclusão.

89
Sendo certo que o considerando 92 da decisão impugnada qualifica de «potenciais» os auxílios cujos efeitos são apreciados, há que referir que esta qualificação é suprimida quando se trata, no considerando 130 da decisão impugnada, da «análise jurídica da natureza do auxílio concedido no âmbito do Livret bleu». Contudo, a Comissão repete que «se tratava de um auxílio novo desde o final de 1975». É certo que a Comissão verifica seguidamente que o montante deste auxílio não pode ser calculado para o período anterior ao ano de 1991. Contudo, isto não significa que, segundo a decisão impugnada, não se tenha verificado qualquer auxílio antes de 1991. Os termos utilizados indicam, pelo contrário, que a Comissão pôde considerar que existiam, já antes de 1991, medidas susceptíveis de constituir um auxílio, mas que renunciou a calcular o respectivo montante.

90
Ao explicar, na audiência, o desaparecimento do adjectivo «potencial» no considerando 130 da decisão impugnada por um esforço de redigir sucintamente e por razões de «pura contingência material», a Comissão mais não faz do que reconhecer que a redacção da decisão impugnada apresenta deficiências, sem afastar as incertezas quanto ao conteúdo desta decisão que delas resultam.

91
Donde se conclui que a análise da distorção da concorrência e do efeito sobre o comércio na decisão impugnada não permite determinar claramente quais são as medidas que se inserem no mecanismo do Livret bleu que foram consideradas, na decisão impugnada, como podendo ter efeitos sobre o comércio e criar uma distorção da concorrência.

– Análise dos recursos do Estado

92
Em segundo lugar, a Comissão examinou, nos considerando 93 a 99 da decisão impugnada, a questão dos recursos provenientes do Estado através dos quais o auxílio em questão foi, em seu entender, concedido. É forçoso concluir que o raciocínio seguido na decisão impugnada a este respeito nem é claro nem é exaustivo.

93
No considerando 94 da decisão impugnada, a Comissão anuncia o seguinte plano:

«[Ela] verificará [...] quais são os recursos estatais de que o Crédit [m]utuel pode ter beneficiado: 1) a vantagem fiscal concedida aos aforradores; 2) a comissão de recolha de depósitos paga pela CDC; 3) os lucros obtidos a partir das aplicações de interesse geral; 4) as vantagens e os eventuais custos indirectos obtidos a partir do sistema do Livret bleu.»

94
No que toca, em primeiro lugar, à isenção fiscal, a decisão impugnada indica que o sistema implica a mobilização de recursos do Estado e a adopção de um regime mais favorável para o aforrador relativamente à situação normal, tendo portanto um custo para o Estado. Prossegue, no considerando 96 da decisão impugnada:

«Afigura‑se que este auxílio beneficia directamente os consumidores individuais e não o banco, não se podendo consequentemente considerar que o Crédit [m]utuel é o beneficiário directo do auxílio fiscal. Todavia, este auxílio fiscal de carácter social está associado a um produto distribuído por um só interveniente, o Crédit [m]utuel. Desta forma, o auxílio não preenche a condição de compatibilidade estabelecida no n.° 2, alínea a), do artigo 87.° [CE], que prevê que o auxílio deve ser concedido ‘sem qualquer discriminação relacionada com a origem dos produtos’.»

95
Esta análise não permite determinar claramente se a Comissão entendeu que a isenção fiscal pode constituir uma transferência de recursos do Estado a favor do Crédit mutuel. Esta interpretação da decisão impugnada não pode, todavia, ser excluída, dado que não é necessário, para poder concluir pela existência de uma intervenção mediante recursos de Estado a favor de uma empresa, que esta seja o seu beneficiário directo. Com efeito, resulta do artigo 87.°, n.° 2, alínea a), CE que os auxílios de natureza social atribuídos a consumidores individuais podem cair na alçada do âmbito de aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE. De igual modo, o facto de um Estado‑Membro renunciar a receitas fiscais pode implicar uma transferência indirecta de recursos do Estado, susceptível de ser qualificada de auxílio a favor de operadores económicos diversos daqueles aos quais a vantagem fiscal é conferida directamente (acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2000, Alemanha/Comissão, C‑156/98, Colect., p. I‑6857, n.os 24 a 28).

96
Portanto, a decisão impugnada é ambígua no que toca à qualificação da isenção fiscal a respeito do critério dos recursos do Estado.

97
Em segundo lugar, a Comissão examina a «missão de interesse público atribuída ao Crédit mutuel» e expõe, no considerando 98 da decisão impugnada:

«Foi atribuída ao Crédit [m]utuel uma missão de distribuição do Livret bleu acompanhada de prerrogativas e condições estritas. As prerrogativas consistem na distribuição exclusiva do Livret bleu e no pagamento [da] comissão de recolha [...] As obrigações incidem na aplicação dos recursos recolhidos através do Livret bleu. Estas obrigações evoluíram ao longo do tempo [...] Actualmente, a totalidade da poupança está centralizada na CDC. A CDC paga ao Crédit [m]utuel, unicamente sobre os fundos centralizados, uma remuneração que corresponde à taxa de juro bruta fixada pelas autoridades públicas e que é retrocedida aos aforradores, bem como uma comissão de intermediação correspondente a 1,3%. De notar que uma vez que a CDC é uma empresa pública que beneficia de recursos públicos para a realização de missões de interesse geral, a comissão de recolha de fundos deve também ser considerada um recurso estatal. Os juros são pagos aos aforradores e, por conseguinte, o Crédit [m]utuel apenas beneficia desta comissão. A comissão faz parte integrante da missão de serviço público de que está incumbido o Crédit [m]utuel sendo, consequentemente, imputável ao Estado.»

98
Por conseguinte, a comissão de recolha é claramente qualificada de recurso estatal.

99
Em terceiro lugar, a respeito dos produtos das outras AIG, a Comissão declara, no considerando 99 da decisão impugnada:

«Com base nas informações recebidas, o carácter obrigatório destas aplicações juntamente com o facto de as condições das taxas de juro terem sido regulamentadas pelo Estado e não determinadas livremente pelo mercado, confirmam que se deve considerar que as [outras] AIG fazem parte integrante do sistema do Livret bleu. Será demonstrado infra que estas condições regulamentadas permitiram que o Crédit [m]utuel realizasse importantes lucros sobre a poupança mobilizada. A definição destas [AIG] foi alterada pelo decreto de 27 de Setembro de 1991: as aplicações em causa passaram a ser exclusivamente empréstimos de financiamento de habitações de carácter social e a afectação a uma conta da CDC [...] Mas foi de forma muito lenta, durante os anos 90, que estas novas aplicações vieram substituir as anteriores: apenas os novos fundos recolhidos foram imediata e integralmente afectados a estas novas aplicações a partir de 1991.»

100
Resulta do que acaba de ser citado que a Comissão não qualificou explicitamente os produtos das outras AIG de recursos estatais. Esta qualificação não parece, contudo, ter sido excluída. Com efeito, o significado, no presente contexto, da declaração de que «as [outras] AIG fazem parte integrante do sistema do Livret bleu» não é clara, tendo em conta o facto de que uma afirmação similar foi feita, no considerando 98 da decisão impugnada, para justificar que a comissão de recolha fosse considerada imputável ao Estado (v. n.° 98, supra).

101
Portanto, o resultado do exame, na decisão impugnada, da questão de saber se os produtos obtidos pelo Crédit mutuel da gestão das outras AIG constituíam uma transferência de recursos do Estado é igualmente ambíguo.

102
No que toca, em quarto lugar, ao exame das vantagens e dos custos eventuais indirectos retirados do sistema do Livret bleu, anunciado no considerando 94 da decisão impugnada, é forçoso concluir que não foi efectuado nesta parte da decisão. Em contrapartida, explicações respeitantes às vantagens e aos custos indirectos do mecanismo do Livret bleu figuram, por um lado, na parte consagrada à avaliação do montante do auxílio de Estado, designadamente nos considerandos 119 a 127, em que a Comissão examina os eventuais «efeitos induzidos de produtos chamariz» do Livret bleu, e, por outro, na parte consagrada à compatibilidade dos auxílios com o Tratado, designadamente nos considerandos 190 a 194, que respeitam à questão de saber se o Crédit mutuel estava obrigado a manter agências em zonas rurais. Contudo, não foi feita qualquer apreciação das eventuais vantagens indirectas à luz do requisito dos recursos do Estado.

103
Em resumo, é forçoso concluir que, embora a análise da questão dos recursos do Estado na decisão impugnada seja clara no que respeita à comissão de recolha, é ambígua no que respeita à qualificação da isenção fiscal e dos produtos das outras AIG e incompleta no que respeita às outras vantagens cujo exame a Comissão tinha previsto.

– Análise da vantagem concorrencial

104
O ponto V.3 da decisão impugnada, intitulado «Vantagens concorrenciais», contém apenas o considerando 100, reproduzido no n.° 18, supra.

105
Este ponto da decisão impugnada limita‑se a enunciar o critério que a Comissão pretende aplicar para determinar se se pode concluir por uma vantagem concorrencial no caso em apreço e, assim, se estão preenchidas as terceira e quarta condições impostas pelo artigo 87.°, n.° 1, CE, que foram expostas no n.° 77, supra. Há que salientar que este critério está definido, no considerando 100 da decisão impugnada, relativamente apenas à comissão de recolha e não menciona qualquer das outras medidas que se inserem no mecanismo do Livret bleu.

106
A análise destas duas condições, respeitantes, por um lado, à vantagem conferida ao beneficiário e, por outro, à questão de saber se a medida em exame falseia ou ameaça falsear a concorrência figura também no ponto V.4 da decisão impugnada, intitulado «Avaliação do montante do auxílio estatal», que comporta os considerandos 101 a 181. Estes números são, também eles, pouco claros sobre a questão de saber se o pagamento da comissão de recolha é a única medida tomada em conta que foi considerada como tendo conferido ao Crédit mutuel uma vantagem concorrencial ou se outras medidas adoptadas no âmbito do regime do Livret bleu também desempenharam um qualquer papel.

107
A Comissão define, num primeiro momento, as «modalidades da tomada em consideração do conjunto dos produtos e dos encargos relacionados com a poupança mobilizada através do Livret bleu» e precisa, a este respeito, no considerando 103 da decisão impugnada:

«O mecanismo financeiro relativo ao Livret bleu do Crédit [m]utuel deve ser apreciado face à estrutura global deste regime de poupança, ou seja, é necessário tomar em consideração a totalidade dos custos e dos lucros resultantes do sistema, em especial os lucros directamente provenientes da aplicação da poupança recolhida graças à missão de distribuição deste produto de poupança que beneficia de um desagravamento fiscal.»

108
Estes termos criam a impressão de que o desagravamento fiscal do Livret bleu foi tomado em consideração para determinar se este mecanismo conferiu uma vantagem ao Crédit mutuel.

109
A impressão de que o desagravamento fiscal foi tomado em consideração é confirmada pelo considerando 108, nos termos do qual «[o]s depósitos do Livret bleu permitiram que o Crédit [m]utuel obtivesse um recurso em condições mais vantajosas do que as resultantes de um simples refinanciamento nos mercados financeiros». Além disso, no considerando 111, a Comissão salienta que os «custos dos recursos» provenientes do Livret bleu são «diferentes [dos] custos normais de mercado». O considerando 117 menciona a «singularidade deste modo de recolha de recursos». Na mesma ordem de ideias, o considerando 175 justifica a tomada em consideração das aplicações livres por serem «associadas a um recurso específico, ou seja, aos depósitos recolhidos graças ao monopólio de distribuição do Livret bleu». O mesmo número refere igualmente que, «[e]m condições de mercado concorrenciais, é provável que o Crédit [m]utuel não estivesse em condições de obter estes recursos ao mesmo custo».

110
As passagens citadas são ambíguas quanto à definição da medida ou das medidas na origem da vantagem concorrencial conferida ao Crédit mutuel.

111
A explicação da Comissão de que importa distinguir, por um lado, o conceito de «vantagem concorrencial decorrente de uma compensação excessiva dos encargos suportados com o cumprimento de uma missão de interesse económico geral» e, por outro, o conceito de «vantagens económicas» tomadas em conta no âmbito do balanço global do Livret bleu destinado a verificar se não se verificou uma compensação excessiva não traz a necessária clarificação.

112
É certo que várias das passagens da decisão impugnada que tratam da questão das vantagens, designadamente os considerandos 106, 107, 180 e 198, podem ser entendidas como referindo‑se à vantagem económica tomada em consideração no âmbito do balanço global. Em contrapartida, quando indica, por diversas vezes, designadamente nos considerandos 108, 111 e 175, que o Crédit mutuel obteve recursos em condições mais favoráveis do que as condições de mercado, a decisão impugnada faz alusão a uma vantagem concorrencial decorrente do regime do Livret bleu e não unicamente a uma vantagem económica a tomar em consideração no âmbito do balanço global deste regime.

113
A Comissão afirmou a este respeito, na audiência, que não retirou consequências jurídicas de outros elementos para além da comissão de recolha. Contudo, mesmo supondo que esta tese é exacta, o facto de mencionar em várias partes da decisão impugnada «vantagens» que, no fim de contas, não são tomadas em consideração para os efeitos da identificação do auxílio, sem que tal seja explicitamente indicado, cria uma confusão que torna tanto mais difícil a compreensão da decisão impugnada sobre esse ponto.

114
Ademais, a tese de que foi apenas a comissão de recolha a tomada em consideração não é compatível com o exame efectuado, nos considerandos 119 a 127 da decisão impugnada, dos «efeitos induzidos de produtos chamariz» inerentes ao regime do Livret bleu invocados pelos denunciantes. Segundo estes últimos, o direito exclusivo de distribuição de um produto de poupança atractivo devido ao seu desagravamento fiscal é susceptível de permitir ao Crédit mutuel captar e fidelizar uma clientela, à qual a rede pode seguidamente propor outros produtos ou serviços bancários. A Comissão expõe, nos considerandos 126 e 127 da decisão impugnada, que não considerou estes efeitos no âmbito da decisão impugnada, porque não lhe foi possível avaliar precisamente a incidência financeira. Ora, estes «efeitos induzidos» do Livret bleu não têm qualquer relação com o pagamento da comissão de recolha, mas estão unicamente ligados ao direito de distribuição de um produto de poupança com desagravamento fiscal. O exame destes efeitos contribui, portanto, a criar a impressão de que o direito exclusivo e o desagravamento fiscal se incluem entre as medidas constitutivas do auxílio declarado na decisão impugnada. É certo que a Comissão estava obrigada a responder aos argumentos dos denunciantes a este respeito e que era inevitável, neste âmbito, que se pronunciasse sobre outras medidas para além da comissão de recolha. Todavia, a fim de evitar que a decisão impugnada fosse entendida no sentido de que concluía que estas medidas contribuíram para a concessão do auxílio criticado, era tanto mais necessário que a Comissão indicasse claramente que era unicamente a comissão de recolha que tinha sido por si considerada como contribuindo para o auxílio, se fosse efectivamente essa a sua posição.

115
A impressão de que a comissão de recolha não foi a única medida tomada em consideração a respeito do auxílio conferido ao Crédit mutuel é ainda reforçada pelo resultado da avaliação do montante do auxílio no ponto V.4 da decisão impugnada. É elucidativo a este respeito completar o quadro dos resultados da conta de exploração do Livret bleu, reproduzido no n.° 21, supra, com os dados relativos à comissão de recolha, fornecidos pelas partes em resposta às questões do Tribunal:

Ano

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

Cumulado

Comissão de recolha

10

60

110

240

390

490

540

780

2 621

Fundos centralizados

[...] 2 – Dados confidenciais ocultados.

[...]

[...]

[...]

[...]

[...]

[...]

[...]

-399

[Outras] AIG

[...]

[...]

[...]

[...]

[...]

[...]

[...]

[...]

2 592

Aplicações livres

[...]

[...]

[...]

[...]

[...]

[...]

[...]

[...]

-1 119

Auxílios não capitalizados

1 096

505

301

-471

-135

-87

-156

20

1 074

116
Este quadro confirma a tese da recorrente de que o montante do auxílio verificado na decisão impugnada se explica essencialmente pela tomada em consideração dos lucros realizados pelo Crédit mutuel entre 1991 e 1993, numa época em que a comissão de recolha não tinha ainda contribuído de forma significativa para os resultados da gestão do Livret bleu, sendo os lucros do regime do Livret bleu provenientes essencialmente das receitas obtidas com as outras AIG.

117
A desproporção entre o montante do auxílio referente a estes anos e o montante da comissão de recolha paga durante o mesmo período é manifesta e dificilmente justificável, à primeira vista, caso o auxílio decorra efectivamente unicamente do pagamento desta comissão e sem que a este respeito tenha sido considerada qualquer das medidas anteriormente adoptadas no âmbito do Livret bleu. Nestas condições, a análise da vantagem concorrencial como decorre da decisão impugnada não permite confirmar a tese da Comissão de que foi unicamente a comissão de recolha a ser qualificada de auxílio.

118
Por conseguinte, dado que a Comissão não exprimiu claramente, na decisão impugnada, a sua posição sobre a identificação das medidas que conferiram o auxílio controvertido ao Crédit mutuel, o Tribunal não se encontra em posição de poder exercer a sua fiscalização jurisdicional no que respeita à apreciação do regime do Livret bleu feita na decisão impugnada.

119
Por último, o raciocínio seguido pela Comissão na decisão impugnada não permite excluir a possibilidade, evocada pela recorrente, de a decisão impugnada se referir, em substância, a dois auxílios potenciais, conferidos respectivamente em 1975 e em 1991, sem os distinguir claramente na sua análise.

120
Há que acrescentar que a Comissão não pôde ter em conta, na sua análise, os esclarecimentos avançados pelo Tribunal de Justiça, após a adopção da decisão impugnada, a respeito das medidas estatais destinadas a compensar os encargos ligados ao cumprimento das missões de interesse público, designadamente no seu acórdão Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, referido no n.° 77, supra. Se algumas das deficiências da exposição do raciocínio seguido na decisão impugnada se podem explicar pelo facto de a Comissão não ter ainda podido beneficiar, na data da adopção da decisão impugnada, dos ensinamentos decorrentes desta jurisprudência, era contudo necessário, tendo em conta a complexidade do presente processo, que o raciocínio da Comissão surgisse com particular clareza no que respeita à identificação e à apreciação das medidas que conferiram o auxílio controvertido ao Crédit mutuel.

121
Ora, resulta da precedente análise que o raciocínio seguido na decisão impugnada, no seu conjunto, não permite determinar se a Comissão considerou, como medidas que conferiram ao Crédit mutuel o auxílio controvertido, para além da comissão de recolha, o desagravamento fiscal, o direito de distribuição exclusivo e as condições de remuneração das outras AIG, ou se tal não foi o caso.

122
Donde se conclui que a decisão impugnada não tem fundamentação bastante no que toca à identificação das medidas qualificadas de auxílio.

123
É certo que a Comissão indicou, no decurso dos presentes autos, que, nos termos da decisão impugnada, é apenas a comissão de recolha que está na origem do auxílio controvertido. Todavia, há que concluir que este raciocínio, desenvolvido pelos agentes da Comissão perante o Tribunal, não figura na decisão impugnada e é contradito pelas numerosas passagens dos seus fundamentos anteriormente analisadas.

124
Ora, como o Tribunal de Justiça já declarou no seu acórdão de 15 de Junho de 1994, Comissão/BASF e o. (C‑137/92 P, Colect., p. I‑2555, n.os 66 a 68), a parte decisória e os fundamentos de uma decisão, que deve obrigatoriamente ser fundamentada por força do artigo 253.° CE, constituem um todo indivisível, pelo que compete unicamente ao colégio dos membros da Comissão, por força do princípio da colegialidade, adoptar simultaneamente um e os outros, uma vez que qualquer modificação da fundamentação que exceda uma adaptação puramente gramatical ou ortográfica é do seu domínio exclusivo.

125
Estas considerações fundadas no princípio da colegialidade também são relevantes no que respeita à decisão impugnada no caso em apreço, que devia igualmente ser fundamentada por força do artigo 253.° CE e através da qual o colégio dos membros da Comissão exercia o poder específico de se pronunciar sobre a compatibilidade dos auxílios de Estado com o mercado comum que lhe foi conferido pelo artigo 88.° CE.

126
Donde decorre que a argumentação apresentada pelos agentes da Comissão perante o Tribunal não pode sanar a insuficiência de fundamentação da decisão impugnada (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 1996, Alemanha e o./Comissão, C‑329/93, C‑62/95 e C‑63/95, Colect., p. I‑5151, n.os 47 e 48, e do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Junho de 1998, British Airways e o./Comissão, T‑371/94 e T‑394/94, Colect., p. II‑2405, n.os 116 a 119).

127
Donde se conclui que há que anular a decisão impugnada, sem que haja que apreciar os outros fundamentos invocados pela recorrente.


Quanto às despesas

128
Por força do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se tal tiver sido requerido. Tendo a recorrida sido vencida, há que condená‑la a suportar, para além das suas próprias despesas, as despesas efectuadas pela recorrente, em conformidade com os pedidos desta última.

129
A República Francesa suportará as suas próprias despesas, em conformidade com o disposto no artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção alargada)

decide:

1)
A Decisão 2003/216/CE da Comissão, de 15 de Janeiro de 2002, relativa ao auxílio estatal executado pela República Francesa a favor do Crédit mutuel, é anulada.

2)
A Comissão suportará as suas próprias despesas e as efectuadas pela recorrente.

3)
A República Francesa suportará as suas próprias despesas.

Pirrung

Tiili

Meij

Vilaras

Forwood

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 18 de Janeiro de 2005.

O secretário

O presidente

H. Jung

J. Pirrung

Índice

Antecedentes do litígio
     Crédit mutuel
     Livret bleu
     O processo administrativo
     A decisão impugnada
Tramitação processual e pedidos das partes
Questão de direito
     Observações preliminares
     Quanto à fundamentação da decisão impugnada no que respeita à identificação do auxílio
         Argumentos das partes
             – Quanto à identificação da medida que conferiu uma vantagem
             – Quanto à identificação dos recursos do Estado
             – Quanto à qualificação do regime do Livret bleu como auxílio novo aquando da sua instituição em 1975
         Apreciação do Tribunal
             – Dispositivo e «Conclusão» da decisão impugnada
             – Análise à luz do conceito de auxílio de Estado
             – Análise da distorção da concorrência e do efeito sobre o comércio
             – Análise dos recursos do Estado
             – Análise da vantagem concorrencial
Quanto às despesas


1
Língua do processo: francês.


2
 Dados confidenciais ocultados.


3
 Dados confidenciais ocultados.

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