Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 62002TJ0059

Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) de 27 de Septembro de 2006.
Archer Daniels Midland Co. contra Comissão das Comunidades Europeias.
Concorrência - Acordos, decisões e práticas concertadas - Ácido cítrico - Artigo 81.º CE - Coima - Artigo 15.º, n.º 2, do Regulamento n.º 17 - Orientações para o cálculo do montante das coimas - Comunicação sobre a cooperação - Princípios da segurança jurídica e da não retroactividade - Princípio da proporcionalidade - Igualdade de tratamento - Dever de fundamentação - Direito de defesa.
Processo T-59/02.

Colectânea de Jurisprudência 2006 II-03627

ECLI identifier: ECLI:EU:T:2006:272

Processo T‑59/02

Archer Daniels Midland Co.

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Ácido cítrico – Artigo 81.° CE – Coima – Artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 – Orientações para o cálculo das coimas – Comunicação sobre a cooperação – Princípios da segurança jurídica e da não retroactividade – Princípio da proporcionalidade – Igualdade de tratamento – Dever de fundamentação – Direitos de defesa»

Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) de 27 de Setembro de 2006 

Sumário do acórdão

1.     Direito comunitário – Princípios gerais de direito – Não retroactividade das disposições penais

(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º; Comunicações da Comissão 96/C 207/04 e 98/C 9/03)

2.     Concorrência – Coimas – Orientações para o cálculo das coimas

(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º, n.º 2; Comunicação da Comissão 98/C 9/03)

3.     Concorrência – Coimas – Sanções comunitárias e sanções aplicadas num Estado‑Membro ou num Estado terceiro por violação do direito nacional da concorrência

(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º)

4.     Concorrência – Coimas – Montante – Determinação

(Artigos 81.º, n.º 1, CE e 82.º CE; Acordo EEE, artigo 53.º, n.º 1; Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º, n.º 2)

5.     Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção

(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º, n.º 2)

6.     Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Carácter dissuasor da coima

(Artigo 81.º CE; Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º)

7.     Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Impacto concreto no mercado

(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º, n.º 2; Comunicação da Comissão 98/C 9/03, n.º 1 A, primeiro parágrafo)

8.     Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção

(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º, n.º 2)

9.     Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias atenuantes

(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º)

10.   Concorrência – Processo administrativo – Respeito dos direitos de defesa

(Artigos 81.º CE e 82.º CE; Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 11.º)

11.   Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias agravantes

(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º; Comunicação da Comissão 98/C 9/03, n.º 2)

12.   Concorrência – Coimas – Montante – Determinação

(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º, n.º 2)

13.   Concorrência – Normas comunitárias – Infracções – Coimas – Montante – Determinação

(Artigo 81.º CE; Regulamento n.º 17 do Conselho)

14.   Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias atenuantes

(Artigo 81.º, n.º 1, CE; Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º, n.º 2; Comunicação da Comissão 98/C 9/03, n.º 3, terceiro travessão)

15.   Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Gravidade da infracção – Circunstâncias atenuantes

(Artigo 81.º, n.º 1, CE; Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º)

16.   Concorrência – Coimas – Montante – Determinação

(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 15.º; Comunicação da Comissão 96/C 207/04, secções B, C e D)

17.   Concorrência – Processo administrativo – Comunicação das acusações – Conteúdo necessário

(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 19.º, n.º 1)

18.   Concorrência – Processo administrativo – Comunicação das acusações – Conteúdo necessário

(Regulamento n.º 17 do Conselho, artigo 19.º, n.º 1)

19.   Concorrência – Coimas – Montante – Poder de apreciação da Comissão – Fiscalização judicial

(Artigo 229.º CE)

1.     O princípio da não retroactividade das leis penais, consagrado como direito fundamental no artigo 7.° da Convenção Europeia de Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, constitui um princípio geral de direito comunitário cujo respeito se impõe quando são aplicadas coimas por infracção às regras de concorrência. Este princípio exige que as sanções proferidas correspondam às que eram fixadas à época em que a infracção foi cometida.

A adopção de orientações susceptíveis de alterar a política geral de concorrência da Comissão em matéria de coimas pode, em princípio, ser abrangida pelo âmbito de aplicação do princípio da não retroactividade.

Com efeito, por um lado, as orientações são susceptíveis de provocar efeitos jurídicos. Estes efeitos jurídicos resultam não de uma normatividade própria das orientações, mas da adopção e da publicação das mesmas pela Comissão. Esta adopção e esta publicação das orientações, como, aliás, as da comunicação sobre a cooperação, implicam uma autolimitação do poder de apreciação da Comissão, que não pode renunciar às mesmas sob pena de poder ser sancionada, eventualmente, por violação dos princípios gerais do direito, tais como os da igualdade de tratamento, da protecção da confiança legítima e da segurança jurídica.

Por outro lado, as orientações, enquanto instrumento de uma política em matéria de concorrência, caem no âmbito de aplicação do princípio da não retroactividade, à semelhança da nova interpretação jurisprudencial de uma norma que cria uma infracção, segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 7.°, n.° 1, da Convenção Europeia de Protecção dos Direitos do Homem, segundo a qual esta última disposição se opõe à aplicação retroactiva de uma nova interpretação de uma norma que cria uma infracção. É, em especial, esse o caso, segundo a referida jurisprudência, se se tratar de uma interpretação jurisprudencial cujo resultado não era razoavelmente previsível no momento em que a infracção foi cometida, atenta, designadamente, a interpretação então acolhida na jurisprudência relativa à disposição legal em causa. Contudo, resulta desta jurisprudência que o alcance do conceito de previsibilidade depende em larga medida do conteúdo do texto em questão, do domínio que abrange, bem como do número e da qualidade dos seus destinatários. A previsibilidade da lei não se opõe a que a pessoa em causa recorra a aconselhamento especializado a fim de avaliar, com um grau razoável nas circunstâncias do caso, as consequências que podem resultar de um determinado acto. Mais particularmente, é o que acontece com os profissionais habituados a ter de demonstrar grande prudência no exercício da sua profissão. Por conseguinte, pode esperar‑se que eles avaliem com particular cuidado os riscos que a mesma comporta.

A fim de fiscalizar o respeito do princípio de não retroactividade, há que verificar se a alteração que constitui a adopção das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, era razoavelmente previsível à época em que as infracções em causa foram cometidas. A este respeito, a principal inovação das orientações consiste em tomar como ponto de partida do cálculo um montante de base, determinado a partir de margens previstas para este efeito pelas referidas orientações, reflectindo essas margens diferentes graus de gravidade das infracções, mas que, enquanto tais, não têm relação com o volume de negócios pertinente. Este método assenta, essencialmente, numa tarificação, ainda que relativa e flexível, das coimas.

Em seguida, o facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de um certo nível a diferentes tipos de infracções não a pode privar da possibilidade de aumentar esse nível dentro dos limites indicados no Regulamento n.° 17, se isso se revelar necessário para assegurar que seja posta em prática a política comunitária de concorrência, pois, pelo contrário, a aplicação eficaz das regras comunitárias de concorrência exige que a Comissão possa, em qualquer momento, adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política.

Daí decorre que as empresas implicadas num procedimento administrativo que possa dar lugar a uma coima não podem fundar uma confiança legítima no facto de que a Comissão não ultrapassará o nível das coimas praticado anteriormente, nem num método de cálculo destas últimas.

Por conseguinte, as referidas empresas devem contar com a possibilidade de, a todo o momento, a Comissão decidir aumentar o nível do montante das coimas em relação ao aplicado no passado. Isto é válido não só quando a Comissão procede a um aumento do nível do montante das coimas, fixando coimas em decisões individuais, mas também se este aumento for operado pela aplicação, a casos concretos, de regras de conduta que tenham um alcance geral, como é o caso das orientações.

(cf. n.os 41‑49, 409)

2.     O facto de a Comissão ter aplicado o método enunciado nas orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, para calcular o montante da coima aplicada a uma empresa, não pode ser constitutivo de tratamento discriminatório relativamente às empresas que cometeram infracções às regras comunitárias de concorrência durante o mesmo período, mas que, por razões relativas à data da descoberta da infracção ou próprias do decurso do procedimento administrativo a elas relativo, foram objecto de condenação em datas anteriores à adopção e publicação das orientações.

(cf. n.o 53)

3.     O princípio non bis in idem proíbe punir uma mesma pessoa mais do que uma vez pelo mesmo comportamento ilícito, a fim de proteger o mesmo bem jurídico. A aplicação deste princípio está sujeita a uma tripla condição: de identidade dos factos, de identidade de infractor e de identidade do interesse jurídico protegido.

Assim, uma empresa pode validamente ser objecto de dois processos paralelos por um mesmo comportamento ilícito e, portanto, de uma dupla sanção, uma, da autoridade competente do Estado‑Membro em causa e, a outra, comunitária, na medida em que os referidos processos prossigam fins distintos e em que não exista identidade entre as normas violadas.

Consequentemente, o princípio non bis in idem, por maioria de razão, não pode ser aplicável num caso em que os processos instaurados e as sanções aplicadas pela Comissão, por um lado, e pelas autoridades de Estados terceiros, por outro, não prosseguem manifestamente os mesmos objectivos. Com efeito, se no primeiro caso se trata de preservar uma concorrência não falseada no território da União Europeia ou no Espaço Económico Europeu, a protecção pretendida no segundo caso diz respeito ao mercado de um Estado terceiro. A condição da identidade do interesse jurídico protegido, necessária para que o princípio non bis in idem se possa aplicar, não está, neste caso, preenchida.

(cf. n.os 61‑63)

4.     O poder da Comissão para aplicar coimas às empresas que, deliberadamente ou por negligência, cometem uma infracção às disposições do artigo 81.°, n.° 1, CE ou do artigo 82.° CE constitui um dos meios que lhe foram atribuídos com vista a permitir‑lhe cumprir a missão de vigilância que o direito comunitário lhe confere. Esta missão inclui o dever de prosseguir uma política geral destinada a aplicar, em matéria de concorrência, os princípios fixados pelo Tratado e a orientar o comportamento das empresas nesse sentido.

Conclui‑se que a Comissão tem o poder de decidir do nível do montante das coimas, com vista a reforçar o seu efeito dissuasor, quando infracções de determinado tipo sejam ainda relativamente frequentes, não obstante a sua ilegalidade já ter ficado demonstrada desde o início da política comunitária em matéria de concorrência, devido ao benefício que algumas das empresas interessadas podem delas retirar.

O objectivo de dissuasão pretendido pela Comissão tem a ver com a conduta das empresas na Comunidade ou do Espaço Económico Europeu. Consequentemente, o carácter dissuasor de uma coima aplicada a uma empresa por violação das regras comunitárias de concorrência não pode ser determinado nem em função, somente, da situação particular dessa empresa nem em função do seu respeito pelas regras de concorrência existentes em Estados terceiros fora do EEE.

(cf. n.os 70‑72)

5.     A gravidade das infracções às regras de concorrência deve ser determinada em função de um grande número de elementos, tais como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso e o seu contexto, e isto sem que se tenha fixado uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração.

De igual modo, entre os elementos de apreciação da gravidade da infracção, podem, consoante o caso, constar o volume e o valor das mercadorias que são objecto da infracção, a dimensão e o poder económico da empresa e, portanto, a influência que esta possa ter tido no mercado. Daqui decorre, por um lado, que, para a determinação do montante da coima, é lícito tomar em consideração tanto o volume de negócios global da empresa, que constitui uma indicação, mesmo que aproximada e imperfeita, da sua dimensão e do seu poder económico, como da quota de mercado das empresas do mercado em causa e que é susceptível de indicar a amplitude da infracção. Daí resulta, por outro lado, que não se pode dar nem a um nem a outro destes valores uma importância desproporcionada em relação aos outros elementos de apreciação, pelo que a fixação do montante adequado da coima não pode ser o resultado de um simples cálculo baseado no volume de negócios global.

(cf. n.os 98, 99)

6.     A dissuasão é uma das principais considerações que deve guiar a Comissão na determinação do montante das coimas aplicadas por infracção às regras comunitárias da concorrência.

Se a coima devesse ser fixada num nível que se limitasse a anular o benefício resultante do acordo não teria efeito dissuasor. Com efeito, pode razoavelmente presumir‑se que as empresas têm racionalmente em conta, no âmbito dos seus cálculos financeiros e da sua gestão, não apenas o nível das coimas que lhes podem ser aplicadas em caso de infracção mas também o nível de risco de detecção do acordo. Acresce que, se se reduzisse a função da coima à mera supressão do lucro ou do benefício esperado, não se teria suficientemente em conta o carácter de infracção do comportamento em causa nos termos do artigo 81.°, n.° 1, CE. Com efeito, ao reduzir a coima a uma simples compensação pelo dano sofrido, está‑se a desprezar, para além do efeito dissuasor que apenas pode visar comportamentos futuros, o carácter repressivo desta medida em relação à infracção concreta efectivamente cometida.

Do mesmo modo, no caso de uma empresa que está presente num grande número de mercados e dispõe de uma capacidade financeira particularmente importante, a consideração do volume de negócios realizado no mercado em causa pode não ser suficiente para garantir um efeito dissuasor à coima. Com efeito, quanto maior uma empresa for e mais dispuser de recursos globais que lhe permitam agir de forma independente no mercado, mais deve estar consciente da importância do seu papel no bom funcionamento da concorrência no mercado. Portanto, os factos, nomeadamente o volume de negócios global, relativos ao poderio económico de uma empresa culpada de uma infracção devem ser tidos em conta na análise da gravidade da infracção.

(cf. n.os 129‑131)

7.     Segundo os termos do ponto 1 A, primeiro parágrafo, das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, no seu cálculo da coima em função da gravidade da infracção, a Comissão tem em conta, designadamente, o impacto concreto da infracção no mercado quando este for quantificável. Este impacto quantificável do acordo deve ser considerado suficientemente demonstrado quando a Comissão puder fornecer indícios concretos e credíveis que indiquem, com uma probabilidade razoável, que o acordo teve um impacto no mercado.

Com efeito, o exame do impacto de um acordo no mercado implica necessariamente que se recorra a hipóteses. Neste contexto, a Comissão deve, designadamente, examinar qual teria sido o preço do produto em causa no caso de não existir acordo. Ora, no exame das causas da evolução real dos preços, é arriscado especular sobre a parte respectiva de cada uma destas últimas. Há que ter em conta a circunstância objectiva de que, devido ao acordo sobre os preços, as partes renunciaram precisamente à sua liberdade de entrarem em concorrência entre si através dos preços. Assim, a avaliação da influência resultante de factores diferentes dessa abstenção voluntária das partes no acordo baseia‑se necessariamente em probabilidades razoáveis e não quantificáveis com precisão.

Consequentemente, a menos que se retire o efeito útil ao critério do ponto 1 A, primeiro parágrafo, não se pode criticar a Comissão por se ter baseado no impacto concreto, no mercado, de um acordo com um objecto anticoncorrencial, como um acordo sobre os preços ou sobre quotas de mercado, sem poder quantificar esse impacto ou fornecer uma apreciação numérica quanto a esse aspecto.

(cf. n.os 157‑161)

8.     No momento da determinação da gravidade de uma infracção em matéria de concorrência, há que ter em conta, designadamente, o contexto regulamentar e económico do comportamento imputado. A este respeito, para apreciar o impacto concreto de uma infracção no mercado, compete à Comissão tomar como referência a concorrência que teria normalmente existido sem a infracção.

Daí resulta, por um lado, que, nos casos de acordos sobre os preços, há que verificar – com um grau de probabilidade razoável – se os acordos permitiram efectivamente às empresas em causa atingirem um nível de preços superior ao que se teria verificado sem o acordo. Daqui resulta, por outro lado, que, na sua apreciação, a Comissão deve ter em conta todas as condições objectivas do mercado em causa, tendo em conta o contexto económico e eventualmente regulamentar existente. Sendo caso disso, há que ter em conta a existência de «factores económicos objectivos» que revelem que, no âmbito do «livre jogo da concorrência», o nível de preços não teria evoluído de forma idêntica à dos preços praticados.

(cf. n.os 181, 182)

9.     O facto de partes de um acordo não terem respeitado o seu acordo e de não terem aplicado inteiramente os preços acordados não implica que, ao proceder deste modo, tenham aplicado preços que poderiam ter praticado se o acordo não existisse e não constitui, portanto, um elemento que deva ser tido em conta como circunstância atenuante. Com efeito, uma empresa que prossegue, apesar da concertação com os seus concorrentes, uma política mais ou menos independente no mercado pode simplesmente tentar utilizar o acordo em seu benefício.

(cf. n.o 189)

10.   Nenhuma disposição proíbe a Comissão de se basear, enquanto elemento de prova que possa servir para demonstrar uma infracção aos artigos 81.° CE e 82.° CE e para fixar uma coima, num documento que foi elaborado no âmbito de um procedimento que não o instaurado pela própria Comissão.

Portanto, reconhece‑se, ao abrigo dos princípios gerais do direito comunitário, dos quais fazem parte integrante os direitos fundamentais e à luz dos quais todos os textos de direito comunitário devem ser interpretados, o direito de uma empresa não ser coagida pela Comissão, ao abrigo do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, a confessar a sua participação numa infracção. A protecção deste direito implica, em caso de contestação sobre o alcance de uma pergunta, que se verifique se uma dada resposta do destinatário equivale efectivamente à confissão de uma infracção, de modo a haver ofensa do direito de defesa.

Quando a Comissão se baseia, no âmbito da livre apreciação dos elementos de prova de que dispõe, numa declaração feita num contexto diferente do do procedimento nela mesma instaurado, e quando esta declaração contém potencialmente informações que a empresa em causa tinha o direito de recusar fornecer à Comissão se esta lhe tivesse colocado questões sobre o mesmo assunto, é obrigada a garantir à empresa em causa direitos processuais equivalentes aos conferidos.

O respeito destas garantias processuais implica que, num tal contexto, a Comissão seja obrigada a examinar oficiosamente se, à primeira vista, há dúvidas sérias quanto ao respeito dos direitos processuais das partes em causa no âmbito do processo em que estas prestaram essas declarações. Se não existirem tais dúvidas sérias, os direitos processuais das partes em causa devem ser considerados suficientemente garantidos se, na comunicação de acusações, a Comissão referir claramente, eventualmente juntando os documentos em causa a essa comunicação, que pretende basear‑se nas declarações em causa. Desta forma, a Comissão permite às partes em causa tomar posição em relação não apenas ao conteúdo destas declarações mas também a eventuais irregularidades ou a circunstâncias particulares que tenham acompanhado a sua elaboração ou a sua apresentação à Comissão.

(cf. n.os 261‑265)

11.   Quando uma infracção às regras de concorrência foi cometida por diversas empresas, há que apreciar, no âmbito da determinação do montante da coima, a gravidade relativa da participação de cada uma delas, o que implica, em particular, definir o respectivo papel desempenhado durante o período em que participaram na infracção.

Daí resulta, nomeadamente, que o papel de «líder» desempenhado por uma ou várias empresas no âmbito de um acordo deve ser tido em conta para efeitos do cálculo do montante da coima, na medida em que as empresas que desempenharam tal papel devem, por esse facto, assumir uma particular responsabilidade face às outras empresas.

(cf. n.os 296, 297)

12.   Na fixação do montante da coima aplicada por infracção às regras da concorrência, a Comissão dispõe de uma margem de apreciação. O facto de a Comissão ter aplicado, no passado, em presença de circunstâncias agravantes, uma certa taxa de agravamento das coimas não a pode privar do poder de elevar essas taxas, dentro dos limites indicados no Regulamento n.° 17 e nas orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, se isso se mostrar necessário para garantir a aplicação da política comunitária de concorrência.

(cf. n.o 312)

13.   Na aplicação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 a cada caso concreto, isto é, quando aplica coimas por violação das regras da concorrência do Tratado, a Comissão deve respeitar os princípios gerais de direito, entre os quais figura o princípio da igualdade de tratamento, como interpretado pelos órgãos jurisdicionais comunitários. Uma empresa só pode, contudo, contestar o montante da coima que lhe foi aplicada invocando a violação do referido princípio se demonstrar que os dados circunstanciais dos processos relativos às decisões a que se refere, como os mercados, os produtos, os países, as empresas e os períodos em causa, são comparáveis com os do caso em apreço.

(cf. n.os 315, 316)

14.   Ao apreciar a gravidade de uma infracção às regras da concorrência para determinar o montante da coima, a Comissão deve tomar em consideração não apenas as circunstâncias particulares do caso sob apreciação mas igualmente o contexto em que a infracção se insere e assegurar o carácter dissuasor da sua acção. Com efeito, só a tomada em conta destes aspectos permite garantir uma plena eficácia à acção da Comissão com vista a garantir uma concorrência não falseada no mercado comum.

Uma análise puramente textual da disposição que consta do ponto 3, terceiro travessão, das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, poderia dar a impressão que o simples facto de um infractor cessar a infracção desde as primeiras intervenções da Comissão constitui de uma forma geral e sem reserva uma circunstância atenuante. Ora, tal interpretação desta disposição diminuiria o efeito útil das disposições que permitem a manutenção de uma concorrência eficaz, pois enfraqueceria tanto a sanção que poderia ser imposta na sequência de uma violação do artigo 81.° CE como o efeito dissuasor dessa sanção.

Com efeito, diversamente de outras circunstâncias atenuantes, esta circunstância não é inerente nem à particularidade subjectiva do infractor nem aos factos particulares do caso sob apreciação, uma vez que procede principalmente da intervenção exterior da Comissão. Assim, pôr termo a uma infracção unicamente na sequência de uma intervenção da Comissão não pode ser equiparado aos méritos decorrentes de uma iniciativa autónoma da parte do infractor, constituindo apenas uma reacção adequada e normal à referida intervenção. Além disso, esta circunstância consagra apenas o facto de o infractor voltar a ter um comportamento lícito e não contribui para tornar as diligências da Comissão mais eficazes. Por último, o carácter alegadamente atenuante desta circunstância não pode ser justificado pelo mero incitamento a pôr fim à infracção em causa. A este respeito, a qualificação da continuação de uma infracção depois das primeiras intervenções da Comissão como circunstância agravante já constitui, a justo título, um incitamento para pôr fim à infracção, que não diminui a sanção nem o efeito dissuasor da mesma.

Assim, o reconhecimento do termo de uma infracção desde as primeiras intervenções da Comissão como circunstância atenuante poria injustificadamente em causa o efeito útil do artigo 81.°, n.° 1, CE, pela diminuição tanto da sanção como do efeito dissuasor da mesma. Por conseguinte, a Comissão não podia impor‑se a si própria ter de considerar a simples cessação da infracção desde as suas primeiras intervenções como uma circunstância atenuante. Logo, há que interpretar restritivamente a disposição que figura no ponto 3, terceiro travessão, das orientações, de forma a que essa interpretação não seja contrária ao efeito útil do artigo 81.°, n.° 1, CE e no sentido de que só as circunstâncias particulares do caso concreto, nas quais a hipótese do termo da infracção desde as primeiras intervenções da Comissão se concretiza, podem justificar a tomada em conta desta última circunstância como circunstância atenuante.

Na hipótese de uma infracção particularmente grave tendo por objecto uma fixação de preços e uma repartição dos mercados, cometida deliberadamente pelas empresas em causa, a sua cessação não poderá ser considerada uma circunstância atenuante quando foi determinada pela intervenção da Comissão.

(cf. n.os 334‑338, 340, 341)

15.   Embora seja, na verdade, importante que uma empresa tome medidas para impedir que, no futuro, sejam cometidas novas infracções ao direito comunitário da concorrência por membros do seu pessoal, este facto em nada altera a realidade da infracção verificada. A Comissão não é, por conseguinte, obrigada a ter em conta esse elemento como circunstância atenuante, sobretudo, quando a infracção em causa constitui uma violação manifesta do artigo 81.°, n.° 1, CE.

(cf. n.o 359)

16.   Para não se desrespeitar o princípio da igualdade de tratamento, a comunicação sobre a não aplicação de coimas ou a redução do seu montante nos processos sobre acordos deve ser aplicada no sentido de que, relativamente à redução de coimas, a Comissão deve tratar da mesma maneira as empresas que fornecem à Comissão, na mesma fase do procedimento administrativo e em circunstâncias análogas, informações semelhantes relativamente aos factos que lhes são imputados. A simples circunstância de uma das empresas ter reconhecido os factos imputados ao responder, em primeiro lugar, às questões colocadas pela Comissão na mesma fase do procedimento não pode constituir uma razão objectiva para ser tratada de forma diferenciada.

Contudo, tal apenas se aplica no quadro de uma cooperação de empresas que não integrem o âmbito de aplicação das secções B e C da comunicação sobre a cooperação.

Com efeito, contrariamente a essas secções, a secção D não prevê um tratamento diferente das empresas em causa em função da ordem pela qual estas cooperam com a Comissão.

(cf. n.os 400, 401, 403)

17.   A comunicação de acusações deve incluir uma exposição das acusações redigida em termos suficientemente claros, ainda que sucintos, para permitir que os interessados tomem efectivamente conhecimento do comportamento que lhes é censurado pela Comissão. Na verdade, é só com esta condição que a comunicação de acusações pode desempenhar a função que lhe é atribuída pelos regulamentos comunitários, que é fornecer às empresas e associações de empresas todos os elementos de informação necessários para lhes permitir que se defendam efectivamente antes de a Comissão tomar uma decisão definitiva.

(cf. n.o 416)

18.   Quando a Comissão indica expressamente, na comunicação de acusações, que vai apreciar se deve aplicar coimas às partes em causa e enuncia os principais elementos de facto e de direito que podem dar origem a uma coima, tais como a gravidade e a duração da suposta infracção e o facto de esta ter sido cometida «de forma intencional ou por negligência», cumpre a sua obrigação de respeitar o direito das empresas a serem ouvidas. Desta forma, fornece‑lhes todos os elementos necessários para se defenderem não só contra a constatação da infracção mas também contra o facto de lhes ser aplicada uma coima.

Por conseguinte, no que respeita à determinação do montante da coima, os direitos de defesa das empresas em causa, face à Comissão, são garantidos através da possibilidade de apresentarem observações sobre a duração, a gravidade e a possibilidade de prever o carácter anticoncorrencial da infracção. Esta conclusão impõe‑se tanto mais quanto a Comissão, pela publicação das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA, deu a conhecer aos interessados, de forma detalhada, o método de cálculo do montante de uma eventual coima e o modo pelo qual teria em conta estes critérios. Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de as orientações não fazerem referência expressa a um coeficiente multiplicador, dado que nestas se indica que é necessário ter em consideração a capacidade económica efectiva dos autores da infracção de causarem um prejuízo importante aos outros operadores e determinar o montante que assegure que a coima apresenta um carácter suficientemente dissuasor.

(cf. n.os 434, 435)

19.   Quando a apreciação dos fundamentos invocados por uma empresa contra a legalidade de uma decisão da Comissão que lhe aplica uma coima por violação das regras comunitárias da concorrência tenha revelado uma ilegalidade, o Tribunal deve pronunciar‑se sobre a necessidade de anular a decisão impugnada, fazendo uso da sua competência de plena jurisdição.

(cf. n.o 443)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

27 de Setembro de 2006 (*)

«Concorrência – Acordos, decisões e práticas concertadas – Ácido cítrico – Artigo 81.° CE – Coima – Artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 – Orientações para o cálculo das coimas – Comunicação sobre a cooperação – Princípios da segurança jurídica e da não retroactividade – Princípio da proporcionalidade – Igualdade de tratamento – Dever de fundamentação – Direitos de defesa»

No processo T‑59/02,

Archer Daniels Midland Co., com sede em Decatur, Illinois (Estados Unidos da América), representada por C. O. Lenz, advogado, L. Martin Alegi, M. Garcia e E. Batchelor, solicitors,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por P. Oliver, na qualidade de agente,

recorrida,

que tem por objecto, a título principal, um pedido de anulação do artigo 1.° da Decisão 2002/742/CE da Comissão, de 5 de Dezembro de 2001, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/E‑1/36 604 – Ácido cítrico) (JO 2002, L 239, p. 18), na medida em que aí se declara que a recorrente cometeu uma infracção ao artigo 81.° CE e ao artigo 53.° do acordo EEE ao participar na restrição das capacidades do mercado em causa e na designação de um produtor que devia liderar os aumentos de preços em cada segmento nacional do referido mercado em causa, um pedido de anulação do artigo 3.° desta decisão na medida em que tem como destinatária a recorrente e, a título subsidiário, um pedido de redução da coima aplicada à recorrente,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: J. Azizi, presidente, M. Jaeger e F. Dehousse, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 9 de Junho de 2004,

profere o presente

Acórdão

 Factos na origem do litígio

1       A recorrente, Archer Daniels Midland Co. (a seguir «ADM»), é a sociedade‑mãe de um grupo de empresas que opera no sector da transformação de cereais e oleaginosas. Implantou‑se no mercado do ácido cítrico em 1991.

2       O ácido cítrico é o agente acidulante e conservante mais amplamente utilizado em todo o mundo. Existe em vários tipos, servindo para aplicações diversas, designadamente nos produtos alimentares e bebidas, nos detergentes e produtos de limpeza doméstica, nos produtos farmacêuticos e cosméticos e em distintos processos industriais.

3       Em 1995, as vendas totais de ácido cítrico a nível mundial eram aproximadamente de 894,72 milhões de euros e as realizadas no Espaço Económico Europeu (EEE) de cerca de 323,69 milhões de euros. Em 1996, cerca de 60% do mercado mundial de ácido cítrico era dominado pelas cinco destinatárias da decisão objecto do presente recurso, ou seja, além da ADM, a Jungbunzlauer AG (a seguir «JBL»), a F. Hoffmann‑La Roche AG (a seguir «HLR»), a Haarmann & Reimer Corp. (a seguir «H & R»), sociedade pertencente ao grupo Bayer AG (a seguir «Bayer»), e a Cerestar Bioproducts BV (a seguir «Cerestar»), conjuntamente designadas «partes em causa».

4       Em Agosto de 1995, o Ministério da Justiça americano informou a Comissão de que estava em curso uma investigação relativa ao mercado do ácido cítrico. Entre Outubro de 1996 e Junho de 1998, todas as partes em causa, incluindo a ADM, admitiram ter participado num cartel. Na sequência dos acordos celebrados com o Ministério da Justiça americano, as autoridades americanas aplicaram coimas a estas empresas. Além disso, foram aplicadas coimas, a título individual, a determinados arguidos. Por outro lado, também se realizaram investigações no Canadá onde foram aplicadas coimas a algumas destas empresas, nomeadamente, à ADM.

5       Em 6 de Agosto de 1997, a Comissão enviou pedidos de informação, nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), aos quatro maiores produtores de ácido cítrico da Comunidade. Por outro lado, em Janeiro de 1998, a Comissão enviou pedidos de informação aos principais compradores de ácido cítrico na Comunidade e, em Junho e Julho de 1998, enviou novamente pedidos de informação aos principais produtores de ácido cítrico da Comunidade.

6       Após o primeiro pedido de informações que lhe foi enviado em Julho de 1998, a Cerestar entrou em contacto com a Comissão e declarou, numa reunião realizada em 29 de Outubro de 1998, que pretendia cooperar com a Comissão ao abrigo da Comunicação da Comissão de 18 de Julho de 1996 sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas (JO C 207, p. 4, a seguir «comunicação sobre a cooperação»). Nesta mesma ocasião, a Cerestar forneceu oralmente uma descrição das actividades resultantes do acordo em que estivera envolvida. Em 25 de Março de 1999, enviou à Comissão uma declaração por escrito confirmando as suas declarações nessa reunião.

7       Por carta de 28 de Julho de 1998, a Comissão enviou à JBL um novo pedido de informações ao qual esta respondeu por carta de 28 de Setembro de 1998.

8       Durante uma reunião realizada em 11 de Dezembro de 1998, a ADM manifestou a sua vontade de cooperar com a Comissão e apresentou oralmente uma exposição das actividades anticoncorrenciais em que estivera envolvida. Por carta de 15 de Janeiro de 1999, a ADM confirmou as suas declarações orais.

9       Em 3 de Março de 1999, a Comissão enviou pedidos de informação complementares à HLR, à JBL e à Cerestar.

10     Respectivamente, em 28 de Abril, 21 de Maio e 28 de Julho de 1999, a Bayer, em nome da H & R, a JBL e a HLR forneceram declarações ao abrigo da comunicação sobre a cooperação.

11     Em 29 de Março de 2000, com base nas informações que lhe tinham sido comunicadas, a Comissão enviou uma comunicação de acusações à ADM e às outras partes em causa, por violação do artigo 81.°, n.° 1, CE e do artigo 53.°, n.° 1, do acordo sobre o EEE (a seguir «acordo EEE»). A ADM e as outras partes em causa apresentaram observações por escrito em resposta às acusações da Comissão. Nenhuma delas solicitou uma audição, nem contestou substancialmente os factos descritos na comunicação de acusações.

12     Em 27 de Julho de 2001, a Comissão enviou pedidos de informação complementares à ADM e às outras partes em causa.

13     Em 5 de Dezembro de 2001, a Comissão adoptou a Decisão C(2001) 3923 final, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do acordo EEE (Processo COMP/E‑1/36 604 – Ácido cítrico) (a seguir «decisão»). A decisão foi notificada à ADM por carta de 17 de Dezembro de 2001.

14     A decisão compreende, nomeadamente, as seguintes disposições:

«Artigo 1.°

A [ADM], a [Cerestar], a [H & R], a [HLR] e a [JBL] cometeram uma infracção ao n.° 1 do artigo 81.° do Tratado CE e ao n.° 1 do artigo 53.° do Acordo EEE ao participarem num acordo e/ou prática concertada contínuos no sector do ácido cítrico.

A duração da infracção foi a seguinte:

–      no caso da [ADM], da [H & R], da [HLR] e da [JBL]: entre Março de 1991 e Maio de 1995;

–      no caso da [Cerestar]: entre Maio de 1992 e Maio de 1995.

[…]

Artigo 3.°

São aplicadas as seguintes coimas pela infracção referida no artigo 1.°:

a)      [ADM]                   39,69 milhões de euros,

b)      [Cerestar]          170 000 euros,

c)      [HLR]                   63,5 milhões de euros,

d)      [H & R]                   14,22 milhões de euros,

e)      [JBL]                   17,64 milhões de euros.»

15     Nos considerandos 80 a 84 da decisão, a Comissão indicou que o acordo respeitava à afectação de quotas de vendas específicas a cada membro e ao cumprimento dessas quotas; à fixação de preços‑objectivo e/ou de preços mínimos; à eliminação de descontos nos preços e ao intercâmbio de informações específicas sobre os clientes.

16     Para o cálculo do montante das coimas, a Comissão aplicou, na decisão, a metodologia exposta nas Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações»), bem como na comunicação sobre a cooperação.

17     Em primeiro lugar, a Comissão determinou o montante de base da coima em função da gravidade e da duração da infracção.

18     Neste contexto, no que respeita à gravidade da infracção, a Comissão considerou, antes de mais, que as partes em causa cometeram uma infracção muito grave atendendo à sua natureza, ao seu impacto efectivo sobre o mercado do ácido cítrico no EEE e à extensão do mercado geográfico em causa (considerando 230 da decisão).

19     A seguir, a Comissão considerou que era necessário ter em conta a capacidade económica efectiva para provocar danos significativos na concorrência e fixar a coima de modo a garantir que o seu efeito fosse suficientemente dissuasor. Consequentemente, utilizando o volume de negócios mundial das partes em causa na venda de ácido cítrico durante o último ano do período da infracção, ou seja, 1995, a Comissão dividiu‑as em três categorias, a saber, numa primeira categoria, a H & R com uma quota do mercado mundial de 22%, numa segunda categoria, a ADM e a JBL com quotas de mercado de [confidencial] (1), bem como a HLR, com uma quota de mercado de 9% e, numa terceira categoria, a Cerestar com uma quota de mercado mundial de 2,5%. Com base nestes dados, a Comissão fixou montantes de partida de 35 milhões de euros, para a empresa pertencente à primeira categoria, de 21 milhões de euros, para as pertencentes à segunda categoria, e de 3,5 milhões de euros, para a classificada na terceira categoria (considerando 239 da decisão).

20     Além disso, a fim de garantir que a coima produziria um efeito suficientemente dissuasor, a Comissão procedeu a um ajustamento deste montante de partida. Por conseguinte, tendo em conta a dimensão e os recursos globais das partes em causa, expressos pelo montante total dos volumes de negócio mundiais destas, a Comissão aplicou um coeficiente multiplicador de 2 aos montantes de partida determinados para a ADM e para a HLR e de 2,5 ao montante de partida determinado para a H & R (considerandos 50 e 246 da decisão).

21     No que respeita à duração da infracção cometida por cada empresa, o montante de partida assim determinado foi aumentado em 10% por ano, o que corresponde a um aumento de 40% para a ADM, a H & R, a HLR e a JBL e de 30% para a Cerestar (considerandos 249 e 250 da decisão).

22     Foi deste modo que a Comissão fixou o montante de base das coimas em 58,8 milhões de euros no que respeita à ADM. Quanto à Cerestar, à HLR, à H & R e à JBL, os montantes de base foram fixados, respectivamente, em 4,55, 58,8, 122,5 e 29,4 milhões de euros (considerando 254 da decisão).

23     Em segundo lugar, a título de circunstância agravante, os montantes de base das coimas impostas à ADM e à HLR foram aumentados em 35% por estas empresas terem desempenhado um papel de líderes no cartel (considerando 273 da decisão).

24     Em terceiro lugar, a Comissão analisou e rejeitou os argumentos de certas empresas quanto ao benefício de circunstâncias atenuantes (considerandos 274 a 291 da decisão).

25     Em quarto lugar, nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, a Comissão adaptou os montantes calculados desta forma para a Cerestar e a H & R, a fim de que não excedessem o limite de 10% do volume de negócios total das partes em causa (considerando 293 da decisão).

26     Em quinto lugar, nos termos da secção B da comunicação sobre a cooperação, a Comissão concedeu à Cerestar uma «redução muito substancial» (ou seja, 90%) do montante da coima que lhe teria sido aplicado na falta de cooperação. Nos termos da secção D desta comunicação, a Comissão concedeu uma «redução significativa» (ou seja, 50%) do montante da coima à ADM, (de 40%) à JBL, (de 30%) à H & R e (de 20%) à HLR (considerando 326).

 Tramitação do processo e pedidos das partes

27     Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 28 de Fevereiro de 2002, a ADM interpôs o presente recurso.

28     Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 28 de Fevereiro de 2002, a ADM pediu que fosse concedido um tratamento confidencial a determinadas informações contidas nos articulados e em determinados anexos.

29     Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) deu início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, colocou por escrito questões às partes, às quais estas responderam nos prazos fixados.

30     As partes foram ouvidas nas suas alegações e nas respostas às questões colocadas pelo Tribunal de Primeira Instância na audiência de 9 de Junho de 2004.

31     A ADM conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

–       anular o artigo 1.° da decisão, na medida em que aí se declara que a recorrente cometeu uma infracção ao artigo 81.° CE e ao artigo 53.° do acordo EEE ao participar na restrição das capacidades do mercado em causa e na designação de um produtor que devia liderar os aumentos de preços em cada mercado nacional do referido mercado em causa;

–       anular o artigo 3.° da decisão na medida em que este a refere como destinatária;

–       subsidiariamente, reduzir o montante da sua coima;

–       condenar a Comissão nas despesas.

32     A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

–       negar provimento ao recurso;

–       condenar a ADM nas despesas.

 Questão de direito

I –  Quanto à aplicabilidade das orientações

A –  Argumentos das partes

33     Por um lado, a ADM alega que o método de cálculo do montante das coimas estabelecido nas orientações se afasta radicalmente da anterior prática da Comissão na matéria que, como esta admitiu na decisão (considerando 253), consistia em determinar o montante da coima em função de uma taxa de base que representava uma determinada percentagem das vendas no mercado comunitário em causa. Contrariamente, as orientações passaram a introduzir uma taxa fixa de coima, por exemplo, 20 milhões de euros em caso de infracção muito grave, independentemente do volume de vendas do produto em causa.

34     A ADM observa que, durante o período em questão no presente processo (de 1991 a 1995), a Comissão aplicou, em conformidade com essa prática constante, coimas cujo montante se situava geralmente entre os 2,5% e os 9% do volume de negócios efectuado com a venda do produto em causa no mercado comunitário. Em contrapartida, a aplicação da nova política resultante das orientações conduz a coimas cujo montante é entre 10 e 34 vezes superior ao das coimas que foram aplicadas com base na prática anterior.

35     A ADM reconhece que a Comissão dispõe de um poder discricionário para aumentar as coimas quando a política em matéria de direito da concorrência exige que sejam aplicadas coimas de carácter dissuasor mais elevadas. No entanto, ao impor uma coima cujo montante se revela ser entre 10 e 34 vezes superior ao que teria fixado de acordo com a prática anterior, a Comissão ultrapassou manifestamente essa margem de apreciação. Contrariamente ao sustentado pela Comissão, esta conclusão é corroborada pelo acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, Lögstör Rör/Comissão (T‑16/99, Colect., p. II‑1633, n.° 237). Por um lado, a recorrente sublinha, com efeito, que, neste acórdão, o Tribunal de Primeira Instância sujeitou a possibilidade de a Comissão elevar o nível das coimas nos limites impostos pelo Regulamento n.° 17 à condição de isso ser necessário para assegurar a execução da política comunitária de concorrência. Ora, nem na decisão nem nos seus articulados a Comissão forneceu uma justificação ou apresentou provas que demonstrem que para a execução dessa política era necessário aplicar coimas de um montante entre 10 e 34 vezes superior ao resultante da prática anterior. Por outro lado, observa que, no processo em que foi proferido o acórdão referido, bem como em todos os processos que tinham por objecto o acordo relativo às condutas de aquecimento urbano, com excepção do relativo à sociedade ABB (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, ABB Asea Brown Boveri/Comissão, T‑31/99, Colect., p. II‑1881), a Comissão aplicou coimas de um nível comparável ao que prevalecia quando a prática anterior da Comissão era seguida. Com efeito, a recorrente alega que as empresas em causa nesse acordo apenas foram condenadas em coimas num montante que representava entre 3% e 14% das vendas afectadas, e mesmo à ABB foi unicamente aplicada uma coima de um montante correspondente a 44% do seu volume de negócios em questão.

36     A ADM considera que as empresas devem poder operar em condições previsíveis. Em conformidade com as orientações (primeiro parágrafo), na fixação do montante das coimas, a Comissão deve respeitar uma linha política coerente e não discriminatória. A ADM considera que a falta de segurança jurídica na determinação das coimas é contraditória com a ideia da concretização efectiva do carácter dissuasor de uma coima. Para que o efeito dissuasor individual de uma coima seja efectivo, é indispensável que as empresas conheçam de antemão as sanções aplicáveis. A recorrente refere que uma amnistia global ou uma política de indulgência eficaz requerem que as sanções aplicáveis em caso de recusa de colaboração estejam claramente predefinidas. Da mesma forma, não é razoável manter um estado de incerteza constante quanto ao nível das coimas que podem ser aplicadas em caso de violação das regras de concorrência, nomeadamente, em razão da longa duração das investigações por estas infracções. Consequentemente, o princípio da segurança jurídica exige que a concepção adoptada pela Comissão para calcular as coimas ao abrigo do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 possa ser prevista com suficiente grau de certeza.

37     A ADM acrescenta que resulta do manual das orientações da Sentencing Commission dos Estados Unidos [ponto 1B1.11(b)(1), a seguir «orientações americanas»] e da jurisprudência de um tribunal federal de recurso [acórdão United States v. Kimler, 167 F. 3d 889 (5th Circ. 1999)] que a aplicação com efeito retroactivo de novas orientações em matéria de coimas é proibida pela regra ex post facto da Constituição dos Estados Unidos, quando conduza à aplicação de uma pena mais pesada do que a prevista no momento da prática da infracção.

38     Por conseguinte, segundo a ADM, a aplicação retroactiva da nova política prevista nas orientações a uma infracção que, como no caso em apreço, foi cometida antes da sua publicação e que tem por efeito aplicar à ADM uma coima muito superior ao nível das coimas aplicável ao abrigo da prática anterior, e sem que esta diferenciação seja necessária para assegurar o respeito da política em matéria de direito da concorrência, viola o princípio da segurança jurídica e é ilegal.

39     Por outro lado, a ADM alega que a aplicação das orientações viola o princípio da igualdade de tratamento, pois leva a diferenciar as empresas que cometeram uma infracção ao direito da concorrência não em função da data da infracção, mas da data da adopção da decisão da Comissão fixada por esta de forma arbitrária. A título de exemplo, a ADM afirma que às empresas a que se referem a Decisão 97/624/CE da Comissão, de 14 de Maio de 1997, relativa a um processo nos termos do artigo [82.°] do Tratado CE (IV/34.621, 35.059/F‑3 – Irish Sugar plc) (JO L 258, p. 1), e a Decisão 94/210/CE da Comissão, de 29 de Março de 1994, relativa a um processo nos termos dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado CE (IV/33.941 HOV SVZ/MCN) (JO L 104, p. 34), foram aplicadas coimas de um montante que apenas representava, respectivamente, 6,8% e 5% do montante das vendas realizadas no mercado relevante, embora as infracções em causa fossem concomitantes ao acordo relativo ao ácido cítrico.

40     A Comissão pede que estes fundamentos sejam julgados improcedentes.

B –  Apreciação do Tribunal

41     O Tribunal recorda, antes de mais, que o princípio da não retroactividade das leis penais, consagrado como direito fundamental no artigo 7.° da Convenção Europeia de Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de Novembro de 1950, constitui um princípio geral de direito comunitário cujo respeito se impõe quando são aplicadas coimas por infracção às regras de concorrência e que este princípio exige que as sanções proferidas correspondam às que eram fixadas à época em que a infracção foi cometida (acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colect., p. I‑5425, n.° 202; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, LR AF 1998/Comissão, T‑23/99, Colect., p. II‑1705, n.os 218 a 221, e de 9 de Julho de 2003, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, T‑224/00, Colect., p. II‑2597, n.° 39).

42     Em seguida, o Tribunal considera que a adopção de orientações susceptíveis de alterar a política geral de concorrência da Comissão em matéria de coimas pode, em princípio, ser abrangida pelo âmbito de aplicação do princípio da não retroactividade.

43     Com efeito, por um lado, as orientações são susceptíveis de provocar efeitos jurídicos. Estes efeitos jurídicos resultam não de uma normatividade própria das orientações, mas da adopção e da publicação das mesmas pela Comissão. Esta adopção e esta publicação das orientações implicam uma autolimitação do poder de apreciação da Comissão, que não pode renunciar às mesmas sob pena de poder ser sancionada, eventualmente, por violação dos princípios gerais do direito, tais como os da igualdade de tratamento, da protecção da confiança legítima e da segurança jurídica (v., neste sentido, acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no n.° 41 supra, n.os 209 a 212).

44     Por outro lado, as orientações, enquanto instrumento de uma política em matéria de concorrência, caem no âmbito de aplicação do princípio da não retroactividade, à semelhança da nova interpretação jurisprudencial de uma norma que cria uma infracção, segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 7.°, n.° 1, da Convenção Europeia de Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (v., designadamente, TEDH, acórdãos S. W. e C. R. e Reino Unido de 22 de Novembro de 1995, série A, n.os  335B e 335C, §§ 34 a 36 e §§ 32 a 34; Cantoni c. França de 15 de Novembro de 1996, Colectânea dos acórdãos e decisões 1996‑V, §§ 29 a 32, e Coëme e o. c. Bélgica de 22 de Junho de 2000, Colectânea dos acórdãos e decisões 2000‑VII, § 145), segundo a qual esta última disposição se opõe à aplicação retroactiva de uma nova interpretação de uma norma que cria uma infracção. É, em especial, esse o caso, segundo a referida jurisprudência, se se tratar de uma interpretação jurisprudencial cujo resultado não era razoavelmente previsível no momento em que a infracção foi cometida, atenta, designadamente, a interpretação então acolhida na jurisprudência relativa à disposição legal em causa. Contudo, há que precisar que resulta desta jurisprudência que o alcance do conceito de previsibilidade depende em larga medida do conteúdo do texto em questão, do domínio que abrange, bem como do número e da qualidade dos seus destinatários. A previsibilidade da lei não se opõe a que a pessoa em causa recorra a aconselhamento especializado a fim de avaliar, com um grau razoável nas circunstâncias do caso, as consequências que podem resultar de um determinado acto. Mais particularmente, segundo o acórdão Cantoni c. França (já referido, § 35), é o que acontece com os profissionais habituados a ter de demonstrar grande prudência no exercício da sua profissão. Por conseguinte, pode esperar‑se que eles avaliem com particular cuidado os riscos que a mesma comporta (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no n.° 41 supra, n.os 215 a 223).

45     À luz das considerações anteriores, há agora que verificar se a alteração que constitui a adopção das orientações era razoavelmente previsível à época em que as infracções em causa foram cometidas.

46     A este propósito, observe‑se que a principal inovação das orientações consiste em tomar como ponto de partida do cálculo um montante de base, determinado a partir de margens previstas para este efeito pelas referidas orientações, reflectindo essas margens diferentes graus de gravidade das infracções, mas que, enquanto tais, não têm relação com o volume de negócios pertinente. Este método assenta, essencialmente, numa tarificação, ainda que relativa e flexível, das coimas (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no n.° 41 supra, n.° 225).

47     Em seguida, deve recordar‑se que o facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de um certo nível a diferentes tipos de infracções não a pode privar da possibilidade de aumentar esse nível dentro dos limites indicados no Regulamento n.° 17, se isso se revelar necessário para assegurar que seja posta em prática a política comunitária de concorrência, pois, pelo contrário, a aplicação eficaz das regras comunitárias de concorrência exige que a Comissão possa, em qualquer momento, adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no n.° 41 supra, n.° 227, de 7 de Junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 109, e de 2 de Outubro de 2003, Aristrain/Comissão, C‑196/99 P, Colect., p. I‑11005, n.° 81; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, Solvay/Comissão, T‑12/89, Colect., p. II‑907, n.° 309, e de 14 de Maio de 1998, Europa Carton/Comissão, T‑304/94, Colect., p. II‑869, n.° 89; acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, já referido no n.° 41 supra, n.° 56).

48     Daí decorre que as empresas implicadas num procedimento administrativo que possa dar lugar a uma coima não podem fundar uma confiança legítima no facto de que a Comissão não ultrapassará o nível das coimas praticado anteriormente, nem num método de cálculo destas últimas (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no n.° 41 supra, n.° 228).

49     Por conseguinte, as referidas empresas devem contar com a possibilidade de, a todo o momento, a Comissão decidir aumentar o nível do montante das coimas em relação ao aplicado no passado. Isto é válido não só quando a Comissão procede a um aumento do nível do montante das coimas, fixando coimas em decisões individuais, mas também se este aumento for operado pela aplicação, a casos concretos, de regras de conduta que tenham um alcance geral, como é o caso das orientações (acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no n.° 41 supra, n.os 229 e 230).

50     Assim, a ADM não tem razão quando alega, no essencial, que o aumento do nível das coimas pela Comissão, no contexto do acordo, é manifestamente desproporcionado em relação ao objectivo de assegurar a execução da política de concorrência.

51     De igual modo, a circunstância invocada pela ADM – admitindo que esteja provada – de que a aplicação da nova política conduziria a coimas cujos montantes são entre 10 e 34 vezes superiores aos das coimas que foram aplicadas com base na prática anterior não pode implicar uma violação do princípio da não retroactividade. Com efeito, atendendo, designadamente, à jurisprudência referida no n.° 44 do presente acórdão, devia ser razoavelmente previsível para a ADM que a Comissão pudesse, a todo o momento, rever o nível geral das coimas no contexto da execução de uma outra política de concorrência. Assim, a ADM devia ter podido razoavelmente prever este aumento – na pressuposição de que se verificou – na época em que as infracções em causa foram cometidas.

52     Por último, na medida em que a ADM entende que, para assegurar um efeito dissuasor das coimas, é indispensável que as empresas conheçam de antemão o nível das coimas que devem esperar se cometerem infracções às regras comunitárias de concorrência, basta salientar que o carácter dissuasor das coimas não pressupõe de forma alguma que as empresas conheçam de antemão o nível preciso da coima que podem esperar por um dado comportamento anticoncorrencial.

53     No que respeita à violação do princípio da igualdade de tratamento invocada pela ADM, importa sublinhar que já foi decidido que o facto de ter sido aplicado o método enunciado nas orientações para calcular o montante da coima da ADM não é constitutivo de tratamento discriminatório relativamente às empresas que cometeram infracções às regras comunitárias de concorrência durante o mesmo período, mas que, por razões relativas à data da descoberta da infracção ou próprias do decurso do procedimento administrativo a elas relativo, foram objecto de condenação em datas anteriores à adopção e publicação das orientações (v., neste sentido, acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, já referido no n.° 41 supra, n.os 69 a 73; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Julho de 2001, Tate & Lyle e o./Comissão, T‑202/98, T‑204/98 e T‑207/98, Colect., p. II‑2035, n.os 118 e 119).

54     Consequentemente, há que julgar improcedente o fundamento relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento.

II –  Quanto à incidência das coimas já aplicadas noutros países

A –  Argumentos das partes

55     A ADM alega que, com a sua recusa de deduzir do montante da coima fixada na decisão o montante das coimas já aplicadas à ADM nos Estados Unidos e no Canadá, a Comissão violou o princípio que proíbe o cúmulo de sanções por uma mesma infracção. Tal como resulta do acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 1972, Boehringer/Comissão (7/72, Colect., p. 447), a Comissão tem a obrigação de imputar uma sanção aplicada pelas autoridades de um país terceiro se os factos apurados pela Comissão e por essas autoridades contra a empresa recorrente forem idênticos. A recorrente entende ser precisamente esse o caso, uma vez que, ao contrário do processo que deu origem ao acórdão Boehringer/Comissão, já referido, o acordo punido pelas autoridades americanas e canadianas era, pelo seu objecto, a sua localização e a sua duração, o mesmo que foi punido pela Comissão, a qual, aliás, se baseou nos elementos de prova reunidos pelas autoridades americanas.

56     A este respeito, a ADM contesta a apreciação feita na decisão, segundo a qual as coimas aplicadas nos Estados Unidos e no Canadá apenas tomaram em consideração os efeitos anticoncorrenciais do acordo na área das respectivas jurisdições (considerando 333 da decisão). Nos Estados Unidos, a decisão proferida contra a ADM em 15 de Outubro de 1996 revela, pelo contrário, que o acordo objecto de condenação era mundial e era um entrave ao comércio «nos Estados Unidos e fora deles». A coima aplicada foi, por outro lado, de um montante particularmente elevado devido à dimensão geográfica da infracção. No que respeita ao processo no Canadá, o facto de se tratar de um acordo mundial foi também especificamente tomado em conta.

57     De qualquer forma, mesmo supondo que a afirmação da Comissão era exacta, o facto de outras autoridades apenas tomarem em consideração os efeitos locais de uma infracção era irrelevante para efeitos do princípio da proibição do cúmulo de sanções. Com efeito, de acordo com o acórdão Boehringer/Comissão, já referido no n.° 55 supra, só a identidade dos comportamentos em causa é determinante para esse efeito. Este entendimento é confirmado pela prática da própria Comissão que, numa decisão de 1983, deduziu do montante da coima aplicada a empresas que tinham participado num cartel o montante da coima já fixada pelas autoridades alemãs, apesar de se estar a pronunciar apenas sobre os aspectos desse cartel exteriores à Alemanha [v. Decisão 83/546/CEE da Comissão, de 17 de Outubro de 1983, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.°] do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia (IV/30.064 – Cilindros em ferro fundido e em aço moldados por fundição) (JO L 317, p. 1)].

58     A ADM considera que a Comissão não teve em conta, no momento da determinação do montante da coima, o facto de já ter sido condenada, em países terceiros, em coimas e em indemnizações num montante suficiente para a dissuadir de cometer qualquer nova infracção ao direito da concorrência. A ADM já foi, portanto, suficientemente punida.

59     Além disso, segundo a ADM, a Comissão concluiu erradamente que as indemnizações por si pagas no âmbito dos processos intentados nos Estados Unidos e no Canadá eram meramente compensatórias. Com efeito, sublinha a ADM, estas indemnizações pagas a título de transacção tiveram em conta os pedidos de indemnizações triplas («triple damages») exigidas pelos compradores em causa. Essa é a razão pela qual as referidas indemnizações foram superiores a um montante meramente compensatório e comportaram um elemento de natureza penal. Consequentemente, a Comissão era obrigada a ter em conta estes montantes de carácter penal, em conformidade com o princípio segundo o qual nenhuma sanção pode ser aplicada duas vezes pela mesma infracção.

60     A Comissão pede que o fundamento em causa seja julgado improcedente.

B –  Apreciação do Tribunal

61     Importa recordar que o princípio non bis in idem proíbe punir uma mesma pessoa mais do que uma vez pelo mesmo comportamento ilícito, a fim de proteger o mesmo bem jurídico. A aplicação deste princípio está sujeita a uma tripla condição: de identidade dos factos, de identidade de infractor e de identidade do interesse jurídico protegido (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑123, n.° 338).

62     Assim, a jurisprudência comunitária admitiu que uma empresa pode validamente ser objecto de dois processos paralelos por um mesmo comportamento ilícito e, portanto, de uma dupla sanção, uma, da autoridade competente do Estado‑Membro em causa e, a outra, comunitária, na medida em que os referidos processos prossigam fins distintos e não exista identidade entre as normas violadas (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1969, Wilhelm e o., 14/68, Colect. 1969‑1970, p. 1, n.° 11; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Tréfileurope/Comissão, T‑141/89, Colect., p. II‑791, n.° 191, e de 6 de Abril de 1995, Sotralentz/Comissão, T‑149/89, Colect., p. II‑1127, n.° 29).

63     Consequentemente, o princípio non bis in idem, por maioria de razão, não pode ser aplicável ao caso presente, uma vez que os processos instaurados e as sanções aplicadas pela Comissão, por um lado, e pelas autoridades americanas e canadianas, por outro, não prosseguem manifestamente os mesmos objectivos. Com efeito, se no primeiro caso se trata de preservar uma concorrência não falseada no território da União Europeia ou no EEE, a protecção pretendida no segundo caso diz respeito ao mercado americano ou canadiano (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Abril de 2004, Tokai Carbon e o./Comissão, T‑236/01, T‑239/01, T‑244/01, T‑246/01, T‑251/01 e T‑252/01, Colect., p. II‑1181, n.° 134 e a jurisprudência aí indicada). Não está, assim, preenchida a condição da identidade do interesse jurídico protegido, necessária para que o princípio non bis in idem se possa aplicar.

64     Portanto, foi erradamente que a ADM invocou o princípio non bis in idem.

65     Esta conclusão não é posta em causa pelo acórdão Boehringer/Comissão, já referido no n.° 55 supra, invocado pela ADM. Com efeito, neste processo, o Tribunal de Justiça não referiu que a Comissão devia imputar uma sanção imposta pelas autoridades de um Estado terceiro no caso de os factos atribuídos a uma empresa pela Comissão e pelas referidas autoridades serem idênticos, antes se tendo limitado a indicar que essa questão deve ser decidida quando ocorra (acórdão Boehringer/Comissão, já referido no n.° 55 supra, n.° 3).

66     De qualquer forma, mesmo que o princípio da equidade possa, em certas circunstâncias particulares, obrigar a Comissão a ter em conta as sanções aplicadas pelas autoridades de Estados terceiros quando estas também punam um comportamento no território da Comunidade, há que concluir que a ADM não demonstrou ser isso o que se verifica no caso em apreço e que as autoridades americanas e canadianas puniram o acordo na medida em que abrangia os territórios da Comunidade ou do EEE.

67     Com efeito, a mera referência, na transacção celebrada com as autoridades americanas, ao facto de que o acordo visava produzir efeitos «nos Estados Unidos e fora deles» não demonstra que, no cálculo do montante da coima, as autoridades americanas tenham tido em conta as aplicações ou os efeitos do acordo para além dos verificados no território americano, em particular no EEE (v., neste sentido, acórdão Tokai Carbon e o./Comissão, já referido no n.° 63 supra, n.° 143).

68     Do mesmo modo, no que respeita ao elevado montante da coima devido à dimensão geográfica da infracção, há que considerar que esta simples afirmação não basta para demonstrar que o impacto do cartel no mercado do EEE foi tido em consideração.

69     No que respeita à transacção celebrada com as autoridades canadianas, a ADM não forneceu qualquer prova de que, na determinação do montante da coima, estas autoridades pretendessem abranger aplicações ou efeitos do acordo que não os ocorridos nesse país, em particular no EEE. A referência à dimensão mundial do acordo feita pelas autoridades canadianas e invocada pela ADM teve unicamente por objectivo definir a importância do acordo em todo o mercado canadiano.

70     Quanto ao efeito dissuasor das coimas já aplicadas e das indemnizações, entre as quais as indemnizações triplas que não são compensatórias, o Tribunal recorda que o poder da Comissão para aplicar coimas às empresas que, deliberadamente ou por negligência, cometem uma infracção às disposições do artigo 81.°, n.° 1, CE ou do artigo 82.° CE constitui um dos meios que lhe foram atribuídos com vista a permitir‑lhe cumprir a missão de vigilância que o direito comunitário lhe confere. Esta missão inclui o dever de prosseguir uma política geral destinada a aplicar, em matéria de concorrência, os princípios fixados pelo Tratado e a orientar o comportamento das empresas nesse sentido (acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido no n.° 47 supra, n.° 105).

71     Conclui‑se que a Comissão tem o poder de decidir do nível do montante das coimas, com vista a reforçar o seu efeito dissuasor, quando infracções de determinado tipo sejam ainda relativamente frequentes, não obstante a sua ilegalidade já ter ficado demonstrada desde o início da política comunitária em matéria de concorrência, devido ao benefício que algumas das empresas interessadas podem delas retirar (acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido no n.° 47 supra, n.° 108).

72     A ADM não pode validamente alegar não ser necessária qualquer dissuasão a seu respeito pelo facto de já ter sido condenada pelos mesmos factos por órgãos jurisdicionais de Estados terceiros. Com efeito, o objectivo de dissuasão pretendido pela Comissão tem a ver com a conduta das empresas na Comunidade ou no EEE. Consequentemente, o carácter dissuasor de uma coima aplicada à ADM por violação das regras comunitárias de concorrência não pode ser determinado nem em função, somente, da situação particular da ADM nem em função do seu respeito pelas regras de concorrência existentes em Estados terceiros fora do EEE (v., neste sentido, acórdão Tokai Carbon e o./Comissão, já referido no n.° 63 supra, n.os 146 e 147).

73     Por conseguinte, há que julgar improcedente o fundamento relativo à não consideração das coimas aplicadas noutros Estados.

III –  Quanto à gravidade da infracção

A –  Introdução

74     A ADM considera que a Comissão não apreciou correctamente a gravidade da infracção no âmbito do cálculo do montante da coima. Os fundamentos invocados a este respeito são relativos, em primeiro lugar, à não tomada em consideração – ou insuficiente tomada em consideração – do volume de negócios obtido com a venda do produto em causa, em segundo lugar, à aplicação de um coeficiente multiplicador ao montante de partida e, em terceiro lugar, ao impacto concreto do acordo no mercado.

75     Antes de se pronunciar sobre a justeza dos diferentes fundamentos aduzidos, importa resumir o método utilizado pela Comissão no caso em apreço no que respeita à apreciação e tomada em consideração da gravidade da infracção, tal como resulta dos considerandos da decisão.

76     Resulta da decisão que, para apreciar a gravidade da infracção, a Comissão, considerou, antes de mais, que as partes em causa tinham cometido uma infracção muito grave, atenta a sua natureza, o seu impacto efectivo no mercado do ácido cítrico e a dimensão do mercado geográfico, ou seja, todo o EEE (considerandos 204 a 232 da decisão).

77     A seguir, a Comissão entendeu que se devia aplicar às partes em causa um tratamento diferenciado «[…] de modo a ter em conta a capacidade económica efectiva dos infractores para provocarem danos significativos na concorrência e fixar a coima de modo a garantir que o seu montante produza um efeito suficientemente dissuasivo […]». Neste contexto, a Comissão referiu que teria em conta o peso específico de cada empresa e, por conseguinte, o impacto real do seu comportamento ilícito na concorrência (considerandos 233 e 234 da decisão).

78     Para apreciar estes elementos, a Comissão optou por utilizar como base o volume de negócios realizado pelas partes em causa com a venda de ácido cítrico a nível mundial durante o último ano do período da infracção, ou seja, 1995. Neste contexto, a Comissão considerou que, como o mercado do ácido cítrico tinha carácter global, «estes valores traçam o retrato mais adequado da capacidade das empresas participantes para causarem danos significativos aos outros operadores do mercado comum e/ou do EEE» (considerando 236 da decisão). A Comissão acrescentou que, na sua opinião, este método era validado pelo facto de se tratar de um cartel mundial, cujo objectivo era, inter alia, o de repartir os mercados a nível mundial. Considerou, além disso, que o volume de negócios mundial de uma das partes no cartel também dá uma indicação do seu contributo para a eficácia global do mesmo ou, inversamente, da instabilidade que teria afectado o cartel caso nele não tivesse participado (considerando 236 da decisão).

79     Nessa base, a Comissão decidiu dividir as empresas em três categorias: na primeira categoria, integrou a H & R, invocando o facto de que, «com uma quota de mercado mundial de 22%, era o maior operador do mercado». Numa segunda categoria, colocou a ADM, a JBL e a HLR, indicando que as duas primeiras detinham «quotas de mercado iguais, de [confidencial]» e que a última tinha uma quota de mercado de 9%. Por último, numa terceira categoria, colocou a Cerestar, por esta ser «indiscutivelmente o menor operador» com, em 1995, uma quota de mercado de 2,5%. Consequentemente, a Comissão fixou um montante de partida de 35 milhões de euros para a H & R, de 21 milhões de euros para a ADM, a JBL e a HLR e de 3,5 milhões de euros para a Cerestar (considerandos 237 a 239 da decisão).

80     Por último, a fim de garantir que a coima produziria um efeito suficientemente dissuasor, a Comissão procedeu a um ajustamento deste montante de partida em função da dimensão e dos recursos globais das partes em causa. Assim, a Comissão aplicou um coeficiente multiplicador de 2 (um aumento de 100%) ao montante de partida determinado para a ADM, que, portanto, passou a ser de 42 milhões de euros e um coeficiente multiplicador de 2,5 (um aumento de 150%) ao montante de partida determinado para a HLR, que atingiu, por conseguinte, os 87,5 milhões de euros (considerandos 240 a 246 da decisão).

B –  Quanto à não tomada em consideração do volume de negócios relativo à venda do produto em causa

1.     Argumentos das partes

81     A ADM acusa a Comissão de não ter tomado em consideração, ou de só o ter feito de forma insuficiente, o seu volume de negócios realizado com a venda do produto em causa no cálculo do montante de base da coima.

82     Por um lado, a ADM alega que resulta da jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância que o volume de negócios realizado em virtude do produto em causa é um elemento importante no cálculo das coimas (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Julho de 1994, Parker Pen/Comissão, T‑77/92, Colect., p. II‑549, n.os 92 a 95; de 8 de Outubro de 1996, Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, T‑24/93 a T‑26/93 e T‑28/93, Colect., p. II‑1201, n.° 233; de 21 de Outubro de 1997, Deutsche Bahn/Comissão, T‑229/94, Colect., p. II‑1689, n.° 127; e de 14 de Maio de 1998, SCA Holding/Comissão, T‑327/94, Colect., p. II‑1373, n.° 176).

83     A ADM considera que o facto de se ter em conta o volume de negócios realizado em virtude do produto em causa no EEE constitui uma base apropriada para avaliar as infracções às regras de concorrência no mercado do produto em causa na Comunidade, bem como a importância relativa dos participantes no acordo em relação aos produtos em causa. Esta conclusão é corroborada pela jurisprudência do Tribunal (acórdão Europa Carton/Comissão, já referido no n.° 47 supra, n.° 126, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, KNP BT/Comissão, T‑309/94, Colect., p. II‑1007, n.° 108, confirmado pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, KNP BT/Comissão, C‑248/98 P, Colect., p. I‑9641).

84     Além disso, segundo a ADM, o acórdão LR AF 1998/Comissão, já referido no n.° 41 supra, confirma que o facto de se ter em conta de forma desproporcionada a dimensão global de uma empresa para fixar uma coima é ilegal.

85     Do mesmo modo, a ADM invoca o facto de que, na sua prática decisória dos últimos anos em processos semelhantes ao do caso em apreço [Decisão 94/601/CE da Comissão, de 13 de Julho de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/C/33.833 – Cartão) (JO L 243, p. 1); Decisão 94/815/CE da Comissão, de 30 de Novembro de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (Processo IV/33.126 e 33.322 – Cimento) (JO L 343, p. 1); Decisão 86/398/CEE da Comissão, de 23 de Abril de 1986, relativa a um processo para aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (IV/31.149 – Polipropileno) (JO L 230, p. 1); Decisão 89/515/CEE da Comissão, de 2 de Agosto de 1989, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (processo IV/31 553: rede electrossoldada para betão) (JO L 260, p. 1); e Decisão 94/215/CECA da Comissão, de 16 de Fevereiro de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo 65.° do Tratado CECA relativo a acordos e práticas concertadas entre produtores europeus de vigas (JO L 116, p. 1)], a própria Comissão, como o reconheceu na decisão (considerando 253), se baseou no volume de vendas realizado com o produto em causa no mercado comunitário. Ora, a recorrente refere que, ao apoiar‑se nestas decisões sobre este critério de cálculo, a Comissão fixou coimas cujo montante se situava entre 2,5% e 9% do volume de negócios realizado pelas partes em causa em virtude do produto em questão. A ADM sublinha que, se a Comissão tivesse também adoptado este critério de cálculo no caso em apreço, teria sido forçada a impor‑lhe uma coima cujo montante se teria situado entre os 1,15 milhões de euros e os 4,14 milhões de euros. Em contrapartida, alega que, ao não ter seguido este critério de cálculo, a Comissão impôs‑lhe, no caso em apreço, coimas cujo montante é entre 10 e 34 vezes superior ao das coimas que lhe teria imposto com base neste critério.

86     A ADM considera que foi também incorrectamente que a Comissão sublinhou ter tido em conta o volume de negócios das partes em causa ao classificá‑las em três categorias correspondentes à importância das respectivas quotas no mercado mundial de ácido cítrico (considerando 236). Segundo a ADM, a Comissão devia igualmente ter tido em conta o valor limitado das vendas de ácido cítrico no EEE em 1995.

87     Com efeito, em primeiro lugar, como a própria Comissão admite, esta é obrigada a determinar a gravidade da infracção e, portanto, o nível da coima em função dos efeitos no EEE. Ora, a este respeito, o argumento invocado pela Comissão no considerando 236 da decisão, segundo o qual era necessário aplicar neste contexto o volume de negócios mundial na medida em que o objecto do acordo era «retirar, assim, reservas competitivas do mercado do EEE», é desprovido de fundamento. A decisão não indica que as partes tinham acordado retirar aprovisionamentos do mercado do EEE. A ADM sublinha que o acordo tinha fixado quotas numa base mundial (considerandos 97 a 101 da decisão) e que não havia quotas separadas para a Europa. Num acordo que afecta os consumidores do EEE, o dano que lhes é causado seria o mesmo se o acordo se estendesse ou não para fora do EEE. A este respeito, não deveria existir qualquer diferença na apreciação da gravidade da infracção e na determinação da coima aplicada.

88     Em segundo lugar, a prática decisória da Comissão é incoerente. Com efeito, nos processos tubos de aço sem costura [Decisão 2003/382/CE da Comissão, de 8 de Dezembro de 1999, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE (Processo IV/E‑1/35.860‑B – Tubos de aço sem costura) (JO 2003, L 140, p. 1)] e gluconato de sódio (Decisão de 2 de Outubro de 2001 relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° CE e do artigo 53.° do acordo EEE, COMP/E‑1/36.756 – Gluconato de sódio), a Comissão entendeu tomar apenas em consideração as vendas realizadas no EEE.

89     Em terceiro lugar, os efeitos perversos da tomada em consideração do volume de negócios mundial estão bem ilustrados no caso em apreço, uma vez que as vendas da ADM para o Canadá e para os Estados Unidos, que são cerca de 50% das suas vendas de ácido cítrico no mercado mundial, já foram consideradas pelas autoridades destes países quando impuseram sanções à ADM. Ao ter em conta o volume de negócios mundial, a Comissão aplicou uma coima desproporcionada em relação às vendas da ADM pelas quais esta já tinha sido punida.

90     Em quarto lugar, a ADM considera que, mesmo admitindo que o volume de negócios mundial realizado em resultado da venda de ácido cítrico pudesse constituir um factor pertinente na fixação da coima, a Comissão não o teve em conta de forma apropriada. Com efeito, o montante da coima aplicado à ADM (antes da aplicação da comunicação sobre a cooperação) era de 66% do volume de negócios mundial realizado com a venda de ácido cítrico. Esta sanção ultrapassa manifestamente qualquer dano causado aos consumidores ou à concorrência pela participação da ADM no acordo, que efectivamente apenas correspondeu a uma fracção do volume de negócios realizado no mercado mundial. Mais exactamente, a Comissão baseou‑se exclusivamente na totalidade do volume de negócios e dos recursos da empresa. Ora, entende a ADM, o facto de a Comissão se ter baseado de forma desproporcionada no volume de negócios total conduziu à aplicação de uma coima ilegal.

91     Consequentemente, a ADM considera que a Comissão não só desrespeitou os princípios resultantes da jurisprudência mas também violou o princípio da proporcionalidade.

92     Por outro lado, a ADM alega que as orientações indicam que é «necessário tomar em consideração a capacidade económica efectiva dos autores da infracção de causarem um prejuízo importante aos outros operadores, nomeadamente aos consumidores» e que estas prevêem ainda, no caso dos cartéis, uma ponderação eventual destinada a reflectir «o impacto real […] do comportamento ilícito de cada empresa na concorrência».

93     Ora, segundo a ADM, o impacto económico, quer na concorrência quer nos outros operadores, apenas pode ser avaliado em relação ao montante das vendas do produto em causa. Só a tomada em consideração dessas vendas permite apreciar a extensão do prejuízo potencial para os consumidores ou para a concorrência em termos de benefício anticoncorrencial ou de outras vantagens ilegais.

94     Consequentemente, considera que, ao não ter em conta o volume de negócios resultante da venda do produto em causa, a Comissão não aplicou correctamente as suas próprias orientações.

95     Por último, a ADM considera que, ao não expor de forma específica as razões que justificam a sua decisão de não ter em conta as vendas que a ADM tinha realizado no mercado do produto em causa no EEE, a Comissão violou o dever de fundamentação a que estava obrigada.

96     A Comissão pede que os fundamentos apresentados sejam julgados improcedentes.

2.     Apreciação do Tribunal

97     A ADM invoca, por um lado, a violação do princípio da proporcionalidade e das orientações e, por outro, a violação do dever de fundamentação.

a)     Quanto à violação do princípio da proporcionalidade

98     Conforme é reconhecido pela jurisprudência assente, a gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número de elementos, tais como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso e o seu contexto, e isto sem que se tenha fixado uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (despacho do Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1996, SPO e o./Comissão, C‑137/95 P, Colect., p. I‑1611, n.° 54, e acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão, C‑219/95 P, Colect., p. I‑4411, n.° 33; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, HFB e o./Comissão, T‑9/99, Colect., p. II‑1487, n.° 443).

99     De igual modo, é jurisprudência assente que, entre os elementos de apreciação da gravidade da infracção, podem, consoante o caso, constar o volume e o valor das mercadorias que são objecto da infracção, a dimensão e o poder económico da empresa e, portanto, a influência que esta possa ter tido no mercado. Daqui decorre, por um lado, que, para a determinação do montante da coima, é lícito tomar em consideração tanto o volume de negócios global da empresa, que constitui uma indicação, mesmo que aproximada e imperfeita, da sua dimensão e do seu poder económico, como da quota de mercado das empresas do mercado em causa e que é susceptível de indicar a amplitude da infracção. Daí resulta, por outro lado, que não se pode dar nem a um nem a outro destes valores uma importância desproporcionada em relação aos outros elementos de apreciação, pelo que a fixação do montante adequado da coima não pode ser o resultado de um simples cálculo baseado no volume de negócios global (v., neste sentido, acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido no n.° 47 supra, n.os 120 e 121; acórdãos Parker Pen/Comissão, já referido no n.° 82 supra, n.° 94; SCA Holding/Comissão, já referido no n.° 82 supra, n.° 176; Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, já referido no n.° 41 supra, n.° 188; e HFB e o./Comissão, já referido no n.° 98 supra, n.° 444).

100   Daqui resulta que, embora não se possa negar, como a ADM salienta, que o volume de negócios do produto em causa possa constituir a base apropriada para avaliar as infracções à concorrência no mercado do produto em causa na Comunidade, bem como a importância relativa dos membros do acordo relativamente aos produtos em causa, não é menos verdade que este elemento não constitui, nem de longe, o único critério segundo o qual a Comissão deve apreciar a gravidade da infracção.

101   Por conseguinte, ao contrário do que a ADM sustenta, limitar‑se, como ela parece propor, a apreciação à correspondência entre a coima aplicada e o volume de negócios do produto em causa para apreciar o seu carácter proporcional seria atribuir a este elemento uma importância desproporcionada. Há que apreciar o carácter proporcional deste nível de coima em relação a todos os elementos a que a Comissão deve atender na apreciação da gravidade da infracção, ou seja, a própria natureza da infracção, o seu impacto efectivo no mercado em causa e a dimensão do mercado geográfico.

102   A justeza da decisão relativamente a alguns destes critérios será analisada com base nos quatro argumentos da ADM destinados a demonstrar que a Comissão devia, no caso em apreço, ter aplicado nesse contexto o volume de negócios das empresas em causa a nível do EEE e não a nível mundial.

103   Através do seu primeiro argumento, a ADM critica, no essencial, o facto de, no considerando 236 da decisão, a Comissão ter considerado que era necessário utilizar o volume de negócios mundial para classificar as partes em causa em três categorias, pois o objecto do acordo tinha sido «retirar […] reservas competitivas do mercado do EEE». Ora, segundo a ADM, na decisão não se afirmava que as partes tinham acordado retirar aprovisionamentos do mercado do EEE.

104   O Tribunal considera que se deve concluir que a ADM cita esta parte da decisão fora do seu contexto. Uma leitura global do considerando 236 da decisão revela claramente que, na opinião da Comissão, no âmbito de um cartel mundial como o presente, apenas o volume de negócios mundial permite apreciar a capacidade efectiva de as partes interessadas provocarem danos no mercado em causa. Consequentemente, este primeiro argumento não é procedente.

105   Com o seu segundo argumento, a ADM pretende demonstrar que, na sua prática administrativa recente, a própria Comissão recorreu ao volume de negócios realizado no EEE.

106   O Tribunal observa, porém, que as duas decisões que a recorrente invoca para sustentar o referido argumento não são pertinentes no caso em apreço. Com efeito, no processo dito «tubos de aço sem costura» (v. n.° 88 supra), a Comissão não procedeu à classificação das partes em causa (v. considerandos 159 a 162 da decisão no referido processo). Quanto ao processo gluconato de sódio (v. n.° 88 supra), a Comissão recorreu, como no caso em apreço, ao volume de negócios mundial para proceder à classificação das empresas. A argumentação da ADM carece de apoio fáctico.

107   Com o seu terceiro argumento, a ADM refere, no essencial, que as suas vendas de ácido cítrico no Canadá e nos Estados Unidos, que são cerca de 50% das suas vendas desse produto no mercado mundial, já foram tidas em conta pelas autoridades desses países quando da imposição de sanções à ADM. Na medida em que, através desta argumentação, a ADM reitera, no essencial, o fundamento relativo à violação do princípio da proibição do cúmulo de sanções, esta argumentação já foi julgada improcedente pelo Tribunal (v. n.os 61 a 73 supra). Na medida em que, através desta argumentação, a ADM considera que não compete à Comissão fixar a coima com base em comportamentos em mercados exteriores ao espaço comunitário, esta argumentação carece de apoio fáctico. A Comissão não utilizou, com efeito, o volume de negócios mundial como base de cálculo da coima, mas apenas como meio para determinar a capacidade económica efectiva para provocar danos significativos à concorrência de cada empresa e para fixar a coima num nível que garanta que o seu montante produz um efeito suficientemente dissuasor para cada empresa, o que se justifica à luz do carácter mundial do acordo.

108   Com o seu quarto argumento, a ADM pretende, no essencial, demonstrar que a tomada em consideração do volume de negócios realizado em virtude da venda de ácido cítrico a nível mundial conduz à aplicação de uma coima desproporcionada em relação ao dano causado aos consumidores e à concorrência.

109   Ora, importa recordar que, no caso em apreço, se trata de um cartel que reúne empresas que operam a nível mundial, as quais detêm 60% das quotas de mercado do produto relevante a nível mundial, e, em especial, que tem por objecto, além da fixação dos preços, designadamente, a repartição do mercado através da atribuição de quotas de venda. Neste caso, no âmbito do tratamento diferenciado das partes em causa, a Comissão pode validamente, como o fez no caso em apreço, basear‑se no volume de negócios realizado pelos membros respectivos do cartel a nível mundial, no presente caso resultante da venda de ácido cítrico. Com efeito, o objectivo deste tratamento diferenciado é avaliar a capacidade económica efectiva dos infractores de provocarem danos na concorrência pelo seu comportamento ilícito e, portanto, ter em conta o seu peso específico no cartel. A Comissão não excedeu, consequentemente, a ampla margem de apreciação que lhe é reconhecida na matéria ao entender que a quota respectiva do mercado mundial dos membros do cartel era um valor indicativo apropriado.

110   Por conseguinte, os fundamentos relativos à violação do princípio da proporcionalidade devem ser julgados improcedentes.

b)     Quanto à violação das orientações

111   Tal como o Tribunal de Primeira Instância já teve ocasião de julgar, as orientações não prevêem que o montante das coimas seja calculado em função do volume de negócios global ou do volume de negócios realizado pelas empresas no mercado em causa. Contudo, também não se opõem a que tais volumes de negócios sejam tomados em consideração para a determinação do montante da coima, a fim de serem respeitados os princípios gerais de direito comunitário e quando as circunstâncias o exijam (v., neste sentido, acórdãos LR AF 1998/Comissão, já referido no n.° 41 supra, n.° 283, confirmado em sede de recurso pelo acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no n.° 41 supra, n.° 258, e Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, já referido no n.° 41 supra, n.° 187).

112   Por conseguinte, as orientações não prevêem que os volumes de negócios das empresas em causa – seja o volume de negócios global, seja o relativo à venda do produto em causa – constituem o ponto de partida do cálculo das coimas e, menos ainda, que constituem os únicos critérios relevantes para determinar a gravidade da infracção.

113   Em compensação, a Comissão pode tê‑lo em conta como um elemento relevante entre outros. Em particular, é este o caso quando, em conformidade com os terceiro a sexto parágrafos do ponto 1 A das orientações, a Comissão adapta o montante para garantir um nível suficientemente dissuasor das coimas. Neste contexto, a Comissão tem em conta a capacidade económica efectiva dos autores da infracção de causarem um prejuízo importante aos outros operadores e a necessidade de assegurar à coima um carácter suficientemente dissuasor (ponto 1 A, quarto parágrafo) e procede a uma ponderação dos montantes determinados em função do peso específico e assim do impacto real, do comportamento ilícito de cada empresa na concorrência, nomeadamente se existir uma disparidade considerável em termos de dimensão das empresas que cometeram uma infracção da mesma natureza (ponto 1 A, sexto parágrafo).

114   No caso em apreço, a Comissão alegou nos seus articulados que se tinha baseado no volume de negócios realizado no mercado do produto em causa para apreciar a importância relativa de cada uma das empresas. Ora, como resulta do considerando 236 da decisão, a Comissão teve efectivamente em conta o volume de negócios mundial realizado com o produto considerado para atender à importância relativa das empresas no mercado em causa. Com efeito, como se observou nos n.os 77 e 78 supra, a Comissão considerou que, para aplicar um tratamento diferenciado de modo a ter em conta a capacidade económica efectiva dos infractores para provocarem danos significativos na concorrência e fixar a coima num nível que lhe assegure um efeito suficientemente dissuasor, optou por se basear no volume de negócios realizado pelas partes em causa com a venda de ácido cítrico a nível mundial durante o último ano do período da infracção, ou seja, 1995.

115   No caso em apreço, trata‑se de um cartel mundial que abrange empresas que detêm uma grande parte do mercado do produto relevante a nível mundial. Por outro lado, o cartel tem por objecto a fixação dos preços e a repartição do mercado através da afectação de quotas de venda. Neste caso, no âmbito do tratamento diferenciado entre as empresas em causa, a Comissão pôde validamente basear‑se nos volumes de negócios realizados pelos membros desse cartel com a venda de ácido cítrico a nível mundial. Com efeito, na medida em que o objectivo deste tratamento diferenciado é avaliar a capacidade económica efectiva dos infractores de causarem danos à concorrência com o seu comportamento ilícito e, portanto, ter em conta o seu peso específico no cartel, a Comissão não excedeu a sua extensa margem de apreciação ao entender que a parte de mercado mundial dos membros respectivos do cartel era um valor indicativo apropriado.

116   Consequentemente, o fundamento relativo à violação das orientações deve ser julgado improcedente.

c)     Quanto à violação do dever de fundamentação

117   De acordo com jurisprudência assente, a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecerem as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente, do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas a quem o acto diga directa e individualmente respeito podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto cumpre as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 63, e de 30 de Setembro de 2003, Alemanha/Comissão, C‑301/96, Colect., p. I‑9919, n.° 87).

118   No que se refere a uma decisão que aplica coimas a diversas empresas por uma infracção às regras comunitárias de concorrência, o alcance do dever de fundamentação deve ser designadamente determinado à luz do facto de a gravidade das infracções dever ser determinada em função de um grande número de elementos, tais como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso e o seu contexto, sem que se tenha fixado uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (despacho SPO e o./Comissão, já referido no n.° 98 supra, n.° 54).

119   No caso em apreço, a Comissão calculou o montante da coima a aplicar a uma empresa com base no seu volume de negócios relativo ao produto em causa, embora não tenha tomado em consideração o volume de negócios relativo ao produto em causa no EEE, mas a nível mundial (v. n.° 114 supra). Contrariamente ao que afirma a ADM, a Comissão não era obrigada a ter em conta o volume de negócios relativo ao produto em causa no EEE (v. n.° 111 supra). Por conseguinte, não pode ser acusada de não ter indicado os motivos pelos quais não utilizou esse factor para calcular o montante da coima a aplicar.

120   Consequentemente, o fundamento relativo à violação do dever de fundamentação também deve ser julgado improcedente.

C –  Quanto à aplicação de um coeficiente multiplicador ao montante de partida

1.     Argumentos das partes

121   A ADM considera que a aplicação de um coeficiente multiplicador de 2 ao montante de partida (considerando 246 da decisão) constitui uma medida manifestamente desproporcionada, que, além disso, se baseia num raciocínio errado e viola o princípio da igualdade de tratamento.

122   Em primeiro lugar, a ADM recorda que, no âmbito dos processos instaurados nos Estados Unidos e no Canadá por violação das regras de concorrência, já tinha pago coimas [30 milhões de dólares dos Estados Unidos (USD) aos Estados Unidos e 2 milhões de dólares canadianos (CAD) ao Canadá], indemnizado os consumidores (83 milhões de USD), pago cerca de 34 milhões de USD para pôr fim ao processo intentado contra si pelos accionistas, assistido à condenação, nos Estados Unidos, de um dos seus funcionários numa pena de prisão e adoptado, à escala mundial, uma política de conformidade às regras de concorrência. Todas estas sanções e medidas fazem com que seja inútil e desproporcionada a imposição, pela Comissão, de uma nova sanção de carácter dissuasor.

123   Em segundo lugar, a ADM alega que, atendendo ao facto de as empresas serem entidades económicas racionais, para que a coima tenha efectivamente um carácter dissuasor, é apenas necessário que seja fixada a um nível tal que o seu valor esperado exceda o benefício retirado da infracção. Considera que se as empresas compreenderem que a perda ligada à sanção anula o benefício do acordo, a coima já terá tido um efeito dissuasor. Este entendimento foi confirmado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido no n.° 47 supra (n.° 108). Também corresponde às orientações que prescrevem (no ponto 1 A, quarto parágrafo) que se avalie o efeito dissuasor em relação à capacidade dos participantes no acordo em causa de provocarem um dano aos consumidores e, por conseguinte, exigem que qualquer benefício ilegal resultante de um acordo ilegal seja tido em consideração na determinação do efeito dissuasor apropriado. Por último, este entendimento é um conceito comum a outras regulamentações comunitárias.

124   A ADM não contesta que o volume de negócios global possa ser tido em conta no cálculo da coima. No entanto, o facto de lhe ser conferida uma importância desmesurada conduz à aplicação de uma coima desproporcionada. A Comissão limitou‑se, a este respeito, a defender o agravamento aplicado com base numa comparação, referindo‑se ao volume de negócios da ADM. Ora, nenhuma explicação racional pode justificar que o cálculo do agravamento com efeito dissuasor se tenha centrado no seu volume de negócios global. A perspectiva seguida pela Comissão não explica, de forma alguma, por que razão é necessário suprimir os benefícios realizados pela ADM com a venda de produtos que não têm qualquer relação com a infracção em causa com o objectivo de dissuadir as partes em causa de prosseguirem as suas actividades no âmbito de um acordo relativo ao ácido cítrico.

125   Em terceiro lugar, a ADM reafirma que uma sanção dissuasiva deveria suprimir o lucro que se espera obter com o acordo (v. n.° 123 supra). No entanto, a ADM alega que, no caso em apreço, foi a JBL que realizou as vendas anuais mais elevadas no EEE (77 milhões de euros) e obteve maior lucro com o acordo. Ora, a ADM refere que nesta fase do cálculo das coimas não foi imposto à JBL qualquer agravamento dissuasor. Em contrapartida, a ADM alega que, com vendas anuais no EEE de 46 milhões de euros, o montante de base da coima que lhe foi aplicada foi duplicado pelo agravamento de 21 milhões de euros imposto a título dissuasor. A ADM retira daqui que a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento.

126   Em quarto lugar, a ADM considera que a Comissão não pode validamente alegar, na sua contestação, que, além do acordo relativo ao mercado do ácido cítrico, a ADM participou simultaneamente em dois outros acordos. Com efeito, este elemento não foi considerado na decisão. Por outro lado, em cada uma das decisões relativas a estes acordos, a Comissão aplicou um coeficiente multiplicador para garantir um efeito dissuasor à coima.

127   Em quinto lugar, a ADM considera que a decisão não está suficientemente fundamentada em relação a este ponto. Com efeito, a ADM sustenta que a Comissão não especificou com que base se podia considerar necessário um agravamento desta dimensão para que a coima tivesse um efeito dissuasor. Tinha‑se limitado a declarar que sociedades de maior dimensão deviam ser punidas com coimas mais elevadas, não tendo, porém, indicado as razões pelas quais se considerava, no caso em apreço, que uma duplicação da coima era considerada adequada para a ADM, nem se tinham sido tidos em conta factores como as sanções já aplicadas e que exerciam um efeito dissuasor sobre a procura de benefícios a retirar do acordo. Ora, segundo a ADM, a Comissão era obrigada, no caso em apreço, a expor de forma clara os motivos que justificam a adopção da medida em causa. Com efeito, a ADM sustenta que não existem processos publicados em que a Comissão tenha acrescentado um agravamento «suficientemente dissuasor» enquanto medida suplementar no processo de cálculo das coimas. Por outro lado, este agravamento representa uma parte importante da coima que acabou por ser aplicada à ADM.

128   A Comissão pede que os fundamentos invocados sejam julgados improcedentes.

2.     Apreciação do Tribunal

a)     Quanto à violação do princípio da proporcionalidade

129   Quanto ao facto de a ADM alegar, no essencial, que, atendendo a que as empresas são entidades económicas racionais e que, para que a coima tenha efectivamente um carácter dissuasor, é apenas necessário que esta seja fixada num nível tal que o seu montante esperado ultrapasse o benefício resultante da infracção, importa recordar que a dissuasão é uma das principais considerações que deve guiar a Comissão na determinação do montante das coimas (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1970, Chemiefarma/Comissão, 41/69, Colect. 1969‑1970, p. 447, n.° 173, e de 14 de Julho de 1972, BASF/Comissão, 49/69, Recueil, p. 713, n.° 38, Colect., p. 281).

130   Ora, se a coima devesse ser fixada num nível que se limitasse a anular o benefício resultante do acordo não teria efeito dissuasor. Com efeito, pode razoavelmente presumir‑se que as empresas têm racionalmente em conta, no âmbito dos seus cálculos financeiros e da sua gestão, não apenas o nível das coimas que lhes podem ser aplicadas em caso de infracção mas também o nível de risco de detecção do acordo. Acresce que, se se reduzisse a função da coima à mera supressão do lucro ou do benefício esperado, não se teria suficientemente em conta o carácter de infracção do comportamento em causa nos termos do artigo 81.°, n.° 1, CE. Com efeito, ao reduzir a coima a uma simples compensação pelo dano sofrido, está‑se a desprezar, para além do efeito dissuasor que apenas pode visar comportamentos futuros, o carácter repressivo desta medida em relação à infracção concreta efectivamente cometida.

131   Do mesmo modo, no caso de uma empresa que, como a ADM, está presente num grande número de mercados e dispõe de uma capacidade financeira particularmente importante, a consideração do volume de negócios realizado no mercado em causa pode não ser suficiente para garantir um efeito dissuasor à coima. Com efeito, quanto maior uma empresa for e mais dispuser de recursos globais que lhe permitam agir de forma independente no mercado, mais deve estar consciente da importância do seu papel no bom funcionamento da concorrência no mercado. Portanto, os factos relativos ao poderio económico de uma empresa culpada de uma infracção devem ser tidos em conta na análise da gravidade da infracção. Consequentemente, a tomada em consideração do volume de negócios global da ADM para calcular o montante da coima não conduz à aplicação de uma coima desproporcionada no caso em apreço.

132   Consequentemente, há que julgar improcedente o fundamento relativo à violação do princípio da proporcionalidade.

b)     Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento

133   Importa recordar que, por força do princípio da igualdade de tratamento, a Comissão não pode tratar situações comparáveis de modo diferente ou situações diferentes de maneira idêntica, salvo se esse tratamento for objectivamente justificado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 1984, Sermide, 106/83, Recueil, p. 4209, n.° 28, e do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, BPB de Eendracht/Comissão, T‑311/94, Colect., p. II‑1129, n.° 309).

134   A ADM alega, no essencial, que, apesar de a JBL ter um volume de vendas de ácido cítrico mais elevado (77 milhões de euros) do que o por si realizado (46 milhões de euros), a Comissão não impôs à JBL um agravamento da coima como o que lhe foi imposto.

135   A este respeito, importa sublinhar que a aplicação do coeficiente multiplicador tem por objectivo garantir que a coima possua um efeito dissuasor mesmo para as empresas de muito grande dimensão. Ora, o volume de negócios realizado em 2000 pela JBL foi de apenas 314 milhões de euros, enquanto o da ADM foi de 13 936 milhões de euros. Por outro lado, importa também ter em conta que empresas muito grandes, como a ADM, têm uma responsabilidade acrescida quanto à manutenção da livre concorrência nos mercados em que estão presentes e dispõem, em regra, de infra‑estruturas mais importantes em termos de aconselhamento jurídico‑económico que lhes permite apreciar o carácter ilícito do seu comportamento à luz do direito comunitário da concorrência.

136   Consequentemente, o fundamento relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento deve também ser julgado improcedente.

c)     Quanto à violação do dever de fundamentação

137   Quanto ao facto de a ADM alegar, no essencial, que a Comissão não indicou as razões pelas quais uma duplicação da coima era considerada adequada, nem se tinham sido tidos em conta factores como as sanções já aplicadas e que exercem um efeito dissuasor sobre a procura de obtenção de lucros com o acordo, há que remeter, antes de mais, para a jurisprudência referida nos n.os 117 e 118 supra. A seguir, importa recordar que a Comissão fundamentou a aplicação de um coeficiente multiplicador, designadamente, à coima calculada para a ADM, com a necessidade de garantir um efeito suficientemente dissuasor à coima. A Comissão apoiou‑se, a este respeito, no volume de negócios mundial das partes em causa (considerandos 50 e 241 da decisão). Por último, no considerando 246 da decisão, indicou que considerava que a aplicação do coeficiente multiplicador de 2 era apropriada para garantir um carácter dissuasor à coima que devia ser aplicada à ADM.

138   No que respeita, em particular, à importância do coeficiente multiplicador aplicado à ADM, a Comissão podia limitar‑se a invocar a dimensão desta empresa, tal como resulta de forma aproximativa do volume de negócios global realizado por esta, e a acentuar a necessidade de garantir o carácter dissuasor da coima. Não cabia à Comissão, por força do dever de fundamentação, indicar os elementos numéricos relativos ao modo de cálculo subjacente a esta escolha (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, Sarrió/Comissão, C‑291/98 P, Colect., p. I‑9991, n.° 80).

139   Por conseguinte, a Comissão fundamentou suficientemente a decisão quanto a este aspecto e o fundamento relativo à violação do dever de fundamentação também deve ser julgado improcedente.

D –  Quanto à existência de erros de apreciação no que respeita ao impacto concreto do acordo no mercado

1.     Introdução

140   Antes de mais, importa recordar que a gravidade das infracções deve ser determinada em função de um grande número de elementos, tais como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso e o seu contexto, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (despacho SPO e o./Comissão, já referido no n.° 98 supra, n.° 54; acórdãos Ferriere Nord/Comissão, já referido no n.° 98 supra, n.° 33, e HFB e o./Comissão, já referido no n.° 98 supra, n.° 443). Neste contexto, o impacto concreto do acordo no mercado em causa pode ser tido em conta como um dos critérios pertinentes.

141   Nas suas orientações (ponto 1 A, primeiro parágrafo), a Comissão indicou que, para avaliar a gravidade de uma infracção, tem em consideração, além do carácter da própria infracção e da dimensão do mercado geográfico de referência, o «impacto concreto [da infracção] no mercado quando este for quantificável».

142   No que respeita ao caso em apreço, resulta dos considerandos 210 a 230 da decisão que a Comissão fixou efectivamente o montante da coima, determinado em função da gravidade da infracção, tendo em conta estes três critérios. Em particular, considerou, neste contexto, que o acordo teve um «impacto efectivo» no mercado do ácido cítrico (considerando 230 da decisão).

143   Ora, segundo a ADM, neste contexto, a Comissão cometeu vários erros de apreciação na avaliação do impacto concreto do acordo no mercado do ácido cítrico. Segundo a ADM, estes erros afectam o cálculo do montante das coimas.

2.     Quanto ao facto de a Comissão ter optado por uma perspectiva errada para demonstrar que o acordo tinha tido um impacto concreto no mercado

a)     Argumentos das partes

144   A ADM alega, no essencial, que a Comissão optou por uma perspectiva errada para demonstrar que a infracção teve um impacto concreto no mercado.

145   A ADM acusa a Comissão de não ter demonstrado o impacto concreto do acordo no mercado do ácido cítrico. Refere que, no considerando 211 da decisão, a própria Comissão declarou que a diferença entre os preços que foram realmente praticados e os que teriam sido aplicados caso o acordo não existisse não pode ser quantificada de forma fiável. Nesta situação, em vez de, pelo menos, apresentar uma teoria defensável, no plano económico, sobre o que teria ocorrido se o acordo não tivesse existido, a Comissão limitou‑se a invocar suposições no sentido de que a execução dos acordos do cartel tinha de ter produzido efeitos no mercado em causa.

146   A ADM considera que, não obstante ter apresentado à Comissão, durante o procedimento administrativo, um relatório de peritagem com data de 30 de Junho de 2000, mencionado, em particular, nos considerandos 222 e 223 da decisão e ao qual a ADM faz referência na sua resposta à comunicação de acusações e no qual ficou demonstrado que o acordo não produziu efeitos no mercado relevante (a seguir «relatório especializado»), a Comissão não procedeu a uma análise económica apropriada dos dados fornecidos. A ADM refere que o relatório especializado mencionava o seguinte:

«Consequentemente, as restrições que entravam as capacidades e a procura excedentária, acompanhadas de fornecimentos cada vez mais competitivos provenientes das importações chinesas de ácido cítrico, juntamente com grandes aumentos de capacidade empreendidos por diversos produtores, fornecem uma explicação convincente para o comportamento dos preços de 1991 a 1995 […] O facto de durante o período da infracção os preços não terem atingido os níveis verificados em meados da década de 80, apesar de a procura ser excedentária, acrescido da circunstância de os produtores que participaram no acordo não poderem controlar as capacidades ou a entrada de novos concorrentes no mercado, implica que se deve rejeitar a hipótese segundo a qual os produtores controlavam eficazmente o preço do ácido cítrico durante esse período.»

147   A ADM observa que, no considerando 226 da decisão, a própria Comissão admitiu que as explicações para as altas de preços de 1991 e de 1992, apresentadas, designadamente, pela ADM, «[podiam] ter alguma validade». No entanto, a ADM critica o facto de a Comissão se ter contentado em afirmar que não se podia excluir que o acordo tivesse afectado o mercado.

148   Em primeiro lugar, segundo a ADM, conclui‑se que a Comissão não demonstrou que o acordo tenha tido um impacto concreto no mercado susceptível de ser quantificado, na acepção das orientações, mas, pelo contrário, inverteu ilicitamente o ónus da prova.

149   Em segundo lugar, a ADM considera que daqui se infere que a Comissão cometeu um erro de direito ao declarar que as flutuações de preços são necessariamente compatíveis com um cartel eficaz. Com efeito, ao basear‑se nessa declaração, puramente abstracta, a Comissão não tomou em consideração o contexto da indústria nem os factores que justificam a conclusão segundo a qual, pelas razões expostas de forma detalhada no relatório especializado, os preços não aumentaram para além dos níveis fixados no acordo.

150   Em terceiro lugar, a ADM entende que a Comissão se equivocou ao emitir o parecer segundo o qual os aumentos de preços a curto prazo resultam necessariamente de um cartel eficaz. Existe, com efeito, um determinado número de sectores de produto competitivos que, confrontados com semelhantes insuficiências de capacidade e com uma procura excedentária análoga, praticaram aumentos de preços de 40% ou mais durante um curto lapso de tempo.

151   Além disso, a ADM alega que, para demonstrar que o acordo teve um impacto concreto no mercado em causa, a Comissão não se podia validamente basear na circunstância de os membros do cartel representarem 60% do mercado mundial e 70% do mercado europeu do ácido cítrico e de estes estarem implicados num cartel complexo de longa duração.

b)     Apreciação do Tribunal

152   Atendendo às acusações formuladas pela ADM quanto à perspectiva escolhida pela Comissão para demonstrar que o acordo teve um impacto concreto no mercado do ácido cítrico, há que resumir a análise efectuada pela Comissão, tal como resulta dos considerandos 210 a 228 da decisão, antes de se pronunciar sobre a procedência dos argumentos apresentados pela ADM.

 Resumo da análise efectuada pela Comissão

153   Antes de mais, a Comissão observa que, «[a] infracção foi cometida por empresas que, durante o período de referência, representavam em média mais de 60% do mercado mundial e cerca de 70% do mercado europeu de ácido cítrico» (considerando 210 da decisão).

154   A seguir, a Comissão afirmou que, «[d]ado que estes acordos foram aplicados, tiveram um impacto real no mercado» (considerando 210 da decisão). No considerando 212 da decisão, ao referir‑se à parte da sua decisão relativa à descrição dos factos, a Comissão reiterou o argumento segundo o qual os acordos do cartel «foram cuidadosamente executados» e acrescentou que «um dos participantes [tinha] declar[ado] que tinha ficado ‘surpreendido com o nível de formalidade e de organização a que tinham chegado os participantes para estabelecer este acordo’». Do mesmo modo, no considerando 216 da decisão, referiu que, «[à] luz do que fica dito e dos esforços devotados por cada participante à complexa organização do cartel, a eficácia da aplicação do acordo não pode ser questionada».

155   Por outro lado, a Comissão considerou que não era necessário «quantificar pormenorizadamente até que ponto os preços diferiram dos que poderiam ter sido aplicados caso estes acordos não existissem» (considerando 211 da decisão). Com efeito, a Comissão sustentou que «isto nem sempre pode ser quantificado de forma fiável, uma vez que vários factores externos podem ter afectado simultaneamente o desenvolvimento dos preços do produto, tornando, assim, extremamente difícil extrair conclusões sobre a importância relativa de todos os factores causais possíveis» (ibidem). No entanto, no considerando 213 da decisão, descreveu a evolução dos preços do ácido cítrico de Março de 1991 até 1995, referindo no essencial que, entre Março de 1991 e meados de 1993, os preços do ácido cítrico tinham aumentado 40% e que, após essa data, tinham sido essencialmente mantidos nesse nível. Do mesmo modo, nos considerandos 214 e 215 da decisão, recordou que os membros do cartel fixaram quotas de vendas e conceberam e aplicaram mecanismos de informação, de controlo e de compensação para assegurar o cumprimento das quotas.

156   Por último, nos considerandos 217 a 228 da decisão, a Comissão resumiu, analisou e rejeitou determinados argumentos invocados pelas partes em causa no procedimento administrativo. Em particular, resumiu o relatório especializado segundo o qual a evolução dos preços observada se teria sempre verificado mesmo que o acordo não tivesse existido. No considerando 226 da decisão, a Comissão considerou, porém, nos seguintes termos, que os argumentos apresentados pela ADM, baseados no relatório especializado, bem como os argumentos invocados por outras partes, não podiam ser aceites:

«As explicações para os aumentos de preços de 1991‑992 apresentadas pela ADM, a [H & R e a JBL] podem ter alguma validade, mas não demonstram de forma convincente que a aplicação do acordo do cartel não podia ter influenciado as flutuações de preços. Embora os fenómenos descritos possam verificar‑se na ausência de um cartel, também são perfeitamente compatíveis com a sua existência. O facto de os preços do ácido cítrico terem aumentado 40% em 14 meses não pode ser meramente explicado em termos de uma reacção concorrencial, mas deve ser interpretado à luz das circunstâncias de os participantes terem acordado aumentos coordenados dos preços e a afectação de quotas de mercado, bem como a criação de um sistema de comunicação de informações e de controlo. Tudo isto terá contribuído para o êxito dos aumentos de preços.»

 Apreciação

157   Em primeiro lugar, há que recordar que, segundo os termos do ponto 1 A, primeiro parágrafo, das orientações, no seu cálculo da coima em função da gravidade da infracção, a Comissão tem em conta, designadamente, «o […] impacto concreto [da infracção] no mercado quando este for quantificável».

158   A este respeito, há que analisar o significado exacto dos termos «quando este [ou seja, o impacto concreto] for quantificável». Em particular, trata‑se de determinar se, na acepção destes termos, a Comissão só pode ter em conta o impacto concreto de uma infracção no âmbito do seu cálculo das coimas se e na medida em que puder quantificar este impacto.

159   Tal como a Comissão alegou com razão, o exame do impacto de um acordo no mercado em causa implica necessariamente que se recorra a hipóteses. Neste contexto, a Comissão deve, designadamente, examinar qual teria sido o preço do produto em causa no caso de não existir acordo. Ora, no exame das causas da evolução real dos preços, é arriscado especular sobre a parte respectiva de cada uma destas últimas. Há que ter em conta a circunstância objectiva de que, devido ao acordo sobre os preços, as partes renunciaram precisamente à sua liberdade de entrarem em concorrência entre si através dos preços. Assim, a avaliação da influência resultante de factores diferentes dessa abstenção voluntária das partes no acordo baseia‑se necessariamente em probabilidades razoáveis e não quantificáveis com precisão.

160   Consequentemente, a menos que se retire o efeito útil a este critério que pode ser tido em conta para a determinação do montante da coima, não se pode criticar a Comissão por se ter baseado no impacto concreto de um acordo no mercado em causa, apesar de não poder quantificar esse impacto ou fornecer uma apreciação numérica quanto a esse aspecto.

161   Por conseguinte, o impacto concreto de um acordo no mercado em causa deve ser considerado suficientemente demonstrado se a Comissão puder fornecer indícios concretos e credíveis que indiquem, com uma probabilidade razoável, que o acordo teve um impacto no mercado.

162   No caso em apreço, resulta do resumo da análise efectuada pela Comissão (v. n.os 153 a 156 supra) que esta se baseou em dois indícios para concluir pela existência de um «impacto efectivo» do acordo no mercado. Com efeito, por um lado, invocou que os membros do cartel aplicaram cuidadosamente os acordos do cartel (v., designadamente, considerandos 210, 212, 214 e 215) e que, durante o período de referência, representavam em média mais de 60% do mercado mundial e cerca de 70% do mercado europeu de ácido cítrico (considerando 210 da decisão). Por outro lado, considerou que os dados fornecidos pelas partes durante o procedimento administrativo revelam uma certa concordância entre os preços fixados pelo acordo e os efectivamente praticados pelos membros do cartel (considerando 213 da decisão).

163   Ainda que seja verdade que, por si só, as expressões utilizadas nos considerandos 210 e 216 da decisão podem ser entendidas como sugerindo que a Comissão se baseou numa relação de causa e efeito entre a aplicação de um acordo e o seu impacto concreto no mercado, uma leitura de conjunto da análise demonstra, porém, que, contrariamente ao afirmado pela ADM, a Comissão não se limitou a deduzir da aplicação do acordo a existência de impactos efectivos deste no mercado.

164   Para além da existência de uma «cuidadosa» aplicação dos acordos do cartel, esta baseou‑se na evolução dos preços do ácido cítrico durante o período em causa abrangido pelo acordo. Com efeito, no considerando 213 da decisão, descreveu os preços do ácido cítrico entre 1991 e 1995 como tinham sido fixados entre os membros do cartel, anunciados aos clientes e, em larga medida, aplicados pelas partes. A seguir, examinar‑se‑á se, como sustenta a ADM, a Comissão cometeu erros na apreciação dos elementos de facto em que baseou as suas conclusões. No entanto, como já foi declarado no n.° 160 supra, não se pode acusar a Comissão de não ter procurado quantificar a importância do impacto do acordo no mercado ou fornecer uma apreciação numérica a esse respeito.

165   Neste contexto, também não se pode censurar a Comissão por considerar que o facto de os membros do cartel representarem uma parte muito importante do mercado de ácido cítrico (60% do mercado mundial e 70% do mercado europeu) constitui um factor importante a que deve atender para examinar o impacto concreto do acordo no mercado. Com efeito, não se pode negar que a probabilidade de eficácia de um acordo de fixação de preços e de quotas de venda aumenta com a importância das quotas de mercado partilhadas entre os membros desse cartel. Embora, por si só, este facto não demonstre a existência de um impacto concreto, não é menos verdade que, na decisão, a Comissão de modo nenhum provou essa relação de causa e efeito, apenas a tendo tido em conta como um elemento entre outros.

166   Por outro lado, a Comissão podia considerar validamente que o peso deste indício aumenta com a duração do acordo. Com efeito, em relação às despesas de administração e de gestão relacionadas com o funcionamento de um acordo complexo sobre, como no presente caso, a fixação dos preços, a repartição de mercados e a troca de informações atendendo aos riscos inerentes a estas actividades ilícitas, a Comissão podia razoavelmente entender que o facto de as empresas terem feito perdurar a infracção durante um longo período indica que os membros do cartel retiraram um determinado benefício desse acordo e, portanto, que este teve um impacto concreto no mercado em causa.

167   Por último, o facto de, no considerando 226 da decisão, a Comissão admitir que a análise contida no relatório especializado podia ter «alguma validade», considerando, contudo, que não demonstrava de forma convincente que a aplicação do acordo não era susceptível de influenciar as flutuações dos preços do ácido cítrico, não constitui uma inversão do ónus da prova. Esta passagem da análise demonstra, pelo contrário, que a Comissão ponderou cuidadosamente os diferentes argumentos a favor e contra a existência de um impacto concreto do acordo.

168   Resulta de todas as considerações precedentes que a Comissão não adoptou uma perspectiva errada para apreciar o impacto concreto do acordo no mercado do ácido cítrico.

3.     No que respeita à apreciação da evolução dos preços do ácido cítrico

a)     Argumentos das partes

169   A ADM alega que as provas apresentadas pela Comissão quanto à aplicação do acordo são limitadas e não demonstram a existência de um impacto concreto.

170   Em primeiro lugar, a ADM contesta o valor probatório da análise da Comissão quanto à evolução dos preços do ácido cítrico. A ADM critica, com efeito, que a Comissão tenha limitado a sua análise aos preços anunciados, não examinando os preços efectivamente facturados. Ora, sublinha a ADM, na realidade, a maioria dos preços que praticou em relação aos seus clientes eram inferiores aos preços estipulados no acordo durante todo o período em causa. Do mesmo modo, a Cerestar e a JBL também declararam que nunca prestaram atenção à fixação dos preços acordados (considerando 217 da decisão). A ADM acrescenta que os dados relativos à média mensal das vendas na Europa, fornecidos à Comissão pelas ADM, H & R e JBL [v. considerando 95 da decisão e as cartas da JBL de 28 de Setembro de 1998, da H & R (Bayer) de 23 de Setembro de 1997 e da ADM de 5 de Dezembro de 1997], apoiam também a conclusão segundo a qual os preços efectivamente praticados eram, em geral, inferiores aos preços acordados.

171   Além disso, a ADM chama a atenção para vários excertos de relatórios de vendas da H & R elaborados entre Março de 1991 e Setembro de 1994, dos quais resulta, na sua opinião, que foi exercida uma pressão contínua sobre os preços durante o período em causa.

172   Por outro lado, a ADM sublinha que esta conclusão é confirmada pelo que os clientes afirmaram a propósito da fixação concorrencial dos preços.

173   A ADM refere que, nos considerandos 91, 116 e 217 a 226 da decisão, a Comissão admitiu que, pelo menos durante o período compreendido entre meados de 1993 e Maio de 1995, se verificou um desrespeito em grande escala dos compromissos resultantes do acordo, o que teve um impacto directo nos preços fixados pelo acordo, e que, em virtude das importações chinesas, não foi possível respeitar estes preços.

174   Em segundo lugar, a ADM contesta o valor probatório da análise da Comissão quanto às quotas de venda. A ADM critica, com efeito, que a Comissão tenha limitado a sua análise às quotas acordadas e à aplicação de um mecanismo de controlo e de compensação e não tenha examinado as quantidades de ácido cítrico efectivamente vendidas pelas diferentes partes em causa.

175   A este respeito, a ADM observa, em primeiro lugar, que resulta do considerando 97 da decisão, e é confirmado pelo relatório especializado, que o aumento rápido da procura, sobretudo em 1991‑1992, tornou inoperante o sistema de fixação de quotas de tonelagem, que as partes abandonaram passados dois meses o sistema de fixação de quotas em termos de tonelagem que tinham acordado na sua reunião de 6 de Março de 1991, que o substituíram por um sistema de quotas baseado numa percentagem de vendas e que esse sistema permitia aos participantes vender a mais toneladas consideráveis de anos anteriores para retirar lucro do aumento da procura.

176   Em segundo lugar, a ADM observa que resulta dos considerandos 106 e 107 da decisão e do relatório especializado (n.os 35 a 40) que, todos os anos, as vendas realizadas pelas partes ultrapassaram as suas quotas ou foram inferiores a estas, o que suscitou incessantes diferendos. A JBL declarou mesmo, sem ser contestada pela Comissão, «que, na prática, nunca prestou atenção às quotas de mercado inicialmente acordadas». O facto de as partes do cartel não o terem respeitado é compatível com os aumentos de capacidade realizados sem restrições pelas ADM, JBL e HLR durante o período em causa.

177   Em terceiro lugar, a ADM sublinha que resulta do considerando 106 da decisão que os sistemas de controlo e de compensação não tinham a eficácia requerida para obrigar as partes a respeitar as suas quotas e constituíam uma causa importante de litígios no âmbito do cartel.

178   A ADM alega que, em processos comparáveis, a Comissão considerou que o desrespeito das cláusulas do acordo que cria o cartel teve um impacto limitado. Assim, na sua decisão no processo dito «ferries gregos», a Comissão admitiu que a concessão de descontos sobre o preço acordado no âmbito de um cartel a levou à conclusão de que o impacto efectivo no mercado tinha sido limitado e, na sua decisão no processo dito «operadores de Ferry – Sobretaxas de desvalorização cambial», que a resistência dos clientes aos aumentos de preços a tinha levado a concluir pela existência de um impacto limitado no mercado em causa. A ADM considera que devia ter sido reconhecida uma importância semelhante, no caso em apreço, à prova de descontos sobre os preços fixados pelo cartel e do desrespeito das quotas acordadas.

179   A Comissão rejeita a argumentação da ADM.

b)     Apreciação do Tribunal

180   Constitui jurisprudência assente que, para efeitos da fiscalização da apreciação feita pela Comissão sobre o impacto concreto do acordo no mercado, importa sobretudo analisar a apreciação dos efeitos produzidos pelo acordo sobre os preços (v. acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, já referido no n.° 41 supra, n.° 148, e, neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Cascades/Comissão, T‑308/94, Colect., p. II‑925, n.° 173, e Mayr‑Melnhof/Comissão, T‑347/94, Colect., p. II‑1751, n.° 225).

181   Além disso, a jurisprudência recorda que, no momento da determinação da gravidade da infracção, há que ter em conta, designadamente, o contexto regulamentar e económico do comportamento imputado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563, n.° 612, e Ferriere Nord/Comissão, já referido no n.° 98 supra, n.° 38) e que, para apreciar o impacto concreto de uma infracção no mercado, compete à Comissão tomar como referência a concorrência que teria normalmente existido sem a infracção (v., neste sentido, acórdão Suiker Unie e o./Comissão, já referido, n.os 619 e 620; acórdão Mayr‑Melnhof/Comissão, já referido no n.° 180 supra, n.° 235; e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Março de 1999, Thyssen Stahl/Comissão, T‑141/94, Colect., p. II‑347, n.° 645).

182   Daí resulta, por um lado, que, nos casos de acordos sobre os preços, há que verificar – com um grau de probabilidade razoável (v. n.° 161 supra) – se os acordos permitiram efectivamente às empresas em causa atingirem um nível de preços superior ao que se teria verificado sem o acordo. Daqui resulta, por outro lado, que, na sua apreciação, a Comissão deve ter em conta todas as condições objectivas do mercado em causa, tendo em conta o contexto económico e eventualmente regulamentar existente. Resulta dos acórdãos do Tribunal de Primeira Instância proferidos no processo relativo ao cartel do cartão (v., designadamente, acórdão Mayr‑Melnhof/Comissão, já referido no n.° 180 supra, n.os 234 e 235) que há que ter em conta a existência, sendo caso disso, de «factores económicos objectivos» que revelem que, no âmbito do «livre jogo da concorrência», o nível de preços não teria evoluído de forma idêntica à dos preços praticados (v., igualmente, acórdãos Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, já referido no n.° 41 supra, n.os 151 e 152, e Cascades/Comissão, já referido no n.° 180 supra, n.os 183 e 184).

183   No caso em apreço, ao basear‑se nos documentos apresentados pela ADM e pela JBL durante o procedimento administrativo, a Comissão analisou a evolução dos preços do ácido cítrico entre Março de 1991 e 1995, bem como, a título de medidas adoptadas com vista a aumentar a pressão sobre os preços, a fixação das quotas de venda e a instituição de um sistema de compensação.

184   No considerando 213 da decisão, a Comissão descreveu da seguinte forma a evolução dos preços do ácido cítrico, tal como acordados e aplicados pelos membros do cartel:

«De Março de 1991 a meados de 1993, os preços acordados no âmbito do cartel foram anunciados aos clientes e amplamente aplicados, em especial durante os primeiros anos de vida do cartel. O aumento de preço para 2,25 [marcos alemães (DEM)]/kg (ácido cítrico anidro) em Abril de 1991, decidido na reunião do cartel de Março de 1991, foi facilmente introduzido. A ele se seguiu uma decisão, tomada por telefone em Julho, de aumentar o preço para 2,70 de marcos alemães/kg (ácido cítrico anidro) em Agosto. Este aumento de preço também foi aplicado com êxito. Um aumento final para 2,80 marcos alemães/kg (ácido cítrico anidro) foi acordado na reunião de Maio de 1992 e aplicado em Junho de 1992. Após esta data, não foi aplicado qualquer outro aumento de preços e o cartel concentrou‑se na necessidade de os manter.»

185   Do mesmo modo, a Comissão recordou que, de 1991 a 1994, os membros do cartel fixaram as quotas de venda sob a forma de tonelagem fixa e precisa atribuída a cada membro do cartel submetida a um sistema de controlo. A Comissão observou que estas quotas tinham sido efectivamente aplicadas e que o cumprimento das instruções tinha sido constantemente controlado. Por outro lado, a Comissão recordou que os membros do cartel tinham acordado um mecanismo de compensação, que foi efectivamente aplicado, destinado a punir os membros do cartel que vendessem tonelagens superiores às que lhes tivessem sido atribuídas no âmbito das quotas de venda e de oferecer uma compensação aos que não as alcançassem (considerandos 214 e 215 da decisão, com remissão para a parte «Os factos» da decisão).

186   A ADM não contesta, enquanto tais, estes factos apurados pela Comissão no que respeita à evolução dos preços e à fixação das quotas de venda, antes se limitando, no essencial, a alegar que, na realidade, os preços e as quotas não tinham sido inteiramente seguidos.

187   Portanto, no que respeita à evolução dos preços do ácido cítrico, a ADM refere que, segundo várias comunicações enviadas à Comissão durante o procedimento administrativo e segundo o relatório especializado, a maioria dos preços efectivamente praticados foram inferiores aos preços acordados.

188   No entanto, resulta dos valores fornecidos pela ADM que existia um paralelismo permanente entre os preços fixados e os efectivamente praticados. Em particular, segundo estes valores, quando, entre Março de 1991 e Maio de 1992, os membros do cartel decidiram aumentar os preços para o ácido cítrico utilizado no sector da alimentação de 2,25 DEM/kg para cerca de 2,8 DEM/kg, os preços efectivamente pedidos aos clientes, que se situavam em Abril de 1991 entre 1,9 DEM/kg e 2,1 DEM/kg, tinham aumentado para se situarem entre 2,3 DEM/kg e 2,7 DEM/kg. Do mesmo modo, resulta destes valores que, durante todo o período em que os membros do cartel tinham fixado o nível dos preços em 2,8 DEM/kg, os preços efectivamente pedidos aos clientes mantiveram‑se em seguida de forma constante acima dos preços praticados antes da subida dos preços em 1991 e 1992.

189   O facto de as partes não terem respeitado o seu acordo e de não terem aplicado inteiramente os preços acordados não implica que, ao proceder deste modo, tenham aplicado preços que poderiam ter praticado se o acordo não existisse. Como a Comissão correctamente sublinhou no considerando 219 da decisão, o Tribunal já declarou, no âmbito da apreciação das circunstâncias atenuantes, que uma empresa que prossegue, apesar da concertação com os seus concorrentes, uma política mais ou menos independente no mercado pode simplesmente tentar utilizar o acordo em seu benefício (acórdão Cascades/Comissão, já referido no n.° 180 supra, n.° 230). Por outro lado, como a Comissão indicou no considerando 226 da decisão, o acordo permitiu aos seus membros coordenar a evolução dos preços no mercado.

190   O mesmo vale para a pretensa ineficácia do sistema de quotas de venda. A este respeito, a ADM limita‑se a alegar que, durante o período do acordo, o sistema tinha sido modificado de forma a permitir a cada membro do cartel vender tonelagens superiores às que lhes tinham sido atribuídas para beneficiar com o aumento da procura. Ora, esta argumentação não pode proceder. Não logra demonstrar que as tonelagens efectivamente vendidas pelos membros do cartel correspondiam às que teriam vendido se o acordo não tivesse existido e que o sistema, mesmo aplicado de forma menos eficaz do que a prevista pelas partes, não exerceu pressão sobre os preços. Por outro lado, não se pode excluir que os preços tivessem evoluído de forma ainda mais acentuada se o acordo que impedia as partes de se fazerem concorrência pelos preços não tivesse existido.

191   Tendo em atenção as considerações precedentes, a Comissão podia validamente considerar que dispunha de elementos concretos e credíveis que indicavam que os preços do ácido cítrico praticados no âmbito do acordo foram, segundo uma probabilidade razoável, mais elevados do que os que se teriam verificado se o acordo não tivesse existido.

192   Mesmo supondo, como alega a ADM ao basear‑se na análise económica contida no relatório especializado, que os preços praticados pelos membros do cartel eram largamente idênticos aos que se teriam verificado se o acordo não tivesse existido, a Comissão podia, contudo, com razão, afirmar, no considerando 226 da decisão, que o acordo permitiu aos membros do cartel coordenar a evolução dos preços. Por conseguinte, ainda que a evolução dos preços tenha sido em larga medida favorecida pelo jogo do mercado, não se podendo defender que o nível de preços evoluiu de modo idêntico ao dos preços praticados, as partes sempre puderam, todavia, coordenar a evolução dos preços.

193   Consequentemente, a argumentação da ADM não pode ser acolhida.

4.     No que respeita à definição do mercado de produtos relevante

a)     Argumentos das partes

194   A ADM considera que a Comissão cometeu erros na definição do mercado relevante. Ora, sublinha que a definição do mercado relevante é necessária para medir o impacto do acordo nesse mercado e que, por conseguinte, esses erros se repercutem no cálculo da coima. Com efeito, a ADM sustenta que a definição do mercado de produtos pertinente constitui uma parte essencial da análise a efectuar obrigatoriamente pela Comissão se esta pretender, na determinação do montante de uma coima, ter em conta o impacto económico mensurável do acordo no mercado de produtos relevante. Se esta análise não existir, a conclusão da Comissão relativa à existência de um impacto reduzir‑se‑á a uma apreciação teórica dos efeitos na concorrência potencialmente conexos a medidas restritivas, o que não constitui uma análise dos efeitos anticoncorrenciais observados na sequência da infracção fundada em indicações concretas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colect., p. II‑491, n.° 4866).

195   A ADM alega que resulta dos considerandos 8 a 14 da decisão que o ácido cítrico tem produtos de substituição para mais de 90% das suas aplicações. Do mesmo modo, a ADM alega que resulta do relatório especializado que «o mercado de produtos relevante para uma análise antitrust é o do ácido cítrico com fosfatos, e muito provavelmente também o dos ácidos minerais». Além disso, outros produtores de ácido cítrico também se expressaram neste sentido no procedimento administrativo. Por último, a ADM alega que o facto de o ácido cítrico poder ser substituído por outros produtos também está explicado num relatório de R. Bradley, H. Janshekar e Y. Yoshikawa, intitulado «CEH Marketing Research Report, Citric Acid» e publicado, em 1996, pelo «Chemical Economics Handbook – SRI International» (a seguir «relatório CEH»), relatório em que a própria Comissão se baseou na sua decisão (v., designadamente, considerando 72).

196   Contudo, a ADM sublinha que, não obstante estes factos, a Comissão se absteve de examinar se se devia considerar o produto ácido cítrico, por si só, como um mercado económico relevante ou se devia ser entendido como parte de um mercado mais vasto, que englobava os referidos produtos de substituição.

197   A Comissão rejeita a argumentação da ADM.

b)     Apreciação do Tribunal

198   Importa observar, em primeiro lugar, que, na decisão, a Comissão não analisou se o mercado do produto em causa devia ser limitado ao ácido cítrico ou se devia ser apreendido, como afirma a ADM, de forma mais ampla, englobando os seus produtos de substituição. Sob os títulos «O PRODUTO» (considerandos 4 a 14 da decisão) e «O MERCADO DE ÁCIDO CÍTRICO» (considerandos 38 a 53 da decisão), a Comissão limitou‑se a descrever as diferentes aplicações do ácido cítrico, bem como a dimensão do mercado de ácido cítrico.

199   Ora, no relatório especializado que a ADM submeteu à Comissão no procedimento administrativo, o mercado de produtos em causa é analisado e definido como sendo mais vasto, englobando produtos de substituição, designadamente, os fosfatos e os ácidos minerais. No entanto, na decisão, a Comissão não examinou os argumentos da ADM relativos à necessidade de recorrer a uma definição mais ampla do mercado do produto relevante.

200   Nesta medida, há que considerar que a argumentação da ADM só poderia prosperar se esta demonstrasse que, se a Comissão tivesse definido o mercado de produtos em causa em conformidade com as afirmações da ADM, deveria ter concluído que a infracção não teve impacto no mercado definido como sendo o do ácido cítrico e dos seus substitutos. Com efeito, como se declarou no n.° 161 supra, apenas nestas circunstâncias é que a Comissão não se poderia ter apoiado no critério do impacto concreto do acordo no mercado para efectuar o seu cálculo da coima em função da gravidade da infracção.

201   Ora, face à análise da evolução dos preços e das quotas de venda, efectuada pela Comissão nos n.os 213 e seguintes da decisão, a ADM não conseguiu demonstrar nem mesmo apresentar elementos que, reunidos, constituíssem um conjunto de indícios coerente que demonstrasse, com uma probabilidade razoável, que o impacto do acordo relativo ao ácido cítrico no mercado mais amplo que engloba os seus substitutos teria sido inexistente ou, pelo menos, desprezável. Mesmo no relatório especializado, quando este postula que o mercado devia ser definido de forma mais ampla, a análise quanto à pretensa inexistência de influência do acordo na evolução dos preços limita‑se ao mercado do ácido cítrico.

202   Por último, a ADM invoca erradamente o n.° 4866 do acórdão Cimenteries CBR e o./Comissão, já referido no n.° 194 supra. Com efeito, embora neste trecho do acórdão o Tribunal tenha considerado que a Comissão devia proceder a uma análise baseada em indicações concretas e não se podia limitar a tecer apreciações teóricas, esta passagem do acórdão não era referente à definição do mercado de produtos em causa, mas aos efeitos reais da infracção no mercado enquanto tais.

203   Consequentemente, há que julgar improcedente o fundamento relativo à definição errada do mercado de produtos em causa.

204   Atento tudo o que acaba de se expor, importa concluir que a ADM não provou que a Comissão cometeu erros manifestos de apreciação quanto ao impacto concreto do acordo no mercado.

IV –  Quanto à duração da infracção

205   A ADM recorda que, nos considerandos 91, 116 e 217 a 226 da decisão, a Comissão admitiu que, pelo menos durante o período compreendido entre meados de 1993 e Maio de 1995, se verificou um grande desrespeito dos compromissos, o que teve um impacto directo nos preços fixados no acordo, e que, em virtude das importações chinesas, não foi possível respeitar estes preços (v. n.° 173 supra).

206   Neste contexto, a ADM alega que a Comissão não podia aplicar à ADM um agravamento de 10% por ano de infracção (considerando 249 da decisão). Com efeito, ao proceder desta forma, a Comissão, segundo a ADM, violou o princípio da proporcionalidade e o princípio da igualdade de tratamento, pois afastou‑se da sua prática decisória [Decisão 98/273/CE da Comissão, de 28 de Janeiro de 1998, relativa a um processo para aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/35.733 – VW) (JO L 124, p. 60)] de impor um agravamento menor para os períodos durante os quais o acordo não foi respeitado ou não foi executado.

207   A Comissão pede que o fundamento seja julgado improcedente.

208   O Tribunal recorda que, no ponto B das orientações, a Comissão referiu que, relativamente às infracções de duração média, a saber, em geral, as infracções que duraram de um a cinco anos, podia aumentar o montante da coima aplicada em função da gravidade da infracção até 50% do seu montante.

209   No caso em apreço, no considerando 249 da decisão, a Comissão conclui que a ADM cometeu a infracção durante quatro anos, o que corresponde a uma duração média na acepção das orientações, e aumentou a coima em 40% em razão da sua duração. Conclui‑se que a Comissão respeitou as regras que se impôs nas orientações. Além disso, o Tribunal entende que este aumento de 40%, atendendo à duração da infracção, no caso em apreço, não é manifestamente desproporcionado.

210   Na medida em que a ADM invoca a decisão da Comissão no processo VW (v. n.° 206 supra), há que referir que os factos nesse processo são diferentes dos do em apreço. Com efeito, é suficiente referir que se tratava de um acordo que durou mais de dez anos e que, em conformidade com as suas orientações, a Comissão utilizou uma percentagem por ano para aumentar a coima e não, como no caso em apreço, uma percentagem única. Por outro lado, há que observar que, ao contrário do que afirma a ADM, não resulta de modo nenhum dos considerandos da decisão nesse outro processo que, à data desta decisão, a Comissão tenha procurado introduzir uma prática geral a respeitar em todas as decisões subsequentes.

211   Por conseguinte, o fundamento deve ser julgado improcedente.

V –  Quanto às circunstâncias agravantes

A –  Introdução

212   Nos considerandos 267 e 273 da decisão, a Comissão considerou que, juntamente com a HLR, a ADM era um dos líderes do cartel e aplicou, por conseguinte, um agravamento de 35% ao montante da coima destas duas empresas.

213   A ADM contesta ter sido um dos líderes do cartel e considera que a Comissão não podia validamente aumentar o montante da coima como o fez. Neste contexto, a ADM invoca, no essencial, quatro fundamentos relativos ao aumento da coima a título das circunstâncias agravantes. Em primeiro lugar, a ADM alega que a Comissão a qualificou incorrectamente de líder do cartel. Em segundo lugar, a ADM alega que a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento na medida em que lhe impôs a mesma taxa de agravamento que à HLR. Em terceiro lugar, a ADM considera que a Comissão violou os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade ao afastar‑se da sua prática decisória quanto à taxa de agravamento aplicada à ADM. Em quarto lugar, a ADM alega que a decisão enferma de uma violação do dever de fundamentação.

B –  Quanto à qualificação da ADM como líder do cartel

1.     Introdução

214   Resulta dos considerandos 263 a 266 da decisão que, para concluir que, juntamente com a HLR, a ADM devia ser considerada um líder do cartel, a Comissão afirmou, no essencial, que a ADM desempenhou um papel determinante no estabelecimento do cartel, bem como um papel motor no desenrolar das várias reuniões do cartel. A este respeito, a Comissão baseou‑se em três elementos diferentes.

215   Em primeiro lugar, nos considerandos 263 e 264 da decisão, a Comissão invocou o facto de que, em Janeiro de 1991, após ter penetrado nesse mercado em Dezembro de 1990, a ADM organizou diversas reuniões bilaterais com alguns dos principais produtores de ácido cítrico, designadamente, a H & R, a HLR e a JBL (a seguir «reuniões bilaterais organizadas pela ADM em Janeiro de 1991»). Em segundo lugar, no considerando 265 da decisão, a Comissão apoiou‑se numa declaração que um antigo representante da ADM, que participou nas reuniões do cartel (a seguir «antigo representante da ADM»), prestou ao FBI durante o processo antitrust que correu perante as autoridades americanas, como resulta de um relatório elaborado pelo FBI (a seguir «relatório do FBI») a respeito, designadamente, do comportamento tido por um outro representante da ADM que também participara nas reuniões do cartel (a seguir «outro representante da ADM»). Em terceiro lugar, no considerando 266 da decisão, a Comissão referiu‑se a uma declaração feita pela Cerestar no procedimento administrativo (a seguir «declaração da Cerestar»).

216   A ADM acusa a Comissão de ter cometido erros na apreciação de cada um destes três elementos, bem como de não ter fundamentado suficientemente a decisão a este respeito. Estes fundamentos serão examinados separadamente em relação a cada um destes três diferentes elementos. Por outro lado, a ADM alega que estes elementos não permitem, de forma alguma, concluir que a ADM desempenhou um papel de líder no âmbito do cartel.

2.     Quanto aos alegados erros cometidos pela Comissão no que respeita ao papel de líder desempenhado pela ADM

a)     Quanto às reuniões bilaterais organizadas pela ADM em Janeiro de 1991

 Argumentos das partes

217   A ADM considera que o seu comportamento nas reuniões realizadas em Janeiro de 1991, e em que participaram, para além de si própria, a H & R, a HLR e a JBL, não pode ser considerado um elemento demonstrativo do seu papel de líder do cartel. A ADM cita para este efeito extractos do considerando 264 da decisão, em que a Comissão declarou que «o facto de se ter realizado uma ronda de reuniões bilaterais entre a ADM e os seus concorrentes pouco tempo antes da primeira reunião multilateral do cartel não [era] suficiente para provar que a ADM era a instigadora do cartel».

218   De qualquer modo, a ADM considera que a decisão enferma de uma violação do dever de fundamentação. Com efeito, ao declarar que a existência dessas reuniões bilaterais não bastava para concluir que a ADM era a instigadora do cartel, a Comissão entrou em contradição com a sua própria análise contida no considerando 263 quanto às referidas reuniões.

219   A Comissão pede que os argumentos da ADM sejam julgados improcedentes.

 Apreciação do Tribunal

220   Importa observar que, no considerando 263 da decisão, a respeito das reuniões bilaterais organizadas pela ADM em Janeiro de 1991, a Comissão indicou que se tinha apoiado em dois documentos. Em primeiro lugar, a Comissão baseou‑se num memorando com data de 15 de Janeiro de 1999, que a ADM tinha elaborado, relativo a uma entrevista do antigo representante da ADM no cartel com os serviços da Comissão em 11 de Dezembro de 1998. Em segundo lugar, a Comissão baseou‑se no relatório do FBI.

221   A respeito destas reuniões bilaterais organizadas pela ADM em Janeiro de 1991 com os principais produtores de ácido cítrico, ou seja, a H & R, a HLR e a JBL, a Comissão considerou que, apesar de a ADM ter qualificado estas reuniões de simples apresentação destinada aos outros concorrentes, era «muito provável que estas reuniões [tivessem] desempenhado um papel determinante no estabelecimento (ou restabelecimento) do cartel do ácido cítrico em Março de 1991». Com efeito, segundo a Comissão, «[t]endo em conta o lapso de tempo muito curto que separa esta série de reuniões da primeira reunião multilateral do cartel, em 6 de Março de 1991, é muito provável que a possibilidade ou a intenção de constituir um cartel formalizado tenha sido discutida. Isto é sustentado, em especial, pelo conteúdo das discussões então mantidas, como é descrito por um funcionário da ADM: embora a descrição das discussões permaneça vaga, este funcionário menciona que em duas ocasiões, pelo menos, um concorrente foi ‘rebaixado’ pelo modo como conduzia o seu negócio do ácido cítrico». A Comissão considerou que «[e]sta manifestação de ressentimento contra um concorrente acusado de não proceder correctamente no mercado [era] uma clara indicação do intuito anticoncorrencial de introduzir mais disciplina no mercado» (considerandos 74, 75 e 263 da decisão).

222   Além disso, no considerando 264 da decisão, a Comissão acrescentou que «o facto de se ter realizado uma ronda de reuniões bilaterais entre a ADM e os seus concorrentes pouco tempo antes da primeira reunião multilateral do cartel não [era] suficiente para provar que a ADM era a instigadora do cartel, muito embora [fosse] uma forte indicação de que assim acontecia».

223   Na medida em que a ADM invoca erros de apreciação a propósito destas reuniões bilaterais, importa notar, desde logo, que a mesma não nega ter organizado estas reuniões. Seguidamente, também não acusa a Comissão de ter resumido incorrectamente os documentos nos quais se baseou a este respeito. Em contrapartida, a ADM sustenta que estas reuniões bilaterais tinham unicamente por objecto permitir apresentar‑se aos outros membros do cartel.

224   Ora, embora seja verdade, como a Comissão sublinhou no considerando 264 da decisão, que as informações de que a Comissão dispunha a respeito destas reuniões bilaterais não eram por si só suficientes para concluir que, nessas reuniões, a ADM desempenhou o papel de instigadora do cartel, não é menos verdade que a Comissão podia considerar, com razão, que a realização dessas reuniões bilaterais, organizadas pela ADM precisamente antes da primeira reunião multilateral do cartel, constituía uma «forte indicação» de que a ADM era um instigador do cartel.

225   O simples facto de, no considerando 264 da decisão, a Comissão ter relativizado o valor probatório da existência dessa reuniões bilaterais quanto ao papel de instigador da ADM no cartel não significa que a Comissão tenha efectuado uma análise errada das referidas reuniões. Pelo contrário, a perspectiva adoptada pela Comissão demonstra que analisou cuidadosamente os documentos invocados para concluir que a existência destas reuniões bilaterais apenas constituía um indício forte do papel de instigador desempenhado pela ADM no cartel, mas não era suficiente para daí retirar conclusões definitivas.

226   Consequentemente, a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao invocar a existência destas reuniões como um indício suplementar em relação aos outros dois elementos em que se baseou para concluir que a ADM tinha desempenhado um papel de líder do cartel.

227   Dado que a ADM invoca uma violação do dever de fundamentação, importa observar que os considerandos 263 e 264 da decisão revelam de forma clara e inequívoca a fundamentação da instituição. Com efeito, embora, no considerando 263 da decisão, a Comissão tenha considerado que as reuniões sucessivas entre a ADM e, respectivamente, a H & R, a HLR e a JBL em Janeiro de 1991 desempenharam muito provavelmente um papel determinante no estabelecimento do cartel do ácido cítrico em Março de 1991, no considerando 264 da decisão, a Comissão precisou as consequências para a ADM desta conclusão, referindo que o facto de se ter realizado uma ronda de reuniões bilaterais entre a ADM e os seus concorrentes pouco tempo antes da primeira reunião multilateral do cartel não bastava para concluir que a ADM era a instigadora do cartel, muito embora seja uma forte indicação de que assim acontecia. Esta precisão não é contraditória e não afecta a coerência da fundamentação da Comissão. Por conseguinte, não se a pode acusar, a este respeito, de uma falta de fundamentação.

228   Consequentemente, a Comissão não cometeu, a este respeito, um erro manifesto de apreciação nem violou o dever de fundamentação.

b)     Quanto à declaração do antigo representante da ADM ao FBI

 Antecedentes e teor da decisão

229   Em 11 e 12 de Outubro de 1996, o antigo representante da ADM fez uma declaração no seu interrogatório pelo «grand jury» no âmbito do processo antitrust iniciado nos Estados Unidos, que resultou na celebração de uma transacção judicial (plea agreement). Este interrogatório, no qual o antigo representante da ADM foi assistido pelos seus advogados, foi realizado posteriormente à adopção de uma injunção (compulsion order). Este interrogatório originou a elaboração do relatório do FBI com data de 5 de Novembro de 1996.

230   Resulta de um ofício enviado em 11 de Outubro de 1996 pelas autoridades competentes dos Estados Unidos ao advogado do antigo representante da ADM que este interrogatório foi efectuado a pedido da ADM, que aceitou submeter‑se ao interrogatório sob reserva de exercer o seu direito, conferido pela Constituição dos Estados Unidos, de não responder a questões susceptíveis de conduzirem à sua própria incriminação (quinta emenda). Este ofício referia igualmente que as autoridades competentes dos Estados Unidos, antes desse interrogatório, concederam ao antigo representante da ADM imunidade penal relativamente aos factos confessados na sua declaração, desde que este respondesse de forma sincera e verídica às questões colocadas e fornecesse todas as informações de que dispunha. Do mesmo modo, as autoridades competentes dos Estados Unidos referiram que a declaração feita pelo antigo representante da ADM no interrogatório não podia ser utilizada directa ou indirectamente contra a ADM ou um dos seus empregados, uma das suas filiais ou uma das sociedades coligadas com ela, no âmbito de um processo penal.

231   No referido interrogatório de 11 e de 12 de Outubro de 1996, o antigo representante da ADM forneceu uma descrição detalhada do funcionamento do cartel e das partes implicadas. Apresentou, designadamente, uma descrição das reuniões periódicas ao mais alto nível (designadas reuniões dos «chefes» ou igualmente «G‑4/5»), bem como das reuniões mais técnicas (chamadas reuniões «sherpas»), reuniões nas quais ele próprio participou em grande parte. Em particular, nas páginas 21 e 22 do relatório do FBI, figura a passagem da declaração do antigo representante da ADM da qual a Comissão citou excertos no considerando 265 da decisão.

232   No âmbito do procedimento administrativo desencadeado pela Comissão, a Bayer comunicou‑lhe o relatório do FBI. Além disso, também no procedimento administrativo, em 11 de Dezembro de 1998, numa reunião entre os serviços da Comissão e os representantes da ADM (v. considerando 57 da decisão), a Comissão interrogou o antigo representante da ADM. Na sequência dessa reunião, a ADM apresentou à Comissão um memorando não datado e intitulado «Memorando baseado na entrevista do [antigo representante da ADM no cartel] na Comissão em 11 de Dezembro de 1998».

233   Seguidamente, na comunicação de acusações, a Comissão baseou‑se, designadamente, na declaração do antigo representante da ADM como resulta do relatório do FBI. Além disso, a Comissão juntou este relatório à comunicação de acusações.

234   Por último, na sua resposta à comunicação de acusações, a ADM referiu‑se à declaração que o seu antigo representante fez ao FBI para sublinhar a importância da cooperação da ADM, não apenas no âmbito do procedimento na Comissão mas também perante as autoridades americanas. Por outro lado, a ADM referiu‑se por diversas vezes ao relatório do FBI para alegar que tinha cooperado plenamente no âmbito do procedimento na Comissão, que o acordo apenas teve um impacto limitado no mercado do ácido cítrico e que devia beneficiar de circunstâncias atenuantes no cálculo da coima. Em particular, a ADM, neste contexto, apoiou‑se no relatório do FBI para demonstrar que, na sua opinião, não desempenhou o papel de um líder do cartel, ainda que, com esta argumentação, tivesse tentado demonstrar à Comissão que devia beneficiar de uma circunstância atenuante.

235   No considerando 265 da decisão, a Comissão referiu‑se ao relatório do FBI nos seguintes termos:

«Durante o seu interrogatório pelo FBI em 1996, [o] antigo representante da ADM nas reuniões do cartel referiu‑se a outro representante da ADM nas mesmas reuniões dizendo que ‘a mecânica do acordo G‑4/5 pareceu ser ideia do [outro representante da ADM] e na reunião de 6 de Março de 1991, em Basileia, em que o acordo [ácido cítrico] foi formulado, o [outro representante da ADM] teve um papel bastante activo’. Referindo‑se ao mesmo colega, acrescentou ainda que o [outro representante da ADM] era considerado como ‘O Velho Sábio’, sendo até alcunhado de ‘o Pregador’ pelo [nome do representante da JBL].»

 Argumentos das partes

236   A ADM alega que a Comissão cometeu um erro ao basear‑se no relatório do FBI como documento para demonstrar a «leadership» da ADM.

237   Em primeiro lugar, a ADM alega que a Comissão não podia validamente ter‑se baseado no relatório do FBI, na medida em que esse relatório fazia parte dos elementos de prova reunidos pelas autoridades de um país terceiro responsáveis por um inquérito, as quais não estão abrangidas pela protecção processual garantida pelo direito comunitário. A ADM sublinha que nem ao antigo representante da ADM nem ao seu advogado foi dada a oportunidade de rever, aprovar ou assinar a declaração.

238   Semelhantes declarações foram consideradas intrinsecamente pouco fiáveis nos órgãos jurisdicionais dos Estados Unidos. Além disso, a ADM observa que, no seu acórdão de 10 de Novembro de 1993, Otto (C‑60/92, Colect., p. I‑5683, n.° 20), o Tribunal de Justiça admitiu que as informações obtidas no âmbito de um processo nacional que não tenham relação com o direito de defesa contra uma auto‑incriminação, reconhecido pela Comunidade, podem, certamente, ser levadas ao conhecimento da Comissão, designadamente, por uma parte interessada. Porém, o Tribunal de Justiça também aí declarou que resulta do seu acórdão de 18 de Outubro de 1989, Orkem/Comissão (374/87, Colect., p. 3283), que a Comissão – como, aliás, as autoridades nacionais – não pode utilizar estas informações como meio de prova de uma infracção às regras de concorrência no âmbito de um processo susceptível de levar à aplicação de sanções ou como indício que justifique a abertura de um inquérito prévio a um processo desse tipo.

239   A ADM sublinha não afirmar que as autoridades dos Estados Unidos não aplicaram garantias processuais. Refere que o antigo representante da ADM estava, com efeito, acompanhado pelo seu advogado e obteve imunidade contra a instauração de processos. No entanto, a ADM alega que estão em causa elementos de prova reunidos no âmbito de um processo instaurado num país terceiro, aos quais não podem ser aplicadas as garantias conferidas pelo direito comunitário. A Comissão não podia, evidentemente, determinar o valor probatório de um documento se não compreendia como este tinha sido elaborado, nem que garantias processuais tinham acompanhado a sua redacção, incluindo factores determinantes como a questão de saber se o referido documento foi elaborado sob juramento ou sujeito a revisão da testemunha ou do seu advogado.

240   Em segundo lugar, a ADM considera que a Comissão não se podia basear no relatório do FBI pois não lhe foi dada a oportunidade de exercer os seus direitos de defesa contra uma auto‑incriminação, como o reconheceu o acórdão Orkem/Comissão, já referido no n.° 238 supra. A ADM acrescenta ser irrelevante que a renúncia a demandar judicialmente a ADM se aplique apenas a processos de natureza penal.

241   A ADM recorda que a declaração em questão foi prestada pelo antigo representante da ADM e foi objecto de uma renúncia aos direitos de defesa contra uma auto‑incriminação sob a condição de a referida declaração não ser utilizada pelas autoridades dos Estados Unidos contra, designadamente, o seu antigo representante ou ela própria. Contudo, prossegue, contrariamente às autoridades dos Estados Unidos, a Comissão não lhe deu, durante o procedimento que instaurara, a oportunidade de exercer o seu direito de oposição à auto‑incriminação a respeito da declaração do antigo representante da ADM. A ADM não contesta que a Comissão podia invocar os excertos do relatório do FBI que coincidem com o depoimento directo do antigo representante da ADM na Comissão. Ora, a ADM sublinha que o depoimento directo do seu antigo representante na Comissão não incide sobre os pontos relativos à «leadership» nos quais esta se baseou ao referir‑se ao relatório do FBI. A ADM acusa a Comissão de ter interrogado o seu antigo representante pessoalmente e de ter tido a oportunidade de o interrogar tanto directamente como colocando‑lhe questões escritas, mas de não ter abordado a questão de saber se a ADM era um líder, como também não o fez posteriormente durante o inquérito.

242   Em terceiro lugar, a ADM alega que, por três razões, o relatório do FBI não é intrinsecamente fiável.

243   Em primeiro lugar, a ADM observa que o relatório foi redigido por agentes do FBI e por magistrados americanos do Ministério Público preocupados em fazer singrar o seu caso. Estes relatórios não tinham sido juntos aos processos nos tribunais americanos por serem elementos de prova por ouvir dizer e, portanto, inadmissíveis, pois investigadores que pretendam estabelecer uma acusação sólida em processo penal podem ser levados a não apresentar um relatório exaustivo das declarações da pessoa interrogada.

244   Em segundo lugar, a ADM reitera a asserção segundo a qual nem o antigo representante da ADM nem o seu advogado tiveram a oportunidade de ler, aprovar ou assinar a declaração e que, dois anos mais tarde, num interrogatório contraditório sobre o seu depoimento na audiência, quando o antigo representante da ADM compareceu na qualidade de testemunha indicada pelas autoridades dos Estados Unidos, este declarou não ter visto o relatório do FBI antes. Além disso, a ADM observa que, durante esse interrogatório contraditório, o antigo representante da ADM pôs em causa a exactidão da passagem do relatório que lhe foi submetida nessa altura.

245   Em terceiro lugar, a ADM considera que o relatório do FBI apresenta uma contradição interna no que respeita ao papel de líder por si desempenhado. Com efeito, a ADM alega que, enquanto a Comissão se baseou na parte do relatório, reproduzida na página 22 do mesmo, segundo a qual o superior do antigo representante da ADM formulou o acordo e desempenhou um papel activo na reunião inicial de 6 de Março de 1991, na página 7 do relatório precisa‑se, a propósito dessa mesma reunião de 6 de Março de 1991, que «[a] reunião foi ‘manifestamente dirigida pelo [representante da HLR]’, que o antigo representante da ADM designa como ‘o principal protagonista’».

246   A ADM acrescenta que resulta do memorando de 11 de Novembro de 1998 (v. n.° 232 supra) que «[o representante da HLR] [...] assegurou a presidência desse grupo informal», que «a ADM não participou minimamente» e que «[os representantes da ADM] limitaram‑se sobretudo a ouvir» (p. 3).

247   Em quarto lugar, a ADM invoca as declarações do antigo representante da ADM e do seu advogado prestadas em 26 de Fevereiro de 2002 para fins do presente processo.

248   No que respeita à declaração do advogado do antigo representante da ADM, a ADM observa que este precisa que as notas elaboradas pelo próprio a partir das respostas dadas pelo antigo representante da ADM no interrogatório efectuado pelo FBI mostram que o relatório do FBI difere de modo subtil, mas importante, do teor efectivo das respostas dadas pelo antigo representante da ADM em relação, precisamente, à questão da leadership. A ADM observa que as notas do advogado do seu antigo representante foram concomitantes às declarações do seu cliente, enquanto que o relatório do FBI retomava posteriormente os termos utilizados pelo antigo representante da ADM.

249   Com efeito, em primeiro lugar, resulta das notas do antigo representante da ADM que este afirmou que o papel do outro representante da ADM na reunião de 6 de Março de 1991 tinha sido «razoavelmente activo», mas que este nunca tinha «pretendido dirigir». O relatório do FBI referiu essa participação qualificando‑a de «papel activo», mas omitiu a importante restrição adverbial já referida.

250   Em segundo lugar, resulta das notas do advogado do antigo representante da ADM que o FBI não lhe perguntou se o mecanismo do acordo do «G‑4/G‑5» era uma ideia do outro representante da ADM. Mais exactamente, no âmbito de uma série de questões relativas ao cartel, foi perguntado ao antigo representante da ADM se «era evidente que se tratava de uma ideia [do outro representante da ADM]», ao que o antigo representante da ADM respondeu «sim». Por conseguinte, as perguntas respeitaram à questão de saber se a adesão da ADM ao cartel foi ideia do outro representante da ADM e não se o mecanismo do acordo foi ideia do referido representante. A pergunta e a resposta eram, no mínimo, extremamente ambíguas e não podiam ser equiparadas à declaração afirmativa que consta do relatório do FBI, segundo a qual «o mecanismo do acordo G‑4/G‑5 parecia ser ideia do [outro representante da ADM]». Contrariamente, a ADM alega, no que respeita às discussões relativas ao mecanismo do acordo formulado na reunião de 6 de Março de 1991, que as notas do advogado do antigo representante da ADM referem que este último declarou, sem qualquer ambiguidade, que o representante da HLR era o principal participante, preconizando um sistema de quotas. Além disso, destas notas resulta que o outro representante da ADM «não tomava muito a palavra» e que este último «tinha o costume, nas reuniões, de ouvir e ver o que se passava». A ADM assinala que estas afirmações estão de acordo com a declaração do seu antigo representante segundo a qual o outro representante da ADM «nunca [tinha] pretendido dirigir» e que «outros [tinham]‑no feito antes».

251   Em terceiro lugar, a ADM observa que as notas do advogado do seu antigo representante indicam que este não empregou a expressão «O Velho Sábio» no que respeita ao outro representante da ADM.

252   No que respeita à declaração do antigo representante da ADM, a ADM alega que este também confirmou que as declarações de que se recorda são diferentes das que lhe são atribuídas no relatório do FBI quanto a três pontos.

253   Em primeiro lugar, daí resulta que o outro representante da ADM não contribuiu minimamente para a reunião de 6 de Março de 1991 e não se pode considerar que a dirigiu.

254   A seguir, consta da declaração do antigo representante da ADM que o representante da HLR convidou o antigo representante da ADM e o outro representante da ADM para a reunião de 6 de Março de 1991, presidiu à reunião e preconizou o sistema de informação e de controlo relativo ao mecanismo do acordo.

255   Resulta desta declaração que o antigo representante da ADM não se recorda de que o outro representante da ADM tenha sido designado «O Velho Sábio», mas que este se lembra que o representante da JBL, que participava enquanto presidente às reuniões do cartel a partir de Maio de 1994, apelidava o outro representante da ADM de «Pregador». Além disso, resulta desta declaração que o antigo representante da ADM presumia que estas designações eram utilizadas porque o «[outro representante da ADM] tinha geralmente um comportamento reservado e só tomava normalmente a palavra quando tinha que fazer uma comunicação relativamente importante». Por último, resulta desta que a expressão «O Velho Sábio» não foi empregue para designar o outro representante da ADM.

256   Em quinto lugar, a ADM alega que o relatório do FBI é incompatível com as próprias conclusões da Comissão. Com efeito, a ADM observa que, no considerando 265 da decisão, a Comissão, ao basear‑se no relatório do FBI, tenta apresentar o outro representante da ADM como uma pessoa que desempenhou um papel de líder na reunião inicial do cartel, em 6 de Março de 1991, ao passo que, no considerando 78 da decisão, assinala que esta reunião «foi organizada e presidida por um representante da [HLR]».

257   Por outro lado, a ADM sustenta que esta descrição da reunião de 6 de Março de 1991 difere da que a Comissão tinha feito na comunicação de acusações. Com efeito, no n.° 62 desta última, a Comissão assinalou que esta reunião foi «organizada e presidida p[elo representante da HLR]».

258   A ADM acrescenta que o papel central do representante da HLR na reunião de 6 de Março de 1991 resulta igualmente dos considerandos 85 e 89 da decisão.

259   A Comissão pede que todos os argumentos da ADM sejam julgados improcedentes.

 Apreciação do Tribunal

–       Introdução

260   A ADM invoca fundamentos de duas ordens diferentes. Em primeiro lugar, alega que, ao basear‑se no relatório do FBI, a Comissão violou as garantias processuais previstas pelo direito comunitário. Em segundo lugar, a ADM entende que a Comissão não apreciou correctamente o conteúdo do relatório do FBI.

–       Quanto ao facto de a Comissão ter violado as garantias processuais previstas pelo direito comunitário

261   É pacífico que nenhuma disposição proíbe a Comissão de se basear, enquanto elemento de prova que possa servir para demonstrar uma infracção aos artigos 81.° CE e 82.° CE e para fixar uma coima, num documento que, como no caso em apreço o relatório do FBI, foi elaborado no âmbito de um procedimento que não o instaurado pela própria Comissão.

262   Portanto, em conformidade com a jurisprudência, reconhece‑se, ao abrigo dos princípios gerais do direito comunitário, dos quais fazem parte integrante os direitos fundamentais e à luz dos quais todos os textos de direito comunitário devem ser interpretados, o direito de uma empresa não ser coagida pela Comissão, ao abrigo do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, a confessar a sua participação numa infracção (acórdão Orkem/Comissão, já referido no n.° 238 supra, n.° 35). A protecção deste direito implica, em caso de contestação sobre o alcance de uma pergunta, que se verifique se uma dada resposta do destinatário equivale efectivamente à confissão de uma infracção, de modo a haver ofensa do direito de defesa (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Outubro de 2002, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, C‑238/99 P, C‑244/99 P, C‑245/99 P, C‑247/99 P, C‑250/99 P a C‑252/99 P e C‑254/99 P, Colect., p. I‑8375, n.° 273, e do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Fevereiro de 2001, Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, T‑112/98, Colect., p. II‑729, n.° 64).

263   É certo que a situação fáctica do caso em apreço é diferente da dos processos já referidos, nos quais a Comissão colocou questões às empresas que tinham o direito de recusar responder‑lhes.

264   No entanto, quando, como no caso em apreço, a Comissão se baseia, no âmbito da livre apreciação dos elementos de prova de que dispõe, numa declaração feita num contexto diferente do do procedimento instaurado na Comissão, e quando esta declaração comporta potencialmente informações que a empresa em causa tinha o direito de recusar fornecer à Comissão ao abrigo da jurisprudência Orkem/Comissão, já referido no n.° 238 supra, esta última é obrigada a garantir à empresa em causa direitos processuais equivalentes aos conferidos pela referida jurisprudência.

265   O respeito destas garantias processuais implica que, num contexto como o do caso em apreço, a Comissão é obrigada a examinar oficiosamente se, à primeira vista, há dúvidas sérias quanto ao respeito dos direitos processuais das partes em causa no âmbito do processo em que estas prestaram essas declarações. Se não existirem tais dúvidas sérias, os direitos processuais das partes em causa devem ser considerados suficientemente garantidos se, na comunicação de acusações, a Comissão referir claramente, eventualmente juntando os documentos em causa a essa comunicação, que pretende basear‑se nas declarações em causa. Desta forma, a Comissão permite às partes em causa tomar posição em relação não apenas ao conteúdo destas declarações mas também a eventuais irregularidades ou a circunstâncias particulares que tenham acompanhado a sua elaboração ou a sua apresentação à Comissão.

266   No caso em apreço, em primeiro lugar, há que ter em conta que o relatório do FBI foi submetido à Comissão por um concorrente da ADM, a Bayer, que também tinha feito parte do acordo (v. n.° 232 supra) e que a ADM não alegou que este documento tinha sido obtido de forma ilegal pela Bayer ou pela Comissão.

267   Em segundo lugar, importa referir que o relatório do FBI constitui um documento elaborado pela autoridade competente dos Estados Unidos para perseguir cartéis secretos, que foi apresentado aos tribunais americanos no processo de que era objecto o mesmo acordo. Este documento não comportava qualquer sinal exterior que devesse ter incitado, oficiosamente, a Comissão a ter dúvidas quanto ao seu valor probatório. Na medida em que, neste contexto, a ADM invoca o facto de que, na carta enviada em 11 de Outubro de 1996 pelas autoridades competentes dos Estados Unidos ao advogado do antigo representante da ADM, se assinalou que a informação fornecida por este no relatório em causa não podia ser utilizada contra ele nem contra a ADM, importa observar que esta reserva se referia explicitamente aos processos penais na acepção do direito dos Estados Unidos e não aos procedimentos instaurados na Comissão.

268   Em terceiro lugar, e mais importante ainda, importa recordar que, na comunicação de acusações, a Comissão indicou que pretendia basear‑se nesse relatório e que juntou esse documento à referida comunicação. Por conseguinte, permitiu à ADM tomar posição em relação não apenas ao conteúdo desse documento mas também a eventuais irregularidades ou a circunstâncias particulares que tenham acompanhado quer a sua elaboração, como as invocadas no Tribunal de Primeira Instância (v., designadamente, n.os 243 e 244 supra), quer a sua produção na Comissão, irregularidades ou circunstâncias em razão das quais, segundo a ADM, a Comissão não se podia basear nesse documento sem violar os direitos processuais garantidos pelo direito comunitário.

269   A ADM não formulou, portanto, nenhuma crítica na sua resposta à comunicação de acusações quanto ao facto de esse documento ter sido tido em conta pela Comissão. Pelo contrário, baseou‑se expressamente nesse documento para apresentar os seus argumentos, incluindo no respeitante à questão de saber se tinha desempenhado um papel de líder no cartel. Além disso, a ADM nem sequer alega ter em qualquer momento do procedimento administrativo chamado a atenção da Comissão para a falta de fiabilidade do relatório do FBI ou ter pedido à Comissão para interrogar o antigo representante da ADM quanto à veracidade das afirmações contidas nesse relatório.

270   Nesta situação, a Comissão não violou os direitos processuais garantidos pelo direito comunitário ao basear‑se no relatório do FBI, no âmbito da sua livre apreciação das provas de que dispunha.

–       Quanto ao facto de a Comissão não ter apreciado correctamente o conteúdo do relatório do FBI

271   Quanto ao facto de a ADM alegar que o relatório do FBI apresenta contradições internas (n.° 245 supra), deve constatar‑se que, no excerto do relatório do FBI em que a Comissão se baseou no considerando 265 da decisão, o antigo representante da ADM declarou que o outro representante da ADM teve a ideia do acordo e desempenhou um papel activo na primeira reunião do cartel em 6 de Março de 1991. Do mesmo modo, acrescentou que o outro representante da ADM era considerado «O Velho Sábio» e alcunhado de «O Pregador» pelo representante da JBL. Em contrapartida, na página 7 do referido relatório, precisa‑se, a propósito dessa mesma reunião de 6 de Março de 1991, que «[a] reunião foi ‘manifestamente dirigida pelo [representante da HLR]’, que o antigo representante da ADM designa como ‘o principal protagonista’».

272   Daí resulta que o antigo representante da ADM teve a impressão de que os representantes da ADM e da HLR desempenharam um papel determinante nessa reunião, tendo um (o da HLR) essencialmente organizado e dirigido a reunião e o outro (o da ADM) desempenhado um papel preponderante na definição dos acordos celebrados.

273   De resto, foi a leitura que a Comissão fez deste documento. Com efeito, resulta dos considerandos 268 a 272 da decisão que esta considerou que tanto a ADM como a HLR tinham desempenhado um papel de líder do cartel. No considerando 269, a Comissão baseou‑se, a este respeito, nesse relatório do FBI, ainda que tenha referido um excerto diferente do invocado pela ADM.

274   Consequentemente, a ADM invoca incorrectamente a existência de contradições internas no relatório do FBI.

275   Quanto ao facto de a ADM alegar contradições entre o relatório do FBI e a declaração do antigo representante da ADM na Comissão, como resulta do memorando elaborado pela ADM (n.° 246 supra), importa observar que, mesmo admitindo que a descrição do papel desempenhado pelos representantes da ADM nas reuniões seja diferente da que resulta do relatório do FBI, não é menos verdade que, como se declarou no n.° 270 supra, a Comissão podia validamente basear‑se no relatório do FBI e não se pode acusá‑la de ter dado mais credibilidade ao relatório do FBI do que ao memorando elaborado pela ADM, relativo ao interrogatório deste mesmo antigo representante da ADM na Comissão, que ocorreu in tempore suspecto.

276   Quanto à alegação da ADM de que existem contradições nas próprias conclusões da Comissão que constam da decisão e da comunicação de acusações (n.os 256 a 258 supra), deve assinalar‑se que, nos considerandos 78, 85 e 89 da decisão e no n.° 62 da comunicação de acusações, se refere que foi o representante da HLR que organizou e presidiu à reunião de 6 de Março de 1991. No entanto, este facto não é susceptível de invalidar a conclusão da Comissão quanto à qualidade de líder conjunto da ADM. Com efeito, nada se opõe a que, como no caso em apreço, uma parte dirija e organize uma reunião e a outra desempenhe nela um papel activo de primeiro plano, como transparece do considerando 265 da decisão, e a que as duas partes sejam consideradas líderes do cartel em razão do respectivo papel.

277   Quanto ao facto de a ADM invocar declarações do antigo representante da ADM e do seu advogado, elaboradas em 26 de Fevereiro de 2002 para fins do presente processo, que compreendem uma descrição diferente das declarações feitas pelo antigo representante da ADM ao FBI (n.os 247 a 255 supra), é suficiente recordar que a ADM não afirmou de modo nenhum, no procedimento administrativo na Comissão, que o relatório do FBI não continha uma descrição exacta das declarações feitas pelo antigo representante da ADM (v. n.° 234 supra). Por outro lado, a Comissão não cometeu erros manifestos de apreciação ao conceder uma força probatória superior ao relatório do FBI apresentado no procedimento administrativo, em relação a declarações posteriores, efectuadas in tempore suspecto para efeitos do presente processo.

278   Consequentemente, a ADM não demonstrou que a Comissão apreciou incorrectamente o conteúdo do relatório do FBI.

279   De todas as considerações precedentes resulta que a Comissão não cometeu um erro manifesto na apreciação do relatório do FBI.

c)     Quanto à declaração da Cerestar

 Argumentos das partes

280   Em primeiro lugar, a ADM considera que, mesmo admitindo que a Comissão se possa basear num elemento de prova apresentado pela Cerestar, a presidência de reuniões «sherpas» indica, quando muito, uma participação activa no cartel, mas não o exercício de uma «leadership» deste.

281   Com efeito, a ADM sustenta que as reuniões «sherpas» eram reuniões de membros de uma categoria menos elevada da hierarquia de cada uma das partes em causa. Apenas se realizaram a partir de Junho de 1993 e tiveram unicamente por objecto o exame de questões técnicas (considerando 117 da decisão). Efectivamente, refere a ADM, algumas destas reuniões eram atinentes não ao acordo ilícito, mas a actividades legítimas para uma associação comercial, como a avaliação da possibilidade de outras utilizações para o ácido cítrico, com vista a expandir o mercado, e a ponderação de uma queixa antidumping contra os produtores chineses. Estas reuniões contrastavam com as dos principais chefes, que se desenrolaram durante todo o período do acordo e nas quais foram tomadas decisões sobre pontos essenciais (fixação de quotas, aumentos dos preços, mecanismos de controlo e pagamentos compensatórios).

282   Em segundo lugar, a ADM refere que o elemento de prova fornecido pela Cerestar está, em geral, sujeito a reservas, uma vez que a memória que a Cerestar tem das reuniões é infiel: apenas foram apresentados detalhes de três das 17 reuniões identificadas pela Cerestar como «possíveis» reuniões realizadas sob a égide do cartel e seis das reuniões das quais a Cerestar se recorda não se efectuaram, segundo os elementos de prova provenientes dos outros participantes e as conclusões da Comissão.

283   Em terceiro lugar, a ADM considera que o elemento de prova produzido pela Cerestar, no que respeita mais particularmente às reuniões «sherpas», contém elementos errados. A Cerestar apenas identificou positivamente uma dessas reuniões durante toda a sua participação no acordo (ou seja, uma reunião de 15 de Abril de 1994 no aeroporto O’Hare de Chicago) e declarou que «[D.] não tem recordações precisas». Ora, segundo os depoimentos dos outros participantes, esta reunião não teve lugar. Além disso, a Cerestar mencionou outras três reuniões. Por outro lado, a ADM sublinha que a Cerestar declarou não ter assistido a outras reuniões após 2 de Novembro de 1994, o que não é surpreendente, uma vez que determinadas reuniões «sherpas» eram consagradas igualmente a questões alheias ao acordo e a Comissão não distinguiu entre essas reuniões «sherpas» e as outras.

284   Em quarto lugar, a ADM alega que a declaração da Cerestar é incompatível com a declaração feita pelo antigo representante da ADM para fins do procedimento na Comissão. Ora, atendendo à falta de fiabilidade da declaração da Cerestar e à incapacidade de esta precisar as datas ou os lugares em que se realizaram efectivamente as reuniões «sherpas», a referida declaração feita pelo antigo representante da ADM para fins do procedimento na Comissão devia ser considerada mais credível. Ora, prossegue, segundo a declaração do antigo representante da ADM, não havia presidente acordado ou oficialmente designado para dirigir as reuniões dos representantes de um nível subalterno na hierarquia das empresas participantes e é falacioso afirmar que se propunha preparar os temas e sugerir parâmetros. É verdade, admite a ADM, que o seu antigo representante trazia ocasionalmente para as reuniões dados preparados, mas também é verdade que os outros participantes faziam o mesmo. Do mesmo modo, todos os participantes tomaram parte nas propostas de preços. As únicas ocasiões de que o antigo representante da ADM se lembrava de ter preparado parâmetros para os outros participantes respeitavam à aplicação da taxa de câmbio ao preço acordado, o que, porém, ocorreu raramente.

285   A Comissão rejeita a argumentação da ADM.

 Apreciação do Tribunal

286   Importa observar, em primeiro lugar, que, no considerando 266 da decisão, a Comissão se referiu à declaração feita pela Cerestar nos seguintes termos:

«Nas suas declarações de 25 de Março de 1999, a Cerestar […] também afirma que ‘embora [os representantes da HLR e da JBL] presidissem normalmente às reuniões dos ‘Chefes’, a [Cerestar] tinha a impressão nítida de que o [representante da ADM] desempenhava um papel de liderança. O [representante da ADM] presidia às reuniões Sherpa[s], preparava normalmente os temas e fazia as propostas de listas de preços a acordar’.»

287   No que respeita ao «papel de liderança» que, segundo a declaração da Cerestar, o antigo representante da ADM desempenhou nas reuniões do cartel ao mais alto nível (reuniões dos chefes), importa assinalar que a ADM se limita a sustentar que resulta das suas próprias declarações que não teve um «papel de liderança» no âmbito destas reuniões e que as suas próprias declarações tinham o mesmo valor jurídico que as da Cerestar.

288   Ora, deve concluir‑se que a descrição fornecida pela Cerestar coincide, a este respeito, com a fornecida pelo antigo representante da ADM no relatório do FBI. Quanto à credibilidade a conceder à declaração da Cerestar, importa notar que é pacífico que a Cerestar não desempenhou um papel activo no cartel, embora isso não tenha sido considerado circunstância atenuante (v. considerandos 282 e 283 da decisão).

289   No que respeita ao papel desempenhado pelo antigo representante da ADM nas reuniões efectuadas a nível técnico (reuniões designadas «sherpas»), deve observar‑se que a Cerestar declarou que, em geral, este tinha organizado e dirigido essas reuniões e tinha feito propostas técnicas. É, por conseguinte, irrelevante que, na sua declaração, a Cerestar não tenha fornecido detalhes quanto a algumas das reuniões do cartel.

290   Por último, o Tribunal de Primeira Instância já considerou que a ADM não podia validamente invocar uma alegada incompatibilidade da declaração da Cerestar com a declaração do antigo representante da ADM para fins do procedimento na Comissão. Com efeito, a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao conceder a essa declaração uma força probatória superior à das declarações efectuadas in tempore suspecto para fins do presente processo judicial.

291   Consequentemente, a Comissão não cometeu um erro manifesto na apreciação da declaração da Cerestar.

3.     Quanto à qualificação da ADM como líder no âmbito do cartel

a)     Argumentos das partes

292   Ao basear‑se na prática decisória da Comissão, a ADM sustenta que, mesmo admitindo que a Comissão não cometeu um erro ao basear‑se no relatório do FBI e na declaração da Cerestar, os elementos invocados pela Comissão com base nesses documentos permitem quando muito concluir que a ADM desempenhou um papel activo no cartel, mas não que a ADM desempenhou um papel de líder.

293   Com efeito, segundo a ADM, a Comissão admite não ter sido ela a instigadora do cartel (considerando 264 da decisão), não ter agido como secretariado encarregue de recolher, controlar e difundir os dados das vendas (considerando 272 da decisão), não ter agido como mediadora nos desacordos entre os participantes (considerando 270 da decisão) e, por último, não ter coagido nem convidado outras empresas a participar no cartel (considerando 271 da decisão). Em contrapartida, foi antes à HLR que a Comissão atribuiu cada um destes elementos, acrescendo o facto de que a HLR presidiu e organizou a reunião inicial de 6 de Março de 1991 e continuou a assegurar a presidência das reuniões, sem interrupção, até Maio de 1994 (considerandos 120 e 268 da decisão).

294   Por conseguinte, segundo a ADM, a Comissão violou a sua própria prática administrativa, bem como o princípio da igualdade de tratamento.

295   A Comissão contesta a procedência da argumentação da ADM.

b)     Apreciação do Tribunal

296   Quando uma infracção foi cometida por diversas empresas, há que apreciar, no âmbito da determinação do montante da coima, a gravidade relativa da participação de cada uma delas (acórdão Suiker Unie e o./Comissão, já referido no n.° 181 supra, n.° 623), o que implica, em particular, definir o respectivo papel desempenhado durante o período em que participaram na infracção (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C‑49/92 P, Colect., p. I‑4125, n.° 150, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 1991, Enichem Anic/Comissão, T‑6/89, Colect., p. II‑1623, n.° 264).

297   Daí resulta, nomeadamente, que o papel de «líder» desempenhado por uma ou várias empresas no âmbito de um acordo deve ser tido em conta para efeitos do cálculo do montante da coima, na medida em que as empresas que desempenharam tal papel devem, por esse facto, assumir uma particular responsabilidade face às outras empresas (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, Finnboard/Comissão, C‑298/98 P, Colect., p. I‑10157, n.° 45; acórdão Mayr‑Melnhof/Comissão, já referido no n.° 180 supra, n.° 291).

298   O ponto 2 das orientações estabelece, sob a epígrafe «Circunstâncias agravantes», uma lista não exaustiva de circunstâncias que podem levar a um aumento do montante de base da coima, entre as quais figura, nomeadamente, o «papel de líder ou de instigador da infracção».

299   No caso em apreço, resulta da análise precedente que, sem cometer um erro manifesto de apreciação, a Comissão invocou três diferentes elementos para concluir que, juntamente com a HLR, a ADM desempenhou o papel de um líder do cartel, a saber, em primeiro lugar, as reuniões bilaterais organizadas pela ADM em Janeiro de 1991, em segundo lugar, o relatório do FBI e, em terceiro lugar, a declaração da Cerestar. Ora, estes três indícios invocados pela Comissão convergem para uma mesma conclusão, ou seja, a de que, na fase inicial do acordo, a ADM desempenhou papel de instigador do acordo e, durante a fase operacional do acordo, a ADM teve um papel predominante em relação aos outros membros do cartel.

300   Embora, como admitiu a Comissão no considerando 273 da decisão, outros membros do cartel tenham igualmente desenvolvido actividades normalmente associadas ao exercício de um papel de liderança, não é menos verdade que a ADM não invoca nenhum argumento do qual resulte que o papel desses outros membros foi tão importante como o dela e o da HLR. Por outro lado, decorre do considerando 273 da decisão que a Comissão teve em conta o facto de que outros membros do cartel também desenvolveram actividades normalmente associadas ao exercício de um papel de liderança ao fixar o montante do ajustamento em 35%.

301   A circunstância invocada pela ADM de que a Comissão também atribuiu à HLR o papel de líder não é susceptível de modificar esta conclusão (v. n.° 276 supra). Do mesmo modo, o facto de, como a Comissão indicou no considerando 77 da decisão, algumas partes em causa, entre as quais, designadamente, a JBL, já terem feito tentativas de estabelecimento de um acordo no mercado do ácido cítrico antes de a ADM ter tido as iniciativas referidas pela Comissão, não é susceptível de invalidar a conclusão de que a ADM desempenhou um papel de líder no âmbito, designadamente, do estabelecimento do acordo que foi objecto da decisão.

302   Consequentemente, a Comissão não cometeu erros de apreciação ao considerar que a ADM foi um dos líderes do cartel.

C –  Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento por a Comissão ter imposto à ADM a mesma taxa de agravamento que à HLR

1.     Argumentos das partes

303   A ADM alega que, mesmo aceitando a opinião da Comissão quanto ao papel por si desempenhado, que contrasta com o seu papel real no acordo, a HLR desempenhou um papel essencial no acordo que corresponde às características geralmente consideradas pela Comissão como indícios de «leadership» noutros processos. Em contrapartida, a ADM apenas desempenhou um papel menor, quando muito comparável ao da JBL, que foi considerada membro activo do cartel (v. considerandos 120 e 284 da decisão). Ora, a ADM alega que a Comissão não imputou à JBL circunstâncias agravantes, tendo, por conseguinte, violado o princípio da igualdade de tratamento.

304   A Comissão pede que este fundamento seja julgado improcedente.

2.     Apreciação do Tribunal

305   O Tribunal observa que resulta dos considerandos 268 a 272 da decisão que, para concluir que a HLR tinha desempenhado um papel de líder do cartel, a Comissão baseou‑se no facto de que o representante dessa empresa tinha organizado e presidido à primeira reunião do cartel, tinha assegurado a presidência de outras reuniões até 18 de Maio de 1994 (v. considerando 120 da decisão) e empenhou‑se, durante toda a sua participação no cartel, em assegurar o seu bom funcionamento, chamando a atenção dos outros membros do cartel para a necessidade de manter secretos os procedimentos do cartel e explicando à Cerestar os mecanismos dos acordos entre os membros, quando esta voltou a integrar o cartel.

306   No que respeita à ADM, a Comissão teve, no essencial, em conta o papel determinante que os seus representantes desempenharam no estabelecimento do acordo e enquanto membro activo durante o seu funcionamento (v. n.° 299 supra).

307   Ora, a Comissão pôde validamente considerar que o papel que a ADM desempenhou na fase inicial do cartel era de uma gravidade relativa pelo menos equivalente à do papel da HLR.

308   Consequentemente, o fundamento relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento deve ser julgado improcedente.

D –  Quanto à violação dos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade por a Comissão se ter afastado da sua prática decisória quanto à taxa de agravamento aplicada à ADM

1.     Argumentos das partes

309   A ADM alega que, mesmo aceitando a posição da Comissão quanto ao papel desempenhado pela ADM no acordo, a decisão viola os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, uma vez que a Comissão se afastou da sua prática decisória em processos anteriores ao aplicar, no presente caso, um agravamento pela «leadership» que ultrapassa os 25%.

310   Com efeito, a ADM sustenta que nos processos ferries gregos, sobretaxa de liga metálica, bem como – anteriores às orientações – cartão e propileno, a Comissão aplicou unicamente uma taxa de agravamento de 20% a 25%. Só na presença de uma combinação de circunstâncias agravantes, incluindo a «leadership», é que seriam apropriados agravamentos maiores. Assim, no processo tubos com revestimento térmico, a Comissão aplicou à ABB um agravamento de 50%, punindo vários factores em simultâneo.

311   A Comissão pede que os fundamentos invocados sejam julgados improcedentes.

2.     Apreciação do Tribunal

312   Importa recordar que, na fixação do montante da coima, a Comissão dispõe de uma margem de apreciação (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Martinelli/Comissão, T‑150/89, Colect., p. II‑1165, n.° 59). O facto de a Comissão ter aplicado, no passado, em presença de circunstâncias agravantes, uma certa taxa de agravamento das coimas não a pode privar do poder de elevar essas taxas, dentro dos limites indicados no Regulamento n.° 17 e nas orientações, se isso se mostrar necessário para garantir a aplicação da política comunitária de concorrência.

313   Na medida em que a ADM alega uma violação do princípio da proporcionalidade, importa considerar que, tendo em conta que a Comissão deve fixar a coima num nível que assegure um efeito dissuasor suficiente, a Comissão não excedeu o seu poder de apreciação ao considerar que o papel de líder desempenhado pela ADM e pela HLR no âmbito do acordo justificava um agravamento de 35% dos montantes respectivos das coimas a aplicar a estas duas partes.

314   Quanto ao facto de a ADM alegar uma violação do princípio da igualdade de tratamento, há que recordar que a prática decisória da Comissão não constitui o fundamento jurídico da imposição de coimas em matéria de concorrência, que é o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

315   Assim, importa recordar também que, na aplicação desta disposição a cada caso, a Comissão deve respeitar os princípios gerais de direito, entre os quais figura o princípio da igualdade de tratamento, como interpretado pelos órgãos jurisdicionais comunitários (v. n.° 133 supra).

316   Quanto às comparações efectuadas pela ADM com outras decisões da Comissão adoptadas em matéria de coimas, conclui‑se que essas decisões só podem ter relevância à luz do respeito do princípio da igualdade de tratamento se se demonstrar que os dados circunstanciais dos processos relativos a essas decisões, como os mercados, os produtos, os países, as empresas e os períodos em causa, são comparáveis com os do caso em apreço (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Janeiro de 2004, JCB Service/Comissão, T‑67/01, Colect., p. II‑49, n.° 187).

317   Ora, a recorrente não forneceu elementos suficientes que permitam concluir que estas condições estavam reunidas no caso em apreço. Em particular, deve concluir‑se que a ADM não invoca decisões contemporâneas às do processo ácido cítrico. De qualquer modo, importa sublinhar que a Comissão, na determinação do montante das coimas, deve zelar pelo carácter dissuasor da sua acção. Por conseguinte, em particular no caso dos líderes de um cartel, mesmo um aumento considerável do nível das coimas aplicadas a título de circunstâncias agravantes poderia ser considerado justificado para assegurar o pleno respeito das regras de concorrência.

318   Por conseguinte, os fundamentos relativos à violação dos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade devem ser julgados improcedentes.

E –  Quanto à violação do dever de fundamentação na apreciação das circunstâncias agravantes

319   Segundo a ADM, a fundamentação da decisão é insuficiente, uma vez que não foram referidas as razões pelas quais a Comissão lhe imputou circunstâncias agravantes e entendeu necessário aplicar uma taxa de agravamento de 35%.

320   A Comissão considera que fundamentou suficientemente a sua decisão nos considerandos 263 a 267.

321   O Tribunal recorda a jurisprudência indicada nos n.os 117 e 118 supra e observa que, no caso em apreço, resulta dos considerandos 263 a 265 da decisão que a Comissão expôs os elementos de apreciação com base nos quais considerou que a ADM desempenhou um papel de líder do cartel. Com efeito, a Comissão, no essencial, teve em conta o papel determinante que os representantes desta desempenharam no estabelecimento do acordo e enquanto membro activo de primeiro plano durante o seu funcionamento. Por outro lado, no que respeita à importância da taxa de agravamento aplicada, resulta do considerando 273 da decisão que a Comissão teve em conta o facto de outros membros do cartel também terem desenvolvido actividades normalmente associadas ao exercício de um papel de liderança.

322   Nestas circunstâncias, não se pode acusar a Comissão de não ter apresentado uma fundamentação suficiente quanto à aplicação da taxa de agravamento de 35% aplicada a título das circunstâncias agravantes.

323   Consequentemente, o fundamento relativo à violação do dever de fundamentação deve ser julgado improcedente.

324   Atento tudo o que precede, deve considerar‑se que os fundamentos invocados pela ADM a propósito do agravamento do montante da coima em razão de circunstâncias agravantes devem ser julgados improcedentes.

VI –  Quanto às circunstâncias atenuantes

A –  Observação preliminar

325   No que respeita à apreciação, pela Comissão, das circunstâncias atenuantes, a ADM invoca erros de apreciação relativos, em primeiro lugar, à cessação da participação no acordo desde as primeiras intervenções das autoridades competentes, em segundo lugar, ao facto de não ter sido tido em conta o ressarcimento dos danos e, em terceiro lugar, à adopção de um código de conduta pela ADM.

B –  Quanto à cessação da participação no acordo desde as primeiras intervenções das autoridades competentes

1.     Argumentos das partes

326   A ADM invoca o facto de, no ponto 3, terceiro travessão, das orientações, a cessação das infracções desde as primeiras intervenções da Comissão ser reconhecida como circunstância atenuante, embora, no caso em apreço, dela não tenha beneficiado.

327   Além disso, alega que os factos do presente processo são praticamente idênticos aos que deram origem ao processo dito «dos aminoácidos» [Decisão 2001/418/CE da Comissão, de 7 de Junho de 2000, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo IV/36.545/F3 – Aminoácidos) (JO 2001, L 152, p. 24, a seguir «processo dos aminoácidos»)], no qual a Comissão concedeu uma diminuição do montante da coima de 10%. Por outro lado, invoca o acórdão ABB Asea Brown Boveri/Comissão (já referido no n.° 35 supra, n.° 238), no qual o Tribunal decidiu que devia ser concedida uma redução da coima às empresas que tivessem colaborado antes com a Comissão para pôr termo ao cartel.

328   Por último, ao contrário do que alega a Comissão, existem casos em que os acordos perduraram para além da intervenção das autoridades competentes.

329   A ADM deduz daqui que a Comissão violou os princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento.

330   A Comissão considera que o facto de pôr termo a um acordo secreto quando este é descoberto não merece qualquer recompensa e que não existe, por conseguinte, um direito a que essa cessação seja tida em conta na determinação do montante da coima.

2.     Apreciação do Tribunal

331   O ponto 3 das orientações, intitulado «Circunstâncias atenuantes», prevê uma diminuição do montante de base da coima quando a Comissão se encontra perante circunstâncias atenuantes particulares, tais como, por exemplo, a cessação da infracção desde as primeiras intervenções da Comissão (nomeadamente desde as verificações).

332   A este respeito, importa contudo recordar, antes de mais, que, para efeitos de se estabelecer um mercado comum com um alto grau de competitividade, o artigo 3.° CE prevê que a acção da Comunidade inclui um regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado interno. O artigo 81.°, n.° 1, CE, que proíbe todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados‑Membros e que tenham por objectivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado comum, constitui um dos principais instrumentos que permitem a execução deste regime.

333   Em seguida, deve recordar‑se que compete à Comissão tanto prosseguir uma política geral destinada a aplicar em matéria de concorrência os princípios fixados pelo Tratado e a orientar o comportamento das empresas nesse sentido como investigar e reprimir as infracções individuais. Para este efeito, a Comissão dispõe do poder de aplicar coimas às empresas que, intencionalmente ou por negligência, cometam uma infracção às disposições do artigo 81.°, n.° 1, CE (v., nesta acepção, acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido no n.° 47 supra, n.° 105).

334   Daqui resulta que, quando aprecia a gravidade de uma infracção com vista a determinar o montante da coima, a Comissão deve tomar em consideração não apenas as circunstâncias particulares do caso sob apreciação mas igualmente o contexto em que a infracção se insere e assegurar o carácter dissuasor da sua acção (v., neste sentido, acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido no n.° 47 supra, n.° 106). Com efeito, só a tomada em conta destes aspectos permite garantir uma plena eficácia à acção da Comissão com vista a garantir uma concorrência não falseada no mercado comum.

335   Uma análise puramente textual da disposição que consta do ponto 3, terceiro travessão, das orientações poderia dar a impressão que o simples facto de um infractor cessar a infracção desde as primeiras intervenções da Comissão constitui de uma forma geral e sem reserva uma circunstância atenuante. Ora, tal interpretação desta disposição diminuiria o efeito útil das disposições que permitem a manutenção de uma concorrência eficaz, pois enfraqueceria tanto a sanção que poderia ser imposta na sequência de uma violação do artigo 81.° CE como o efeito dissuasor dessa sanção.

336   Com efeito, diversamente de outras circunstâncias atenuantes, esta circunstância não é inerente nem à particularidade subjectiva do infractor nem aos factos particulares do caso sob apreciação, uma vez que procede principalmente da intervenção exterior da Comissão. Assim, pôr termo a uma infracção unicamente na sequência de uma intervenção da Comissão não pode ser equiparado aos méritos decorrentes de uma iniciativa autónoma da parte do infractor, constituindo apenas uma reacção adequada e normal à referida intervenção. Além disso, esta circunstância consagra apenas o facto de o infractor voltar a ter um comportamento lícito e não contribui para tornar as diligências da Comissão mais eficazes. Por último, o carácter alegadamente atenuante desta circunstância não pode ser justificado pelo mero incitamento a pôr fim à infracção em causa, e isso é tanto mais assim à luz das circunstâncias precedentes. A este respeito, importa observar que a qualificação da continuação de uma infracção depois das primeiras intervenções da Comissão de circunstância agravante (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, Sigma Tecnologie/Comissão, T‑28/99, Colect., p. II‑1845, n.os 102 e segs.) já constitui, por si só, um incitamento para pôr fim à infracção, mas que, ao contrário da circunstância atenuante em causa, não diminui a sanção nem o efeito dissuasor da mesma.

337   Assim, o reconhecimento do termo de uma infracção desde as primeiras intervenções da Comissão como circunstância atenuante poria injustificadamente em causa o efeito útil do artigo 81.°, n.° 1, CE, pela diminuição tanto da sanção como do efeito dissuasor da mesma. Por conseguinte, a Comissão não podia impor‑se a si própria ter de considerar a simples cessação da infracção desde as suas primeiras intervenções como uma circunstância atenuante. Logo, há que interpretar restritivamente a disposição que figura no ponto 3, terceiro travessão, das orientações, de forma a que essa interpretação não seja contrária ao efeito útil do artigo 81.°, n.° 1, CE.

338   Por conseguinte, há que interpretar esta disposição no sentido de que só as circunstâncias particulares do caso concreto, nas quais a hipótese do termo da infracção desde as primeiras intervenções da Comissão se concretiza, podem justificar a tomada em conta desta última circunstância como circunstância atenuante (v., neste sentido, acórdão ABB Asea Brown Boveri/Comissão, já referido no n.° 35 supra, n.° 213). A ADM considera, assim, erradamente que a Comissão cometeu uma ilegalidade na decisão na medida em que devia ter tomado oficiosamente em consideração o facto de a ADM ter posto termo à infracção desde as primeiras intervenções da Comissão, em conformidade com as orientações.

339   No entanto, a ilegalidade invocada pela ADM poderia ser interpretada como referindo‑se ao facto de a cessação da sua infracção não ter sido considerada no contexto particular do caso em apreço.

340   No presente caso, há que recordar que a infracção em causa é relativa a um acordo secreto que tinha por objecto a fixação de preços e uma repartição dos mercados. Este tipo de acordo é expressamente proibido pelo artigo 81.°, n.° 1, alíneas a) e c), CE e constitui uma infracção particularmente grave. As partes devem, consequentemente, ter consciência do carácter ilícito do seu comportamento. O carácter secreto do acordo confirma o facto de as partes terem tido consciência do carácter ilícito das suas acções. Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância considera que não resta qualquer dúvida de que esta infracção foi cometida intencionalmente pelas partes em causa.

341   Ora, o Tribunal já considerou expressamente que a cessação de uma infracção cometida deliberadamente não poderá ser considerada uma circunstância atenuante quando foi determinada pela intervenção da Comissão (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Março de 1999, Aristrain/Comissão, T‑156/94, Colect., p. II‑645, n.° 138, e Ensidesa/Comissão, T‑157/94, Colect., p. II‑707, n.° 498).

342   Atento o que precede, o Tribunal considera que, no caso em apreço, o facto de a ADM ter posto termo à infracção na sequência da primeira intervenção de uma autoridade da concorrência não é susceptível de constituir uma circunstância atenuante.

343   Esta conclusão não é afectada pelo facto de, no caso em apreço, ter sido na sequência da intervenção das autoridades americanas, e não da Comissão, que a ADM pôs termo às práticas anticoncorrenciais em causa (v. considerandos 128 e 193 da decisão). Com efeito, o facto de a ADM ter cessado todas as infracções desde as primeiras intervenções das autoridades da concorrência americanas não torna esta cessação mais deliberada do que se tivesse ocorrido desde as primeiras intervenções da Comissão.

344   A ADM invoca ainda o acórdão ABB Asea Brown Boveri/Comissão (já referido no n.° 35 supra, n.° 238) em apoio da sua argumentação, na medida em que o Tribunal aí decidiu que devia ser concedida uma redução da coima às empresas que tivessem anteriormente colaborado com a Comissão para pôr termo ao acordo. É suficiente, a este respeito, sublinhar que este acórdão não permite concluir que o facto de a recorrente ter posto termo à infracção desde as primeiras intervenções de uma autoridade competente constitui, em qualquer caso, uma circunstância atenuante. Além disso, no excerto invocado pela ADM, o acórdão enuncia o princípio segundo o qual esta circunstância deveria ser tida em conta se o comportamento da empresa tivesse permitido à Comissão detectar uma infracção com menos dificuldade e, eventualmente, pôr‑lhe fim. Ora, esta circunstância implica uma iniciativa da empresa em causa que vai para além da simples cessação da infracção na sequência da intervenção da Comissão. Consequentemente, esta jurisprudência não é susceptível de pôr em causa a análise acima reproduzida.

345   Quanto ao processo dos aminoácidos (v. n.° 327 supra), invocado pela ADM para demonstrar a violação dos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, o Tribunal considera, em primeiro lugar, que uma prática administrativa não pode decorrer de um só caso. Além disso, deve recordar‑se que o simples facto de a Comissão ter apreciado, na sua prática decisória anterior, um certo comportamento de uma determinada maneira não implica que seja obrigada a fazer a mesma apreciação quando da adopção de uma decisão ulterior (v., por analogia, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 1991, Hercules Chemicals/Comissão, T‑7/89, Colect., p. II‑1711, n.° 357; Mayr‑Melnhof, já referido no n.° 180 supra, n.° 368; e LR AF 1998/Comissão, já referido no n.° 41 supra, n.os 234 e 337). Por último, o Tribunal considera, de qualquer modo, que este caso não é susceptível de pôr em causa nem a análise resultante de um dos objectivos‑chave da Comunidade acima reproduzida nem a jurisprudência decorrente dos acórdãos Aristrain/Comissão e Ensidesa/Comissão, já referidos no n.° 341 supra, na medida em que apenas traduz a apreciação da Comissão.

346   Portanto, pelas razões precedentes, não se pode considerar errada a não consideração, no caso em apreço, da cessação de uma infracção desde as primeiras intervenções das autoridades da concorrência americanas como circunstância atenuante.

C –  Quanto à não consideração do ressarcimento das indemnizações

1.     Argumentos das partes

347   A ADM avalia em cerca de 15,7 milhões de USD as indemnizações que pagou a outros compradores que não os dos Estados Unidos. Considera que, deste montante, uma quantia compreendida entre os 6,8 milhões de USD e os 11,7 milhões de USD se refere a aquisições efectuadas na União Europeia. A ADM considera que a Comissão declarou incorrectamente que não era obrigada a ter em conta as indemnizações pagas em acções civis (considerando 335 da decisão). Segundo a ADM, a Comissão devia tê‑las tido em conta a título de circunstância atenuante.

348   A Comissão pede que este fundamento seja julgado improcedente.

2.     Apreciação do Tribunal

349   Os pagamentos invocados pela ADM como circunstância atenuante dizem respeito às indemnizações que a ADM pagou a outros compradores que não os dos Estados Unidos e das quais uma parte se referia a compras efectuadas na União Europeia. Uma vez que a condenação da ADM nos Estados Unidos compreende o pagamento de indemnizações triplas, as indemnizações invocadas pela ADM compreendem potencialmente não apenas uma mera indemnização mas também uma sanção.

350   Quanto ao facto de estas indemnizações constituírem uma sanção (indemnizações triplas), o Tribunal considera que o pagamento destas indemnizações não constitui uma circunstância atenuante que a Comissão devesse tomar em consideração no caso em apreço. Com efeito, o pagamento pela ADM de uma sanção nos Estados Unidos é apenas a consequência dos processos instaurados nesse país. O pagamento dessa sanção não diz respeito a uma particularidade da ADM e não está suficientemente relacionada com factos que a Comissão deve conhecer. Portanto, o pagamento dessa sanção não põe em causa a realidade e a gravidade da infracção cometida.

351   Quanto ao facto de estas indemnizações constituírem uma indemnização dos compradores da União Europeia, o Tribunal considera que os processos em causa e os pagamentos exigidos pela Comissão, por um lado, e pelas autoridades americanas, por outro, não perseguem obviamente os mesmos objectivos. Se, no primeiro caso, a Comissão pretende, por meio de uma coima, punir a violação do direito da concorrência na Comunidade ou no EEE, no segundo caso, as autoridades americanas visam indemnizar as vítimas dos procedimentos da ADM. Portanto, o pagamento dessas indemnizações não está suficientemente relacionado com os factos que a Comissão deve conhecer.

352   Consequentemente, a Comissão não era obrigada a tomar em consideração, na fixação do montante da coima, a circunstância de a ADM já ter pago indemnizações no âmbito das acções intentadas nos Estados Unidos.

353   A ADM considera, no entanto, que, ao não ter em conta as indemnizações pagas a compradores de ácido cítrico estabelecidos no EEE enquanto circunstância atenuante, a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento na medida em que se afastou da sua prática seguida em processos semelhantes.

354   O Tribunal observa, a este respeito, que a ADM baseia a existência desta prática num único processo, ou seja, o processo dito «cartel dos tubos com revestimento térmico» [Decisão 1999/60/CE da Comissão, de 21 de Outubro de 1998, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.°] CE (Processo IV/35.691/E‑4 – Cartel dos tubos com revestimento térmico) (JO 1999, L 24, p. 1)]. Ora, a invocação de um único processo não permite demonstrar a existência de uma prática da Comissão e a ADM não demonstrou o carácter comparável dos dois processos. Com efeito, a ADM não indicou de modo nenhum em que é que a indemnização que pagou no caso em apreço era da mesma ordem que a em causa no processo acima referido, ou seja, uma indemnização importante e limitada a um dos produtores do sector e ao seu proprietário. Além disso, como se recordou no n.° 345 supra, o simples facto de a Comissão ter apreciado, na sua prática decisória anterior, um certo comportamento de uma determinada maneira não implica que seja obrigada a fazer a mesma apreciação quando adopte uma decisão ulterior.

355   Portanto, o fundamento relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento, por a decisão se afastar de uma prática segundo a qual as indemnizações pagas aos compradores do mercado em causa constituem uma circunstância atenuante, deve ser julgado improcedente.

D –  Quanto à adopção de um código de conduta pela ADM

1.     Argumentos das partes

356   A ADM alega que a Comissão devia ter tido em conta, no cálculo da coima, o cumprimento pela ADM de um programa rigoroso e permanente de conformidade com as regras de concorrência que comporta, designadamente, a adopção de um código de conduta destinado a todos os empregados da empresa e à criação de um departamento especializado.

357   Além disso, a adopção de um programa de conformidade com as regras de concorrência, a entrada em funções de uma nova direcção e o despedimento dos quadros superiores envolvidos na infracção demonstram um arrependimento sincero da empresa. Por outro lado, a ADM sublinha que até então nunca tinha sido objecto de acusações desfavoráveis a título do direito comunitário da concorrência. A ADM deduz daqui que a Comissão violou o princípio da proporcionalidade.

358   A Comissão pede que este fundamento seja julgado improcedente.

2.     Apreciação do Tribunal

359    No que respeita à execução de um programa de conformação às regras de concorrência, já se declarou que, embora seja, na verdade, importante que uma empresa tome medidas para impedir que, no futuro, sejam cometidas novas infracções ao direito comunitário da concorrência por membros do seu pessoal, este facto em nada altera a realidade da infracção verificada. A Comissão não é, por conseguinte, obrigada a ter em conta esse elemento como circunstância atenuante, sobretudo, quando a infracção em causa constitui, como no caso em apreço, uma violação manifesta do artigo 81.°, n.° 1, CE (acórdãos Dansk Rørindustri e o./Comissão, já referido no n.° 41 supra, n.° 373; Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, já referido no n.° 41 supra, n.os 280 e 281; e ABB Asea Brown Boveri/Comissão, já referido no n.° 35 supra, n.° 221).

360   Por conseguinte, este fundamento deve também ser julgado improcedente.

VII –  Quanto à cooperação da ADM durante o procedimento administrativo

A –  Introdução

361   No que respeita à sua cooperação durante o procedimento administrativo, a ADM invoca, no essencial, quatro fundamentos. Em primeiro lugar, a ADM alega uma violação da comunicação sobre a cooperação que originou uma violação do princípio da confiança legítima, na medida em que a Comissão não declarou que a ADM foi a primeira a apresentar elementos decisivos para provar a existência do acordo. Em segundo lugar, a ADM alega uma violação do princípio da confiança legítima, dado que a Comissão suscitou na ADM expectativas fundadas de que lhe aplicaria a secção B da comunicação sobre a cooperação. Em terceiro lugar, a ADM alega que a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento, na medida em tratou a ADM e a Cerestar de forma diferente. Em quarto lugar, a ADM considera que a Comissão violou os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, ao ter limitado a redução da coima a 50%.

362   Antes de apreciar a procedência destes fundamentos, importa resumir a apreciação da Comissão quanto à cooperação das empresas durante o procedimento administrativo, como resulta dos considerandos 294 a 326 da decisão.

363   Antes de mais, nos termos da secção B da comunicação sobre a cooperação (v. n.° 6 supra), a Comissão concedeu à Cerestar uma «redução muito substancial», de 90%, do montante da coima que lhe teria sido aplicada caso não tivesse cooperado com a Comissão. Neste contexto, a Comissão reconheceu que a Cerestar tinha sido a primeira empresa a fornecer elementos decisivos para provar a existência do acordo numa reunião com os serviços da Comissão em 29 de Outubro de 1998. Acrescenta que as «informações fornecidas pela [Cerestar na] reunião de 29 de Outubro de 1998, e que correspondem às informações posteriormente apresentadas nas declarações por escrito de 25 de Março de 1999, foram suficientes para provar a existência do cartel e foram comunicadas à Comissão antes de a ADM ter fornecido tais informações» (considerando 306 da decisão). Por conseguinte, a Comissão rejeitou os argumentos da ADM relativos ao facto de que esta preenchia as condições previstas na secção B desta mesma comunicação para beneficiar de uma «redução muito substancial» das coimas, acrescentando «que a ADM era um dos líderes do cartel» (considerandos 305 a 308 da decisão).

364   Além disso, nos termos da secção D desta comunicação, a Comissão concedeu à ADM uma «redução significativa», de 50%, do montante da coima. Neste contexto, a Comissão teve em conta que, numa reunião realizada em 11 de Dezembro de 1998, a ADM lhe forneceu uma descrição oral do cartel e que, em 15 de Janeiro de 1999, lhe enviou uma declaração por escrito confirmando esse relato. A Comissão reconheceu que «as informações facultadas pela ADM foram pormenorizadas e, logo, amplamente utilizadas pela Comissão no prosseguimento da sua investigação». Com efeito, juntamente com as informações recebidas da Cerestar, estas informações foram utilizadas para elaborar pedidos de informação que muito ajudaram a levar as outras partes em causa a admitir que tinham participado no cartel. Além disso, a Comissão considerou «que a ADM [tinha podido] facultar à Comissão documentos contemporâneos da infracção, incluindo notas manuscritas tiradas durante as reuniões do cartel e instruções relativas aos preços relacionadas com as decisões tomadas pelo cartel» (considerandos 312 a 315 da decisão).

B –  Quanto ao facto de a ADM ter sido a primeira a apresentar elementos decisivos para provar a existência do acordo

1.     Argumentos das partes

365   A ADM considera que a Comissão não aplicou correctamente a sua comunicação sobre a cooperação, violando, por conseguinte, o princípio da confiança legítima. Alega que a redução de 50% do montante da coima que lhe foi aplicada, concedida nos termos das disposições da secção D da comunicação sobre a cooperação, é insuficiente. Segundo a mesma, contrariamente ao referido pela Comissão no considerando 308 da decisão, a ADM foi a primeira a apresentar elementos decisivos para provar a existência do acordo na acepção da secção B, alínea b), da comunicação sobre a cooperação. Em contrapartida, ao contrário do que a Comissão considerou no considerando 305 da decisão, as provas fornecidas pela Cerestar na reunião realizada em 29 de Outubro de 1998 com os serviços da Comissão não foram decisivas na acepção da referida disposição da comunicação sobre a cooperação.

366   Com efeito, em primeiro lugar, não foi fornecida qualquer informação pela Cerestar relativamente ao acordo antes de 12 de Maio de 1992, data em que esta começou a estar implicada neste. O conhecimento que a Comissão teve do acordo no período anterior a 12 de Maio de 1992 deveu‑se às informações fornecidas, em primeiro lugar, pela ADM.

367   Em segundo lugar, a declaração fornecida pela Cerestar em 18 de Março de 1999 não era concludente nem precisa quanto às datas das reuniões e aos participantes no acordo. Esta identificou 32 reuniões, que se realizaram em diferentes datas entre 14 de Novembro de 1991 (antes da adesão da Cerestar ao acordo) e 17 de Julho de 1996 (muito depois da dissolução do acordo). Esta declarou que nove destas reuniões eram seguramente reuniões do cartel, oito eram reuniões «possíveis» e quinze não eram reuniões do cartel ou «[era] cada vez mais improvável que o fossem». A identidade dos participantes foi indicada em relação a três das 17 reuniões que se revelaram ser reuniões «certas» ou «possíveis» do cartel. Seis das reuniões assim identificadas, na realidade, não se realizaram, segundo o depoimento das outras partes em causa e as comprovações da Comissão.

368   Em terceiro lugar, a Cerestar reconheceu posteriormente numa carta enviada à Comissão, em 7 de Maio de 1999, que um determinado número de reuniões assim identificadas, na realidade, após um exame mais amplo, não tinha tido lugar.

369   Em quarto lugar, a declaração da Cerestar é vaga e pouco concludente quanto ao objecto das reuniões. Não foi fornecido nenhum dado preciso quanto aos preços e às quotas (para além das quotas fixadas pela própria Cerestar).

370   Em quinto lugar, não é claro se, à semelhança da ADM, a Cerestar forneceu à Comissão uma prova sob forma de depoimento em primeira mão. No entanto, a Cerestar considerou necessário desenvolver e clarificar a sua declaração oral de 29 de Outubro de 1998.

371   Em sexto lugar, a própria Cerestar foi objecto de um pedido mais pormenorizado de informações por parte da Comissão, datado de 3 de Março de 1999 e baseado nas declarações da ADM. A Cerestar teve a oportunidade de examinar o pedido de informações, que se referia a datas e lugares determinados de reuniões e se baseava na cooperação da ADM, antes de enviar à Comissão a sua declaração final de 25 de Março de 1999 (datada de 18 de Março de 1999).

372   Em contrapartida, a ADM alega que as provas apresentadas por si própria eram concludentes. Com efeito, a ADM sublinha que, na reunião de 11 de Dezembro de 1998, forneceu à Comissão um depoimento em primeira mão, uma prova documental contemporânea, bem como documentos que provavam o contexto e a execução do acordo que organizava o cartel. Os elementos de prova produzidos pela ADM forneceram inúmeros detalhes precisos sobre as reuniões, os participantes, os mecanismos de compensação e de controlo, os preços e as quotas, tal como a própria Comissão admitiu nos considerandos 313 e 314 da decisão.

373   A Comissão pede que os fundamentos apresentados sejam julgados improcedentes.

2.     Apreciação do Tribunal

374   A secção B da comunicação sobre a cooperação, intitulada «Não aplicação ou redução muito substancial da coima», dispõe:

«Uma empresa que:

a)      Denuncie um acordo, decisão ou prática concertada secretos à Comissão antes desta ter procedido a uma verificação, após ter adoptado a pertinente decisão, nas empresas envolvidas no acordo, decisão ou prática concertada e sem que a Comissão disponha previamente de informações suficientes para provar a existência do acordo, decisão ou prática concertada denunciados;

b)      Seja a primeira a produzir elementos determinantes que provem a existência do acordo, decisão ou prática concertada;

c)      Ponha termo à sua participação na actividade ilícita o mais tardar no momento em que denuncia o acordo, decisão ou prática concertada;

d)      Apresente à Comissão todas as informações úteis, bem como toda a documentação e provas de que dispõe sobre o caso, mantendo uma cooperação permanente e total durante toda a investigação;

e)      Não tenha coagido outra empresa a participar no acordo, decisão ou prática concertada nem tenha desempenhado um papel de instigação ou determinante na actividade ilícita,

beneficiará de uma redução de, pelo menos, 75% do montante da coima que lhe teria sido aplicada se não se propusesse cooperar, podendo inclusivamente ser totalmente isentada da mesma.»

375   Resulta do disposto na secção B da comunicação sobre a cooperação que uma empresa apenas pode beneficiar de uma redução substancial do montante da coima, ou de uma não aplicação da coima, na acepção desta secção, se preencher cumulativamente todos os requisitos previstos na secção B, alíneas a) a e), desta comunicação.

376   No caso em apreço, basta observar que, como a Comissão referiu no considerando 308 da decisão, a ADM não podia, de qualquer modo, beneficiar de uma redução da coima, ou de uma sua não aplicação, ao abrigo da secção B da comunicação sobre a cooperação. Com efeito, a ADM não preenchia um dos requisitos cumulativos aí previstos, ou seja, o da secção B, alínea e), nos termos do qual não pode beneficiar desta redução, ou de uma não aplicação da coima, uma empresa que tenha desempenhado um papel «de instigação ou determinante na actividade ilícita».

377   Ora, como se declarou no n.° 302 supra, a Comissão não cometeu um erro de apreciação ao considerar que a ADM desempenhou um papel de líder do cartel. Ainda que a comunicação sobre a cooperação, as orientações e a decisão não empreguem, a este respeito, termos idênticos, resulta do espírito da secção B, alínea e), da comunicação sobre a cooperação que a Comissão não pretende conceder uma redução muito substancial da coima, ou a não aplicação total desta, se a parte em causa tiver desempenhado um papel particularmente determinante no cartel, como o de líder, de incitador ou de instigador.

378   Portanto, deve declarar‑se que os fundamentos relativos à violação da comunicação sobre a cooperação e do princípio da confiança legítima por a ADM ter sido a primeira a fornecer elementos decisivos para provar a existência do acordo são inoperantes, sem que seja necessário examinar se a Comissão considerou correctamente que tinha sido a Cerestar a fornecer a primeira informação decisiva para provar a existência do acordo.

379   Consequentemente, os fundamentos relativos à violação da comunicação sobre a cooperação e do princípio da confiança legítima devem ser julgados improcedentes.

C –  Quanto à violação do princípio da confiança legítima

1.     Argumentos das partes

380   A ADM alega que, nas diferentes reuniões com os serviços da Comissão e na correspondência anterior e posterior à apresentação de elementos de prova pela ADM em 11 de Dezembro de 1998, a Comissão confirmou que a ADM tinha sido a primeira a cooperar consigo, na acepção da secção B da comunicação sobre a cooperação.

381   Com efeito, numa reunião realizada em 10 de Dezembro de 1998 entre a ADM, o seu advogado e os serviços da Comissão, o chefe de unidade responsável pelo processo confirmou à ADM que esta era a primeira a cooperar, como resulta do relatório elaborado pelo advogado da ADM no mesmo dia. Além disso, no seu ofício de 19 de Janeiro de 1999, a Comissão referiu‑se à secção B da comunicação sobre a cooperação. Na resposta do advogado da ADM, este confirmou este ponto. Por último, no seu ofício de 5 de Fevereiro de 1999, a Comissão referiu novamente a secção B, alínea b), da referida comunicação.

382   Ora, a ADM alega que, no considerando 308 da decisão, a Comissão modificou a sua apreciação sobre a cooperação da ADM enquanto que, durante o procedimento administrativo, esta última confiou nas declarações da Comissão submetendo‑lhe os seus elementos de prova em 11 de Dezembro de 1998, bem como durante a sua cooperação posterior, contínua e sem reservas, com a Comissão. Nestas condições, segundo a ADM, importa concluir que a Comissão violou o princípio do respeito da confiança legítima.

383    A Comissão pede que o fundamento invocado seja julgado improcedente.

2.     Apreciação do Tribunal

384   O direito de exigir a protecção da confiança legítima, que constitui um princípio geral do direito comunitário, estende‑se a qualquer particular que se encontre numa situação da qual resulte que a administração comunitária, ao fornecer‑lhe garantias precisas, criou na sua esfera jurídica expectativas fundadas (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Março de 1987, Van den Bergh en Jurgens/Comissão, 265/85, Colect., p. 1155, n.° 44, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Julho de 2003, Cheil Jedang/Comissão, T‑220/00, Colect., p. II‑2473, n.° 33).

385   Importa examinar se, como sustenta a ADM, a Comissão lhe forneceu garantias precisas de que lhe concederia o benefício de uma redução da coima nos termos da secção B da comunicação sobre a cooperação.

386   Em primeiro lugar, parece resultar das notas manuscritas que o advogado da ADM elaborou durante a reunião de 10 de Dezembro de 1998, realizada entre os representantes da ADM e os serviços da Comissão, que um funcionário da Comissão disse, então, que a ADM era a primeira a cooperar com ela no âmbito do processo ácido cítrico («O [nome do funcionário] confirmou que éramos os primeiros a cooperar no processo do ácido cítrico»). Embora esta frase pareça efectivamente apontar no sentido indicado pela ADM, não é contudo tão explícita como o pretende fazer crer a ADM.

387   Em segundo lugar, num ofício enviado em 19 de Janeiro de 1999 ao advogado da ADM, ao referir‑se à reunião de 11 de Dezembro de 1998, o chefe de unidade responsável pelo processo assinalou o seguinte:

«Na reunião, [a ADM] consentiu, na sequência de uma aprofundada discussão a este respeito, fornecer à Comissão uma declaração escrita com todas as informações de que dispunha [...] relativamente ao acordo ilícito sobre o mercado do ácido cítrico em que [tinha] participado, nos termos do previsto pela [comunicação sobre a cooperação], mais concretamente da [secção B, alínea d)].»

388   No fim do referido ofício, o chefe de unidade responsável pelo processo reiterou «a importância do requisito previsto na [secção B, alínea d)] da [comunicação sobre a cooperação]».

389   Na sua resposta de 1 de Fevereiro de 1999, o advogado da ADM confirmou «que [o seu] cliente p[retendia] manter uma cooperação permanente e total, em conformidade com a [secção B, alínea d)] da [comunicação sobre a cooperação]».

390   Por último, num ofício enviado em 5 de Fevereiro de 1999 ao advogado da ADM, ao referir‑se ao memorando que tinha transmitido à Comissão em 15 de Janeiro de 1999, o chefe de unidade responsável pelo processo assinalou o seguinte:

«[T]odo o objecto da oferta de cooperação voluntária que fizeram à Comissão, nos termos da comunicação sobre a [cooperação], consiste em os elementos fornecidos se apresentarem sob uma forma que constitui uma prova (decisiva) contra os outros participantes no acordo.»

391   Resulta do precedente que a Comissão tentou efectivamente incitar as partes em causa a cooperar consigo da forma mais completa possível ao tornar‑lhes este exercício o mais atractivo possível mediante referência à secção B da comunicação sobre a cooperação.

392   Neste contexto, a Comissão indicou à ADM que, em princípio, esta era «elegível» para uma redução muito substancial da coima nos termos da secção B da comunicação sobre a cooperação e comprometeu‑se a examinar os documentos apresentados pela ADM para verificar se esta preenchia efectivamente os critérios aí previstos, em particular, os previstos na secção B, alínea d).

393   Em contrapartida, em todos os ofícios que precederam o envio da comunicação de acusações e a adopção da decisão, a Comissão não forneceu nenhuma garantia precisa – e, de resto, não o podia fazer – no sentido de que lhe concederia o benefício da redução da coima nos termos da secção B da comunicação sobre a cooperação.

394   Ora, é apenas com base numa apreciação de todas as informações apresentadas pelas empresas durante o procedimento administrativo que a Comissão pode decidir se alguma pode beneficiar de uma redução da coima nos termos da secção B da comunicação sobre a cooperação, como a Comissão, de resto, assinalou inequivocamente no n.° 159 da comunicação de acusações.

395   Consequentemente, o fundamento relativo à violação do princípio da confiança legítima deve ser julgado improcedente.

D –  Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento por a Comissão ter tratado a ADM e a Cerestar de modo diferente

1.     Argumentos das partes

396   Segundo a ADM, o diferente tratamento reservado à Cerestar e a si própria viola o princípio da igualdade de tratamento, uma vez que ela e a Cerestar cooperaram em circunstâncias similares, na mesma fase do procedimento e durante o mesmo período.

397   Com efeito, a ADM considera que as duas partes cooperaram na sequência do pedido de informações enviado pela Comissão a todos os produtores em Junho‑Julho de 1998, não tendo qualquer das duas conhecimento da cooperação da outra e, quanto ao período no qual decorre a cooperação, desde a confissão inicial da participação no acordo até ao envio à Comissão de uma declaração escrita completa, a cooperação da ADM desenrolou‑se durante um período similar e começou e terminou antes da cooperação da Cerestar.

398   Ora, a ADM recorda que o Tribunal de Primeira Instância já declarou no acórdão de 13 de Dezembro de 2001, Krupp Thyssen Stainless e Acciai speciali Terni/Comissão (T‑45/98 e T‑47/98, Colect., p. II‑3757, n.os 246 a 248), que a apreciação do grau de cooperação prestada por empresas não pode depender de factores puramente dependentes do acaso, como a ordem por que são interrogadas pela Comissão. Contudo, foi isto que se verificou no caso em apreço. Com efeito, a ADM sublinha que a data em que as sociedades em causa acordaram com a Comissão a data de uma reunião para lhe fornecer uma descrição oral do acordo resulta de um factor puramente aleatório. A ADM não devia, na sua opinião, sofrer um prejuízo a este respeito, em razão do muito tempo que demorou a efectuar pesquisas documentais detalhadas nos Estados Unidos e a fornecer à Comissão depoimentos directos para que esta dispusesse de elementos determinantes para provar a existência do acordo, nos termos da secção B, alínea b), da comunicação sobre a cooperação. As rectificações, declarações reformuladas e informações complementares enviadas pela Cerestar demonstram a justeza da preocupação da ADM em fornecer à Comissão informações precisas, detalhadas e abundantes.

399   A Comissão pede que o fundamento em causa seja julgado improcedente.

2.     Apreciação do Tribunal

400   A argumentação da ADM baseia‑se, essencialmente, nos princípios definidos pelo Tribunal nos n.os 238 a 248 do acórdão Krupp Thyssen Stainless e Acciai speciali Terni/Comissão, já referido no n.° 398 supra. A este respeito, importa recordar que, neste acórdão, bem como, de resto, no seu acórdão de 13 de Dezembro de 2001, Acerinox/Comissão (T‑48/98, Colect., p. II‑3859, n.os 132 a 141), o Tribunal examinou a aplicação pela Comissão da secção D da comunicação sobre a cooperação. Considerou, no essencial, que, para não se desrespeitar o princípio da igualdade de tratamento, a comunicação sobre a cooperação deve ser interpretada no sentido de que, no respeitante à redução de coimas, a Comissão deve tratar da mesma maneira as empresas que fornecem à Comissão, na mesma fase do procedimento administrativo e em circunstâncias análogas, informações semelhantes relativamente aos factos que lhes são imputados. O Tribunal acrescentou que a simples circunstância de uma das empresas ter reconhecido os factos imputados ao responder, em primeiro lugar, às questões colocadas pela Comissão na mesma fase do procedimento não pode constituir uma razão objectiva para ser tratada de forma diferenciada.

401   Há que concluir que, nesses processos e diferentemente do caso em apreço, era pacífico que a cooperação das empresas em causa não integrava o âmbito de aplicação das secções B e C da comunicação sobre a cooperação. Como resulta do n.° 219 do acórdão Krupp Thyssen Stainless e Acciai speciali Terni/Comissão, já referido no n.° 398 supra, a Comissão aplicou a todas as empresas em causa na decisão impugnada as disposições da secção D desta comunicação. Esses processos levantavam, portanto, apenas a questão de saber se, ao reservar às recorrentes um tratamento diferente do concedido a outra empresa em causa, dentro da margem de apreciação de que dispõe nos termos da secção D desta comunicação, a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento.

402   Em contrapartida, no caso em apreço, a ADM pretende demonstrar, no essencial, que foi em razão de factores puramente dependentes do acaso que a Cerestar foi a primeira a ser incitada a cooperar com a Comissão e que foi por esse motivo que foi atribuída à Cerestar uma redução nos termos da secção B da comunicação sobre a cooperação. A ADM insinua que, se tivesse sido a primeira a acordar com a Comissão uma data de reunião para lhe fornecer uma descrição do acordo, teria podido beneficiar de uma maior redução do montante da coima nos termos, pelo menos, da secção C desta comunicação, uma vez que teria podido ser a primeira a fornecer as informações transmitidas pela Cerestar. A ADM não invoca, portanto, a jurisprudência resultante do acórdão Krupp Thyssen Stainless e Acciai speciali Terni/Comissão, já referido no n.° 398 supra, para demonstrar que a Comissão lhe aplicou a secção D da comunicação sobre a cooperação de forma discriminatória em relação aos outros membros do cartel.

403   Ora, deve observar‑se que, contrariamente às secções B e C da comunicação sobre a cooperação, a sua secção D não prevê um tratamento diferente das empresas em causa em função da ordem pela qual estas cooperam com a Comissão. Consequentemente, nos processos que deram lugar aos acórdãos Krupp Thyssen Stainless e Acciai speciali Terni/Comissão, já referido no n.° 398 supra, e Acerinox/Comissão, já referido no n.° 400 supra, a Comissão teve em conta este elemento sem que o mesmo esteja expressamente previsto na secção D da referida comunicação.

404   Nesta medida, ainda que, para assegurar o sucesso do regime de cooperação das empresas em causa com a Comissão em matéria de cartéis secretos, esta deva dispor de uma larga margem de apreciação na organização do procedimento, não é menos verdade que a Comissão não pode agir de forma arbitrária.

405   A este respeito, importa recordar que, nos considerandos 54 e 55 da decisão, a Comissão indicou que, na sequência da intervenção das autoridades americanas no domínio do ácido cítrico, a Comissão enviou em Agosto de 1997 pedidos de informação aos quatro maiores produtores de ácido cítrico da Comunidade. Na sequência desse pedido escrito do Tribunal, a Comissão confirmou que esse pedido foi, designadamente, enviado à ADM. Em Junho e Julho de 1998, foram enviados pedidos de informação complementares aos principais produtores de ácido cítrico da Comunidade, designadamente, à ADM. Por outro lado, um primeiro pedido de informações foi enviado à Cerestar. O envio destes últimos pedidos de informações foi confirmado tanto pela Comissão na sua resposta às questões do Tribunal como pela própria ADM (v. n.° 397 supra). Foi na sequência deste último pedido de informações que a Cerestar solicitou uma reunião com a Comissão em 29 de Outubro de 1998 e que, durante essa reunião, declarou querer cooperar com a Comissão e forneceu elementos sobre a existência de um acordo que afectava o EEE no sector do ácido cítrico. Por conseguinte, não se pode acusar a Comissão de ter agido de forma arbitrária em relação à ADM no que respeita à organização do procedimento que compreende o envio dos pedidos de informações.

E –  Quanto à violação dos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade por a Comissão ter limitado a redução da coima a 50%

1.     Argumentos das partes

406   Referindo‑se aos argumentos invocados nos n.os 365 a 372 supra, a ADM alega que a Comissão não está vinculada pela sua própria comunicação sobre a cooperação e que lhe devia ter concedido uma redução igual ou superior à aplicada à Cerestar. A ADM acrescenta que a sua cooperação durante o procedimento administrativo foi, pelo menos, equivalente à da Stora Kopparbergs Bergslags AB no processo cartão, no qual a Comissão reduziu a coima em dois terços.

407   Por conseguinte, segundo a ADM, a Comissão violou os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade.

408   A Comissão pede que o fundamento invocado seja julgado improcedente.

2.     Apreciação do Tribunal

409   Importa recordar que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, que constitui a base jurídica para a aplicação de coimas em caso de infracção às regras do direito comunitário da concorrência, confere à Comissão uma margem de apreciação na fixação das coimas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Outubro de 1997, Deutsche Bahn/Comissão, T‑229/94, Colect., p. II‑1689, n.° 127), que, designadamente, é função da sua política geral em matéria de concorrência (acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido no n.° 47 supra, n.os 105 e 109). Foi neste contexto que, para garantir a transparência e o carácter objectivo das suas decisões em matéria de coimas, a Comissão adoptou e publicou, em 1996, a comunicação sobre a cooperação. Trata‑se de um instrumento destinado a precisar, no respeito da hierarquia das normas, os critérios que pretende aplicar no exercício do seu poder de apreciação e que conduz a uma autolimitação desse poder (v., por analogia, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Abril de 1998, Vlaams Gewest/Comissão, T‑214/95, Colect., p. II‑717, n.° 89, e Tokai Carbon e o./Comissão, já referido no n.° 63 supra, n.° 157), na medida em que a Comissão tinha a obrigação de respeitar as regras indicativas que se impôs a sim mesma (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1996, AIUFFASS e AKT/Comissão, T‑380/94, Colect., p. II‑2169, n.° 57).

410   Por conseguinte, contrariamente ao sustentado pela ADM, a Comissão era obrigada a aplicar os critérios que se fixou na comunicação sobre a cooperação (acórdão Tokai Carbon e o./Comissão, já referido no n.° 63 supra, n.° 157). Esta aplicação dos critérios fixados na comunicação sobre a cooperação não é, no caso em apreço, susceptível de ser afectada pela disposição das orientações que prevê como circunstância atenuante a colaboração efectiva da empresa no processo. Com efeito, o ponto 3, terceiro travessão, das orientações precisa expressamente que apenas uma colaboração efectiva, fora do âmbito de aplicação da comunicação sobre a cooperação, constitui uma circunstância atenuante. Ora, no caso em apreço, a colaboração da ADM desde o início efectuou‑se ao abrigo da comunicação sobre a cooperação, o que exclui a consideração dessa colaboração como circunstância atenuante. Além disso, no que respeita à redução do montante da coima da ADM, o Tribunal considera que, atendendo às informações proporcionadas pela ADM no âmbito da sua cooperação, esta redução não é desproporcionada. Por último, quanto à violação da igualdade de tratamento em relação à decisão do processo cartão (n.° 406 supra), o Tribunal observa que esta decisão foi adoptada em 1994, ou seja, antes da aplicação da comunicação sobre a cooperação e que a ADM não prova a equivalência entre as provas circunstanciadas fornecidas pela Stora no processo cartão e as fornecidas por ela na decisão. Portanto, não se pode falar, a este respeito, de uma violação do princípio da igualdade de tratamento.

411   Consequentemente, os fundamentos relativos à violação dos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade devem ser julgados improcedentes.

VIII –  Quanto aos vícios que inquinam o procedimento administrativo

A –  Quanto ao alcance da infracção imputada às partes

1.     Argumentos das partes

412   A ADM alega que, no considerando 158 da decisão, a Comissão indicou os elementos que, nos acordos e combinações existentes no âmbito do cartel, eram pertinentes para provar uma infracção ao artigo 81.°, n.° 1, CE e ao artigo 53.°, n.° 3, do acordo EEE. Ora, a ADM sustenta que dois desses elementos não foram mencionados na comunicação de acusações, concretamente, que as partes, em primeiro lugar, tinham restringido as capacidades de produção (segundo travessão) e, em segundo lugar, tinham designado dentre elas um produtor que devia liderar os aumentos de preços em cada mercado nacional (quarto travessão).

413   A ADM contesta a alegação de que esta omissão não teve qualquer incidência sobre o mérito da análise dos factos e das provas, bem como no cálculo da coima. Com efeito, a ADM sustenta que, durante o procedimento administrativo, alegou que tinha sido precisamente a inexistência de restrição de capacidades que minorou os efeitos do acordo, conclusão que tinha sido rejeitada pela Comissão, que, ao invés, considerou que tinha tido um impacto efectivo no mercado.

414   A ADM deduz daí que, em conformidade com o seu pedido, o artigo 1.° da decisão deve ser anulado na medida em que dispõe, em conjugação com o considerando 158 da decisão, que as partes em causa restringiram as capacidades de produção e designam entre si um produtor que devia liderar os aumentos de preços em cada segmento nacional do mercado em causa.

415   A Comissão alega que, embora os dois elementos em questão não figurem na comunicação de acusações, não é menos verdade que se tratava unicamente de dois dos oito elementos susceptíveis de serem identificados na infracção em causa, apresentados mais a título de exemplo do que sob a forma de enumeração exaustiva. Estes dois elementos não alteravam a substância das descrições e dos elementos de prova contidos na comunicação de acusações e não tiveram a menor influência no cálculo do montante da coima aplicada à ADM.

2.     Apreciação do Tribunal

a)     Introdução

416    Importa recordar que, segundo a jurisprudência, a comunicação de acusações deve incluir uma exposição das acusações redigida em termos suficientemente claros, ainda que sucintos, para permitir que os interessados tomem efectivamente conhecimento do comportamento que lhes é censurado pela Comissão. Na verdade, é só com esta condição que a comunicação de acusações pode desempenhar a função que lhe é atribuída pelos regulamentos comunitários, que é fornecer às empresas e associações de empresas todos os elementos de informação necessários para lhes permitir que se defendam efectivamente antes de a Comissão tomar uma decisão definitiva (acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1993, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão, C‑89/85, C‑104/85, C‑114/85, C‑116/85, C‑117/85 e C‑125/85 a C‑129/85, Colect., p. I‑1307, n.° 42; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Mo och Domsjö/Comissão, T‑352/94, Colect., p. II‑1989, n.° 63, confirmado em recurso pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, Mo och Domsjö/Comissão, C‑283/98 P, Colect., p. I‑9855; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑191/98, T‑212/98 a T‑214/98, Colect., p. II‑3275, n.° 138).

417   Importa, assim, examinar se, na comunicação de acusações, a Comissão expôs em termos suficientemente claros, ainda que sucintos, as acusações feitas à ADM na decisão, incluindo as duas acusações invocadas pela ADM, de forma a permitir que esta tomasse efectivamente conhecimento do comportamento que lhe era censurado.

418   A este respeito, importa observar que, no considerando 158 da decisão, a Comissão considerou os seguintes elementos a título de uma infracção ao artigo 81.°, n.° 1, CE e ao artigo 53.°, n.° 1, do acordo EEE:

–       «repartição de mercados e de quotas de mercado,

–       congelamento/restrição/encerramento de capacidades de produção,

–       acordo de aumentos concertados de preços,

–       designação do produtor que devia ‘liderar’ os aumentos de preços em cada mercado nacional,

–       circulação de listas de preços‑objectivo actuais e futuros, a fim de coordenar os aumentos de preços,

–       concepção e aplicação de um sistema de comunicação de informações e de controlo para assegurar a aplicação dos seus acordos restritivos,

–       repartição ou afectação de clientes,

–       participação em reuniões periódicas e manutenção de outros contactos com o intuito de acordar essas restrições e aplicá‑las e/ou alterá‑las consoante o necessário».

419   É pacífico que, no n.° 134 da comunicação de acusações, que comporta, à semelhança do considerando 158 da decisão, um resumo das acusações feitas às partes em causa, a Comissão não mencionou de forma explícita os elementos compreendidos nos segundo e quarto travessões do considerando 158 da decisão.

420   Importa, por conseguinte, apreciar se, com base numa leitura completa da comunicação de acusações, estes elementos resultam de modo suficientemente claro de modo a permitir às partes em causa exercerem os seus direitos de defesa.

b)     Quanto à acusação de congelamento, restrição e encerramento de capacidades de produção de ácido cítrico

421   No considerando 158, segundo travessão, da decisão, a Comissão acusa as partes em causa de terem congelado, restringido e encerrado capacidades de produção. Esta acusação está, sem dúvida, relacionada com a acusação constante do considerando 158, primeiro travessão, da decisão (ou é uma sua consequência), no qual a Comissão acusa as partes em causa de terem repartido quotas de mercado.

422   Contudo, estas duas acusações, como a própria Comissão admite, não são idênticas, na medida em que uma se refere às capacidades de produção e a outra às quotas de venda. A este respeito, deve também recordar‑se que o artigo 81.°, n.° 1, CE faz uma distinção entre, por um lado, a limitação ou o controlo da produção [alínea b)] e, por outro, a repartição dos mercados [alínea c)].

423   Ora, na comunicação de acusações, esta apenas se referia à fixação de quotas de venda (v., designadamente, n.os 63, 70, 79 a 82, 86 e 87).

424   Por conseguinte, a ADM alega com razão que a acusação de congelamento, restrição e encerramento de capacidades de produção não foi mencionada na comunicação de acusações e não lhe podia, portanto, ser feita na decisão.

425   Consequentemente, o artigo 1.° da decisão deve ser anulado na medida em que, conjugado com o considerando 158, aí se conclui que a ADM e os outros membros do cartel congelaram, restringiram e encerraram capacidades de produção de ácido cítrico.

c)     Quanto à acusação relativa à designação do produtor que devia liderar os aumentos de preços em cada segmento nacional do mercado em causa

426   No considerando 158, quarto travessão, da decisão, a Comissão acusa as partes em causa de terem designado um produtor que devia liderar os aumentos de preços em cada segmento nacional do mercado em causa.

427   A este respeito, deve concluir‑se que, na comunicação de acusações, a Comissão não expôs este elemento da acusação, relativo à celebração de um acordo sobre o aumento dos preços, de forma a permitir que os interessados tomem efectivamente conhecimento do comportamento que lhes foi censurado pela Comissão.

428   Por conseguinte, é com razão que a ADM alega que a acusação relativa à designação de um produtor que devia liderar os aumentos de preços em cada segmento nacional do mercado em causa não foi mencionada na comunicação de acusações, pelo que não lhe podia ser feita na decisão.

429   Consequentemente, o artigo 1.° da decisão deve ser anulado na medida em que dispõe, conjugado com o considerando 158, que a ADM e os outros membros do cartel designaram o produtor que devia liderar os aumentos de preços em cada segmento nacional do mercado em causa.

B –  Quanto à aplicação do factor de dissuasão e à qualificação da ADM como um dos líderes do cartel

1.     Argumentos das partes

430   Em primeiro lugar, a ADM alega que não se pôde pronunciar sobre a utilização, a título de prova, do relatório do FBI e da declaração da Cerestar de 18 de Março de 1999.

431   Em segundo lugar, a ADM acusa a Comissão de não a ter informado, no procedimento administrativo, de que era considerada um líder do cartel e de não ter indicado as provas nas quais baseava essa conclusão.

432   Em terceiro lugar, a ADM alega que, em violação dos seus direitos de defesa, não lhe foi dada oportunidade, no procedimento administrativo, de apresentar as suas observações a respeito da aplicação do coeficiente multiplicador de 2 ao montante de partida para efeitos de dissuasão, coeficiente multiplicador que não está previsto nas orientações.

433   A Comissão pede que os fundamentos invocados sejam julgados improcedentes.

2.     Apreciação do Tribunal

434   Há que recordar que, segundo jurisprudência constante, quando a Comissão indica expressamente, na comunicação de acusações, que vai apreciar se deve aplicar coimas às partes em causa e enuncia os principais elementos de facto e de direito que podem dar origem a uma coima, tais como a gravidade e a duração da suposta infracção e o facto de esta ter sido cometida «de forma intencional ou por negligência», cumpre a sua obrigação de respeitar o direito das empresas a serem ouvidas. Desta forma, fornece‑lhes todos os elementos necessários para se defenderem não só contra a constatação da infracção mas também contra o facto de lhes ser aplicada uma coima (acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido no n.° 47 supra, n.° 21).

435   Por conseguinte, no que respeita à determinação do montante da coima, os direitos de defesa das empresas em causa, face à Comissão, são garantidos através da possibilidade de apresentarem observações sobre a duração, a gravidade e a possibilidade de prever o carácter anticoncorrencial da infracção (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, T‑83/91, Colect., p. II‑755, n.° 235, e HFB e o./Comissão, já referido no n.° 98 supra, n.° 312). Esta conclusão impõe‑se tanto mais quanto a Comissão, pela publicação das orientações, deu a conhecer aos interessados, de forma detalhada, o método de cálculo do montante de uma eventual coima e o modo pelo qual teria em conta estes critérios. Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de as orientações não fazerem referência expressa a um coeficiente multiplicador, dado que nestas se indica que é necessário ter em consideração a capacidade económica efectiva dos autores da infracção de causarem um prejuízo importante aos outros operadores e determinar o montante que assegure que a coima apresenta um carácter suficientemente dissuasor.

436   Relativamente ao caso em apreço, importa concluir que, na comunicação de acusações, a Comissão indicou os principais elementos de facto e de direito que podem justificar a coima que ponderava aplicar à ADM, coima cujo montante determinaria em função, designadamente, da gravidade e da duração da infracção.

437   Por outro lado, a Comissão indicou no n.° 160 da comunicação de acusações que pretendia fixar o montante das coimas num nível suficientemente dissuasor. Do mesmo modo, no n.° 161 da comunicação de acusações, precisou, no essencial, que, para apreciar a gravidade da infracção, tomaria em consideração o facto de se tratar de uma infracção muito grave que tinha por objecto restringir a concorrência e que, além disso, atendendo à própria natureza dos acordos celebrados, tinha tido um impacto sério na concorrência.

438   O respeito dos direitos de defesa das empresas em causa não obriga a Comissão a indicar de forma mais específica, na comunicação de acusações, o modo como se servirá, sendo caso disso, de cada um desses elementos para determinar o nível da coima. Em particular, a Comissão não era obrigada a indicar que podia considerar a ADM líder do cartel nem a importância do agravamento que eventualmente aplicaria à coima da ADM por essa razão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 20).

439   Na medida em que a ADM alega que não se pôde pronunciar sobre a utilização, a título de prova, do relatório do FBI e da declaração da Cerestar de 18 de Março de 1999, importa recordar que a Comissão juntou estes documentos à comunicação de acusações e que as partes tiveram, por conseguinte, a oportunidade de se exprimirem a este respeito, incluindo no que se refere à sua utilização como elemento de prova.

440   Por último, deve concluir‑se que a repartição dos membros do cartel em grupos constitui uma prática que a Comissão desenvolveu com base nas orientações. A decisão foi, portanto, adoptada num contexto bem conhecido da ADM e integra uma prática decisória constante (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 30 de Setembro de 2003, Freistaat Sachsen e o./Comissão, C‑57/00 P e C‑61/00 P, Colect., p. I‑9975, n.° 77).

441   Consequentemente, o fundamento relativo à violação dos direitos de defesa deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao exercício da competência de plena jurisdição

442   Atendendo à análise de todos os fundamentos invocados pela ADM, conclui‑se que apenas são procedentes as acusações da ADM relativas ao facto de a Comissão não ter mencionado, na sua comunicação de acusações, determinados elementos que imputou à ADM. Assim, reconheceu‑se, no n.° 424 supra, que a ADM alega com razão que a acusação relativa ao congelamento, restrição e encerramento de capacidades de produção não foi mencionada na comunicação de acusações e não lhe podia, portanto, ser feita. Além disso, reconheceu‑se, no n.° 428 supra, que a ADM alega com razão que a acusação relativa à designação de um produtor que devia liderar os aumentos de preços em cada segmento nacional do mercado em causa não foi mencionada na comunicação de acusações, pelo que não lhe podia ser feita.

443   Atento o reconhecimento desta ilegalidade, cabe ao Tribunal de Primeira Instância pronunciar‑se sobre a necessidade de anular a decisão. O Tribunal considera, a este respeito, que há que ter em conta que o acordo, que, no essencial, versou sobre a fixação de preços, a repartição de quotas de venda e um sistema de compensação organizado pelos membros do cartel com o objectivo de obter uma eficácia plena do acordo, constitui uma infracção muito grave às regras de concorrência comunitárias. Constituiu uma infracção continuada e única.

444   Em seguida, o Tribunal conclui que resulta dos considerandos da decisão, em particular, quanto à apreciação da gravidade da infracção em razão da sua própria natureza e aos efeitos reais no mercado do ácido cítrico, que as duas acusações que a Comissão não mencionou na comunicação de acusações tinham um carácter acessório em relação aos acordos relativos à fixação de preços, à afectação de quotas de venda e ao sistema de compensação organizado pelos membros do cartel.

445   Por conseguinte, no âmbito do exercício da sua competência de plena jurisdição, o Tribunal de Primeira Instância considera que, não obstante as omissões da Comissão na comunicação de acusações, o montante da coima fixado pela Comissão não deve ser alterado.

 Quanto às despesas

446   Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Nos termos do n.° 3, primeiro parágrafo, da mesma disposição, se cada parte obtiver vencimento parcial o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas.

447   No caso em apreço, a Comissão apenas foi vencida na medida em que não mencionou, na comunicação de acusações, duas das acusações feitas à ADM na decisão (v. n.os 425 e 429 supra), as quais tinham carácter acessório em relação às outras acusações formuladas pela Comissão. A ADM foi vencida relativamente a todos os outros pedidos que apresentou.

448   Nesta situação, será feita uma justa apreciação das circunstâncias da causa decidindo que a Comissão suportará um décimo das despesas efectuadas pela ADM e que a ADM suportará o resto das suas próprias despesas, bem como as despesas efectuadas pela Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1)      O artigo 1.° da Decisão 2002/742/CE da Comissão, de 5 de Dezembro de 2001, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/E‑1/36 604 – Ácido cítrico), é anulado na medida em que, conjugado com o considerando 158, aí se conclui que a Archer Daniels Midland Co. congelou, restringiu e encerrou capacidades de produção de ácido cítrico.

2)      O artigo 1.° da Decisão 2002/742 é anulado na medida em que, conjugado com o considerando 158, dispõe que a Archer Daniels Midland Co. designou o produtor que devia liderar os aumentos de preços em cada segmento nacional do mercado em causa.

3)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

4)      A Comissão é condenada a suportar um décimo das despesas da Archer Daniels Midland Co.

5)      A Archer Daniels Midland Co. é condenada a suportar o resto das suas próprias despesas, bem como as despesas da Comissão.

Azizi

Jaeger

Dehousse

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de Setembro de 2006.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      J. Azizi

Índice

Factos na origem do litígio

Tramitação do processo e pedidos das partes

Questão de direito

I –  Quanto à aplicabilidade das orientações

A –  Argumentos das partes

B –  Apreciação do Tribunal

II –  Quanto à incidência das coimas já aplicadas noutros países

A –  Argumentos das partes

B –  Apreciação do Tribunal

III –  Quanto à gravidade da infracção

A –  Introdução

B –  Quanto à não tomada em consideração do volume de negócios relativo à venda do produto em causa

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal

a)  Quanto à violação do princípio da proporcionalidade

b)  Quanto à violação das orientações

c)  Quanto à violação do dever de fundamentação

C –  Quanto à aplicação de um coeficiente multiplicador ao montante de partida

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal

a)  Quanto à violação do princípio da proporcionalidade

b)  Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento

c)  Quanto à violação do dever de fundamentação

D –  Quanto à existência de erros de apreciação no que respeita ao impacto concreto do acordo no mercado

1.  Introdução

2.  Quanto ao facto de a Comissão ter optado por uma perspectiva errada para demonstrar que o acordo tinha tido um impacto concreto no mercado

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

Resumo da análise efectuada pela Comissão

Apreciação

3.  No que respeita à apreciação da evolução dos preços do ácido cítrico

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

4.  No que respeita à definição do mercado de produtos relevante

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

IV –  Quanto à duração da infracção

V –  Quanto às circunstâncias agravantes

A –  Introdução

B –  Quanto à qualificação da ADM como líder do cartel

1.  Introdução

2.  Quanto aos alegados erros cometidos pela Comissão no que respeita ao papel de líder desempenhado pela ADM

a)  Quanto às reuniões bilaterais organizadas pela ADM em Janeiro de 1991

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

b)  Quanto à declaração do antigo representante da ADM ao FBI

Antecedentes e teor da decisão

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

–  Introdução

–  Quanto ao facto de a Comissão ter violado as garantias processuais previstas pelo direito comunitário

–  Quanto ao facto de a Comissão não ter apreciado correctamente o conteúdo do relatório do FBI

c)  Quanto à declaração da Cerestar

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

3.  Quanto à qualificação da ADM como líder no âmbito do cartel

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal

C –  Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento por a Comissão ter imposto à ADM a mesma taxa de agravamento que à HLR

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal

D –  Quanto à violação dos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade por a Comissão se ter afastado da sua prática decisória quanto à taxa de agravamento aplicada à ADM

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal

E –  Quanto à violação do dever de fundamentação na apreciação das circunstâncias agravantes

VI –  Quanto às circunstâncias atenuantes

A –  Observação preliminar

B –  Quanto à cessação da participação no acordo desde as primeiras intervenções das autoridades competentes

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal

C –  Quanto à não consideração do ressarcimento das indemnizações

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal

D –  Quanto à adopção de um código de conduta pela ADM

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal

VII –  Quanto à cooperação da ADM durante o procedimento administrativo

A –  Introdução

B –  Quanto ao facto de a ADM ter sido a primeira a apresentar elementos decisivos para provar a existência do acordo

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal

C –  Quanto à violação do princípio da confiança legítima

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal

D –  Quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento por a Comissão ter tratado a ADM e a Cerestar de modo diferente

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal

E –  Quanto à violação dos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade por a Comissão ter limitado a redução da coima a 50%

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal

VIII –  Quanto aos vícios que inquinam o procedimento administrativo

A –  Quanto ao alcance da infracção imputada às partes

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal

a)  Introdução

b)  Quanto à acusação de congelamento, restrição e encerramento de capacidades de produção de ácido cítrico

c)  Quanto à acusação relativa à designação do produtor que devia liderar os aumentos de preços em cada segmento nacional do mercado em causa

B –  Quanto à aplicação do factor de dissuasão e à qualificação da ADM como um dos líderes do cartel

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal

Quanto ao exercício da competência de plena jurisdição

Quanto às despesas


* Língua do processo: inglês.


1 – Dados confidenciais ocultados.

Top