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Document 62002CJ0438

    Acórdão do Tribunal (Grande Secção) de 31 de Maio de 2005.
    Processo-crime contra Krister Hanner.
    Pedido de decisão prejudicial: Stockholms tingsrätt - Suécia.
    Artigos 28.º CE, 31.º CE, 43.º CE e 86.º, n.º 2, CE - Introdução de medicamentos no mercado - Estabelecimento de retalhistas - Monopólio nacional da venda a retalho de medicamentos - Empresa encarregada da gestão de um serviço de interesse económico geral.
    Processo C-438/02.

    Colectânea de Jurisprudência 2005 I-04551

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2005:332

    Processo C‑438/02

    Processo penal

    contra

    Krister Hanner

    (pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Stockholms tingsrätt)

    «Artigos 28.° CE, 31.° CE, 43.° CE e 86.°, n.° 2, CE – Introdução de medicamentos no mercado – Estabelecimento de retalhistas – Monopólio nacional da venda a retalho de medicamentos – Empresa encarregada da gestão de um serviço de interesse económico geral»

    Conclusões do advogado‑geral P. Léger apresentadas em 25 de Maio de 2004 

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 31 de Maio de 2005 

    Sumário do acórdão

    1.     Monopólios nacionais de natureza comercial – Artigo 31.° CE – Objecto – Obrigação de adaptar os monopólios de venda de forma a excluir toda e qualquer discriminação do comércio de mercadorias provenientes de outros Estados‑Membros

    (Artigo 31.° CE)

    2.     Monopólios nacionais de natureza comercial – Artigo 31.° CE – Monopólio nacional de venda a retalho de medicamentos – Monopólio caracterizado por métodos de selecção dos produtos que não garante a exclusão de toda e qualquer discriminação – Inadmissibilidade – Justificação nos termos do artigo 86.°, n.° 2, CE – Exclusão

    (Artigos 31.° CE e 86.°, n.° 2, CE)

    1.     O artigo 31.°, n.° 1, CE, sem exigir a abolição total dos monopólios nacionais com natureza comercial, impõe a sua adaptação de modo a que esteja assegurada a exclusão de toda e qualquer discriminação entre nacionais dos Estados‑Membros, quanto às condições de abastecimento e de comercialização. Assim, esta disposição opõe‑se aos monopólios de venda que estejam organizados de modo a que o comércio de mercadorias provenientes de outros Estados‑Membros seja prejudicado, juridicamente ou de facto, relativamente ao das mercadorias nacionais. Em especial, o monopólio nacional de venda deve ser organizado de forma a excluir qualquer discriminação relativamente às mercadorias provenientes de outros Estados‑Membros, no que diz respeito ao seu sistema de selecção, à organização da sua rede de vendas e às suas medidas de comercialização e de publicidade.

    (cf. n.os 34, 36, 39‑41)

    2.     O artigo 31.°, n.° 1, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um monopólio de venda a retalho dos medicamentos organizado de tal forma que não prevê um plano de compra nem um sistema de «concursos públicos», no âmbito dos quais os produtores cujos produtos não sejam seleccionados tenham o direito de obter a comunicação dos fundamentos da decisão de selecção e de impugnar essa decisão numa instância de fiscalização independente. Com efeito, esse monopólio não está organizado de forma a excluir qualquer discriminação mas pode colocar em desvantagem o comércio de medicamentos provenientes de outros Estados‑Membros relativamente ao comércio dos medicamentos nacionais.

    Esse regime de vendas não pode ser justificado ao abrigo do artigo 86.°, n.° 2, CE. Com efeito, embora essa disposição possa ser invocada para justificar a concessão por um Estado‑Membro a uma empresa encarregada da gestão de serviços de interesse económico geral de direitos exclusivos contrários ao artigo 31.°, n.° 1, CE, na medida em que o cumprimento da missão particular que lhe foi confiada só possa ser assegurado pela concessão desses direitos e desde que o desenvolvimento das trocas comerciais não seja afectado de maneira que contrarie os interesses da Comunidade, não pode, no entanto, justificar um monopólio de venda se não houver um sistema de selecção que exclua toda e qualquer discriminação relativamente aos medicamentos provenientes de outros Estados‑Membros.

    (cf. n.os  42‑45, 47‑49, disp.)




    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

    31 de Maio de 2005 (*)

    «Artigos 28.° CE, 31.° CE, 43.° CE e 86.°, n.° 2, CE – Introdução de medicamentos no mercado – Estabelecimento de retalhistas – Monopólio nacional da venda a retalho de medicamentos – Empresa encarregada da gestão de um serviço de interesse económico geral»

    No processo C‑438/02,

    que tem por objecto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 234.° CE, apresentado pelo Stockholms tingsrätt (Suécia), por decisão de 29 de Novembro de 2002, entrado no Tribunal de Justiça em 4 de Dezembro de 2002, no processo penal contra

    Krister Hanner,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

    composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann (relator), C. W. A. Timmermans e A. Rosas, presidentes de secção, J.‑P. Puissochet, R. Schintgen, N. Colneric, S. von Bahr e J. N. Cunha Rodrigues, juízes,

    advogado‑geral: P. Léger,

    secretário: M. Múgica Arzamendi, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 20 de Janeiro de 2004,

    vistas as observações apresentadas:

    –       em representação de K. Hanner, por I. Forrester, QC, J. Killick, barrister, A. Schulz, Rechtsanwalt, L. Hiljemark e R. Olofsson, advokater, e A.‑K. Pettersson, juris kandidat,

    –       em representação do Governo sueco, por A. Kruse, na qualidade de agente,

    –       em representação do Governo neerlandês, por H. G. Sevenster, na qualidade de agente,

    –       em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por L. Ström e H. Støvlbæk, na qualidade de agentes,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral apresentadas na audiência de 25 de Maio de 2004,

    profere o presente

    Acórdão

    1       O pedido de decisão prejudicial incide sobre a interpretação dos artigos 28.° CE, 31.° CE e 43.° CE.

    2       Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo penal instaurado a K. Hanner na sequência de uma infracção da legislação sueca que reserva a venda a retalho de medicamentos à Apoteket AB (a seguir «Apoteket»).

     Quadro jurídico

     Legislação nacional

    3       Na Suécia, por força do § 4 da lag (1996:1152) om handel med läkemedel m.m. (Lei n.° 1152, de 1996, relativa ao comércio de medicamentos), o comércio a retalho de medicamentos, com ou sem prescrição médica, só pode ser exercido pelo Estado ou por pessoas colectivas sobre as quais este exerça influência dominante. O governo determina quais as pessoas colectivas que podem exercer esse comércio e as modalidades desse exercício.

    4       O § 5 da mesma lei prevê uma excepção a essa norma no que respeita a venda a retalho de determinados medicamentos a hospitais, a médicos e a veterinários. Com efeito, tais vendas podem ser efectuadas por outros operadores, desde que sejam titulares de uma autorização de comércio por grosso.

    5       O § 6 da lag om handel med läkemedel estipula que a distribuição dos medicamentos deve ser assegurada de forma racional de modo a garantir a disponibilidade de medicamentos seguros e eficazes.

    6       Segundo o § 11 da referida lei, a infracção ao disposto no seu § 4 é passível de coima ou de pena de prisão até dois anos.

    7       A läkemedelslag (1992:859) (Lei n.° 859, de 1992, relativa aos medicamentos) define, no seu § 1, o conceito de «medicamento» como o produto que se destina a ser administrado a pessoas ou animais com o objectivo de prevenir, revelar, mitigar ou curar doenças ou sintomas de doenças ou a ser utilizado para fins semelhantes.

    8       Por força do § 5 dessa lei, um medicamento só pode, em princípio, ser vendido depois de ter sido objecto de uma autorização de introdução no mercado, concedida seja pela autoridade sueca competente, seja por uma autoridade de um outro Estado‑Membro e, neste caso, após o reconhecimento na Suécia da referida autorização.

    9       O Governo sueco ou, por delegação, a Läkemedelsverket (autoridade competente em matéria de fiscalização de medicamentos) podem decidir, quando tal se imponha por razões sanitárias, que um medicamento só possa ser fornecido mediante receita médica ou sob encomenda de uma pessoa competente para receitar medicamentos.

    10     Em princípio, os medicamentos sujeitos a receita são subsidiados pelo Estado (medicamentos subsidiados), ao passo que os medicamentos sem receita médica não o são (medicamentos não subsidiados).

     Medidas de aplicação

    11     Desde 1970 que o Governo sueco confiou à Apoteksbolaget AB, e, mais tarde, à sua sucessora Apoteket, em causa no processo principal, o comércio a retalho de medicamentos.

    12     A Apoteket é uma sociedade por acções de direito sueco, essencialmente sem fins lucrativos e cuja administração é essencialmente composta por políticos e funcionários do Estado. Segundo a decisão de reenvio, o Estado sueco detém uma participação maioritária de dois terços do seu capital.

    13     A Apoteket não importa ela própria medicamentos, mas abastece‑se de medicamentos directamente junto de fabricantes na Suécia, ou dos grossistas Kronans Droghandel e Tamro. Estes últimos servem de centros logísticos para o fornecimento de medicamentos à Apoteket, sem prosseguirem, por sua vez, uma política comercial própria.

    14     Relativamente à sua rede de vendas, resulta das indicações do órgão jurisdicional de reenvio que a Apoteket dispõe, antes de mais, de aproximadamente 800 farmácias que possui e gere ela própria. A localização destas farmácias é determinada pela Apoteket em estreita colaboração com os organismos municipais e com as autoridades da área da saúde. Nas zonas rurais, a Apoteket utiliza os serviços de 970 Apoteksombud (agentes de farmácia), que estão sujeitos à sua fiscalização. Trata‑se de operadores privados, geralmente comerciantes locais de géneros alimentícios, que fornecem medicamentos mediante receita médica aos consumidores e que podem igualmente vender determinados medicamentos sem receita. As existências destes agentes de farmácia são propriedade da Apoteket e a sua composição é determinada pelo director regional desta em concertação com os serviços de saúde locais. Por último, na data dos factos do processo principal, a Apoteket vendia por telefone medicamentos não sujeitos a receita médica.

    15     Por força de uma convenção entre o Estado sueco e a Apoteket de 20 de Dezembro de 1996 (a seguir «convenção de 1996»), que estava em vigor à data dos factos do processo principal, a Apoteket deve:

    –       organizar, em estreita cooperação com os serviços de saúde, um sistema de distribuição de medicamentos de âmbito nacional, adaptado às condições locais e que responda às exigências de um abastecimento seguro, racional e eficaz de medicamentos;

    –       na sua política de implantação e de organização dos locais de venda, procurar zelar pelos interesses dos consumidores;

    –       possuir existências de medicamentos e capacidade de fornecimento suficientes para satisfazer os pedidos legítimos do sistema de saúde;

    –       fornecer nos melhores prazos todos os medicamentos, com ou sem prescrição médica;

    –       assegurar que o abastecimento de medicamentos seja efectuado com o menor custo possível, tanto na cadeia de distribuição como noutros domínios;

    –       praticar uma política de preço único em todo o território, sendo o preço de venda dos medicamentos subsidiados determinado pelo comité do preço dos medicamentos e o preço de venda dos medicamentos não subsidiados fixado pela própria Apoteket de modo a permitir uma justa remuneração dos seus capitais próprios;

    –       desenvolver continuamente esforços de racionalização e procurar conseguir ganhos de produtividade, bem como

    –       fornecer à sua clientela uma informação independente dos produtores.

     Litígio no processo principal e questões prejudiciais

    16     As autoridades suecas instauraram um processo penal a K. Hanner, na sua qualidade de director‑geral da sociedade de direito sueco Bringwell International AB, sociedade cujos titulares são em parte noruegueses e em parte suecos. Esta sociedade tinha comercializado, entre 30 de Maio e 27 de Julho de 2001, em violação do regime sueco que reserva a venda a retalho de medicamentos à Apoteket (a seguir «regime de venda em causa no processo principal»), doze embalagens de Nicorette Plåster (patchs) e de Nicorette Tuggummi (pastilhas elásticas). Estes produtos são considerados medicamentos não sujeitos a prescrição médica na acepção da lag om handel med läkemedel.

    17     No âmbito da sua defesa, K. Hanner alega que o referido regime institui um monopólio nacional contrário aos artigos 28.° CE, 31.° CE e 43.° CE.

    18     Tendo dúvidas quanto à compatibilidade com o direito comunitário do regime de venda em causa no processo principal, o Stockholms tingsrätt decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

    «1)      Existe, a nível nacional, um sistema independente de controlo e autorização de medicamentos, com o objectivo de garantir a sua boa qualidade e de prevenir os danos causados pelos mesmos. Determinados medicamentos são, além disso, abrangidos pela obrigação de prescrição (receita) por médico habilitado. Nestas circunstâncias, o artigo 31.° CE opõe‑se a uma legislação nacional que prevê que a venda a retalho de medicamentos só pode ser exercida pelo Estado ou por uma pessoa colectiva sobre a qual o Estado exerça influência determinante e cujo objectivo é responder à necessidade de medicamentos seguros e eficazes?

    2)      Tendo em conta as circunstâncias indicadas na primeira questão, o artigo 28.° CE opõe‑se a uma legislação como a referida na primeira questão?

    3)      Tendo em conta as circunstâncias indicadas na primeira questão, o artigo 43.° CE opõe‑se a uma legislação como a referida na primeira questão?

    4)      Na apreciação das primeira, segunda e terceira questões, o princípio da proporcionalidade opõe‑se a uma legislação nacional tal como a referida na primeira questão?

    5)      A apreciação das primeira, segunda, terceira e quarta questões é influenciada no caso de os medicamentos ditos ‘de venda livre’ [medicamentos não sujeitos a receita] serem total ou parcialmente excluídos da exigência, prevista na legislação nacional, de a venda a retalho de medicamentos só poder ser exercida pelo Estado ou por uma pessoa colectiva sobre a qual o Estado exerça influência determinante?»

     Quanto às questões prejudiciais

     Quanto à primeira questão

    19     Através da sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, essencialmente, se o artigo 31.°, n.° 1, CE se opõe a um regime que estabelece um direito exclusivo de venda a retalho, como o que está em causa no processo principal.

     Observações apresentadas ao Tribunal de Justiça

    20     K. Hanner e a Comissão alegam que o regime de venda em causa no processo principal constitui um monopólio nacional discriminatório, contrário ao artigo 31.° CE.

    21     Em apoio da sua análise, K. Hanner alega que o sistema de selecção baseado na evolução previsível da procura torna muito difícil a introdução de novos medicamentos não sujeitos a receita médica nas existências e nas prateleiras das farmácias e dos agentes de farmácia.

    22     No que respeita a determinados tipos de medicamentos, como os vaporizadores nasais e os medicamentos contra a febre e as cefaleias, a maioria dos produtos apresentados nas prateleiras das farmácias são fabricados na Suécia ou fabricados por empresas com relações muito estreitas com a Suécia, ou ainda comercializados por empresas suecas.

    23     Acrescenta que não existem suficientes pontos de venda e que os horários de abertura das farmácias são muito reduzidos.

    24     Além disso, K. Hanner alega que o regime de venda em causa no processo principal não pode ser justificado por motivos de interesse público, na medida em que o direito exclusivo não é necessário e é, em qualquer caso, desproporcionado, uma vez que esse regime se aplica não apenas aos medicamentos com receita, mas igualmente aos medicamentos sem receita.

    25     A Comissão considera que o regime de venda em causa no processo principal pode prejudicar o comércio de medicamentos provenientes de outros Estados‑Membros relativamente ao de medicamentos nacionais e é, portanto, potencialmente discriminatório. O sistema de selecção dos medicamentos sem receita não é transparente, não prevê fundamentação em caso de recusa e é desprovido de fiscalização exercida de forma independente. A rede de vendas assenta em grande parte em agentes de farmácia, cujo número e localização não estão sujeitos a critérios objectivos nem a possibilidades de fiscalização.

    26     Em contrapartida, o Governo sueco invoca vários argumentos para defender que o regime de venda em causa no processo principal não constitui um monopólio nacional discriminatório, contrário ao artigo 31.° CE.

    27     Com efeito, este governo observa que, no que respeita ao sistema de selecção dos medicamentos, a selecção dos medicamentos com receita dependia, na data dos factos que originaram o processo principal, essencialmente de factores sobre os quais a Apoteket não tinha nenhuma influência, ou seja, a natureza subsidiada ou não de um medicamento e a escolha do médico que o prescreve. Do mesmo modo, a selecção dos medicamentos sem receita baseia‑se num critério objectivo de natureza puramente comercial, a saber, a evolução previsível da procura. Além disso, a Apoteket é obrigada a fornecer qualquer medicamento que seja solicitado e, na prática, com o auxílio de um registo central informatizado dos produtos aprovados como medicamentos para venda na Suécia, tem a possibilidade de o fazer em 24 horas. Além disso, para cada novo produto aprovado como medicamento é enviado um folheto informativo a todas as farmácias. De resto, os fabricantes são livres de influenciar tanto a procura dos consumidores como as decisões de selecção da Apoteket, fazendo campanhas publicitárias para os seus medicamentos sem receita.

    28     No que respeita à organização da rede de vendas, a Apoteket é obrigada a zelar pelo interesse dos consumidores. Além disso, o número de locais de venda não está limitado ao ponto de comprometer o fornecimento de medicamentos aos consumidores.

    29     O Governo sueco refere ainda que, no que respeita à promoção dos medicamentos, a Apoteket está obrigada a fornecer informações independentes relativas aos produtos. Além disso, como foi mencionado no n.° 27 do presente acórdão, os próprios fabricantes são livres de efectuar campanhas publicitárias junto dos consumidores para os seus medicamentos sem receita.

    30     Por último, o mesmo governo alega que o regime de venda em causa no processo principal se justifica na medida em que a Apoteket está encarregada da gestão de um serviço de interesse económico geral, a saber, a venda de medicamentos a preços uniformes em todo o território sueco.

    31     Por sua vez, o Governo neerlandês considera que o órgão jurisdicional de reenvio não apresenta indícios suficientes quanto ao sistema de selecção praticado pela Apoteket para o seu abastecimento de medicamentos e não fornece, portanto, elementos suficientes para poder decidir se, e em que medida, o regime de venda em causa no processo principal é contrário ao artigo 31.° CE.

     Resposta do Tribunal de Justiça

    32     Resulta do artigo 31.°, n.° 1, primeiro parágrafo, CE que esta disposição se aplica aos monopólios nacionais de natureza comercial. Por força do artigo 31.°, n.° 1, segundo parágrafo, CE, a referida disposição é aplicável a qualquer organismo através do qual um Estado‑Membro, de jure ou de facto, controle, dirija ou influencie sensivelmente, directa ou indirectamente, as importações ou as exportações entre os Estados‑Membros.

    33     No processo principal, como refere o advogado‑geral nos n.os 36 a 39 das suas conclusões, há que concluir que o regime de venda em causa constitui um monopólio nacional que apresenta natureza comercial na acepção do artigo 31.°, n.° 1, CE. Com efeito, a Apoteket exerce uma actividade comercial, a saber, a venda a retalho de medicamentos, que lhe está reservado de modo exclusivo pela lag om handel med läkemedel. Acresce que o Governo sueco não contesta que a Apoteket está sujeita, no âmbito dessa actividade, à fiscalização do Estado, tanto devido à participação maioritária que este detém no capital desta sociedade como à estrutura da sua gestão.

    34     Em tal situação, resulta de jurisprudência assente que, sem exigir a abolição total dos monopólios nacionais com natureza comercial, o artigo 31.°, n.° 1, CE impõe a sua adaptação de modo a que esteja assegurada a exclusão de toda e qualquer discriminação entre nacionais dos Estados‑Membros, quanto às condições de abastecimento e de comercialização (v., neste sentido, acórdãos de 3 de Fevereiro de 1976, Manghera e o., 59/75, Colect., p. 31, n.os 4 e 5; de 13 de Março de 1979, Hansen, 91/78, Colect., p. 505, n.° 8; de 7 de Junho de 1983, Comissão/Itália, 78/82, Recueil, p. 1955, n.° 11; de 14 de Dezembro de 1995, Banchero, C‑387/93, Colect., p. I‑4663, n.° 27, e de 23 de Outubro de 1997, Franzén, C‑189/95, Colect., p. I‑5909, n.° 38).

    35     Com efeito, o artigo 31.°, n.° 1, CE tem como objectivo conciliar a possibilidade de os Estados‑Membros manterem determinados monopólios de natureza comercial, enquanto instrumentos para a prossecução de objectivos de interesse público, com as exigências do estabelecimento e do funcionamento do mercado comum. Tem em vista a eliminação dos entraves à livre circulação de mercadorias, com excepção dos efeitos restritivos nas trocas comerciais que são inerentes à existência dos monopólios em causa (acórdão Franzén, já referido, n.° 39).

    36     Assim, no que respeita aos monopólios de venda, o Tribunal de Justiça declarou que não são admitidos monopólios que estejam organizados de modo a que o comércio de mercadorias provenientes de outros Estados‑Membros seja prejudicado, juridicamente ou de facto, relativamente ao das mercadorias nacionais (v., neste sentido, acórdão Franzén, já referido, n.° 40).

    37     Por conseguinte, há que verificar se o regime de venda em causa no processo principal está organizado de forma a excluir qualquer discriminação relativamente aos medicamentos provenientes de outros Estados‑Membros.

    38     A este respeito, há que analisar se o modo de organização e de funcionamento do monopólio nacional em questão é susceptível de prejudicar os medicamentos provenientes de outros Estados‑Membros (v., neste sentido, acórdão Franzén, já referido, n.° 40) ou se, na prática, esse monopólio prejudica tais medicamentos.

    39     Relativamente ao primeiro destes dois aspectos, resulta do acórdão Franzén (já referido, n.os 44 e 51) que, antes de mais, o sistema de selecção de um monopólio de venda deve basear‑se em critérios independentes da origem dos produtos e deve ser transparente prevendo o dever de fundamentação das decisões e um procedimento de fiscalização independente.

    40     Em seguida, a rede de venda desse monopólio deve ser organizada de forma a que o número de locais de venda não seja limitado a ponto de comprometer o fornecimento dos consumidores (v., neste sentido, a propósito do artigo 28.° CE, acórdão Banchero, já referido, n.° 39, e, a propósito do artigo 31.°, n.° 1, CE, acórdão Franzén, já referido, n.° 54).

    41     Por último, as medidas de comercialização e de publicidade desse monopólio devem ser imparciais e independentes da origem dos produtos e ser utilizadas para dar a conhecer novos produtos aos consumidores (v., neste sentido, acórdão Franzén, já referido, n.° 62).

    42     No processo principal, resulta dos elementos comunicados ao Tribunal de Justiça que a convenção de 1996 não prevê um plano de compra nem um sistema de «concursos públicos», no âmbito dos quais os produtores cujos produtos não sejam seleccionados tenham o direito de obter a comunicação dos fundamentos da decisão de selecção. A convenção também não prevê a possibilidade de impugnar essa decisão numa instância de fiscalização independente. Pelo contrário, segundo a referida convenção, a Apoteket parece ter, em princípio, total liberdade para seleccionar os medicamentos da sua escolha.

    43     Assim, a convenção de 1996 não garante a exclusão de toda e qualquer discriminação. Ora, o Governo sueco não invocou a existência de nenhuma outra medida que pudesse colmatar essa falta de garantias estruturais.

    44     Tais circunstâncias bastam para concluir que o modo de organização e de funcionamento da Apoteket, e, em especial, o seu sistema de selecção de medicamentos, pode colocar em desvantagem o comércio de medicamentos provenientes de outros Estados‑Membros relativamente ao comércio dos medicamentos suecos. Assim, este monopólio nacional não está organizado de forma a excluir qualquer discriminação relativamente aos medicamentos provenientes de outros Estados‑Membros, violando, em consequência, o artigo 31.°, n.° 1, CE.

    45     Por conseguinte, já não é necessário analisar o segundo aspecto, ou seja, a questão de saber se, na prática, a Apoteket coloca em desvantagem os medicamentos provenientes de outros Estados‑Membros.

    46     No entanto, o Governo sueco alega ainda que o regime de venda em causa no processo principal pode ser justificado.

    47     A esse respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um Estado‑Membro pode invocar o artigo 86.°, n.° 2, CE para justificar a concessão a uma empresa encarregada da gestão de serviços de interesse económico geral de direitos exclusivos contrários ao artigo 31.°, n.° 1, CE, na medida em que o cumprimento da missão particular que lhe foi confiada só possa ser assegurado pela concessão desses direitos e desde que o desenvolvimento das trocas comerciais não seja afectado de maneira que contrarie os interesses da Comunidade (v., neste sentido, acórdãos de 23 de Outubro de 1997, Comissão/Países Baixos, C‑157/94, Colect., p. I‑5699, n.° 32; Comissão/Itália, C‑158/94, Colect., p. I‑5789, n.° 43, e Comissão/França, C‑159/94, Colect., p. I‑5815, n.° 49).

    48     No entanto, um regime de venda como o que está em causa no processo principal, descrito nos n.os 42 e 43 do presente acórdão, não pode ser justificado nos termos do artigo 86.°, n.° 2, CE, na falta de um sistema de selecção que exclua toda e qualquer discriminação relativamente aos medicamentos provenientes de outros Estados‑Membros.

    49     Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o artigo 31.°, n.° 1, CE se opõe a um regime que estabelece um direito exclusivo de venda a retalho organizado segundo regras como as que caracterizam o regime em causa no processo principal.

     Quanto às segunda, terceira, quarta e quinta questões

    50     Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não há que responder às restantes questões.

     Quanto às despesas

    51     Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efectuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

    O artigo 31.°, n.° 1, CE opõe‑se a um regime que estabelece um direito exclusivo de venda a retalho organizado segundo regras como as que caracterizam o regime em causa no processo principal.

    Assinaturas


    * Língua do processo: sueco.

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