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Document 62002CC0277

    Conclusões do advogado-geral Léger apresentadas em 23 de Septembro de 2004.
    EU-Wood-Trading GmbH contra Sonderabfall-Management-Gesellschaft Rheinland-Pfalz mbH.
    Pedido de decisão prejudicial: Oberverwaltungsgericht Rheinland-Pfalz - Alemanha.
    Ambiente - Resíduos - Regulamento (CEE) n.º 259/93 relativo às transferências de resíduos - Resíduos destinados a operações de valorização - Objecções - Competência da autoridade de expedição - Valorização que não respeita as exigências do artigo 4.º da Directiva 74/442/CE ou de disposições nacionais - Competência da autoridade de expedição para levantar essas objecções.
    Processo C-277/02.

    Colectânea de Jurisprudência 2004 I-11957

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2004:547

    Conclusions

    CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
    PHILIPPE LÉGER
    apresentadas em 23 de Setembro de 2004(1)



    Processo C‑277/02



    EUWoodTrading GmbH
    contra
    SonderabfallManagementGesellschaft RheinlandPfalz mbH


    [pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Oberverwaltungsgericht Rheinland‑Pfalz (Alemanha)]

    «Regulamento (CEE) n.° 259/93 relativo à transferência de resíduos – Resíduos destinados a operações de valorização – Artigo 7.º, n.º 4, alínea a), primeiro e segundo travessões – Competência das autoridades nacionais para apresentar objecções fundamentadas à transferência prevista com fundamento nas condições em que os resíduos devem ser valorizados – Competência da autoridade de expedição para apresentar as referidas objecções – Tomada em consideração, pela autoridade de expedição, dos critérios em vigor no seu Estado»






    1.        O presente processo é mais um dos que incidem sobre a interpretação do Regulamento (CEE) n.° 259/93  (2) que estabelece as condições e normas processuais a que estão subordinadas as transferências de resíduos entre Estados‑Membros. Trata‑se de saber se, e em que medida, a autoridade administrativa competente do país a partir do qual deverá efectuar‑se a transferência de resíduos, denominada «autoridade competente de expedição», tem o direito de se opor a essa transferência quando as condições em que os resíduos em causa devem ser valorizados no país de destino não são compatíveis com os critérios aplicáveis no seu próprio Estado ou com a sua regulamentação nacional, mais exigentes do que os vigentes no Estado‑Membro de destino.

    2.        Assim, este processo tem por objectivo levar o Tribunal de Justiça a especificar os poderes da autoridade competente de expedição no âmbito do processo de transferência de resíduos e, eventualmente, a esclarecer se a livre circulação dos resíduos destinados a valorização, prevista pelo regulamento, se opõe a que esta autoridade faça prevalecer as normas de protecção da saúde e do ambiente aplicáveis no seu Estado quando estas são mais exigentes do que as vigentes no Estado‑Membro de destino.

    3.        Antes de apresentar o contexto factual do litígio no processo principal, recordarei sucintamente a evolução e os princípios da política comunitária no domínio do ambiente, bem como as disposições de direito derivado mais pertinentes para a resposta a dar às questões do órgão jurisdicional de reenvio.

    I – O direito comunitário

    A – A política comunitária do ambiente

    4.        A protecção do ambiente foi objecto duma consagração recente e progressiva em direito comunitário. Com efeito, o referido tema estava ausente, ou quase, dos tratados originários  (3) . De modo pretoriano, o Tribunal de Justiça, no acórdão ADBHU  (4) , afirmou que ele constituía «um dos objectivos essenciais da Comunidade» reconhecendo‑lhe assim o estatuto de uma exigência imperativa susceptível de justificar medidas nacionais contrárias à livre circulação de mercadorias. Em 1987, com a entrada em vigor do Acto Único Europeu, a acção da Comunidade no domínio da protecção do ambiente viu ser‑lhe reconhecida uma base jurídica em direito primário, com a inserção dos artigos 130.°‑R, 130.°‑S e 130.°‑T no Tratado CE  (5) . O Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht em 7 de Fevereiro de 1992, elevou esta acção ao nível de política comunitária. O Tratado de Amesterdão, entrado em vigor em 1 de Maio de 1999, reforçou ainda a posição prioritária desta política, ao colocar o princípio da integração das exigências ambientais nas outras políticas da Comunidade no artigo 6.° CE, criado para o efeito e integrado na parte do Tratado consagrada aos princípios em que a referida Comunidade assenta.

    5.        A política ambiental da Comunidade deve contribuir para a prossecução de quatro objectivos, enumerados no artigo 174.° CE. O primeiro refere‑se à qualidade do ambiente através de três aspectos, que são a sua preservação, protecção e melhoria. O segundo objectivo é a protecção da saúde das pessoas. O terceiro consiste na utilização prudente e racional dos recursos naturais. O quarto é a promoção, no plano internacional, de medidas destinadas a enfrentar os problemas regionais ou mundiais do ambiente.

    6.        Esta política baseia‑se nos seguintes quatro princípios: o princípio da precaução, que permite a adopção de medidas imediatas em caso de ameaça de violação grave e irreversível do ambiente; o princípio da acção preventiva, que recomenda que se impeça, desde a origem, a criação de poluições ou de danos, através da adopção de medidas susceptíveis de erradicar um risco comum; o princípio da correcção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente, que significa que a intervenção deve incidir sobre o próprio objecto que provoca, directa ou indirectamente, o impacto no ambiente e que se traduz, na legislação comunitária sobre a transferência de resíduos, pelos princípios ditos «de auto‑suficiência e de proximidade»; e o princípio do poluidor‑pagador, que impõe que quem faça correr um risco de poluição ou cause poluição suporte os custos da prevenção ou da reparação.

    7.        Sublinhe‑se igualmente que as acções da Comunidade no domínio do ambiente devem ter por objectivo alcançar um nível de protecção elevado. Esta exigência, afirmada no artigo 2.° CE desde o Tratado de Amesterdão, é retomada em vários artigos do Tratado CE  (6) .

    8.        Finalmente, a competência da Comunidade no domínio do ambiente não é exclusiva. Por um lado, está submetida ao princípio da subsidiariedade. Por outro, os Estados‑Membros gozam de uma competência que concorre com a da Comunidade. Assim, de acordo com o artigo 176.° CE, quando a Comunidade adopta medidas de protecção do ambiente, os Estados‑Membros podem manter e mesmo introduzir medidas de protecção reforçadas. Esta competência concorrente manifesta‑se igualmente através das cláusulas de salvaguarda, que permitem a um Estado‑Membro, após adopção, pela Comunidade, de medidas de harmonização que tenham por objecto o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno, manter disposições nacionais derrogatórias justificadas por exigências a que se refere o artigo 30.° CE ou relativas à protecção do ambiente, ou mesmo adoptar disposições nacionais derrogatórias, desde que baseadas em novas provas científicas  (7) .

    9.        No futuro, aos princípios que enquadram o direito do ambiente poderá ser atribuída importância acrescida, uma vez que o projecto de Constituição para a Europa, adoptado pelos chefes de Estado e de Governo dos Estados‑Membros em 18 de Junho de 2004 fixa, entre os objectivos da União Europeia, o desenvolvimento sustentável da Europa e do resto do mundo, bem como um nível elevado de protecção e de melhoria da qualidade do ambiente  (8) . Por sua vez, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em Nice a 7 de Dezembro de 2000 e retomada na segunda parte do projecto de Tratado referido, dispõe que «[t]odas as políticas da União devem integrar um elevado nível de protecção do ambiente e a melhoria da sua qualidade, e assegurá‑los de acordo com o princípio do desenvolvimento sustentável»  (9) . Há ainda que referir que a protecção do ambiente figura na Constituição de diversos Estados‑Membros  (10) .

    B – A legislação comunitária em matéria de transferência de resíduos

    1. A directiva

    10.      A Directiva 75/442/CEE  (11) , cujas disposições aplicáveis foram adoptadas com base no artigo 130.°‑S do Tratado, que habilita o Conselho da União Europeia a adoptar as acções destinadas a implementar a política da Comunidade no domínio do ambiente, tem por objectivo garantir um nível elevado de protecção do ambiente  (12) . Refere que, para alcançar esse objectivo, é necessário que os Estados‑Membros, além de zelarem pela eliminação e aproveitamento dos resíduos, tomem sobretudo medidas com vista a limitar a produção de resíduos, promovendo, nomeadamente, as tecnologias limpas e os produtos recicláveis e reutilizáveis  (13) . Visa também reduzir a circulação de resíduos através da constituição de uma rede integrada e adequada de eliminação, a qual deverá permitir que a Comunidade assegure a eliminação dos resíduos que ela própria produz e que os Estados tendam também para esse objectivo.

    11.      Dispõe, no artigo 4.°, primeiro parágrafo, que «[o]s Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para garantir que os resíduos sejam aproveitados ou eliminados sem pôr em perigo a saúde humana e sem utilizar processos ou métodos susceptíveis de agredir o ambiente [...]».

    12.      No artigo 7.° refere que, para realizar os objectivos referidos, designadamente, no artigo 4.°, os Estados‑Membros devem estabelecer, logo que possível, um ou mais planos de gestão de resíduos.

    13.      Dispõe também que as empresas que asseguram a eliminação e a valorização dos resíduos devem ser objecto de uma autorização e de controlos  (14) .

    2. O regulamento

    14.      O regulamento também foi adoptado com base no artigo 130.°‑S do Tratado. Substituiu a Directiva 84/631/CEE  (15) , com o objectivo de aplicar na Comunidade, designadamente, a Convenção de Basileia, de 22 de Março de 1989, sobre o controlo dos movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos e sua eliminação  (16) . Tem por objectivo fornecer um sistema harmonizado de procedimentos através dos quais se possa limitar a circulação dos resíduos a fim de assegurar a protecção do ambiente  (17) .

    15.      No título II, o regulamento estabelece o procedimento aplicável à transferência de resíduos entre Estados‑Membros. O capítulo A do título II, que abrange os artigos 3.° a 5.°, é relativo aos resíduos destinados a eliminação e o capítulo B do mesmo título, que abrange os artigos 6.° a 11.°, trata dos resíduos destinados a valorização. As normas aplicáveis às transferências para fins de valorização são menos restritivas do que as relativas às transferências para fins de eliminação. Esta diferença de regime entre os resíduos destinados a eliminação e os destinados a aproveitamento explica‑se pela vontade do legislador comunitário de assegurar a prioridade da valorização  (18) . Além disso, os processos de controlo relativos aos resíduos destinados a valorização não são, em princípio, aplicáveis aos resíduos constantes da lista verde, que figura no Anexo II do regulamento, considerados como não apresentando riscos para o ambiente. As noções de eliminação e de valorização constam da directiva para que o regulamento expressamente remete  (19) .

    16.      O regulamento exige a qualquer pessoa singular ou colectiva que tenha a intenção de transferir resíduos para eliminação ou valorização de um Estado‑Membro para outro, chamada notificador, que notifique à autoridade competente de destino, às autoridades competentes de expedição e de trânsito e ao destinatário dos resíduos, o seu projecto de transferência  (20) . No entanto, qualquer Estado‑Membro pode estipular que seja a autoridade competente de expedição a assegurar esta notificação, em vez do notificador  (21) .

    17.      Nos termos do nono considerando do regulamento, esta notificação tem por objectivo permitir que as várias autoridades competentes «sejam devidamente informadas do tipo, trajecto e eliminação ou valorização dos resíduos de modo a que essas autoridades possam tomar todas as medidas necessárias à protecção da saúde humana e do ambiente, incluindo a possibilidade de apresentar objecções fundamentadas à transferência». Para esse efeito, o n.° 4 do artigo 7.° do regulamento, que – recorde‑se – faz parte das disposições relativas às transferências para fins de valorização, dispõe:

    «a)
    As autoridades competentes de destino e de expedição podem levantar objecções fundamentadas à transferência prevista:

    de acordo com a Directiva 75/442/CEE, em especial com o seu artigo 7.°,

    ou

    se a transferência não respeitar as disposições legislativas e regulamentares nacionais relativas à protecção do ambiente, à ordem pública, à segurança pública ou à protecção da saúde,

    ou

    se o notificador ou o destinatário tiverem sido culpados, no passado, de transferências ilegais [...]

    ou

    se a transferência colidir com obrigações decorrentes de acordos internacionais celebrados pelos Estados‑Membros interessados,

    ou

    se a razão entre os resíduos susceptíveis de valorização e os resíduos não susceptíveis de valorização, o valor estimativo dos materiais a serem finalmente valorizados ou o custo da operação de valorização e da eliminação da fracção não valorizável dos resíduos não justificarem a valorização sob o ponto de vista económico e do ambiente;

    b)
    As autoridades competentes de trânsito podem levantar objecções fundamentadas às transferências previstas com base nos segundo, terceiro e quarto travessões da alínea a).»

    II – Os factos e o processo do litígio principal

    18.      Em 23 de Novembro de 1999, a EU‑Wood Trading GmbH  (22) , com sede em Frankfurt am Main (Alemanha), notificou o Sonderabfall‑Management‑Gesellschaft Rheinland‑Pfalz mbH, autoridade competente de expedição, da sua intenção de transferir para Itália 3 500 toneladas de resíduos de madeira, compostos, designadamente, de madeira tratada ou pintada proveniente de demolições, de móveis ou de restos de marcenarias. A transferência destinava‑se a fins de valorização, devendo os resíduos ser transformados em painéis de aglomerado. Nos termos de uma análise realizada em meados de Novembro de 1999, os resíduos apresentavam um teor de chumbo de 47 mg por quilo de matéria seca  (23) .

    19.      No dia 1 de Fevereiro de 2000, a autoridade competente de expedição, a quem a legislação nacional incumbia de assegurar a transmissão dos projectos de transferência, notificou a autoridade competente de destino do projecto litigioso. Esta não apresentou qualquer objecção ao projecto. Em contrapartida, em 17 de Janeiro de 2000, a autoridade competente de expedição apresentou uma objecção à transferência. Fundamentou‑a no disposto no artigo 7.°, n.° 4, alínea a), primeiro travessão, por um lado, e segundo travessão, por outro, do regulamento.

    20.      Assim, em primeiro lugar, com base no referido primeiro travessão, a autoridade competente de expedição considerou que a transferência prevista violava o artigo 4.° da directiva, segundo o qual os resíduos devem ser aproveitados ou eliminados sem pôr em perigo a saúde humana, porque o teor em chumbo destes resíduos excede o valor de referência fixado numa directriz do Ministério do Ambiente do Rheinland‑Pfalz relativa a trabalhos de valorização. A utilização desses resíduos de madeira para a produção de painéis de aglomerado conduziria, assim, a um aumento da presença de chumbo no ciclo dos materiais e poria em perigo a saúde dos trabalhadores encarregados da operação de valorização, bem como a dos utilizadores dos painéis.

    21.      Em seguida, com base no artigo 7.°, n.° 4, alínea a), segundo travessão, do regulamento, a autoridade competente de expedição considerou que a transferência prevista violava uma disposição de direito interno destinada a proteger a saúde e o ambiente  (24) , que proíbe qualquer valorização de resíduos que conduza a um aumento da presença de uma substância perigosa no ciclo dos materiais.

    22.      A Wood Trading reclamou desta objecção, apresentando uma nova análise dos resíduos em causa, nos termos da qual estes continham, por quilo de madeira seca, um teor de 23 mg de chumbo e de 3,4 mg de arsénio. A autoridade competente de expedição manteve a sua objecção, considerando que os dois fundamentos de recusa da transferência dos resíduos de madeira em causa continuavam a ser aplicáveis devido ao teor dos mesmos em arsénio.

    23.      Após ter sido negado provimento ao recurso pelo Verwaltungsgericht Mainz, a Wood Trading recorreu para o órgão jurisdicional de reenvio, pedindo que a objecção apresentada pela autoridade competente de expedição fosse declarada ilegal. Alegou que o artigo 7.°, n.° 4, alínea a), do regulamento só permite que esta autoridade apresente objecções por razões atinentes às condições de transporte dos resíduos e não às condições da sua valorização no Estado de destino. Admitir o contrário levaria, segundo a Wood Trading, a permitir que um Estado‑Membro se guindasse a guardião do ambiente noutro Estado‑Membro e contradiria o princípio da confiança mútua entre os Estados. Portanto, só a autoridade competente de destino está habilitada a apresentar objecções baseadas na parte da transferência que diga respeito ao seu Estado. Além disso, tal objecção da autoridade competente de expedição, na medida em que excede as disposições exaustivas do regulamento, constitui uma restrição ilícita da livre circulação de mercadorias. A Wood Trading argumentou ainda que a referida objecção também não pode assentar no disposto no artigo 176.° CE, nos termos do qual as medidas adoptadas pelo Conselho por força do artigo 175.° CE não obstam a que cada Estado‑Membro mantenha ou introduza medidas de protecção reforçadas, porque essas medidas só poderiam ser adoptadas para a protecção de interesses nacionais.

    24.      A autoridade competente de expedição alegou, em resposta, que a transferência referida no artigo 7.°, n.° 4, alínea a), do regulamento, não abrange apenas o transporte dos resíduos mas também todas as fases da transferência até ao destino final, de modo que todas as autoridades envolvidas dispunham de competência para verificar que a valorização não apresentava qualquer risco para a saúde e para o ambiente. Argumentou também que a transformação dos resíduos em painéis de aglomerado punha em perigo a saúde e o ambiente na Alemanha, dado que podiam ser importados para esse país. Além disso, de acordo com esta autoridade, resulta da jurisprudência, designadamente do acórdão de 27 de Fevereiro, ASA  (25) , que o processo de valorização dos resíduos deve igualmente ser submetido ao controlo das autoridades competentes de expedição.

    III – As questões prejudiciais

    25.      Face a estas considerações, o Oberverwaltungsgericht Rheinland‑Pfalz (Alemanha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes cinco questões:

    «1)
    Nos termos do artigo 7.°, n.° 4, alínea a), primeiro travessão, do regulamento [...], pode ser levantada uma objecção à transferência de resíduos destinados a valorização com o fundamento de que a valorização prevista viola o princípio da valorização de resíduos sem pôr em perigo a saúde humana nem prejudicar o ambiente, previsto no artigo 4.°, primeiro parágrafo, da directiva [...]?

    2)
    Em caso afirmativo, tal objecção também pode ser levantada pela autoridade [competente] de expedição, para além de o poder ser pela autoridade [competente] de destino?

    3)
    Em caso afirmativo, a autoridade [competente] de expedição, no momento da avaliação da compatibilidade da valorização prevista (a ser executada no local de destino) com a protecção da saúde e do ambiente, pode fazer uso das normas em vigor no Estado de expedição, ainda que essas normas sejam mais exigentes do que aquelas que vigoram no Estado de destino?

    4)
    Em caso afirmativo, nos termos do artigo 7.°, n.° 4, alínea a), segundo travessão, do regulamento, pode ser levantada uma objecção à transferência de resíduos destinados a valorização com o fundamento de que a valorização prevista não respeita disposições legislativas e regulamentares nacionais relativas à protecção do ambiente, à ordem pública, à segurança pública ou à protecção da saúde?

    5)
    Em caso afirmativo, a autoridade [competente] de expedição pode levantar tal objecção com o fundamento de que a valorização viola disposições legislativas e regulamentares nacionais em vigor no local de expedição?»

    IV – Apreciação

    26.      As cinco questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, todas relativas à interpretação do artigo 7.°, n.° 4, alínea a), primeiro e segundo travessões, do regulamento, abrangem três interrogações. Em primeiro lugar, visam saber se estas disposições permitem que sejam apresentadas objecções a uma transferência de resíduos baseadas na valorização prevista no Estado de destino (primeira e quarta questões prejudiciais); em segundo lugar, se a autoridade competente de expedição tem o direito de apresentar tais objecções (segunda questão e primeira parte da quinta questão prejudicial) e; em terceiro lugar, se essa autoridade tem o direito de fundamentar tais objecções nas normas em vigor no seu próprio Estado, ainda que sejam mais exigentes do que as que vigoram no Estado de destino (terceira questão e parte final da quinta questão prejudicial).

    27.      Começarei por analisar as primeira e quarta questões prejudiciais, relativas à possibilidade de apresentar objecções baseadas na valorização.

    A – Quanto à possibilidade de apresentar objecções fundadas na valorização

    28.      Com a primeira e a quarta questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.°, n.° 4, alínea a), do regulamento, pode ser interpretado no sentido de que as eventuais objecções a uma transferência de resíduos destinados a valorização relativas às condições em que esta deve ser efectuada podem basear‑se, por um lado, no primeiro travessão desta disposição, com o fundamento de que a valorização prevista viola a exigência decorrente do artigo 4.°, frase inicial, da directiva, segundo a qual os resíduos devem ser aproveitados sem pôr em perigo a saúde humana e sem prejudicar o ambiente e, por outro, no segundo travessão desta mesma disposição, com o fundamento de que a valorização prevista viola disposições legislativas e regulamentares nacionais relativas à protecção do ambiente, à ordem pública, à segurança pública ou à protecção da saúde.

    29.      No que respeita ao artigo 7.°, n.° 4, alínea a), primeiro travessão, do regulamento, o órgão jurisdicional de reenvio coloca esta questão porque a referida disposição só invoca especificamente o artigo 7.° da directiva, que impõe aos Estados‑Membros que estabeleçam planos de gestão de resíduos e que refere os movimentos de resíduos.

    30.      No que respeita ao artigo 7.°, n.° 4, alínea a), segundo travessão, do regulamento, esclarece que as suas dúvidas assentam na redacção desta disposição, a qual deixa pensar que as objecções só podem basear‑se no transporte dos resíduos. Sublinha igualmente que o artigo 7.°, n.° 4, alínea b), do regulamento só autoriza as autoridades competentes de trânsito a apresentar objecções com fundamento no artigo 7.°, n.° 4, alínea a), segundo, terceiro e quarto travessões. Isso podia significar que o segundo travessão não permite que se apresentem objecções fundadas nas condições da valorização dos resíduos, uma vez que, a priori, estas autoridades não têm interesse em apresentar as referidas objecções.

    31.      O órgão jurisdicional de reenvio recorda igualmente que, no acórdão Dusseldorp e o.  (26) , já referido, o Tribunal de Justiça decidiu, a propósito de uma transferência de resíduos destinados a valorização, que «[f]oi para estimular tal aproveitamento no conjunto da Comunidade, designadamente pelo aparecimento de técnicas mais eficazes, que o legislador comunitário previu que os resíduos desse tipo deviam poder circular livremente entre os Estados‑Membros para aí serem tratados, na medida em que o respectivo transporte não criasse perigo para o ambiente»  (27) .

    32.      A título liminar, parece‑me necessário tomar posição sobre a interpretação deste ponto do acórdão Dusseldorp e o., já referido. Não creio que o Tribunal de Justiça tenha pretendido dizer que só podia ser colocada uma objecção a uma transferência de resíduos destinados a valorização por motivos relativos às condições em que estes resíduos devem ser transportados. O processo principal que deu lugar a este acórdão era relativo a uma disposição de um plano neerlandês de gestão dos resíduos que dispunha que as exportações de filtros de óleo para outro Estado‑Membro para aí serem valorizados eram proibidas se o tratamento desses filtros no estrangeiro não fosse de qualidade superior ao praticado nos Países Baixos. Com o objectivo de apreciar a compatibilidade desta norma com o direito comunitário, o Raad van State (Países Baixos) perguntou ao Tribunal de Justiça se os princípios de auto‑suficiência e de proximidade, tal como eram concretizados neste plano de gestão, podiam ser aplicados às transferências de resíduos destinados a valorização. No termo de uma análise das disposições pertinentes da directiva e do regulamento, o Tribunal de Justiça decidiu que estes princípios só eram aplicáveis às transferências de resíduos destinados a eliminação. Esclareceu os fundamentos desta diferença de regime entre os resíduos destinados a eliminação e os destinados a valorização, indicando designadamente que só estes últimos podem permitir a execução do princípio da prioridade da valorização. Foi neste contexto que procedeu à especificação invocada pelo órgão jurisdicional de reenvio quanto à razão pela qual o legislador comunitário pretendeu favorecer a circulação dos resíduos destinados a valorização.

    33.      Ao acrescentar a parte da frase segundo a qual esta circulação só podia ser favorecida «na medida em que o respectivo transporte não criasse perigo para o ambiente», parece‑me que o Tribunal de Justiça apenas quis recordar que esta livre circulação não é incondicional e se encontra sujeita a condições de segurança. Em minha opinião, não seria justificado deduzir do facto de esta parte da frase mencionar apenas a segurança do «transporte» que as autoridades competentes em causa estavam impedidas de apresentar objecções a uma projectada transferência de resíduos, em razão das condições previstas para a sua valorização, uma vez que essa não era a questão colocada pelo Raad van State.

    34.      Analisarei em seguida as duas disposições em causa.

    1. O artigo 7.°, n.° 4, alínea a), primeiro travessão

    35.      Como todos os intervenientes, penso, contra a Wood Trading, que o artigo 7.°, n.° 4, alínea a), primeiro travessão, do regulamento deve ser interpretado no sentido de que esta disposição permite apresentar objecções relativas às condições em que a valorização deve ser efectuada no Estado de destino. Esta interpretação resulta, em minha opinião, da redacção da disposição em apreço e é corroborada tanto pela economia como pelos objectivos do regulamento de que faz parte.

    36.      No que respeita à redacção da disposição, cabe recordar que o artigo 7.°, n.° 4, alínea a), primeiro travessão, do regulamento refere que as autoridades competentes de destino e de expedição podem levantar objecções fundamentadas à transferência prevista «de acordo com a directiva [...], em especial com o seu artigo 7.°». É certo que a expressão «de acordo com a directiva» não é, no presente caso, muito explícita e que só o artigo 7.° da directiva é especificamente referido. No entanto, parece‑me que a interpretação mais lógica da referida disposição é a de que podem ser apresentadas objecções «com fundamento na directiva». Além disso, a utilização da expressão «em especial» antes da referência ao artigo 7.° significa que esta referência tem carácter puramente indicativo e que as objecções podem igualmente basear‑se nas outras disposições da directiva. Noutros termos, a disposição a interpretar deve, em minha opinião, ser entendida no sentido de que podem ser apresentadas objecções à transferência prevista se essa transferência não for compatível com o disposto na directiva. Esta análise verifica‑se igualmente na maioria das outras versões linguísticas da referida disposição  (28) .

    37.      Por outro lado, vimos que a directiva, no artigo 4.°, dispõe que «[o]s Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para garantir que os resíduos sejam aproveitados ou eliminados sem pôr em perigo a saúde humana e sem utilizar processos ou métodos susceptíveis de agredir o ambiente […]». A leitura conjugada deste artigo da directiva e do artigo 7.°, n.° 4, alínea a), primeiro travessão, do regulamento leva a pensar que esta última disposição permite que sejam apresentadas objecções a um projecto de transferência se as condições em que os resíduos devem ser valorizados forem susceptíveis de pôr em perigo a saúde humana ou o ambiente.

    38.      Esta interpretação é corroborada pela economia do regulamento. Assim, vimos que qualquer projecto de transferência de resíduos destinados a valorização, excepto, em princípio, os constantes da lista verde que figura como Anexo II do regulamento, deve ser objecto de uma notificação às autoridades competentes de expedição, de destino e de trânsito. Sabemos igualmente que é com base nesta notificação que estas autoridades podem opor‑se a uma tal transferência pelas razões limitativamente enumeradas no artigo 7.°, n.° 4, do regulamento  (29) . A análise do artigo 6.° do regulamento, que especifica, no n.° 5, as informações que devem constar do documento de acompanhamento que serve de suporte a essa notificação, mostra que, além das informações relativas à composição e volume dos resíduos destinados a valorização  (30) , bem como às modalidades do seu transporte  (31) , o notificador deve fornecer um certo número de informações sobre as condições em que estes resíduos devem ser valorizados  (32) . Estas informações abrangem pois a totalidade do processo de tratamento dos resíduos previsto pelo notificador, até ao momento em que deixam de apresentar perigo para a saúde e o ambiente. Por conseguinte, o legislador comunitário quis que todas as autoridades competentes fossem informadas, antes da realização da projectada transferência, da totalidade do processo de valorização previsto, até ao seu termo  (33) . Não vejo qual possa ser a utilidade destas informações, se não for a de permitir que as autoridades competentes apreciem as condições em que a valorização deve ser efectuada e, se necessário, se oponham à transferência, caso as condições da referida valorização lhe pareçam susceptíveis de pôr em perigo a saúde humana ou o ambiente.

    39.      Em apoio desta análise, cabe igualmente sublinhar que o regulamento contém diversas disposições que confirmam sem ambiguidade que as autoridades competentes estão habilitadas a verificar as condições em que os resíduos devem ser valorizados e a opor‑se a um projecto de transferência por razões atinentes à valorização prevista  (34) . Assim, o próprio artigo 7.°, n.° 4, alínea a), contém, no quinto travessão, um fundamento de oposição expressamente associado à valorização dos resíduos  (35) . Do mesmo modo, o artigo 26.°, n.° 1, alínea e), estabelece que são consideradas ilícitas todas as transferências de resíduos que ocasionem uma eliminação ou valorização em violação das normas comunitárias ou internacionais  (36) .

    40.      Finalmente, há que referir os objectivos do regulamento, enunciados no seu nono considerando. Nos termos deste considerando, a notificação da intenção de proceder a uma transferência tem por objectivo informar as autoridades competentes não apenas do trajecto dos resíduos mas também da sua eliminação e valorização, de modo a que essas autoridades possam tomar todas as medidas necessárias à protecção da saúde humana e do ambiente. Este considerando confirma assim que o legislador comunitário, ao harmonizar as condições e regras processuais aplicáveis aos movimentos transfronteiriços de resíduos na Comunidade, não quis garantir a protecção da saúde e do ambiente apenas no âmbito do transporte de resíduos mas pretendeu alcançar esse objectivo igualmente no âmbito do seu tratamento, por eliminação ou valorização. A prossecução deste objectivo estaria, pois, comprometida se as autoridades competentes se vissem impedidas de apresentar uma objecção a uma transferência de resíduos destinados a valorização quando verificam, na sequência da notificação de um projecto de transferência, que a valorização prevista pode pôr em risco a saúde humana ou o ambiente.

    2. O artigo 7.°, n.° 4, alínea a), segundo travessão

    41.      A interpretação desta disposição suscita mais dificuldades. Tal como a Wood Trading, a Comissão das Comunidades Europeias compartilha das dúvidas expressas pelo órgão jurisdicional de reenvio e considera que, face à redacção e conteúdo do artigo 7.°, n.° 4, alínea b), do regulamento, o artigo 7.°, n.° 4, alínea a), segundo travessão, não pode servir de fundamento jurídico a uma objecção relativa à sua prevista valorização no país de destino. Essa não é a minha análise. Como os Governos dinamarquês e austríaco, bem como a Sonderabfall‑Management‑Gesellschaft Rheinland‑Pfalz mbH, considero que o artigo 7.°, n.° 4, alínea a), segundo travessão, do regulamento permite também que as autoridades competentes apresentem uma objecção a uma transferência de resíduos destinados a valorização quando a valorização prevista viole disposições legislativas e regulamentares nacionais no domínio da protecção do ambiente, da ordem pública, da segurança pública ou da protecção da saúde.

    42.      Em primeiro lugar, não encontro na redacção desta disposição qualquer elemento que permita afastar esta interpretação. Cabe recordar que o artigo 7.°, n.° 4, alínea a), segundo travessão, do regulamento dispõe que «[a]s autoridades competentes de destino e de expedição podem levantar objecções fundamentadas à transferência prevista […] se a transferência não respeitar as disposições legislativas e regulamentares nacionais relativas à protecção do ambiente, à ordem pública, à segurança pública ou à protecção da saúde». No que respeita, em primeiro lugar, à noção de «transferência», indiquei, no âmbito da análise do artigo 7.°, n.° 4, alínea a), primeiro travessão, do regulamento, as razões pelas quais, em minha opinião, não deve ser interpretada no sentido de que as objecções enumeradas neste artigo devem abranger apenas o transporte de resíduos. Seguidamente, sublinho que o artigo 7.°, n.° 4, alínea a), segundo travessão, do regulamento abrange, em termos muito genéricos, as disposições nacionais relativas à protecção do ambiente, à ordem pública, à segurança pública e à protecção da saúde, sem especificar que essas disposições só podem ser aplicadas ao transporte dos resíduos e não à sua valorização.

    43.      Em segundo lugar, o argumento fundado no artigo 7.°, n.° 4, alínea b), do regulamento, nos termos do qual – recorde‑se – as autoridades competentes de trânsito só podem apresentar objecções fundamentadas às transferências previstas com base nos segundo, terceiro e quarto travessões da alínea a) do n.° 4 do referido artigo, excluindo, consequentemente, os primeiro e quinto travessões, não me parece determinante. É certo que já vimos que o quinto travessão contém um fundamento de objecção que incide expressamente sobre a valorização dos resíduos e já referi em que medida o primeiro travessão permite igualmente que se apresente uma objecção fundada na valorização prevista. Por isso, não estou convencido de que o artigo 7.°, n.° 4, alínea b), do regulamento demonstre que o disposto no artigo 7.°, n.° 4, alínea a), segundo travessão, do mesmo regulamento não permite que se apresentem igualmente objecções relativas à valorização prevista, pelas considerações a seguir apresentadas.

    44.      Antes de mais, não compartilho da opinião segundo a qual as autoridades competentes de trânsito não têm o mesmo interesse que as demais autoridades competentes em apresentar objecções fundadas nas condições da valorização. A poluição não conhece fronteiras. Uma poluição através do ar ou da água susceptível de resultar da valorização de resíduos efectuada no Estado de destino em condições prejudiciais ao ambiente é, pois, susceptível de afectar o Estado ou Estados pelos quais os resíduos devem circular tanto como o Estado de expedição, ou mesmo mais tendo em conta a sua maior proximidade geográfica do Estado de destino. É por isso que penso que a limitação dos fundamentos de objecção que podem ser apresentados pelas autoridades competentes de trânsito, feita no artigo 7.°, n.° 4, alínea b), do regulamento, pode ter a sua origem não no facto de essas autoridades terem um menor interesse em que a valorização seja efectuada de maneira não prejudicial à saúde humana ou ao ambiente mas antes na vontade do legislador comunitário de atribuir às referidas autoridades uma menor responsabilidade quanto ao controlo da realização dessa valorização.

    45.      Noutros termos, em conformidade com o artigo 7.°, n.° 4, alínea b), do regulamento, os Estados de trânsito teriam menor responsabilidade quanto ao controlo das transferências de resíduos destinados a valorização do que as autoridades competentes de expedição e de destino  (37) . A circunstância de os fundamentos de objecção que podem ser suscitados pelas autoridades de trânsito não compreenderem os referidos no citado artigo 7.°, n.° 4, alínea a), primeiro e quinto travessões, pode, pois, significar que estas, contrariamente às autoridades competentes de expedição e de destino, não têm a obrigação de verificar que os resíduos serão tratados em conformidade com a directiva no Estado de destino (primeiro travessão) ou que a valorização é bem justificada de um ponto de vista económico e ecológico (quinto travessão). Tal não significa necessariamente, por essa razão, que os Estados de trânsito estejam impossibilitados de apresentar uma objecção a uma transferência de resíduos destinados a valorização se a valorização prevista não for compatível com as disposições nacionais relativas à protecção do ambiente, à ordem pública, à segurança pública ou à protecção da saúde. Nesta medida, o artigo 7.°, n.° 4, alínea a), segundo travessão, do regulamento permite, pois, que as autoridades competentes de expedição, de destino e de trânsito apresentem objecções a uma transferência de resíduos fundadas na valorização prevista.

    46.      Em seguida, é certo que o sistema do regulamento prevê que qualquer projecto de transferência de resíduos destinados a valorização e abrangidos pelo âmbito de aplicação do mesmo regulamento deve ser notificado, antes da sua execução, a todas as autoridades competentes dos Estados abrangidos, designadamente às autoridades competentes de trânsito, e que essas autoridades são destinatárias das mesmas informações  (38) . Ao instaurar este sistema, o legislador comunitário pretendeu que cada uma destas autoridades possa apreciar a totalidade da operação e não apenas a parte desta que decorre no território do seu Estado. Noutros termos, cada autoridade tem vocação para controlar que a transferência de resíduos prevista, tomada na sua globalidade, isto é, desde o ponto de partida dos resíduos no Estado de expedição até ao fim do seu tratamento no Estado de destino, não porá em perigo a saúde e o ambiente. Assim sendo, não é ilógico que as autoridades competentes de trânsito possam também apresentar uma objecção a uma transferência de resíduos baseada na valorização prevista, com fundamento no artigo 7.°, n.° 4, alínea a), segundo travessão.

    47.      Por essa razão, considero que uma objecção a um projecto de transferência de resíduos relativa à sua valorização pode também ser apresentada com fundamento no artigo 7.°, n.° 4, alínea a), segundo travessão, do regulamento.

    48.      Tendo em conta estas considerações, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às primeira e quarta questões prejudiciais que o artigo 7.°, n.° 4, alínea a), do regulamento deve ser interpretado no sentido de que as eventuais objecções a uma transferência de resíduos destinados a valorização relativas às condições em que esta valorização deve ser efectuada podem basear‑se, por um lado, no primeiro travessão desta disposição, com o fundamento de que a valorização prevista viola a exigência decorrente do artigo 4.° da directiva, segundo a qual os resíduos devem ser aproveitados sem pôr em perigo a saúde humana e sem prejudicar o ambiente e, por outro, no segundo travessão dessa mesma disposição, com o fundamento de que a valorização prevista viola disposições legislativas e regulamentares nacionais relativas à protecção do ambiente, à ordem pública, à segurança pública ou à protecção da saúde.

    B – Quanto à possibilidade de a autoridade competente de expedição apresentar objecções relativas à valorização prevista

    49.      Através da segunda questão prejudicial e da primeira parte da quinta questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 7.°, n.° 4, alínea a), primeiro e segundo travessões, do regulamento deve ser interpretado no sentido de que a autoridade competente de expedição pode apresentar uma objecção a uma transferência de resíduos com fundamento nas condições em que essa valorização deve ser efectuada.

    50.      Contrariamente à Wood Trading mas de acordo com os intervenientes, considero que a autoridade competente de expedição tem o direito de apresentar uma objecção relativa à valorização prevista no Estado de destino. Esta análise é justificada, em primeiro lugar, pela redacção do artigo 7.°, n.° 4, alínea a), do regulamento, que prevê expressamente que «[a]s autoridades competentes de destino e de expedição podem levantar objecções fundamentadas à transferência prevista» pelos motivos enumerados nesta mesma disposição. O excerto referido confere, pois, a estas duas autoridades, sem estabelecer qualquer diferença entre elas e em termos inequívocos, o poder de apresentar objecções a um projecto de transferência de resíduos pelas razões enunciadas nessa disposição e, designadamente, pelas constantes dos seus primeiro e segundo travessões.

    51.      Esta interpretação literal é igualmente corroborada pelo sistema do regulamento. Já vimos que o regulamento dispõe que todas as autoridades competentes afectadas devem apreciar cada projecto de transferência na sua globalidade, desde a partida dos resíduos no Estado de expedição até ao termo do seu tratamento no Estado de destino. Para assegurar a protecção da saúde humana e do ambiente, o legislador comunitário preferiu instaurar um sistema em que todas as autoridades competentes contribuem para a verificação da transferência prevista, com o risco de ver estas autoridades terem apreciações divergentes  (39) sobre um mesmo projecto de transferência, em vez de limitar o controlo que deve ser efectuado por cada uma delas à parte da transferência que deve decorrer no seu próprio território nacional. Na lógica do sistema instaurado pelo regulamento, cada movimento transfronteiriço de resíduos no interior da Comunidade que recaia no seu âmbito de aplicação é assunto de todas as autoridades competentes em causa. É, pois, inerente ao referido sistema que a autoridade competente de um Estado‑Membro seja levada a apreciar a questão de saber se a transferência prevista é susceptível de causar danos à saúde e ao ambiente no território de outro Estado‑Membro. A autoridade competente de expedição tem, portanto, o direito de se opor a uma transferência de resíduos quando a valorização prevista é susceptível de prejudicar a protecção da saúde ou do ambiente, ainda que essa valorização deva ter lugar no território do Estado‑Membro de destino.

    52.      Este poder da autoridade competente de expedição está igualmente confirmado no sistema do regulamento, ainda que tal confirmação seja desnecessária, pelo facto de o Estado em cujo território os resíduos são produzidos estar investido de uma particular responsabilidade no que respeita ao seu tratamento. Esta responsabilidade pode mostrar‑se como o corolário da obrigação imposta aos Estados‑Membros, tanto pelas convenções internacionais como pela regulamentação comunitária neste domínio, de reduzirem ao mínimo a produção de resíduos  (40) . Esta responsabilidade é implementada, por exemplo, pelo princípio de auto‑suficiência no que respeita aos resíduos destinados a eliminação. Só termina quando os resíduos tiverem sido tratados de acordo com as exigências impostas pela protecção da saúde humana ou do ambiente. Assim, o Estado de expedição dos resíduos encontra‑se investido de uma obrigação de recuperação dos resíduos quando a sua eliminação ou valorização no Estado de destino não puder realizar‑se nas condições previstas  (41) . Esta obrigação também é expressamente enunciada pelo regulamento, no que respeita às transferências, para o exterior da Comunidade, de resíduos destinados a eliminação ou a valorização  (42) .

    53.      Além disso, inclino‑me a considerar que não se trata de uma mera possibilidade, mas antes de uma obrigação, incidente sobre a autoridade competente de expedição, de apresentar uma tal objecção quando considera que a valorização prevista no Estado de destino é susceptível de pôr em risco a saúde humana ou o ambiente. Com efeito, não creio que, ao indicar, no artigo 7.°, n.° 4, alínea a), do regulamento que as autoridades competentes de destino e de expedição «podem levantar objecções fundamentadas» à transferência prevista nas condições enumeradas nesta disposição, o legislador tenha pretendido dizer que essas autoridades estavam investidas de uma simples faculdade cujo exercício era deixado à sua livre apreciação nos casos particulares em que a transferência prevista pode pôr em risco a saúde humana e o ambiente. Sublinhe‑se que, entre os exemplos citados nos cinco travessões dessa disposição, há alguns para os quais o carácter obrigatório de uma recusa seria dificilmente justificável face aos objectivos do regulamento  (43) .

    54.      Em contrapartida, o regulamento contém outras disposições que permitem pensar que a obrigação das autoridades competentes de se oporem a uma transferência de resíduos susceptível de pôr em perigo a saúde humana ou o ambiente assume um carácter imperativo. Assim, além do artigo 26.° do regulamento, o artigo 30.° dispõe que «[o]s Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para garantir que as transferências de resíduos sejam efectuadas nos termos do presente regulamento». Também o artigo 34.° dispõe, no n.° 1, que, independentemente do local de eliminação ou valorização dos resíduos, o produtor dos mesmos tomará todas as medidas necessárias para proceder ou mandar proceder à sua eliminação ou valorização de modo a proteger o ambiente e, no n.° 2, que incumbe aos Estados‑Membros tomar todas as medidas necessárias para garantir o cumprimento das obrigações estipuladas no n.° 1. Parece‑me pois coerente, face a estas disposições, cujo conteúdo é imperativo, considerar que as autoridades competentes de expedição e de destino estão investidas de uma verdadeira obrigação de se oporem a uma transferência de resíduos fundada no artigo 7.°, n.° 4, alínea a), primeiro e segundo travessões, quando consideram que a transferência prevista é susceptível de pôr em perigo a saúde humana e o ambiente.

    55.      Esta interpretação é igualmente corroborada pelo objectivo do regulamento. Vimos que, como resulta do seu nono considerando e como o Tribunal de Justiça por diversas vezes referiu, o regulamento tem por objectivo fundamental assegurar o respeito das exigências de protecção da saúde humana e do ambiente  (44) . O Tribunal de Justiça não adoptou uma posição diferente no acórdão Dusseldorp e o., já referido, visto que afirmou que a circulação na Comunidade dos resíduos destinados a valorização deve ser assegurada, na medida em que não crie perigo para o ambiente  (45) . O regulamento visa, pois, assegurar que não será efectuada qualquer transferência de resíduos que possa comprometer a prossecução desses objectivos. A obrigação assim imposta às autoridades competentes de se oporem a uma transferência de resíduos susceptível de comprometer a saúde humana ou o ambiente corresponde também à prevista no artigo 4.° da directiva, que vincula os Estados‑Membros quanto a este mesmo objectivo  (46) . Em minha opinião, não seria coerente, perante o facto de o artigo 4.° da directiva impor aos Estados‑Membros a adopção das medidas necessárias para garantir que os resíduos serão valorizados ou eliminados sem pôr em perigo a saúde humana ou o ambiente, interpretar as disposições em causa do regulamento no sentido de que conferem às autoridades competentes de expedição ou de destino uma mera faculdade, sem qualquer carácter obrigatório.

    56.      Por outro lado, como se verá na parte C das presentes conclusões, as normas nacionais que podem legitimamente servir de fundamento a uma objecção da autoridade competente de expedição a um projecto de transferência de resíduos destinados a valorização devem, em minha opinião, ter de respeitar o princípio da proporcionalidade, de modo a não excederem o que é necessário à protecção da saúde humana e do ambiente. Além disso, a apreciação do risco não deve poder decorrer de um cálculo arbitrário, devendo assentar em bases científicas. É também tendo em conta estas condições que considero que a autoridade competente de expedição que verifique, com base em normas assim definidas, que a valorização prevista é susceptível de pôr em risco a saúde humana ou o ambiente, deve ter o dever de se lhe opor, em conformidade com o disposto no artigo 7.°, n.° 4, alínea a), primeiro e segundo travessões, do regulamento.

    57.      Esta obrigação das autoridades competentes de expedição e de destino poderia igualmente inscrever‑se na linha da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao respeito das prescrições do regulamento. Com efeito, decorre dessa jurisprudência que, quando a economia geral do regulamento é desrespeitada porque a qualificação da operação de transferência prevista é errada, incumbe a todas as autoridades competentes, designadamente à de expedição, opor‑se a essa transferência  (47) . Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça afirmou que, quando uma transferência de resíduos implica uma eliminação ou valorização com violação das regras comunitárias específicas que determinam as condições de eliminação de um produto perigoso, os Estados‑Membros se encontram numa situação de competência vinculada, ou seja, têm o dever, nos termos do artigo 26.° do regulamento, de tomar as medidas judiciais adequadas para proibir e punir essa transferência  (48) .

    58.      Proponho, pois, que se responda à segunda questão prejudicial e à primeira parte da quinta questão prejudicial que o artigo 7.°, n.° 4, alínea a), primeiro e segundo travessões, do regulamento deve ser interpretado no sentido de que a autoridade competente de expedição deve apresentar uma objecção a uma transferência de resíduos com fundamento nas condições em que essa valorização deve ser efectuada quando considera que a valorização prevista no Estado de destino é susceptível de pôr em perigo a saúde humana ou o ambiente.

    C – Quanto ao direito de a autoridade competente de expedição fundamentar as objecções nas normas aplicáveis no seu próprio Estado

    59.      Através da terceira questão prejudicial e da parte final da quinta questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.°, n.° 4, alínea a), primeiro e segundo travessões, do regulamento deve ser interpretado no sentido de que a autoridade competente de expedição pode basear a sua oposição à valorização prevista no Estado de destino nos critérios ou disposições legislativas e regulamentares aplicáveis no seu próprio Estado, mesmo quando estes são mais exigentes do que os vigentes no Estado de destino.

    60.      Como ponto de partida do meu raciocínio, parto da premissa de que, como nas circunstâncias do caso vertente, as condições de valorização dos resíduos em causa não foram objecto de medidas de harmonização ao nível comunitário. Nessa hipótese, os Estados‑Membros, de acordo com o artigo 4.° da directiva, tomarão as medidas necessárias na sua ordem jurídica para que os resíduos sejam valorizados sem pôr em perigo a saúde humana e sem utilizar processos ou métodos susceptíveis de agredir o ambiente. Embora vincule os Estados‑Membros quanto ao objectivo a atingir, este artigo não precisa o conteúdo das medidas concretas que devem ser tomadas e deixa aos Estados‑Membros alguma margem de apreciação na avaliação e necessidade de tais medidas  (49) . Além disso, ao abrigo da sua competência originária no domínio da protecção do ambiente, os Estados‑Membros podem ter adoptado uma regulamentação ou uma legislação que afecte as condições em que certos tipos de resíduos devem ser valorizados. As questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio destinam‑se, pois, a saber se a autoridade competente de expedição tem o direito de fundamentar uma objecção a um projecto de transferência nas suas normas internas, mesmo quando estas são mais exigentes do que as vigentes no Estado de destino.

    61.      Perante os argumentos desenvolvidos no âmbito da análise das questões precedentes e das propostas de resposta que apresentei ao Tribunal, creio que é precisamente quando as normas de protecção em vigor no Estado‑Membro de expedição são mais elevadas do que as aplicáveis no Estado de destino que a autoridade competente de expedição deve poder apresentar uma objecção à transferência prevista, com fundamento nas suas normas internas. Com efeito, é precisamente em casos desses que o poder assim reconhecido à autoridade competente de expedição assume a sua maior utilidade, uma vez que, se a valorização prevista se mostrasse também contrária às normas em vigor no Estado de destino, a própria autoridade competente deste Estado deveria opor‑se‑lhe. É, pois, numa situação em que, como no presente caso, a valorização dos resíduos em causa é possível face às normas do Estado de destino mas proibida pelas vigentes no Estado de expedição, que o regulamento deve permitir que prevaleçam as normas de protecção mais elevadas.

    62.      Esta interpretação do artigo 7.°, n.° 4, alínea a), do regulamento encontra igualmente apoio nos objectivos da política comunitária no domínio do ambiente, no âmbito da qual o regulamento se inscreve  (50) . Já vimos que esta política visa um nível elevado de protecção. A importância deste objectivo traduz‑se, por um lado, na circunstância de ele ser afirmado já no artigo 2.° CE, depois noutros artigos do Tratado e na directiva que constitui o texto de base no domínio da gestão dos resíduos, e mesmo no quinto considerando do regulamento. Manifesta‑se igualmente através do disposto no artigo 176.° CE, que atribui aos Estados‑Membros, mesmo após a adopção de medidas comunitárias, o direito de introduzir medidas de protecção reforçadas, bem como dos artigos que prevêem uma cláusula de salvaguarda. A circunstância de a valorização prevista ser autorizada no Estado de destino não pode, pois, impedir a autoridade competente de expedição de se lhe opor quando ela for contrária às suas normas internas. A procura de um nível de protecção elevado prosseguida pelo regulamento justifica, pelo contrário, que se permita à autoridade competente de expedição que se baseie nas suas normas internas mais exigentes para apreciar se a valorização prevista é susceptível de pôr em perigo a saúde humana ou o ambiente. A este propósito, compartilho da posição manifestada pelos Governos dinamarquês e austríaco, segundo a qual a solução contrária favoreceria as transferências de resíduos para as instalações de tratamentos sujeitas às normas menos rigorosas, de modo que isso poderia levar a um nivelamento por baixo das condições de valorização dos resíduos em causa.

    63.      Nem por isso, como referi, este direito da autoridade competente de expedição pode ser incondicional. Com efeito, convém ter em conta que o regulamento prevê que os resíduos devem poder circular livremente na Comunidade  (51) . Esta livre circulação tem por objectivo a aplicação do princípio da prioridade da valorização dos resíduos enunciada no regulamento. A diferença de regime, estabelecida no regulamento, entre os resíduos destinados a eliminação, que, em princípio, devem ser eliminados próximo do seu local de produção, e os resíduos destinados a valorização, tem a sua justificação no facto de estes últimos desempenharem uma função útil. Podem substituir‑se a outros materiais e constituir, por exemplo, a matéria‑prima de certas indústrias, permitindo assim a preservação dos recursos naturais  (52) .

    64.      Por outro lado, tal como recorda o órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça afirmou que o regulamento estabelece o conjunto das condições e procedimentos a que estão sujeitas as transferências de resíduos na Comunidade, de modo que qualquer medida nacional relativa às mesmas deve ser apreciada à luz das disposições do regulamento e não à dos artigos 28.° CE a 30.° CE  (53) . Em conformidade com o princípio geral da proporcionalidade, importa, pois, que as medidas nacionais adoptadas com fundamento no disposto no artigo 7.°, n.° 4, alínea a), primeiro e segundo travessões, do regulamento sejam aptas a realizar os objectivos de protecção prosseguidos e não excedam o que é necessário para os alcançar  (54) . Em consequência, esta condição não estaria preenchida se a protecção da saúde humana e do ambiente pudesse ser assegurada de modo igualmente eficaz através de medidas menos restritivas. É ao órgão jurisdicional nacional a que o recurso contra a oposição apresentada pela autoridade competente de expedição foi submetido que incumbe verificar se o princípio de proporcionalidade é respeitado  (55) .

    65.      No caso em apreço, o órgão jurisdicional nacional não questionou este aspecto. Também não deu muitas indicações sobre as disposições de direito interno com fundamento nas quais a autoridade competente de expedição se opôs à transferência litigiosa nem sobre as razões que levaram à adopção dessas disposições. No entanto, parece‑me útil para a resolução do litígio no processo principal dar ainda as indicações seguintes.

    66.      Como a Comissão indicou, parece necessário, em primeiro lugar, que as normas aplicadas pela autoridade competente de expedição se baseiem numa avaliação científica do risco. Seria contrário ao regulamento que uma transferência de resíduos que pudessem ser efectivamente valorizados no Estado de destino de acordo com o direito deste fosse impedida pela autoridade competente de expedição com base em considerações de ordem geral ou numa avaliação puramente hipotética do risco  (56) . Como em matéria de restrição à livre circulação de géneros alimentícios  (57) , a existência de um risco para a saúde humana ou para o ambiente devia, em minha opinião, ser apreciada, no que respeita à valorização dos resíduos, tendo em conta os resultados da investigação científica internacional, bem como os trabalhos dos comités científicos comunitários  (58) . Por isso, essa exigência não pode constituir obstáculo à execução do princípio da precaução, que constitui igualmente um dos princípios em que assenta o direito do ambiente. Assim, na hipótese de esta avaliação revelar que subsiste uma incerteza científica quanto à existência ou alcance de riscos reais para a saúde pública, um Estado‑Membro deveria poder, por força do princípio da precaução, adoptar medidas de protecção sem ter que esperar que a realidade e a gravidade de tais riscos sejam plenamente demonstradas  (59) .

    67.      Em seguida, a verificação do princípio da proporcionalidade devia levar a autoridade competente de expedição a apreciar, em cada situação, se a valorização prevista no Estado de destino, ainda que regulamentada por normas mais suaves, é, no entanto, susceptível de assegurar uma protecção comparável à prosseguida pelas suas normas internas. Tal poderia ser o caso, nas circunstâncias em apreço, se, por exemplo, os métodos de produção de painéis de aglomerado utilizados pela empresa destinatária dos resíduos em Itália pudessem proteger de modo igualmente eficaz os trabalhadores encarregados dessa valorização e suprimir a presença de arsénio nos painéis ou reduzi‑la abaixo do limite fixado pelas normas alemãs.

    68.      Contrariamente à Wood Trading, não creio que essa apreciação seja irrealizável na prática. Já vimos que o documento de acompanhamento que serve de suporte à notificação e deve ser comunicado à autoridade competente de expedição, bem como às outras autoridades competentes, deve conter numerosas indicações sobre as modalidades da valorização. Além disso, de acordo com o artigo 6.°, n.os 4 e 6, do regulamento, a autoridade competente de expedição pode pedir ao notificador informações e documentos complementares, bem como o contrato celebrado com a empresa destinatária para a valorização dos resíduos. Por outro lado, o notificador, que teve que proceder à celebração desse contrato, deve, logicamente, estar em condições de demonstrar que a valorização prevista satisfaz as exigências impostas pelas normas em vigor no Estado de expedição. Esta questão devia poder dar lugar, se necessário, a uma apreciação contraditória entre a autoridade competente de expedição e o notificador. Este controlo e essa apreciação contraditória poderiam sobretudo ter lugar quando, como no presente caso, o Estado de expedição previu, em conformidade com o disposto nos artigos 3.°, n.° 8, e 6.°, n.° 8, do regulamento, que a transmissão do projecto de transferência às outras autoridades em causa e ao destinatário seria efectuada pela autoridade competente de expedição, uma vez que, em tal caso, a mesma autoridade podia dispor de um prazo suplementar, antes de assegurar a referida transmissão  (60) .

    69.      No termo desta análise, cabe ainda acrescentar que a resposta que proponho seja dada às questões prejudiciais não seria, à primeira vista, diferente se a valorização dos resíduos em causa tivesse sido objecto de uma medida de harmonização ao nível comunitário e, de acordo com o artigo 176.° CE, o Estado‑Membro de expedição tivesse mantido ou adoptado medidas de protecção reforçadas. Nessa hipótese, considero que a autoridade competente de expedição também poderia fundamentar uma oposição a um projecto de transferência que não fosse compatível com as suas normas nacionais, desde que, também nesse caso, respeitasse o princípio da proporcionalidade.

    70.      Tendo em conta todos estes elementos, proponho que se responda à terceira questão prejudicial e à parte final da quinta questão prejudicial que o artigo 7.°, n.° 4, alínea a), primeiro e segundo travessões, do regulamento deve ser interpretado no sentido de que a autoridade competente de expedição pode basear a sua oposição à valorização prevista no Estado de destino nos critérios ou disposições legislativas e regulamentares aplicáveis no seu próprio Estado, mesmo quando estes são mais exigentes do que os vigentes no Estado de destino, desde que respeite o princípio da proporcionalidade.

    V – Conclusão

    71.      Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo às questões prejudiciais submetidas pelo Oberverwaltungsgericht Rheinland‑Pfalz:

    «1)
    O artigo 7.°, n.° 4, alínea a), do Regulamento (CEE) n.° 259/93 do Conselho, de 1 de Fevereiro de 1993, relativo à fiscalização e ao controlo das transferências de resíduos no interior, à entrada e à saída da Comunidade, com a redacção dada pela Decisão 98/368/CE da Comissão, de 18 de Maio de 1998, deve ser interpretado no sentido de que as eventuais objecções a uma transferência de resíduos destinados a valorização relativas às condições em que esta valorização deve ser efectuada podem basear‑se, por um lado, no primeiro travessão desta disposição, com o fundamento de que a valorização prevista viola a exigência decorrente do artigo 4.° da Directiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos, com a redacção dada pela Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991, e pela Decisão 96/350/CE da Comissão, de 24 de Maio de 1996, segundo a qual os resíduos devem ser aproveitados sem pôr em perigo a saúde humana e sem prejudicar o ambiente e, por outro, no segundo travessão dessa mesma disposição, com o fundamento de que a valorização prevista viola disposições legislativas e regulamentares nacionais relativas à protecção do ambiente, à ordem pública, à segurança pública ou à protecção da saúde.

    2)
    A autoridade competente de expedição deve apresentar uma objecção a uma transferência de resíduos com fundamento nas condições em que essa valorização deve ser efectuada quando considera que a valorização prevista no Estado de destino é susceptível de pôr em perigo a saúde humana ou o ambiente.

    3)
    A autoridade competente de expedição pode basear essa objecção nos critérios ou disposições legislativas e regulamentares aplicáveis no seu próprio Estado, mesmo quando estes são mais exigentes do que os vigentes no Estado de destino, desde que respeite o princípio da proporcionalidade.»


    1
    Língua original: francês.


    2
    Regulamento do Conselho, de 1 de Fevereiro de 1993, relativo à fiscalização e ao controlo das transferências de resíduos no interior, à entrada e à saída da Comunidade (JO L 30, p. 1), tal como modificado pela Decisão 98/368/CE da Comissão, de 18 de Maio de 1998 (JO L 165, p. 20, a seguir «regulamento»).


    3
    Quanto aos Tratados de Roma, o Tratado CE não incluía qualquer disposição específica relativa ao ambiente e o Tratado Euratom continha um capítulo dedicado à protecção sanitária da população e dos trabalhadores contra os perigos resultantes das radiações ionizantes. O Tratado CECA, por sua vez, incluía o artigo 55.°, relativo à segurança dos trabalhadores.


    4
    240/83, Recueil, p. 531, n.° 13.


    5
    Os artigos 130.°‑R e 130.°‑S do Tratado CE passaram, após alteração, respectivamente a artigos 174.° CE e 175.° CE, e o artigo 130.°‑T do Tratado CE é o actual artigo 176.° CE.


    6
    Artigos 2.° CE, 95.°, n.° 3, CE e 174.°, n.° 2, CE.


    7
    Artigo 95.°, n.os 4 e 5, CE. V., também, a cláusula de salvaguarda prevista no artigo 174.°, n.° 2, segundo parágrafo, CE.


    8
    Artigos 3.° e 4.°


    9
    Artigo 37.°


    10
    V., designadamente, o Reino da Bélgica, a República Helénica, o Reino de Espanha, a República da Finlândia e a República da Hungria. Acrescente‑se ainda que a Assembleia Nacional francesa acaba de aprovar a anexação de uma carta do ambiente à sua Constituição.


    11
    Directiva do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos (JO L 194, p. 39; EE 15 F1 p. 129), na redacção dada pela Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991 (JO L 78, p. 32), e pela Decisão 96/350/CE da Comissão, de 24 de Maio de 1996 (JO L 135, p. 32, a seguir «directiva»).


    12
    Primeiro e quarto considerandos da Directiva 91/156.


    13
    Quarto considerando da Directiva 91/156.


    14
    Nono considerando e artigos 9.° a 14.° da directiva.


    15
    Directiva do Conselho, de 6 de Dezembro de 1984, relativa à vigilância e ao controlo na Comunidade das transferências transfronteira de resíduos perigosos (JO L 326, p. 31; EE 15 F5 p. 122).


    16
    A seguir «Convenção de Basileia». Esta convenção, de que os Estados‑Membros são igualmente partes, foi elaborada no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Ambiente. Foi aprovada em nome da Comunidade pela Decisão 93/98/CEE do Conselho, de 1 de Fevereiro de 1993 (JO L 39, p. 1). O texto da referida convenção está anexado à decisão. A Convenção de Basileia assenta nos seguintes princípios: em primeiro lugar, a redução da produção de resíduos ao mínimo [artigo 4.°, n.° 2, alínea a)], em segundo lugar, a redução dos movimentos transfronteiriços de resíduos ao mínimo [artigo 4.°, n.° 2, alínea d)], em terceiro lugar, a auto‑suficiência, comprometendo‑se todas as partes a que os resíduos sejam eliminados no Estado em que foram produzidos [artigo 4.°, n.° 2, alínea b)] e, em quarto lugar, a gestão racional dos resíduos, ou seja, a que garante a protecção da saúde humana e do ambiente (artigo 2.°, n.° 8).


    17
    Acórdão de 28 de Junho de 1994, Parlamento/Conselho (C‑187/93, Colect., p. I‑2857, n.° 26).


    18
    Acórdão de 25 de Junho de 1998, Dusseldorp e o. (C‑203/96, Colect., p. I‑4075, n.° 33).


    19
    Artigo 2.°, alíneas i) e k).


    20
    Artigos 3.°, n.° 1, e 6.°, n.° 1.


    21
    Artigos 3.°, n.° 8, e 6.°, n.° 8.


    22
    A seguir «Wood Trading».


    23
    À época dos factos, este tipo de resíduos fazia parte da lista laranja, que figurava no Anexo III do regulamento, na rubrica AC 170, de modo que a sua transferência para fins de valorização se encontrava sujeita ao processo de controlo obrigatório previsto no regulamento.


    24
    Segundo a decisão de reenvio, trata‑se do artigo 5.°, n.° 3, da Gesetz zur Förderung der Kreislaufwirtschaft und Sicherung der umweltverträglichen Beseitigung von Abfällen, de 27 de Setembro de 1994 (BGBl. I, p. 2705).


    25
    C‑6/00, Colect., p. I‑1961.


    26
    N.° 33.


    27
    Sublinhado pelo órgão jurisdicional de reenvio.


    28
    «in accordance with Directive 75/442/EEC, in particular Article 7 thereof» em inglês, «gemäß der Richtlinie 75/442/EWG, insbesondere auf Artikel 7» em alemão, «con arreglo a lo dispuesto en la Directiva [75]/442/CEE, en particular su artículo 7» em espanhol, «conformemente alla direttiva 75/442/CEE, in particolare all’articolo 7, oppure» em italiano, etc.


    29
    Acórdão de 13 de Dezembro de 2001, DaimlerChrysler (C‑324/99, Colect., p. I‑9897, n.° 50).


    30
    Artigo 6.°, n.° 5, primeiro travessão.


    31
    .Ibidem, segundo e terceiro travessões.


    32
    Estas informações são enumeradas no artigo 6.°, n.° 5, quarto a oitavo travessões, do regulamento. O notificador deve indicar a identidade do destinatário dos resíduos, a localização do centro de valorização e o tipo e prazo de validade da autorização ao abrigo da qual o centro funciona; as operações de valorização mencionadas no anexo IIB da directiva; o método previsto para a eliminação dos resíduos resultantes da reciclagem; e a proporção entre os materiais reciclados e os resíduos resultantes da reciclagem, bem como o valor estimado do material reciclado. Além disso, precisa‑se, no quarto travessão, que «o centro deve possuir capacidade técnica adequada para a valorização dos resíduos em questão em condições que não apresentem qualquer perigo para a saúde humana ou para o ambiente».


    33
    Com o objectivo de garantir que o processo de tratamento dos resíduos seja concluído sem pôr em perigo a saúde e o ambiente, o artigo 27.° do regulamento dispõe que todas as transferências de resíduos abrangidas pelo referido regulamento estão sujeitas à constituição de uma garantia financeira ou de um seguro que cubra as despesas de eliminação e de valorização, sendo esta garantia devolvida quando tiver sido apresentada prova de que os resíduos chegaram ao seu destino e foram eliminados ou valorizados segundo métodos ecologicamente correctos.


    34
    Por exemplo, o artigo 9.° do regulamento dispõe que as autoridades competentes com jurisdição sobre instalações específicas de valorização podem decidir, não obstante o disposto no artigo 7.°, não apresentar objecções às transferências de determinados tipos de resíduos para uma instalação específica de valorização. V., igualmente, o artigo 34.° do regulamento.


    35
    Segundo esta disposição, pode ser levantada uma objecção «se a razão entre os resíduos susceptíveis de valorização e os resíduos não susceptíveis de valorização, o valor estimativo dos materiais a serem finalmente valorizados ou o custo da operação de valorização e da eliminação da fracção não valorizável dos resíduos não justificarem a valorização sob o ponto de vista económico e do ambiente».


    36
    Na audiência, as partes foram convidadas a pronunciar‑se sobre a questão de saber se o disposto no artigo 26.°, n.° 1, alínea e), do regulamento é igualmente aplicável em circunstâncias como as do litígio no processo principal. Como a maior parte delas, excepto a Sonderabfall‑Management‑Gesellschaft Rheinland‑Pfalz mbH, considero que não. No acórdão ASA, já referido, o Tribunal de Justiça afirmou que o artigo 26.° do regulamento pode constituir um dos fundamentos da obrigação das autoridades competentes de levantarem uma objecção a um projecto de transferência em razão de um erro de qualificação (n.° 41). Face ao despacho de 27 de Fevereiro de 2003, Oliehandel Koeweit e o. (C‑307/00 a C‑311/00, Colect., p. I‑1821), o referido artigo 26.° é também aplicável se o tratamento dos resíduos em causa for objecto de um acto de direito derivado. Em contrapartida, quando a objecção da autoridade competente de expedição se basear nos fundamentos de recusa expressamente referidos pelo regulamento no artigo 7.°, n.° 4, como sucede no presente caso, ou no artigo 4.°, n.° 3, o disposto no mesmo artigo 26.° não me parece pertinente.


    37
    A responsabilidade da autoridade competente de destino resulta logicamente do facto de a valorização ter lugar na sua área territorial. A da autoridade competente de expedição resulta do facto de os resíduos terem sido produzidos na sua área territorial. Retomarei este aspecto na parte B das presentes conclusões.


    38
    Artigo 6.° do regulamento.


    39
    O Tribunal de Justiça observou que o risco de apreciações divergentes sobre a qualificação da transferência prevista é inerente ao sistema do regulamento (acórdão ASA, já referido, n.° 44, e despacho Oliehandel Koeweit e o., já referido, n.° 102).


    40
    V. artigo 4.°, n.° 2, alínea a), da Convenção de Basileia e quarto considerando da directiva.


    41
    Artigo 25.° do regulamento.


    42
    Artigos 14.°, n.° 2, alínea b), e 16.°, n.° 3, alínea b), do regulamento.


    43
    Por exemplo, o terceiro travessão visa a hipótese de o notificador ou o destinatário terem sido culpados, no passado, de transferências ilegais; do mesmo modo, o quinto travessão visa o caso de a valorização prevista não ser justificada de um ponto de vista económico e ambiental.


    44
    Acórdãos Parlamento/Conselho, já referido, n.° 18, e de 27 de Fevereiro de 2003, Comissão/Alemanha (C‑389/00, Colect., p. I‑2001, n.° 34).


    45
    N.° 33.


    46
    Acórdão de 9 de Novembro de 1999, Comissão/Itália (C‑365/97, Colect., p. I‑7773, n.° 67).


    47
    Acórdãos ASA, já referido, n.° 40; de 13 de Fevereiro de 2003, Comissão/Alemanha (C‑228/00, Colect., p. I‑1439, n.° 33); e Comissão/Luxemburgo (C‑458/00, Colect., p. I‑1553, n.° 21).


    48
    Despacho Oliehandel Koeweit e o., já referido, n.° 117.


    49
    Acórdão Comissão/Itália, já referido, n.° 67.


    50
    Acórdão Parlamento/Conselho, já referido, n.° 23.


    51
    Acórdão Dusseldorp e o., já referido, n.° 33.


    52
    Despacho Oliehandel Koeweit e o., já referido, n.° 97.


    53
    Acórdão DaimlerChrysler, já referido, n.os 41 a 43.


    54
    V., neste sentido, acórdãos de 18 de Novembro de 1987, Maizena e o. (137/85, Colect., p. 4587, n.° 15); de 7 de Dezembro de 1993, ADM Ölmühlen (C‑339/92, Colect., p. I‑6473, n.° 15); de 11 de Julho de 2002, Käserei Champignon Hofmeister (C‑210/00, Colect., p. I‑6453, n.° 59); e de 10 de Dezembro de 2002, British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco (C‑491/01, Colect., p. I‑11453, n.° 122).


    55
    Acórdão de 12 de Outubro de 2000, Snellers (C‑314/98, Colect., p. I‑8633, n.° 59).


    56
    V., neste sentido, acórdão de 23 de Setembro de 2003, Comissão/Dinamarca (C‑192/01, Colect., p. I‑9693, n.° 48).


    57
    V. acórdão de 24 de Outubro de 2002, Hahn (C‑121/00, Colect., p. I‑9193, n.° 40).


    58
    A este propósito, cabe referir que as condições de utilização do arsénio para a protecção da madeira, na sequência de uma avaliação do risco apresentada ao Comité Científico da Toxicidade, Ecotoxicidade e Ambiente, são objecto de medidas muito restritivas na Directiva 2003/2/CE da Comissão, de 6 de Janeiro de 2003, relativa a restrições à colocação no mercado e à utilização de arsénio (décima adaptação ao progresso técnico da Directiva 76/769/CEE do Conselho) (JO L 4, p. 9).


    59
    V., neste sentido, acórdãos de 5 de Maio de 1998, National Farmers’ Union e o. (C‑157/96, Colect., p. I‑2211, n.° 63), e Comissão/Dinamarca, já referido, n.° 49.


    60
    No caso em apreço, a autoridade competente de expedição recebeu o documento de acompanhamento em 23 de Novembro de 1999 e só o transmitiu à autoridade competente de destino em 1 de Fevereiro de 2000. Não se encontra, na decisão de reenvio, qualquer explicação para o atraso com que esta comunicação foi efectuada pela autoridade competente de expedição. Nas minhas conclusões de 15 de Julho de 2004, no processo C‑472/02, Siomab, pendente no Tribunal de Justiça, referi que o prazo em que a autoridade competente de expedição deve transmitir a notificação às outras autoridades competentes e ao destinatário não deve ser superior ao que é fixado à autoridade competente de destino pelo artigo 7.°, n.° 2, do regulamento.

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