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Document 62001CJ0463

    Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 14 de Dezembro de 2004.
    Comissão das Comunidades Europeias contra República Federal da Alemanha.
    Ambiente - Livre circulação de mercadorias - Embalagens e resíduos de embalagens - Directiva 94/62/CE - Exploração e comercialização de águas minerais naturais - Directiva 80/777/CEE - Obrigações de depósito e de retoma para embalagens de tara perdida em função da percentagem global de embalagens reutilizáveis.
    Processo C-463/01.

    Colectânea de Jurisprudência 2004 I-11705

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2004:797

    Arrêt de la Cour

    Processo C‑463/01

    Comissão das Comunidades Europeias

    contra

    República Federal da Alemanha

    «Ambiente – Livre circulação de mercadorias – Embalagens e resíduos de embalagens – Directiva 94/62/CE – Exploração e comercialização de águas minerais naturais – Directiva 80/777/CEE – Obrigações de depósito e de retoma para embalagens de tara perdida em função da percentagem global de embalagens reutilizáveis»

    Sumário do acórdão

    1.        Ambiente – Resíduos – Embalagens e resíduos de embalagens – Directiva 94/62 – Faculdade concedida aos Estados‑Membros de favorecer sistemas de reutilização de embalagens – Directiva que não contém critérios precisos relativamente à organização destes sistemas – Apreciação dos referidos sistemas à luz das disposições do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias

    (Artigos 28.° CE e 30.° CE; Directiva 94/62 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 5.°)

    2.        Livre circulação de mercadorias – Restrições quantitativas – Medidas de efeito equivalente – Legislação nacional que substitui um sistema integrado de recolha de resíduos de embalagens por um sistema de depósito e de recuperação individual – Inadmissibilidade – Justificação – Protecção do ambiente – Condição – Respeito do princípio da proporcionalidade

    (Artigos 28.° CE e 30.° CE)

    1.        O artigo 5.° da Directiva 94/62, relativa a embalagens e resíduos de embalagens, que concede aos Estados‑Membros a faculdade de favorecer, em conformidade com o Tratado, sistemas de reutilização das embalagens susceptíveis de serem reutilizadas em moldes que respeitem o ambiente, prevê essa faculdade em termos genéricos, sem precisar os critérios a ter em conta pelos Estados‑Membros que dela fazem uso. Assim, dado que a directiva não regula, em relação aos Estados‑Membros dispostos a utilizar esta faculdade, a organização de sistemas que privilegiem as embalagens reutilizáveis, esses sistemas podem ser apreciados à luz das disposições do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias.

    (cf. n.os 41, 43, 45, 50)

    2.        Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força das disposições conjugadas dos artigos 5.° da Directiva 94/62, relativa a embalagens e a resíduos de embalagens, e 28.° CE, o Estado‑Membro que, no que se refere às embalagens de tara perdida, substitui um sistema integrado de recolha das embalagens por um sistema de depósito e de recuperação individual, que obriga os produtores a modificarem determinadas indicações nas suas embalagens e implica custos suplementares para todos os produtores e distribuidores, sem lhes conceder um prazo de transição suficiente para se poderem adaptar às exigências do novo sistema antes da sua entrada em vigor.

    Com efeito, uma regulamentação nacional desse tipo, que é susceptível de criar entraves ao comércio intracomunitário, só pode ser justificada por exigências imperativas ligadas à protecção do ambiente se os meios que utiliza forem aptos para realizar os objectivos a atingir e se não ultrapassarem aquilo que é necessário para atingir esses objectivos.

    (cf. n.os 59, 62, 68, 75, 78, 79, disp.)




    ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)
    14 de Dezembro de 2004(1)

    «Ambiente – Livre circulação de mercadorias – Embalagens e resíduos de embalagens – Directiva 94/62/CE – Exploração e comercialização de águas minerais naturais – Directiva 80/777/CEE – Obrigações de depósito e de retoma para embalagens de tara perdida em função da percentagem global de embalagens reutilizáveis»

    No processo C‑463/01,que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE,entrada em 3 de Dezembro de 2001,

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por G. zur Hausen, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

    demandante,

    apoiada por:República Francesa, representada por G. de Bergues, E. Puisais e D. Petrausch, na qualidade de agentes,e por:Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado inicialmente por P. Ormond e em seguida por C. Jackson, na qualidade de agentes,

    intervenientes,

    intervenientes,

    intervenientes,

    contraRepública Federal da Alemanha, representada por W.‑D. Plessing e T. Rummler, na qualidade de agentes, assistidos por D. Sellner, Rechtsanwalt,

    demandada,

    República Federal da Alemanha, representada por W.‑D. Plessing e T. Rummler, na qualidade de agentes, assistidos por D. Sellner, Rechtsanwalt,

    demandada,



    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),,



    composto por: V. Skouris, presidente, P. Jann e K. Lenaerts (relator), presidentes de secção, C. Gulmann, J.‑P. Puissochet, R. Schintgen, N. Colneric, S. von Bahr e J. N. Cunha Rodrigues, juízes,

    advogado‑geral: D. Ruiz‑Jarabo Colomer,
    secretário: M.‑F. Contet, administradora principal,

    vistos os autos e após a audiência de 2 de Março de 2004,

    ouvidas as conclusões do advogado‑geral apresentadas na audiência de 6 de Maio de 2004,

    profere o presente



    Acórdão



    1
    Na sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao instituir, através dos §§ 8, n.° 1, e 9, n.° 2, do Regulamento de 1998 relativo à prevenção e à valorização dos resíduos de embalagens, um sistema de reutilização de embalagens para produtos que, nos termos da Directiva 80/777/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à exploração e à comercialização de águas minerais naturais (JO L 229, p. 1; EE 13 F11 p. 47), devem ser engarrafados na origem, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das disposições conjugadas dos artigos 5.° da Directiva 94/62/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Dezembro de 1994, relativa a embalagens e resíduos de embalagens (JO L 365, p. 10), e 28.° CE, bem como das disposições conjugadas do artigo 3.° e do anexo II, n.° 2, alínea d), da Directiva 80/777.


    Enquadramento jurídico

    A regulamentação comunitária

    2
    O artigo 3.° da Directiva 80/777 remete, quanto às condições de exploração das nascentes das águas minerais naturais e às regras relativas ao acondicionamento destas águas, para o seu anexo II.

    3
    O n.° 2 deste anexo prevê o seguinte:

    «As instalações destinadas à exploração devem ser concebidas de forma a evitar qualquer possibilidade de contaminação e a conservar as propriedades correspondendo à sua qualificação, que a água apresenta à saída da nascente.

    Para o efeito, e em especial:

    [...]

    d)
    É proibido o transporte da água mineral em qualquer recipiente que não os autorizados para a distribuição ao consumidor.»

    4
    Segundo o seu artigo 1.°, n.° 1, a Directiva 94/62 tem por objecto a harmonização das disposições nacionais respeitantes à gestão de embalagens e de resíduos de embalagens, a fim de, por um lado, prevenir e reduzir o seu impacte no ambiente, em todos os Estados‑Membros e nos países terceiros, assegurando assim um elevado nível de protecção do ambiente, e, por outro lado, garantir o funcionamento do mercado interno e evitar entraves ao comércio e distorções e restrições de concorrência na Comunidade.

    5
    O artigo 5.° desta directiva dispõe:

    «Os Estados‑Membros podem incentivar o uso de sistemas de reutilização das embalagens susceptíveis de serem reutilizadas em moldes que respeitem o ambiente, nos termos do Tratado.»

    6
    O artigo 7.°, n.° 1, da referida directiva dispõe:

    «1.     Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para assegurar a criação de sistemas que garantam:

    a)
    A recuperação e/ou a recolha das embalagens usadas e/ou dos resíduos de embalagens provenientes do consumidor ou de qualquer outro utilizador final ou do fluxo de resíduos, de forma a canalizá‑los para as soluções alternativas de gestão mais adequadas;

    b)
    A reutilização ou valorização incluindo a reciclagem das embalagens e/ou dos resíduos de embalagens recolhidos;

    a fim de atingir os objectivos definidos na presente directiva.

    Estes sistemas serão abertos à participação dos operadores económicos dos sectores abrangidos e à participação das autoridades públicas competentes e aplicar‑se‑ão também aos produtos importados em condições não discriminatórias, incluindo as modalidades ou quaisquer tarifas de acesso aos sistemas, e serão concebidos de modo a evitar entraves ao comércio ou distorções da concorrência, nos termos do Tratado.»

    A legislação nacional

    7
    O Verordnung über die Vermeidung und Verwertung von Verpackungsabfällen (regulamento relativo à prevenção e à valorização dos resíduos de embalagens), de 21 de Agosto de 1998 (BGBl. 1998 I, p. 2379, a seguir «VerpackV»), prevê diversas medidas de prevenção e de redução do impacte dos resíduos de embalagens no ambiente. Tendo, nomeadamente, como objectivo transpor a Directiva 94/62, o VerpackV substituiu o Verordnung über die Vermeidung von Verpackungsabfällen (regulamento relativo à prevenção dos resíduos de embalagens), de 12 de Junho de 1991 (BGBl. 1991 I, p. 1234).

    8
    O § 6, n.os 1 e 2, do VerpackV estabelece as seguintes obrigações:

    «1. O distribuidor é obrigado a retomar gratuitamente, no lugar de entrega efectiva ou nas suas imediações, as embalagens usadas vazias, utilizadas pelos consumidores finais, a submetê‑las a um processo de valorização em conformidade com as exigências definidas no ponto 1 do anexo I e a cumprir as exigências definidas no ponto 2 do anexo I. As exigências relativas à valorização poderão também ser cumpridas através de uma reutilização ou entrega ao distribuidor ou ao produtor, nos termos do n.° 2. O distribuidor deve assinalar ao consumidor final privado a possibilidade de restituição da embalagem, nos termos da primeira frase, através de letreiros com indicações facilmente reconhecíveis e legíveis. A obrigação decorrente da primeira frase limita‑se aos tipos, formas e dimensões das embalagens e às embalagens de artigos que o distribuidor mantém na sua gama de produtos. Para os distribuidores com uma superfície de venda inferior a 200 m², a obrigação de retoma limita‑se a embalagens de marcas que o distribuidor comercializa. No caso da venda por correspondência, a retoma deverá ser garantida através de possibilidades adequadas de restituição, disponíveis a uma distância aceitável para o consumidor final. No caso de envio das mercadorias e nos catálogos, deve ser chamada a atenção para a possibilidade de restituição. Se as embalagens de venda não forem provenientes do consumidor final privado, pode ser acordado de outra forma relativamente ao lugar de entrega e à determinação dos custos. Se os distribuidores não cumprirem as obrigações decorrentes da primeira frase, por meio da retoma no local de entrega, devem garanti‑las através de um sistema nos termos do n.° 3. Para os distribuidores de embalagens relativamente aos quais esteja excluída a possibilidade de participação num sistema nos termos do n.° 3, são válidas as exigências relativas à valorização correspondentes ao § 4, n.° 2, em derrogação do disposto na primeira frase.

    2. Os produtores e os distribuidores são obrigados a retomar gratuitamente, no lugar de entrega efectiva, as embalagens retomadas pelos distribuidores nos termos do n.° 1, a submetê‑las a um processo de valorização em conformidade com as exigências definidas no ponto 1 do anexo I e a cumprir as exigências definidas no ponto 2 do anexo I. As exigências relativas à valorização poderão também ser cumpridas através de reutilização das embalagens. As obrigações decorrentes da primeira frase limitam‑se aos tipos, formas e dimensões das embalagens, assim como às embalagens de produtos que os respectivos produtores e distribuidores colocam no mercado, aplicando‑se, mutatis mutandis, o n.° 1, oitava a décima frases.»

    9
    Segundo o n.° 3 da mesma disposição, as obrigações de retoma e de valorização também podem, em princípio, ser cumpridas através da participação do produtor ou do distribuidor num sistema integrado de recolha de embalagens de venda usadas. Incumbe à autoridade regional competente verificar se esse sistema preenche as condições prescritas pelo VerpackV quanto à sua percentagem de cobertura.

    10
    Segundo o § 8, n.° 1, do VerpackV, os distribuidores que comercializem produtos alimentares líquidos acondicionados em embalagens de bebidas não reutilizáveis são obrigados a cobrar ao comprador um depósito no valor mínimo de 0,25 euros por embalagem, imposto sobre o valor acrescentado incluído. O valor mínimo do depósito é de 0,50 euros, imposto sobre o valor acrescentado incluído, quando o volume de acondicionamento seja superior a 1,5 litros. O depósito deve ser cobrado por cada um dos distribuidores nas diversas fases da comercialização, até à venda ao consumidor final. O depósito é devolvido no acto de entrega das embalagens em conformidade com o § 6, n.os 1 e 2, do VerpackV.

    11
    Por força do § 9, n.° 1, do VerpackV, este depósito obrigatório não é aplicável às embalagens relativamente às quais o produtor ou o distribuidor estejam isentos da obrigação de retoma por força da sua participação num sistema integrado de recolha como o indicado no referido § 6, n.° 3.

    12
    No entanto, o VerpackV prevê, no seu § 9, n.° 2, casos em que, relativamente a determinadas bebidas, é eliminada a possibilidade de recurso ao § 6, n.° 3. Esta disposição tem a seguinte redacção:

    «Quando, no território em que se aplica o presente regulamento, a percentagem das bebidas acondicionadas em embalagens reutilizáveis, como cerveja, águas minerais (incluindo águas de nascente, águas de mesa e águas minerais), refrigerantes com gás, sumos de fruta […] ou vinho […], desça, em termos globais, para uma percentagem inferior a 72% no decurso do ano civil, deve proceder‑se a uma nova avaliação das percentagens pertinentes de embalagens reutilizáveis no período de doze meses seguinte à divulgação da não obtenção da percentagem de embalagens reutilizáveis exigida. Quando a percentagem das embalagens reutilizáveis no território federal seja inferior à percentagem prevista na primeira frase, considera‑se revogada a decisão adoptada nos termos do § 6, n.° 3, em todo o território federal, a contar do primeiro dia do sexto mês seguinte à publicação prevista no n.° 3, quanto às bebidas relativamente às quais a percentagem de embalagens reutilizáveis fixada em 1991 não tenha sido atingida […]»

    13
    De acordo com o § 9, n.° 3, do VerpackV, o Governo alemão publica anualmente as percentagens pertinentes, indicadas no n.° 2 do referido § 9, de bebidas acondicionadas em embalagens ecológicas. Segundo o n.° 4 do mesmo § 9, a autoridade competente procede, mediante requerimento ou oficiosamente, a uma nova avaliação em conformidade com o § 6, n.° 3, quando, após uma decisão de revogação, seja novamente atingida a percentagem pertinente de bebidas acondicionadas nesse tipo de embalagens.

    14
    Decorre dessas disposições nacionais que os produtores de águas minerais perdem a possibilidade de cumprirem a sua obrigação de retoma das embalagens pela participação num sistema integrado de recolha quando a percentagem global de bebidas acondicionadas em embalagens reutilizáveis desça abaixo dos 72% durante dois anos consecutivos e, concomitantemente, não seja atingida a percentagem de 1991 para as águas minerais acondicionadas em embalagens reutilizáveis. Nesse caso, as bebidas acondicionadas em embalagens não reutilizáveis ficam sujeitas ao sistema de depósito e de recuperação individual previsto no artigo 8.°, n.° 1, do VerpackV.

    15
    Segundo o Governo alemão, a percentagem de embalagens reutilizáveis de bebidas desceu, em 1997, pela primeira vez, para um nível inferior a 72%, a saber, 71,33%. Posteriormente, a percentagem continuou a descer devido ao crescimento significativo das embalagens de tara perdida de bebidas. Neste contexto, durante a fase escrita do processo no Tribunal de Justiça, o referido governo impôs a cobrança de um depósito pelas embalagens de tara perdida das águas minerais, das cervejas e dos refrigerantes com gás, a partir de 1 de Janeiro de 2003.


    Procedimento pré‑contencioso

    16
    Em 12 de Dezembro de 1995, a Comissão dirigiu à República Federal da Alemanha uma notificação para cumprir em que alegava que as disposições relativas à cobrança de um depósito por determinadas embalagens não reutilizáveis constituem um entrave às trocas intracomunitárias. Após o termo do prazo de transposição da Directiva 94/62 e a adopção do VerpackV, a Comissão enviou a este Estado‑Membro, em 11 de Dezembro de 1998, uma notificação para cumprir complementar, que continha várias acusações fundadas na incompatibilidade da nova regulamentação alemã com as disposições conjugadas da Directiva 94/62 e do artigo 30.° do Tratado CE (actual artigo 28.° CE).

    17
    Não tendo ficado satisfeita com as explicações apresentadas pelo Governo alemão nas suas respostas às notificações para cumprir, a Comissão dirigiu‑lhe, em 27 de Julho de 2000, um parecer fundamentado em que conclui que, ao instituir, através do VerpackV, um sistema de reutilização das embalagens para as águas minerais naturais que devem ser engarrafadas na origem por força da Directiva 80/777, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das disposições conjugadas dos artigos 5.° da Directiva 94/62 e 28.° CE, bem como das disposições conjugadas do artigo 3.° e do anexo II, n.° 2, alínea d), da Directiva 80/777. Neste parecer, a Comissão sustenta que, no que se refere às águas minerais naturais, a legislação alemã constitui um entrave às trocas comerciais para os produtores que devem reexpedir as embalagens vazias para o local de produção, quando estas últimas não possam ser utilizadas para outros produtos. No seu entender, a regulamentação alemã referida não é justificada por razões de protecção do ambiente, uma vez que, ao não ter em conta a situação particular dos produtos que devem ser transportados em longas distâncias, o seu alcance excede o necessário para alcançar o objectivo prosseguido.

    18
    Em resposta a este parecer fundamentado, o Governo alemão contestou, por carta de 10 de Novembro de 2000, a existência de um entrave às trocas comerciais intracomunitárias. Sustenta que a regulamentação alemã confere aos produtores de águas minerais estabelecidos noutro Estado‑Membro a liberdade de comercializarem os seus produtos quer utilizando embalagens reutilizáveis, nomeadamente no âmbito de um sistema de garrafas normalizadas, quer recorrendo a embalagens não reutilizáveis. Mesmo que se admita que a regulamentação em causa constitui um entrave às trocas comerciais intracomunitárias, a mesma é justificada por razões de protecção do ambiente, pelo facto de as embalagens de bebida reutilizáveis apresentarem vantagens, do ponto de vista ecológico, em relação às embalagens de tara perdida, não obstante a eventual necessidade de assegurar o seu transporte em longas distâncias.

    19
    Em 16 de Março de 2001, a República Federal da Alemanha notificou à Comissão um projecto de alteração do VerpackV. No entanto, atendendo às dificuldades encontradas por este projecto durante o processo legislativo, essa comunicação foi revogada em 3 de Julho de 2001.

    20
    Considerando que a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do direito comunitário, a Comissão intentou a presente acção.

    21
    Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 29 de Maio de 2002, foi admitida a intervenção da República Francesa e do Reino Unido em apoio da posição da Comissão. Por carta de 26 de Setembro de 2002, o Reino Unido comunicou que prescindia de apresentar alegações.


    Quanto ao objecto e à admissibilidade do recurso

    22
    A título liminar, há que esclarecer que a Comissão contesta a regulamentação alemã na medida em que os §§ 8, n.° 1, e 9, n.° 2, do VerpackV, pelo facto de instituírem obrigações de depósito e de retoma individual para as embalagens de tara perdida em função da proporção das embalagens reutilizáveis no mercado alemão, impõem um encargo particular aos produtores de águas minerais naturais provenientes de outros Estados‑Membros. Segundo a Comissão, o recurso a embalagens reutilizáveis, ao qual a referida regulamentação incita os produtores que utilizam embalagens de tara perdida, implica custos suplementares para os produtores de águas minerais naturais estabelecidos noutros Estados‑Membros.

    23
    O Governo alemão alega que, durante o procedimento pré‑contencioso, a Comissão não invocou contra si o facto de os §§ 8 e 9 do VerpackV exercerem pressão sobre os produtores de águas minerais naturais para que utilizem embalagens reutilizáveis. Quanto a este facto, a Comissão não lhe deu a possibilidade de justificar a sua posição ou, eventualmente, de cumprir voluntariamente as exigências do direito comunitário, nomeadamente mediante a exclusão dos produtores de águas minerais naturais estabelecidos noutro Estado‑Membro do cálculo das percentagens previstas no § 9, n.° 2, do VerpackV.

    24
    Deve recordar‑se nesta matéria que, segundo jurisprudência assente, o procedimento pré‑contencioso tem por objectivo dar ao Estado‑Membro em causa a possibilidade de, por um lado, dar cumprimento às obrigações decorrentes do direito comunitário e, por outro, apresentar utilmente os seus fundamentos de defesa a respeito das acusações formuladas pela Comissão (v., nomeadamente, acórdãos de 15 de Janeiro de 2002, Comissão/Itália, C‑439/99, Colect., p. I‑305, n.° 10, e de 20 de Junho de 2002, Comissão/Alemanha, C‑287/00, Colect., p. I‑5811, n.° 16).

    25
    A regularidade do procedimento pré‑contencioso constitui uma garantia essencial não apenas para a protecção dos direitos do Estado‑Membro em causa mas igualmente para assegurar que o eventual processo contencioso tenha por objecto um litígio claramente definido (v. acórdão Comissão/Alemanha, já referido, n.° 17).

    26
    O objecto de uma acção intentada nos termos do artigo 226.° CE é, pois, delimitado pelo procedimento pré‑contencioso previsto nesta disposição. Consequentemente, a acção deve basear‑se nos mesmos argumentos e fundamentos que o parecer fundamentado (v., designadamente, acórdão Comissão/Itália, já referido, n.° 11).

    27
    No caso em apreço, há que concluir que a Comissão não alargou o objecto do litígio como foi delimitado no procedimento pré‑contencioso.

    28
    Efectivamente, na primeira notificação para cumprir, a Comissão já criticava o facto de a regulamentação alemã se basear numa percentagem de embalagens reutilizáveis, com o efeito de perpetuar uma situação existente no mercado num determinado período. Na sua resposta a esta carta, o Governo alemão expôs as razões que conduziram à fixação da percentagem em questão, afirmando que a regulamentação em causa não impõe aos produtores um determinado modo de embalagem.

    29
    De igual modo, na notificação complementar para cumprir, a Comissão criticou os efeitos desproporcionados do VerpackV sobre a situação dos produtores de águas minerais naturais, sublinhando que a regra que fixa uma percentagem de embalagens reutilizáveis é susceptível de impedir a comercialização, na Alemanha, de novos produtos acondicionados em embalagens de tara perdida. Em resposta a esta carta, o Governo alemão reiterou o seu ponto de vista de que a regulamentação em causa não obsta a que os produtores estabelecidos noutro Estado‑Membro utilizem embalagens de tara perdida.

    30
    Por último, na fase do parecer fundamentado, em que as acusações se limitaram às consequências dos §§ 8 e 9 do VerpackV sobre a comercialização das águas minerais naturais, a Comissão sustentou que essas disposições incentivam os produtores a não aumentarem a proporção de embalagens de tara perdida de forma a que as percentagens fixadas para as embalagens reutilizáveis não voltem a ser atingidas. Segundo a Comissão, o VerpackV apenas autoriza os produtores cujo estabelecimento se situe a uma grande distância dos locais de venda a aumentarem a sua quota de mercado de produtos acondicionados em embalagens de tara perdida na medida em que outros produtores, cujo estabelecimento seja mais próximo dos locais de venda, estejam dispostos a reduzir a sua.

    31
    Resulta da resposta ao parecer fundamentado que o Governo alemão considerou que o referido parecer denunciava, nomeadamente, as consequências da regulamentação alemã sobre a escolha do modo de embalagem. Com efeito, o Governo alemão evocou nesta resposta as diferentes possibilidades conferidas aos produtores estabelecidos noutro Estado‑Membro para comercializarem os seus produtos no mercado alemão, reiterando simultaneamente a sua posição de que não é possível invocar a existência de qualquer obstáculo à comercialização de produtos acondicionados em embalagens de tara perdida.

    32
    Por conseguinte, a alegação de que a regulamentação alemã incentiva os produtores de águas minerais naturais estabelecidos noutros Estados‑Membros a recorrerem a embalagens reutilizáveis constava efectivamente dos fundamentos invocados pela Comissão para sustentar, no procedimento pré‑contencioso, que o VerpackV não é compatível com as disposições comunitárias em causa.

    33
    Face ao exposto, a acção é admissível.


    Quanto ao mérito

    34
    Está assente entre as partes que os §§ 8 e 9 do VerpackV estão inseridos numa regulamentação que tem por objectivo transpor a Directiva 94/62.

    35
    Em contrapartida, as partes estão em desacordo quanto à questão de saber se, no que se refere ao incentivo à reutilização das embalagens, os §§ 8 e 9 do VerpackV podem igualmente ser apreciados à luz do artigo 28.° CE. A Comissão, apoiada pelo Governo francês, é da opinião de que a regulamentação alemã apenas pode ser compatível com o artigo 5.° da Directiva 94/62 se estiver igualmente em conformidade com o artigo 28.° CE, ao passo que o Governo alemão afirma que esse artigo 5.° harmoniza totalmente a matéria, excluindo qualquer apreciação dos §§ 8 e 9 do VerpackV à luz das disposições do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias.

    36
    Tendo em conta a circunstância de que toda e qualquer medida nacional, num domínio que foi objecto de uma harmonização exaustiva a nível comunitário, deve ser apreciada à luz das disposições dessa medida de harmonização e não das do direito primário (acórdãos de 12 de Outubro de 1993, Vanacker e Lesage, C‑37/92, Colect., p. I‑4947, n.° 9; de 13 de Dezembro de 2001, DaimlerChrysler, C‑324/99, Colect., p. I‑9897, n.° 32; e de 11 de Dezembro de 2003, Deutscher Apothekerverband, C‑322/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 64), há que determinar, portanto, se a harmonização realizada pela Directiva 94/62 exclui o exame da compatibilidade da regulamentação nacional em causa com o artigo 28.° CE.

    Quanto à aplicabilidade do artigo 28.° CE

    37
    Relativamente ao incentivo à reutilização de embalagens da forma prevista na Directiva 94/62, deve recordar‑se, a título liminar, que resulta quer do primeiro considerando quer do artigo 1.°, n.° 1, dessa directiva que ela prossegue um duplo objectivo, que consiste, por um lado, em evitar e reduzir o impacte dos resíduos de embalagens no ambiente, de modo a garantir um elevado nível de protecção do ambiente, e, por outro, em assegurar o bom funcionamento do mercado interno e em evitar o aparecimento de entraves às trocas comerciais e distorções e restrições de concorrência na Comunidade (v. acórdão de 19 de Junho de 2003, Mayer Parry Recycling, C‑444/00, Colect., p. I‑6163, n.° 71).

    38
    Embora a Directiva 94/62 preveja, como «primeira prioridade», a prevenção de resíduos de embalagens, enumera no seu artigo 1.°, n.° 2, como «[outros] princípios fundamentais», a reutilização das embalagens, a reciclagem e as outras formas de valorização dos resíduos de embalagens.

    39
    O oitavo considerando desta directiva refere que, «na expectativa de resultados científicos e tecnológicos em matéria de processos de valorização, deve‑se optar, de preferência, pela reutilização e pela reciclagem, preferíveis em termos de impacte ambiental; que, por esse motivo, devem ser criados, nos Estados‑Membros, sistemas que garantam o retorno de embalagens usadas e/ou de resíduos de embalagens; que as análises do ciclo de vida devem ser completadas o mais rapidamente possível de modo a justificar uma hierarquia bem definida entre embalagens reutilizáveis, recicláveis e valorizáveis».

    40
    Contrariamente ao alegado pelo Governo alemão, a Directiva 94/62 não estabelece, portanto, uma hierarquia entre a reutilização das embalagens, por um lado, e a valorização dos resíduos de embalagens, por outro.

    41
    Relativamente à reutilização das embalagens, o artigo 5.° da Directiva 94/62 limita‑se a permitir aos Estados‑Membros que incentivem, nos termos do Tratado, o uso de sistemas de reutilização das embalagens susceptíveis de serem reutilizadas em moldes que respeitem o ambiente.

    42
    Por força do artigo 7.°, n.° 1, da referida directiva, os Estados‑Membros são, além disso, obrigados a tomar as medidas necessárias para assegurar a criação de sistemas que garantam não só a recuperação e/ou a recolha das embalagens usadas e/ou dos resíduos de embalagens, de forma a canalizá‑los para as soluções de gestão de resíduos mais adequadas, mas também a reutilização ou a valorização, incluindo a reciclagem, das embalagens e/ou dos resíduos de embalagens recolhidos.

    43
    Com excepção da definição do conceito de «reutilização» de embalagens, de certas disposições gerais sobre as medidas de prevenção dos resíduos de embalagens e das disposições relativas aos sistemas de recuperação, de recolha e de valorização, constantes, respectivamente, dos seus artigos 3.°, n.° 5, 4.° e 7.°, a Directiva 94/62 não regula, em relação aos Estados‑Membros dispostos a utilizarem a faculdade conferida pelo seu artigo 5.°, a organização de sistemas que privilegiem as embalagens reutilizáveis.

    44
    Contrariamente à marcação e à identificação das embalagens e às exigências relativas à composição e ao carácter reutilizável ou valorizável destas últimas, regidas pelos artigos 8.° a 11.° e pelo anexo II da Directiva 94/62, a organização dos sistemas nacionais destinados a favorecer a reutilização das embalagens não se encontra, portanto, totalmente harmonizada.

    45
    Esses sistemas podem, por conseguinte, ser apreciados à luz das disposições do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias.

    46
    Aliás, o artigo 5.° da Directiva 94/62 permite aos Estados‑Membros privilegiarem os sistemas de reutilização das embalagens apenas «nos termos do Tratado».

    47
    Contrariamente ao que é sustentado pelo Governo alemão, o acórdão DaimlerChrysler, já referido, não é susceptível de conduzir a outra conclusão. É certo que, no n.° 44 desse acórdão, o Tribunal de Justiça decidiu que a utilização, numa disposição comunitária, da expressão «nos termos do Tratado» não pode ser entendida como significando que uma medida nacional que preenche as exigências desta disposição deve, além disso, ser objecto de um exame distinto no que toca à sua compatibilidade com as disposições do Tratado relativas à livre circulação de mercadorias.

    48
    No entanto, nesse acórdão, estava em causa o Regulamento (CEE) n.° 259/93 do Conselho, de 1 de Fevereiro de 1993, relativo à fiscalização e ao controlo das transferências de resíduos no interior, à entrada e à saída da Comunidade (JO L 30, p. 1). Este último regula de forma harmonizada, a nível comunitário, a questão das transferências de resíduos com vista a assegurar a protecção do ambiente (acórdão DaimlerChrysler, já referido, n.° 42). Ora, como acima se concluiu, esta situação não se verifica no caso da Directiva 94/62, no que se refere à reutilização das embalagens.

    49
    Acresce que o artigo 4.°, n.° 3, alínea a), i), do regulamento supramencionado autoriza os Estados‑Membros a regularem as transferências de resíduos destinados a eliminação «nos termos do Tratado», enunciando uma série de princípios, como o da proximidade, o da prioridade o da valorização e o da auto‑suficiência a nível comunitário e nacional, que devem ser respeitados pelos Estados‑Membros quando façam uso desta autorização.

    50
    A interpretação dada pelo Tribunal de Justiça, no acórdão DaimlerChrysler, já referido, à expressão «nos termos do Tratado» não é transponível para o presente contexto, no qual a autorização concedida aos Estados‑Membros para incentivarem a reutilização das embalagens é formulada em termos genéricos, sem que sejam precisados os critérios a ter em conta pelos Estados‑Membros que dela fazem uso.

    51
    Deve ainda observar‑se que, no n.° 45 do mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça decidiu que a expressão «[nos termos do] Tratado» também não significa que se deva sistematicamente presumir que todas as medidas nacionais que restringem as transferências de resíduos, a que se refere o artigo 4.°, n.° 3, alínea a), i), do regulamento, estão em conformidade com o direito comunitário pelo simples facto de se destinarem a dar aplicação a um ou a vários dos princípios mencionados nesta disposição. Esta expressão deve, antes, ser interpretada no sentido de que as referidas medidas nacionais, além de serem conformes com o regulamento, também devem respeitar as regras ou os princípios gerais do Tratado que não sejam directamente visados pela regulamentação adoptada no domínio das transferências de resíduos.

    52
    Face ao exposto, há que analisar a compatibilidade das disposições nacionais em causa com o artigo 28.° CE.

    Quanto à existência de um entrave às trocas comerciais intracomunitárias

    53
    A Comissão, apoiada pelo Governo francês, afirma que os §§ 8, n.° 1, e 9, n.° 2, do VerpackV tornam mais difícil ou mais onerosa a distribuição de águas minerais naturais provenientes de outros Estados‑Membros e constituem, portanto, uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa na acepção do artigo 28.° CE.

    54
    A título liminar, o Governo alemão entende que essas disposições gerais não podem ser consideradas medidas de efeito equivalente a uma restrição quantitativa, dado que não servem para proteger unilateralmente interesses nacionais, mas se destinam apenas a dar cumprimento às obrigações decorrentes de uma directiva comunitária.

    55
    A este respeito, basta observar que, embora o Tribunal de Justiça tenha considerado que uma disposição nacional pela qual um Estado‑Membro dá cumprimento às obrigações que lhe impõe uma directiva não pode ser qualificada de entrave às trocas comerciais (v., neste sentido, acórdãos de 25 de Janeiro de 1977, Bauhuis, 46/76, Colect., p. 1, n.os 28 a 30; de 23 de Março de 2000, Berendse‑Koenen, C‑246/98, Colect., p. I‑1777, n.os 24 e 25; e Deutscher Apothekerverband, já referido, n.os 52 a 54), deve notar‑se que o artigo 5.° da Directiva 94/62 se limita a autorizar os Estados‑Membros a incentivarem o uso de sistemas de reutilização das embalagens nos termos do Tratado, sem impor qualquer obrigação neste sentido.

    56
    O Governo alemão contesta, em seguida, que os §§ 8 e 9 do VerpackV conduzam a uma qualquer discriminação directa ou indirecta face aos produtores estabelecidos noutro Estado‑Membro.

    57
    A este respeito, deve recordar‑se que o § 9, n.° 2, do VerpackV prevê uma mudança de sistema de gestão dos resíduos de embalagens de tara perdida em circunstâncias definidas. Não obstante o VerpackV basear esta mudança no facto de não terem sido atingidas determinadas percentagens de embalagens reutilizáveis no mercado nacional, sujeita a entrada em vigor efectiva da referida mudança a novas avaliações dessas percentagens a realizar ulteriormente. Assim, para determinadas bebidas, entre as quais as águas minerais naturais, os produtores e os distribuidores deixam de poder recorrer a um sistema integrado de recolha e devem, portanto, instituir um sistema de depósito e de recuperação individual para as suas embalagens de tara perdida de bebidas, quando, durante dois anos consecutivos, a percentagem de bebidas acondicionadas em embalagens reutilizáveis na Alemanha desça para um nível inferior a 72% e, relativamente às bebidas em questão, não tenha sido atingida a percentagem de embalagens reutilizáveis do ano de 1991.

    58
    No entanto, deve observar‑se que, não obstante os §§ 8, n.° 1, e 9, n.° 2, do VerpackV serem efectivamente aplicáveis a todos os produtores e distribuidores que exercem a sua actividade no território nacional, não afectam da mesma forma a comercialização de águas minerais naturais produzidas na Alemanha e a de bebidas provenientes de outros Estados‑Membros.

    59
    Com efeito, se a passagem de um sistema de gestão das embalagens para outro implica, em regra, custos com a marcação ou a rotulagem das embalagens, uma regulamentação, como a que está causa no processo principal, que obriga os produtores e distribuidores que utilizam embalagens de tara perdida a substituir a sua participação num sistema integrado de recolha pela adopção de um sistema de depósito e de recuperação individual, implica, para todos os produtores e distribuidores que utilizam essas embalagens, custos suplementares ligados à organização da retoma das embalagens, do reembolso dos montantes do depósito e da eventual compensação dos referidos montantes entre distribuidores.

    60
    Ora, como a Comissão observa, sem impugnação do Governo alemão, os produtores de águas minerais naturais originárias de outros Estados‑Membros utilizam um número de embalagens de tara perdida de plástico consideravelmente superior ao dos produtores alemães. Com efeito, segundo um estudo realizado em Junho de 2001 pela Gesellschaft für Verpackungsmarktforschung, os produtores alemães utilizaram, em 1999, cerca de 90% de embalagens reutilizáveis e cerca de 10% de embalagens de tara perdida, ao passo que essas proporções se inverteram no caso das águas minerais naturais vendidas na Alemanha por produtores estrangeiros, com uma utilização de cerca de 71% de embalagens de tara perdida de plástico.

    61
    A este respeito, deve observar‑se que os produtores de águas minerais naturais que vendem os seus produtos na Alemanha a uma grande distância do local de captação dessas águas, e que em grande parte estão estabelecidos noutro Estado‑Membro, suportam custos suplementares quando utilizam embalagens reutilizáveis. Com efeito, resulta da leitura conjugada do artigo 3.° e do anexo II da Directiva 80/777 que as águas minerais naturais devem ser engarrafadas na origem, o que significa que a reutilização das embalagens dessas águas exige que estas últimas sejam conduzidas até ao local de captação. Embora seja certo que, como é sustentado pelo Governo alemão, um produtor de águas minerais naturais pode reduzir esses custos por meio da adesão a um sistema de garrafas reutilizáveis normalizadas, um produtor de águas minerais naturais que comercializa os seus produtos em vários mercados, designadamente o mercado alemão, como é o caso do produtor estabelecido noutro Estado‑Membro que exporta para a Alemanha, é obrigado a adaptar a distribuição dos seus produtos às exigências específicas do mercado alemão.

    62
    Em consequência, a substituição, no que se refere às embalagens de tara perdida, de um sistema integrado de recolha de embalagens por um sistema de depósito e de recuperação individual é susceptível de criar entraves à comercialização, no mercado alemão, de bebidas importadas de outros Estados‑Membros (v., neste sentido, quanto às embalagens reutilizáveis de bebidas, acórdão de 20 de Setembro de 1988, Comissão/Dinamarca, 302/86, Colect., p. 4607, n.° 13).

    63
    Nesta matéria, não é relevante que as disposições em causa prevejam obrigações de depósito e de retoma individual para as embalagens de tara perdida sem proibirem as importações de bebidas acondicionadas nessas embalagens e que, além disso, exista a possibilidade de os produtores recorrerem a embalagens reutilizáveis. Com efeito, uma medida susceptível de criar entraves às importações deve ser qualificada como uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa, mesmo que o entrave seja pequeno ou existam outras possibilidades de escoamento dos produtos (acórdão de 5 de Abril de 1984, Van de Haar e Kaveka de Meern, 177/82 e 178/82, Recueil, p. 1797, n.° 14).

    64
    Contrariamente ao que sustenta o Governo alemão, o entrave às trocas comerciais em causa na presente acção não tem a sua origem na disposição da Directiva 80/777 que determina que as águas minerais naturais devem ser engarrafadas na origem. Embora não se possa seguramente excluir que esta disposição influencie a escolha, pelos produtores de águas minerais naturais, da embalagem dos respectivos produtos, deve, no entanto, recordar‑se que a substituição de um sistema integrado de recolha por um sistema de depósito e de recuperação individual representa custos suplementares não apenas para os produtores de águas minerais naturais mas igualmente para os produtores e distribuidores de outras bebidas referidas no § 9, n.° 2, do VerpackV, que se encontrem estabelecidos noutros Estados‑Membros e que utilizem embalagens de tara perdida.

    65
    Também não é pertinente afirmar, como faz o referido governo, que o aumento das importações na Alemanha de águas minerais naturais acondicionadas em embalagens de tara perdida demonstra a inexistência de uma discriminação face aos produtores de águas minerais naturais que utilizam embalagens de tara perdida. Com efeito, mesmo quando esta tendência seja observada no mercado alemão, a mesma não é susceptível de excluir o facto de os §§ 8 e 9 do VerpackV constituírem, para os produtores de águas minerais estabelecidos noutro Estado‑Membro, um obstáculo à comercialização dos seus produtos na Alemanha.

    66
    Por último, contrariamente ao sustentado pelo Governo alemão, os §§ 8 e 9 do VerpackV não podem ser subtraídos ao âmbito de aplicação do artigo 28.° CE, uma vez que não regulam o modo de acondicionamento das águas minerais naturais, mas unicamente as suas modalidades de venda na acepção do acórdão de 24 de Novembro de 1993, Keck e Mithouard (C‑267/91 e C‑268/91, Colect., p. I‑6097, n.os 16 e segs.).

    67
    Com efeito, o Tribunal de Justiça considerou que a necessidade, decorrente das medidas em causa, de modificar a embalagem ou o rótulo dos produtos importados exclui que essas medidas sejam relativas às modalidades de venda desses produtos na acepção do acórdão Keck e Mithouard, já referido (v. acórdãos de 3 de Junho de 1999, Colim, C‑33/97, Colect., p. I‑3175, n.° 37, de 16 de Janeiro de 2003, Comissão/Espanha, C‑12/00, Colect., p. I‑459, n.° 76, e de 18 de Setembro de 2003, Morellato, C‑416/00, Colect., p. I‑9343, n.° 29).

    68
    Ora, conforme foi afirmado no n.° 59 do presente acórdão, a substituição da participação num sistema integrado de recolha pela implementação de um sistema de depósito e de recuperação individual obriga os produtores em causa a modificarem determinadas indicações nas suas embalagens.

    69
    Em todo o caso, uma vez que as disposições do VerpackV não afectam da mesma forma a comercialização das bebidas produzidas na Alemanha e a das bebidas provenientes de outros Estados‑Membros, não podem ser subtraídas ao âmbito de aplicação do artigo 28.° CE (v. acórdão Keck e Mithouard, já referido, n.os 16 e 17).

    Quanto à justificação assente na protecção do ambiente

    70
    Deve‑se, portanto, verificar se os §§ 8, n.° 1, e 9, n.° 2, do VerpackV podem, na medida em que constituem um entrave às trocas comerciais, ser justificados por razões de protecção do ambiente.

    71
    A Comissão, apoiada pelo Governo francês, afirma que, no que se refere às águas minerais naturais que devem ser engarrafadas na origem, a referida regulamentação alemã não é justificada por razões ligadas à política do ambiente e não respeita, em qualquer caso, o critério da proporcionalidade.

    72
    Por seu turno, o Governo alemão considera os §§ 8 e 9 do VerpackV justificados por diferentes objectivos ligados à protecção do ambiente, a saber, a prevenção dos resíduos, a definição das soluções de gestão dos resíduos mais adequadas para as embalagens de tara perdida e a protecção da paisagem contra a acumulação de resíduos na natureza. Afirma que, mesmo que se perfilhe a posição de que as referidas disposições não prosseguem o objectivo geral de prevenção dos resíduos, as vantagens, do ponto de vista ecológico, de um sistema de depósito de embalagens de tara perdida de bebidas prevalecem largamente sobre os possíveis inconvenientes ligados ao facto de certas embalagens deverem ser conduzidas em longas distâncias até ao local de produção.

    73
    Na opinião do Governo alemão, um sistema de depósito de embalagens de tara perdida é adequado e necessário para atingir os objectivos prosseguidos, uma vez que se trata de uma medida que tem como principal finalidade alterar o comportamento do consumidor. No seu entendimento, a cobrança de um depósito pelas embalagens de tara perdida levaria o consumidor a equiparar essas embalagens às embalagens reutilizáveis.

    74
    Por último, segundo o Governo alemão, os princípios da precaução e da acção preventiva, enunciados no artigo 174.°, n.° 2, CE, conferem aos Estados‑Membros um poder discricionário no interesse da política ambiental. Ora, segundo esse Governo, é impossível isentar da obrigação de depósito as bebidas sujeitas a transporte de longo curso, visto que essa isenção não só criaria distorções de concorrência entre as empresas que comercializam os seus produtos em embalagens de tara perdida como privaria de efeito útil o incentivo ao uso de embalagens reutilizáveis previsto no artigo 5.° da Directiva 94/62. Essa isenção também não seria praticável, pelo facto de certos pontos de venda situados no território alemão não serem distantes de locais de produção de águas minerais naturais comercializadas na Alemanha, que estão situados fora desse território.

    75
    A este respeito, deve recordar‑se que, segundo jurisprudência assente, as medidas nacionais susceptíveis de criarem entraves ao comércio intracomunitário podem ser justificadas por exigências imperativas ligadas à protecção do ambiente, desde que as medidas em causa sejam proporcionadas ao objectivo prosseguido (acórdãos Comissão/Dinamarca, já referido, n.os 6 e 9, e de 14 de Julho de 1998, Aher‑Waggon, C‑389/96, Colect., p. I‑4473, n.° 20).

    76
    Conforme afirma o Governo alemão, a implementação de um sistema de depósito e de recuperação individual é susceptível de aumentar a percentagem de retorno das embalagens vazias e conduz a uma triagem selectiva dos resíduos de embalagens, contribuindo assim para melhorar a valorização destas últimas. Além disso, na medida em que a cobrança de um depósito incita o consumidor a devolver as embalagens vazias nos pontos de venda, contribui para a redução dos resíduos na natureza.

    77
    Acresce que, na medida em que a regulamentação em causa no processo principal faz depender a entrada em vigor de um novo sistema de gestão dos resíduos de embalagens da proporção das embalagens reutilizáveis no mercado alemão, cria uma situação em que todo e qualquer aumento de vendas de bebidas acondicionadas em embalagens de tara perdida nesse mercado aumenta a probabilidade de superveniência de uma mudança de sistema. Na medida em que a regulamentação referida encoraja assim os produtores e distribuidores em causa a recorrerem a embalagens reutilizáveis, contribui para a redução dos resíduos a eliminar, que constitui um dos objectivos gerais da política de protecção do ambiente.

    78
    No entanto, para que essa regulamentação respeite o princípio da proporcionalidade, é necessário verificar se os meios que utiliza são aptos para realizar os objectivos a atingir e se não ultrapassam aquilo que é necessário para os atingir (v. acórdão de 14 de Julho de 1998, Safety Hi‑Tech, C‑284/95, Colect., p. I‑4301, n.° 57).

    79
    A este respeito, importa observar que, para que uma regulamentação nacional satisfaça este último critério, deve conferir aos produtores e aos distribuidores em causa um prazo de transposição suficiente para se poderem adaptar, previamente à entrada em vigor do sistema de depósito e de recuperação individual, às exigências do novo sistema.

    80
    Ora, o prazo de seis meses, previsto no § 9, n.° 2, do VerpackV, que medeia a divulgação da necessidade de instituir um sistema de depósito e de recuperação individual e a entrada em vigor desse sistema, não é suficiente para permitir aos produtores de águas minerais naturais adaptarem a sua produção e a sua gestão dos resíduos de embalagens de tara perdida ao novo sistema, uma vez que este deve ser implementado de imediato.

    81
    Para este efeito, não é tido em conta o período que antecede o referido prazo de seis meses. De facto, mesmo após uma primeira verificação da insuficiência das percentagens de embalagens reutilizáveis, mantém‑se a incerteza quanto à questão de saber se entrará em vigor um sistema de depósito e de recuperação individual e, sendo esse o caso, em que momento, na medida em que isso depende não só de novas avaliações relativas à proporção global das embalagens reutilizáveis presentes no mercado alemão e à proporção das águas minerais naturais comercializadas no mesmo mercado nesse tipo de embalagens mas igualmente da decisão de o Governo alemão divulgar o resultado dessas avaliações.

    82
    Assim, o VerpackV criou uma situação em que, por um período indeterminado, a mudança de sistema de gestão dos resíduos de embalagens não é suficientemente certa para se exigir dos operadores económicos do sector em questão a implementação de um sistema de depósito e de recuperação individual que esteja disponível pouco tempo após a divulgação da data de entrada em vigor do novo sistema.

    83
    Nestas condições, a acção da Comissão deve ser julgada procedente.

    84
    Em consequência, conclui‑se que, ao instituir, através dos §§ 8, n.° 1, e 9, n.° 2, do VerpackV, um sistema de reutilização de embalagens para os produtos que, nos termos da Directiva 80/777, devem ser engarrafados na origem, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das disposições conjugadas dos artigos 5.° da Directiva 94/62 e 28.° CE.


    Quanto às despesas

    85
    Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Federal da Alemanha e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas. Em conformidade com o artigo 69.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do mesmo regulamento, os Estados‑Membros que intervieram no processo em apoio dos pedidos da Comissão suportam as respectivas despesas.

    Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

    1)
    Ao instituir, através dos §§ 8, n.° 1, e 9, n.° 2, do Verordnung über die Vermeidung und Verwertung von Verpackungsabfällen (regulamento relativo à prevenção e à valorização dos resíduos de embalagens), um sistema de reutilização de embalagens para os produtos que, nos termos da Directiva 80/777/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à exploração e à comercialização de águas minerais naturais, devem ser engarrafados na origem, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das disposições conjugadas dos artigos 5.° da Directiva 94/62/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Dezembro de 1994, relativa a embalagens e a resíduos de embalagens, e 28.° CE.

    2)
    A República Federal da Alemanha é condenada nas despesas.

    3)
    A República Francesa e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte suportam as respectivas despesas.

    Assinaturas.


    1
    Língua do processo: alemão.

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