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Document 62001CJ0234

    Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 12 de Junho de 2003.
    Arnoud Gerritse contra Finanzamt Neukölln-Nord.
    Pedido de decisão prejudicial: Finanzgericht Berlin - Alemanha.
    Imposto sobre o rendimento - Não residentes - Artigos 59.º do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 49.ºCE) e 60.º do Tratado CE (actual artigo 50.ºCE) - Isenção de base - Dedução das despesas profissionais.
    Processo C-234/01.

    Colectânea de Jurisprudência 2003 I-05933

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2003:340

    62001J0234

    Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 12 de Junho de 2003. - Arnoud Gerritse contra Finanzamt Neukölln-Nord. - Pedido de decisão prejudicial: Finanzgericht Berlin - Alemanha. - Imposto sobre o rendimento - Não residentes - Artigos 59.º do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 49.ºCE) e 60.º do Tratado CE (actual artigo 50.ºCE) - Isenção de base - Dedução das despesas profissionais. - Processo C-234/01.

    Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-05933


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    1. Livre prestação de serviços - Restrições - Legislação fiscal - Impostos sobre o rendimento - Exclusão dos não residentes do direito à dedução das despesas profissionais - Inadmissibilidade

    [Tratado CE, artigo 59.° (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE) e artigo 60.° (actual artigo 50.° CE)]

    2. Livre prestação de serviços - Restrições - Legislação fiscal - Impostos sobre o rendimento - Taxa fixa em relação aos rendimentos dos não residentes e progressiva em relação aos rendimentos dos residentes - Admissibilidade - Condições

    [Tratado CE, artigo 59.° (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE) e artigo 60.° (actual artigo 50.° CE)]

    Sumário


    1. Os artigos 59.° do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE) e 60.° do Tratado (actual artigo 50.° CE) opõem-se a uma legislação nacional que, regra geral, atende, quando da tributação dos não residentes, aos rendimentos brutos, sem dedução das despesas profissionais, enquanto os residentes são tributados pelos seus rendimentos líquidos, após dedução dessas despesas.

    ( cf. n.° 55, disp. )

    2. Os artigos 59.° do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE) e 60.° do Tratado (actual artigo 50.° CE) não se opõem a uma legislação nacional que sujeita, regra geral, os rendimentos dos não residentes a um imposto definitivo à taxa uniforme de 25%, retido na fonte, enquanto os rendimentos dos residentes são tributados de acordo com uma tabela progressiva que inclui uma parte de base isenta, desde que a taxa de 25% não seja superior à que seria efectivamente aplicada ao interessado, de acordo com a tabela progressiva, aos rendimentos líquidos acrescidos do montante correspondente à parte de base isenta.

    ( cf. n.° 55, disp. )

    Partes


    No processo C-234/01,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Finanzgericht Berlin (Alemanha), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

    Arnoud Gerritse

    e

    Finanzamt Neukölln-Nord,

    uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 52.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43.° CE),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

    composto por: M. Wathelet (relator), presidente de secção, C. W. A. Timmermans, D. A. O. Edward, P. Jann e A. Rosas, juízes,

    advogado-geral: P. Léger,

    secretário: M.-F. Contet, administradora principal,

    vistas as observações escritas apresentadas:

    - em representação de A. Gerritse, por H. Grams, Rechtsanwalt, e D. Molenaar, belastingadviseur,

    - em representação do Finanzamt Neukölln-Nord, por W. Czarnetzki e S. Wolff, na qualidade de agentes,

    - em representação do Governo finlandês, por T. Pynnä, na qualidade de agente,

    - em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por R. Lyal e W. Mölls, na qualidade de agentes,

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações de A. Gerritse e da Comissão na audiência de 9 de Janeiro de 2003,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 13 de Março de 2003,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    1 Por decisão de 28 de Maio de 2001, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de Junho seguinte, o Finanzgericht Berlin submeteu, nos termos do artigo 234.° CE, uma questão prejudicial relativa à interpretação do artigo 52.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43.° CE).

    2 Esta questão foi suscitada no quadro de um litígio que opõe A. Gerritse ao Finanzamt Neukölln-Nord (a seguir «Finanzamt»), a propósito da tributação de rendimentos que auferiu na Alemanha enquanto não residente.

    Enquadramento jurídico nacional

    3 O § 50a da Einkommensteuergesetz (lei do imposto sobre o rendimento), na versão de 1996 (a seguir «EStG 1996»), é relativo à tributação dos contribuintes «parcialmente tributados», isto é, das pessoas que não têm o seu domicílio nem a sua residência habitual na Alemanha, os quais são tributados nesse Estado de acordo com os rendimentos aí auferidos. Nos termos do § 50a, n.° 4, dessa lei:

    «No caso dos contribuintes parcialmente tributados, o imposto sobre o rendimento é cobrado por via de retenção na fonte:

    1. Quanto aos rendimentos auferidos a título de prestações artísticas, desportivas ou similares no território nacional ou a título de exploração destas prestações no território nacional, incluindo os rendimentos provenientes de outras prestações ligadas às anteriores independentemente da pessoa que aufere as receitas [...]

    [...]

    A retenção na fonte corresponde a 25% dos rendimentos [...].»

    4 Em conformidade com o § 50, n.° 5, quarto período, da EStG, na versão de 1997, aplicável retroactivamente às remunerações auferidas em 1996, não é permitida a dedução das despesas profissionais, salvo se representarem mais de metade das receitas.

    5 A retenção na fonte constitui, em princípio, uma imposição definitiva, como resulta do § 50, n.° 5, da EStG 1996:

    «Relativamente aos contribuintes parcialmente tributados, o imposto sobre o rendimento que incide sobre os rendimentos [...] objecto da retenção na fonte ao obrigo do § 50a considera-se liquidado através da referida retenção.»

    6 Nos termos do § 1, n.° 3, da EStG 1996, certas pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação do seu § 50a podem, todavia, solicitar para ser tratadas como contribuintes globalmente tributados pelo imposto sobre o rendimento, sendo a sua tributação, posteriormente, equiparada à de um contribuinte globalmente tributado no quadro do processo de liquidação que se segue à declaração de rendimentos.

    7 Todavia, os contribuintes parcialmente tributados só podem utilizar este direito quando estiver preenchida uma das seguintes condições: pelo menos 90% dos rendimentos terem estado sujeitos, durante o ano civil, ao imposto sobre o rendimento alemão, ou os rendimentos não sujeitos, durante o ano civil, ao imposto sobre o rendimento alemão serem iguais ou inferiores a 12 000 DEM.

    8 No quadro do processo de liquidação do imposto sobre o rendimento, aplicável, de modo geral, aos contribuintes globalmente tributados, a matéria colectável, no que respeita aos rendimentos auferidos com uma actividade independente, é o lucro líquido, deduzidas as despesas profissionais (v. § 50, n.os 1 e 2, da EStG). Além disso, há que aplicar a tabela progressiva constante do § 32a da EStG 1996, que inclui uma isenção de base limitada, no que respeita a 1996, a 12 095 DEM.

    O litígio no processo principal e a questão prejudicial

    9 A. Gerritse, de nacionalidade neerlandesa e residente nos Países Baixos, auferiu, em 1996, a quantia de 6 007,55 DEM pelo seu trabalho de baterista numa estação de rádio em Berlim. Dos autos resulta que as despesas profissionais que teve de suportar com essa prestação foram de 968 DEM.

    10 No mesmo ano, A. Gerritse também auferiu rendimentos brutos que ascenderam, no total, a cerca de 55 000 DEM no seu Estado de residência e na Bélgica.

    11 Os honorários de 6 007,55 DEM ficaram sujeitos, nos termos da convenção celebrada em 16 de Junho de 1959 entre o Reino dos Países Baixos e a República Federal da Alemanha para evitar a dupla tributação no domínio do imposto sobre o rendimento e do imposto sobre a fortuna bem como de diversos outros impostos e regulamentar outras questões de ordem fiscal (BGBl. 1960 II, p. 1782, a seguir «convenção bilateral») e do § 50a, n.° 4, da EStG 1996, ao imposto forfetário sobre o rendimento, à taxa de 25% (ou seja, 1 501,89 DEM), que foi retido na fonte.

    12 Em Setembro de 1998, A. Gerritse apresentou à administração fiscal alemã, ao abrigo do § 1, n.° 3, da EStG 1996, uma declaração de rendimentos com o objectivo de ser tratado como contribuinte globalmente tributado. Contudo, o Finanzamt recusou-se a proceder à liquidação do imposto sobre o rendimento por os outros rendimentos declarados excederem o limite de 12 000 DEM. A reclamação do recorrente no processo principal também foi indeferida.

    13 A. Gerritse recorreu desse indeferimento para o Finanzgericht Berlin, invocando o princípio da não discriminação garantido pelo direito comunitário. Alegou que um residente globalmente tributado que se encontre numa situação comparável à sua não teria de pagar imposto devido à isenção de base limitada a 12 095 DEM.

    14 Segundo o Finanzamt, ao aplicar a tabela de base, o recorrente no processo principal escaparia à progressão da taxa do imposto alemão sobre o rendimento, embora o nível dos seus rendimentos, atento o seu rendimento mundial, impusesse a aplicação de uma taxa mais elevada. Dessa maneira, o recorrente ficaria beneficiado em relação aos residentes globalmente tributados, relativamente aos quais, em conformidade com o § 32b, n.° 1, ponto 3, da EStG 1996, o rendimento mundial é tomado em consideração quando da determinação da taxa do imposto.

    15 O órgão jurisdicional de reenvio interroga-se sobre a compatibilidade da tributação definitiva à taxa de 25%, prevista no § 50a, n.° 4, primeiro período, n.° 1, e segundo período, da EStG 1996, com o direito comunitário.

    16 Observa que a possibilidade, para o Estado de residência, de tomar em consideração, ao abrigo da convenção bilateral, os rendimentos auferidos no Estado de actividade, para efeito da tributação do resto do rendimento mundial, pode conduzir a um encargo suplementar para o contribuinte na medida em que um eventual salto na taxa do imposto sobre o rendimento não seria inteiramente compensado pela dedução do imposto no Estado de residência, a qual é calculada de forma puramente abstracta em função da relação entre os rendimentos auferidos na Alemanha e os rendimentos mundiais do contribuinte.

    17 Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, a tributação definitiva dos rendimentos de A. Gerritse a uma taxa de 25% não encontra justificação no princípio da coerência fiscal, na medida em que não existe, como exigido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça na matéria, um nexo directo entre o benefício fiscal - no caso em apreço, a concessão da parte de base isenta - e a tributação definitiva.

    18 Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio observa que a aplicação de uma taxa uniforme de 25% poderia, consoante o caso, conduzir a uma discriminação flagrante do contribuinte parcialmente tributado relativamente ao residente fiscal. Assim, em 1996, um contribuinte celibatário com domicílio nos Países Baixos e que aí auferisse o equivalente a 12 001 DEM a título de rendimentos líquidos, bem como rendimentos brutos na Alemanha devido a uma actividade artística independente no valor de 100 000 DEM brutos e 50 001 DEM líquidos, estava sujeito a um imposto definitivo de 25 000 DEM a título do imposto sobre o rendimento, para além da proporcional sobretaxa de solidariedade. Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, isso corresponde - aplicado ao rendimento líquido auferido na Alemanha - a uma taxa média de tributação de 49,99%, que em geral só é aplicável às pessoas com rendimentos muito elevados (a taxa máxima de tributação era, em 1996, de 53% para os assalariados não casados cujo rendimento tributável fosse superior a 120 042 DEM).

    19 Se o domicílio do contribuinte fosse na Alemanha e este aí tivesse obtido um rendimento líquido mundial de 62 002 DEM, só teria de pagar, de acordo com a tabela base, um imposto sobre o rendimento de 15 123 DEM. Nesse caso, a taxa de tributação média só teria correspondido a 24,4% ou seja, a metade da taxa indicada no número anterior.

    20 Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio reconhece que, num grande número de casos, designadamente quando os rendimentos nacionais são muito elevados e as despesas profissionais de pequena monta, as disposições em causa no processo principal conduzem, quanto à taxa de tributação aplicável, a um tratamento mais favorável do contribuinte parcialmente tributado, sujeito à retenção do imposto, relativamente ao contribuinte estabelecido na Alemanha ou ao contribuinte parcialmente tributado que tenha sido objecto de um processo de liquidação nos termos do § 50.° da EStG 1996. Todavia, A. Gerritse não fazia parte desses contribuintes que beneficiam de um tratamento mais favorável, dado que o imposto que deveria ter sido ser pago após liquidação relativamente aos rendimentos auferidos no território alemão seria nulo em caso de tributação global.

    21 O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que o litígio no processo principal poderia resolver-se reconhecendo a A. Gerritse a possibilidade de proceder à liquidação do imposto sobre o rendimento aplicando a tabela de base do imposto sobre o rendimento, sem no entanto tomar em consideração a parte de base isenta, o que conduziria a um imposto sobre o rendimento ligeiramente inferior ao reclamado. Colocar-se-ia então a questão de saber se diferenças desprezíveis em matéria de tributação constituem um obstáculo efectivo ao exercício de uma actividade económica noutro Estado-Membro.

    22 Foi nestas condições que o Finanzgericht Berlin decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «É incompatível com o artigo 52.° do Tratado CE [...] o facto de, em aplicação do § 50a, n.° 4, primeiro período, ponto 1, e segundo período, da [EStG 1996], um nacional dos Países Baixos que aufere na Alemanha, no decurso do ano civil, rendimentos líquidos tributáveis provenientes de actividade não assalariada no montante de cerca de 5 000 DEM, ser sujeito a uma retenção de imposto de 25% do valor (ilíquido) das receitas de cerca de 6 000 DEM, acrescida da sobretaxa de solidariedade, efectuada pelo devedor dos honorários, não tendo a possibilidade de, através de um pedido de reembolso ou de liquidação, reaver, na totalidade ou em parte, as contribuições pagas?»

    Quanto à questão prejudicial

    23 Importa observar, a título preliminar, que A. Gerritse, que reside nos Países Baixos, realizou na Alemanha uma prestação de trabalho temporário, pela qual auferiu rendimentos cuja tributação é contestada no órgão jurisdicional de reenvio. Nestas condições, como A. Gerritse e a Comissão observam, a questão prejudicial deve ser interpretada no sentido de que respeita à livre prestação de serviços e não à liberdade de estabelecimento.

    24 Assim, há que considerar que o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se os artigos 59.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE) e 60.° do Tratado CE (actual artigo 50.° CE) se opõem a uma legislação nacional, como a em causa no processo principal, que, regra geral, por um lado, toma em consideração, quando da tributação dos não residentes, os rendimentos brutos sem dedução das despesas profissionais quando os residentes são tributados sobre os seus rendimentos líquidos após dedução das suas despesas profissionais e, por outro, sujeita os rendimentos dos não residentes a um imposto definitivo à taxa uniforme de 25%, retido na fonte, quando os rendimentos dos residentes são tributados de acordo com uma tabela progressiva que inclui uma parte de base isenta.

    Quanto à dedutibilidade das despesas profissionais

    25 A. Gerritse e a Comissão alegam que, no caso dos trabalhadores independentes globalmente tributados, só o «lucro» está sujeito ao imposto sobre o rendimento, pois as despesas profissionais não se incluem normalmente na matéria colectável, enquanto, no caso dos contribuintes parcialmente tributados, o imposto de 25% é cobrado sobre as «receitas», pois as despesas profissionais não são dedutíveis (salvo se forem superiores a metade das receitas, caso em que o imposto é reembolsado desde que ultrapasse 50% da diferença entre as receitas e as despesas profissionais).

    26 A. Gerritse invoca, em especial, a gravidade das consequências para os artistas não residentes que se encontram a dar espectáculos na Alemanha, cujas despesas profissionais são normalmente muito elevadas.

    27 A título preliminar, importa observar que as despesas profissionais em causa estão directamente relacionadas com a actividade que esteve na origem dos rendimentos tributáveis na Alemanha, pelo que os residentes e os não residentes estão, sob este aspecto, em situação comparável.

    28 Nestas condições, uma regulamentação nacional que recusa aos não residentes, em matéria de tributação, a dedução das despesas profissionais, ao invés concedida aos residentes, corre o risco de funcionar principalmente em detrimento dos nacionais de outros Estados-Membros e comporta, portanto, uma discriminação indirecta em razão da nacionalidade, em princípio contrária aos artigos 59.° e 60.° do Tratado.

    29 Como não foi apresentado ao Tribunal de Justiça qualquer argumento preciso para justificar essa diferença de tratamento, há que considerar que os artigos 59.° e 60.° do Tratado se opõem a uma regulamentação nacional como a em causa no processo principal na medida em que exclui a possibilidade de os contribuintes parcialmente tributados deduzirem as despesas profissionais dos seus rendimentos tributáveis, quando essa possibilidade é reconhecida aos contribuintes globalmente tributados.

    Quanto à retenção na fonte de 25%

    Observações apresentadas ao Tribunal

    30 Segundo A. Gerritse, o efeito liberatório do imposto sobre o rendimento pago através da retenção na fonte e a circunstância de, por esse facto, o não residente ficar excluído de qualquer tipo de reembolso do cobrado em excesso são incompatíveis com o artigo 60.° , terceiro parágrafo, do Tratado. Em especial, a não tomada em consideração do escalão de tributação de base conduz a uma discriminação contrária ao direito comunitário, pois tem por efeito a aplicação de uma taxa de tributação mínima, o que foi condenado pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 27 de Junho de 1996, Asscher (C-107/94, Colect., p. I-3089, n.° 49).

    31 Nenhuma razão objectiva pode justificar esta diferença de tratamento relativamente aos residentes. Em especial, o argumento da coerência fiscal não pode ser validamente invocado na medida em que não existe, como exigido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça na matéria, um benefício que compense a desvantagem fiscal.

    32 O Finanzamt e o Governo finlandês sustentam, em contrapartida, que o regime fiscal em causa no processo principal está em conformidade com o direito comunitário.

    33 Antes de mais, segundo o Finanzamt, a retenção na fonte constitui um meio legítimo e adequado para o tratamento fiscal de um contribuinte parcialmente tributado, domiciliado no estrangeiro.

    34 Em seguida, na hipótese de uma aplicação sem restrições da tabela de base, o que, no caso em apreço, conduziria a não cobrar qualquer imposto alemão sobre o rendimento, A. Gerritse escaparia à progressividade da taxa desse imposto, quando o seu rendimento mundial implicava a aplicação de uma taxa mais elevada. Desta forma, o contribuinte parcialmente tributado ficaria favorecido comparativamente a contribuintes globalmente tributados, relativamente aos quais o rendimento mundial seria tomado em consideração quando da determinação da taxa de tributação.

    35 O Finanzamt e o Governo finlandês acrescentam que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdãos de 14 de Fevereiro de 1995, Schumacker, C-279/93, Colect., p. I-225, n.os 31 a 33; de 14 de Setembro de 1999, Gschwind, C-391/97, Colect., p. I-5451, n.° 22, e Asscher, já referido, n.° 44), a obrigação de atender à situação pessoal de um contribuinte é da competência, em princípio, do Estado de residência, e não do Estado de origem dos rendimentos, a menos que, devido à inexistência de rendimentos suficientes para se proceder a tributação no primeiro Estado, este não possa cumprir essa obrigação, pelo que, do ponto de vista económico, nenhum dos dois Estados em causa atenderia, em definitivo, à situação pessoal do contribuinte no quadro da liquidação.

    36 Ora, a aplicação de uma parte de base isenta corresponde a um objectivo de protecção do mínimo vital dos sujeitos passivos com rendimentos modestos, que é, em princípio, da responsabilidade do Estado de residência onde, regra geral, o contribuinte aufere a maior parte dos seus rendimentos. As autoridades fiscais alemãs têm em atenção o mínimo vital quando se trata de um contribuinte parcialmente tributado desde que este fique abrangido pelo processo de liquidação de direito comum, quando o rendimento auferido no estrangeiro for inferior a 12 000 DEM.

    37 Por último, a taxa de 25% corresponde muitas vezes, segundo o Governo finlandês, à taxa de tributação efectiva a que está sujeita a pessoa no seu Estado de residência, pelo que a retenção na fonte em causa não constitui obstáculo imprevisível à livre circulação de pessoas.

    38 A Comissão defende uma tese análoga. Considera que, atentas as circunstâncias do caso em apreço no processo principal, não há que atender à parte de base isenta, ou seja, há que aplicar a taxa correspondente ao imposto acima da parte isenta.

    39 Propõe assim que à parte isenta (B) seja somado o rendimento líquido (A) para obter o total (C). O montante do imposto (D) previsto na tabela aplicável para esse total (C) pode ser considerado um imposto equitativo sobre o rendimento líquido (A). A taxa de tributação média, que poderia servir de referência para um tratamento não discriminatório, decorreria então da relação entre o montante do imposto (D) segundo a tabela e o rendimento líquido (A).

    40 Segundo a Comissão, no caso de A. Gerritse, o cálculo apresenta-se do seguinte modo: o total (C) é composto pelos rendimentos líquidos (A) no montante de 5 039,55 DEM bem como pela parte isenta (B) de 12 095 DEM perfazendo, portanto, um total de 17 134,55 DEM. Para esse rendimento, a tabela de tributação correspondente dá um imposto (D) de 1 337 DEM. Tendo em atenção o rendimento líquido (A), essa soma corresponderia a uma taxa de tributação média de 26,5%, próxima da taxa de 25% efectivamente aplicada a A. Gerritse.

    41 A Comissão alega que, até essa taxa, não existe discriminação. Assim, não há que, no caso em apreço, contestar a aplicação pelas autoridades alemãs da taxa uniforme de 25% relativamente aos contribuintes parcialmente tributados.

    42 Também compartilha da perspectiva do Finanzamt e do Governo finlandês quanto ao benefício da parte isenta. Em princípio, cabe ao Estado de residência, que procede à tributação global do interessado tendo em atenção o seu rendimento mundial líquido, integrar no seu regime de progressividade do imposto as considerações de ordem social susceptíveis de justificar a existência dessa isenção.

    Resposta do Tribunal

    43 Como o Tribunal já decidiu, em matéria de impostos directos, as situações dos residentes e dos não residentes num Estado não são, em regra, comparáveis na medida em que o rendimento auferido no território de um Estado por um não residente constitui, muito frequentemente, apenas uma parte dos seus rendimentos globais, centralizados no lugar da sua residência, e a capacidade contributiva pessoal do não residente, resultante da tomada em consideração do conjunto dos seus rendimentos e da sua situação pessoal e familiar, pode mais facilmente ser apreciada no local onde tem o centro dos seus interesses pessoais e patrimoniais, que corresponde, geralmente, à sua residência habitual (acórdãos já referidos Schumacker, n.os 31 e 32; Gschwind, n.° 22, e de 16 de Maio de 2000, Zurstrassen, C-87/99, Colect., p. I-3337, n.° 21).

    44 Igualmente, o facto de um Estado-Membro não fazer beneficiar um não residente de certos benefícios fiscais que concede ao residente não é, regra geral, discriminatório, tendo em conta as diferenças objectivas entre a situação dos residentes e a dos não residentes tanto do ponto de vista da fonte dos rendimentos como da capacidade contributiva pessoal ou da situação pessoal e familiar (acórdãos já referidos Schumacker, n.° 34, e Gschwind, n.° 23).

    45 A residência constitui, de resto, o factor de ligação ao imposto em que se baseia, regra geral, o direito fiscal internacional actual, nomeadamente a convenção-tipo da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) (modelo de convenção de dupla tributação sobre o rendimento e a fortuna, relatório do comité dos assuntos fiscais da OCDE, 1977, versão de 29 de Abril de 2000), com vista a repartir entre os Estados a competência fiscal, perante situações que contêm elementos de estraneidade.

    46 No caso em apreço, resulta dos autos que A. Gerritse, que reside nos Países Baixos, só auferiu uma parte mínima do seu rendimento global no território alemão.

    47 Coloca-se assim a questão de saber se a diferença de situação objectiva entre um não residente deste tipo e um residente permite afastar o carácter discriminatório de uma regulamentação nacional como a em causa no processo principal que sujeita os rendimentos dos não residentes a um imposto definitivo à taxa uniforme de 25% retido na fonte, quando os rendimentos dos residentes são tributados de acordo com uma tabela progressiva que inclui uma parte de base isenta.

    48 Relativamente, por um lado, à parte de base isenta, na medida em que prossegue, como sublinhado pelo Finanzgericht Berlin, pelo Governo finlandês e pela Comissão, uma finalidade social, pois permite garantir ao contribuinte um mínimo vital isento de qualquer imposto sobre o rendimento, é legítimo que a concessão desse benefício fique reservada para as pessoas que auferiram o essencial dos seus rendimentos tributáveis no Estado de tributação, ou seja, regra geral, para os residentes.

    49 Importa observar que, quando fique no entanto assente que um contribuinte parcialmente tributado auferiu o essencial dos seus rendimentos na Alemanha, satisfazendo uma das duas condições mencionadas no n.° 7 do presente acórdão, a regulamentação nacional em causa no processo principal alinha precisamente a sua tributação pela de um contribuinte globalmente tributado, aplicando aos rendimentos do contribuinte em causa uma tabela progressiva, que inclui uma parte de base isenta.

    50 Contudo, não é este o caso de A. Gerritse.

    51 A este respeito, o Governo neerlandês esclareceu, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal, que, num caso como o em apreço no processo principal, o contribuinte podia beneficiar nos Países Baixos, Estado de residência, da parte de rendimentos isentos, que seria deduzida do rendimento global. Por outras palavras, no Estado da residência de A. Gerritse, a quem incumbe, em princípio, tomar em consideração a situação pessoal e familiar do interessado, ser-lhe-ia concedida uma vantagem comparável à que reclama na Alemanha.

    52 Por outro lado, quanto à aplicação aos não residentes de uma taxa de tributação fixa de 25%, enquanto os residentes estão sujeitos à tabela progressiva, importa esclarecer que, como a Comissão sublinhou, nos termos da convenção bilateral, os Países Baixos, enquanto Estado de residência, integram na matéria colectável, em conformidade com a regra da progressividade, os rendimentos relativamente aos quais o direito de tributação cabe à Alemanha. Todavia, têm em atenção o imposto cobrado na Alemanha, deduzindo do imposto neerlandês a fracção correspondente à relação entre os rendimentos tributados na Alemanha e os rendimentos mundiais.

    53 Isto significa que, na perspectiva da regra da progressividade, os não residentes e os residentes encontram-se numa situação comparável, pelo que a aplicação aos primeiros de uma taxa de tributação sobre o rendimento mais elevada do que a aplicável aos segundos e aos contribuintes a estes equiparados constitui uma discriminação indirecta proibida pelo direito comunitário, especialmente pelo artigo 60.° do Tratado (v., por analogia, acórdão Asscher, já referido, n.° 49).

    54 Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, no caso em apreço, se a taxa de imposto de 25% aplicada aos rendimentos de A. Gerritse é superior à que decorreria da aplicação da tabela progressiva. A fim de comparar situações comparáveis, importa, a este respeito, como a Comissão justamente sublinhou, adicionar aos rendimentos líquidos auferidos pelo interessado na Alemanha um montante correspondente à parte isenta. Segundo a Comissão, que procedeu a esse cálculo, a aplicação da tabela progressiva, num caso como o em apreço no processo principal, conduziria a uma taxa de imposto de 26,5%, que é superior à efectivamente aplicada.

    55 Perante a totalidade das considerações que precedem, há que responder ao Finanzgericht Berlin o seguinte:

    - os artigos 59.° e 60.° do Tratado opõem-se a uma legislação nacional como a em causa no processo principal que, regra geral, atende, quando da tributação dos não residentes, aos rendimentos brutos, sem dedução das despesas profissionais, enquanto os residentes são tributados pelos seus rendimentos líquidos, após dedução dessas despesas;

    - em contrapartida, os referidos artigos do Tratado não se opõem a essa mesma legislação quando sujeita, regra geral, os rendimentos dos não residentes a um imposto definitivo à taxa uniforme de 25%, retido na fonte, enquanto os rendimentos dos residentes são tributados de acordo com uma tabela progressiva que inclui uma parte de base isenta, desde que a taxa de 25% não seja superior à que seria efectivamente aplicada ao interessado, de acordo com a tabela progressiva, aos rendimentos líquidos acrescidos do montante correspondente à parte de base isenta.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    56 As despesas efectuadas pelo Governo finlandês e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

    pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Finanzgericht Berlin, por decisão de 28 de Maio de 2001, declara:

    1) Os artigos 59.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 49.° CE) e 60.° do Tratado CE (actual artigo 50.° CE) opõem-se a uma legislação nacional como a em causa no processo principal que, regra geral, atende, quando da tributação dos não residentes, aos rendimentos brutos, sem dedução das despesas profissionais, enquanto os residentes são tributados pelos seus rendimentos líquidos, após dedução dessas despesas.

    2) Em contrapartida, os referidos artigos do Tratado não se opõem a essa mesma legislação quando sujeita, regra geral, os rendimentos dos não residentes a um imposto definitivo à taxa uniforme de 25%, retido na fonte, enquanto os rendimentos dos residentes são tributados de acordo com uma tabela progressiva que inclui uma parte de base isenta, desde que a taxa de 25% não seja superior à que seria efectivamente aplicada ao interessado, de acordo com a tabela progressiva, aos rendimentos líquidos acrescidos do montante correspondente à parte de base isenta.

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