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Document 62001CJ0227

Acórdão do Tribunal (Segunda Secção) de 16 de Septembro de 2004.
Comissão das Comunidades Europeias contra Reino de Espanha.
Incumprimento de Estado - Directiva 85/337/CEE - Avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente - Aplicação incorrecta - Projecto de linha ferroviária Valência-Tarragona, troço Las Palmas-Oropesa.
Processo C-227/01.

Colectânea de Jurisprudência 2004 I-08253

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2004:528

Arrêt de la Cour

Processo C‑227/01

Comissão das Comunidades Europeias

contra

Reino de Espanha

«Incumprimento de Estado – Directiva 85/337/CEE – Avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente – Aplicação incorrecta – Projecto de linha ferroviária Valência‑Tarragona, troço Las Palmas‑Oropesa»

Sumário do acórdão

1.        Direito comunitário – Interpretação – Textos plurilingues – Interpretação uniforme – Divergências entre as diferentes versões linguísticas – Economia geral e finalidade da regulamentação em causa como base de referência

2.        Ambiente – Avaliação dos efeitos de determinados projectos no ambiente – Directiva 85/337 – Âmbito de aplicação – Duplicação de uma via férrea já existente que implica um novo traçado das vias – Inclusão

(Directiva 85/337 do Conselho, anexos I, ponto 7, e II, ponto 12)

3.        Acção por incumprimento – Carácter objectivo – Tomada em consideração de uma interpretação incorrecta de um texto comunitário – Exclusão

(Artigo 226.° CE)

4.        Ambiente – Avaliação dos efeitos de determinados projectos no ambiente – Directiva 85/337 – Aplicabilidade – Critério pertinente

(Directiva 85/337 do Conselho)

1.        A necessidade de uma interpretação uniforme do direito comunitário exige, em caso de divergência entre as diferentes versões linguísticas de uma disposição, que esta última seja interpretada em função da economia geral e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento.

(cf. n.° 45)

2.        Um projecto como a duplicação de uma via férrea já existente pode ter um efeito significativo no ambiente, na acepção da Directiva 85/337, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente, uma vez que é susceptível de afectar de modo duradouro, por exemplo, a fauna e a flora, a composição dos solos ou ainda a paisagem, bem como ter, nomeadamente, um impacto sonoro significativo, de modo que deve ser abrangido por esta directiva. Assim, não se pode considerar que um projecto desta natureza constitui uma simples alteração de um projecto anterior, na acepção do ponto 12 do anexo II da Directiva 85/337, antes sendo abrangido pelo ponto 7 do anexo I da mesma, no qual são enumerados os projectos sujeitos a uma avaliação dos efeitos no ambiente.

Esta conclusão é ainda mais evidente quando a realização do projecto em causa implica um novo traçado das vias, mesmo se este só diz respeito a uma parte desse projecto. Com efeito, pela sua natureza, tal projecto de construção é susceptível de ter efeitos significativos no ambiente, na acepção da Directiva 85/337.

(cf. n.os 48‑50)

3.        A acção por incumprimento introduzida por força do artigo 226.° CE tem carácter objectivo e o facto de o incumprimento imputado ser o resultado de uma interpretação incorrecta das disposições comunitárias por um Estado‑Membro não pode impedir o Tribunal de Justiça de o declarar verificado.

(cf. n.° 58)

4.        O critério pertinente a seguir para a aplicação da Directiva 85/337, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente, assenta no efeito significativo que um projecto determinado é «susceptível» de ter no ambiente. Não incumbe, nestas condições, à Comissão determinar os efeitos negativos concretos que um projecto tem efectivamente no ambiente.

(cf. n.° 59)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)
16 de Setembro de 2004(1)

«Incumprimento de Estado – Directiva 85/337/CEE – Avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente – Aplicação incorrecta – Projecto de linha ferroviária Valência-Tarragona, troço Las Palmas-Oropesa»

No processo C-227/01,que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE,entrada em 7 de Junho de 2001,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por G. Valero Jordana, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Reino de Espanha, representado por S. Ortiz Vaamonde, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandado,



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),,



composto por: C. W. A. Timmermans, presidente de secção, C. Gulmann, J. N. Cunha Rodrigues, R. Schintgen (relator) e F. Macken, juízes,

advogado-geral: M. Poiares Maduro,
secretário: M. Múgica Arzamendi, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 19 de Fevereiro de 2004,vistas as observações apresentadas pelas partes,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 24 de Março de 2004,

profere o presente



Acórdão



1
Na sua petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao não proceder à avaliação dos efeitos no ambiente do «projecto da linha Valência‑Tarragona, troço Las Palmas‑Oropesa. Plataforma», incluído no projecto conhecido como «Corredor mediterrânico», o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.°, 3.°, 5.°, n.° 2, e 6.°, n.° 2, da Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9).


Quadro jurídico

A regulamentação comunitária

2
A Directiva 85/337 tem por objectivo, em conformidade com os seus primeiro e sexto considerandos, evitar as poluições e outras perturbações do ambiente submetendo determinados projectos públicos e privados a uma avaliação prévia dos seus efeitos no ambiente.

3
Como resulta do seu quinto considerando, a directiva introduz, para o efeito, princípios gerais de avaliação dos efeitos no ambiente, com vista a completar e coordenar os processos de aprovação dos projectos públicos e privados que possam ter um impacto importante no ambiente.

4
Segundo o oitavo e o décimo primeiro considerandos da Directiva 85/337, os projectos que pertencem a determinadas categorias têm um impacto significativo no ambiente e devem em princípio ser sujeitos a uma avaliação sistemática para proteger a saúde humana, para contribuir através de um ambiente melhor para a qualidade de vida, para garantir a manutenção da diversidade das espécies e para conservar a capacidade de reprodução do ecossistema enquanto recurso fundamental da vida.

5
As disposições da Directiva 85/337, em causa no presente processo, na sua redacção anterior à Directiva 97/11/CE do Conselho, de 3 de Março de 1997, que altera a referida directiva (JO L 73, p. 5), são as seguintes.

6
O artigo 1.° da Directiva 85/337 tem a seguinte redacção:

«1.     A presente directiva aplica-se à avaliação dos efeitos no ambiente de projectos públicos e privados susceptíveis de terem um impacto considerável no ambiente.

2.       Na acepção da presente directiva, entende‑se por:

projecto:

a realização de obras de construção ou de outras instalações ou obras,

outras intervenções no meio natural ou na paisagem, [...]»

7
Nos termos do artigo 2.° desta directiva:

«1.     Os Estados‑Membros tomarão as disposições necessárias para que, antes de concessão da aprovação, os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização, sejam submetidos à avaliação dos seus efeitos.

Estes projectos são definidos no artigo 4.°

[...]

3.       Em casos excepcionais, os Estados‑Membros podem isentar um projecto específico, na totalidade ou em parte, das disposições previstas na presente directiva.

Neste caso, os Estados‑Membros:

a)
examinarão se é conveniente uma outra forma de avaliação e se as informações assim reunidas devem ser postas à disposição do público;

b)
porão à disposição do público interessado as informações relativas a essa isenção e as razões pelas quais a concederam;

c)
informarão a Comissão, antes de concederem a aprovação, dos motivos que justificam a isenção concedida e fornecer‑lhe‑ão as informações que porão, se for caso disso, à disposição dos seus nacionais.

A Comissão transmite imediatamente aos outros Estados‑Membros os documentos recebidos.

[...]»

8
O artigo 3.° da referida directiva dispõe:

«A avaliação dos efeitos no ambiente identificará, descreverá e avaliará, de modo adequado, em função de cada caso particular e nos termos dos artigos 4.° a 11.°, os efeitos directos e indirectos de um projecto sobre os seguintes factores:

o homem, a fauna e a flora,

o solo, a água, o ar, o clima e a paisagem,

a interacção entre os factores referidos nos primeiro e segundo travessões,

os bens materiais e o património cultural.»

9
O artigo 4.° da Directiva 85/337, para o qual remete o artigo 2.°, n.° 1, segundo parágrafo, da mesma, prevê:

«1.     Sem prejuízo do disposto no n.° 3 do artigo 2.° os projectos que pertencem às categorias enumeradas no anexo I são submetidos a uma avaliação, nos termos dos artigos 5.° a 10.°

2.       Os projectos pertencentes às categorias enumeradas no anexo II são submetidos a uma avaliação nos termos dos artigos 5.° a 10.°, sempre que os Estados‑Membros considerarem que as suas características assim o exigem.

[...]»

10
O anexo I desta directiva menciona, no seu ponto 7, entre outros projectos, a «construção de vias para o tráfego de longa distância dos caminhos‑de‑ferro».

11
O anexo II, ponto 12, da directiva refere‑se, nomeadamente, à «alteração dos projectos que constam do anexo I».

12
Segundo o artigo 5.°, n.os 1 e 2, da Directiva 85/337:

«1.     No caso de projectos que, nos termos do disposto no artigo 4.°, devem ser submetidos à avaliação dos efeitos no ambiente, nos termos dos artigos 5.° a 10.°, os Estados‑Membros adoptarão as medidas necessárias para assegurar que o dono da obra forneça, de uma forma adequada, as informações especificadas no anexo III, na medida em que:

a)
os Estados‑Membros considerem que essas informações são adequadas a uma determinada fase do processo de aprovação e às características específicas de um projecto determinado ou de um tipo de projecto e dos elementos do ambiente que possam ser afectados;

b)
os Estados‑Membros considerem que se pode exigir razoavelmente que um dono da obra reúna os dados, atendendo, nomeadamente, aos conhecimentos e aos métodos de avaliação existentes.

2.       As informações a fornecer pelo dono da obra nos termos do n.° 1, devem incluir pelo menos:

uma descrição do projecto com informações relativas à sua localização, concepção e dimensões,

uma descrição das medidas previstas para evitar, reduzir e, se possível, remediar os efeitos negativos significativos,

os dados necessários para identificar e avaliar os efeitos principais que o projecto possa ter sobre o ambiente,

um resumo não técnico das informações referidas nos primeiro, segundo e terceiro travessões.»

13
Nos termos do artigo 6.°, n.° 2, da mesma directiva:

«Os Estados‑Membros devem assegurar que:

todos os pedidos de aprovação, bem como as informações recolhidas nos termos do artigo 5.°, sejam colocados à disposição do público,

seja dada ao público interessado a possibilidade de exprimir a sua opinião antes de o projecto ser iniciado.»

14
O artigo 12.° da Directiva 85/337 dispõe:

«1.     Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para darem cumprimento à presente directiva no prazo de três anos a contar da sua notificação.

2.       Os Estados‑Membros comunicarão à Comissão o texto das disposições de direito nacional que adoptem no domínio regulado pela presente directiva.»

15
A referida directiva foi notificada aos Estados‑Membros em 3 de Julho de 1985.

A regulamentação nacional

16
A regulamentação espanhola que transpôs o anexo I, ponto 7, da Directiva 85/337 menciona, entre os projectos que devem obrigatoriamente ser sujeitos a um procedimento de avaliação do impacto ambiental, as «linhas de caminho‑de‑ferro de longa distância que comportem um novo traçado».


Fase pré‑contenciosa

17
Na sequência de uma denúncia recebida em Maio de 1999 e após uma troca de correspondência entre a Comissão e as autoridades espanholas, esta instituição, considerando que as referidas autoridades tinham feito uma aplicação incorrecta da Directiva 85/337 ao não terem submetido a um estudo prévio de avaliação dos efeitos no ambiente o «projecto da linha Valência‑Tarragona, troço Las Palmas‑Oropesa. Plataforma», incluído no projecto conhecido como «Corredor mediterrânico», notificou, por carta de 13 de Abril de 2000, o Reino de Espanha para este lhe apresentar as suas observações no prazo de dois meses.

18
Não tendo ficado satisfeita com as explicações dadas pelo Governo espanhol, a Comissão, em 26 de Setembro de 2000, dirigiu um parecer fundamentado ao Reino de Espanha, convidando‑o a adoptar, no prazo de dois meses a contar da notificação deste parecer, as medidas necessárias para lhe dar cumprimento.

19
Tendo o Governo espanhol respondido a este parecer fundamentado por carta de 2 de Janeiro de 2001, na qual reiterava a sua argumentação anterior, a Comissão decidiu intentar a presente acção.


Quanto à acção

20
A Comissão acusa o Reino de Espanha de não ter cumprido as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.°, 3.°, 5.°, n.° 2, e 6.°, n.° 2, da Directiva 85/337, ao não ter procedido à avaliação dos efeitos no ambiente do «projecto da linha Valência‑Tarragona, troço Las Palmas‑Oropesa. Plataforma», incluído no projecto conhecido como «Corredor mediterrânico», ligando a região espanhola do Levante à Catalunha e à fronteira francesa.

Quanto à admissibilidade

21
Na audiência, o Governo espanhol contestou a admissibilidade da acção, porque a petição assenta numa acusação diferente da invocada durante a fase pré‑contenciosa.

22
Com efeito, este governo alega que, durante a fase pré‑contenciosa, o objecto do litígio estava claramente circunscrito ao troço, com uma extensão de 13,2 km, da linha de caminho‑de‑ferro que separa o sítio de Las Palmas da localidade de Oropesa. Nessa fase, a Comissão criticou mais especialmente o Governo espanhol por este não ter respeitado as exigências da Directiva 85/377 no que respeita a uma parte do referido troço, com uma extensão de 7,64 km, em que o traçado é deslocado 800 m, no máximo, para oeste, a fim de contornar a localidade de Benicasim. Em contrapartida, nem na notificação para cumprir nem no parecer fundamentado, a Comissão referiu a duplicação das vias férreas na parte restante do troço com uma extensão de 13,2 km e, em especial, nunca defendeu que a duplicação de uma via de caminho‑de‑ferro existente cai no âmbito de aplicação desta directiva.

23
Ora, no quadro da sua acção, a Comissão insiste em que seja declarado que a duplicação das vias de uma linha ferroviária já existente está sujeita aos requisitos da referida directiva. Além disso, esta instituição mencionou toda a linha Valência‑Tarragona, com uma extensão de 251 km.

24
Nestas condições, o objecto do litígio foi claramente ampliado.

25
Assinale‑se desde já que, no caso vertente, não é contestada a regularidade do parecer fundamentado e do procedimento anterior ao mesmo. No entanto, o Governo espanhol alega que a acusação formulada na petição difere da constante da notificação para cumprir e do parecer fundamentado.

26
A este respeito, resulta de jurisprudência assente que o objecto da acção intentada nos termos do artigo 226.° CE é circunscrito pelo procedimento pré‑contencioso previsto por esta disposição e que, por conseguinte, o parecer fundamentado e a acção devem ser baseados em acusações idênticas (v., nomeadamente, acórdão de 11 de Julho de 2002, Comissão/Espanha, C‑139/00, Colect., p. I‑6407, n.° 18).

27
Todavia, no caso vertente, não se pode defender que o objecto do litígio, conforme definido na fase pré‑contenciosa, tenha sido ampliado ou modificado.

28
Com efeito, por um lado, em resposta a uma questão do Tribunal de Justiça, a Comissão confirmou que o objecto da presente acção é limitado ao troço com uma extensão de 13,2 km, entre Las Palmas e Oropesa, e que, contrariamente ao que afirma o Governo espanhol, de forma alguma diz respeito à integralidade do traçado, com 251 km, da linha Valência‑Tarragona.

29
Por outro lado, tanto a notificação para cumprir como o parecer fundamentado dirigidos pela Comissão ao Reino de Espanha fazem referência, tal como a petição, ao «troço Las Palmas‑Oropesa», em relação ao qual o governo demandado não contesta que tem 13,2 km. Aliás, a contestação apresentada pelo Governo espanhol demonstra inequivocamente que este último de forma alguma se enganou sobre o alcance do litígio, já que, na mesma, ele próprio considera que o projecto controvertido diz respeito ao troço de 13,2 km que separa as localidades de Las Palmas e de Oropesa, em que a linha de caminho‑de‑ferro existente é duplicada e adaptada a uma velocidade podendo atingir os 220 km/h e da qual uma parte com 7,64 km constitui um novo traçado a fim de contornar a localidade de Benicasim.

30
Em consequência, a presente acção é admissível.

Quanto ao mérito

Argumentos das partes

31
Em apoio do seu pedido, a Comissão sublinha que é manifesto que o «projecto da linha Valência‑Tarragona, troço Las Palmas‑Oropesa. Plataforma», incluído no projecto conhecido como «Corredor mediterrânico», não foi submetido ao procedimento de avaliação dos efeitos no ambiente previsto pela Directiva 85/337.

32
Ora, segundo a Comissão, tal avaliação era aqui obrigatória, porque se tratava de um dos projectos mencionados no ponto 7 do anexo I da referida directiva, para o qual remete o artigo 4.°, n.° 1, da mesma.

33
Daí a Comissão deduz que, no que diz respeito ao projecto controvertido, a Directiva 85/337 foi incorrectamente aplicada e que, deste modo, o Reino de Espanha violou os artigos 2.°, 3.°, 5.°, n.° 2, e 6.°, n.° 2, da mesma.

34
Segundo a Comissão, não pode ser acolhida nenhuma das razões invocadas pelo Governo espanhol para justificar a sua forma de actuação no caso vertente.

35
Assim, a argumentação do referido governo vai contra a letra da Directiva 85/337 e, mais especialmente, contra a própria redacção do ponto 7 do anexo I. E, além disso, tal argumentação é incompatível com o espírito e a finalidade desta directiva.

36
O Governo espanhol admite que o projecto em causa não foi formalmente submetido ao procedimento de avaliação dos efeitos no ambiente previsto pela Directiva 85/337, mas considera que o mesmo não era aqui necessário.

37
Com efeito, esta directiva não era aplicável, visto que os trabalhos realizados apenas consistiram em melhorar uma linha de caminho‑de‑ferro já existente, procedendo à duplicação da via única inicial, não se tratando da construção de uma nova linha ferroviária e não sendo exigido um novo traçado numa longa extensão.

38
Este ponto de vista é corroborado pelo teor da regulamentação que transpõe para direito espanhol o anexo I, ponto 7, da Directiva 85/337, regulamentação nacional cuja compatibilidade com as exigências da directiva não foi nunca contestada pela Comissão. Além disso, quanto à redacção deste ponto 7, a versão em língua inglesa utiliza igualmente o termo «linhas» («lines») e não o termo «vias».

39
E mais, o projecto em causa não se destinava ao tráfego de longa distância, na acepção do referido ponto 7, dado que liga duas localidades distantes apenas de 13,2 km.

40
Além disso, a duplicação das vias não tem de facto efeitos no ambiente que acresçam aos gerados pela construção da linha inicial e, de qualquer forma, a Comissão não provou a existência de tais efeitos.

41
O Governo espanhol acrescenta, a título subsidiário, que as exigências da directiva foram respeitadas no caso vertente na sua essência, porque a revisão do plano geral de urbanismo de Benicasim, que teve lugar em 1992, foi precedida de um estudo de impacto sujeito a inquérito público e de uma declaração de impacto ambiental. Tendo aquela revisão precisamente tido por objecto a colocação em reserva de uma zona para a construção do contorno da localidade de Benicasim, não era exigido um novo estudo sobre os efeitos dos trabalhos empreendidos para este efeito.

42
Por fim, as autoridades nacionais competentes agiram de boa fé no caso vertente e mostraram‑se cooperantes, acatando a tese da Comissão para a parte do projecto que ainda o permitia, já que submeteram a um inquérito público, antes da conclusão dos trabalhos, a «alteração n.° 3» do referido projecto, que diz essencialmente respeito à construção de um viaduto com 754,5 m de comprimento.

Apreciação do Tribunal de Justiça

43
A fim de apreciar a procedência da acção da Comissão, há que, tendo em conta a argumentação do governo demandado, determinar, em primeiro lugar, se a Directiva 85/337 e, mais especialmente, a obrigação nela prevista, de realizar uma avaliação dos efeitos ambientais, se aplicam ao projecto controvertido e, em caso afirmativo, em segundo lugar, se o referido projecto foi realizado no respeito das regras enunciadas por esta directiva.

44
Quanto ao primeiro ponto, a argumentação apresentada pelo Governo espanhol, segundo a qual o ponto 7 do anexo I desta directiva só visa a construção de uma linha nova na acepção de um novo trajecto de caminho‑de‑ferro entre duas localidades e não se aplica, assim, a uma duplicação de vias existentes, não pode ser acolhida.

45
Com efeito, sem que seja necessário, no quadro da presente acção, decidir sobre a questão de saber se todas as versões linguísticas do ponto 7 do anexo I da Directiva 85/337 utilizam um termo equivalente ao termo «vias» («vías», na versão em língua espanhola) ou sobre a compatibilidade com esta directiva da regulamentação espanhola, adoptada para dar execução à referida disposição, na medida em que utiliza o termo «linhas» («líneas»), resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a necessidade de uma interpretação uniforme do direito comunitário exige, em caso de divergência entre as diferentes versões linguísticas de uma disposição, que esta última seja interpretada em função da economia geral e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento (v., nomeadamente, acórdão de 24 de Outubro de 1996, Kraaijeveld e o., C‑72/95, Colect., p. I‑5403, n.° 28).

46
Ora, no que respeita à Directiva 85/337, o Tribunal de Justiça já decidiu que pode deduzir‑se do texto da directiva que o seu âmbito de aplicação é vasto e o seu objectivo muito lato (acórdão Kraaijeveld e o., já referido, n.os 31 e 39).

47
Conforme resulta mais especialmente dos artigos 1.°, n.° 1, e 2.°, n.° 1, e dos primeiro, quinto, sexto, oitavo e décimo primeiro considerandos da referida directiva, o objectivo essencial da mesma é que, antes da concessão de uma aprovação, os projectos que possam ter efeitos significativos no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, as suas dimensões ou a sua localização, sejam obrigatoriamente submetidos a uma avaliação dos seus efeitos (v., neste sentido, acórdão de 19 de Setembro de 2000, Linster, C‑287/98, Colect., p. I‑6917, n.° 52).

48
Estas considerações são elas próprias suficientes para que o anexo I, ponto 7, da Directiva 85/337 deva ser entendido como englobando a duplicação de uma via férrea já existente.

49
Um projecto desta natureza pode ter um efeito significativo no ambiente, na acepção da referida directiva, uma vez que é susceptível de afectar de modo duradouro, por exemplo, a fauna e a flora, a composição dos solos ou ainda a paisagem, bem como ter, nomeadamente, um impacto sonoro significativo, de modo que deve ser abrangido por esta directiva. O objectivo prosseguido pela Directiva 85/337 seria seriamente afectado se este tipo de projecto de construção de uma via férrea nova, mesmo paralela a uma via já existente, pudesse ser dispensado da obrigação de realizar uma avaliação dos seus efeitos no ambiente. Assim, não se pode considerar que um projecto desta natureza constitui uma simples alteração de um projecto anterior, na acepção do ponto 12 do anexo II desta directiva.

50
Além disso, esta conclusão é ainda mais evidente quando, como no caso vertente, a realização do projecto em causa implica um novo traçado das vias, mesmo se este só diz respeito a uma parte desse projecto. Com efeito, pela sua natureza, tal projecto de construção é susceptível de ter efeitos significativos no ambiente, na acepção da Directiva 85/337.

51
O argumento do Governo espanhol, segundo o qual não estão reunidas as condições para a aplicação do ponto 7 do anexo I da referida directiva, dado que o projecto em causa não se refere ao tráfego de longa distância na acepção desta disposição, mas, pelo contrário, a um troço de apenas 13,2 km entre localidades vizinhas, carece igualmente de fundamento.

52
Com efeito, como a Comissão alegou com razão, o projecto controvertido faz parte de uma linha ferroviária com uma extensão de 251 km, entre Valência e Tarragona, incluído no projecto conhecido como «Corredor mediterrânico», ligando a região espanhola do Levante à Catalunha e à fronteira francesa.

53
Se a argumentação do Governo espanhol fosse acolhida, o efeito útil da Directiva 85/337 poderia ficar seriamente comprometido, já que bastaria às autoridades nacionais em causa fraccionarem um projecto de longa distância em troços sucessivos de diminuta importância para subtraírem às exigências desta directiva tanto o projecto considerado na sua globalidade como os troços resultantes deste fraccionamento.

54
Visto o exposto, o projecto visado pela acção da Comissão, que diz respeito à realização de uma via férrea suplementar com uma extensão de 13,2 km, cujo traçado é novo num troço de 7,64 km a fim de contornar a localidade de Benicasim e que faz parte de uma linha de caminho‑de‑ferro com 251 km, pertence a uma das categorias enumeradas no anexo I da Directiva 85/337, para as quais é em princípio obrigatória uma avaliação sistemática, por força dos artigos 4.°, n.° 1, e 5.°, n.° 1, desta directiva.

55
Quanto à questão de saber se o referido projecto foi realizado no respeito das regras previstas pela Directiva 85/337, recorde‑se, antes de mais, que o Governo espanhol admite que este projecto não foi, enquanto tal, submetido às exigências desta directiva em matéria de avaliação dos efeitos no ambiente. Além disso, este governo não alega que estivessem aqui reunidas as condições previstas no artigo 2.°, n.° 3, da referida directiva.

56
Em seguida, quanto ao argumento do Governo espanhol, segundo o qual a revisão do plano geral de urbanismo de Benicasim de 1992 foi precedida da realização de um estudo de impacto submetido a inquérito público e de uma declaração dos efeitos no ambiente, deve assinalar‑se que, mesmo supondo que o referido plano incluísse todas as indicações necessárias para preencher as condições mínimas fixadas pela Directiva 85/337, não pode, de qualquer forma, ser considerado suficiente, uma vez que, como a Comissão sustentou sem ser aqui seriamente contestada pelo governo demandado, só diz respeito ao território da comuna de Benicasim e, mais especialmente, ao contorno desta localidade, quando é manifesto que o projecto controvertido é mais vasto. Daqui resulta que, pelo menos para a parte remanescente deste projecto, as exigências desta directiva não foram correctamente aplicadas.

57
Além disso, a afirmação do Governo espanhol, segundo a qual as autoridades competentes teriam dado cumprimento às exigências da referida directiva no que diz respeito à «alteração n.° 3» do projecto, também não é fundada. Por um lado, segundo o governo demandado, a informação destinada ao público só foi publicada depois de o projecto ter sido iniciado. Ora, tal forma de proceder é manifestamente contrária às exigências do artigo 6.°, n.° 2, da Directiva 85/337, segundo o qual o público interessado deve ter a possibilidade de se pronunciar antes de o projecto ser iniciado. O facto, invocado pelo Governo espanhol, de o inquérito público ter ocorrido antes da conclusão dos trabalhos é assim irrelevante. Por outro lado, este procedimento só disse respeito a uma parte do troço em causa, numa extensão de 13,2 km, ou seja, a «alteração n.° 3», relativa, essencialmente, à construção de um viaduto com cerca de 750 m de comprimento.

58
Por outro lado, a circunstância de que as autoridades nacionais estavam de boa fé é também irrelevante. Com efeito, segundo jurisprudência assente, a acção por incumprimento tem carácter objectivo e o facto de o incumprimento imputado ser o resultado de uma interpretação incorrecta das disposições comunitárias por um Estado‑Membro não pode impedir o Tribunal de Justiça de o declarar verificado (v. acórdão de 17 de Novembro de 1993, Comissão/Espanha, C‑73/92, Colect., p. I‑5997, n.° 19).

59
Por fim, no que respeita à alegação do Governo espanhol, segundo a qual a Comissão não fundamentou validamente o incumprimento imputado, uma vez que não produziu a prova de que a duplicação de uma via existente tem de facto efeitos no ambiente que ultrapassam os gerados pela construção da linha inicial, basta recordar que o critério pertinente a seguir para a aplicação da Directiva 85/337 assenta no efeito significativo que um projecto determinado é «susceptível» de ter no ambiente (v., a este respeito, artigo 1.°, n.° 1, bem como o quinto e o sexto considerandos desta directiva). Não incumbe, nestas condições, à Comissão determinar os efeitos negativos concretos que um projecto tem efectivamente no ambiente. Em contrapartida, a Comissão provou aqui de forma bastante que o projecto em causa cai no âmbito de aplicação de uma das disposições do anexo I da referida directiva, de modo que deve obrigatoriamente ser submetido a uma avaliação dos seus efeitos no ambiente. De qualquer forma, é incontestável que um projecto deste tipo é susceptível de criar novas perturbações significativas, quanto mais não seja devido à adaptação da linha de caminho‑de‑ferro com vista à circulação a uma velocidade podendo atingir os 220 km/h.

60
Tendo em conta o que precede, há que julgar procedente a acção da Comissão.

61
Por conseguinte, verifica‑se que, ao não proceder à avaliação dos efeitos no ambiente do «projecto da linha Valência‑Tarragona, troço Las Palmas‑Oropesa. Plataforma», incluído no projecto conhecido como «Corredor mediterrânico», o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.°, 3.°, 5.°, n.° 2, e 6.°, n.° 2, da Directiva 85/337.


Quanto às despesas

62
Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Reino de Espanha e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) decide:

1)
Ao não proceder à avaliação dos efeitos no ambiente do «projecto da linha Valência‑Tarragona, troço Las Palmas‑Oropesa. Plataforma», incluído no projecto conhecido como «Corredor mediterrânico», o Reino de Espanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 2.°, 3.°, 5.°, n.° 2, e 6.°, n.° 2, da Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente.

2)
O Reino de Espanha é condenado nas despesas.

Assinaturas.


1
Língua do processo: espanhol.

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