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Document 62001CC0378

    Conclusões do advogado-geral Léger apresentadas em 12 de Dezembro de 2002.
    Comissão das Comunidades Europeias contra República Italiana.
    Incumprimento de Estado - Directiva 79/409/CEE - Zonas de protecção especial - Conservação das aves selvagens.
    Processo C-378/01.

    Colectânea de Jurisprudência 2003 I-02857

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2002:764

    62001C0378

    Conclusões do advogado-geral Léger apresentadas em 12 de Dezembro de 2002. - Comissão das Comunidades Europeias contra República Italiana. - Incumprimento de Estado - Directiva 79/409/CEE - Zonas de protecção especial - Conservação das aves selvagens. - Processo C-378/01.

    Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-02857


    Conclusões do Advogado-Geral


    1 Com a presente acção, a Comissão das Comunidades Europeias solicita que o Tribunal de Justiça declare que a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4._, n.os 1, 2 e 3, da Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens (1).

    2 A directiva tem por objecto a conservação de todas as espécies de aves que vivem naturalmente no estado selvagem no território dos Estados-Membros. Institui um regime de protecção, de gestão e de regulação dessas espécies.

    3 O artigo 4._ da directiva respeita às medidas de protecção especial e medidas semelhantes. O seu n._ 1 impõe aos Estados-Membros a determinação dos territórios mais apropriados à conservação das espécies mencionadas no anexo I da directiva e a sua classificação em zonas de protecção especial (2). O seu n._ 2 impõe aos Estados-Membros a tomada de medidas semelhantes para as espécies migratórias não referidas no referido anexo I e cuja ocorrência é regular. A esse título, estão obrigados a atribuir uma importância especial à protecção das zonas húmidas e muito particularmente às de importância internacional. Por último, o seu n._ 3 prevê que os Estados-Membros comunicarão todas as informações úteis à Comissão, a fim de que esta possa coordenar as zonas referidas nos n.os 1 e 2 da referida disposição numa rede coerente.

    4 Nos presentes autos, a Comissão faz duas acusações à República Italiana.

    5 Por um lado, a Comissão sustenta que a República Italiana violou o artigo 4._, n.os 1 e 2, da directiva. Critica-lhe não ter classificado em ZPE um número suficiente de territórios apropriados e de certas zonas húmidas de importância internacional. A República Italiana contesta esta acusação.

    6 Por outro lado, a Comissão censura a República Italiana de ter violado o artigo 4._, n._ 3, da directiva, na medida em que não transmitiu todos os dados e todas as informações úteis a respeito das ZPE designadas. A República Italiana não contesta esta acusação.

    7 Resulta destes elementos que a única matéria contestada pela República Italiana se refere à primeira acusação, assente na falta de classificação em ZPE de determinados territórios e de certas zonas húmidas de importância internacional. Limitarei, portanto, o objecto da minha exposição ao exame desta acusação, propondo ao Tribunal de Justiça que julgue a acção procedente quanto ao mais.

    I - Quanto à acusação referente à falta de classificação em ZPE de um número suficiente de territórios apropriados e de certas zonas húmidas

    8 A Comissão censura a República Italiana de ter violado o artigo 4._, n.os 1 e 2, da directiva, na medida em que não classificou em ZPE um número suficiente de territórios apropriados à conservação das espécies mencionadas no anexo I da directiva e das espécies migratórias não mencionadas no referido anexo cuja ocorrência é regular. A Comissão critica-lhe ainda não ter classificado certas zonas húmidas de importância internacional em ZPE.

    9 A Comissão baseia-se no Inventory of Important Bird Areas in the European Community (recenseamento das zonas ornitológicas importantes da Comunidade Europeia), publicado em 1989 (3), para considerar que existem 164 zonas ornitológicas importantes no território italiano e que a respectiva superfície total é de 3 609 070 ha. Ora, algumas destas zonas ainda não foram classificadas em ZPE.

    10 A República Italiana afirma que a Comissão formula críticas meramente abstractas e que não podem servir de base a uma declaração de incumprimento. Sustenta que a Comissão não avança qualquer elemento de natureza científica em apoio das suas afirmações.

    11 Importa recordar que, por força da jurisprudência do Tribunal, o artigo 4._, n.os 1 e 2, da directiva impõe aos Estados-Membros uma obrigação de classificação como ZPE de determinados territórios com vista à conservação efectiva tanto das espécies enumeradas no anexo I desta directiva como das que não são mencionadas neste artigo, mas cuja ocorrência seja regular, de modo a, nomeadamente, garantir a sua sobrevivência e a sua reprodução na sua área de distribuição. Esta obrigação respeita a todos os territórios mais apropriados (4).

    12 Decorre igualmente da jurisprudência do Tribunal que incumbe aos Estados-Membros identificarem os territórios mais apropriados apenas com base nos critérios ornitológicos a deduzir do artigo 4.o, n.os 1 e 2, da directiva (5). Donde resulta que os Estados-Membros, após terem identificado estes critérios, estão obrigados a classificar estes territórios em ZPE e a atribuírem importância especial às zonas húmidas de interesse internacional. Todavia, a directiva não determina o conteúdo dos critérios ornitológicos que devem ser aplicados pelos Estados-Membros.

    13 A este respeito, o Tribunal de Justiça considera que «a margem de apreciação de que gozam os Estados-Membros no momento da escolha dos territórios mais apropriados para a classificação como ZPE não abrange a oportunidade de classificação como ZPE de territórios que surgem como sendo os mais apropriados segundo critérios ornitológicos, mas apenas a aplicação destes critérios com vista à identificação dos territórios mais apropriados à conservação das espécies enumeradas no anexo I da directiva» (6). Donde decorre que os Estados-Membros gozam de uma margem de apreciação no que respeita à escolha dos critérios ornitológicos e científicos que servirão à determinação das ZPE (7).

    14 No caso em apreço, a República Italiana não indicou nem na fase do procedimento pré-contencioso nem no decurso do procedimento contencioso quais os critérios ornitológicos que pretende utilizar para a determinação das ZPE. Na falta destas indicações, a Comissão refere-se aos critérios científicos constantes do recenseamento IBA 89. Resulta dos autos que este recenseamento é um instrumento que permite à Comissão verificar se os Estados-Membros classificam efectivamente em ZPE os territórios mais apropriados.

    15 É certo que o recenseamento IBA 89 não é juridicamente vinculativo. Todavia, o Tribunal de Justiça reconheceu que este «traça um inventário das zonas de grande interesse para a conservação das aves selvagens na Comunidade» (8).

    16 A Comissão afirma que o recenseamento IBA 89 constitui também, no que toca à República Italiana, o parâmetro de referência mais documentado e mais preciso no que respeita à determinação das ZPE para o seu território (9). Assim, o referido recenseamento está designadamente reproduzido no estudo intitulado «Recenseamento das zonas ornitológicas importantes» efectuado pela Liga italiana para a Protecção das Aves em 1991.

    17 Há que salientar que a República Italiana nunca contestou o valor científico e a utilização do recenseamento IBA 89 por parte da Comissão. Razão pela qual creio que esta última baseou validamente os seus argumentos em critérios científicos, os do referido recenseamento, para verificar o respectivo incumprimento, contrariamente ao que sustenta a República Italiana.

    18 Quanto ao mérito, a Comissão afirma que, com base no recenseamento IBA 89, existem 164 zonas ornitológicas importantes no território italiano e que a sua superfície total é de 3 609 070 ha. As autoridades italianas classificaram até ao presente 336 sítios em ZPE, ou seja, uma superfície que no total é de 1 370 700 ha. A Comissão acrescenta que 194 destas ZPE não coincidem, nem sequer parcialmente, com qualquer das 164 zonas ornitológicas importantes mencionadas no referido recenseamento. Assim, numerosas espécies de aves mencionadas no anexo I da directiva e numerosas outras espécies migratórias ainda não são adequadamente protegidas.

    19 O Governo italiano afirma que foram classificadas novas ZPE na Itália e que o conjunto destas classificações cobre inteiramente as IBA. Contudo, como salienta a Comissão, a República Italiana não transmitiu comprovativos neste sentido dentro do prazo fixado no parecer fundamentado. Portanto, não me parece possível aceitar a afirmação da República Italiana a esse respeito.

    20 Por último, a Comissão sustenta que determinadas zonas húmidas de importância internacional devem ainda ser classificadas em ZPE pela República Italiana, em conformidade com o artigo 4._, n._ 2, da directiva. Contudo, tomou em consideração o recenseamento IBA 89 para a determinação das zonas húmidas, pois que prevê zonas de maior extensão geográfica do que o previsto na convenção sobre as terras húmidas de importância internacional de Ramsar (Irão) (10).

    21 A República Italiana afirma que, contrariamente aos argumentos da Comissão, as ZPE que designou incluem todas as zonas húmidas de interesse internacional, segundo prevê a convenção de Ramsar.

    22 Na sua acção por incumprimento, a Comissão, para a determinação das zonas húmidas de importância internacional, tomou como referência as áreas IBA que incluem as áreas previstas pela convenção de Ramsar, em vez das únicas áreas previstas pela referida convenção para determinação das zonas húmidas. Fundando-se nesta referência, na Itália, as áreas importantes não foram designadas ou só o foram parcialmente (11). A República Italiana não contesta estes argumentos.

    23 Tendo em conta as precedentes considerações, proponho que o Tribunal de Justiça julgue integralmente procedente a acção por incumprimento.

    II - Conclusão

    24 Proponho, portanto, que o Tribunal de Justiça declare:

    «1) A República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4._, n.os 1, 2 e 3, da Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens, na medida em que:

    - não classificou em zonas de protecção especial, em número e em extensão suficientes, os territórios mais apropriados para a conservação das espécies mencionadas no anexo I desta directiva e das outras espécies migratórias não referidas neste anexo cuja ocorrência é regular, e

    - não comunicou à Comissão todas as informações necessárias para a coordenação das zonas a que se refere o artigo 4._, n.os 1 e 2, da referida directiva, numa rede coerente que satisfaça a necessidade da protecção das espécies.

    2) A República Italiana é condenada nas despesas.»

    (1) - JO L 103, p. 1; EE 15 F2 p. 125, a seguir «directiva».

    (2) - A seguir «ZPE».

    (3) - A seguir «recenseamento IBA 89».

    (4) - V., nomeadamente, acórdão de 19 de Maio de 1998, Comissão/Países Baixos (C-3/96, Colect., p. I-3031, n._ 55).

    (5) - V., nomeadamente, acórdão de 28 de Fevereiro de 1991, Comissão/Alemanha (C-57/89, Colect., p. I-883, n._ 20).

    (6) - V. acórdão Comissão/Países Baixos, já referido (n._ 61). V., igualmente, acórdão de 2 de Agosto de 1993, Comissão/Espanha (C-355/90, Colect., p. I-4221, n._ 26).

    (7) - V. ainda, a este respeito, Sadeleer, N., «Bilan d'une décennie d'efforts législatifs en droit communautaire de la protection de la nature», Développements récents du droit communautaire de l'environnement, Actas do colóquio de 11 de Maio de 1994, editora Story-Scienta, p. 200, especialmente pp. 227 a 236, e Wils, W. P. J., «La protection des habitats naturels en droit communautaire», Cahiers de droit européen, 1994, p. 398, especialmente pp. 405 a 407.

    (8) - V. acórdão Comissão/Países Baixos, já referido (n._ 68).

    (9) - Na audiência, o agente da Comissão salientou que a República Italiana participou na elaboração do recenseamento IBA.

    (10) - Convenção celebrada em 2 de Fevereiro de 1971, vol. 996, UNTS, p. 245.

    (11) - Alegações da réplica (p. 4).

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