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Document 62001CC0353

Conclusões do advogado-geral Léger apresentadas em 10 de Julho de 2003.
Olli Mattila contra Conselho da União Europeia e Comissão das Comunidades Europeias.
Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Acesso aos documentos - Decisões 93/731/CE e 94/90/CECA, CE, Euratom - Excepção relativa à protecção do interesse público em matéria de relações internacionais - Acesso parcial.
Processo C-353/01 P.

Colectânea de Jurisprudência 2004 I-01073

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2003:403

Conclusions

CONCLUSÕES DO ADVOGADO-GERAL
PHILIPPE LÉGER
apresentadas em 10 de Julho de 2003(1)



Processo C-353/01 P



Olli Mattila
contra
Conselho da União Europeia e Comissão das Comunidades Europeias



«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Acesso aos documentos – Decisões 93/731/CE e 94/90/CECA, CE, Euratom – Excepção relativa à protecção do interesse público em matéria de relações internacionais – Acesso parcial»






1.        O presente recurso foi interposto por O. Mattila do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (Quinta Secção), de 12 de Julho de 2001  (2) , que negou provimento ao recurso que interpusera das decisões da Comissão e do Conselho, respectivamente, de 5 e de 12 de Julho de 1999, que lhe recusaram o acesso a determinados documentos  (3) .

2.        Neste processo, O. Mattila censura especialmente o Tribunal de Primeira Instância por não ter tomado em consideração o seu direito a um acesso parcial aos documentos em causa, como consagrado pela jurisprudência.

I – Quadro jurídico

3.        O direito de acesso do público aos documentos das instituições comunitárias foi progressivamente reconhecido.

4.        No início, esse direito foi afirmado em declarações de natureza política. A primeira foi a Declaração n.° 17, anexa à acta final do Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht em 7 de Fevereiro de 1992, relativa ao direito de acesso à informação  (4) , segundo a qual «a transparência do processo decisório reforça o carácter democrático das Instituições e a confiança do público na Administração». A esta declaração seguiram‑se várias outras dos chefes de Estado ou de governo dos Estados‑Membros aquando dos Conselhos Europeus de 1992 e 1993, segundo as quais a Comunidade devia ser mais aberta  (5) e os cidadãos ter o «acesso mais pleno possível à informação»  (6) .

5.        Em 6 de Dezembro de 1993, o Conselho e a Comissão aprovaram um código de conduta  (7) em matéria de acesso do público aos documentos do Conselho e da Comissão. Este código de conduta fixa os princípios que essas instituições devem adoptar para assegurar o acesso aos documentos na sua posse. Consagra o princípio geral segundo o qual o público terá o acesso mais amplo possível aos documentos das referidas instituições.

6.        Também prevê as excepções que podem ser opostas a esse direito de acesso. Assim, segundo o código de conduta, as «instituições recusam o acesso a qualquer documento cuja divulgação possa prejudicar a protecção do interesse público (segurança pública, relações internacionais, estabilidade monetária, processos judiciais, inspecções e inquéritos) [...]».

7.        Para assegurar a execução do código de conduta, o Conselho e a Comissão adoptaram, respectivamente, as Decisões 93/731/CE  (8) e 94/90/CECA, CE, Euratom  (9) .

8.        As regras contidas nas Decisões 93/731 e 94/90 são, no essencial, idênticas. No que diz respeito ao tratamento dos pedidos de acesso, estabelecem que o interessado deve ser informado no prazo de um mês do deferimento do pedido ou da intenção da instituição de o indeferir. Neste último caso, o interessado pode, no prazo de um mês, apresentar um pedido de confirmação. A instituição dispõe novamente de um prazo de um mês para responder a este pedido. Se a instituição recusar o acesso aos documentos, deve comunicar a sua decisão por escrito ao requerente o mais rapidamente possível. A sua decisão deve ser devidamente fundamentada e indicar as vias de recurso possíveis.

9.        No que diz respeito às excepções ao direito de acesso aos documentos, a Decisão 93/731 retoma no seu artigo 4.°, n.° 1, as excepções previstas no código de conduta relativas à protecção do interesse público. Quanto à Decisão 94/90, prevê, no seu artigo 1.°, que o código de conduta é adoptado e anexo à decisão.

10.      No acórdão de 19 de Julho de 1999, Hautala/Conselho  (10) , o Tribunal de Primeira Instância decidiu que o artigo 4.°, n.° 1, da Decisão 93/731 deve ser interpretado no sentido de que o Conselho está obrigado a examinar se deve permitir o acesso parcial aos documentos abrangidos por uma excepção referida nessa disposição, ou seja, um acesso limitado aos elementos de informação desse documento que não se encontram abrangidos por essa excepção  (11) . Considerou que, não tendo a instituição em causa procedido a esse exame porque considerava que o direito de acesso só se aplicava aos documentos como tais e não aos elementos de informação deles constantes, a decisão de recusar o acesso aos documentos em causa estava viciada por um erro de direito e devia ser anulada. Esta interpretação foi expressamente confirmada pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 6 de Dezembro de 2001, Conselho/Hautala  (12) .

II – Os factos

11.      Em Março de 1999, O. Mattila pediu que lhe fosse autorizado o acesso a cinco documentos da Comissão e a seis documentos do Conselho. Esses documentos dizem respeito às relações da União Europeia com a Federação da Rússia e a Ucrânia, bem como às negociações a efectuar com os Estados Unidos da América sobre as relações com a Ucrânia. Na medida em que foram parcialmente elaborados em comum pelo Conselho e pela Comissão, essas duas instituições coordenaram as suas respostas a esses pedidos.

12.      Por ofício de 19 de Abril de 1999, o Conselho deferiu o pedido do recorrente em relação a um dos documentos visados e indeferiu‑o em relação aos outros cinco. Por ofício do mesmo dia, a Comissão recusou conceder o acesso solicitado aos cinco documentos na sua posse. As duas instituições fundaram a sua recusa na protecção do interesse público em matéria de relações internacionais.

13.      Por cartas de 30 de Abril de 1999, o recorrente apresentou um pedido de confirmação a cada uma das instituições. A Comissão e o Conselho confirmaram a sua recusa pelas decisões impugnadas, por os documentos em causa (excepto um dos solicitados à Comissão que não podia ser identificado) estarem abrangidos pela excepção obrigatória relativa à protecção do interesse público em matéria de relações internacionais.

14.      Em 23 de Setembro de 1999, O. Mattila interpôs recurso das decisões impugnadas para o Tribunal de Primeira Instância.

III – O acórdão recorrido

15.      O Tribunal de Primeira Instância descreve os fundamentos invocados pelo recorrente da seguinte forma:

«28     Na sua petição, o recorrente invoca essencialmente cinco fundamentos em apoio do seu recurso, baseados, em primeiro lugar, em erro manifesto de apreciação na interpretação da excepção referente à protecção das relações internacionais, em segundo lugar, em violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que um acesso parcial aos documentos em causa não foi encarado nem concedido, em terceiro lugar, em violação do princípio de que o pedido de acesso deve ser examinado à luz de cada documento, em quarto lugar, em violação da obrigação de fundamentação e, em quinto lugar, em desconhecimento do seu interesse particular em ter acesso aos documentos em causa.

29       Na réplica, o recorrente acrescentou dois fundamentos apresentados da seguinte forma:

as decisões impugnadas violam o‘princípio de uma apreciação independente’pelo Conselho e pela Comissão [...];

as decisões impugnadas estão viciadas de desvio de poder [...].

30       Na audiência, o recorrente invocou um fundamento suplementar de anulação baseado em violação pelas instituições demandadas do seu dever de cooperação, na medida em que elas rejeitaram, em parte, os seus pedidos devido à falta de precisão destes últimos, sem ter procurado identificar e encontrar os documentos em causa.»

16.      O Tribunal de Primeira Instância julgou manifestamente inadmissíveis os fundamentos baseados em violação do «princípio de uma apreciação independente», em desvio de poder e em falta de respeito pelo dever de cooperação que incumbe às instituições. Considerou que esses fundamentos não haviam sido, directa ou tacitamente, invocados na petição e que não tinham uma ligação estreita com os outros fundamentos que figuravam nesta última. Daí deduziu, por conseguinte, que eram fundamentos novos. Em seguida, observou que não foi demonstrado, nem sequer alegado, que esses fundamentos se baseavam em elementos de direito e de facto revelados no decorrer do processo.

17.      Quanto ao mérito, o Tribunal de Primeira Instância analisou conjuntamente os primeiro e segundo fundamentos, baseados, respectivamente, em erro manifesto de apreciação na interpretação da excepção referente à protecção das relações internacionais e em violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que um acesso parcial aos documentos em causa não foi concedido nem mesmo encarado.

18.      Quanto ao primeiro fundamento, salientou que, no caso em apreço, não é contestado que os documentos em litígio contêm informações sobre a posição da União Europeia no âmbito das suas relações com a Federação da Rússia e com a Ucrânia e nas negociações a levar a cabo com os Estados Unidos da América acerca da Ucrânia. Sublinhou que os documentos cujo acesso fora pedido foram elaborados num contexto de negociações internacionais, no qual o interesse da União Europeia, perspectivado no aspecto das relações desta com países terceiros, nomeadamente, a Federação da Rússia, a Ucrânia e os Estados Unidos da América, está em jogo.

19.      Daí concluiu que as instituições recorridas não cometeram erro manifesto de apreciação ao considerarem que a divulgação dos documentos em causa era susceptível de prejudicar o interesse público em matéria de relações internacionais.

20.      Quanto ao segundo fundamento, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 74 do acórdão recorrido, que não pode considerar‑se que as instituições recorridas tenham violado o princípio da proporcionalidade por não ter sido concedido o acesso parcial aos documentos em litígio. Baseou esta apreciação nos seguintes fundamentos:

«66
O recorrente alega também que as instituições deviam ter examinado a possibilidade de lhe dar acesso pelo menos parcial aos documentos em causa, em conformidade com o que se afirma no acórdão Hautala/Conselho, já referido. Neste acórdão, o Tribunal de Primeira Instância considerou que a interpretação da excepção baseada na protecção do interesse público deve ser feita à luz do princípio do direito à informação e do princípio da proporcionalidade. O Tribunal de Primeira Instância considerou que o Conselho é, por esse facto, obrigado a examinar se é conveniente conceder um acesso parcial aos documentos solicitados, quer dizer, um acesso aos dados não abrangidos pelas excepções (v. acórdão Hautala/Conselho, já referido, n.° 87).

[...]

68
Resulta do acórdão Hautala/Conselho, já referido, que o princípio da proporcionalidade permite ao Conselho e à Comissão, em casos particulares, em que o volume do documento ou das passagens a censurar implicam para si uma tarefa administrativa inadequada, ponderar, por um lado, o interesse do acesso do público a essas partes fragmentárias e, por outro lado, a carga de trabalho que daí decorre (n.° 86). O Conselho e a Comissão podiam assim, nestes casos particulares, salvaguardar o interesse de uma boa administração.

69
De igual modo, embora o Conselho e a Comissão sejam obrigados, em conformidade com o acórdão Hautala/Conselho, já referido, a examinar se é conveniente conceder um acesso aos dados não abrangidos pelas excepções, há que considerar que, em virtude do princípio da boa administração, a exigência de conceder um acesso parcial não se deve traduzir numa tarefa administrativa inadequada face ao interesse do requerente em obter esses dados. Nesta óptica, há que considerar que o Conselho e a Comissão têm razão, em todo o caso, em não conceder um acesso parcial no caso de o exame dos documentos em causa mostrar que esse acesso parcial carece de sentido pelo facto de as partes desses documentos, a serem divulgadas, não serem de qualquer utilidade para o requerente do acesso.

70
O Conselho e a Comissão afirmaram, no âmbito do presente processo, que um acesso parcial não era possível no presente caso, por as partes dos documentos às quais poderia ser dado acesso conterem tão poucas informações que não seriam de qualquer utilidade para o recorrente. Na audiência, o Conselho afirmou que, de um modo geral, os documentos em questão não são facilmente separáveis e não contêm partes facilmente destacáveis.

71
As instituições recorridas não contestam, portanto, não terem considerado a possibilidade de conceder um acesso parcial aos documentos em causa. Todavia, face às explicações dadas pelas instituições recorridas e tendo em conta a natureza dos documentos em litígio, é legítimo considerar que esse exame não teria, em todo o caso, levado à aceitação de um acesso parcial. O facto de as instituições recorridas não terem examinado a possibilidade de conceder um acesso parcial não teve, nas circunstâncias particulares do caso presente, qualquer influência no resultado da apreciação das duas instituições (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Junho de 1996, Günzler Aluminium/Comissão, T‑75/95, Colect., p. II‑497, n.° 55, e de 27 de Fevereiro de 1997, FFSA e o./Comissão, T‑106/95, Colect., p. II‑229, n.° 199).

72
A este respeito, é conveniente, em primeiro lugar, salientar, como já foi anteriormente dito, que os documentos em litígio foram elaborados num contexto de negociações e contêm informações sobre a posição da União Europeia no âmbito das suas relações com a Rússia e com a Ucrânia, e nas negociações a efectuar com os Estados Unidos acerca da Ucrânia. [...]

73
Em segundo lugar, nada contradiz a afirmação do Conselho de que os documentos não são facilmente separáveis e não contêm partes facilmente destacáveis

[...]»

21.      Em seguida, o Tribunal de Primeira Instância julgou improcedentes os terceiro e quarto fundamentos, baseados em violação, respectivamente, do princípio de que o pedido de acesso deve ser examinado à luz de cada documento e da obrigação de fundamentação.

22.      Por último, o Tribunal de Primeira Instância considerou que o quinto fundamento, baseado em desconhecimento do interesse especial do recorrente em ter acesso aos documentos, era irrelevante. Recordou que toda e qualquer pessoa pode pedir para ter acesso a não importa que documento do Conselho ou da Comissão sem que seja necessário fundamentar o seu pedido e que uma ponderação dos interesses só ocorre no âmbito da apreciação, por essas instituições, de pedidos de acesso a documentos referentes às suas deliberações, o que não sucede no caso presente.

IV – O presente recurso

A – Observações preliminares

23.      O requerimento através do qual O. Mattila interpôs o presente recurso não contém conclusões formais, embora o artigo 112.°, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça exija que esse acto contenha as conclusões do recorrente. Porém, a jurisprudência do Tribunal de Justiça atribui menos importância ao cumprimento formal dessa exigência do que à sua finalidade, que é a de materializar o objecto do pedido, a fim de evitar que o Tribunal de Justiça decida infra ou ultra petita. Assim, o Tribunal de Justiça considera que, desde que facilmente identificáveis, os pedidos tácitos podem ser admitidos  (13) .

24.      No caso em apreço, do exame do requerimento de recurso resulta que este visa expressamente a anulação do acórdão impugnado. Além disso, das indicações que figuram na página 2 do referido requerimento resulta claramente que O. Mattila faz ao Tribunal de Justiça os seguintes pedidos:

«1       anular a decisão do Conselho e da Comissão que constitui o objecto do presente recurso;

2         convidar o Conselho e a Comissão a reconsiderarem as suas posições e a facultarem o acesso aos documentos pedidos, tal como enumerados nas cartas em que pediu a respectiva autorização;

3         facultar‑lhe o acesso, pelo menos parcial, aos documentos, após supressão das passagens que sejam consideradas susceptíveis de prejudicar as relações internacionais da Comunidade Europeia;

4         condenar conjuntamente o Conselho e a Comissão no pagamento das despesas.»

25.      Assim, concluo destes elementos que pode considerar‑se que o presente recurso satisfaz as exigências formais do artigo 112.°, alínea d), do Regulamento de Processo.

26.      Em apoio do seu recurso, O. Mattila sustenta que o Tribunal de Primeira Instância fez uma aplicação errada do direito comunitário, em especial, das Decisões 93/731 e 94/90. Invoca os oito fundamentos seguintes:

1)       Erro manifesto de apreciação da excepção referente à protecção das relações internacionais,

2)       Violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que um acesso parcial aos documentos em causa não foi concedido nem sequer encarado,

3)       Violação do princípio de que os pedidos de acesso aos documentos devem ser examinados separadamente para cada documento,

4)       Não respeito da obrigação de fundamentação,

5)       Não respeito do princípio da objectividade e do princípio da igualdade na apreciação do interesse dos requerentes em terem acesso aos documentos,

6)       Não respeito da obrigação de proceder a um reexame independente,

7)       Desvio de poder; e

8)       Não respeito da obrigação de cooperação.

27.      O Conselho sustenta que o recurso é manifestamente inadmissível na medida em que o recorrente pede ao Tribunal de Justiça que dirija uma intimação às instituições ou que a elas se substitua. O Conselho acrescenta que, quanto ao resto, deixa ao cuidado do Tribunal de Justiça apreciar se o presente recurso satisfaz as exigências da jurisprudência, segundo a qual um recurso como o em apreço não pode limitar‑se a uma mera reapreciação da petição apresentada no Tribunal de Primeira Instância. No caso em apreço, o recorrente limita‑se, no essencial, a repetir os argumentos apresentados em primeira instância.

28.      A Comissão considera que o presente recurso é manifesta e totalmente inadmissível porque visa obter uma reapreciação do recurso original. Subsidiariamente, a Comissão alega que os segundo e terceiro pedidos são manifestamente inadmissíveis.

B – Quanto à admissibilidade

1. Quanto à admissibilidade dos segundo e terceiro pedidos  (14)

29.      O. Mattila pede ao Tribunal de Justiça, no seu segundo pedido, que convide o Conselho e a Comissão a reconsiderar a sua posição e a permitir‑lhe o acesso aos documentos solicitados e, no terceiro pedido, que lhe permita o acesso, pelo menos parcial, aos documentos em causa, após supressão das passagens que sejam consideradas susceptíveis de prejudicar as relações internacionais da Comunidade Europeia.

30.      Concordo com a opinião das instituições quanto à inadmissibilidade destes pedidos. Com efeito, resulta do artigo 233.° CE que compete à instituição de que emana o acto anulado, ou cuja abstenção foi declarada contrária ao presente Tratado, tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Justiça. De forma constante, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Primeira Instância deduziram dessa disposição que, no âmbito da fiscalização da legalidade com base no artigo 230.° CE, não lhes cabe substituírem‑se às instituições comunitárias especificando as medidas de execução dos seus acórdãos na respectiva parte decisória ou dirigir injunções a essas instituições  (15) . Esta limitação impõe‑se ao Tribunal de Justiça nas mesmas condições no âmbito de um recurso como o em apreço  (16) . Também se aplica no âmbito da fiscalização da legalidade das decisões das instituições comunitárias em matéria de acesso aos documentos  (17) .

31.      Os segundo e terceiro pedidos do recorrente são, pois, inadmissíveis.

2. Quanto à admissibilidade dos fundamentos do presente recurso

32.      Contrariamente à Comissão, penso que o presente recurso satisfaz parcialmente as exigências da jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de admissibilidade, pelo que não pode ser declarado manifesta e totalmente inadmissível. Há que recordar quais são essas exigências.

33.      Decorrem do princípio segundo o qual o recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância tem por objecto contestar o modo como o Tribunal de Primeira Instância julgou o recurso interposto em primeira instância e não obter uma simples reapreciação desse recurso, o que, nos termos do artigo 49.° do Estatuto CE do Tribunal de Justiça, não é da competência deste último. Assim, segundo jurisprudência constante, resulta dos artigos 225.° CE, 51.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça e 112.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo que um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância deve indicar de modo preciso os elementos contestados do acórdão cuja anulação é pedida, bem como os argumentos jurídicos em que se apoia especificamente esse pedido  (18) . Um recurso que se limite a repetir ou a reproduzir textualmente os fundamentos e os argumentos já alegados no Tribunal de Primeira Instância, incluindo os que se baseavam em factos expressamente julgados não provados por esse órgão jurisdicional, não respeita as exigências da fundamentação resultantes das disposições acima referidas  (19) .

34.      No entanto, desde que um recorrente conteste a interpretação ou a aplicação do direito comunitário feita pelo Tribunal de Primeira Instância, as questões de direito examinadas em primeira instância podem ser de novo discutidas em sede de recurso para o Tribunal de Justiça (20) . Com efeito, se um recorrente não pudesse basear o seu recurso em fundamentos e argumentos já utilizados no Tribunal de Primeira Instância, o processo de recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância ficaria privado de uma parte do seu sentido  (21) .

35.      No caso em apreço, é um facto que a apresentação do recurso é descuidada, na medida em que o recorrente refere que, no âmbito deste, «retoma todos os fundamentos que havia suscitado no Tribunal de Primeira Instância» e que, «esses fundamentos não serão desenvolvidos novamente»  (22) . Afigura‑se também que, no que diz respeito aos sexto a oitavo fundamentos, julgados inadmissíveis pelo Tribunal de Primeira Instância, o recorrente se limita a afirmar que constituem o desenvolvimento e a ampliação dos fundamentos apresentados na petição inicial e que estão estreitamente conexionados com estes últimos, sem apresentar a menor explicação em apoio dessas afirmações. O mesmo acontece em relação aos terceiro e quarto fundamentos, a propósito dos quais o recorrente diz estar em desacordo com a apreciação do Tribunal de Primeira Instância sem aduzir qualquer elemento que sustente a sua contestação.

36.      No entanto, uma análise atenta do presente recurso demonstra que o recorrente, no âmbito dos primeiro, segundo e quinto fundamentos, pôs em causa a apreciação feita pelo Tribunal de Primeira Instância em relação a questões de direito e que aí se indicam com precisão os aspectos do acórdão recorrido que são criticados, bem como os argumentos em que se apoia o pedido de anulação.

37.      Assim, no âmbito do primeiro fundamento, o recorrente contesta as conclusões do Tribunal de Primeira Instância enunciadas no n.° 65 do acórdão recorrido, segundo as quais as instituições recorridas não cometeram erro manifesto ao considerarem que a divulgação dos documentos em litígio era susceptível de prejudicar o interesse público em matéria de relações internacionais. Fundamenta a sua argumentação na comparação dos documentos em litígio com os que estavam em causa no processo Conselho/Hautala, já referido.

38.      No quadro do segundo fundamento, o recorrente contesta a conclusão do Tribunal de Primeira Instância contida no n.° 71 do acórdão recorrido, segundo a qual, nas circunstâncias particulares do caso em apreço, o facto de as instituições recorridas não terem examinado a possibilidade de conceder um acesso parcial não teve qualquer influência no resultado da sua apreciação. Sustenta também que a razão dada no n.° 70 do acórdão recorrido, segundo a qual as partes dos documentos às quais poderia ser dado acesso continham tão poucas informações que não lhe seriam de qualquer utilidade, está errada do ponto de vista jurídico na perspectiva do direito fundamental de acesso aos documentos, como descrito nas conclusões que apresentei no processo Conselho/Hautala, já referido. Alega também que o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 73 do acórdão recorrido, não teve em consideração as exigências de prova em matéria de acesso aos documentos, quanto ao aspecto de saber se os extractos dos documentos podiam ser facilmente destacados, ou não.

39.      Por último, no âmbito do quinto fundamento, sustenta que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao considerar que o recorrente solicitou o acesso aos documentos em causa no seu próprio interesse. Segundo o recorrente, pouco importa, na perspectiva do acórdão Hautala/Conselho, já referido, que o pedido provenha de um membro do Parlamento Europeu ou de uma pessoa que tenha sido objecto de uma decisão jurisdicional desfavorável na Finlândia. O recorrente sustenta que as razões particulares que estão na origem de um pedido só o podem reforçar e não enfraquecer. Invoca a igualdade dos cidadãos da União.

40.      Perante estes elementos, considero que os primeiro, segundo e quinto fundamentos são admissíveis.

C – Quanto ao mérito

41.      Começarei por examinar o segundo fundamento. Através deste, o recorrente contesta fundamentalmente o facto de o Tribunal de Primeira Instância não ter atendido ao seu direito a um acesso parcial aos documentos em causa na medida em que não anulou as decisões impugnadas, embora a Comissão e o Conselho não tenham analisado a possibilidade de lhe autorizar esse acesso.

1. Quanto à violação do direito a um acesso parcial

a) Argumentos das partes

42.      Em apoio deste fundamento, o recorrente procede a duas críticas. Em primeiro lugar, contesta a conclusão do Tribunal de Primeira Instância segundo a qual o facto de as instituições recorridas não terem examinado a possibilidade de autorizar um acesso parcial não teve, vistas as explicações que estas forneceram e a natureza dos documentos em causa, nenhuma influência no resultado da sua apreciação. Em segundo lugar, censura o Tribunal de Primeira Instância por ter admitido que a recusa de acesso parcial podia ser justificada pelo facto de as passagens dos documentos às quais poderia ser dado acesso «conterem tão poucas informações que não seriam de qualquer utilidade para o recorrente» e pelo facto de «os documentos em questão não s[erem] facilmente separáveis e não cont[erem] partes facilmente destacáveis».

43.      O Conselho sustenta que, embora de um modo geral caiba ao requerente apreciar se as passagens comunicadas lhe são úteis, podem existir elementos objectivos em face dos quais seja manifesto que a comunicação parcial de um documento não pode fornecer ao requerente outras informações para além daquelas que já possui. No caso em apreço, a informação estava limitada às datas, títulos e objectos dos documentos que O. Mattila já conhecia na sequência da resposta do Conselho ao seu pedido. De resto, O. Mattila declarara, nos n.os 22 e 23 da réplica que apresentou no Tribunal de Primeira Instância, que possuía um «certo conhecimento» dos documentos solicitados devido ao seu trabalhado no Ministério dos Negócios Estrangeiros finlandês ou à sua participação no Grupo do Conselho sobre a Rússia e a Europa Oriental e forneceu uma descrição razoavelmente pormenorizada do seu conteúdo. Assim, seria absurdo e contrário aos princípios da boa administração e da proporcionalidade divulgar versões adaptadas dos documentos que consistiriam quase exclusivamente em páginas em branco.

44.      Segundo o Conselho, as conclusões que apresentei no processo Conselho/Hautala, já referido, não são pertinentes no caso em preço porque dizem respeito à questão geral do acesso parcial aos documentos enquanto, no acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância apenas abordava a questão de saber se o facto de as instituições não terem ponderado a concessão de um acesso parcial teve influência na decisão de recusa de acesso total. Ora, perante as informações relativas ao conteúdo dos documentos em litígio, na posse do Tribunal de Primeira Instância, nada justificava criticá‑lo quanto a esse aspecto.

45.      Por último, o acórdão recorrido não põe em causa o acórdão Hautala/Conselho, já referido, segundo o qual o Conselho é obrigado a examinar se pode ser concedido um acesso parcial às informações não abrangidas por uma excepção. Em conformidade com a jurisprudência, o Tribunal de Primeira Instância limitou‑se a examinar se o erro jurídico afectou o resultado da análise efectuada pela instituição em causa. O Tribunal de Primeira Instância concluiu, justificadamente, que não era esse o caso e que as decisões impugnadas deviam ser mantidas.

46.      Segundo a Comissão, o Tribunal de Primeira Instância não violou o princípio da proporcionalidade nas circunstâncias do caso em apreço. Aceitou expressamente o argumento do recorrente segundo o qual as instituições deveriam ter examinado se, pelo menos, lhe devia ser concedido o acesso parcial aos documentos em questão e confirmou e aplicou a análise feita no acórdão Hautala/Conselho, já referido, a respeito tanto do princípio da proporcionalidade como da preservação dos interesses de uma boa administração.

b) Apreciação

i) Quanto à primeira crítica

47.     É facto assente que a Comissão e o Conselho, no momento da adopção das decisões impugnadas, não examinaram a possibilidade de conceder um acesso parcial aos documentos em causa porque consideravam que o código de conduta e as Decisões 94/90 e 93/731 não lhes impunham essa obrigação. Estas instituições também não contestam, no quadro do presente recurso, que, em conformidade com a interpretação do direito de acesso aos documentos feita pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão Hautala/Conselho, já referido, e confirmada pelo Tribunal de Justiça, a sua interpretação estava errada, pelo que deveriam ter procedido a esse exame. Como o Tribunal de Primeira Instância correctamente referiu no n.° 67 do acórdão recorrido, embora o acórdão Hautala/Conselho, já referido, não tivesse ainda sido proferido no momento da adopção das decisões impugnadas, esse acórdão clarificou um direito preexistente, a saber, o direito de acesso a documentos detidos pelo Conselho e pela Comissão, tal como previsto no código de conduta tornado efectivo por estas duas instituições através das Decisões 93/731 e 94/90.

48.      Daqui se infere que as decisões impugnadas estão viciadas de um erro de direito.

49.      A questão que se coloca no âmbito do presente recurso é a de saber se o Tribunal de Primeira Instância podia validamente considerar que, «face às as explicações dadas pelas instituições recorridas» durante o processo contencioso e«tendo em conta a natureza dos documentos em litígio», esse erro de direito não justificava a anulação das decisões impugnadas porque não tivera qualquer influência no resultado da apreciação das instituições.

50.      Contrariamente às instituições recorridas, penso que a apreciação do Tribunal de Primeira Instância não pode ser aprovada pelas seguintes considerações.

51.      Em primeiro lugar, o Tribunal de Primeira Instância não podia basear‑se, em minha opinião, nas explicações apresentadas pela Comissão e o Conselho durante o processo contencioso e destinadas a provar que o acesso parcial não era possível no caso em apreço pois essas instituições não tinham examinado a possibilidade de um acesso desse tipo nas decisões impugnadas.

52.      Com efeito, importa recordar que, por força da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito de um recurso de anulação nos termos do artigo 230.° CE, a legalidade de um acto comunitário deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes na data da sua adopção  (23) . Esta regra impede o juiz de tomar em consideração circunstâncias ocorridas posteriormente ao acto. Segue‑se que, do mesmo modo que essa regra se opõe a que um recorrente conteste a legalidade de um acto invocando elementos de ordem factual ou jurídica que lhe são posteriores  (24) , também impede que a ilegalidade do referido acto seja sanada a posteriori pelo seu autor.

53.      Nessa medida, esta regra visa garantir que a Comunidade Europeia funcione efectivamente como uma comunidade de direito. Pretende que as instituições exerçam as suas competências no respeito das regras de direito, assegurando que a sanção de ilegalidade do acto impugnado seja a sua nulidade. Assim, é por força do princípio da legalidade que uma decisão deve ser apreciada no dia em que foi tomada.

54.      Embora o Tribunal de Justiça admita, em condições muito limitadas, que se possa derrogar essa regra relativamente a um vício de forma ou processual e que esses vícios que afectam a legalidade externa de um acto possam ser sanados no decurso do processo contencioso  (25) , não detecto qualquer derrogação similar na jurisprudência do Tribunal de Justiça em sede de legalidade interna. Assim, quando o Tribunal de Justiça considerou que um vício que afecta a legalidade interna de uma decisão não devia conduzir à sua anulação, foi numa situação em que essa decisão também se baseava noutro fundamento que se afigurava ser suficiente para justificar a sua legalidade  (26) . Nessa hipótese, declara‑se que esse vício não afecta a legalidade da decisão em causa porque esta última contém em si própria, quer dizer, tal como se apresentava quando foi tomada, os fundamentos suficientes para justificar a sua legalidade. Nessa medida, o fundamento relativo ao erro de direito em causa revela‑se inoperante  (27) .

55.      Essa análise verifica‑se também no que diz respeito aos acórdãos Günzler Aluminium/Comissão e FFSA e o./Comissão, já referidos, a que o Tribunal de Primeira Instância se refere no n.° 71 do acórdão recorrido. Nesses dois acórdãos, o Tribunal de Primeira Instância baseou a sua apreciação, de que o erro de direito cometido na decisão em causa não tivera qualquer influência no resultado da apreciação da instituição, nos elementos contidos na fundamentação da referida decisão  (28) .

56.      Ora, no acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância fundamentou a sua apreciação, segundo a qual a falta de exame da possibilidade de conceder um acesso parcial não tivera qualquer influência no resultado da apreciação das duas instituições, nos elementos fornecidos por estas no decurso do processo contencioso e que não figuravam nas decisões impugnadas. Ao proceder deste modo, o Tribunal de Primeira Instância admitiu a regularização a posteriori do erro de direito que inquinava a legalidade das referidas decisões. Ora, esta prática é contrária ao princípio da legalidade, que obriga à anulação dos actos ilegais.

57.      Além disso, admitir esta prática conduziria a enfraquecer seriamente o efeito útil do direito de acesso parcial aos documentos consagrado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma vez que as instituições poderiam não proceder a esse exame pois, se o interessado interpusesse recurso, poderiam sempre regularizar esse incumprimento no decurso do processo. Isto parece‑me tanto mais injustificado quanto o direito a um acesso parcial reconhecido pela jurisprudência foi expressamente consagrado pelo legislador no Regulamento (CE) n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho  (29) , que substituiu as Decisões 93/731 e 94/90.

58.      Quanto à natureza dos documentos em litígio, também referida no n.° 71 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância não podia daí deduzir que a não apreciação da possibilidade de conceder o acesso parcial não teve qualquer influência sobre a apreciação das instituições nas decisões impugnadas. Por um lado, é precisamente quando os documentos estão abrangidos por uma excepção que visa a protecção do interesse público e são de carácter «sensível», como o Tribunal de Primeira Instância referiu no n.° 72 do acórdão recorrido, que se coloca a questão da possibilidade de conceder um acesso parcial. Por outro lado, é às instituições que compete apreciar se é possível um acesso parcial e o Tribunal de Primeira Instância não pode substituir a apreciação das instituições pela sua.

59.      Em seguida, a solução acolhida pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão recorrido parece‑me criticável porque priva o interessado das garantias processuais que envolvem o exame de um pedido de acesso bem como dos seus direitos de defesa.

60.      Com efeito, em conformidade com os artigos 230.° CE e 231.° CE, quando um recurso interposto de uma decisão por esta estar viciada por um erro de direito tiver fundamento, a decisão em causa deve ser anulada. Como vimos, segundo o artigo 233.° CE, compete então à instituição de que emane o acto anulado tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do órgão jurisdicional comunitário. Em matéria de acesso aos documentos, a instituição que não tivesse examinado a possibilidade de conceder um acesso parcial aos documentos em causa deveria assim retomar o diálogo com o requerente e informá‑lo das razões da sua recusa total ou parcial.

61.      Quando, como no caso em apreço, as instituições considerem que não pode ser concedido um acesso parcial, deverão comunicar os respectivos fundamentos ao interessado, que terá a oportunidade de os contestar num pedido de confirmação. Se as instituições mantiverem a sua posição, deverão indicar com clareza as razões pelas quais os argumentos que apresentou não lhes permitem deferir o seu pedido  (30) . Essas razões deverão, além disso, ser reveladoras de que as instituições procederam a uma apreciação concreta de cada documento em causa  (31) . Perante essas razões, o interessado poderá então decidir interpor ou não um recurso de anulação dessas decisões.

62.      Deve‑se observar que o acórdão recorrido priva o recorrente de todas essas garantias processuais e da possibilidade de contestar utilmente os fundamentos pelos quais as instituições recorridas consideram, no caso em apreço, que não é possível um acesso parcial aos documentos em causa. Com efeito, esses fundamentos foram comunicados pela primeira vez ao recorrente durante o processo contencioso. Assim, este não os pôde discutir durante o procedimento administrativo nem deles tomar conhecimento atempadamente para defender os seus direitos no Tribunal de Primeira Instância.

63.     É atendendo a todos estes elementos que considero que o Tribunal de Primeira Instância violou o direito a um acesso parcial do recorrente ao considerar que o facto de as instituições não terem examinado a possibilidade desse acesso não teve qualquer influência quanto ao resultado das suas apreciações nas decisões impugnadas.

64.      Sendo este erro de direito suficiente para justificar a anulação do acórdão recorrido, é a título puramente subsidiário que apresento observações sobre a segunda crítica do recorrente.

ii) Quanto à segunda crítica

65.      Em minha opinião, a análise feita pelo Tribunal de Primeira Instância no n.° 69 do acórdão recorrido, segundo a qual as instituições têm o direito de não conceder um acesso parcial quando as partes dos documentos que poderiam ser comunicadas não forem de qualquer utilidade para o requerente, independentemente da consideração da carga de trabalho que esse acesso implicava, faz uma interpretação demasiado ampla da derrogação à obrigação de conceder um acesso parcial admitida pela jurisprudência.

66.      Do mesmo modo, ao considerar que, no caso presente, o acesso parcial poderia ser recusado por «as partes dos documentos às quais poderia ser dado acesso conterem tão poucas informações que não seriam de qualquer utilidade para o recorrente» e que, de um modo geral, os documentos em questão não contêm partes facilmente destacáveis, o Tribunal de Primeira Instância fez, em minha opinião, uma aplicação errada do direito ao acesso parcial consagrado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

67.      Há que recordar em que contexto jurídico a derrogação em controvertida foi admitida.

68.      Antes de mais, segundo jurisprudência constante, resulta da economia das Decisões 93/731 e 94/90 que qualquer pessoa pode pedir o acesso a qualquer documento não publicado, do Conselho e da Comissão, sem que seja necessário fundamentar o seu pedido  (32) . A reprodução desta regra no artigo 6.° do Regulamento n.° 1049/2001 confirma muito claramente que o direito de acesso aos documentos não está sujeito à condição de uma qualquer utilidade desses documentos para o requerente.

69.      Em seguida, o direito de acesso aos documentos, ou seja, aos elementos de informação neles contidos  (33) , constitui o princípio e uma decisão de recusa que só é válida se se basear numa das excepções expressamente previstas no artigo 4.° da Decisão 93/731 ou no código de conduta anexo à Decisão 94/90. Como estas excepções ao direito de acesso devem ser interpretadas e aplicadas de modo estrito  (34) , não podem impedir o acesso a elementos de informações que não estejam também abrangidos por essas excepções. Se assim não fosse, o efeito útil do direito de acesso aos documentos ficaria consideravelmente diminuído. Além disso, recusar o acesso a essas informações constituiria uma medida manifestamente desproporcionada para assegurar a confidencialidade dos elementos abrangidos por uma dessas excepções.

70.      Foi neste contexto que o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 86 do acórdão Hautala/Conselho, já referido, observou que o princípio da proporcionalidade permitia à instituição, «em casos particulares em que o volume do documento ou o das passagens a suprimir implicam [para ela] uma tarefa administrativa inadequada, ponderar, por um lado, o interesse do acesso do público a essas partes fragmentárias e, por outro lado, a carga de trabalho que daí decorre». O Tribunal de Justiça confirmou essa análise no n.° 30 do acórdão Conselho/Hautala, já referido, ao fazer referência aos «casos particulares» em que a obrigação de garantir um acesso parcial ocasionaria «encargos administrativos excessivos».

71.      Perante estes elementos, a derrogação à obrigação de a instituição em causa conceder um acesso parcial aos documentos em questão admitida pela jurisprudência não podia ser interpretada, em minha opinião, no sentido de que essa instituição podia recusar o acesso a dados não confidenciais por considerar que esse acesso não tem utilidade para o recorrente.

72.      Embora, no âmbito de uma boa administração, a instituição em causa possa, em resposta ao pedido inicial do interessado, informá‑lo de que o acesso parcial que lhe pode ser concedido será limitado a elementos de informação que parecem já ser do seu conhecimento, não pode, ao invés, em minha opinião, recusar o acesso a esses elementos se o interessado insistir no requerido num pedido de confirmação.

73.     É apenas quando a dimensão da tarefa ocasionada pela dissimulação dos elementos não comunicáveis ultrapassa os limites do que pode ser razoavelmente exigido à instituição em causa que esta, no interesse da boa administração, pode ser autorizada a examinar se esse acesso tem interesse e a apreciar a importância deste. Além disso, nesse caso, como sustenta o recorrente, a existência de um interesse particular do requerente poderia ainda obrigar a administração a conceder‑lhe o acesso parcial aos documentos em causa, apesar do volume de trabalho muito importante que esse acesso representa  (35) .

74.      Por conseguinte, uma instituição não pode recusar o acesso a elementos de informação não abrangidos por uma excepção por considerar que esses elementos são pouco numerosos para serem úteis e invocando simples dificuldades administrativas.

75.      Esta interpretação da referida derrogação conduzia, de facto, a conferir à administração um verdadeiro poder de apreciação discricionário da oportunidade de conceder um acesso a elementos de informação não confidenciais em função do que considera ser a utilidade dessas informações para o requerente e do trabalho que o acesso a esses dados implica para si. Punha em causa o efeito útil do direito de acesso aos documentos que, recordando‑o, visa conceder a qualquer pessoa o direito de acesso a qualquer elemento de informação não abrangido por uma excepção sem que essa pessoa tenha de demonstrar um interesse nesse acesso.

76.      No termo desta análise, parece‑me importante sublinhar que a derrogação jurisprudencial, devida a uma carga de trabalho excessiva, à obrigação de conceder um acesso parcial não foi retomada no Regulamento n.° 1049/2001. Sem aqui tomar posição sobre a questão de saber em que medida essa derrogação jurisprudencial poderá ser aplicada no âmbito do referido regulamento, esse elemento, à luz da consagração do direito de acesso no direito comunitário primário no artigo 255.° CE e na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, assinada em Nice em 7 de Dezembro de 2000  (36) , nos artigos 41.° e 42.°, confirma, em minha opinião, a interpretação muito estrita que deve ser dada à referida derrogação no âmbito das Decisões 93/731 e 94/90.

77.      Tendo em conta as considerações precedentes, considero que o Tribunal de Primeira Instância também fez uma aplicação errada do direito a um acesso parcial ao considerar que esse acesso não era possível no caso em apreço por as partes às quais poderia ser dado acesso conterem tão poucas informações que não seriam de qualquer utilidade para o recorrente e por, de um modo geral, os documentos em questão não conterem partes facilmente destacáveis.

78.      Assim, proponho ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido, sem que seja necessário examinar os outros fundamentos apresentados pelo recorrente.

2. Quanto às consequências do presente recurso

79.      Segundo o artigo 54.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, quando o recurso for procedente e o Tribunal de Justiça anular a decisão do Tribunal de Primeira Instância, o Tribunal de Justiça pode julgar definitivamente o litígio se este estiver em condições de ser julgado. Se o Tribunal de Justiça anular o acórdão recorrido como proponho, penso que está em condições de se pronunciar quanto ao mérito do recurso. Com efeito, é facto assente que a Comissão e o Conselho, quando da adopção das decisões impugnadas, não examinaram se o acesso parcial aos documentos em causa podia ser ponderado porque consideravam que o direito de acesso aos documentos não lhes impunha essa obrigação.

80.      Estando as decisões impugnadas viciadas por um erro de direito, proponho ao Tribunal de Justiça que as anule.

V – Quanto às despesas

81.      Em conformidade com o artigo 122.°, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, quando o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

82.      Proponho ao Tribunal de Justiça que condene as instituições a suportar as suas próprias despesas, bem como as efectuadas pelo recorrente, tanto no âmbito do processo no Tribunal de Justiça como no do Tribunal de Primeira Instância.

VI – Conclusão

83.      Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que decida do seguinte modo:

1)
anular o acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 12 de Julho de 2001, Mattila/Conselho e Comissão (T‑204/99),

2)
anular as decisões da Comissão e do Conselho, respectivamente de 5 e de 12 de Julho de 1999, que recusaram ao recorrente o acesso a certos documentos,

3)
condenar o Conselho e a Comissão nas despesas referentes às duas instâncias.


1
Língua original: francês.


2
Mattila/Conselho e Comissão (T‑204/99, Colect., p. II‑2265, a seguir «acórdão recorrido»).


3
A seguir, «decisões impugnadas».


4
JO C 191, p. 95, 101.


5
Conselhos Europeus de Birmingham (Bol. CE 10‑1992, p. 9) e de Edimburgo (Bol. CE 12‑1992, p. 7).


6
Conselho Europeu de Copenhaga (Bol. CE 6‑1993, p. 16, n.° I.22).


7
JO L 340, p. 41, a seguir «código de conduta».


8
Decisão do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, relativa ao acesso do público aos documentos do Conselho (JO L 340, p. 43).


9
Decisão da Comissão, de 8 de Fevereiro de 1994, relativa ao acesso do público aos documentos da Comissão (JO L 46, p. 58).


10
T‑14/98, Colect., p. II‑2489.


11
N.° 87.


12
C‑353/99 P, Colect., p. I‑9565, n.os 27 e 31.


13
V. acórdãos de 10 de Dezembro de 1957, ALMA/Alta Autoridade (8/56, Recueil, pp. 179, 191; Colect. 1954‑1961, p. 163), e de 1 de Julho de 1964, Degreef/Comissão (80/63, Recueil, p. 767, 798; Colect. 1962‑1964, p. 495). V., também, despacho de 7 de Fevereiro de 1994, PIA HiFi/Comissão (C‑388/93, Colect., p. I‑387, n.° 10).


14
V., supra, n.° 24.


15
V. acórdãos de 24 de Junho de 1986, AKZO Chemie/Comissão (53/85, Colect., p. 1965, n.° 23); de 25 de Maio de 1993, Foyer culturel du Sart‑Tilman/Comissão (C‑199/91, Colect., p. I‑2667, n.° 17); de 15 de Setembro de 1998, European Night Services e o. /Comissão (T‑374/94, T‑375/94, T‑384/94 e T‑388/94, Colect., p. II‑3141, n.° 53); e de 14 de Maio de 2002, Graphischer Maschinenbau/Comissão (T‑126/99, Colect., p. II‑2427, n.° 17).


16
V. acórdão de 8 de Julho de 1999, DSM/Comissão (C‑5/93 P, Colect., p. I‑4695, n.° 36).


17
V. despacho de 27 de Outubro de 1999, Meyer/Comissão (T‑106/99, Colect., p. II‑3273, n.° 21).


18
V., nomeadamente, acórdãos de 4 de Julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão (C‑352/98 P, Colect., p. I‑5291, n.° 34), e de 8 de Janeiro de 2002, França/Monsanto e Comissão (C‑248/99 P, Colect., p. I‑1, n.° 68).


19
V. nomeadamente, despacho de 25 de Março de 1998, FFSA e o./Comissão (C‑174/97 P, Colect., p. I‑1303, n.° 24).


20
V. acórdão de 13 de Julho de 2000, Salzgitter/Comissão (C‑210/98 P, Colect., p. I‑5843, n.° 43).


21
V. acórdão de 6 de Março de 2003, Interporc/Comissão (C‑41/00 P, Colect., p. I‑0000, n.° 17, e jurisprudência referida).


22
P. 2.


23
V. acórdãos de 7 de Fevereiro de 1979, França/Comissão (15/76 e 16/76, Colect., p. 145, n.° 7), e de 17 de Maio de 2001, IECC/Comissão (C‑449/98 P, Colect., p. I‑3875, n.° 87).


24
V., por exemplo, acórdãos de 6 de Julho de 1983, Geist/Comissão (225/81, Recueil, p. 2217, n.° 25), e de 19 de Setembro de 2000, Dürbeck/Comissão (T‑252/97, Colect., p. II‑3031, n.° 97, e jurisprudência referida).


25
No contencioso da função pública, o Tribunal de Justiça admitiu que explicações fornecidas no decurso do processo podiam, em casos excepcionais, destituir de objecto um fundamento baseado em fundamentação insuficiente, de modo a deixar de se justificar a anulação da decisão em causa (acórdão de 8 de Março de 1988, Sergio e o./Comissão, 64/86, 71/86 a 73/86 e 78/86, Colect., p. 1399, n.° 52, e jurisprudência referida). Também se considerou que uma fundamentação cujo início se encontra expresso no acto impugnado pode ser desenvolvida e precisada no decurso do processo (acórdão de 12 de Dezembro de 1996, Rendo e o./Comissão, T‑16/91 RV, Colect., p. II‑1827, n.° 55). Todavia, neste último exemplo, já não se trata de uma regularização em sentido estrito, quer dizer, da correcção de uma ilegalidade anterior, uma vez que o acto envolvia efectivamente desde o início uma fundamentação em conformidade com o artigo 253.° CE. No que diz respeito aos direitos de defesa, o Tribunal de Justiça decidiu, no acórdão de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão (85/76, Colect., 1979, p. 217, n.° 15), que, se, durante o processo que lhe foi submetido, cessarem irregularidades, estas não implicam necessariamente a anulação da decisão impugnada «desde que os direitos da defesa não sejam afectados por esta regularização tardia». Todavia, essa decisão é um caso isolado e uma violação dos direitos de defesa não pode, em princípio, ser objecto de uma regularização numa fase ulterior (acórdão de 8 de Julho de 1999, Hercules Chemicals/Comissão, C‑51/92 P, Colect., p. I‑4235, n.° 78). É um facto que o Tribunal de Justiça verifica, em função das circunstâncias próprias de cada caso concreto, se, não existindo irregularidades, o processo poderia conduzir a um resultado diferente (ibidem, n.° 82). No entanto, essa jurisprudência não conduz o Tribunal de Justiça a admitir a regularização a posteriori de uma violação dos direitos de defesa. V. sobre a problemática da regularização, Ritleng, D., Le contrôle de légalité des actes communautaires par la Cour de justice et le Tribunal de première instance des Communautés européennes, Tese, Estrasburgo (n.os 121 a 128).


26
V. acórdãos de 24 de Fevereiro de 1987, Continentale Produkten Gesellschaft/Comissão (312/84, Colect., p. 841, n.° 21); de 12 de Julho de 1990, CdF Chimie AZF/Comissão (C‑169/84, Colect., p. I‑3083, n.° 16); e de 6 de Novembro de 1990, Itália/Comissão (C‑86/89, Colect., p. I‑3891, n.° 20).


27
V. acórdão Itália/Comissão, já referido, n.° 20.


28
No acórdão Günzler Aluminium/Comissão, já referido, que diz respeito a uma cobrança a posteriori de direitos de importação, o Tribunal de Primeira Instância considerou que o erro de direito cometido pela Comissão na decisão em causa era de natureza puramente formal porque a disposição aplicada pela Comissão e o texto aplicável prosseguiam o mesmo objectivo e estabeleciam condições equivalentes. No acórdão FFSA e o./Comissão, já referido, o Tribunal de Primeira Instância pronunciou‑se sobre um recurso interposto de uma decisão da Comissão relativa a um benefício fiscal concedido pelo Governo francês à La Poste. O Tribunal de Primeira Instância considerou que o benefício em causa constituía um auxílio de Estado na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE, que era compatível com o mercado comum por força do artigo 86.°, n.° 2, CE. Considerou que a apreciação da Comissão na decisão em causa, segundo a qual a medida em questão, por força do artigo 86.°, n.° 2, CE, não constituía um auxílio de Estado, não afectou o resultado da análise do auxílio em questão e não devia acarretar a anulação da decisão controvertida (n.° 199).


29
Regulamento de 30 de Maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO L 145, p. 43). Nos termos do artigo 4.°, n.° 6, «[q]uando só algumas partes do documento pedido forem abrangidas por qualquer das excepções, as restantes partes do documento serão divulgadas».


30
V., nesse sentido, o acórdão de 6 de Abril de 2000, Kuijer/Conselho (T‑188/98, Colect., p. II‑1959, n.os 44 a 46).


31
V. acórdãos de 5 de Março de 1997, WWF UK/Comissão (T‑105/95, Colect., p. II‑313, n.os 64 e 74); de 6 de Fevereiro de 1998, Interporc/Comissão (T‑124/96, Colect., p. II‑231, n.° 54); de 17 de Junho de 1998, Svenska Journalistförbundet/Conselho (T‑174/95, Colect., p. II‑2289, n.° 117); Kuijer/Conselho, já referido (n.° 38); e de 12 de Outubro de 2000, JT’s Corporation/Comissão (T‑123/99, Colect., p. II‑3269, n.° 64).


32
V., no que diz respeito à Decisão 93/731, acórdão Svenska Journalistförbundet/Conselho, já referido (n.° 109), e, relativamente à Decisão 94/90, acórdãos de 6 de Fevereiro de 1998, Interporc/Comissão, já referido (n.° 48); de 14 de Outubro de 1999, Bavarian Lager/Comissão (T‑309/97, Colect., p. II‑3217, n.° 37); e de 10 de Outubro de 2001, British American Tobacco International (Investments)/Comissão (T‑111/00, Colect., p. II‑2997, n.° 42).


33
V. acórdão Conselho/Hautala, já referido (n.° 23).


34
V. acórdãos de 11 de Janeiro de 2000, Países Baixos e Van der Wal/Comissão (C‑174/98 P e C‑189/98 P, Colect., p. I‑1, n.° 27), e Conselho/Hautala, já referido (n.° 25).


35
Tendo a administração a obrigação de delimitar para cada documento que contenha dados confidenciais quais as passagens efectivamente abrangidas pela excepção em causa, a dissimulação dessas passagens não deveria, com toda a lógica, ocasionar um volume de trabalho excessivo.


36
JO 2000, C 364, p. 1.

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