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Document 62000CJ0292

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 9 de Janeiro de 2003.
Davidoff & Cie SA e Zino Davidoff SA contra Gofkid Ltd.
Pedido de decisão prejudicial: Bundesgerichtshof - Alemanha.
Directiva 89/104/CEE - Artigos 4.º, n.º 4, alínea a), e 5.º, n.º 2 - Marcas prestigiadas - Protecção contra o uso de um sinal para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes.
Processo C-292/00.

Colectânea de Jurisprudência 2003 I-00389

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2003:9

62000J0292

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 9 de Janeiro de 2003. - Davidoff & Cie SA e Zino Davidoff SA contra Gofkid Ltd. - Pedido de decisão prejudicial: Bundesgerichtshof - Alemanha. - Directiva 89/104/CEE - Artigos 4.º, n.º 4, alínea a), e 5.º, n.º 2 - Marcas prestigiadas - Protecção contra o uso de um sinal para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes. - Processo C-292/00.

Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-00389


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


Aproximação das legislações - Marcas - Directiva 89/104 - Marca prestigiada - Protecção alargada a produtos ou a serviços não semelhantes [artigos 4.° , n.° 4, alínea a), e 5.° , n.° 2, da directiva] - Possibilidade de os Estados-Membros preverem essa protecção igualmente no caso de utilização de um sinal para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes

[Directiva 89/104 do Conselho, artigos 4.° , n.os 1, alínea b), e 4, alínea a), e 5.° , n.os 1 e 2]

Sumário


$$Os artigos 4.° , n.° 4, alínea a), e 5.° , n.° 2, da Primeira Directiva 89/104, em matéria de marcas, que permitem aos Estados-Membros prever uma protecção específica a favor de uma marca registada que goze de prestígio quando a marca ou o sinal posterior, idêntico ou semelhante a essa marca registada, se destinar a ser utilizado ou for utilizado para produtos ou serviços que não são semelhantes àqueles para os quais a marca se encontra registada, devem ser interpretados no sentido de que deixam aos Estados-Membros a faculdade de preverem igualmente essa protecção quando a marca ou o sinal posterior se destinar a ser utilizado ou for utilizado para produtos ou serviços que são idênticos ou semelhantes aos abrangidos pela marca.

Com efeito, não se pode adoptar uma interpretação dessas disposições que tenha como consequência uma protecção das marcas prestigiadas inferior no caso de uso de um sinal para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes inferior à que teriam em caso de uso de um sinal para produtos ou serviços dissemelhantes.

( cf. n.os 25, 30, disp. )

Partes


No processo C-292/00,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Bundesgerichtshof (Alemanha), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Davidoff & Cie SA,

Zino Davidoff SA

e

Gofkid Ltd,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 4.° , n.° 4, alínea a), e 5.° , n.° 2, da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: J.-P. Puissochet, presidente de secção, C. Gulmann (relator), V. Skouris, F. Macken e N. Colneric, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs,

secretário: H. A. Rühl, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação da Davidoff & Cie SA e Zino Davidoff SA, por J. Frisinger, Rechtsanwalt,

- em representação da Gofkid Ltd, por M. Wirtz, Rechtsanwalt,

- em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes e I. Vieira Lopes, na qualidade de agentes,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por K. Banks, na qualidade de agente, assistida por W. Berg, Rechtsanwalt,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações da Davidoff & Cie SA e da Zino Davidoff SA, representadas por J. Frisinger, da Gofkid Ltd, representada por M. Wirtz, do Governo do Reino Unido, representado por J. E. Collins, na qualidade de agente, assistido por M. Tappin, barrister, e da Comissão, representada por W. Berg, na audiência de 13 de Dezembro de 2001,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 21 de Março de 2002,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 27 de Abril de 2000, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 31 de Julho do mesmo ano, o Bundesgerichtshof submeteu, ao abrigo do artigo 234.° CE, duas questões prejudiciais sobre a interpretação dos artigos 4.° , n.° 4, alínea a), e 5.° , n.° 2, da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1, a seguir «directiva»).

2 Estas questões foram suscitadas no quadro de um litígio entre a Davidoff & Cie SA e a Zino Davidoff SA (a seguir, em conjunto, «Davidoff»), sociedades com sede na Suíça que distribuem artigos de luxo sob a marca Davidoff, e a Gofkid Ltd (a seguir «Gofkid»), sociedade com sede em Hong-Kong, a propósito da utilização por esta última, na Alemanha, da marca Durffee.

Enquadramento jurídico

3 A directiva enuncia nos seus nono e décimo considerandos:

«[...] é fundamental, para facilitar a livre circulação de produtos e serviços, providenciar para que as marcas registadas passem a usufruir da mesma proteção de acordo com a legislação de todos os Estados-Membros; [...] tal não priva os Estados-Membros da faculdade de conceder uma proteção mais ampla às marcas que gozem de prestígio;

[...] a protecção conferida pela marca registada, cujo objectivo consiste nomeadamente em garantir a função de origem da marca, é absoluta em caso de identidade entre a marca e o sinal e entre os produtos ou serviços; [...] a proteção é igualmente válida em caso de semelhança entre a marca e o sinal e entre os produtos ou serviços; [...] é indispensável interpretar a noção de semelhança em relação com o risco de confusão; [...] o risco de confusão, cuja avaliação depende de numerosos factores e nomeadamente do conhecimento da marca no mercado, da associação que pode ser feita com o sinal utilizado ou registado, do grau de semelhança entre a marca e o sinal e entre os produtos ou serviços designados, constitui a condição específica da protecção; [...] é do domínio das regras nacionais de processo que a presente directiva não prejudica a questão dos meios pelos quais o risco de confusão pode ser constatado, em especial o ónus da prova.»

4 O artigo 4.° , n.os 1 e 4, da directiva estabelece:

«1. O pedido de registo de uma marca será recusado ou, tendo sido efectuado, o registo de uma marca ficará passível de ser declarado nulo:

a) Se a marca for idêntica a uma marca anterior e se os produtos ou serviços para os quais o registo da marca for pedido ou a marca tiver sido registada forem idênticos aos produtos ou serviços para os quais a marca anterior está protegida;

b) Se, devido à sua identidade ou semelhança com a marca anterior e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços a que as duas marcas se destinam, existir, no espírito do público, um risco de confusão que compreenda o risco de associação com a marca anterior.

[...]

4. Os Estados-Membros podem igualmente prever que o pedido de registo de uma marca seja recusado ou, tendo sido efectuado, que o registo de uma marca fique passível de ser declarado nulo sempre que e na medida em que:

a) A marca seja idêntica ou semelhante a uma marca nacional anterior [...] e se destine a ser ou tiver sido registada para produtos ou serviços que não sejam semelhantes àqueles para os quais a marca anterior foi registada, sempre que a marca comunitária anterior goze de prestígio no Estado-Membro em questão e sempre que o uso da marca posterior procure, sem justo motivo, tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca comunitária anterior ou possa prejudicá-los;

[...]»

5 O artigo 5.° , n.os 1 e 2, da directiva dispõe:

«1. A marca registada confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir que um terceiro, sem o seu consentimento, faça uso na vida comercial:

a) De qualquer sinal idêntico à marca para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais a marca foi registada;

b) De um sinal relativamente ao qual, devido à sua identidade ou semelhança com a marca e devido à identidade ou semelhança dos produtos ou serviços a que a marca e o sinal se destinam, exista, no espírito do público, um risco de confusão que compreenda o risco de associação entre o sinal e a marca.

2. Qualquer Estado-Membro poderá também estipular que o titular fique habilitado a proibir que terceiros façam uso, na sua vida comercial, sem o seu consentimento, de qualquer sinal idêntico ou semelhante à marca para produtos ou serviços que não sejam semelhantes àqueles para os quais a marca foi registada, sempre que esta goze de prestígio no Estado-Membro e que o uso desse sinal, sem justo motivo, tire partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou os prejudique.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

6 A Davidoff distribui sob a marca Davidoff, registada a nível internacional com uma extensão para a Alemanha, produtos cosméticos para homem, conhaque, gravatas, armações de óculos, charutos, cigarrilhas e cigarros, respectivos acessórios, cachimbos, tabaco para cachimbo, respectivos acessórios e artigos de pele.

7 A Gofkid é titular da marca nominativa e figurativa Durffee, registada na Alemanha depois da marca Davidoff.

8 A Gofkid distribui sob esta marca, designadamente, metais preciosos e respectivas ligas e produtos fabricados ou placados com esses metais ou ligas, ou seja, objectos de artesanato artístico ou ornamental, serviços de mesa (excepto talheres), centros de mesa, cinzeiros, charuteiras e cigarreiras, boquilhas para cigarros e cigarrilhas, bijuteria, ourivesaria, pedras preciosas, relojoaria e instrumentos de cronometragem.

9 A Davidoff intentou nos tribunais alemães uma acção contra a Gofkid, pedindo, por um lado, que esta última fosse condenada, sob pena de multa, a abandonar a utilização no comércio da marca Durffee e, por outro, a anulação desta marca. Alegou que havia risco de confusão entre a referida marca e a marca Davidoff. A Gofkid utilizaria o mesmo tipo de letra e, designadamente, as letras «D» e «ff» com a forma característica da marca Davidoff. A Gofkid ter-se-ia inspirado de modo intencional nesta para beneficiar do seu prestígio e do seu impacto publicitário em proveito dos produtos por ela comercializados. A utilização da marca Durffee poria em causa a boa reputação da marca Davidoff, dado que o público não associa o território chinês a produtos exclusivos de qualidade.

10 A Gofkid contestou pedindo que a acção fosse julgada improcedente, sustentando que não havia nem risco de confusão entre as duas marcas em causa no processo principal nem possibilidade de transmissão da reputação. Segundo a Gofkid, o tipo de letra inglês utilizado na marca Davidoff é frequentemente utilizado para designar produtos para fumadores, mas igualmente relógios, artigos de joalharia e acessórios.

11 O órgão jurisdicional de primeira instância julgou improcedente a acção. O recurso interposto pela Davidoff contra a decisão deste órgão jurisdicional também não obteve provimento. A Davidoff interpôs então um recurso de revista para o Bundesgerichtshof.

12 No despacho de reenvio, este último órgão jurisdicional refere designadamente que:

- no processo principal, a Davidoff pede a protecção de uma marca prestigiada contra o uso de outra marca, em parte para produtos idênticos e em parte para produtos semelhantes;

- os órgãos jurisdicionais de primeira instância e de recurso indeferiram o pedido da Davidoff com fundamento no facto de que não existiria risco de confusão;

- as duas marcas em causa no processo principal são semelhantes;

- é necessário, porém, proceder a uma análise complementar dos factos antes de poder concluir pela existência ou não de um risco de confusão;

- importa, pois, apurar se os artigos 4.° , n.° 4, alínea a), e 5.° , n.° 2, da directiva conferem protecção às marcas prestigiadas mesmo em caso de utilização de um sinal para produtos idênticos ou semelhantes;

- segundo a sua letra, estas duas disposições só são aplicáveis quando não há semelhança entre os produtos em causa;

- porém, uma interpretação lata dessas disposições, por força da qual são igualmente aplicáveis em caso de utilização de um sinal para produtos idênticos ou semelhantes, poderia basear-se na consideração de que a protecção das marcas prestigiadas parece ainda mais justificada em caso de utilização para produtos dissemelhantes.

- se as disposições em causa vierem, porém, a ser objecto de uma interpretação literal, a questão que se colocará então será a de saber se limitam definitivamente o âmbito da protecção que pode ser conferida às marcas prestigiadas em direito nacional ou se permitem a adopção de disposições nacionais complementares especialmente destinadas a conceder a essas marcas protecção contra a concorrência desleal em caso de uso posterior de um sinal para produtos idênticos ou semelhantes.

13 Entendendo, assim, que a solução do caso no processo principal depende da interpretação dos artigos 4.° , n.° 4, alínea a), e 5.° , n.° 2, da directiva, o Bundesgerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) O disposto nos artigos 4.° , n.° 4, alínea a), e 5.° , n.° 2, da Primeira Directiva 89/104/CEE [...] deve ser interpretado (e, se for caso disso, aplicado) no sentido de que autoriza igualmente os Estados-Membros a conceder uma protecção mais ampla às marcas que gozam de prestígio quando a marca posterior é ou irá ser usada para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes àqueles para os quais a marca anterior foi registada?

2) Os artigos 4.° , n.° 4, alínea a), e 5.° , n.° 2, da directiva sobre as marcas autorizam o direito nacional a conceder uma protecção mais ampla às marcas que gozam de prestígio apenas nas hipóteses neles previstas (uso da marca que, sem justo motivo, tira partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca anterior ou possa prejudicá-los) ou autorizam a adopção de disposições nacionais complementares de protecção de marcas de prestígio contra sinais posteriores que sejam ou venham a ser utilizados para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes?»

Quanto à primeira questão

14 Com a primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, no fundo, se os artigos 4.° , n.° 4, alínea a), e 5.° , n.° 2, da directiva devem ser interpretados no sentido de que deixam aos Estados-Membros a faculdade de preverem uma protecção específica a favor de uma marca registada que goza de prestígio quando a marca ou o sinal posterior, idêntico ou semelhante a essa marca registada, se destina a ser utilizado ou é utilizado para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes aos abrangidos por esta.

Observações apresentadas no Tribunal de Justiça

15 A Davidoff, o Governo português e a Comissão consideram que se deve responder afirmativamente a esta questão, porque a protecção específica concedida às marcas prestigiadas pelos artigos 4.° , n.° 4, alínea a), e 5.° , n.° 2, da directiva em relação a produtos não semelhantes deve, por maioria de razão, aplicar-se a produtos idênticos ou semelhantes.

16 A Gofkid e o Governo do Reino Unido entendem que deve ser dada uma resposta negativa à primeira questão. Tal seria ditado pela letra dos artigos em causa e seria conforme à intenção do legislador comunitário. Por outro lado, uma protecção suficiente das marcas prestigiadas já seria garantida pelos artigos 4.° , n.° 1, alínea b), e 5.° , n.° 1, alínea b), da directiva, dado que, por força da jurisprudência resultante designadamente dos acórdãos de 11 de Novembro de 1997, SABEL (C-251/95, Colect., p. I-6191), e de 29 de Setembro de 1998, Canon (C-39/97, Colect., p. I-5507), o risco de confusão seria mais amplamente admitido a favor das marcas prestigiadas.

Resposta do Tribunal

17 Importa precisar liminarmente que a questão submetida será examinada, a seguir, apenas à luz do artigo 5.° , n.° 2, da directiva, mas que a interpretação a que se chegar no termo desse exame será transponível, mutatis mutandis, para o artigo 4.° , n.° 4, alínea a), da directiva.

18 Recorde-se que, ao contrário do n.° 1 do artigo 5.° da directiva, o artigo 5.° , n.° 2, da mesma não impõe aos Estados-Membros que introduzam nos seus direitos nacionais a protecção nele definida. Limita-se a conceder-lhes a faculdade de conferirem essa protecção. Quando esta faculdade tiver sido exercida, as marcas que gozam de prestígio beneficiam portanto tanto da protecção conferida pelo n.° 1 do artigo 5.° da directiva como da concedida pelo artigo 5.° , n.° 2, desta.

19 O n.° 2 do artigo 5.° da directiva permite conceder às marcas prestigiadas uma protecção acrescida em relação à prevista no artigo 5.° , n.° 1.

20 A protecção é acrescida em relação aos produtos e aos serviços aos quais se aplica, no sentido de que o titular pode ser habilitado a proibir o uso de um sinal idêntico ou semelhante à sua marca para produtos ou serviços que não sejam semelhantes àqueles para os quais a marca foi registada, quer dizer, em situações em que está excluída a protecção conferida pelo artigo 5.° , n.° 1, que só se aplica a produtos ou serviços idênticos ou semelhantes.

21 Esta protecção acrescida é concedida quando o uso de um sinal sem justa causa retira indevidamente vantagem do carácter distintivo ou do prestígio da marca ou lhe causa prejuízo. Trata-se, pois, de uma protecção específica contra actos lesivos do carácter distintivo ou do prestígio das marcas em causa.

22 No processo principal, o Bundesgerichtshof não exclui que a prova de um risco de confusão pode ser um problema, eventualidade esta em que o titular da marca prestigiada poderia ter um interesse legítimo em proteger o carácter distintivo e o prestígio da sua marca nos termos do artigo 5.° , n.° 2, da directiva.

23 A questão que se põe é, assim, a de saber se a letra do artigo 5.° , n.° 2, da directiva, por só se referir expressamente ao uso de um sinal para produtos ou serviços não semelhantes, obsta à aplicação desta disposição igualmente em caso de uso do sinal para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes.

24 Quanto a este aspecto, importa, antes de mais, observar que o artigo 5.° , n.° 2, da directiva não deve ser interpretado exclusivamente à luz da sua letra, mas atendendo igualmente à economia geral e aos objectivos do sistema em que se insere.

25 Ora, atendendo a estes últimos elementos, não se pode adoptar uma interpretação do artigo em questão que tenha como consequência, em caso de uso de um sinal para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes, uma protecção das marcas prestigiadas inferior à que teriam em caso de uso de um sinal para produtos ou serviços dissemelhantes.

26 Quanto a este aspecto, não foi verdadeiramente contestado no Tribunal de Justiça que a marca prestigiada deve beneficiar, em caso de uso de um sinal para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes, de uma protecção pelo menos tão lata quanto a que existe em caso de uso de um sinal para produtos ou serviços que não sejam semelhantes.

27 A questão discutida no Tribunal de Justiça foi essencialmente a de saber se a protecção de uma marca prestigiada contra o uso de um sinal destinado a produtos ou serviços idênticos ou semelhantes e que lesa o carácter distintivo ou o prestígio dessa marca não se obtém desde logo com base no n.° 1 do artigo 5.° da directiva, de modo que deixaria de ser necessário procurá-la no disposto no artigo 5.° , n.° 2.

28 Quanto a este aspecto, se, à luz do décimo considerando da directiva, a protecção conferida pelo artigo 5.° , n.° 1, alínea a), desta é absoluta quando o uso afecta ou é susceptível de afectar uma das funções da marca (v. acórdão de 12 de Novembro de 2002, Arsenal Football Club, C-206/01, ainda não publicado na Colectânea, n.os 50 e 51), já a aplicação do artigo 5.° , n.° 1, alínea b), depende da existência de um risco de confusão (v. acórdão de 22 de Junho de 2000, Marca Mode, C-425/98, Colect., p. I-4861, n.° 34). Observe-se que, nos n.os 20 e 21 do acórdão SABEL, já referido, o Tribunal de Justiça já excluiu uma interpretação extensiva do artigo 4.° , n.° 1, alínea b), da directiva, que é, no essencial, idêntico ao artigo 5.° , n.° 1, alínea b), desta, interpretação que lhe tinha sido sugerida com o argumento de que, nomeadamente, o artigo 5.° , n.° 2, da directiva só se aplica, segundo a sua letra, em caso de uso de um sinal para produtos ou serviços dissemelhantes.

29 Portanto, em circunstâncias em que esteja excluído um risco de confusão, o artigo 5.° , n.° 1, alínea b), da directiva não poderia ser invocado pelo titular de uma marca prestigiada para se proteger contra um acto lesivo do carácter distintivo ou do prestígio da marca.

30 Nestas condições, há que responder à primeira questão que os artigos 4.° , n.° 4, alínea a), e 5.° , n.° 2, da directiva devem ser interpretados no sentido de que deixam aos Estados-Membros a faculdade de preverem uma protecção específica a favor de uma marca registada que goze de prestígio quando a marca ou o sinal posterior, idêntico ou semelhante a essa marca registada, se destinar a ser utilizado ou for utilizado para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes aos abrangidos por esta.

Quanto à segunda questão

31 Tendo em conta a resposta dada à primeira questão, não é necessário examinar a segunda, só tendo esta sido colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio para o caso de uma resposta negativa à primeira questão.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

32 As despesas efectuadas pelos Governos português e do Reino Unido e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Bundesgerichtshof, por despacho de 27 de Abril de 2000, declara:

Os artigos 4.° , n.° 4, alínea a), e 5.° , n.° 2, da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas, devem ser interpretados no sentido de que deixam aos Estados-Membros a faculdade de preverem uma protecção específica a favor de uma marca registada que goze de prestígio quando a marca ou o sinal posterior, idêntico ou semelhante a essa marca registada, se destinar a ser utilizado ou for utilizado para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes aos abrangidos por esta.

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