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Document 62000CJ0182

Acórdão do Tribunal (Primeira Secção) de 15 de Janeiro de 2002.
Lutz GmbH e outros.
Pedido de decisão prejudicial: Landesgericht Wels - Áustria.
Reenvio prejudicial - Publicidade das contas anuais e do relatório de gestão - Registo comercial e das sociedades - Incompetência do Tribunal de Justiça.
Processo C-182/00.

Colectânea de Jurisprudência 2002 I-00547

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2002:19

62000J0182

Acórdão do Tribunal (Primeira Secção) de 15 de Janeiro de 2002. - Lutz GmbH e outros. - Pedido de decisão prejudicial: Landesgericht Wels - Áustria. - Reenvio prejudicial - Publicidade das contas anuais e do relatório de gestão - Registo comercial e das sociedades - Incompetência do Tribunal de Justiça. - Processo C-182/00.

Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-00547


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


Questões prejudiciais - Recurso ao Tribunal de Justiça - Órgão jurisdicional nacional na acepção do artigo 234.° CE - Conceito - Landesgericht que age na qualidade de órgão jurisdicional responsável pela manutenção de um registo comercial e das sociedades e não exerce uma função de natureza jurisdicional - Exclusão

(Artigo 234.° CE)

Sumário


$$Resulta do artigo 234.° CE que os órgãos jurisdicionais nacionais só podem recorrer ao Tribunal de Justiça se perante eles se encontrar pendente um litígio e se forem chamados a pronunciar-se no âmbito de um processo que deva conduzir a uma decisão de carácter jurisdicional.

Não pode portanto recorrer ao Tribunal de Justiça o Landesgericht Wels (Áustria) quando desempenha funções de autoridade administrativa, sem, ao mesmo tempo, ser chamado a resolver um litígio. Tal acontece quando este decide no exercício das suas competências de Handelsgericht de acordo com as disposições nacionais relativas às obrigações de publicidade das contas anuais e do relatório de gestão de certas formas de sociedades. Com efeito, no âmbito desta actividade, não lhe sendo submetido qualquer litígio, mas limitando-se a manter um registo comercial e das sociedades, a única coisa que faz é verificar se estão ou não satisfeitas as exigências legais de publicidade e, eventualmente, intimar, sob pena de sanção pecuniária compulsória, à apresentação destes documentos contabilísticos.

( cf. n.os 13-15 )

Partes


No processo C-182/00,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234._ CE, pelo Landesgericht Wels (Áustria), destinado a obter, no âmbito de um pedido apresentado a este Landesgericht por

Lutz GmbH e o.,

uma decisão a título prejudicial sobre a validade dos artigos 2._, n._ 1, alínea f), da Primeira Directiva 68/151/CEE do Conselho, de 9 de Março de 1968, tendente a coordenar as garantias que, para protecção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados-Membros às sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 58._ do Tratado, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO L 65, p. 8; EE 17 F1 p. 3), e 47._ da Quarta Directiva 78/660/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1978, baseada no artigo 54._, n._ 3, alínea g), do Tratado e relativa às contas anuais de certas formas de sociedades (JO L 222, p. 11; EE 17 F1 p. 55),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Primeira Secção),

composto por: P. Jann, presidente de secção, L. Sevón e M. Wathelet (relator), juízes,

advogado-geral: L. A. Geelhoed,

secretário: H. A. Rühl, administrador principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

- em representação de Lutz GmbH e o., por E. Chalupsky, Rechtsanwalt,

- em representação do Governo austríaco, por H. Dossi, na qualidade de agente,

- em representação do Governo espanhol, por N. Díaz Abad, na qualidade de agente,

- em representação do Governo italiano, por U. Leanza, na qualidade de agente, assistido por G. De Bellis, avvocato dello Stato,

- em representação do Conselho da União Europeia, por M. C. Giorgi-Fort e G. Houttuin, na qualidade de agentes,

- em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por M. Patakia, na qualidade de agente, assistida por B. Wägenbaur, avocat,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações de Lutz GmbH e o., representados por G. Schmidsberger, Rechtsanwalt, da República Italiana, representada por G. De Bellis, do Conselho, representado por G. Houttuin, e da Comissão, representada por M. Patakia, assistida por B. Wägenbaur, avocat, na audiência de 25 de Outubro de 2001,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 8 de Novembro de 2001,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por despacho de 9 de Maio de 2000, entrado no Tribunal de Justiça em 15 de Maio seguinte, o Landesgericht Wels, no exercício das suas competências de Handelsgericht em matéria de registo comercial e das sociedades, colocou, nos termos do artigo 234._ CE, cinco questões prejudiciais relativas à validade dos artigos 2._, n._ 1, alínea f), da Primeira Directiva 68/151/CEE do Conselho, de 9 de Março de 1968, tendente a coordenar as garantias que, para protecção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados-Membros às sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 58._ do Tratado, a fim de tornar equivalentes essas garantias em toda a Comunidade (JO L 65, p. 8; EE 17 F1 p. 3, a seguir «Primeira Directiva sociedades»), e 47._ da Quarta Directiva 78/660/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1978, baseada no artigo 54._, n._ 3, alínea g), do Tratado e relativa às contas anuais de certas formas de sociedades (JO L 222, p. 11; EE 17 F1 p. 55, a seguir «Quarta Directiva sociedades»).

2 Estas questões foram suscitadas no âmbito de um processo respeitante a Lutz GmbH e o. (a seguir «Lutz e o.») quanto à apresentação de contas anuais e de um relatório de gestão nos termos do österreichisches Handelsgesetzbuch, na versão resultante da EU-Gesellschaftsrechtsänderungsgesetz (BGBl 304/1996, a seguir «HGB»).

O direito comunitário

3 Por força do artigo 54._, n._ 3, alínea g), do Tratado CE [que passou, após alteração, a artigo 44._, n._ 2, alínea g), CE], o Conselho e a Comissão actuam no sentido da supressão das restrições à liberdade de estabelecimento coordenando as garantias que, para protecção dos interesses dos sócios e de terceiros, são exigidas nos Estados-Membros às sociedades, na acepção do segundo parágrafo do artigo 58._ do Tratado CE (actual artigo 48._, segundo parágrafo, CE), na medida em que tal seja necessário, e a fim de tornar equivalentes essas garantias.

4 Segundo o artigo 2._, n._ 1, alínea f), da Primeira Directiva sociedades, os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que a publicidade obrigatória relativa às sociedades abranja o balanço e a conta de ganhos e perdas de cada exercício.

5 O artigo 47._ da Quarta Directiva sociedades prevê que as contas anuais regularmente aprovadas e o relatório de gestão, assim como o relatório elaborado pela pessoa encarregada do controlo das contas, devem ser objecto de publicidade efectuada de acordo com as modalidades previstas pela legislação de cada Estado-Membro em conformidade com o artigo 3._ da Primeira Directiva sociedades.

O direito nacional

6 No que diz respeito às grandes sociedades de capitais, como as previstas no § 221 do HGB, o § 227, n._ 1, do mesmo dispõe:

«Os representantes legais das sociedades de capitais devem apresentar, no Firmenbuchgericht [tribunal encarregado do registo comercial] da área da sede da sociedade de capitais, as contas anuais e o relatório de gestão aprovados na assembleia principal (assembleia geral), no prazo máximo de nove meses após o dia de fecho do balanço, acompanhados do texto de certificação ou de recusa ou das reservas a essa certificação; no mesmo prazo, devem ser apresentados o relatório do conselho de geral, a proposta de demonstração de resultados e a decisão sobre a sua utilização.

Se, para cumprimento deste prazo, forem apresentadas as contas anuais e o relatório de gestão sem os restantes documentos, devem imperativamente ser apresentados, após a sua elaboração, o relatório e a proposta, após a sua aprovação, as decisões, e, após a sua emissão, o texto de certificação. [...]»

7 Em caso de inobservância desta obrigação de publicidade, o § 283, n._ 1, do HGB permite impor uma sanção pecuniária compulsória que pode atingir 50 000 ATS.

O processo principal e as questões prejudiciais

8 Por decisão de 13 de Setembro de 1999, o Landesgericht Wels, no exercício das suas competências de Handelsgericht, intimou Lutz e o. a apresentarem, no prazo de quatro semanas, sob pena de uma sanção pecuniária compulsória de 10 000 ATS cada, as contas anuais e o relatório de gestão previstos nos §§ 277 a 280a do HGB.

9 Dado que, segundo jurisprudência constante do Oberster Gerichtshof (Áustria), a ameaça de uma sanção pecuniária compulsória, como a prevista na decisão de 13 de Setembro de 1999, não é susceptível de recurso, Lutz e o. submeteram ao Verfassungsgerichtshof (Áustria) um pedido («Individualantrag») para que fosse declarado que as disposições nacionais relativas à publicidade das contas anuais e do relatório de gestão são contrárias a certos direitos fundamentais e ao direito comunitário. Por decisão de 2 de Novembro de 1999, o Landesgericht Wels, no exercício das suas competências de Handelsgericht, prorrogou até à prolação do despacho do Verfassungsgerichtshof o prazo de apresentação dos documentos contabilísticos exigidos. O Verfassungsgerichtshof indeferiu o pedido de Lutz e o., por despacho de 29 de Novembro de 1999, porque uma sanção pecuniária compulsória pode ser suspensa até que seja decidido sobre a legalidade da obrigação cuja violação é acompanhada da sanção pecuniária compulsória.

10 O Landesgericht Wels, no exercício das suas competências de Handelsgericht, decidiu então colocar ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

«1) As medidas previstas no artigo 2._, n._ 1, alínea f), da Primeira Directiva 68/151/CEE e no artigo 47._ da Quarta Directiva 78/660/CEE, relativas à publicidade obrigatória das sociedades de capitais, violam o artigo 44._, n._ 2, alínea g), CE, que confere o poder de coordenar as garantias que, para protecção dos interesses dos sócios e terceiros, são exigidas nos Estados-Membros às sociedades?

2) As medidas previstas no artigo 2._, n._ 1, alínea f), da Primeira Directiva 68/151/CEE e no artigo 47._ da Quarta Directiva 78/660/CEE, quanto à publicidade obrigatória das sociedades de capitais, violam o artigo 44._, n._ 2, alínea g), CE, quando não se verifiquem os imperativos da supressão das restrições à liberdade de estabelecimento ou da realização de outros objectivos do Tratado da União Europeia (em especial, a instituição de um quadro jurídico unitário)?

3) É compatível com o princípio geral da proporcionalidade a obrigação de publicidade prevista no artigo 2._, n._ 1, alínea f), da Primeira Directiva 68/151/CEE conjugado com o artigo 47._ da Quarta Directiva 78/660/CEE, imposta às empresas sob pena de aplicação de sanções, do balanço e da conta de ganhos e perdas de cada exercício, que acarrete a divulgação de segredos comerciais, quando o previsto fim de protecção pode ser adequadamente alcançado através de medidas menos gravosas?

4) É compatível com o direito comunitário fundamental da propriedade a obrigação de publicidade prevista no artigo 2._, n._ 1, alínea f), da Primeira Directiva 68/151/CEE conjugado com o artigo 47._ da Quarta Directiva 78/660/CEE, imposta às empresas sob pena de aplicação de sanções, do balanço e da conta de ganhos e perdas de cada exercício, que acarrete a divulgação de segredos comerciais, quando o previsto fim de protecção pode ser adequadamente alcançado através de medidas menos gravosas?

5) É compatível com o direito comunitário fundamental da liberdade de exercício de uma actividade comercial a obrigação de publicidade prevista no artigo 2._, n._ 1, alínea f), da Primeira Directiva 68/151/CEE conjugado com o artigo 47._ da Quarta Directiva 78/660/CEE, imposta às empresas sob pena de aplicação de sanções, do balanço e da conta de ganhos e perdas de cada exercício, que acarrete a divulgação de segredos comerciais, quando o previsto fim de protecção pode ser adequadamente alcançado através de medidas menos gravosas?»

Quanto à competência do Tribunal de Justiça

11 Nos termos do artigo 234._, primeiro parágrafo, CE, o Tribunal de Justiça é competente para decidir, a título prejudicial, nomeadamente, sobre a interpretação do Tratado e sobre a interpretação dos actos adoptados pelas instituições da Comunidade. O segundo parágrafo deste artigo acrescenta que, «[s]empre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal de Justiça que sobre ela se pronuncie».

12 A este respeito, para apreciar se o organismo de reenvio possui a natureza de um órgão jurisdicional na acepção do artigo 234._ CE, questão unicamente do âmbito do direito comunitário, o Tribunal de Justiça tem em conta um conjunto de elementos, como a origem legal do órgão, a sua permanência, o carácter obrigatório da sua jurisdição, a natureza contraditória do processo, a aplicação pelo órgão das normas jurídicas, bem como a sua independência (v., nomeadamente, acórdãos de 17 de Setembro de 1997, Dorsch Consult, C-54/96, Colect., p. I-4961, n._ 23, e jurisprudência aí citada; de 21 de Março de 2000, Gabalfrisa e o., C-110/98 a C-147/98, Colect., p. I-1577, n._ 33, e de 14 de Junho de 2001, Salzmann, C-178/99, Colect., p. I-4421, n._ 13).

13 Além disso, embora o artigo 234._ CE não sujeite o recurso ao Tribunal de Justiça ao carácter contraditório do processo no decurso do qual o juiz nacional formula uma questão prejudicial (v. acórdão de 17 de Maio de 1994, Corsica Ferries, C-18/93, Colect., p. I-1783, n._ 12), resulta, contudo, deste artigo que os órgãos jurisdicionais nacionais só podem recorrer ao Tribunal de Justiça se perante eles se encontrar pendente um litígio e se forem chamados a pronunciar-se no âmbito de um processo que deva conduzir a uma decisão de carácter jurisdicional (v. despachos de 18 de Junho de 1980, Borker, 138/80, Recueil, p. 1975, n._ 4, e de 5 de Março de 1986, Greis Unterweger, 318/85, Colect., p. 955, n._ 4; acórdãos de 19 de Outubro de 1995, Job Centre, C-111/94, Colect., p. I-3361, n._ 9, e Salzmann, já referido, n._ 14).

14 Assim, quando desempenha funções de autoridade administrativa, sem, ao mesmo tempo, ser chamado a resolver um litígio, ainda que satisfaça as outras condições recordadas no n._ 12 do presente acórdão, não se pode considerar que o organismo de reenvio exerce uma função de natureza jurisdicional. É o que acontece quando, por exemplo, decide de um pedido de inscrição de uma sociedade num registo segundo um processo que não tem por objecto a anulação de um acto lesivo de um direito do demandante (v. acórdãos já referidos Job Center, n._ 11, e Salzmann, n._ 15).

15 Resulta dos autos que, quando decide no exercício das suas competências de Handelsgericht de acordo com as disposições nacionais relativas às obrigações de publicidade das contas anuais e do relatório de gestão, ao Landesgericht Wels não é submetido qualquer litígio, limitando-se este a manter um registo comercial e das sociedades. A única coisa que faz é, com efeito, verificar se estão ou não satisfeitas as exigências legais de publicidade e, eventualmente, intimar, sob pena de sanção pecuniária compulsória, à apresentação destes documentos contabilísticos. Além disso, nada nos autos indica que esteja pendente no Landesgericht Wels um litígio entre Lutz e o. e uma eventual parte demandada.

16 Verifica-se assim que, no âmbito desta actividade, o Landesgericht Wels exerce uma função não jurisdicional.

17 Daqui decorre que o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar sobre as questões colocadas pelo Landesgericht Wels, no exercício das suas competências de Handelsgericht no âmbito do registo comercial e das sociedades.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

18 As despesas efectuadas pelos Governos austríaco, espanhol e italiano, bem como pelo Conselho e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto a Lutz e o., a natureza de incidente suscitado perante o Landesgericht Wels, compete a este decidir quanto às despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(Primeira Secção)

decide:

O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias não é competente para responder às questões colocadas pelo Landesgericht Wels no seu despacho de 9 de Maio de 2000.

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