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Document 62000CJ0024

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 5 de Fevereiro de 2004.
Comissão das Comunidades Europeias contra República Francesa.
Incumprimento de Estado - Artigos 30.º e 36.º do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 28.ºCE e 30.ºCE) - Regulamentação nacional que contém uma lista exaustiva das substâncias nutritivas que podem ser adicionadas aos géneros alimentícios - Medida de efeito equivalente - Justificação - Saúde pública - Defesa dos consumidores - Proporcionalidade.
Processo C-24/00.

Colectânea de Jurisprudência 2004 I-01277

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2004:70

Arrêt de la Cour

Processo C-24/00


Comissão das Comunidades Europeias
contra
República Francesa


«Incumprimento de Estado – Artigos 30.° e 36.° do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 28.° CE e 30.° CE) – Regulamentação nacional que contém uma lista exaustiva das substâncias nutritivas que podem ser adicionadas aos géneros alimentícios – Medidas de efeito equivalente – Justificação – Saúde pública – Defesa dos consumidores – Proporcionalidade»

Conclusões do advogado-geral J. Mischo apresentadas em 26 de Junho de 2001
    
Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 5 de Fevereiro de 2004
    

Sumário do acórdão

1.
Livre circulação de mercadorias – Restrições quantitativas – Medidas de efeito equivalente – Regulamentação nacional que sujeita a autorização a adição de substâncias nutritivas aos géneros alimentícios – Inadmissibilidade por falta de procedimento simplificado

[Tratado CE, artigo 30.° (que passou, após alteração, a artigo 28.° CE)]

2.
Livre circulação de mercadorias – Restrições quantitativas – Medidas de efeito equivalente – Regulamentação nacional que entrava a comercialização de géneros alimentícios enriquecidos com substâncias nutritivas – Inadmissibilidade – Justificação – Protecção da saúde pública – Inexistência na falta de demonstração de um risco real

[Tratado CE, artigos 30.° e 36.° (que passaram, após alteração, a artigos 28.° CE e 30.° CE)]

1.
Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 30.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 28.° CE) um Estado‑Membro que não prevê um procedimento simplificado que permita obter a inscrição na lista nacional das substâncias nutritivas autorizadas das substâncias nutritivas que são adicionadas aos géneros alimentícios de consumo corrente e aos géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial, legalmente fabricados e/ou comercializados noutros Estados‑Membros.
Esse procedimento deve ser facilmente acessível, deve poder ser concluído em prazos razoáveis e, se conduzir a um indeferimento, esse indeferimento deve poder ser objecto de recurso jurisdicional.

(cf. n.os 26, 76, disp.)

2.
Não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 30.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 28.° CE) um Estado‑Membro que coloca entraves à comercialização no seu território de determinados géneros alimentícios, como os complementos alimentares e os produtos dietéticos contendo L‑tartrato e L‑carnitina e os produtos de confeitaria e bebidas a que foram adicionadas determinadas substâncias nutritivas, sem demonstrar que a comercialização dos referidos géneros alimentícios comporta um risco real para a saúde pública.
Com efeito, embora o direito comunitário não se oponha, em princípio, a que a regulamentação de um Estado‑Membro proíba, salvo autorização prévia, a detenção para venda ou a comercialização de géneros destinados à alimentação humana quando neles foram adicionadas substâncias nutritivas diferentes daquelas cuja adição foi declarada lícita pela referida regulamentação, uma vez que compete aos Estados‑Membros, face à inexistência de harmonização e na medida em que subsistem incertezas no estádio actual da investigação científica, decidir do nível a que pretendem assegurar a protecção da saúde e da vida das pessoas, este poder de apreciação deve, contudo, respeitar o princípio da proporcionalidade. Além disso, compete às autoridades nacionais demonstrar em cada caso concreto, à luz dos hábitos alimentares nacionais e tendo em conta os resultados da investigação científica internacional, que a sua regulamentação é necessária para proteger efectivamente os interesses mencionados no artigo 36.° do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 30.° CE) e, nomeadamente, que a comercialização do produto em questão representa um risco real para a saúde pública.

(cf. n.os 49, 51‑53, 76, disp.)




ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)
5 de Fevereiro de 2004(1)

«Incumprimento de Estado – Artigos 30.° e 36.° do Tratado CE (que passaram, após alteração, a artigos 28.° CE e 30.° CE) – Regulamentação nacional que contém uma lista exaustiva das substâncias nutritivas que podem ser adicionadas aos géneros alimentícios – Medidas de efeito equivalente – Justificação – Saúde pública – Defesa dos consumidores – Proporcionalidade»

No processo C-24/00,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por R. B. Wainwright e O. Couvert-Castéra, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

República Francesa, representada inicialmente por R. Abraham e R. Loosli‑Surrans e em seguida por J.‑F. Dobelle e R. Loosli‑Surrans, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandada,

que tem por objecto obter a declaração de que:

ao não adoptar disposições que assegurem a livre circulação de géneros alimentícios correntes e de géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial, legalmente fabricados e/ou comercializados noutros Estados‑Membros, contendo substâncias aditivas (como vitaminas, minerais e outros ingredientes) não previstas na regulamentação francesa;

ao não prever um procedimento simplificado que permita obter a inscrição na lista nacional das substâncias aditivas, inscrição necessária à comercialização em França dos géneros alimentícios atrás mencionados, e

ao colocar entraves à comercialização em França dos géneros alimentícios atrás referidos sem demonstrar que a comercialização destes produtos comportava um risco para a saúde pública,

a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 30.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 28.° CE),



O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),,



composto por: V. Skouris, exercendo funções de presidente da Sexta Secção, C. Gulmann, J. N. Cunha Rodrigues, R. Schintgen e F. Macken (relatora), juízes,

advogado-geral: J. Mischo,
secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,

ouvidas as alegações das partes na audiência de 31 de Maio de 2001, na qual a Comissão foi representada por R. B. Wainwright e J. Adda, na qualidade de agente, e a República Francesa por R. Loosli‑Surrans,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral apresentadas na audiência de 26 de Junho de 2001,

profere o presente



Acórdão



1
Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 27 de Janeiro de 2000, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, ao abrigo do artigo 226.° CE, uma acção destinada a obter a declaração de que:

ao não adoptar disposições que assegurem a livre circulação de géneros alimentícios correntes e de géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial, legalmente fabricados e/ou comercializados noutros Estados‑Membros, contendo substâncias aditivas (como vitaminas, minerais e outros ingredientes) não previstas na regulamentação francesa;

ao não prever um procedimento simplificado que permita obter a inscrição na lista nacional das substâncias aditivas, inscrição necessária à comercialização em França dos géneros alimentícios atrás mencionados, e

ao colocar entraves à comercialização em França dos géneros alimentícios atrás referidos sem determinar se a comercialização destes produtos comportava um risco para a saúde pública,

a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 30.° do Tratado.

2
Por substâncias aditivas entendem‑se as substâncias nutritivas como as vitaminas, os minerais, os aminoácidos e outros compostos nitrogenados.


Quadro jurídico

Regulamentação comunitária

3
É pacífico que, na data pertinente para efeitos da presente acção, ou seja, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado da Comissão, de 26 de Outubro de 1998, não existiam na regulamentação comunitária disposições prevendo as condições em que podem ser adicionadas aos géneros alimentícios de consumo corrente substâncias nutritivas, como vitaminas e minerais.

4
No que respeita aos géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial, alguns deles foram objecto de directivas adoptadas pela Comissão com base na Directiva 89/398/CEE do Conselho, de 3 de Maio de 1989, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial (JO L 186, p. 27).

Regulamentação nacional

5
A regulamentação francesa aplicável à comercialização dos complementos alimentícios e dos géneros alimentícios de consumo corrente enriquecidos com vitaminas, minerais e outros nutrientes, como os aminoácidos, encontra‑se no Decreto de 15 de Abril de 1912, regulamento da Administração Pública de execução da Lei de 1 de Agosto de 1905 sobre o combate à fraude na venda de mercadorias e às falsificações de géneros alimentícios, em especial, as carnes, produtos de charcutaria, frutas, legumes, peixes e conservas.

6
Nos termos do artigo 1.° do referido decreto, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto n.° 73‑138, de 12 de Fevereiro de 1973 (JORF de 15 de Fevereiro de 1973, p. 1728):

«É proibido ter para venda, colocar à venda ou vender qualquer mercadoria ou género alimentício destinado à alimentação humana que contenha aditivos químicos cuja utilização não tenha sido autorizada pelas portarias conjuntas do Ministro da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, do Ministro da Economia e das Finanças, do Ministro do Desenvolvimento Industrial e Científico e do Ministro da Saúde, após parecer do Conseil supérieur d'hygiène publique de France [a seguir ‘CSHPF’] e da Académie nationale de médecine.»

7
Por força do artigo 1.° do Decreto n.° 91‑827, de 29 de Agosto de 1991, relativo aos alimentos destinados a uma alimentação especial (JORF de 31 de Agosto de 1991, p. 11424):

«São considerados géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial os géneros que, devido à sua composição específica ou ao modo específico de fabrico, se distinguem claramente dos géneros alimentícios de consumo corrente, servem o objectivo nutricional indicado e são comercializados de forma a indicar que correspondem a esse objectivo.»

8
O artigo 3.° do mesmo decreto tem a seguinte redacção:

«As portarias conjuntas dos Ministros responsáveis pelo Consumo, pela Agricultura e pela Saúde, após parecer do [CSHPF], estabelecem:

a)
A lista e as condições de utilização das substâncias com um fim nutricional, como vitaminas, sais minerais, aminoácidos e outras substâncias cuja incorporação nos géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial seja autorizada, assim como os critérios de pureza aplicáveis a essas substâncias;

[...]»

9
As portarias referidas no artigo 3.° do Decreto n.° 91‑827 são a Portaria de 20 de Julho de 1977, para execução do Decreto n.° 75‑85, de 24 de Julho de 1975, sobre os produtos dietéticos e de dieta, alterada posteriormente, e a Portaria de 4 de Agosto de 1986, relativa à utilização de substâncias aditivas no fabrico dos alimentos destinados a uma alimentação especial, também posteriormente alterada, que foram adoptadas com base nos decretos que precederam o Decreto n.° 91‑827 e foram mantidas em vigor pelo artigo 9.°, segundo parágrafo, deste diploma.


Fase pré‑contenciosa

10
No seguimento de queixas de operadores económicos estabelecidos noutros Estados‑Membros, relativas às dificuldades encontradas para comercializar em França géneros alimentícios enriquecidos com substâncias nutritivas, a Comissão enviou às autoridades francesas vários pedidos de observações entre 1994 e 1996.

11
A troca de correspondência entre a Comissão e as autoridades francesas, bem como as reuniões «pacote», não deram resultados, pelo que a Comissão notificou a República Francesa, em 23 de Dezembro de 1997, para apresentar as suas observações no prazo de dois meses.

12
Não tendo ficado satisfeita com as respostas das autoridades francesas de 9 de Março e 15 de Maio de 1998, a Comissão formulou, por carta de 26 de Outubro de 1998, um parecer fundamentado convidando a República Francesa a tomar as medidas necessárias para dar cumprimento a esse parecer no prazo de dois meses a contar da sua notificação.

13
Por carta de 31 de Dezembro de 1998, as referidas autoridades sustentaram que a regulamentação francesa em causa se baseia em imperativos de protecção da saúde pública e que, na ausência de harmonização comunitária, tinham o direito de aplicar a sua regulamentação nacional. No entanto, indicaram que previam adoptar um diploma regulamentar de clarificação, descrevendo o procedimento de autorização da utilização das substâncias nutritivas.

14
Considerando que a República Francesa não deu cumprimento ao parecer fundamentado no prazo fixado, a Comissão intentou a presente acção.


Quanto à acção

15
Na petição, a Comissão formula três acusações contra a República Francesa, que são, em primeiro lugar, a inexistência na regulamentação francesa de uma cláusula de reconhecimento mútuo aplicável aos géneros alimentícios, legalmente fabricados e/ou comercializados noutros Estados‑Membros, aos quais tenham sido adicionadas substâncias nutritivas não autorizadas pela referida legislação, em segundo lugar, a inexistência de um procedimento simplificado de inscrição dessas substâncias nutritivas na lista nacional das substâncias nutritivas autorizadas e, em terceiro lugar, a não justificação das recusas de inscrição dessas substâncias nutritivas na referida lista por razões de protecção da saúde pública.

Quanto à primeira acusação

Argumentos das partes

16
A Comissão alega, no essencial, que a regulamentação francesa não toma em consideração o facto de que géneros alimentícios aos quais foram adicionadas substâncias nutritivas não autorizadas em França foram legalmente fabricados e/ou comercializados noutro Estado‑Membro, o que lhes permite, em princípio, beneficiar do princípio da livre circulação de mercadorias, sem prejuízo das excepções previstas no Tratado. Esta regulamentação não contém uma cláusula de reconhecimento mútuo destinada a garantir a livre circulação dos produtos legalmente fabricados ou comercializados noutro Estado‑Membro e que apresentem um nível de protecção da saúde dos consumidores equivalente ao assegurado em França, mesmo que esses produtos não satisfaçam totalmente as exigências da referida regulamentação.

17
Segundo a Comissão, em aplicação do acórdão de 22 de Outubro de 1998, Comissão/França (C‑184/96, Colect., p. I‑6197), o facto de não existir na regulamentação francesa uma cláusula de reconhecimento mútuo é suficiente para demonstrar a existência de um incumprimento.

18
A este respeito, o Governo francês alega que a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às cláusulas de reconhecimento mútuo visa, em geral, as normas de qualidade ou de segurança de produtos industriais específicos, mas não as normas de saúde pública em geral. De resto, ao propor projectos de directiva para regulamentar a adição das substâncias nutritivas, a Comissão reconheceu implicitamente que as cláusulas de reconhecimento mútuo não permitem, face à diversidade das situações nacionais, assegurar a livre circulação dos géneros alimentícios ao mesmo tempo que garante um nível elevado de protecção da saúde pública.

19
Segundo o Governo francês, que reconhece que a legislação nacional é susceptível de entravar o comércio entre os Estados‑Membros, mas que a considera justificada por objectivos de saúde pública e de protecção dos consumidores, a Comissão não fornece a prova, no presente caso, de que essa regulamentação é desproporcionada em razão da inexistência de uma cláusula que assegure o reconhecimento mútuo das substâncias nutritivas adicionadas aos géneros alimentícios de consumo corrente ou aos géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial, que são comercializadas noutros Estados‑Membros.

20
Além disso, o referido governo refere que a Comissão não demonstrou que, caso existisse noutro Estado‑Membro uma regulamentação susceptível de assegurar as mesmas finalidades de saúde pública, a República Francesa teria recusado o exame do pedido de inscrição na lista nacional de uma substância nutritiva autorizada por essa regulamentação no âmbito de um mecanismo de reconhecimento mútuo.

Apreciação do Tribunal de Justiça

21
A livre circulação de mercadorias entre Estados‑Membros é um princípio fundamental do Tratado que tem a sua expressão na proibição, constante do artigo 30.° do Tratado, das restrições quantitativas à importação entre os Estados‑Membros, bem como de todas as medidas de efeito equivalente.

22
A proibição das medidas de efeito equivalente a restrições prevista no artigo 30.° do Tratado visa qualquer regulamentação comercial dos Estados‑Membros susceptível de entravar, directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio intracomunitário (v., nomeadamente, acórdãos de 11 de Julho de 1974, Dassonville, 8/74, Recueil, p. 837, n.° 5, Colect., p. 423, e de 23 de Setembro de 2003, Comissão/Dinamarca, C‑192/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 39).

23
É pacífico que a regulamentação francesa constitui uma medida de efeito equivalente a restrições quantitativas na acepção do artigo 30.° do Tratado. Com efeito, essa regulamentação, que exige que a comercialização de géneros alimentícios enriquecidos em vitaminas e em minerais seja sujeita à inscrição prévia dessas substâncias nutritivas numa «lista positiva», torna a comercialização destes géneros mais difícil e onerosa e, consequentemente, entrava as trocas entre os Estados‑Membros.

24
A referida regulamentação não inclui qualquer disposição que garanta a livre circulação dos géneros alimentícios enriquecidos legalmente fabricados e/ou comercializados noutro Estado‑Membro e para os quais seja garantido um nível de protecção da saúde das pessoas equivalente ao assegurado em França, mesmo que esses produtos não satisfaçam totalmente as exigências dessa regulamentação.

25
No entanto, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma regulamentação nacional que sujeite a autorização prévia a adição de uma substância nutritiva num género alimentício legalmente fabricado e/ou comercializado noutros Estados‑Membros não é, em princípio, contrária ao direito comunitário desde que estejam preenchidas determinadas condições (v., neste sentido, acórdãos de 16 de Julho de 1992, Comissão/França, C‑344/90, Colect., p. I‑4719, n.° 8, e Comissão/Dinamarca, já referido, n.° 44).

26
Por um lado, essa regulamentação deve prever um procedimento que permita aos operadores económicos a inscrição dessa substância nutritiva na lista nacional das substâncias autorizadas. Esse procedimento deve ser facilmente acessível, deve poder ser concluído em prazos razoáveis e, se conduzir a um indeferimento, esse indeferimento deve poder ser objecto de recurso jurisdicional (v., neste sentido, acórdão de 16 de Julho de 1992, Comissão/França, já referido, n.° 9).

27
Por outro lado, um pedido destinado a obter a inscrição de uma substância nutritiva na lista nacional das substâncias autorizadas só pode ser indeferido pelas autoridades nacionais competentes se essa substância apresentar um risco real para a saúde pública (v. acórdão Comissão/Dinamarca, já referido, n.° 46).

28
Visto que o Estado‑Membro em causa optou por uma regulamentação que sujeita a autorização prévia a comercialização de um género alimentício ao qual foi adicionada uma substância nutritiva, a primeira acusação deve ser rejeitada.

29
Quanto à questão de saber se a regulamentação francesa cumpre as duas condições referidas nos n.os 26 e 27 do presente acórdão, recorde‑se que esta questão é objecto das segunda e terceira acusações da Comissão.

Quanto à segunda acusação

Argumentos das partes

30
A Comissão considera que, desde logo, o procedimento de autorização prévia instituído pela regulamentação francesa, que exige a prévia alteração da portaria ministerial pertinente antes que uma substância nutritiva não autorizada em França aí possa ser comercializada, é particularmente pesado e não responde às exigências do direito comunitário recordadas no n.° 26 do presente acórdão.

31
Para que o procedimento de inscrição na lista nacional das substâncias autorizadas seja facilmente acessível aos operadores económicos, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, as autoridades nacionais deviam precisar a lista das informações que devem ser juntas ao pedido de autorização e descrever o procedimento de instrução de tal pedido, num documento publicado oficialmente e que vincule as autoridades nacionais. Ora, segundo a Comissão, o procedimento previsto pela regulamentação francesa, cujo mecanismo não é descrito nesse documento, não pode ser considerado facilmente acessível aos operadores económicos.

32
Em seguida, o procedimento nacional de autorização devia poder ser concluído num prazo razoável. A Comissão alega que esta condição não está aqui satisfeita, visto que os diplomas aplicáveis não fixam qualquer prazo para a instrução dos pedidos de inscrição na referida lista.

33
Por último, todo e qualquer indeferimento de pedidos de autorização deve ser efectuado por forma a garantir a possibilidade efectiva de interposição de recurso jurisdicional pelo operador económico em causa. Ora, a regulamentação francesa não cumpre esta exigência. Segundo a Comissão, as decisões negativas notificadas pelas autoridades francesas aos operadores económicos não mencionam com precisão, designadamente, as razões pelas quais as autorizações de comercialização em causa não são concedidas.

34
O Governo francês alega, em contrapartida, que já existe um procedimento simplificado, mesmo que não expressamente previsto no Decreto de 15 de Abril de 1912. Em primeiro lugar, o CSHPF tem em conta os dados científicos internacionais em todos os casos em que os requerentes os invocam no seu processo. Em segundo lugar, o procedimento seguido é célere, visto que basta adoptar uma portaria. O operador económico é aliás frequentemente informado por carta do resultado favorável, antes mesmo da publicação de tal portaria. Segundo o Governo francês, a Comissão não produziu prova da inexistência de um procedimento de inscrição de facto simplificado para um produto que é legalmente comercializado noutro Estado‑Membro que não a República Francesa.

35
O referido governo considera que, em todo o caso, a condição prévia à aplicação de um procedimento simplificado parece ser a semelhança das legislações em vigor no Estado de exportação e no Estado de importação e alega que essa condição não está preenchida, como comprovado pelo facto de a Comissão ter decidido propor projectos de directivas para regulamentar a adição das substâncias nutritivas.

Apreciação do Tribunal de Justiça

36
Como resulta do n.° 26 do presente acórdão, um procedimento que sujeite a autorização prévia, no interesse da saúde pública, a adição de uma substância nutritiva autorizada noutro Estado‑Membro só está em conformidade com o direito comunitário se for facilmente acessível e puder ser concluído em prazos razoáveis e, se conduzir a um indeferimento, esse indeferimento puder ser objecto de recurso jurisdicional.

37
No que diz respeito, em primeiro lugar, à acessibilidade do procedimento ora em causa, a obrigação de um Estado‑Membro prever tal procedimento em toda a regulamentação nacional que submete a adição de substâncias nutritivas a autorização por razões de saúde pública não pode ser cumprida se esse procedimento não for expressamente previsto num acto de alcance geral que vincule as autoridades nacionais (v., também neste sentido, acórdão de 12 de Março de 1987, Comissão/Grécia, 176/84, Colect., p. 1193, n.° 41).

38
Ao anunciar, na resposta de 31 de Dezembro de 1998 ao parecer fundamentado, a sua intenção de «clarificar a regulamentação francesa descrevendo o procedimento de autorização da utilização das substâncias nutritivas num texto regulamentar», as autoridades francesas reconheceram que, pelo menos no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, a regulamentação nacional não previa formalmente o referido procedimento.

39
É certo que o Governo francês preparou um parecer destinado aos operadores económicos sobre as modalidades de incorporação de substâncias nutritivas nos géneros alimentícios correntes, o qual, na sua opinião, cumpriria essa função. No entanto, não resulta dos autos que esse parecer, mesmo partindo do princípio de que cumpre as exigências do direito comunitário, estava em vigor no termo do prazo fixado pelo parecer fundamentado.

40
Em segundo lugar, os exemplos que a Comissão forneceu na sua petição revelam que os pedidos de autorização apresentados pelos operadores económicos não eram tratados em prazos razoáveis nem segundo um procedimento suficientemente transparente quanto às possibilidades de recurso jurisdicional previstas em caso de indeferimento do pedido de autorização.

41
Nestes termos, no caso do pedido de autorização relativo à bebida «Red Bull», o requerente teve de esperar cerca de sete meses até receber o aviso de recepção do seu pedido e mais de dois anos para ser informado da decisão de indeferimento.

42
Do que precede resulta que a segunda acusação deve ser julgada procedente.

Quanto à terceira acusação

Argumentos das partes

43
A Comissão sustenta que, em vários casos, as autoridades francesas recusaram autorizar a comercialização de géneros alimentícios a que tinham sido adicionadas substâncias nutritivas não autorizadas sem fundamentar essa recusa num risco real para a saúde pública. Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, compete ao Estado‑Membro, em cada caso concreto, expor os riscos de saúde pública em que incorre.

44
Além disso, defende que os Estados‑Membros não têm o direito de proibir a comercialização desses géneros alimentícios provenientes de outro Estado‑Membro apenas com base na falta de interesse nutricional da adição de uma substância nutritiva e independentemente de qualquer consideração de saúde pública.

45
Quanto à protecção dos consumidores, a Comissão considera que as autoridades francesas não estudaram a possibilidade, nos casos particulares por ela evocados, de recorrer a medidas alternativas menos restritivas, que consistem na obrigação de apor um rótulo que permita ao consumidor ser informado dos riscos relacionados com o consumo excessivo das substâncias em causa.

46
Em contrapartida, segundo o Governo francês, cada recusa de autorização de inscrição de uma substância nutritiva na lista nacional das substâncias autorizadas baseia‑se em pareceres formulados pelas instâncias científicas francesas, pareceres baseados na análise casuística dos riscos para a saúde pública, sendo que as autoridades francesas consideram não lhes competir contestá‑los visto que se trata de avaliações científicas.

47
O referido governo considera que as necessidades nutricionais da população francesa são devidamente tidas em conta na apreciação da inocuidade das substâncias nutritivas, na medida em que a regulamentação francesa não prevê a homologação a posteriori dos produtos acabados que contêm tais substâncias.

48
O mesmo governo reconhece que a eficácia da substância nutritiva é igualmente tomada em consideração no procedimento de inscrição na referida lista nacional, mas alega, por um lado, que várias directivas em matéria de saúde pública tomam igualmente em consideração a eficácia do produto ou da substância nutritiva adicionada e, por outro, que várias regulamentações comunitárias e nacionais prosseguem concomitantemente um duplo objectivo de protecção da saúde pública e de combate à fraude.

Apreciação do Tribunal de Justiça

49
Em primeiro lugar, deve recordar‑se que compete aos Estados‑Membros, face à inexistência de harmonização e na medida em que subsistem incertezas no estádio actual da investigação científica, decidir do nível a que pretendem assegurar a protecção da saúde e da vida das pessoas e da exigência de uma autorização prévia à colocação no mercado dos géneros alimentícios, tendo em conta as exigências da livre circulação de mercadorias no interior da Comunidade (v. acórdãos de 14 de Julho de 1983, Sandoz, 174/82, Recueil, p. 2445, n.° 16, e Comissão/Dinamarca, já referido, n.° 42).

50
Este poder de apreciação relativo à protecção da saúde pública é particularmente importante quando for demonstrado que subsistem incertezas científicas no estádio actual da investigação científica quanto a certas substâncias, como as vitaminas que não são em regra geral por si mesmas nocivas, mas que podem produzir efeitos prejudiciais específicos no caso do seu consumo excessivo com toda a alimentação cuja composição não é susceptível de previsão nem de controlo (v. acórdãos, já referidos, Sandoz, n.° 17, e Comissão/Dinamarca, n.° 43).

51
Daqui resulta, como se retira do n.° 25 do presente acórdão, que o direito comunitário não se opõe, em princípio, a que a regulamentação de um Estado‑Membro proíba, salvo autorização prévia, a detenção para venda ou a comercialização de géneros destinados à alimentação humana quando neles foram adicionadas substâncias nutritivas diferentes daquelas cuja adição foi declarada lícita pela referida regulamentação.

52
Contudo, ao exercer o seu poder de apreciação relativo à protecção da saúde pública, os Estados‑Membros devem respeitar o princípio da proporcionalidade. Os meios que escolhem devem, portanto, ser limitados ao que é efectivamente necessário para assegurar a protecção da saúde pública ou para cumprir exigências imperativas relativas, por exemplo, à defesa dos consumidores; devem ser adequados ao objectivo assim prosseguido, o qual não poderia ser alcançado por medidas menos restritivas às trocas intracomunitárias (v. acórdãos, já referidos, Sandoz, n.° 18, e Comissão/Dinamarca, n.° 45).

53
Além disso, uma vez que o artigo 36.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 30.° CE) contém uma excepção, de interpretação estrita, à regra da livre circulação de mercadorias no interior da Comunidade, compete às autoridades nacionais que a invocam demonstrar em cada caso concreto, à luz dos hábitos alimentares nacionais e tendo em conta os resultados da investigação científica internacional, que a sua regulamentação é necessária para proteger efectivamente os interesses mencionados na referida disposição e, nomeadamente, que a comercialização do produto em questão representa um risco real para a saúde pública (v. acórdão Comissão/Dinamarca, já referido, n.° 46).

54
Uma proibição de comercialização de géneros alimentícios aos quais foram adicionadas substâncias nutritivas deve, portanto, basear‑se numa avaliação profunda do risco alegado pelo Estado‑Membro que invoca o artigo 36.° do Tratado (v. acórdão Comissão/Dinamarca, já referido, n.° 47).

55
Uma decisão de proibição da comercialização de um género alimentício enriquecido, que constitui, aliás, o entrave mais restritivo às trocas relativamente aos produtos legalmente fabricados e comercializados noutros Estados‑Membros, apenas pode ser adoptada quando o alegado risco real para a saúde pública for suficientemente demonstrado com base nos dados científicos mais recentes que estejam disponíveis na data da adopção dessa decisão. Neste contexto, a avaliação do risco que o Estado‑Membro é obrigado a efectuar tem por objectivo a apreciação do grau de probabilidade dos efeitos nefastos da adição de determinadas substâncias nutritivas aos géneros alimentícios para a saúde humana e a gravidade desses potenciais efeitos (acórdão Comissão/Dinamarca, já referido, n.° 48).

56
Na verdade, essa avaliação do risco pode revelar que subsistem incertezas científicas quanto à existência ou ao alcance de riscos reais para a saúde pública. Nestas circunstâncias, deve ser admitido que um Estado‑Membro pode, ao abrigo do princípio da precaução, adoptar medidas de protecção sem ter de esperar que a realidade e gravidade de tais riscos sejam plenamente demonstradas (v., neste sentido, acórdão de 5 de Maio de 1998, National Farmers' Union e o., C‑157/96, Colect., p. I‑2211, n.° 63). Contudo, a avaliação do risco não se pode basear em considerações puramente hipotéticas (v. acórdãos de 9 de Setembro de 2003, Monsanto Agricoltura Italia e o., C‑236/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 106, e Comissão/Dinamarca, já referido, n.° 49).

57
No processo em análise, o Governo francês não forneceu, em determinados casos invocados pela Comissão, dados que demonstrassem que a aplicação da regulamentação nacional é necessária para proteger efectivamente os interesses mencionados no artigo 36.° do Tratado e, nomeadamente, que a comercialização de cada um dos géneros alimentícios enriquecidos em questão representa um risco real para a saúde pública.

58
Em primeiro lugar, no que diz respeito a produtos de confeitaria e a bebidas enriquecidas com vitaminas, resulta do parecer do CSHPF de 10 de Setembro de 1996, no qual as autoridades francesas se basearam para justificar a proibição da comercialização deste tipo de produtos, que a autorização de comercialização destes géneros alimentícios enriquecidos deve ser recusada pois um indivíduo poder ser conduzido a consumir vários géneros alimentícios enriquecidos com vitaminas que acrescem às consumidas habitualmente, provenientes de uma alimentação variada. O CSHPF considera que a população francesa, na sua maioria, consome em número suficiente a maior parte das vitaminas através da sua alimentação.

59
Quanto ao argumento do Governo francês assente nesta ausência de necessidade nutricional que exija a adição de substâncias nutritivas aos géneros alimentícios em causa, recorde‑se que, num contexto de incerteza científica, o critério da necessidade nutricional da população de um Estado‑Membro pode ter um papel no momento da avaliação profunda efectuada por este último do risco que a adição de substâncias nutritivas aos géneros alimentícios pode representar para a saúde pública.

60
Contudo, a inexistência desta necessidade não pode, por si só, justificar uma proibição total, com fundamento no artigo 36.° do Tratado, da comercialização dos géneros alimentícios legalmente fabricados e/ou comercializados noutros Estados‑Membros (v. acórdão Comissão/Dinamarca, já referido, n.° 54).

61
É um facto que o parecer do CSHPF menciona, no último ponto, que a difusão dos géneros alimentícios enriquecidos expõe a população à ultrapassagem dos limites de segurança no consumo de certas vitaminas. No entanto, limita‑se a evocar de maneira vaga este risco geral de consumo excessivo, sem precisar as vitaminas em causa, o grau de ultrapassagem dos referidos limites ou os riscos incorridos em razão dessa ultrapassagem, não tendo o Governo francês contestado o facto de este parecer ter servido, por si só, de fundamento à recusa da autorização de comercialização de determinados produtos.

62
Assim, deve concluir‑se que, tratando‑se de produtos de confeitaria e de bebidas às quais foram aditadas substâncias nutritivas, as autoridades francesas não respeitaram as exigências do direito comunitário como resultam da jurisprudência do Tribunal de Justiça referida nos n.os 52 a 56 do presente acórdão, nomeadamente a de uma avaliação profunda, caso a caso, dos efeitos para a saúde pública que pode causar, num processo como o em apreço, a adição de vitaminas e de minerais (v., neste sentido, acórdão Comissão/Dinamarca, já referido, n.° 56).

63
Em seguida, no que respeita ao parecer do CSHPF de 12 de Julho de 1994, relativo à utilização de L‑tartrato e de L‑carnitina nos complementos alimentares e nos produtos dietéticos, se é desfavorável à comercialização em França de produtos a que tenham sido adicionadas estas substâncias nutritivas, tal deve‑se à sua falta de interesse nutricional e à ausência de prova da veracidade das alegações relativas à natureza benéfica ou útil das mesmas.

64
Contudo, como resulta do n.° 60 do presente acórdão, a inexistência de uma necessidade nutricional não pode, por si só, justificar uma proibição, com fundamento no artigo 36.° do Tratado, da comercialização dos géneros alimentícios legalmente fabricados e/ou comercializados noutros Estados‑Membros.

65
Além disso, esse parecer menciona incidentes digestivos que atingem 13% da população, sem precisar a sua natureza, e faz referência à ausência de prova da veracidade das alegações relativas à utilidade ou aos benefícios da adição de tartrato e de L‑carnitina, o que não constitui uma avaliação profunda dos efeitos para a saúde pública que pode causar a adição destas substâncias aos géneros alimentícios, não sendo, portanto, suficiente para justificar uma proibição de comercialização com base no artigo 36.° do Tratado.

66
Nestas circunstâncias, a Comissão tem razão em concluir, tratando‑se da adição dessas substâncias nutritivas aos complementos alimentares e aos produtos dietéticos, que as autoridades francesas não satisfizeram os critérios relativos à aplicação do artigo 36.° do Tratado, tal como resultam da jurisprudência do Tribunal de Justiça acima recordada.

67
Por último, tratando‑se de bebidas energéticas como a «Red Bull», resulta do parecer do CSHPF de 10 de Setembro de 1996 que, «embora não exista nenhum argumento de toxicologia clássica» a opor à comercialização deste tipo de bebidas, o referido Conseil considerou que a sua comercialização não devia ser autorizada devido a uma concentração excessiva de cafeína, superior à autorizada em França, ao risco de consumo excessivo de cafeína, em particular para mulheres grávidas, à afirmação enganosa sobre o carácter «energético» do produto e ao risco de controlo antidopagem positivo para os desportistas. O CSHPF considera que a taxa máxima de cafeína nas bebidas não deve ultrapassar os 150 mg/l e recorda que o consumo de cafeína não deveria ultrapassar 200 mg/dia.

68
Como resulta do n.° 49 do presente acórdão, a República Francesa pode decidir do nível a que pretende assegurar a protecção da saúde e da vida das pessoas.

69
É certo que deve demonstrar a razão pela qual a proibição de comercialização das bebidas energéticas cujo teor em cafeína seja superior a um certo limite é necessária e proporcionada relativamente à saúde pública (v., neste sentido, acórdão de 19 de Junho de 2003, Comissão/Itália, C‑420/01, Colect., p. I–6445, n.os 30 e 31).

70
No caso em apreço, em resposta ao parecer do CSHPF acima referido, que revela riscos concretos para a saúde pública associados ao consumo excessivo de cafeína, a Comissão não explicou as razões pelas quais esse parecer é insuficiente para justificar uma proibição de comercialização, com base no artigo 36.° do Tratado, das bebidas energéticas cujo teor em cafeína seja superior ao autorizado em França. Com efeito, a Comissão não apresentou elementos suficientes para pôr em causa a análise das autoridades francesas quanto aos perigos que as referidas bebidas representam para a saúde pública.

71
Cumpre ainda lembrar, no que respeita às bebidas energéticas, que o Governo francês alegou, sem ser neste ponto contestado pela Comissão, que, em 21 de Janeiro de 1999, o Comité scientifique de l'alimentation humaine formulou um parecer desfavorável à presença nas referidas bebidas de certas substâncias nutritivas, como a taurina e o ácido glucorónico.

72
Nestas circunstâncias, compete à Comissão explicitar as razões pelas quais o argumento do Governo francês baseado no referido parecer não é suficiente para justificar a recusa de autorização de comercialização das bebidas energéticas a que foram adicionadas a taurina e o ácido glucorónico.

73
A Comissão não respondeu a este argumento e, tendo em conta a sua resposta insuficiente relativa à justificação invocada sobre a ultrapassagem do limite autorizado de concentração de cafeína nas bebidas energéticas em causa, cumpre declarar que a terceira acusação da Comissão deve ser rejeitada, na medida em que diz respeito às bebidas energéticas cujo teor em cafeína seja superior a um determinado limite e a que tenham sido adicionadas a taurina e o ácido glucorónico.

74
Em segundo lugar, quanto à protecção eficaz dos consumidores, à qual o Governo francês faz igualmente referência, como resulta dos n.os 63 e 67 do presente acórdão, é certamente legítimo pretender que os consumidores sejam correctamente informados sobre os produtos que consomem (v., neste sentido, acórdãos de 23 de Fevereiro de 1988, Comissão/França, 216/84, Colect., p. 793, n.° 10, e de 2 de Fevereiro de 1989, Comissão/Alemanha, 274/87, Colect., p. 229).

75
Ora, uma rotulagem adequada, que informe os consumidores sobre a natureza, os ingredientes e as características dos géneros alimentícios enriquecidos, podia permitir aos consumidores susceptíveis de serem ameaçados por um consumo excessivo de uma substância nutritiva adicionada a esses géneros decidirem por si quanto à utilização destes géneros (v. acórdão de 23 de Fevereiro de 1988, Comissão/França, já referido, n.° 16).

76
Tendo em conta todas estas considerações, importa declarar que:

ao não prever um procedimento simplificado que permita obter a inscrição na lista nacional das substâncias nutritivas autorizadas das substâncias nutritivas que são adicionadas aos géneros alimentícios de consumo corrente e aos géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial, legalmente fabricados e/ou comercializados noutros Estados‑Membros,

e

ao colocar entraves à comercialização em França de determinados géneros alimentícios, como os complementos alimentares e os produtos dietéticos contendo L‑tartrato e L‑carnitina e os produtos de confeitaria e bebidas a que foram adicionadas determinadas substâncias nutritivas, sem demonstrar que a comercialização dos referidos géneros alimentícios comporta um risco real para a saúde pública,

a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 30.° do Tratado.

A acção é julgada improcedente quanto ao restante.


Quanto às despesas

77
Nos termos do artigo 69.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal pode repartir as despesas ou decidir que cada parte suporte as suas, se ambas forem vencidas num ou em vários dos seus pedidos. Considerando que a acção proposta pela Comissão foi apenas parcialmente considerada procedente, cada parte suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

decide:

1)
Ao não prever um procedimento simplificado que permita obter a inscrição na lista nacional das substâncias nutritivas autorizadas das substâncias nutritivas que são adicionadas aos géneros alimentícios de consumo corrente e aos géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial, legalmente fabricados e/ou comercializados noutros Estados‑Membros,

e

ao colocar entraves à comercialização em França de determinados géneros alimentícios, como os complementos alimentares e os produtos dietéticos contendo L‑tartrato e L‑carnitina e os produtos de confeitaria e bebidas a que foram adicionadas determinadas substâncias nutritivas, sem demonstrar que a comercialização dos referidos géneros alimentícios comporta um risco real para a saúde pública,

a República Francesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 30.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 28.° CE).

2)
A acção é julgada improcedente quanto ao restante.

3)
A Comissão das Comunidades Europeias e a República Francesa suportam as suas próprias despesas.

Skouris

Gulmann

Cunha Rodrigues

Schintgen

Macken

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 5 de Fevereiro de 2004.

O secretário

O presidente

R. Grass

V. Skouris


1
Língua do processo: francês.

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