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Document 62000CC0436

Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 6 de Junho de 2002.
X e Y contra Riksskatteverket.
Pedido de decisão prejudicial: Regeringsrätten - Suécia.
Liberdade de estabelecimento - Livre circulação de capitais - Imposto sobre os rendimentos - Benefícios fiscais relativos à cessão a preço abaixo do valor de acções a sociedades em que o cedente possui uma participação.
Processo C-436/00.

Colectânea de Jurisprudência 2002 I-10829

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2002:348

62000C0436

Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 6 de Junho de 2002. - X e Y contra Riksskatteverket. - Pedido de decisão prejudicial: Regeringsrätten - Suécia. - Liberdade de estabelecimento - Livre circulação de capitais - Imposto sobre os rendimentos - Benefícios fiscais relativos à cessão a preço abaixo do valor de acções a sociedades em que o cedente possui uma participação. - Processo C-436/00.

Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-10829


Conclusões do Advogado-Geral


1. No presente processo são suscitadas questões sobre a interpretação das disposições do Tratado CE relativas, por um lado, à liberdade de estabelecimento (nomeadamente, os artigos 43.° CE, 46.° CE e 48.° CE) e, por outro, à livre circulação de capitais (nomeadamente, os artigos 56.° CE e 58.° CE).

I - Enquadramento jurídico nacional

2. A lag (1947:576) om statlig inkomstskatt (lei do imposto estatal sobre o rendimento, a seguir «SIL») prevê, no seu § 3, n.° 1, alínea h), primeiro, segundo, terceiro e oitavo parágrafos, o seguinte:

«Uma transmissão de activos, à qual são aplicáveis as disposições dos §§ 25 a 31, sem remuneração, para uma sociedade anónima sueca na qual o transmitente ou seus familiares próximos possuem directa ou - salvo nos casos previstos no terceiro parágrafo, última frase - indirectamente acções é tratada como se os activos fossem transmitidos mediante remuneração correspondente ao seu preço de custo. O mesmo sucede se a transmissão for efectuada mediante remuneração que seja inferior tanto ao valor comercial dos activos como ao seu preço de custo. Se o valor comercial for inferior ao preço de custo considera-se que os activos, nos casos citados, foram cedidos mediante uma remuneração correspondente ao seu valor comercial. Se não for paga remuneração, o preço de custo total das acções do transmitente e dos seus familiares próximos na sociedade é aumentado num montante correspondente ao preço de custo dos activos ou, no caso previsto no primeiro parágrafo, terceira frase, ao valor comercial. Se for paga remuneração, o preço de custo é aumentado no montante da diferença entre o preço de custo ou o valor comercial e a remuneração.

Uma transmissão de activos à qual são aplicáveis as disposições dos §§ 25 a 31, sem remuneração ou com remuneração inferior ao valor comercial dos activos, para uma pessoa colectiva estrangeira na qual o transmitente ou seus familiares próximos detêm directa ou indirectamente participações, é tratada como se os activos fossem transmitidos mediante uma remuneração correspondente ao seu valor comercial. O mesmo se aplica à transmissão para uma sociedade anónima sueca na qual a pessoa colectiva estrangeira detém directa ou indirectamente participações.

[...]

Os activos que, nos termos do primeiro e terceiro parágrafos, se consideram transmitidos mediante uma determinada remuneração, são considerados, nos termos da kommunalskattelag (1928:370) e da presente lei, adquiridos pelo comprador mediante a mesma remuneração.»

3. De acordo com o órgão jurisdicional de reenvio, esta legislação foi aprovada em 1998 e em 1999 com o objectivo de clarificar o tratamento fiscal da transmissão de activos (ou seja, a transmissão sem remuneração ou a preço abaixo do valor), designadamente de acções, a sociedades, através de uma regulamentação mais detalhada.

4. Resumindo, as disposições supra-referidas, implicam, de acordo com o órgão jurisdicional de reenvio, que a diferença entre o valor comercial e o valor de aquisição seja considerada como base de tributação quando a transmissão é efectuada para uma pessoa colectiva estrangeira ou para uma sociedade sueca na qual a pessoa colectiva detém, directa ou indirectamente, participações. Em contrapartida, as transmissões efectuadas para uma sociedade sueca sem participações estrangeiras não estão sujeitas a qualquer tributação imediata. Neste caso, o montante da diferença é geralmente objecto de tributação quando o transmitente aliena as suas acções na empresa que adquiriu as participações. Em princípio, a tributação é, portanto, diferida até à transmissão final das acções.

5. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, de um ponto de vista fiscal, a diferença entre entradas de capital para uma empresa que é sujeito passivo do imposto na Suécia e para as que não o são, foi fundamentada nos trabalhos preparatórios da SIL pela existência do risco que se corria de a matéria colectável do imposto escapar à tributação sueca. Isto poderia suceder, por exemplo, no caso de o detentor de uma sociedade anónima, antes de uma mudança para o estrangeiro, transmitir a preço muito baixo as suas acções nesta sociedade a uma empresa estrangeira de que também é proprietário. Originariamente, a disposição do § 3, n.° 1, alínea h), terceiro parágrafo, da SIL, abrangia unicamente as transmissões para pessoas colectivas estrangeiras. Todavia, no decurso dos trabalhos legislativos, considerou-se que também poderia verificar-se uma forma de evasão fiscal se o detentor transmitisse as suas acções numa sociedade para uma empresa sueca que fosse filial da empresa estrangeira por ele possuída. Por isso, a disposição foi alterada de forma a abranger, quer a transmissão para pessoas colectivas estrangeiras nas quais o cedente ou seus familiares próximos detêm directa ou indirectamente participações, quer a transmissão para uma pessoa colectiva sueca na qual a referida pessoa colectiva estrangeira detém directa ou indirectamente participações.

6. Finalmente, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que, a partir do ano fiscal de 2002 (rendimentos de 2001), a inkomstskattelag (1999:1229) será aplicada em lugar da SIL. Esta lei contém disposições idênticas às da SIL que são pertinentes para o caso em apreço.

II - Os factos no processo principal e a questão prejudicial

7. X e Y, pessoas singulares de nacionalidade sueca, requereram à Skatterättsnämnd (comissão para as questões de direito fiscal) uma decisão prévia sobre as consequências da aplicação das disposições relativas à transmissão de acções que constam do § 3, n.° 1, alínea h), da SIL.

8. O sistema sueco das decisões prévias em matéria fiscal tem como objectivo dar aos particulares uma resposta sobre o modo como uma determinada questão que para eles se reveste de uma certa importância, será apreciada quando da tributação.

9. No caso vertente, o pedido de decisão prévia respeita às consequências fiscais da transmissão pretendida por X e Y das suas acções em X AB, uma sociedade sueca, para Z AB, uma sociedade igualmente sueca que é, ela própria, filial de Y SA, uma sociedade belga.

10. X AB é a sociedade-mãe num grupo que é actualmente detido em partes iguais por X e Y, bem como por uma sociedade de direito maltês. X e Y não possuem qualquer participação nesta última sociedade. Y SA é igualmente uma sociedade-mãe detida pelos actuais accionistas de X AB. No âmbito da reorganização do grupo, X e Y consideraram conveniente afectar determinadas actividades à Y SA.

11. No seu pedido, X e Y interrogam-se, nomeadamente, sobre a questão de saber se a diferença em termos fiscais, conforme as acções sejam transmitidas a uma sociedade sueca sem accionistas estrangeiros [§ 3, n.° 1, alínea h), primeiro parágrafo, da SIL], ou para uma sociedade sueca em que os haja [§ 3, n.° 1, alínea h), terceiro parágrafo, segunda frase, da SIL], poderia manter-se tendo em conta, por um lado, as disposições do acordo sobre a dupla tributação entre o Reino da Suécia e o Reino da Bélgica e, por outro, as disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento e à livre circulação de capitais.

12. Na decisão prévia proferida em 27 de Setembro de 1999, a Skatterättsnämnd considerou que a transmissão das acções de X AB deveria ser tratada como uma transmissão efectuada mediante uma remuneração correspondente ao valor comercial e que X e Y deviam, portanto, ser tributados sobre um lucro calculado correspondente à diferença entre o valor comercial das acções e o seu preço de aquisição.

13. Acresce que a Skatterättsnämnd considerou que não estava em causa a liberdade de estabelecimento e que, quanto à livre circulação de capitais, era aplicável a excepção constante do artigo 58.° , n.° 1, alínea a), CE.

14. X e Y recorreram desta decisão para o Regeringsrätt (tribunal administrativo supremo) e pediram, designadamente, que este declare que a transmissão deve ser tributada com base no preço previsto.

15. No essencial, X e Y sustentam perante o Regeringsrätt que o tratamento fiscal diferido, que é muito mais desfavorável, das sociedades suecas em que o cedente detém uma participação através de uma pessoa colectiva estrangeira na qual detém igualmente uma participação, constitui um obstáculo manifesto à livre circulação de capitais (artigo 56.° CE) e à liberdade de estabelecimento (artigo 43.° CE).

16. Nestas condições, o Regeringsrätt decidiu submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Os artigos 43.° CE, 46.° CE, 48.° CE, 56.° CE e 58.° CE, numa situação como a que está em causa no presente processo, obstam à aplicação da legislação de um Estado-Membro que - como a legislação sueca neste domínio - implica que uma entrada de capital mediante a transmissão de acções a um preço abaixo do valor, quando é efectuada para uma pessoa colectiva originária de outro Estado-Membro e na qual o transmitente detém directa ou indirectamente participações ou para uma sociedade anónima nacional na qual aquela pessoa colectiva detém participações, seja tributada de forma mais desfavorável do que o seria no caso de não existir influência de um detentor estrangeiro?»

III - Análise

Quanto à admissibilidade da questão prejudicial

17. A Comissão refere que o caso em apreço apenas visa uma questão hipotética dado que a transmissão prevista por X e Y, submetida à apreciação da administração, ainda não se verificou. No entanto, acrescenta que visto que está pendente um litígio no órgão jurisdicional de reenvio e o Tribunal de Justiça dispõe de informações suficientes para se pronunciar a título prejudicial, há que responder à questão formulada.

18. Partilho este ponto de vista.

19. Efectivamente, numa hipótese análoga , o Tribunal de Justiça teve já oportunidade de se pronunciar sobre a forma como deve ser apreciado o procedimento de decisão prévia seguido no processo principal relativamente aos critérios fixados pela jurisprudência sobre as condições de aplicação do artigo 234.° CE e decidiu que o facto de a transmissão pretendida pelos requerentes no processo principal ainda não ter tido lugar não excluía a existência de um litígio real perante o órgão jurisdicional nacional.

20. Considero que, no caso vertente, se deve raciocinar da mesma forma. Longe de lhe ter sido submetido um caso hipotético, o Tribunal de Justiça é chamado a interpretar as regras de direito comunitário destinadas a serem aplicadas a um litígio real e do processo resulta que está suficientemente informado para responder de forma útil à questão que lhe foi colocada.

Quanto à existência de uma restrição à liberdade de estabelecimento

21. O Riksskatteverk considera que no presente processo não estão em causa as liberdades fundamentais conferidas pelo Tratado visto que, no caso presente, se trata de uma situação interna de um Estado-Membro. Neste sentido, cita o acórdão Werner . Com efeito, o caso vertente respeita a uma modificação das estruturas da propriedade de uma actividade económica na Suécia que, depois desta modificação, continuará a ser exercida neste país.

22. Contudo, importa observar que esta consideração não basta para afastar a aplicação das disposições do Tratado ao caso em apreço. Efectivamente, resulta claramente do despacho de reenvio que o tratamento fiscal da transacção em causa depende da existência de um elemento externo em relação à Suécia, ou seja, o facto de a sociedade-mãe da sociedade cessionária ou os accionistas desta estarem estabelecidos em outro Estado-Membro. Assim, é manifesto que o litígio no processo principal não pode ser considerado como tendo por objectivo uma situação meramente interna da Suécia.

23. Contudo, mantém-se a necessidade de precisar em que medida as disposições do Tratado são afectadas pela disposição nacional em causa. Recordemos, a este respeito, que do despacho de reenvio resulta que aquela disposição determina o regime fiscal das transmissões de activos para uma sociedade na qual o cedente detém, directa ou indirectamente, acções.

24. A tributação das mais valias susceptíveis de serem geradas por tal transacção é imediata quando a sociedade cessionária é uma pessoa colectiva estrangeira ou uma sociedade anónima sueca na qual a referida pessoa colectiva estrangeira detém, directa ou indirectamente, uma participação.

25. Em contrapartida, é diferida quando o cessionário é uma sociedade anónima sueca que não tem, entre os seus accionistas, uma pessoa colectiva estrangeira. Isto traduz-se, evidentemente, numa vantagem de tesouraria para o transmitente.

26. Portanto, é indiscutível que em relação a todas as situações idênticas, em que existe um elemento externo, uma transmissão para uma sociedade anónima sueca beneficia de um tratamento fiscal mais favorável do que se for efectuada para uma sociedade não sueca ou para uma sociedade sueca com accionistas estrangeiros.

27. O Governo neerlandês considera que, no caso em apreço no processo principal, a liberdade de estabelecimento de X e de Y na Bélgica só está em causa na medida em que o nível de participação que detêm no capital da sociedade-mãe belga em questão é susceptível de conferir-lhes uma certa influência sobre as decisões desta sociedade e a permitir-lhes determinar as suas actividades na acepção da jurisprudência .

28. Partilho este ponto de vista. Efectivamente, resulta da jurisprudência que as disposições do Tratado relativas à liberdade de estabelecimento se aplicam igualmente às regras nacionais susceptíveis de dissuadir os operadores do Estado-Membro em causa de se estabelecerem em outro Estado-Membro. Ora, a disposição nacional controvertida é susceptível de dissuadir os investidores como X e Y de exercerem o seu direito de estabelecimento em outro Estado-Membro, adquirindo participações significativas nas sociedades que aí se estabeleçam, dado que o regime de transmissão para tais sociedades é mais desfavorável do que o regime aplicável às sociedades estabelecidas na Suécia e que não têm accionistas estrangeiros.

29. Contudo, esta não é a única restrição à liberdade de estabelecimento susceptível de ser observada no caso vertente. Com efeito, importa sublinhar, como o fazem a Comissão e o Órgão de Fiscalização da AECL, que a disposição nacional em causa é igualmente susceptível de restringir o direito de estabelecimento na Suécia de uma sociedade estrangeira tal como a sociedade belga em questão no litígio no processo principal. Na verdade, a sua liberdade de investir e de se estabelecer na Suécia e, no caso vertente, de se organizar em vários Estados-Membros, entre os quais a Suécia, é limitada porque na Suécia não poderá beneficiar de transmissões como é o caso da transmissão controvertida, da mesma forma que uma sociedade sueca que não tem entre os accionistas uma tal sociedade estrangeira.

30. Neste contexto, é a justo título que o Órgão de Fiscalização da AECL alega igualmente que a diferença de tratamento em causa é susceptível de dissuadir as sociedades estrangeiras de estabelecerem uma filial na Suécia.

31. Além disso, recordemos que o Tribunal de Justiça já decidiu que uma diferença de tratamento relativa ao momento em que o imposto se torna exigível e com base na sede ou inexistência de sede das sociedades em causa num Estado-Membro é uma restrição à liberdade de estabelecimento .

32. Do que precede, resulta que, no caso em apreço, estamos em presença de tal restrição.

Quanto à justificação da restrição à liberdade de estabelecimento

33. O Riksskatteverk e, em menor medida, o Governo neerlandês são os únicos a considerar que a disposição nacional controvertida é susceptível de ser justificada.

34. O primeiro sustenta que importa situar a vantagem de que beneficiam as sociedades suecas, ou seja, a tributação diferida da transmissão, no contexto do regime fiscal das mais valias. A concessão do benefício pressupõe, com efeito, que os capitais em relação aos quais a tributação é assim diferida se mantêm tributáveis na Suécia. Quando a transmissão é efectuada, directa ou indirectamente, para uma sociedade estrangeira, uma transmissão posterior dos mesmos títulos realizada por esta última não pode ser tributada na Suécia. Isto explicaria a exclusão das sociedades estrangeiras do benefício da tributação diferida.

35. Citando, em particular, tal como o Governo neerlandês, a jurisprudência Bachmann , o Riksskatteverk considera que a diferença de tratamento pode, nomeadamente, apoiar-se na necessidade de garantir a coerência do regime fiscal e a eficácia do controlo fiscal. Em princípio, um Estado-Membro tem o direito de prever que os rendimentos latentes venham a ser tributáveis, mais tarde ou mais cedo, no país onde têm a sua fonte. Trata-se de proteger a sua base fiscal e de assegurar a eficácia dos controlos fiscais, considerações que são de natureza a justificar a restrição à liberdade de estabelecimento.

36. O Governo neerlandês acrescenta que, no essencial, o presente processo é análogo ao que foi objecto do acórdão Bachmann, já referido. Com efeito, os dois processos dizem respeito a uma «isenção» temporária, compensada por uma tributação posterior. No processo Bachmann, já referido, a «isenção» revestia a forma de uma dedução dos prémios de seguro, à qual correspondia a tributação posterior dos pagamentos. Quando esta não se encontrava garantida, a «isenção» não era concedida.

37. No caso presente, a isenção (temporária) terminará no momento da alienação ulterior das acções detidas pelo sujeito passivo na sociedade cessionária, em que as mais valias isentas no momento da transmissão darão lugar ao pagamento do imposto.

38. Ora, segundo o Governo neerlandês, no caso de transmissão para uma sociedade estabelecida no estrangeiro ou para uma sociedade sueca cujas acções são detidas por tal sociedade, este pagamento ulterior não está garantido e, portanto, a isenção temporária não deve ser concedida. Na verdade, o crédito fiscal só está garantido enquanto o transmitente continuar a residir na Suécia e aí for tributado sobre o seu rendimento global. No entanto, isto terminará quando deixar a Suécia. A dívida fiscal estrangeira não é efectivamente extensiva aos benefícios obtidos com acções numa sociedade estabelecida no estrangeiro.

39. Portanto, haverá uma ligação directa entre a isenção temporária e a tributação posterior. Será o mesmo imposto, recebido do mesmo devedor, de forma diferida. Ora, esta ligação desaparecerá em caso de emigração do devedor. A coerência do sistema exige, portanto, que um Estado-Membro possa tomar medidas como a restrição controvertida, para evitar este risco.

40. Além disso, o Governo neerlandês apoia-se na jurisprudência Safir para acentuar que o sistema fiscal sueco tem por objectivo evitar um vazio fiscal ao garantir que o imposto sobre as mais valias que incide sobre as acções no decurso do período de residência fiscal é sempre cobrado.

41. Por seu lado, o Riksskatteverk alega ainda que, como o tratamento diferido aplicado pela disposição nacional em causa pode ser justificado com base nas disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais, nomeadamente o artigo 58.° , n.os 1 e 2, CE, decorre do artigo 43.° , n.° 2, última frase, CE, que esta disposição nacional já não pode ser declarada injustificada por força do artigo 43.° CE.

42. Que pensar destes vários argumentos?

43. No que respeita ao argumento relativo à possibilidade de justificar as restrições à liberdade de estabelecimento através das disposições do Tratado sobre a livre circulação de capitais, revela-se evidente que este é contrariado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

44. De facto, resulta desta que, nas hipóteses em que o Tribunal de Justiça foi questionado sobre a compatibilidade de uma disposição nacional tanto com as disposições do Tratado relativas ao direito de estabelecimento como às relativas à circulação de capitais, decidiu que, quando é declarada a violação do direito de estabelecimento, já não é necessário examinar as disposições nacionais controvertidas à luz dos artigos relativos aos capitais. Daqui resulta, de forma implícita mas necessária, que o Tribunal de Justiça não considerou pertinente a possibilidade de as disposições nacionais em causa serem compatíveis com a livre circulação de capitais. Portanto, tal compatibilidade não poderia ser de natureza a justificar a violação do direito de estabelecimento.

45. Também não partilho a argumentação baseada na necessidade de fazer face à evasão fiscal ou de impedir a superveniência de um vazio fiscal. Na verdade, decorre de uma jurisprudência constante que tais considerações, de natureza económica, não podem ser invocadas para justificar uma restrição a uma liberdade fundamental do direito comunitário, como é a liberdade de estabelecimento.

46. Assim, o Tribunal de Justiça decidiu expressamente em vários acórdãos , que «a redução de receitas fiscais não pode ser considerada uma razão imperiosa de interesse geral susceptível de justificar uma medida em princípio incompatível com uma liberdade fundamental» .

47. No que respeita à possibilidade de justificar as discriminações em causa no caso vertente pela luta contra a fraude fiscal ou a utilização abusiva das liberdades que o direito comunitário confere, impõe-se fazer as seguintes observações.

48. Há que sublinhar que, contrariamente às considerações que acabamos de examinar, a luta contra a fraude fiscal e as necessidades de controlo fiscal constituem manifestamente razões imperiosas de interesse geral, susceptíveis, em princípio, de justificar restrições à liberdade de estabelecimento.

49. Contudo, decorre de uma jurisprudência constante que, para que uma tal justificação possa ser acolhida, a disposição controvertida não deve apenas ser adequada para atingir o objectivo invocado mas, para além disso, é necessário que não restrinja de um modo excessivo as liberdades fundamentais decorrentes do direito comunitário e não ultrapasse o que é necessário para atingir esse objectivo.

50. Ora, não se nos afigura que esta exigência de proporcionalidade seja respeitada no caso em apreço. Na verdade, como aliás é observado pela Comissão, a disposição nacional controvertida, que trata de maneira desfavorável qualquer transacção que implique um elemento externo relativamente à Suécia, conduz a que se presuma a existência de uma fraude ou de um abuso sempre que uma transacção envolva uma sociedade estabelecida noutro Estado-Membro, mesmo uma sociedade sueca que tenha como accionista uma pessoa colectiva estabelecida noutro Estado-Membro.

51. Tal situação está em contradição com uma jurisprudência constante da qual decorre que as autoridades de um Estado-Membro não podem presumir a existência de uma fraude ou de um abuso pelo simples facto de um operador exercer uma liberdade decorrente do Tratado .

52. As observações formuladas pelo Riksskatteverk quanto à existência, no caso vertente, de uma tentativa de fraude suscitam, aliás, um certo espanto. Com efeito, não se vislumbra por que razão o simples facto de X e Y terem recorrido ao procedimento da decisão prévia, indicia uma intenção de se evadirem ao imposto. E é assim, tanto mais que o objectivo de uma tal decisão é justamente permitir ao contribuinte avaliar antecipadamente as consequências fiscais da operação que tem em vista.

53. De qualquer forma, era ao órgão jurisdicional nacional que, no seu despacho de reenvio, não faz contudo qualquer alusão a esta questão, que incumbia pronunciar-se sobre este ponto.

54. Das explicações fornecidas na audiência pelo próprio Governo sueco, é evidente que a disposição visa evitar que, em caso de mudança para o estrangeiro da pessoa que cede as acções, o imposto de mais valias seja subtraído à Suécia. A desproporção da medida em relação a este objectivo, afigura-se, assim, manifesta.

55. Na verdade, a recusa do benefício do imposto diferido é aplicável mesmo quando o transmitente não se muda e, mais, mesmo quando a sociedade cessionária é sueca. Portanto, esta recusa é susceptível de ser oposta mesmo numa hipótese em que quer o cessionário quer o cedente permaneceram na Suécia e o fisco pode, portanto, dirigir-se tanto a um como a outro, para obter o pagamento do imposto. Não se vê por que razão o facto de a sociedade sueca cessionária ter um ou mais accionistas estabelecidos em outro Estado-Membro impedirá as autoridades suecas de considerar tal sociedade devedora do imposto em causa.

56. Se a desproporção se afigura, portanto, manifesta num caso como o vertente em que quer o cedente quer o cessionário residem na Suécia, considero que o é igualmente no caso em que a sociedade cessionária está estabelecida noutro Estado-Membro.

57. É verdade que esta hipótese não corresponde aos factos do litígio no processo principal. Contudo, é igualmente visada pela disposição nacional sobre a qual somos questionados pelo órgão jurisdicional de reenvio, ao qual compete apreciar tanto a necessidade como a pertinência da questão formulada.

58. Portanto, farei sobre este ponto as observações seguintes.

59. Com efeito, há que sublinhar que, mesmo na hipótese de a sociedade cessionária estar estabelecida noutro Estado-Membro, o problema da cobrança do imposto alegado pelo Governo sueco só se coloca no caso de o transmitente sair da Suécia. Assim, uma medida conforme ao princípio da proporcionalidade deveria prever, por exemplo, como refere a Comissão, que os particulares que abandonam efectivamente o território nacional, garantam que não haverá evasão ao imposto, através de um regime de caução.

60. Além disso, como sublinha judiciosamente o Órgão de Fiscalização da AECL, a legislação sueca em causa não estabelece qualquer distinção com base na carga fiscal da sociedade cessionária no seu Estado de estabelecimento, nem com base no facto de o transmitente ser apenas accionista, accionista maioritário ou minoritário da sociedade cessionária estrangeira.

61. Ora, é manifesto que as probabilidades, e mesmo as possibilidades, de fraude ou de artifícios são susceptíveis de variar de modo decisivo em função destas considerações. Assim, uma medida proporcionada devê-las-ia ter em conta.

62. Do que precede, decorre que o carácter desproporcionado da disposição nacional controvertida impede que esta se considere justificada pelas necessidades do controlo fiscal.

63. Resta-nos ainda examinar a argumentação baseada na necessidade de salvaguardar a coerência do sistema fiscal sueco.

64. A este respeito, partilhamos o cepticismo da Comissão quanto à pertinência deste conceito no caso vertente. Com efeito, é difícil ver como será possível considerar necessária à coerência do sistema uma disposição que discrimina os cessionários de acordo com o seu lugar de estabelecimento ou o dos seus accionistas, pelo facto de ser conveniente prevenir o risco de uma mudança de residência do transmitente.

65. Assim, tem de se concluir que, no caso vertente, este conceito parece, na realidade, coincidir com as exigências do controlo fiscal que acabamos de examinar.

66. Além disso, sublinhemos que o caso que constitui o objecto do litígio no processo principal apresenta uma diferença importante em relação ao processo Bachmann, já referido, invocado pelo Reino dos Países Baixos e pelo Riksskatteverk. De facto, neste último, existia uma probabilidade de o beneficiário dos prémios de seguro deixar o território nacional, rompendo assim qualquer ligação entre este e a execução do contrato de seguro, dado que o organismo segurador estava estabelecido noutro Estado-Membro. Em contrapartida, no caso vertente, como foi observado, noutro contexto, pelo próprio Riksskatteverk, a actividade económica a que diz respeito a transacção continua a efectuar-se na Suécia, no território da qual a entrada de capitais, ou seja, as acções de uma sociedade sueca, continua a ter ligação.

67. Acresce que, contrariamente ao que sucedia no processo Bachmann, já referido, o beneficiário da transmissão nunca escapa inteiramente ao fisco sueco nos casos abrangidos pela disposição nacional controvertida, visto que, ainda que estabelecida no estrangeiro, a sociedade cessionária é detentora de acções numa sociedade sueca. Isto é válido a fortiori quando, como no processo submetido ao órgão jurisdicional de reenvio, a sociedade cessionária é uma sociedade sueca.

68. Além disso, no processo Bachmann, já referido, existia uma disposição legislativa nacional à qual o Tribunal de Justiça atribuiu uma importância essencial, que previa explicitamente a não tributação dos montantes pagos pelo organismo segurador em caso de não dedutibilidade dos prémios de seguro. No caso vertente, não existe uma disposição equivalente que faça depender expressamente o benefício do pagamento diferido do imposto do facto de haver a certeza de que este será cobrado posteriormente.

69. Convém igualmente recordar a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual a coerência do sistema fiscal não deve ser necessariamente assegurada num contexto puramente nacional. De facto, convém ter igualmente em conta eventuais acordos sobre a dupla tributação . Ora, dos elementos apresentados ao Tribunal de Justiça durante a audiência é de salientar que o acordo entre o Reino da Bélgica e o Reino da Suécia sobre a dupla tributação, que entrou em vigor em 24 de Fevereiro de 1993, é susceptível de ser pertinente na medida em que reparte a tributação das mais valias entre os dois Estados contratantes. Aliás, é provável que suceda o mesmo em outros acordos deste tipo entre o Reino da Suécia e outros Estados-Membros.

70. Acresce que, tendo em conta o efeito de tais acordos que, em princípio, permitem evitar que devido a uma mudança de residência deixe de haver um Estado-Membro competente para a tributação das mais valias, é duvidoso que a disposição nacional controvertida possa fazer apelo à salvaguarda da coerência do sistema fiscal.

71. De qualquer forma, da jurisprudência decorre que, para que assim seja, a disposição nacional em questão deve respeitar o princípio da proporcionalidade não ultrapassando o que é necessário para salvaguardar a coerência do sistema fiscal . Ora, por todas as razões expostas no contexto da argumentação relativa às necessidades do controlo fiscal, mutatis mutandis, consideramos que a disposição nacional em causa restringe o direito de estabelecimento para além do justificado pela necessidade de manter a coerência do sistema fiscal.

72. Portanto, há que rejeitar igualmente este argumento que visa justificar a disposição nacional em causa.

73. Do que precede, decorre que esta última restringe de modo injustificado a liberdade de estabelecimento conferida pelo direito comunitário.

Quanto à livre circulação de capitais

74. Tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça acima referida, segundo a qual não há lugar a examinar uma disposição nacional contrária ao direito de estabelecimento em relação à livre circulação de capitais, somos de parecer que, no caso vertente, não é necessário responder à questão prejudicial formulada na medida em que ela visa os artigos 56.° CE e 58.° CE.

75. Portanto, é apenas a título subsidiário que referiremos que a disposição nacional controvertida também não pode ser considerada compatível com a livre circulação de capitais.

76. Na verdade, estamos incontestavelmente em presença de uma restrição àquela visto que a lei sueca é susceptível de dissuadir um investidor estabelecido na Suécia de efectuar uma entrada de capitais numa sociedade estabelecida em outro Estado-Membro, dado que seria, então, privado do benefício da tributação diferida que obteria no caso de uma entrada de capitais numa sociedade estabelecida na Suécia. Além disso, é igualmente susceptível de dissuadir um operador estrangeiro de investir numa sociedade sueca, dado que aquela teria, assim, um accionista estabelecido em outro Estado-Membro e os investidores estabelecidos na Suécia seriam, portanto, susceptíveis de serem dissuadidos de aí investirem o seu capital.

77. Ora, trata-se indiscutivelmente de um caso de circulação de capitais na acepção do direito comunitário.

78. É em vão que o Riksskatteverk invoca o artigo 58.° CE.

79. Na verdade, importa observar a este respeito que, nos termos da declaração n.° 7 anexa à Acta final de Maastricht, as disposições nacionais susceptíveis de serem abrangidas pelo artigo 73.° -D, n.° 1, do Tratado CE (actual artigo 58.° , n.° 1, CE) deviam estar em vigor no final de 1993. Ora, a disposição nacional controvertida é posterior a esta data.

80. Acresce que, e seja como for, o artigo 58.° , n.° 3, CE, prevê que as mencionadas disposições nacionais não devem constituir nem um meio de discriminação arbitrária nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e, portanto, devem ser conformes ao princípio da proporcionalidade.

81. Ora, pelas razões acima invocadas, afigura-se que esta condição não está preenchida no caso vertente.

82. Portanto, há que concluir, a título subsidiário, que as disposições do Tratado relativas à livre circulação de capitais obstam a uma legislação como a que está em causa no caso vertente.

83. Do que precede, decorre que se deve responder ao Regeringsrätt que:

«Os artigos 43.° CE a 48.° CE, numa situação como a que está em causa no presente processo, obstam à aplicação da legislação de um Estado-Membro que - como a legislação sueca neste domínio - implica que uma entrada de capital mediante a transmissão de acções a um preço abaixo do valor, quando é efectuada para uma pessoa colectiva originária de outro Estado-Membro e na qual o transmitente detém, directa ou indirectamente, participações ou para uma sociedade anónima nacional na qual aquela pessoa colectiva detém participações, seja tributada de forma mais desfavorável do que o seria no caso de não existir influência de um detentor estrangeiro.»

IV - Conclusão

84. Pelas razões expostas supra, propõe-se que o Tribunal de Justiça se digne decidir que:

«Os artigos 43.° CE a 48.° CE, numa situação como a que está em causa no presente processo, obstam à aplicação da legislação de um Estado-Membro que - como a legislação sueca neste domínio - implica que uma entrada de capital mediante a transmissão de acções a um preço abaixo do valor, quando é efectuada para uma pessoa colectiva originária de outro Estado-Membro e na qual o transmitente detém, directa ou indirectamente, participações ou para uma sociedade anónima nacional na qual aquela pessoa colectiva detém participações, seja tributada de forma mais desfavorável do que o seria no caso de não existir influência de um detentor estrangeiro.»

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