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Document 62000CC0141
Opinion of Mr Advocate General Tizzano delivered on 27 September 2001. # Ambulanter Pflegedienst Kügler GmbH v Finanzamt für Körperschaften I in Berlin. # Reference for a preliminary ruling: Bundesfinanzhof - Germany. # Article 13(A)(1)(c) and (g) of the Sixth Directive (77/388/EEC) - Exemption of care provided by capital companies - Services closely linked to welfare and social security work supplied by organisations, not being bodies governed by public law, recognised as charitable by the Member State concerned - Direct effect. # Case C-141/00.
Conclusões do advogado-geral Tizzano apresentadas em 27 de Septembro de 2001.
Ambulanter Pflegedienst Kügler GmbH contra Finanzamt für Körperschaften I in Berlin.
Pedido de decisão prejudicial: Bundesfinanzhof - Alemanha.
Artigo 13.º, A, n.º 1, alíneas c) e g), da Sexta Directiva 77/388/CEE - Isenção das prestações de cuidados efectuadas por sociedades de capitais - Prestações de serviços ligadas à assistência social e à segurança social efectuadas por outros organismos que não os de direito público reconhecidos como tendo carácter social pelo Estado-Membro em causa - Efeito directo.
Processo C-141/00.
Conclusões do advogado-geral Tizzano apresentadas em 27 de Septembro de 2001.
Ambulanter Pflegedienst Kügler GmbH contra Finanzamt für Körperschaften I in Berlin.
Pedido de decisão prejudicial: Bundesfinanzhof - Alemanha.
Artigo 13.º, A, n.º 1, alíneas c) e g), da Sexta Directiva 77/388/CEE - Isenção das prestações de cuidados efectuadas por sociedades de capitais - Prestações de serviços ligadas à assistência social e à segurança social efectuadas por outros organismos que não os de direito público reconhecidos como tendo carácter social pelo Estado-Membro em causa - Efeito directo.
Processo C-141/00.
Colectânea de Jurisprudência 2002 I-06833
ECLI identifier: ECLI:EU:C:2001:498
Conclusões do advogado-geral Tizzano apresentadas em 27 de Septembro de 2001. - Ambulanter Pflegedienst Kügler GmbH contra Finanzamt für Körperschaften I in Berlin. - Pedido de decisão prejudicial: Bundesfinanzhof - Alemanha. - Artigo 13.º, A, n.º 1, alíneas c) e g), da Sexta Directiva 77/388/CEE - Isenção das prestações de cuidados efectuadas por sociedades de capitais - Prestações de serviços ligadas à assistência social e à segurança social efectuadas por outros organismos que não os de direito público reconhecidos como tendo carácter social pelo Estado-Membro em causa - Efeito directo. - Processo C-141/00.
Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-06833
I - Introdução
1. Por despacho de 3 de Fevereiro de 2000, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça no dia 14 de Abril seguinte, o Bundesfinanzhof (República Federal da Alemanha) apresentou, nos termos do artigo 234.° CE, três questões prejudiciais relativas à interpretação do artigo 13.° , A, n.° 1, alíneas c) e g), da Sexta Directiva IVA , no quadro de um litígio que opõe uma sociedade que fornece serviços de assistência ambulatória (Ambulanter Pflegedienst Kügler GmbH, a seguir «Kügler» ou «recorrente») ao Finanzamt für Körperschaften I in Berlin (Repartição de Impostos sobre as Sociedades Comerciais, a seguir «Finanzamt» ou «Administração»). As respostas do Tribunal de Justiça auxiliarão o juiz de reenvio a decidir se as prestações de serviços de assistência médica e a assistência ambulatória fornecidas pela Kügler nos anos de 1988-1990 devem estar sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado (a seguir «IVA»), como defende a Administração, ou beneficiar da isenção fiscal prevista nas supra-referidas disposições legais, como sustenta a recorrente.
II - Quadro jurídico
A - A regulamentação comunitária
2. O artigo 13.° (intitulado «Isenções no território do país»), A («Isenções em benefício de certas actividades de interesse geral»), n.° 1, alíneas b), c) e g), e n.° 2, alíneas a) e b), da Sexta Directiva dispõe que:
«1. Sem prejuízo de outras disposições comunitárias, os Estados-Membros isentarão, nas condições por eles fixadas com o fim de assegurar a aplicação correcta e simples das isenções a seguir enunciadas e de evitar qualquer possível fraude , evasão e abuso:
[...]
b) A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente conexas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;
c) As prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício das actividades médicas e paramédicas, tal como são definidas pelo Estado-Membro em causa;
[...]
g) As prestações de serviços e as entregas de bens estreitamente conexas com a assistência social e com a segurança social, incluindo as realizadas por centros de terceira idade, por organismos de direito público ou por outros organismos reconhecidos de carácter social pelo Estado-Membro em causa;
[...]»
«2. a) Os Estados-Membros podem subordinar, caso a caso, a concessão, a organismos que não sejam de direito público, de qualquer das isenções previstas nas alíneas [...] g) [...] do n.° 1 à observância de uma ou mais das seguintes condições:
- os organismos em questão não devem ter como objectivo a obtenção sistemática de lucro; os eventuais lucros não devem em caso algum ser distribuídos , devendo antes ser destinados à manutenção ou à melhoria das prestações fornecidas;
- devem ser geridos e administrados essencialmente a título gratuito por pessoas que não detenham, por si mesmas ou por interposta pessoa, qualquer interesse directo ou indirecto nos resultados da exploração;
- devem praticar preços homologados pela Administração Pública, ou que não excedam os preços homologados, ou, no que diz respeito às actividades não susceptíveis de homologação de preços, preços inferiores aos exigidos para actividades análogas por empresas comerciais sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado;
- as isenções não devem ser susceptíveis de provocar distorções de concorrência em detrimento de empresas comerciais sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado;
b) As prestações de serviços e as entregas de bens ficam excluídas do benefício da isenção prevista nas alíneas [...] g ) [...] do n.° 1, se:
- não forem indispensáveis à realização das operações isentas;
- se destinarem, essencialmente, a obter para o organismo receitas suplementares mediante a realização de operações efectuadas em concorrência directa com as empresas comerciais sujeitas ao imposto sobre o valor acrescentado.»
B - A regulamentação nacional
3. Nos termos do § 4, n.° 14, primeira frase, da Umsatzsteuergesetz 1980 (lei do imposto sobre o volume de negócios, a seguir «UStG» ), encontra-se isento do imposto :
«As operações resultantes do exercício da profissão de médico, de dentista, de fisioterapeuta, de cinesiterapeuta, de parteiro ou de qualquer outra actividade médica análoga na acepção do § 18, n.° 1, ponto 1, da Einkommensteuergesetz ou o exercício da profissão de químico clínico [...]».
4. O n.° 16 da mesma disposição, na versão em vigor no período referente aos factos do processo principal, isto é, nos anos de 1988-1990, previa isenção fiscal para:
«As operações estreitamente relacionadas com a exploração de hospitais, de clínicas especializadas em exames de despistagem e de outros estabelecimentos de assistência médica, de diagnóstico ou de exames médicos, bem como de asilos, residências para pessoas idosas, estabelecimentos de cuidados que aceitem doentes dependentes, quando
a) estas instituições sejam geridas por pessoas colectivas de direito público, ou
b) [se trate] de hospitais [...]
c) no que se refere a clínicas especializadas em exames preventivos e outras instituições de assistência médica, de diagnóstico ou de exames médicos, as prestações sejam fornecidas sob controlo médico [...]
d) no caso de asilos, de residências para pessoas idosas, de estabelecimentos de cuidados que aceitem doentes dependentes, pelo menos dois terços das prestações tenham beneficiado, no ano civil anterior, as pessoas referidas no § 68, n.° 1, da Bundessozialhilfegesetz (lei federal relativa à assistência social) [...]».
5. Em 1992, a parte introdutória do § 4, n.° 16, da UStG foi modificada, passando a isenção fiscal a abranger :
«As operações que estão estreitamente relacionadas com a exploração de hospitais, de clínicas especializadas em exames de despistagem e outras instituições relacionadas com os cuidados médicos, diagnóstico, ou exames médicos, bem como asilos, residências para pessoas idosas, instituições de cuidados que recebam doentes dependentes, instituições destinadas a receber pessoas que necessitem de cuidados e instituições que permitem dispensar cuidados ambulatórios a pessoas doentes ou necessitadas desses cuidados quando [...]».
6. Na mesma ocasião, foi acrescentado ao § 4, n.° 16, a alínea e), com a seguinte redacção:
«e) no que se refere a instituições que se dediquem à recolha provisória de pessoas necessitadas de assistência ou a instituições de assistência ambulatória a pessoas doentes ou necessitadas de assistência, os custos de assistência tenham, no ano civil anterior e, pelo menos, em dois terços dos casos, sido suportados, inteiramente ou na sua parte principal, pelas instituições legais do seguro social ou da assistência social».
7. Para precisar as disposições referidas, lembramos ainda que o § 4, n.° 14, da UStG remete para o § 18, n.° 1, ponto 1, da Einkommensteuergesetz (lei do imposto sobre o rendimento, a seguir «EStG» ), quanto à definição do rendimento tributável das «profissões liberais». Da jurisprudência do Bundesfinanzhof resulta, por outro lado, que tal remissão diz respeito, unicamente, à apreciação da natureza da actividade em questão e não à qualificação dos rendimentos para efeitos da legislação relativa ao imposto sobre o volume de negócios. Daqui se deduz, portanto, que a isenção prevista pelo § 4, n.° 14, da UStG não é exclusiva de um profissional, enquanto pessoa singular, podendo igualmente ser invocada por uma sociedade de pessoas ou de capitais.
8. No que diz respeito à eventual isenção da assistência ambulatória, o mesmo juiz de reenvio lembra que, segundo decisões recentes do Bundesfinanzhof, as prestações que consistam em tratamentos terapêuticos, ou seja, tratamentos médicos necessários em consequência de um quadro patológico, prestados por enfermeiros num contexto de assistência ambulatória, são considerados actividade «análoga» às actividades enumeradas no § 4, n.° 14, da UStG e, como tal, beneficiam da isenção fiscal aí prevista. O mesmo não acontece com a assistência básica, actividade que consiste, por exemplo, em assegurar a higiene pessoal, a confecção e o fornecimento das refeições, bem como o auxílio aos doentes para se vestirem e despirem, se levantarem e deitarem; nem com os serviços domésticos, nos quais se incluem a realização das compras, a limpeza da habitação e a lavagem de roupa. Para estes dois últimos tipos de assistência ambulatória, segundo o juiz de reenvio, a isenção fiscal pode resultar do § 4, n.° 16, da UStG, na versão alterada pela StÄndG, mas somente a partir da entrada em vigor dessa lei, ou seja, a partir de 1 de Janeiro de 1992, uma vez que, por motivos de equidade, não pode ser conferida eficácia retroactiva a essa alteração.
III - Matéria de facto e questões prejudiciais
9. A Kügler é uma sociedade por quotas, de direito alemão, que, entre 1988 e 1990, fornecia serviços de assistência ambulatória. De acordo com o seu pacto social, dedicava-se exclusivamente a fins caritativos, prestando apoio a pessoas dependentes em razão da sua condição física ou da sua condição económica . Conforme foi atestado pelo próprio Finanzamt num parecer de 23 de Agosto de 1988, válido até 31 de Dezembro de 1989, a prossecução em concreto desse escopo caritativo era assegurada pela prestação de cuidados médicos ao domicílio, bem como de assistência básica e de serviços domésticos.
10. Através de diversos avisos relativos ao período em causa, o Finanzamt liquidou o montante de imposto sobre o volume de negócios devido pela recorrente no período de 1988/1990, a taxa reduzida, com base em matéria colectável estimada. A Kügler, que, pelo contrário, julgava dever usufruir da isenção prevista no § 4, n.os 14 e 16, da UStG de 1980, apresentou, primeiro, uma reclamação aos próprios serviços da Administração e, seguidamente, um recurso jurisdicional. Nenhum teve sucesso.
11. Em particular, segundo o Finanzgericht, a Kügler não desenvolvia nenhuma das actividades previstas no § 4, n.° 14, da UStG, uma vez que, como pessoa colectiva, não preenchia os requisitos para o exercício de uma profissão liberal. Acresce que a sua facturação não estava isenta, nem mesmo ao abrigo do § 4, n.° 16, da UStG, uma vez que, por um lado, a recorrente não geria uma instituição de prestação de cuidados médicos [v. § 4, n.° 16, alínea c), da UStG], e, por outro, a isenção do imposto sobre o volume de negócios dos organismos destinados a fornecer cuidados ambulatórios a pessoas doentes ou necessitadas de assistência só em 1992 foi introduzida [v. § 4, n.° 16, alínea e), da UStG, conforme alteração].
12. Segundo o Finanzgericht, não seria possível obter uma solução diferente, nem mesmo invocando a Sexta Directiva, em particular o seu artigo 13.° , A, n.° 1, alíneas c) e g). Com efeito, não só o texto da alínea c) deste artigo exige, também ele, que se trate de pessoas singulares com qualificações médicas ou paramédicas, como nem mesmo a recorrente poderia pretender usufruir da isenção concedida aos organismos reconhecidos como tendo carácter social na acepção da alínea g), uma vez que esse reconhecimento só foi concedido às instituições que fornecem cuidados ambulatórios a partir de 1992, com a referida alteração introduzida pela StÄndG no § 4, n.° 16, da UStG.
13. Consequentemente, a Kügler apresentou um recurso de revista ao Bundesfinanzhof, invocando violação do § 4, n.os 14 e 16, da UStG de 1980 e do artigo 13.° , A, n.° 1, alíneas c) e g), da Sexta Directiva.
14. No despacho de reenvio, o Bundesfinanzhof interroga-se, antes de mais, sobre a aplicação da isenção prevista no artigo 13.° , A, n.° 1, alínea c), da Sexta Directiva às prestações efectuadas por uma pessoa colectiva. Esclarece que as suas dúvidas resultam do acórdão Gregg , no qual o Tribunal de Justiça observa que «a maior parte das disposições [do artigo 13.° , A, n.° 1, da Sexta Directiva] precisam igualmente quais os operadores económicos que estão autorizados a fornecer as prestações isentas» (n.° 13) e que «os termos estabelecimento ou organismo são utilizados em certas disposições do artigo 13.° , A, n.° 1, da Sexta Directiva, enquanto noutras a actividade em causa é referida através de denominações profissionais que remetem para um particular como as profissões médicas e paramédicas [alínea c)], [...]» (n.° 14). Por outro lado, no mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça acrescentou que «o princípio da neutralidade fiscal opõe-se [...] a que [...] a possibilidade de invocar o benefício da isenção prevista [...] no artigo 13.° , A, n.° 1, alíneas b) e g), [seja] tributário da forma jurídica através da qual o sujeito passivo exerce a sua actividade» (n.° 20).
15. Em segundo lugar, considerando os diferentes tipos de prestações fornecidas pela Kügler, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta-se se, para além da assistência médica, também a assistência básica e a assistência doméstica podem beneficiar da isenção prevista na alínea c), pelo menos na medida em que sejam acessórias das prestações com fins terapêuticos. A este respeito, o Bundesfinanzhof lembra um acórdão do Tribunal de Justiça que, no seu entender, pode excluir da isenção em causa todas as prestações que não têm efeito terapêutico. De facto, no acórdão Comissão/Reino Unido , o Tribunal de Justiça afirmou que «as prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício das actividades médicas e paramédicas» são «prestações efectuadas fora de organismos hospitalares e no quadro de uma relação de confiança entre o paciente e o prestador de serviços, que normalmente tem lugar no consultório deste último» (n.° 33).
16. Por último, no caso de nem todas as prestações fornecidas pela recorrente poderem beneficiar da isenção prevista no artigo 13.° , A, n.° 1, alínea c), da Sexta Directiva, o Bundesfinanzhof questiona-se se a alínea g) da disposição referida não será, eventualmente, aplicável no caso concreto. Nesta hipótese, conviria perguntar se a recorrente pode invocá-la, uma vez que a mesma só foi transposta para o direito nacional depois do período a que respeitam os avisos de liquidação de imposto do Finanzamt. Porém, tendo em conta que segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, «as disposições de uma directiva que parecem, quanto ao seu conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas podem ser invocadas pelos particulares contra todas as disposições legislativas de direito interno desconformes com a directiva» , o Bundesfinanzhof colocou a questão de saber se estas condições se encontram reunidas no caso concreto.
17. Com base nestas considerações, o Bundesfinanzhof decidiu submeter ao Tribunal de Justiça, a título prejudicial, as seguintes questões:
«1) A isenção de imposto prevista no artigo 13.° , A, n.° 1, alínea c), da Directiva 77/388/CEE só é válida quando o tratamento médico for efectuado por um particular, ou tal isenção é independente da forma jurídica do prestador?
2) No caso de a isenção ser também aplicável às sociedades de capitais: a isenção abrange, total ou parcialmente, as actividades de uma sociedade de capital consistentes em enfermagem ambulatória (tratamento de enfermagem, assistência básica e serviços domésticos), a qual é prestada por enfermeiros diplomados?
3) As referidas prestações são abrangidas pelo artigo 13.° , A, n.° 1, alínea g), da Directiva 77/388/CEE? Se o são, pode um devedor fiscal invocar tal disposição?»
IV - Análise jurídica
A - Quanto à primeira questão prejudicial
1. Argumentos das partes
18. À excepção do Finanzamt, todas as outras partes do processo sugeriram que a resposta à primeira questão seja no sentido de que a isenção prevista pelo artigo 13.° , A, n.° 1, alínea c), da Sexta Directiva não depende da forma jurídica dos prestadores e, portanto, não assume qualquer relevância o facto de o sujeito passivo ser uma pessoa singular ou colectiva.
19. A favor desta interpretação encontram-se, antes de mais, os artigos 2.° e 4.° da Sexta Directiva : o primeiro, porque dispõe claramente que são as entregas de bens e as prestações de serviços que estão sujeitas a IVA, e não os sujeitos passivos que exercem essas actividades; o segundo, porque, ao determinar que, para efeitos da directiva, «por sujeito passivo se entende qualquer pessoa que exerça, de modo independente, em qualquer lugar, uma [...] actividad[e] económic[a] [...], independentemente do fim ou do resultado dessa actividade», confirma que a sujeição a IVA não depende da forma jurídica dos sujeitos passivos.
20. Em segundo lugar, é sublinhado que, por um lado, o artigo 13.° , A, n.° 1, alínea c), assenta mais no tipo ou na natureza das actividades em causa, precisamente as «actividades médicas», do que na forma jurídica das categorias profissionais que estão habilitadas a exercê-las; por outro lado, que a indicação das categorias profissionais habilitadas a exercer estas actividades só serve para definir essas mesmas actividades . Por outro lado, só as pessoas singulares podem exercer uma actividade por conta das pessoas colectivas e, por consequência, se as primeiras possuem as qualificações necessárias para o exercício da sua profissão, as segundas podem, igualmente, por seu intermédio, exercer uma actividade económica susceptível de ser isenta nos termos do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea c), da Sexta Directiva.
21. Além disso, em termos mais gerais, é feita referência ao princípio da neutralidade fiscal que inspira a Sexta Directiva e que obsta a que os agentes económicos que desenvolvem as mesmas operações sejam tratados de forma diferente em matéria de cobrança de IVA . Este princípio seria violado se a referida isenção dependesse da forma jurídica dos sujeitos passivos que exercem a actividade em causa. O próprio Tribunal de Justiça, no referido acórdão Gregg, baseou-se no mencionado princípio (v. n.° 20), num caso em que se tratava de aplicar às pessoas singulares disposições respeitantes aos «estabelecimentos» e aos «organismos». O Tribunal de Justiça reconheceu que a redacção das alíneas b) e g) do artigo 13.° , A, n.° 1, da Sexta Directiva podia dar lugar a uma interpretação diferente e que «os termos empregados para designar as isenções visadas pelo artigo 13.° da Sexta Directiva são de interpretação estrita, dado constituírem derrogações ao princípio geral de que o IVA é cobrado sobre todas as entregas de bens e todas as prestações de serviços efectuadas a título oneroso por um sujeito passivo» (n.° 12); todavia, prossegue o Tribunal de Justiça, «não se pode deduzir da circunstância de o artigo 13.° , A, n.° 1, da Sexta Directiva incluir denominações diferentes dos operadores económicos nele mencionados que o benefício das isenções previstas por esta disposição está reservado às pessoas colectivas quando esta última se refira expressamente a uma operação efectuada por um estabelecimento ou um organismo [v. alíneas b) e g)], quando, nos outros casos, esse benefício pode igualmente ser reclamado por pessoas singulares» (n.° 15). Pelo contrário, acrescenta o Tribunal de Justiça, «os termos estabelecimento e organismo são, em princípio, suficientemente amplos para incluir pessoas singulares»; ao utilizar este termos, «o legislador comunitário não [teve] a intenção de limitar o benefício das isenções visadas por esta disposição apenas às operações realizadas por pessoas colectivas, antes [entendeu] alargar o âmbito destas isenções às operações efectuadas por pessoas singulares» (n.° 17) .
22. Por último, refere-se que, independentemente da forma jurídica do sujeito que as fornece, a isenção das prestações de serviços de assistência se justifica pela própria ratio da isenção, que visa reduzir as despesas médicas e, portanto, favorecer a protecção da saúde .
23. Pelo contrário, o Finanzamt defende que a tese segundo a qual só as pessoas singulares beneficiam da isenção é a mais coerente com a jurisprudência do Tribunal de Justiça e com o texto das disposições em causa. Lembra, nomeadamente, que «é jurisprudência constante que as isenções previstas no artigo 13.° da Sexta Directiva constituem conceitos autónomos de direito comunitário [...] deve ser igualmente o caso das condições específicas que são exigidas para beneficiar destas isenções e, em particular, das que se referem à qualidade ou à identidade do operador económico que efectua prestações abrangidas pela isenção» e que «os termos utilizados para designar as isenções visadas pelo artigo 13.° [...] devem ser interpretados restritivamente» .
24. Por outro lado, continua o Finanzamt, o teor literal das disposições em exame está desprovido de qualquer ambiguidade e apenas se refere às actividades exercidas por pessoas singulares. O próprio Tribunal de Justiça, ao interpretar as isenções previstas no artigo 13.° , A, n.° 1, salientou que, embora em algumas delas se faça referência expressa à noção de «organismo», as outras actividades a isentar são identificadas através da indicação das denominações profissionais, tais como as profissões médicas e paramédicas previstas na alínea c), que se referem, evidentemente, a pessoas singulares. É, portanto, claro que uma sociedade de capitais apenas pode beneficiar das isenções que fazem referência à noção de «organismo» . O facto de o Tribunal de Justiça considerar, no acórdão Gregg, que as isenções previstas no artigo 13.° , A, n.° 1, alíneas b) e g), são aplicáveis às pessoas singulares não permite aplicar o mesmo raciocínio, ainda que invertido, ao presente processo, isto é, estender a isenção prevista no artigo 13.° , A, n.° 1, alínea c), a todas as sociedades de capitais.
25. Por fim, para o caso de, a despeito de todas as considerações que precedem, o Tribunal de Justiça chegar à conclusão de que o artigo supracitado é também aplicável às pessoas colectivas, o Finanzamt alega que tanto os sócios como os administradores das sociedades de capitais em causa deviam possuir todas as qualificações médicas e paramédicas requeridas (que, no caso concreto, faltam ao presidente da administração da demandante). Só esta conclusão, que, aliás, é reforçada pelo texto da disposição em causa, permite isentar certas actividades, independentemente da forma jurídica do operador económico.
2. Apreciação
26. Em nosso entender, é de longe preferível a primeira das teses que acabámos de expôr, e nada, ou quase nada, haveria a acrescentar em sua defesa, se não houvesse lugar a rebater certas objecções levantadas contra esta tese pelo Finanzamt.
27. De um ponto de vista geral, antes de mais, também nós gostaríamos de recordar que «as isenções constituem noções autónomas do direito comunitário que devem ser inseridas no contexto geral do sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado instaurado pela directiva» . Contudo, consideramos dever fazê-lo por razões opostas às que foram invocadas pelo Finanzamt, ou seja, para lembrar que os artigos 2.° e 4.° da Sexta Directiva, que delimitam o seu campo de aplicação, objectivo e subjectivo, não fazem qualquer referência à forma jurídica do sujeito passivo que exerce a actividade económica tributável. Nem, por outro lado, a extensão da isenção às prestações de serviços de assistência fornecidas por pessoas colectivas colide com o princípio da interpretação restritiva que consta do artigo 13.° da Sexta Directiva, dado que a isenção continua a ser aplicável somente às prestações de serviços de assistência fornecidas por pessoal qualificado e, portanto, esta extensão não tem como consequência uma aplicação do artigo em causa que vá para além dos casos mencionados na directiva. Ao invés, a tese contrária dá por adquirida, precisamente, a conclusão que é necessário demonstrar.
28. Por outro lado, independentemente da sua conformidade com o objectivo de redução das despesas médicas, a solução que aqui foi proposta parece-nos mais consentânea com o referido princípio da neutralidade fiscal. De facto, essa solução permite, ao mesmo tempo, tratar da mesma forma todos os operadores económicos que exerçam a mesma actividade, evitando assim influenciar a escolha da forma jurídica que os mesmos entendem adoptar para exercer as suas actividades e afectar as condições de concorrência que possam resultar dessa escolha .
29. Mas nem mesmo o texto da disposição em causa dá razão à conclusão do Finanzamt. Como, de facto, foi correctamente observado pelos defensores da tese oposta, o texto da alínea c) não exige, de forma alguma, que as prestações de serviços de assistência sejam fornecidas por um sujeito dotado de uma forma jurídica particular. Com efeito, para que estas prestações sejam isentas, é necessário que sejam satisfeitas duas condições, independentes da forma jurídica dos sujeitos passivos em causa: deve tratar-se, precisamente, de «prestações de serviços de assistência» e estas devem ser fornecidas por pessoas dotadas das qualificações profissionais necessárias . Foi, precisamente, seguindo um raciocínio similar, que o Tribunal de Justiça considerou, no acórdão Gregg, aplicáveis às actividades das pessoa singulares as isenções relativas a «organismos» ou «estabelecimentos», na medida em que as condições «[de] existência de uma entidade individualizada que desempenha uma função especial [...] são [...] preenchidas não apenas pelas pessoas colectivas mas também por uma ou diversas pessoas singulares que exploram uma empresa» (n.° 18).
30. Observamos, por outro lado, que nem mesmo a jurisprudência invocada pelo Finanzamt justifica as conclusões a que chega. No n.° 20 do acórdão Bulthius-Griffioen, de facto, o Tribunal de Justiça não afirmou, como sustenta a Administração demandada, que as isenções previstas no artigo 13.° , que não fazem referência à noção de «organismo» e utilizam, ao invés, denominações profissionais, apenas são aplicáveis às pessoas singulares. Na realidade, o Tribunal de Justiça disse exactamente o contrário; com efeito, esclareceu que, naqueles casos, «o benefício de isenção [...] também [...] pode ser [invocado] por pessoas singulares» (o sublinhado é meu). Isto significa que, mesmo na presença de «denominações profissionais que remetem para um particular» , a isenção pode ser também invocada para as actividades fornecidas por um operador que actue sob a forma de pessoa colectiva .
31. Por fim, quanto ao argumento do Finanzamt segundo o qual, se o Tribunal de Justiça decidisse seguir a tese por nós acolhida, a isenção não poderia ser concedida a não ser na condição de os sócios ou administradores da empresa terem as aptidões profissionais requeridas, parece-nos que nem o texto da Sexta Directiva nem a ratio da isenção justificam a imposição desta condição suplementar. Com efeito, o artigo 13.° , A, n.° 1, alínea c), exige unicamente que as prestações de serviços de assistência a que faz referência sejam fornecidas no quadro do exercício de profissões médicas e paramédicas e, consequentemente, por pessoas qualificadas para este efeito.
32. Em conclusão, somos da opinião de que à primeira questão prejudicial se deve responder no sentido de que a isenção prevista no artigo 13.° , A, n.° 1, alínea c), da Sexta Directiva é independente da forma jurídica dos sujeitos passivos que fornecem as prestações de serviços de assistência.
B - Quanto à segunda questão prejudicial
33. Na hipótese de o Tribunal de Justiça responder à primeira questão prejudicial como acabámos de propor, isto é, que a isenção também é aplicável às sociedades de capitais, o Bundesfinanzhof pergunta, através da segunda questão, se a referida isenção se aplica, no todo ou em parte, ao volume de negócios de uma sociedade de capitais que forneça assistência ambulatória (assistência de carácter terapêutico, assistência básica e assistência doméstica) prestada por enfermeiros diplomados. Substancialmente, o juiz de reenvio pede que seja esclarecido o âmbito, para os presentes fins, da noção de «prestações de serviços de assistência» prevista no artigo 13.° , A., n.° 1, alínea c).
1. Argumentos das partes
34. Com excepção da recorrente, todas as partes que se pronunciaram sobre este ponto (o Finanzamt, o Governo alemão e a Comissão) são da opinião de que a isenção prevista no artigo 13.° , A, n.° 1, alínea c), cobre exclusivamente os tratamentos de carácter terapêutico, isto é, ligados à prevenção, ao diagnóstico ou à cura de uma patologia, e não as outras actividades a que se dedica a recorrente (assistência básica e assistência doméstica), que, por si mesmas, não contribuem para a cura do paciente, uma vez que não visam directamente fins terapêuticos.
35. Depois de terem recordado, em particular, o princípio segundo o qual as isenções previstas no artigo 13.° da Sexta Directiva são de interpretação estrita, os partidários desta tese sublinham que só as prestações de serviços de assistência propriamente ditas têm uma ligação estreita com as actividades destinadas a proteger a saúde e a curar o paciente . As prestações de assistência básica e doméstica não têm, ao invés, finalidades terapêuticas em si mesmas e são geralmente fornecidas por pessoas que não se incluem nas profissões médicas e paramédicas (enfermeiros), ao contrário do que é exigido pela disposição da directiva em causa. Mas ainda que sejam efectuadas por pessoal diplomado, não têm, de qualquer forma, uma relação directa com a medicina; como tal, portanto, não podem usufruir da isenção, até porque, se assim fosse, teríamos que operações muito diferentes umas das outras (ou seja, prestações de serviços de assistência e as que o não são) estariam sujeitas à mesma disciplina fiscal.
36. Para efeitos da isenção prevista no artigo 13.° , A, n.° 1, alínea c), importa, pelo contrário, que as prestações de serviços de assistência sejam prestadas fora dos hospitais, uma vez que, das prestadas no quadro hospitalar se ocupa a alínea b) da mesma disposição. Não é, porém, indispensável que essas prestações se desenrolem no consultório privado do prestador; com efeito, quando, no acórdão Comissão/Reino Unido, o Tribunal de Justiça caracterizou as prestações previstas na alínea c) como prestações efectuadas «no quadro de uma relação de confiança entre o paciente e o prestador de serviços, que normalmente tem lugar no consultório deste último» (n.° 33; o sublinhado é meu), não tinha, evidentemente, intenção de limitar a isenção aos simples cuidados médicos prestados neste último quadro.
37. Os adeptos desta tese observam de seguida que as prestações de assistência básica e doméstica não estariam isentas, ainda que fossem prestações acessórias da assistência médica. Com efeito, contrariamente ao artigo 13.° , A, n.° 1, alínea b), a alínea c) não refere que, para além das prestações de assistência médica à pessoa, no quadro do exercício de profissões médicas e paramédicas, «as operações com elas estreitamente conexas» estão igualmente isentas. Por outro lado, ainda que, de acordo com a alínea c), as actividades acessórias estejam, em princípio, isentas, a assistência básica e a assistência doméstica não podem ser consideradas como tais, em virtude da sua natureza e do trabalho que requerem.
38. Segundo a Comissão, só se imporia uma solução diversa se as referidas actividades fossem parte indissociável da prestação médica principal. Com efeito, no acórdão Comissão/Reino Unido, a respeito da eventual isenção, ao abrigo da alínea c), do fornecimento de certos bens ligados ao exercício de profissões médicas e paramédicas, o Tribunal de Justiça considerou que «a alínea c) só refere as prestações de serviços de assistência, excluindo a entrega dos bens, definida no artigo 5.° da directiva, sem prejuízo dos pequenos fornecimentos de bens indissociáveis da prestação» (n.° 35). Resulta do que precede que, ao basear-se na noção de «prestação única» definida pelo Tribunal de Justiça num outro acórdão , a Comissão deduziu que a isenção poderia alargar-se às prestações que, não tendo a natureza de «prestação médica», se caracterizam como elementos indissociáveis de um tratamento médico específico.
39. A Kügler sustenta a tese exactamente oposta. Se bem compreendemos os seus argumentos, nem sempre claros, a recorrente contesta o que foi afirmado pelo órgão jurisdicional de reenvio a este propósito (v., supra, n.° 8) e, ao invés, sustenta, fazendo referência às origens da regulamentação nacional pertinente e invocando um certo número de exemplos concretos, que, por um lado, o ordenamento jurídico alemão não é claro quanto ao facto de as actividades inerentes à assistência básica e doméstica deverem ser excluídas da isenção prevista na alínea c) e que, por outro lado, não é, de qualquer modo, fácil distinguir a assistência médica de outros tipos de assistência genérica prestada ao domicílio por pessoal de enfermagem qualificado. Segundo a Kügler, a disposição comunitária em causa também não permite extrair com segurança elementos úteis para este efeito. Além disso, sempre de acordo com o que a recorrente parece defender, as isenções previstas nas alíneas c) e g) constituem um conjunto coerente, cujos elementos se completam mutuamente e devem ser aplicados em simultâneo. Este método permite colmatar as eventuais lacunas que possam ser encontradas no regime de isenção da Sexta Directiva, quanto às actividades em exame, favorecendo a tutela do interesse geral visada pelos regimes de segurança e assistência social. Consequentemente, na opinião da Kügler, a isenção prevista na alínea c) cobre igualmente as prestações de assistência básica e doméstica, desde que fornecidas por enfermeiros diplomados, quando a prevista na alínea g) se aplica a todas as prestações de assistência doméstica e, portanto, também à assistência com fins terapêuticos, independentemente do facto de essas prestações serem ou não fornecidas por pessoal qualificado.
2. Apreciação
40. Recordamos, antes de mais, que, para que as prestações de serviços de assistência previstas no artigo 13.° , A, n.° 1, alínea c), sejam isentas, devem ser efectuadas no exercício de profissões médicas ou paramédicas. Mas se a noção de «prestações de serviços de assistência» é, por assim dizer, uma noção de direito comunitário, a definição das profissões referidas é, pelo contrário, remetida para as legislações nacionais, dado que o próprio artigo 13.° , A, n.° 1, alínea c), da Sexta Directiva confere expressamente essa tarefa aos Estados-Membros.
41. Posto isto, em nosso entender, a expressão «prestações de serviços de assistência» deve ser objecto de uma clarificação com base, por um lado, no lugar onde essas prestações devem ser prestadas para beneficiarem da isenção e, por outro, no tipo de prestações que efectivamente integram o campo de aplicação da norma em causa.
42. Quanto ao primeiro ponto, como foi também sublinhado pelas outras partes, o texto do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea c), não comporta nenhuma referência útil. Como, porém, se viu, a alínea b) do mesmo artigo isenta as prestações fornecidas em contexto hospitalar, bem como em centros de tratamento e diagnóstico e noutros estabelecimentos análogos devidamente reconhecidos. Ora, considerando que, com as duas alíneas da disposição em causa, se pretende regulamentar a totalidade das isenções das prestações de serviços de assistência em sentido estrito e que a alínea b) isenta todas as prestações fornecidas em contexto hospitalar em sentido lato, dever-se-á concluir que a referida alínea c) visa, por sua vez, isentar as prestações de serviços de assistência fora desse âmbito, tanto no consultório privado do prestador como no domicílio do paciente, ou em qualquer outro lugar .
43. Pelo contrário, quanto à determinação do tipo de assistência que pode ser integrado na noção de prestações de serviços de assistência prevista na alínea c), parece-nos particularmente útil o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça no processo D. Com efeito, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça observa que da análise das diferentes versões linguísticas do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea c), da Sexta Directiva resulta que, tirando a versão italiana, todas as outras fazem referência ao conceito de prestações médicas relativas à saúde das pessoas. Além disso, as versões alemã, francesa, finlandesa e sueca utilizam a noção de tratamento terapêutico ou de cuidados prestados às pessoas. Daqui, o Tribunal de Justiça deduziu que o «conceito de prestações de serviços de assistência não se presta a uma interpretação que inclua as intervenções médicas conduzidas com um objectivo que não o de diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde» (n.° 18).
44. Por outro lado, muito menos podemos partilhar da tese da recorrente segundo a qual todas as prestações por si fornecidas têm um interesse geral e devem, por consequência, estar isentas, dado, também, que o seu custo, pelo menos na República Federal da Alemanha, é financiado, em larga medida, pela assistência social ou pelas caixas de previdência. A este respeito, basta lembrar que, no acórdão D., já referido, o Tribunal de Justiça precisou que, para efeitos da isenção de uma actividade económica, como a realização de peritagens médicas, é irrelevante o facto de essa actividade se revestir de um interesse geral (n.° 20). Neste acórdão, o Tribunal de Justiça invoca mesmo acórdãos anteriores nos quais considerou que «o artigo 13.° , A, n.° 1, alínea c), da directiva não exclui todas as actividades de interesse geral, mas apenas as que são enumeradas e descritas de maneira muito detalhada» .
45. Do que antecede, parece-nos que podemos concluir, em suma, que, de entre os vários tipos de prestações referidas na segunda questão colocada pelo juiz de reenvio, só podemos isentar os tratamentos de carácter terapêutico; como tal, entendem-se os tratamentos que são prestados com o fim de prevenção, diagnóstico e assistência e que são ministrados no exercício de profissões médicas e paramédicas, fora do âmbito hospitalar.
46. No que diz respeito, por fim, à possibilidade de isentar as prestações em causa, na medida em que se trate de prestações acessórias a prestações de serviços de assistência em sentido próprio, ela parece-nos ser de excluir. Com efeito, excepção feita à alínea c), o artigo 13.° , A, n.° 1, consagra expressamente a isenção das prestações acessórias estreitamente relacionadas com a actividade principal [v., por exemplo, as alíneas a), b), i) e n)]; de qualquer modo, mesmo nos casos referidos, o Tribunal de Justiça adoptou um entendimento restritivo . Mas parece-nos, sobretudo, que uma confirmação da tese negativa resulta do acórdão Comissão/Reino Unido, o qual, ao fazer precisamente referência à disposição aqui em causa, exclui a possibilidade de estender a isenção às prestações acessórias das prestações de serviços de assistência, com excepção da hipótese diferente e absolutamente excepcional de se tratar de prestações «estritamente necessárias» para as prestações de serviços de assistência (no processo referido, trata-se de «pequenos fornecimentos material e economicamente indissociáveis» da prestação isenta).
47. Por consequência, para que as prestações de assistência básica e doméstica possam estar isentas, em aplicação do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea c), é necessário demonstrar que a condição enunciada pela jurisprudência referida se encontra também preenchida no caso concreto. Ora, independentemente das dificuldades que possam eventualmente surgir para provar a existência dessa relação no caso concreto, lembramos que, de qualquer forma, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça , uma tal verificação dos factos não pode ser feita pelo órgão jurisdicional comunitário, competindo ao órgão jurisdicional de reenvio.
48. Considerando o exposto, propomos, pois, que seja dada à segunda questão uma resposta no sentido de que a isenção prevista no artigo 13.° , A, n.° 1, alínea c), da Sexta Directiva só se aplica ao volume de negócios relativo às prestações de carácter terapêutico fornecidas, também ao domicílio, por pessoal de enfermagem qualificado, bem como às prestações conexas estritamente necessárias e material e economicamente inseparáveis daquelas.
C - Quanto à terceira questão prejudicial
49. Com a terceira questão, posta para a eventualidade de o Tribunal de Justiça considerar que nem todas as actividades desenvolvidas pela Kügler se encontram isentas ao abrigo da alínea c), o Bundesfinanzhof pergunta se as prestações de carácter não terapêutico, isto é, as actividades ligadas à assistência básica e doméstica, integram o âmbito de aplicação da alínea g) do artigo 13.° , A, n.° 1, da Sexta Directiva, e se esta disposição tem aplicação directa e pode, portanto, ser invocada por um sujeito passivo perante os tribunais nacionais.
1. A primeira parte da questão
50. A primeira parte da questão não nos parece colocar grandes problemas. Na prática, todas as partes e, no fundo, o próprio Bundesfinanzhof concordam em considerar que as prestações fornecidas no contexto da assistência básica e da assistência doméstica integram o âmbito de aplicação da alínea g), por estarem estreitamente ligadas à assistência e à segurança social. A Comissão e o Governo alemão lembram, nomeadamente, que se pode inferir do texto do artigo 13.° , A, n.° 1, da Sexta Directiva que, enquanto, por um lado, as prestações de carácter terapêutico estão isentas por força da alínea c), por outro, as prestações de assistência básica e de assistência doméstica estão normalmente ligadas ao apoio social e, portanto, incluem-se, em princípio, na noção de prestações estreitamente conexas com a assistência e a segurança social previstas na alínea g) desse artigo. Esta solução tem, além do mais, a vantagem de evitar a sobreposição de isenções previstas pelas diferentes alíneas do artigo 13.° , A, n.° 1, e permite, portanto, respeitar o princípio da interpretação estrita que, como vimos, se aplica a estas noções excepcionais ao princípio geral da sujeição das prestações ao pagamento de IVA.
51. As conclusões apresentadas pela Kügler, que igualmente sublinha a supra-referida conexão das actividades em questão com a assistência e a segurança social, só em parte são diferentes. Segundo a recorrente, essa conexão não resulta somente da natureza intrínseca da actividade em causa, mas igualmente do seu regime de financiamento, dado que os respectivos custos são, em grande parte, assumidos pelas caixas de previdência e pelos organismos de segurança e assistência social. A particularidade da posição da Kügler reside no facto de, em seu entender, todas as prestações ambulatórias no sentido em que foram definidas na segunda questão prejudicial, ou seja, as prestações terapêuticas, as de assistência básica e as de assistência doméstica deverem estar isentas, sem distinção, não só, como acima indicámos, nos termos da alínea c) do artigo 13.° , A, n.° 1, mas também de acordo com a alínea g), que aqui interessa. Com efeito, do que percebemos da resposta dada pela Kügler às questões colocadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, a diferença entre as duas alíneas não está no tipo de prestações isentas, mas na qualificação profissional dos sujeitos passivos que realizam essas prestações.
52. Considerando o que ficou dito, resta-nos apenas seguir a posição maioritária, pelos motivos já expostos pelas partes que defendem esta posição. Limitamo-nos a acrescentar que, nem mesmo a eventualidade de, como no caso em exame, o pessoal dos organismos referidos na disposição operar no domicílio dos interessados, e não em asilos, nos conduz a uma solução diversa. Tal como para a questão análoga de interpretação, que se colocou no que diz respeito ao artigo 13.° , A, n.° 1, alínea c), a referência, feita na alínea g) do mesmo número, aos «centros de terceira idade» não deve, em nosso entender, ser compreendida como uma limitação da actividade relevante para efeitos de isenção, mas como uma contribuição para a definição da tipologia dessa actividade e, consequentemente, do âmbito de aplicação objectivo da norma .
53. Consequentemente, consideramos que à primeira parte da terceira questão se deve responder no sentido de que as prestações de cuidados básicos e domésticos integram o âmbito de aplicação do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea g), da Sexta Directiva.
2. A segunda parte da questão
54. A resposta é, pelo contrário, mais complexa no que diz respeito à segunda parte da questão, isto é, a questão de saber se o artigo 13.° , A, n.° 1, alínea g), da Sexta Directiva tem aplicação directa e pode, por consequência, ser invocado perante os tribunais nacionais por um sujeito passivo. Sobre esta questão, de resto, também as posições das partes intervenientes no presente processo são mais divergentes umas das outras, pelo menos a partir de um certo ponto. Com efeito, não se discute que o problema só se põe até 1992, data da entrada em vigor da StÄndG, nem o facto de que as disposições de uma directiva cujo conteúdo seja claro, suficientemente preciso e incondicional podem ter aplicação directa e ser, portanto, invocadas pelos particulares perante os tribunais nacionais . Porém, quanto ao resto, as posições das partes revelam um profundo desacordo, como resulta da síntese que passamos a fazer.
a) Argumentos das partes
55. O Governo alemão e o Finanzamt contestam firmemente qualquer ideia de aplicação directa do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea g), sublinhando, antes de mais, que a isenção fiscal prevista por esta alínea se pode aplicar a outros organismos que não os de direito público, mas apenas na condição de esses organismos terem sido «reconhecidos de carácter social pelo Estado-Membro em causa». Até esse «reconhecimento» formal, a disposição não se pode aplicar aos organismos em questão; o que implica que a mesma não seja «incondicional» e, por consequência, que falte uma das condições necessárias para poder ser considerada directamente aplicável.
56. O Governo alemão e o Finanzamt observam que o caso em exame é bem diferente do que foi apreciado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Becker. De facto, neste último caso, discutia-se a relevância, para efeitos da aplicabilidade directa de uma disposição da directiva, da frase introdutória do artigo 13.° , B (idêntica à frase introdutória do mesmo artigo, A, n.° 1; v., supra, n.° 2), que alude às eventuais condições postas pelos Estados-Membros para a aplicação da Sexta Directiva ; no presente caso, pelo contrário, a disposição em causa faz explícita referência a um acto do Estado que precisa se, quando, em que condições e em que medida concede este reconhecimento.
57. É, pois, evidente, segundo esta tese, que esse «reconhecimento» tem valor «constitutivo» da natureza social do organismo e exige uma intervenção formal por parte do legislador do Estado-Membro interessado. Esse reconhecimento não pode ser feito por via administrativa, nem pode deduzir-se implicitamente, caso a caso, com base em práticas administrativas análogas; e isto não só porque, antes de 1992, a ordem jurídica alemã não conhecia a noção de «organismos reconhecidos como tendo um carácter social», mas igualmente porque uma conclusão diferente implicaria uma interpretação extensiva das isenções previstas no artigo 13.° , que, como recordámos diversas vezes, são, pelo contrário, de interpretação estrita. Por outro lado, admitir a possibilidade de um reconhecimento caso a caso, implícito ou por via administrativa, teria inevitavelmente por consequência sacrificar o princípio da segurança jurídica.
58. Os terceiros, tais como as caixas de previdência, também não podem proceder ao referido reconhecimento aquando da conclusão de acordos para o fornecimento de prestações de assistência doméstica pelos organismos em causa. Apenas o Estado, como beneficiário de receitas fiscais, pode renunciar a um imposto, concedendo uma isenção e, segundo a Constituição alemã, só o pode fazer através de uma lei. Um reconhecimento efectuado com o fim único do reembolso das despesas ligadas às prestações fornecidas aos beneficiários das caixas de previdência não pode, pois, ter efeitos no sector fiscal, isto é, num sector diferente do da assistência social.
59. Em qualquer caso, importa relembrar que o artigo 249.° CE reconhece expressamente que os Estados-Membros, a quem compete a aplicação das directivas comunitárias, devem prosseguir esse objectivo, mas são livres de escolherem as formas e as modalidades necessárias à prossecução desse fim. E isto, por maioria de razão, quando, como no caso concreto, é concedida ao Estado-Membro uma ampla discricionariedade quanto aos conteúdos das medidas de execução. No caso concreto, por um lado, a República Federal Alemã aceitou inicialmente que não existia qualquer motivo para «reconhecer» os organismos em causa, para depois modificar as suas opções de política legislativa devido à crescente importância adquirida no decorrer dos anos 80 pela assistência ambulatória prestada por particulares; por outro lado, optou por intervir neste domínio por meio de disposições legislativas específicas. Não existe, pois, qualquer motivo para limitar a liberdade reconhecida ao Estado, impondo reconhecimentos retroactivos e obtidos por meios ou condições diversas das estabelecidas pelo legislador alemão.
60. O Governo alemão e o Finanzamt observam, em conclusão, que, no caso concreto, dado que os organismos em causa só foram «reconhecidos» como organismos de carácter social a partir de 1992, com as modificações introduzidas pela StÄndG, a Kügler não pode invocar a isenção para o período anterior.
61. A Comissão e a Kügler assumem, a este respeito, posições completamente distintas. A Comissão entende que, uma vez que a aplicabilidade do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea g), da Sexta Directiva, se encontra subordinada ao reconhecimento prévio, por parte do Estado-Membro em causa, de uma entidade como «organismo com carácter social», não é possível, em princípio, reconhecer um carácter incondicional a esta disposição. Porém, segundo a Comissão, isto não exclui em absoluto a possibilidade de uma aplicação directa da mesma, se for possível demonstrar que, em determinados casos, o Estado reconheceu, de uma forma ou de outra, o organismo em causa; e isto tanto mais que, quanto ao resto, a disposição referida indica, de modo suficientemente preciso e incondicional, as actividades que beneficiam de isenção. Uma outra solução seria contrária à própria ratio do princípio da aplicabilidade directa das disposições de uma directiva, o qual tende a garantir o efeito útil da mesma, oferecendo aos interessados a possibilidade de as invocarem contra qualquer disposição nacional incompatível.
62. Consequentemente, se, num determinado caso, existirem elementos bastantes para permitir afirmar concretamente que as condições previstas na directiva estão reunidas, não há qualquer razão para considerar que ela não tem aplicação directa. De resto, foi neste sentido que o Tribunal de Justiça se pronunciou no processo Carbonari e o., no qual se colocava também a questão da falta de «reconhecimento» prévio, por parte dos Estados-Membros, de certas modalidades de formação de uma dada categoria profissional (no caso concreto, os médicos em especialização) prescritas por uma directiva comunitária. No processo referido, o Tribunal de Justiça considerou que, apesar da ausência de intervenção do Estado-Membro, a pertinente disposição da directiva em causa podia ter uma aplicação directa, uma vez que as condições por ela fixadas eram suficientemente precisas para permitir determinar, num dado caso, se se encontravam satisfeitas as condições impostas em matéria de formação .
63. Da mesma forma, prossegue a Comissão, se existirem elementos que permitam afirmar que um Estado-Membro considera, de uma forma ou de outra, que um organismo tem carácter social, é à autoridade competente desse Estado-Membro que incumbe apreciar se isso é suficiente para preencher as condições previstas no artigo 13.° , A, n.° 1, alínea g). Para isso, não é necessário que o reconhecimento se efectue por via legislativa, dado que nada na disposição referida conduz a uma tal conclusão e que essa forma de proceder tornaria excessivamente difícil invocar a aplicação directa desta disposição; esse reconhecimento pode, ao invés, ser efectuado por um órgão administrativo, mesmo por motivos diversos dos considerados pela disposição em causa.
64. Em seguida, a Comissão exclui que as disposições do artigo 13.° , A, n.° 2, alíneas a) e b), da Sexta Directiva possam constituir um obstáculo à aplicação directa da disposição em causa. Como vimos (n.° 2), a primeira destas disposições, o artigo 13.° , A, n.° 2, alínea a), confere aos Estados-Membros a faculdade de subordinarem a atribuição de cada uma das isenções previstas no artigo 13.° , A, n.° 1, ao cumprimento de uma ou mais condições; se o Estado não a usar, o carácter incondicional e suficientemente preciso do n.° 1, alínea g), do referido artigo não lhe permite opor «a um contribuinte em condições de estabelecer que a sua situação fiscal releva efectivamente de uma das categorias de isenção enunciadas pela directiva, o facto de não ter tomado as medidas que se destinam precisamente a facilitar a aplicação dessa mesma isenção» (acórdão Becker, n.° 33). Ao invés, a segunda disposição enumera as condições cuja verificação exclui obrigatoriamente a isenção. Todavia, também neste caso, a Comissão recorda que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a mera eventualidade destas limitações não permite excluir o carácter incondicional e suficientemente preciso da disposição em causa .
65. Por fim, a Comissão lembra que, mesmo que o Tribunal de Justiça considerasse que o artigo 13.° , A, n.° 1, alínea g), não é de aplicação directa, a República Federal da Alemanha deveria, ainda assim, nos termos do artigo 10.° CE, tomar todas as medidas necessárias para assegurar o pleno respeito do direito comunitário, de maneira que o juiz nacional teria sempre de interpretar o § 4, n.° 16, da UStG à luz da letra e da finalidade da Sexta Directiva, para assegurar a sua conformidade com esta última.
66. Na mesma linha da Comissão, mas em termos mais específicos, a Kügler alega, também ela, que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça , o reconhecimento pode resultar também de outras disposições e princípios da ordem jurídica.
67. A recorrente no processo principal recorda, nomeadamente, que as prestações que fornece são estritamente conexas com a segurança e com a assistência social e que, como sublinha também o Bundesfinanzhof , as suas actividades são financiadas pelas caixas de previdência e pelos organismos de segurança social e de assistência social. Alega ainda que, já antes de 1992, várias disposições nacionais, de ordem e natureza diversas, mas todas elas relacionadas com o sector da previdência e da assistência social, mencionavam expressamente operadores de carácter privado. Entre tais disposições figuram, em particular, as que, desde os inícios dos anos 80, regulam as relações especiais que ligam, por um lado, quem fornece prestações como a assistência ambulatória e, por outro, as caixas de previdência e os organismos de segurança e de assistência social, isto é, os organismos que suportam a maior parte dos encargos relativos àquelas prestações. Por outro lado, a recorrente cita a legislação de alguns Länder, as práticas e disposições administrativas com base nas quais, substancialmente, era concedida a isenção fiscal às actividades em exame, na condição de serem prestadas por associações ou sujeitos passivos reconhecidos pelas caixas de previdência.
68. Por fim, a recorrente sublinha que a tese por si defendida é, sobretudo, mais conforme com o escopo da norma, na medida em que permite limitar as despesas médicas e de previdência social e, portanto, as contribuições que os inscritos pagam às caixas de previdência e aos organismos de segurança social, ainda que o Governo alemão contrarie este argumento, afirmando que, para limitar essas despesas, se pode recorrer a outros instrumentos.
b) Apreciação
69. Demos conta, de forma detalhada, dos argumentos das partes, a fim de fazer emergir com clareza os termos do debate que se desenrolou entre as mesmas e a natureza do dissídio que as divide. Como vimos, com efeito, a Comissão e a República Federal da Alemanha divergem, sobretudo, numa questão de princípio, isto é, sobre a possibilidade de ser reconhecida aplicação directa a uma disposição como a do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea g). Pelo contrário, o Finanzamt e a Kügler concentram antes os seus argumentos nos indícios que, no caso concreto, deveriam levar ao reconhecimento, ou não, da qualificação da recorrente como «organismo com carácter social». Falta apenas realçar que se a segunda questão, para além de ser condicionada pela solução da primeira, se inclui antes na apreciação do juiz nacional, a primeira, pelo contrário, é da directa competência do Tribunal de Justiça. Consequentemente, é nesta questão que importa concentrar as atenções.
70. O ponto central da tese do Governo alemão, como vimos, é que a liberdade e a discricionariedade reconhecidas pela disposição em causa aos Estados-Membros impede totalmente que a directiva tenha uma aplicação directa. Pela sua parte, a Comissão concorda com esta argumentação, mas recusa-se a atribuir-lhe um âmbito geral e daí deduzir a impossibilidade absoluta de reconhecer a um dado organismo a natureza de carácter social, mesmo perante elementos concludentes nesse sentido.
71. Circunscritos assim os termos da questão central levantada pela presente questão prejudicial, vamos agora examinar, com mais pormenor, os argumentos que sustentam a posição das partes, a começar pelos do Governo alemão.
72. É, na verdade, incontestável, como insistentemente sublinha o Governo alemão, que a disposição em análise deixa aos Estados-Membros um amplo poder discricionário para o reconhecimento dos organismos em questão; não cremos, porém, que o argumento seja, por si só, decisivo. Como recordou a Comissão, no acórdão Becker, o Tribunal de Justiça afirmou de forma explícita, precisamente no que diz respeito à Sexta Directiva e fundando-se numa ampla e consolidada referência jurisprudencial, que não se pode «invocar o carácter geral da directiva em causa, ou a latitude que [...] ela deixa aos Estados-Membros, com o fim de negar qualquer efeito às disposições que, tendo em conta o seu objecto, são susceptíveis de serem validamente invocadas em justiça, ainda que a directiva não tenha sido executada no seu conjunto» . Trata-se, portanto, de determinar concretamente se, apesar do poder discricionário reconhecido aos Estados-Membros, a directiva pode também ter uma aplicação directa.
73. Contudo, acrescenta o Governo alemão, a aplicabilidade da disposição em exame está subordinada não ao exercício de um poder discricionário genérico do Estado em causa, mas sim à adopção de uma medida legislativa específica por parte desse Estado. Porém, parece-nos que a Comissão não tem razão ao objectar que nada na disposição em causa permite pensar que o «reconhecimento» que ela refere deve ser efectuado de uma forma específica e, ainda menos, por via legislativa. De facto, a tese do Governo alemão parece-nos ser uma simples presunção, fundada, muito provavelmente, no facto de, na Alemanha, como em todos os outros Estados-Membros, as prestações de natureza patrimonial só poderem ser impostas por lei. Deve, porém, dizer-se que, no caso concreto, a questão não é a imposição de novas prestações, mas o reconhecimento de isenções fiscais nos casos permitidos, para todos os Estados-Membros, por uma disposição comunitária; por outro lado, as directivas não podem ser interpretadas ou aplicadas em função dos diferentes ordenamentos jurídicos nacionais, uma vez que devem ter uma aplicação uniforme em todos os Estados-Membros. A única indicação fornecida pela disposição em causa é, pois, a necessidade de um reconhecimento do carácter social dos referidos organismos, ficando as modalidades e os procedimentos do mesmo, em princípio, a cargo do Estado-Membro em causa, sem mais obrigações ou limitações.
74. Se assim é, a falta de um reconhecimento adequado por via legislativa dos organismos em questão não pode ser considerada, por si própria, susceptível de prejudicar a aplicabilidade directa da norma; antes importa, pelo contrário, questionar se o ordenamento jurídico do Estado-Membro em causa não permite deduzir, por outros meios, uma qualquer forma de reconhecimento, ainda que só de facto, do carácter social do organismo. Uma tal verificação impõe-se, uma vez que estamos aqui em presença de um direito, sob a forma de isenção fiscal, que a directiva reconhece aos sujeitos passivos que preenchem determinadas condições. É bem verdade que incumbe, antes de mais, ao Estado definir essas condições, mas foi o próprio Tribunal de Justiça que considerou, ainda no acórdão Becker (mas não só), que um Estado-Membro que não tenha adoptado as medidas de actuação previstas na directiva «não poderá invocar a sua própria omissão a fim de recusar a um contribuinte o benefício de uma isenção à qual este pode legitimamente pretender em virtude da directiva» (n.° 34). Consequentemente, voltamos a dizer, se é possível reunir de outra forma as condições do reconhecimento em questão, os princípios do ordenamento jurídico comunitário e, em primeiro lugar, o princípio do efeito útil das directivas, impõem que não se retire aos interessados o exercício de um direito consagrado pela directiva em causa .
75. A esta conclusão, o Governo alemão opõe ainda outras objecções. Em primeiro lugar, sublinha que, no processo Carpaneto Piacentino e o., não estava prevista uma medida estatal específica para a qualificação dos organismos indicados na disposição em causa, uma vez que tal qualificação se operava por reenvio ao direito nacional; podia, portanto, ser directamente efectuada pelo juiz com base nesse direito, enquanto, no presente caso, é necessária a intervenção específica do Estado. Parece-nos, todavia, que esta objecção assenta na mesma petição de princípio que mais acima examinámos e criticámos, no sentido de dar por adquirido um ponto que importa, ao invés, demonstrar, ou seja, se a intervenção do Estado é verdadeiramente indispensável no presente caso.
76. O Governo alemão alega, em segundo lugar, que, ainda no processo Carpaneto Piacentino e o., mas igualmente no processo Carbonari e o., já referido, as condições e os requisitos necessários ao reconhecimento das qualificações indicadas nas disposições em causa podem, na falta de medidas específicas do Estado, ser determinados com base na directiva em causa, uma vez que o artigo 13.° , A, n.° 1, alínea g), não contém nenhum elemento útil que permita suprir a falta de intervenção do Estado, destinada a qualificar os organismos de carácter social.
77. Não temos dificuldades em reconhecer que, precisamente por estes motivos, na falta de uma adequada intervenção legislativa, a determinação destes organismos é efectivamente muito mais complexa; não cremos, porém, e é esta também a razão da posição assumida pela Comissão, que esta determinação seja absolutamente impossível, como sustenta o Governo alemão. Começamos por observar que a noção de «organismo com carácter social» não é uma noção de carácter técnico-jurídico como, para citar um exemplo retirado da mesma norma, a de «organismo de direito público». Consequentemente, esta noção não necessita de definição legislativa específica, com fixação de critérios formais que permitam identificar os referidos organismos, podendo ser determinada com base nas noções comuns do ordenamento jurídico. Em segundo lugar, não diríamos que a directiva não fornece qualquer elemento que permita encontrar a noção em causa. Para além das indicações de carácter geral que podem resultar da sua leitura sistemática, parece-nos que alguns indícios, ainda que indirectos, podem ser retirados de determinadas disposições. Referimo-nos, em particular, ao n.° 2 do artigo 13.° , A, cuja alínea a), como se viu (n.° 2), enumera uma série de condições às quais os Estados-Membros podem, caso a caso, subordinar as isenções previstas no n.° 1 e, portanto, também as previstas na alínea g). Trata-se de condições, por assim dizer, «máximas», no sentido de que os Estados-Membros podem não as impor, ou impor condições menos severas, mas não podem impor outras e sobretudo mais severas. Isto significa que, se um organismo respeitar estas condições, dá já um indício útil da satisfação dos requisitos exigidos pela disposição, ou melhor, da ausência de eventuais obstáculos ao reconhecimento da sua qualidade de organismo de carácter social.
78. Porém, é claro que convirá apreciar a possibilidade de se proceder a esse reconhecimento, principalmente à luz do ordenamento jurídico do Estado-Membro em causa. Incumbirá, portanto, ao juiz nacional avaliar cada um dos casos com base nos princípios do referido ordenamento e, sobretudo, nos elementos específicos do processo concludentes para esse fim, como, por exemplo, aqueles que, na presente causa, as próprias partes puseram em evidência: a existência de disposições específicas, sejam elas nacionais ou regionais, legislativas ou de carácter administrativo, de natureza fiscal ou de segurança social; o facto de as associações com a mesma actividade da recorrente gozarem já de uma isenção similar, em virtude do seu interesse público; o facto de os custos das prestações serem eventualmente assumidos, em grande parte, pelas caixas de previdência instituídas por lei ou por organismos de segurança social ou de assistência social, com os quais os operadores privados, como a recorrente, mantêm relações contratuais, e assim sucessivamente (v., supra, n.° 67). Não será certamente fácil, voltamos a dizer, superar desta forma o obstáculo resultante da falta de uma clara e explícita intervenção normativa do Estado; mas pelos motivos, tanto de princípio como específicos, supra-indicados, consideramos que não se pode excluir, de uma forma apriorística e absoluta, essa eventualidade.
79. Observamos, por último, que à solução aqui proposta não se pode opor o argumento de que essa solução implicaria uma interpretação extensiva da Sexta Directiva, contrária à interpretação estrita que, como várias vezes referimos, se impõe no caso concreto. Com efeito, a solução proposta não alarga a isenção para além do previsto pela directiva, limitando-se a tornar possível a sua concessão a favor de sujeitos que dela beneficiariam nos termos da mesma. Um problema de coerência com os habituais critérios de interpretação do direito comunitário colocar-se-ia, antes, com a tese oposta, uma vez que a disposição prevista na alínea g) constitui uma excepção ao princípio segundo o qual «as isenções previstas no artigo 13.° da Sexta Directiva constituem conceitos autónomos de direito comunitário [...]. Tal deve ser igualmente o caso das condições específicas que são exigidas para beneficiar destas isenções e, em particular, das que se referem à qualidade ou à identidade do operador económico que efectua prestações abrangidas pela isenção» (v. o já referido acórdão Bulthuis-Griffioen, n.° 18). Por outras palavras, na dúvida, deve-se, sempre que possível, optar por uma interpretação que respeite, e até mesmo acentue, a «autonomia» da noção em causa, dado que esse critério de interpretação visa evitar os excessos, num sentido ou no outro, na interpretação de uma directiva e favorecer a sua aplicação uniforme.
80. Concluindo, consideramos que, em princípio, se pode colocar a hipótese de aplicação directa da disposição em causa, devendo, portanto, responder-se à segunda parte da terceira questão prejudicial no sentido de que não se pode excluir a aplicação directa do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea g), da Sexta Directiva, ainda que o Estado-Membro em causa não tenha adoptado disposições legislativas específicas, desde que o juiz nacional esteja em condições de determinar, com base no conjunto dos elementos pertinentes, que o sujeito passivo é um «organismo reconhecido como tendo carácter social».
V - Conclusões
81. Tendo em conta as considerações que antecedem, propomos, em consequência, que o Tribunal de Justiça declare que:
«1) A isenção prevista no artigo 13.° , A, n.° 1, alínea c), da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme, é independente da forma jurídica do sujeito passivo que fornece as prestações de serviços de assistência médica.
2) A isenção prevista no artigo 13.° , A, n.° 1, alínea c), da Sexta Directiva só se aplica ao volume de negócios relativo às prestações de carácter terapêutico fornecidas, mesmo ao domicílio, por pessoal de enfermagem qualificado, bem como às prestações conexas estritamente necessárias e material e economicamente inseparáveis das precedentes.
3) a) As prestações de assistência básica e doméstica integram o âmbito de aplicação do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea g), da Sexta Directiva.
b) Mesmo na falta de disposições legislativas específicas do Estado-Membro em causa, não se pode excluir a aplicação directa do artigo 13.° , A, n.° 1, alínea g), da Sexta Directiva, desde que o juiz nacional esteja em condições de determinar, com base no conjunto dos elementos pertinentes, que o sujeito passivo é um organismo reconhecido como tendo carácter social.»