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Document 62000CC0023

    Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 4 de Outubro de 2001.
    Conselho da União Europeia contra Boehringer Ingelheim Vetmedica GmbH e C. H. Boehringer Sohn.
    Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Admissibilidade - Pedido de anulação parcial de um acórdão do Tribunal de Primeira Instância na parte em que declara não ser necessário pronunciar-se sobre uma questão prévia de inadmissibilidade suscitada a propósito de um recurso a que negou provimento.
    Processo C-23/00 P.

    Colectânea de Jurisprudência 2002 I-01873

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2001:511

    62000C0023

    Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 4 de Outubro de 2001. - Conselho da União Europeia contra Boehringer Ingelheim Vetmedica GmbH e C. H. Boehringer Sohn. - Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância - Admissibilidade - Pedido de anulação parcial de um acórdão do Tribunal de Primeira Instância na parte em que declara não ser necessário pronunciar-se sobre uma questão prévia de inadmissibilidade suscitada a propósito de um recurso a que negou provimento. - Processo C-23/00 P.

    Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-01873


    Conclusões do Advogado-Geral


    1. O Conselho da União Europeia solicita a anulação parcial do acórdão do Tribunal de Primeira Instância, por este não ter examinado a questão prévia de admissibilidade por ele suscitada num processo em que duas empresas requeriam a anulação de uma directiva e a reparação dos danos daí resultantes .

    A directiva não foi anulada, uma vez que o recurso foi indeferido por carecer de fundamento. Apesar disso, o Conselho interpôs o presente recurso, porque considera que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro fundamental de direito, em violação do quarto parágrafo do artigo 230.° CE, e se afastou da sua própria jurisprudência ao não se pronunciar previamente sobre a legitimidade das demandantes para pedir a anulação de uma directiva.

    O recorrente pede ao Tribunal de Justiça que revogue os n.os 143 e 146 do acórdão do Tribunal de Primeira Instância e se pronuncie sobre a questão prévia de admissibilidade por ele suscitada no processo T-125/96. Não solicita, porém, a condenação das recorridas nas despesas.

    I - O acórdão proferido pelo Tribunal de Primeira Instância

    2. Em 29 de Abril de 1996, o Conselho aprovou a Directiva 96/22/CE , cujo artigo 2.° , alínea b), prevê que os Estados-Membros assegurarão a proibição de colocação no mercado de ß-agonistas destinados a serem administrados aos animais cuja carne e produtos se destinem a consumo humano. Nos termos do artigo 4.° , n.° 2, os Estados-Membros podem autorizar a administração para fins terapêuticos de medicamentos veterinários que contenham alilotrembolona a administrar por via oral, ou substâncias ß-agonistas, a equídeos e a animais de companhia, desde que sejam utilizados de acordo com as especificações do fabricante; e de ß-agonistas, sob a forma de uma injecção para a indução da tocólise nas vacas parturientes.

    3. A Boehringer Ingelheim Vetmedica GmbH (a seguir «BI Vetmedica») é praticamente a única empresa farmacêutica da União Europeia que produz e comercializa medicamentos veterinários contendo uma substância ß-agonista, a saber, o clembuterol, para o tratamento das infecções respiratórias dos animais destinados à comercialização para serem consumidos pelo homem. A BI Vetmedica garante perto de 97% das vendas de medicamentos veterinários abrangidos pela proibição de comercialização e administração dos ß-agonistas prevista na Directiva 96/22.

    A adopção da directiva implicou que, a partir de 1 de Julho de 1997, data em que os Estados-Membros a deveriam transpor para o direito nacional, a BI Vetmedica estava proibida de comercializar, nesses Estados, os seus medicamentos veterinários contendo clembuterol para animais destinados a consumo humano, com excepção da sua utilização para fins terapêuticos prevista no n.° 2 do artigo 4.°

    4. A BI Vetmedica e a C.H. Boehringer Sohn (a seguir «Boehringer»), esta última proprietária exclusiva da primeira e uma das vinte primeiras sociedades farmacêuticas mundiais, apresentaram, em 9 de Agosto de 1996, um pedido de anulação parcial da Directiva 96/22/CE, bem como um pedido de indemnização.

    5. Em requerimento separado, apresentado em 31 de Outubro de 1996, o Conselho suscitou uma questão prévia de admissibilidade nos termos do artigo 114.° do Regulamento de Processo. Dois anos depois, por despacho de 19 de Novembro de 1998, o Tribunal de Primeira Instância decidiu reservar a decisão para final.

    6. Em 8 de Julho de 1996, a Comissão aprovou o Regulamento (CE) n.° 1312/96 , em que estabelece limites máximos de resíduos provisórios para o clembuterol nos alimentos de origem animal, mas exclusivamente para fins terapêuticos autorizados nos termos da Directiva 96/22, a saber, no caso dos bovinos, unicamente para indução da tocólise nas vacas parturientes e, no caso dos equídeos, para indução da tocólise e tratamento das perturbações respiratórias.

    7. Em 27 de Setembro de 1996, a BI Vetmedica e a Boehringer interpuseram um recurso , no qual apresentaram uma questão prévia de ilegalidade quanto à Directiva 96/22 e pediam a anulação parcial do Regulamento n.° 1312/96.

    8. As partes declararam não ter objecções quanto à apensação dos dois processos para elaboração do acórdão.

    Tendo em conta que o pedido de anulação parcial do Regulamento n.° 1312/96 no processo T-152/96 se baseava fundamentalmente na questão prévia de ilegalidade invocada quanto à Directiva 96/22, cuja anulação parcial constituía, em parte, o objecto do processo T-125/96, e que os argumentos apresentados pelas demandantes para sustentar a ilegalidade da referida directiva eram, em substância, idênticos nos dois processos, o Tribunal de Primeira Instância decidiu pronunciar-se, antes de mais, sobre a questão da legalidade da Directiva 96/22, comum aos dois processos, antes de conhecer da admissibilidade e do mérito de cada um deles.

    9. Para demonstrar a ilegalidade da Directiva 96/22, as demandantes invocaram quatro fundamentos: violação do princípio da proporcionalidade; violação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima; violação do princípio da boa administração; violação do artigo 43.° do Tratado CE, em virtude de o Conselho não ter cumprido a obrigação de consultar de novo o Parlamento Europeu, dado que o texto finalmente aprovado, considerado no seu conjunto, se afastava, na sua substância, daquele sobre o qual o Parlamento havia sido consultado.

    Os n.os 49 a 142 do acórdão recorrido dedicam-se ao exame destes quatro fundamentos que são sucessivamente desatendidos. Por essa razão, no n.° 143, o Tribunal de Primeira Instância declarou infundado o pedido de anulação da Directiva 96/22 e considerou desnecessário conhecer da questão prévia de admissibilidade suscitada pelo Conselho.

    O pedido de indemnização baseava-se na alegada violação das normas jurídicas invocadas pelas demandantes. Ao declarar que a Directiva 96/22 não violava nenhuma das normas jurídicas referidas, o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 146 do acórdão recorrido, indeferiu o pedido por carecer de fundamento, sem necessidade de apreciar a questão prévia de admissibilidade suscitada pelo Conselho.

    10. Na parte decisória, o acórdão anulou o Regulamento n.° 1312/96 da Comissão, na medida em que restringia a validade dos limites máximos de resíduos que estabelece para o clembuterol a determinadas indicações terapêuticas específicas para os bovinos e os equídeos, e negou provimento ao recurso quanto ao demais.

    II - O recurso para o Tribunal de Justiça

    11. O Conselho reconhece que o acórdão recorrido lhe é favorável, na medida que acolhe os argumentos que invocou contra o pedido de anulação parcial da Directiva 96/22 e de reparação dos danos, no processo T-125/96, e contra a questão prévia de ilegalidade suscitada no recurso de anulação parcial do Regulamento n.° 1312/96, no processo T-152/96. No entanto, interpõe o presente recurso por entender que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao não examinar a questão prévia de admissibilidade baseada na falta de legitimidade das demandantes.

    Na contestação, a BI Vetmedica, a Boehringer e a Fédération européenne de la santé animale (FEDESA), que em primeira instância foi autorizada a intervir em apoio dos pedidos destas empresas, sustentaram que o recurso do Conselho era manifestamente inadmissível, em especial porque não estavam preenchidas as condições previstas no segundo parágrafo do artigo 49.° do Estatuto, uma vez que os seus pedidos não tinham sido desatendidos.

    12. O presidente do Tribunal de Justiça autorizou o Conselho a apresentar uma réplica sucinta limitada a este ponto.

    Tanto a BI Vetmedica e a Boehringer como a FEDESA apresentaram tréplica. O Governo do Reino Unido, cuja intervenção em primeira instância teve como objectivo opor-se a que o pedido de indemnização fosse declarado inadmissível, tal como defendia o Conselho, aborda este mesmo ponto nas suas observações iniciais, não tendo assim apresentado tréplica.

    A Stichting Kwaliteitsgarantie Vleeskalversector (SKV) e a Comissão, que em primeira instância intervieram em apoio dos argumentos do Conselho, apresentaram observações e renunciaram à réplica.

    13. Uma vez que nenhuma das partes formulou um pedido indicando as razões pelas quais desejava apresentar alegações orais, o Tribunal de Justiça decidiu, nos termos do artigo 120.° do Regulamento de Processo, prescindir da fase oral do processo.

    14. Tendo em vista analisar as questões jurídicas suscitadas no processo em apreço, abordarei previamente a admissibilidade do presente recurso. Ao apreciar o mérito, ocupar-me-ei, por esta ordem, das questões prévias de admissibilidade suscitadas em primeira instância no recurso de anulação da Directiva 96/22 e no pedido de indemnização por perdas e danos, e terminarei pronunciando-me sobre a admissibilidade do recurso de anulação.

    A - Quanto à admissibilidade do recurso para o Tribunal de Justiça

    15. A BI Vetmedica e a Boehringer sustentam que o recurso do Conselho, parte recorrida em primeira instância, é inadmissível por duas razões: a primeira baseia-se no facto de o acórdão lhe ter sido favorável, impedindo-o assim de dele recorrer, nos termos do disposto no artigo 49.° do Estatuto do Tribunal de Justiça. Ao ser declarado improcedente o recurso, tal como fora por si solicitado, o Conselho está impossibilitado de invocar, para pedir a anulação do acórdão, que os seus pedidos foram desatendidos.

    A segunda razão assenta no facto de o recurso não preencher os requisitos exigidos nos artigos 225.° CE, 51.° do Estatuto e 112.° , n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, uma vez que o recorrente se limita a repetir os argumentos apresentados no processo da primeira instância; não identifica o erro de direito de que enferma o acórdão; e não cita a disposição violada.

    16. A FEDESA apoia a primeira razão invocada pelas empresas recorridas e propõe que a jurisprudência constante que reconhece que as medidas que produzam efeitos jurídicos vinculativos que afectem os interesses do recorrente, alterando de forma caracterizada a situação jurídica deste, constituem actos ou decisões susceptíveis de recurso de anulação se aplique aos actos susceptíveis de recurso para o Tribunal de Justiça .

    17. O Conselho defende a admissibilidade do seu recurso e salienta que o pedido apresentado nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 114.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, no qual foi suscitada a questão prévia de admissibilidade do recurso de anulação, foi desatendido. Argumenta que, nos termos do quarto parágrafo do artigo 230.° CE, os particulares não têm legitimidade para interpor recurso de anulação de uma directiva, pelo que, se o Tribunal de Primeira Instância está convencido que o acto recorrido é, pela sua natureza, uma directiva, não tem necessidade de prosseguir o seu exame, dado que o recurso é sempre inadmissível. Por último, sublinha que não pretende restringir o poder discricionário do Tribunal de Primeira Instância de organizar o processo, desejando apenas que se analise a legitimidade das demandantes e que se esclareça em que fase processual esta deve ser apreciada.

    18. Há que reconhecer que o presente recurso se caracteriza por uma certa originalidade no que se refere à sua admissibilidade, a qual se manifesta nos seguintes pormenores: o recurso foi interposto pela parte recorrida em primeira instância, admitindo esta que os seus pedidos quanto ao mérito foram acolhidos no acórdão, dado que não foi declarada a ilegalidade da directiva impugnada; o recorrente não pede a anulação do acórdão de primeira instância, mas apenas que se examine a questão prévia de admissibilidade do recurso devido à falta de legitimidade das demandantes, questão essa que não foi abordada de maneira expressa; no caso de o Tribunal de Justiça dar razão ao recorrente, a sua decisão não terá incidência alguma sobre a parte decisória do acórdão que agora se impugna; e, finalmente, os motivos para recorrer desse acórdão baseiam-se no facto de o Tribunal de Primeira Instância não se ter pronunciado sobre uma causa de inadmissibilidade do pedido, quando era obrigado a fazê-lo.

    Ora, estas características, que o diferenciam da maioria dos recursos submetidos a este Tribunal de Justiça, não significam que o recurso do Conselho deva ser declarado manifestamente inadmissível, como defendem a BI Vetmedica, a Boehringer e a FEDESA.

    19. Em minha opinião, o Conselho tem legitimidade para recorrer do acórdão, por várias razões.

    20. Em primeiro lugar, porque, nos termos do artigo 114.° , n.os 1 e 4, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, o pedido em que se solicita que o referido órgão jurisdicional se pronuncie sobre a admissibilidade, antes de conhecer do mérito da causa, deve ser apresentado em requerimento separado. Em seguida, o Tribunal de Justiça conhece do pedido ou reserva a decisão para final.

    O Conselho cumpriu o requisito fixado na referida disposição ao apresentar, em 31 de Outubro de 1996, o requerimento solicitando que se declarasse a inadmissibilidade do pedido da BI Vetmedica e da Boehringer. Em vez de resolver directamente este incidente, o Tribunal de Primeira Instância apensou-o ao pedido principal. No entanto, no momento de proferir o acórdão, decidiu deliberar em primeiro lugar sobre o mérito e, em seguida, uma vez que não anulou o acto recorrido, considerou que não era necessário pronunciar-se sobre a questão prévia.

    21. Em segundo lugar, porque, nos termos do primeiro parágrafo do artigo 49.° do Estatuto, pode ser interposto recurso nomeadamente das decisões do Tribunal de Primeira Instância que ponham termo a um incidente processual relativo a uma questão prévia de admissibilidade.

    Se o Tribunal de Primeira Instância tivesse resolvido o incidente por despacho, declarando a admissibilidade do recurso e reconhecendo assim que as demandantes tinham legitimidade activa, o Conselho teria podido dele interpor recurso para o Tribunal de Justiça. Se, uma vez reservada a decisão para final, a tivesse examinado no acórdão resolvendo-a no mesmo sentido e tivesse considerado, em seguida, que não havia que anular a directiva, a admissibilidade do recurso que o Conselho interpôs para o Tribunal de Justiça não teria suscitado problemas de maior. A dificuldade parece consistir, no caso vertente, no facto de o Tribunal de Primeira Instância não se ter pronunciado, de modo expresso, sobre a questão prévia suscitada.

    22. Entendo que, a partir do momento em que o Tribunal de Primeira Instância decidiu do mérito da causa sem analisar previamente a legitimidade das demandantes, apesar de ter sido interpelado por escrito para o fazer e da posição expressa pelo Conselho durante a reunião informal ocorrida no Luxemburgo, em Novembro de 1998, entre o juiz-relator e os representantes das partes, foi implicitamente aceite a sua legitimidade activa.

    23. Desejo destacar, a este respeito, o único precedente que me parece pertinente para o presente processo. A França foi o primeiro Estado-Membro a ter recorrido ao terceiro parágrafo do artigo 49.° do Estatuto. Fê-lo porque não estava de acordo com o facto de o Tribunal de Primeira Instância ter desatendido, depois de a reservar para final, a questão prévia de admissibilidade suscitada pela Comissão por falta de legitimidade das demandantes. Nesse processo, o Tribunal de Primeira Instância considerou de modo explícito que o recurso era admissível e, quando se pronunciou sobre o mérito, negou-lhe provimento .

    O advogado-geral J. Mischo salientou o carácter insólito do recurso nos n.os 5 a 16 das suas conclusões , destacando que o recurso parecia não visar a anulação, total ou parcial, da decisão do Tribunal de Primeira Instância, na acepção do artigo 113.° , primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

    24. No ponto 13 das conclusões, o advogado-geral J. Mischo, ao tratar da admissibilidade do recurso de anulação, afirma: «A circunstância de o Tribunal de Primeira Instância ter em seguida passado [...] à apreciação do mérito da causa e de, por esse motivo, não nos encontrarmos em face de um acórdão distinto, que respeitasse unicamente à questão prévia de admissibilidade (como aconteceria se a questão prévia fosse acolhida), não deve obscurecer o facto de, na realidade, o Tribunal ter proferido duas decisões sucessivas. Deve ser possível recorrer de cada uma delas».

    No acórdão, o Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso, anulou o acórdão do Tribunal de Primeira Instância e, pronunciando-se em definitivo sobre o litígio, declarou a inadmissibilidade do recurso de anulação interposto pela Comafrica Spa e Dole Fresh Fruit Europe Ltd & Co.

    25. Em terceiro lugar, existe mais um argumento que milita a favor da admissibilidade do presente recurso interposto pelo Conselho. Nos termos do terceiro parágrafo do artigo 49.° do Estatuto, com excepção dos casos relativos a litígios entre a Comunidade e os seus agentes, este recurso pode igualmente ser interposto pelos Estados-Membros e Instituições das Comunidades que não tenham intervindo no litígio no Tribunal de Primeira Instância, estando em posição idêntica à dos que tivessem intervindo. Visto que o Conselho podia ter interposto o presente recurso mesmo que não tivesse sido parte em primeira instância, por maioria de razão poderá fazê-lo quando, como no caso vertente, tendo sido parte, os seus pedidos em matéria de admissibilidade do recurso de anulação foram totalmente desatendidos, como exige o n.° 2 do artigo 49.° do Estatuto.

    Por conseguinte, considero que o Conselho tem legitimidade para interpor o presente recurso para o Tribunal de Justiça.

    26. Também não estou de acordo com as outras razões apresentadas pelas recorridas neste processo para justificar a inadmissibilidade do recurso.

    Em primeiro lugar, porque o Conselho não se limita a repetir os argumentos esgrimidos em primeira instância, visto que, no recurso, não pretende que a questão prévia seja considerada procedente mas, apenas, que se declare que o motivo em que se baseia é a omissão por parte do Tribunal de Primeira Instância de se pronunciar sobre a referida questão prévia. E essa omissão, por razões óbvias, não pode ser objecto de debate entre as partes antes de ser proferido o acórdão recorrido.

    Em segundo lugar, porque o Conselho identificou o erro de direito como sendo a omissão, por parte do Tribunal de Primeira Instância, de abordar a referida questão prévia de admissibilidade antes de se pronunciar sobre o mérito da causa.

    Em terceiro lugar, porque o Conselho identifica como disposição violada pelo acórdão o artigo 230.° CE.

    27. Considero pois que a admissibilidade do presente recurso não suscita qualquer dúvida.

    B - Quanto ao mérito do presente recurso

    a) A questão prévia de admissibilidade no recurso de anulação

    28. Embora o Tribunal de Primeira Instância tenha acolhido os seus pedidos e não tenha anulado a Directiva 96/22, o Conselho considera que esse resultado é apenas aparentemente favorável, tendo assim recorrido do acórdão por entender que ele enferma de um erro fundamental de direito, ao não tratar, quando deveria tê-lo feito, a questão prévia de admissibilidade por ele suscitada em virtude da falta de legitimidade das demandantes. O Conselho entende que o Tribunal de Primeira Instância, ao não se ter pronunciado sobre o direito de uma pessoa singular ou colectiva pedir a anulação de uma directiva, antes de entrar no exame do mérito da causa, não agiu de acordo com a letra e o espírito do quarto parágrafo do artigo 230.° CE e que a decisão contraria a sua própria jurisprudência. Com efeito, a legitimidade da demandante é uma questão prévia que deve ser apreciada antes do exame do mérito da causa. A admissibilidade de uma acção reveste tal importância para a tramitação processual que não pode ser omitida a sua análise sem uma fundamentação substancial, ainda que o Tribunal de Primeira Instância venha a negar provimento ao recurso por carecer de fundamento. Tendo em vista a boa administração da justiça e evitar litígios inúteis, as partes devem ser informadas, o mais cedo possível, se têm ou não capacidade para agir. Se aquilo que efectivamente se pede é a anulação de uma verdadeira directiva, não há que prosseguir com a tramitação processual, uma vez que é supérfluo verificar se, apesar de estarem preenchidos os requisitos de uma directiva, pode afectar directa e individualmente o demandante.

    A SKV acrescenta que, embora o Tribunal de Primeira Instância tenha examinado a legalidade da Directiva 96/22 antes de se pronunciar sobre as outras questões relativas à admissibilidade e sobre o mérito, por razões de eficácia processual, não podia deixar de se pronunciar sobre a questão prévia de admissibilidade suscitada pelo Conselho, tendo em conta as questões de princípio evocadas nesse processo.

    A Comissão, que está de acordo com o Conselho, sustenta, para além disso, que, se a incompetência do Tribunal para conhecer de uma acção implica que o recurso fique privado de objecto e que se extinga a instância, a inadmissibilidade do pedido é motivo suficiente para que se considere que o próprio Tribunal é incompetente para pronunciar-se. A admissibilidade do pedido não depende da vontade das partes, dado que as causas de inadmissibilidade são imperativas e o Tribunal está obrigado a pronunciar-se sobre qualquer questão prévia deste tipo por elas suscitada. Acresce que, neste caso, o Tribunal de Primeira Instância dispunha de outras vias de actuação. Teria podido, por exemplo, deliberar sobre a questão prévia suscitada pelo Conselho e proferir um acórdão quanto ao mérito. E, também, anular o Regulamento n.° 1312/96 por razão idêntica àquela em que se baseou no acórdão recorrido, sem ter de examinar os outros motivos invocados, e declarar que o pedido de anulação da Directiva 96/22 era inadmissível. Se assim tivesse acontecido, as demandantes estariam em situação idêntica à actual. Teria igualmente podido separar o pedido de anulação do de indemnização por perdas e danos, declarando admissível o segundo e inadmissível o primeiro.

    29. A BI Vetmedica e a Boehringer sustentam que, por força do princípio geral do direito processual, segundo o qual o juiz é dominus tanto do processo como da instrução , o Tribunal de Primeira Instância dispõe de amplos poderes discricionários para organizar o processo, em função das características de cada caso e da conexão das questões suscitadas. Estes poderes incluem a possibilidade de se debruçar sobre o mérito da causa antes de examinar a admissibilidade do pedido, sempre que esta maneira de actuar pareça preferível por razões de economia processual ou outras. No caso em apreço, as empresas consideram que era necessário, tendo em vista uma boa administração da justiça e facilitar a tramitação do processo, pronunciar-se sobre a legalidade da Directiva 96/22 antes de analisar a admissibilidade do pedido, dado que a primeira constituía a questão central dos processos T-125/96 e T-152/96. Pretender limitar os poderes discricionários do Tribunal de Primeira Instância, como faz o Conselho no seu recurso, equivale a pôr em causa o princípio da separação de poderes entre instituições, consagrada no Tratado CE. A FEDESA concorda plenamente com as alegações das recorridas.

    30. É verdade, como alegam as empresas recorridas e a FEDESA, que o Tribunal de Primeira Instância goza de amplos poderes discricionários para organizar o processo. Assim, dando alguns exemplos, o artigo 64.° do Regulamento de Processo regula as medidas de organização do processo que, nos termos do disposto no artigo 49.° , podem ser adoptadas em qualquer fase; o artigo 51.° regula a distribuição dos processos pelas várias secções; o artigo 50.° atribui ao presidente a faculdade de ordenar, por razões de conexão, a apensação de causas que tenham o mesmo objecto.

    No entanto, não creio que esses poderes discricionários sejam tão amplos que abranjam o tratamento dos incidentes da instância, regulados de modo exaustivo nos artigos 111.° a 114.° do Regulamento de Processo, nem que incluam a faculdade de não se pronunciar, expressamente, sobre uma questão prévia de admissibilidade suscitada por uma das partes.

    31. Esta opinião baseia-se em várias razões. Em primeiro lugar, a legitimidade do demandante para agir em justiça é um pressuposto processual que, ao não existir, implica a incompetência do órgão jurisdicional para conhecer do mérito da causa. Esta afirmação é corroborada pelo facto de as entidades competentes para agir junto dos órgãos jurisdicionais comunitários virem referidas no Tratado (artigos 226.° CE a 228.° CE para a acção de incumprimento; artigo 230.° CE para o recurso de anulação; artigo 232.° CE para a acção por omissão; ou artigo 236.° CE para os recursos dos funcionários) e no Estatuto (artigo 37.° para a intervenção; e artigos 49.° e 50.° relativos ao recurso para o Tribunal de Justiça), e não no Regulamento de Processo. Em segundo lugar, a legitimidade é uma das causas de inadmissibilidade do pedido por razões de ordem pública que o Tribunal de Primeira Instância pode examinar, a todo o tempo e oficiosamente.

    É verdade que, nos termos do n.° 4 do artigo 114.° do Regulamento de Processo, o Tribunal de Primeira Instância pode decidir conhecer do pedido ou reservar a decisão para final. A este respeito, o Tribunal de Justiça afirmou que competia ao Tribunal de Primeira Instância apreciar se uma correcta administração da justiça justificava ou não que a questão prévia de admissibilidade suscitada fosse decidida imediatamente ou mais tarde aquando da decisão sobre o mérito .

    Em meu entender, isto não significa que se possa analisar o mérito da causa antes de resolver o incidente em que se alega a falta de legitimidade. O contrário, que é precisamente o que fez o Tribunal de Primeira Instância no acórdão cuja anulação se solicita, parece-me pressupor a legitimidade, já que seria um contra-senso que, depois de resolver o mérito da causa, se declarasse inadmissível o recurso. Se o acórdão da primeira instância não resolver o incidente, então coloca-se outro problema: a admissão do recurso carece de fundamentação que permita às partes determinar se os seus direitos foram afectados, ficando assim o Tribunal de Justiça privado de exercer a sua fiscalização por via de recurso.

    32. Para decidir se se deve anular o acórdão recorrido, dei uma vista de olhos pelos processos do Tribunal de Justiça e pelos do Tribunal de Primeira Instância em que se reservou para final a apreciação de uma questão prévia de admissibilidade, com o objectivo de verificar como actuaram estes órgãos jurisdicionais a esse respeito. Examinarei estes dois grupos em separado.

    33. No que se refere ao Tribunal de Primeira Instância, os cerca de trinta casos por mim analisados decidem, em geral, a questão prévia de admissibilidade antes de conhecer do mérito, estando em causa a falta de legitimidade activa , a extemporaneidade , o facto de o acto recorrido não ser susceptível de recurso , de o recorrente não ter interesse em agir , de o acto recorrido não o prejudicar , de o demandado não ter legitimidade passiva , de a petição não reunir as condições impostas pelo artigo 44.° , n.° 1, alínea c), do Regulamento de Processo . Num processo, das quatro causas de inadmissibilidade do recurso invocadas pela demandada, o Tribunal de Primeira Instância estudou três com carácter preliminar, indicando que a outra, em virtude da qual o recurso ficaria privado de objecto, consistia numa questão que implicava a análise do mérito da causa .

    Neste grupo, encontrei um caso que se afasta da norma geral. A Comissão suscitou uma questão prévia de admissibilidade por requerimento escrito em separado, cuja apreciação, por despacho, foi reservada para a da questão de mérito , sem explicar em que consistia a questão prévia, nem fazer nenhuma outra referência.

    De todo o modo, de acordo com a jurisprudência do próprio Tribunal de Primeira Instância, o Tribunal pode, a todo o tempo e oficiosamente, verificar se estão preenchidos os pressupostos processuais de ordem pública, incluindo as condições de admissibilidade de um recurso estabelecidas no artigo 230.° CE .

    34. No que se refere ao Tribunal de Justiça, verifiquei que, nos cerca de quarenta processos por mim analisados, em praticamente todos, incluindo as acções por incumprimento , a questão prévia de admissibilidade foi resolvida antes de se conhecer do mérito, independentemente da natureza da causa de inadmissibilidade suscitada: extemporaneidade do recurso , falta de legitimidade activa , recurso de um acto que não é susceptível de recurso dado que não consta do primeiro parágrafo do artigo 230.° CE , ausência de interesse em agir , incompetência do Tribunal de Justiça , falta de reclamação prévia nos processos dos funcionários , ausência de acto prejudicial ou falta de legitimidade passiva . Num caso, depois de analisar a causa de inadmissibilidade, o Tribunal decidiu que a apreciação do seu fundamento devia ser efectuada com as questões de mérito que o litígio colocava .

    Também neste grupo de acórdãos, encontrei alguns que se afastam da regra. No processo Van Reenen/Comissão , a demandada alegava a extemporaneidade do recurso e a Segunda Secção do Tribunal de Justiça considerou que, ao declará-lo manifestamente infundado, não era necessário deliberar sobre a questão prévia de admissibilidade . No processo Giry/Comissão , a demandada propôs, como causas de inadmissibilidade, a falta de reclamação administrativa prévia e a ausência de interesse em agir. A mesma secção considerou que, tendo em conta a estreita ligação entre estes processos e os fundamentos substanciais invocados, haveria que, em primeiro lugar, proceder ao exame do mérito. Ao negar provimento ao recurso, não foi necessário pronunciar-se sobre as causas de inadmissibilidade invocadas . No processo Rosani e o./Conselho, a demandada alegava como causas de inadmissibilidade a falta de reclamação administrativa prévia e a ausência de indeferimento, expresso ou tácito. A Terceira Secção, por seu turno, entendeu, sem grandes explicações, que se devia analisar o mérito do recurso e decidir, de seguida, se era necessário pronunciar-se sobre as questões prévias de admissibilidade . No processo Tradax/Comissão, a demandada alegava que o recurso era inadmissível, entre outras razões, porque impugnava um acto não susceptível de recurso na acepção do artigo 230.° CE. A Primeira Secção considerou no n.° 12 do acórdão que, tendo em conta a interdependência existente entre a admissibilidade e o mérito, se deveria passar directamente para o exame deste último . Finalmente, no processo Bocos Viciano/Comissão , a demandada invocou a inadmissibilidade do recurso para o Tribunal de Justiça por vício de forma do pedido, referindo cinco fundamentos. No despacho, o presidente do Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso por ser manifestamente infundado, nos termos do artigo 119.° do Regulamento de Processo, observando que não era necessário conhecer dos fundamentos da questão prévia de admissibilidade.

    35. Nenhum dos acórdãos citados, considerados isoladamente ou no seu conjunto, permite uma interpretação do artigo 92.° , n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça e do artigo 113.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância no sentido de a possibilidade de, a todo o tempo e oficiosamente, verificar se estão preenchidos os pressupostos processuais de ordem pública, incluindo as condições de admissibilidade, ser entendida como uma faculdade do órgão jurisdicional. Pelo contrário, em minha opinião, o que deve ser sublinhado é o facto de esse exame poder ser efectuado pelo órgão jurisdicional a todo o tempo e oficiosamente, o que não significa que dele se possa prescindir. Com efeito, os casos em que o Tribunal de Justiça não tratou, previamente, a questão prévia de admissibilidade são, como se viu, poucos e, para além disso, quatro foram decididos por secções de três juízes, enquanto o quinto foi objecto de um despacho do presidente ao abrigo do artigo 119.° do Regulamento de Processo.

    De qualquer forma, a questão prévia de admissibilidade não se baseou, nos casos analisados, na falta de legitimidade do recorrente, como aconteceu no processo T-125/96 em que o Conselho defendeu que não se podia admitir o recurso apresentado pelas empresas demandantes pedindo a anulação de uma directiva.

    36. Pelas razões expostas, considero que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao não ter examinado, antes de conhecer do mérito do processo T-125/96, a questão prévia de admissibilidade, por falta de legitimidade das demandantes, suscitada pelo Conselho. O recurso para o Tribunal de Justiça é, assim, procedente e o acórdão da primeira instância deve ser revogado, na medida em que não examinou a referida questão prévia e que, na prática, admitiu o recurso de anulação.

    b) A questão prévia de admissibilidade do pedido de indemnização por perdas e danos apresentado ao Tribunal de Primeira Instância cuja não apreciação esteve na origem do recurso para o Tribunal de Justiça

    37. No ponto 6 do recurso para o Tribunal de Justiça, consagrado à descrição dos factos, o Conselho faz referência ao n.° 146 do acórdão recorrido, no qual o Tribunal de Primeira Instância declarou que não era necessário apreciar a questão prévia de admissibilidade do pedido, porque não havia que declarar a ilegalidade da Directiva 96/22. O Conselho limita-se a indicar que essa é a única referência, em todo o acórdão, à dita questão prévia. No entanto, nem na petição, nem na réplica, o Conselho desenvolveu este fundamento do recurso. Também não mereceu a mínima atenção das empresas recorridas, nem dos intervenientes, com excepção do Reino Unido que lhe dedica na íntegra as suas observações.

    38. No processo em primeira instância, o Conselho defendeu a inadmissibilidade do pedido de indemnização por perdas e danos, tendo em conta a natureza do acto recorrido e o facto de os danos não terem sido identificados.

    39. No recurso para o Tribunal de Justiça, o Reino Unido pede que seja negado provimento ao recurso do Conselho no que se refere ao n.° 146 do acórdão. Considera que a especial natureza da directiva não significa que não se possa accionar a responsabilidade extracontratual da Comunidade. Ainda que caiba às autoridades nacionais transpor as suas disposições para o direito interno e ainda que essa legislação seja a fonte imediata dos danos provocados a particulares, não há que excluir desde logo que a origem da responsabilidade possa estar no acto comunitário. Por essa razão, o Reino Unido discorda da posição do Conselho quando afirma que os particulares carecem de legitimidade se o que supostamente está na origem da responsabilidade extracontratual é uma directiva; e defende que deve ser averiguado, caso a caso, se a origem dos danos se situa na actuação do Estado-Membro ou na das Instituições comunitárias para saber a quem compete a reparação.

    40. Partindo do pressuposto que o Conselho também impugnou o acórdão da primeira instância no que se refere à não apreciação da questão prévia de admissibilidade do pedido de indemnização (o que, para mim, não é nada claro, tendo em conta a técnica utilizada descrita no n.° 36), a minha posição não coincide com a expressa quanto à não apreciação da questão prévia de admissibilidade por falta de legitimidade de um particular para interpor recurso de anulação.

    41. As razões são várias. A primeira é a de que, segundo jurisprudência constante, a acção prevista nos artigos 235.° CE e 288.° CE foi instituída como via autónoma, com uma função particular no âmbito do sistema dos meios processuais e subordinada a condições de exercício concebidas tendo em vista o seu objectivo específico, de modo que a declaração de inadmissibilidade do pedido de anulação não acarreta automaticamente a do pedido de indemnização . As condições de admissibilidade dos dois pedidos não são pois idênticas.

    A segunda é a de que, contrariamente ao que acontece com o recurso de anulação, a legitimidade para intentar uma acção de indemnização por perdas e danos não está expressamente regulada. Deduz-se dos artigos 235.° CE e 288.° CE que se exige a existência de danos causados pelas Instituições da Comunidade ou pelos seus agentes no exercício das suas funções. Segundo jurisprudência constante, a responsabilidade extracontratual da Comunidade, na acepção do artigo 288.° CE, segundo parágrafo, está subordinada à reunião de um conjunto de condições no que respeita à ilegalidade do comportamento censurado às instituições comunitárias, à veracidade do dano e à existência de nexo de causalidade entre o comportamento da instituição e o prejuízo invocado. Quando uma dessas condições não está preenchida, o recurso deve ser julgado improcedente na sua totalidade, sem ser necessário apreciar os outros pressupostos da responsabilidade extracontratual da Comunidade .

    Também de acordo com a jurisprudência constante do Tribunal, os actos normativos em que se traduzem as opções de política económica apenas implicam a responsabilidade extracontratual da Comunidade quando exista uma violação suficientemente caracterizada de uma norma superior de direito que proteja os particulares. Num contexto normativo caracterizado pelo exercício de um amplo poder discricionário, indispensável à execução da política agrícola comum, essa responsabilidade apenas pode existir, portanto, se a instituição em causa tiver ignorado, de forma manifesta e grave, os limites impostos ao exercício dos seus poderes .

    42. À luz desta jurisprudência, em meu entender, a admissibilidade do pedido de indemnização por perdas e danos só pode estar subordinada ao cumprimento dos requisitos formais a que deve obedecer a petição do recurso de acordo com as normas processuais.

    Para além disso, a competência do Tribunal de Justiça para conhecer da causa em função de o dano sofrido ter a sua origem num acto das Instituições comunitárias ou num acto das autoridades nacionais, a veracidade do dano, a ilegalidade do comportamento da instituição ou dos seus agentes no exercício das suas funções, o nexo de causalidade e, nesse caso, a violação manifesta e grave dos limites impostos ao exercício dos seus poderes por parte das instituições constituem questões cujo exame corresponde ao mérito da causa.

    E o que é claro é que os artigos 235.° CE e 288.° CE não limitam os actos que, caso estejam preenchidas as outras condições, podem dar origem à declaração de responsabilidade extracontratual da Comunidade.

    43. Considero assim que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu um erro de direito no n.° 146 do acórdão recorrido quando declarou não ser necessário apreciar a questão prévia de admissibilidade suscitada pelo Conselho, alegando que a Directiva 96/22 não violava nenhuma das normas jurídicas referidas no processo e que, baseando-se o pedido de indemnização na alegada violação de tais normas, devia, de qualquer modo, ser indeferido por carecer de fundamento.

    c) Quanto à admissibilidade do recurso de anulação

    44. Nos termos do primeiro parágrafo, segundo período, do artigo 54.° do Estatuto, caso anule a decisão recorrida, o Tribunal de Justiça pode julgar definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser julgado. Em minha opinião, esta disposição deve aplicar-se no caso vertente, pelo que, de seguida, analisarei a admissibilidade do recurso de anulação apresentado pela VI Vetmedica e pela Boehringer contra a Directiva 96/22, objecto do processo T-125/96.

    45. Em apoio da inadmissibilidade do recurso, o Conselho declara que, nos termos do quarto parágrafo do artigo 230.° CE, qualquer pessoa singular ou colectiva só pode interpor recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito. Estes actos susceptíveis de recurso caracterizam-se por não terem um alcance geral e uma natureza normativa, dado que, mesmo quando se admite o recurso de um regulamento, é porque se trata, na realidade, de uma decisão dissimulada. Para além disso, exige-se que os destinatários do acto ou aqueles a quem ele diz directa e individualmente respeito sejam afectados no plano jurídico em virtude de uma situação factual que se lhes aplica e que os distingue de outras pessoas.

    As directivas, à semelhança dos regulamentos, são actos normativos de carácter geral que se aplicam de modo abstracto a situações determinadas objectivamente. Mas, contrariamente aos regulamentos, para que possam produzir efeitos jurídicos, as disposições das directivas devem ser transpostas para o direito interno dos Estados-Membros, nos termos do artigo 249.° CE, sendo as normas nacionais as que reconhecem direitos aos particulares e as que lhes impõem obrigações. A diferença fundamental entre um regulamento e uma directiva é que o primeiro produz efeitos directos, ao passo que a segunda, em princípio, não, devendo esperar que decorra o prazo concedido aos Estados-Membros para a sua aplicação. Ora, no momento em que foi interposto o recurso de anulação da Directiva 96/22 em primeira instância, esse prazo ainda não havia expirado.

    A SKV, por seu turno, alega que, se se permitisse que um particular recorresse de uma directiva, o artigo 230.° CE seria interpretado no sentido de ser possível reduzir os limites permitidos pelo sistema de protecção jurisdicional previsto no Tratado. Para além disso, as características das directivas levam a que a protecção jurisdicional dos particulares seja estabelecida por cada Estado-Membro, uma vez transpostas para o direito interno.

    46. A BI Vetmedica e a Boehringer, que sustentam a admissibilidade do seu recurso, consideram que a finalidade do quarto parágrafo do artigo 230.° CE é a de assegurar a protecção jurídica dos particulares, sempre que, sem serem destinatários de uma decisão, o acto lhes diga directa e individualmente respeito, seja qual for a sua aparência. O facto de o acto apresentar carácter normativo não impede, só por si, que os particulares possam dele recorrer, desde que esteja preenchida a condição de lhes dizer respeito. Assim, no momento de decidir se o recurso era admissível no processo T-125/96, dever-se-ia ter examinado se, apesar do carácter normativo da Directiva 96/22, esta dizia directa e individualmente respeito às demandantes.

    A FEDESA é da mesma opinião e pede ao Tribunal de Justiça, caso anule o acórdão, que remeta o processo ao Tribunal de Primeira Instância, uma vez que o averiguar se a BI Vetmedica e a Boehringer estão directa e individualmente afectadas suscita questões factuais complexas.

    47. É verdade, como se viu, que o quarto parágrafo do artigo 230.° CE restringe a legitimidade activa das pessoas singulares e colectivas para requerer a anulação de um acto comunitário. Como confirmou recentemente o Tribunal de Primeira Instância, esta disposição não concede aos particulares qualquer possibilidade de recurso directo das directivas para a jurisdição comunitária .

    No entanto, verifico que, quando um particular pede a anulação de uma directiva, o recurso não é declarado inadmissível logo de início, antes examinando o Tribunal de Primeira Instância se o acto recorrido é uma disposição com carácter normativo de alcance geral e se diz directa e individualmente respeito aos recorrentes . O mesmo acontece com o Tribunal de Justiça .

    48. As demandantes em primeira instância solicitavam a anulação parcial dos artigos 1.° a 4.° da Directiva 96/22, cujas disposições deveriam ter sido transpostas para o direito interno dos Estados-Membros até 1 de Julho de 1997. No entanto, a anulação desses artigos só era pedida na medida em que proíbem a comercialização de medicamentos veterinários contendo substâncias ß-agonistas a administrar com fins terapêuticos em animais destinados ao consumo humano.

    Ora, nenhum desses artigos contém disposições específicas com carácter de decisão individual dissimulada em relação às empresas recorrentes em primeira instância. Estão inseridos num acto normativo de alcance geral que abrange, de modo geral e abstracto, um amplo leque de operadores económicos exercendo actividades relacionadas com a criação de gado destinado ao consumo humano, aos quais, uma vez adaptados os ordenamentos jurídicos nacionais, estarão vedadas, entre outras, as seguintes actividades: colocação no mercado, comercialização, administração a animais e posse de determinadas substâncias neles referidas, bem como a colocação no mercado para consumo humano de animais a que tenham sido administradas as referidas substâncias. Apesar desta proibição, o artigo 4.° permite aos Estados-Membros autorizar a administração, com fins terapêuticos, a certos animais de determinadas substâncias enumeradas de forma exaustiva. Para que sejam aplicáveis aos Estados-Membros, essas disposições devem ser transpostas para o ordenamento jurídico interno através de normas nacionais de execução.

    49. Existe uma jurisprudência constante segundo a qual a natureza normativa de um acto não é posta em causa pela possibilidade de determinar com maior ou menor precisão o número, até mesmo a identidade, dos sujeitos de direito a que é aplicável em determinado momento, enquanto se verificar que tal aplicação é feita nos termos de uma situação objectiva de direito e de facto definida pelo acto em função do respectivo objectivo .

    50. Para além de qualificar uma directiva como uma medida de alcance geral , o Tribunal de Justiça também afirmou que, apesar de em princípio só vincular os seus destinatários, que são os Estados-Membros, a directiva constitui normalmente uma forma legislativa ou de regulamentação indirecta .

    51. A BI Vetmedica e a Boehringer alegam no recurso para o Tribunal de Justiça que foram afectadas individualmente por essas disposições, visto estas abrangerem um número restrito de empresas composto pelas titulares das necessárias autorizações, nas quais elas se incluem, e que existe um nexo específico entre esse número restrito de empresas e o teor da decisão. Para além disso, a Directiva 22/96 pôs em causa os direitos específicos da BI Vetmedica e da Boehringer, concedidos mediante autorizações, de fabricar e comercializar medicamentos veterinários com clembuterol. O efeito produzido pela directiva em relação a estas empresas é de tal ordem que estas ficam em situação diferente da de todos os restantes operadores, visto que são praticamente os únicos fabricantes dos medicamentos proibidos.

    52. Desde o acórdão Plaumann/Comissão , o Tribunal de Justiça considera que uma decisão dirigida a um Estado-Membro apenas diz individualmente respeito a pessoas singulares ou colectivas se as atingir em função de determinadas qualidades que lhes são próprias ou de uma situação de facto que as caracterize em relação a qualquer outra pessoa, e que por isso as individualiza de forma idêntica à de um destinatário .

    Como já referi ao examinar a natureza da Directiva 96/22, trata-se de um acto normativo de alcance geral, que abrange, de modo geral e abstracto, um amplo leque de operadores económicos exercendo actividades relacionadas com a criação de gado destinado ao consumo humano, que vai desde as empresas que comercializam substâncias com efeitos hormonais ou tireostáticos e substâncias ß-agonistas, até às que possuem uma exploração de gado, passando pelas que comercializam produtos de carne, sem esquecer os veterinários. Não pode pois considerar-se que a directiva apenas diz respeito a um determinado número de pessoas no momento da sua adopção.

    No entanto, mesmo que tal fosse o caso e que se devesse considerar que a directiva se dirige a um círculo restrito de empresas identificáveis no momento da adopção, uma vez que se trata de uma directiva para cuja aplicação os Estados-Membros dispõem de um prazo superior a um ano, nada impede que, antes da expiração desse prazo, algumas empresas tenham cessado essas actividades e outras iniciado.

    Por conseguinte, a Directiva 96/22 só podia afectar as empresas demandantes em primeira instância em virtude da sua situação no mercado e não de modo individual.

    53. Para além disso, a BI Vetmedica e a Boehringer sustentam que as disposições impugnadas da Directiva 96/22 produzem efeitos directos na sua esfera jurídica, uma vez que não deixam qualquer margem de discricionaridade aos Estados-Membros, aos quais é, pura e simplesmente, imposta a obrigação de proibir qualquer utilização dos produtos em causa, com excepção da sua aplicação com fins terapêuticos definidos de modo restritivo no n.° 2 do artigo 4.°

    Da jurisprudência do Tribunal de Justiça decorre que a afectação directa exige que a medida comunitária em causa produza efeitos directos na situação jurídica do particular e que não deixe qualquer poder de apreciação aos destinatários dessa medida encarregados da sua implementação, já que esta é de carácter puramente automático e decorre apenas da regulamentação comunitária, sem aplicação de outras regras intermediárias . Para além disso, há que ter em conta que uma directiva não pode, por si só, criar obrigações na esfera jurídica de um particular e não pode ser, portanto, invocada, enquanto tal, contra tal pessoa .

    Assim, uma directiva como a impugnada, que obriga os Estados-Membros a proibir a comercialização de determinadas substâncias a serem administradas em animais destinados ao consumo humano, com fins que não sejam terapêuticos, não pode, por si só, antes da adopção de medidas nacionais de execução, criar obrigações na esfera jurídica das empresas recorrentes, na acepção do quarto parágrafo do artigo 230.° CE. Com efeito, a Directiva 96/22 deixa aos Estados-Membros uma certa margem de apreciação no momento da sua aplicação, já que a proibição pode ser acompanhada de uma autorização para administrar as substâncias com fins terapêuticos a determinados animais e em certas circunstâncias. A utilização dessas substâncias nessas condições deve satisfazer as exigências previstas no artigo 6.° que, por sua vez, remete para duas outras directivas. A autorização dessa utilização será acompanhada da criação de um registo em que os veterinários descreverão os tratamentos efectuados. Por último, o Conselho reservou-se a possibilidade de adoptar as medidas transitórias necessárias à aplicação do regime previsto na directiva impugnada. A Directiva 96/22 não é, pois, susceptível de produzir efeitos na esfera jurídica das empresas demandantes em primeira instância.

    54. Pelas razões expostas, considero que o recurso de anulação interposto pela BI Vetmedica e pela Boehringer é inadmissível.

    III - Quanto às despesas

    55. Nos termos do artigo 122.° do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça decidirá sobre as despesas se o recurso for julgado procedente e se decidir definitivamente o litígio.

    Visto o Conselho não ter pedido a condenação nas despesas, há que decidir que cada uma das partes suportará as respectivas despesas.

    IV - Conclusão

    56. À luz das considerações anteriores, proponho ao Tribunal de Justiça:

    1) que anule o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 1 de Dezembro de 1999, na medida em que não se pronunciou sobre a questão prévia de admissibilidade suscitada pelo Conselho no recurso de anulação;

    2) que declare a inadmissibilidade do recurso de anulação interposto pela Boehringer Ingelheim Vetmedica GmbH e pela C.H. Boehringer Sohn Ltd Partnership;

    3) que, quanto ao demais, negue provimento ao recurso;

    4) que decida que cada uma das partes suportará as respectivas despesas.

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