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Dokument 62000CC0020

    Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 20 de Septembro de 2001.
    Booker Aquacultur Ltd (C-20/00) e Hydro Seafood GSP Ltd (C-64/00) contra The Scottish Ministers.
    Pedido de decisão prejudicial: Court of Session (Scotland) - Reino Unido.
    Directiva 93/53/CEE - Destruição de unidades populacionais de peixes infectados com septicémia hemorrágica viral (SHV) e anemia infecciosa do salmão (AIS) - Indemnização - Obrigações do Estado-Membro - Protecção dos direitos fundamentais, designadamente do direito de propriedade - Validade da Directiva 93/53.
    Processos apensos C-20/00 e C-64/00.

    Colectânea de Jurisprudência 2003 I-07411

    Identifikátor ECLI: ECLI:EU:C:2001:469

    62000C0020

    Conclusões do advogado-geral Mischo apresentadas em 20 de Septembro de 2001. - Booker Aquacultur Ltd (C-20/00) e Hydro Seafood GSP Ltd (C-64/00) contra The Scottish Ministers. - Pedido de decisão prejudicial: Court of Session (Scotland) - Reino Unido. - Directive 93/53/CEE - Destruction de stocks de poissons atteints de la septicémie hémorragique virale (SHV) et de l'anémie infectieuse du saumon (AIS) - Indemnisation - Obligations de l'État membre - Protection des droits fondamentaux, notamment du droit de propriété - Validité de la directive 93/53. - Processos apensos C-20/00 e C-64/00.

    Colectânea da Jurisprudência 2003 página I-07411


    Conclusões do Advogado-Geral


    1. A Court of Session (Scotland), Edinburgh (Reino Unido) coloca a questão, em substância, de saber se o direito de propriedade, tal como é reconhecido pelo direito comunitário, impõe a indemnização aos criadores cujos peixes tiveram de ser destruídos no âmbito de medidas de luta contra as doenças, impostas por uma directiva do Conselho.

    2. O legislador comunitário, fazendo uso dos poderes que lhe são atribuídos, em matéria de política agrícola comum, pelo artigo 43.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 37.° CE) interveio, no domínio das doenças dos peixes, através da adopção de duas directivas, a Directiva 91/67/CEE do Conselho, de 28 de Janeiro de 1991, relativa às condições de polícia sanitária que regem a introdução no mercado de animais e produtos da aquicultura , modificada pelas Directivas 93/54/CEE , 95/22/CE , 97/79/CE e 98/45/CE e a Directiva 93/53/CEE do Conselho, de 24 de Junho de 1993, que introduz medidas comunitárias mínimas de combate a certas doenças dos peixes , modificada pela Directiva 2000/27/CE .

    3. A Directiva 91/67, no seu anexo A, tal como alterado pela Directiva 93/54, divide as doenças às quais se aplica em três listas.

    4. Na lista I consta unicamente a anemia infecciosa dos salmonídeos (a seguir «AIS»), que tem como espécie sensível o salmão do Atlântico.

    5. Na lista II consta, designadamente, a septicémia hemorrágica viral (a seguir «SHV»), tendo como espécie sensível, nomeadamente, o pregado.

    6. A AIS é uma doença exótica, ao passo que a SHV é uma doença cuja presença é conhecida em várias partes do território da Comunidade.

    7. O artigo 3.° da Directiva 91/67 proíbe a introdução no mercado de peixes de aquicultura que apresentem qualquer sinal clínico de doença no dia de embarque, bem como a comercialização de peixes vivos provenientes de uma exploração que seja objecto de medidas de combate adoptadas ao abrigo da Directiva 93/53 ou que tenham estado em contacto com peixes dessas explorações.

    8. Para as doenças da lista II, quer dizer, as doenças endémicas na Comunidade, o artigo 5.° da Directiva 91/67 estabelece o procedimento a seguir a fim de obter, para uma zona determinada da Comunidade, o estatuto de zona aprovada, o que quer dizer, zona isenta de doença.

    9. O artigo 6.° faz o mesmo no que se refere à obtenção do estatuto de exploração aprovada numa zona não aprovada. As condições para que uma aprovação possa ser obtida são definidas no anexo B da directiva.

    10. Este prevê, igualmente, as condições de que depende o restabelecimento da aprovação de uma zona, quando esta a tenha perdido em consequência do aparecimento da doença.

    11. O restabelecimento só poderá ter lugar se, por um lado, aquando da declaração do foco infeccioso, todos os peixes existentes nas explorações infectadas tiverem sido abatidos e os peixes atingidos ou contaminados tiverem sido eliminados, as instalações e o material tiverem sido desinfectados de acordo com um procedimento aprovado pelo serviço oficial competente e se, por outro lado, após a eliminação do foco, estiverem novamente preenchidas as condições de obtenção da aprovação, entre as quais a ausência de qualquer sinal da doença durante quatro anos.

    12. Por último, os artigos 7.° e 9.° da Directiva 91/67 prevêem as condições a que estão sujeitos o transporte e a introdução no mercado comunitário de peixes vivos das espécies sensíveis às doenças constantes da lista II. Se forem provenientes de uma zona ou de explorações aprovadas, podem ser transportados vivos. Se não for esse o caso, só podem ser expedidos para uma zona aprovada depois de terem sido abatidos e eviscerados.

    13. Por seu lado, a Directiva 93/53 introduz medidas comunitárias mínimas de combate a certas doenças dos peixes, fazendo uma distinção consoante se trate de doenças referidas na lista I ou de doenças referidas na lista II, detectadas numa zona ou exploração aprovada.

    14. No caso de ser detectada uma doença referida na lista I, os artigos 5.° e 6.° impõem, designadamente, que seja estabelecido um cordão sanitário em volta da exploração afectada, que todos os animais sejam imediatamente retirados, que todos os viveiros sejam esvaziados das suas águas, a fim de serem limpos e desinfectados, que todos os peixes que apresentem sinais clínicos de doença sejam destruídos, respeitando as exigências fixadas na Directiva 90/667/CEE , no que se respeita ao material de alto risco, que todos os peixes vivos sejam mortos e destruídos ou, no que se refere aos peixes que tenham atingido o tamanho comercial, que possam ser comercializados para a alimentação humana, depois de abatidos e eviscerados, sendo as vísceras tratadas como material de alto risco.

    15. Um inquérito epizootiológico deverá ser realizado e todas as explorações da zona deverão ser sujeitas a inspecções sanitárias. O repovoamento da exploração só pode ser feito, após inspecção satisfatória das operações de limpeza e desinfecção e depois de decorrido um período considerado adequado pelo serviço oficial para garantir a erradicação do agente patogénico.

    16. Em caso de ocorrência de uma das doenças da lista II, numa zona ou exploração aprovada, o artigo 9.° da Directiva 93/53 impõe a realização de um inquérito epizootiológico e sujeita o restabelecimento do estatuto previsto na Directiva 91/67 ao cumprimento dos requisitos estabelecidos no anexo B da referida directiva, ou seja, que todos os peixes da exploração afectada sejam abatidos. No entanto, o serviço oficial pode autorizar a engorda até que os peixes para abate tenham atingido o tamanho comercial.

    17. O artigo 20.° , n.° 2, da Directiva 93/53 dispõe que «[...]os Estados-Membros podem, no respeito das regras gerais do Tratado, manter ou aplicar nos seus territórios disposições mais rigorosas do que as previstas na presente directiva. Os Estados-Membros informarão a Comissão de quaisquer medidas nesse sentido».

    18. Nos termos do artigo 17.° da Directiva 93/53, as condições de participação financeira da Comunidade nas acções relacionadas com a execução da presente directiva são definidas na Decisão 90/424/CEE do Conselho, de 26 de Junho de 1990, relativa a determinadas despesas no domínio veterinário .

    19. A Decisão 90/424 prevê, de acordo com condições que serão expostas infra no âmbito da última questão, uma participação financeira da comunitária nos programas nacionais de indemnização quer no âmbito de medidas de urgência executadas em caso de luta contra uma doença quer em caso de programas de erradicação de certas doenças endémicas.

    20. Na sua versão inicial, a Decisão 90/424 não se aplicava a qualquer doença que afectasse os peixes. Contudo, em 1994, foi alterada, nos termos do seu artigo 5.° , n.° 1, para se aplicar igualmente a uma doença dos peixes, a necrose hematoplástica infecciosa.

    21. No Reino Unido, a Directiva 93/53 foi transposta pelos Diseases of Fish (Control) Regulations 1994 (Statutory Instruments 1994, n.° 1447, a seguir «regulamentos de 1994»). Quanto às doenças referidas na lista I, estes regulamentos impõem ao ministro competente que ordene a aplicação das medidas enunciadas pela Directiva 93/53.

    22. No que se refere às doenças referidas na lista II, o Reino Unido, que dispunha do estatuto de zona aprovada no que lhes respeita, pois não se tinham manifestado no seu território, optou por aplicar as mesmas medidas que as adoptadas pela Comunidade em relação às medidas da lista I.

    23. Consequentemente, os regulamentos de 1994, dispõem, nomeadamente, que, em caso de epidemia confirmada de SHV numa zona aprovada, todos os peixes existentes numa exploração atingida devem ser abatidos, podendo os que tenham atingido um tamanho comercial escapar à destruição e ser colocados no mercado, com vista à sua comercialização ou transformação para consumo humano, na condição de não apresentarem qualquer sinal clínico da doença. Contrariamente ao que o artigo 9.° da Directiva 93/53 teria permitido, o serviço oficial britânico não pode, portanto, autorizar a engorda dos peixes a abater até que eles atinjam o tamanho comercial.

    24. Este era o contexto regulamentar, quando duas explorações de aquacultura situadas na Escócia foram atingidas, uma, a McConnel Salmon Ltd, à qual sucedeu a Booker Aquaculture Ltd (a seguir «Booker»), em 1994, por um foco de SHV, a outra, a Hydro Seafood GSP, Ltd, (a seguir «Hydro»), em 1998, por um foco de AIS.

    25. A Booker teve de obedecer a uma decisão ministerial, adoptada em aplicação dos regulamentos de 1994, nos termos da qual:

    «4. sem prejuízo do n.° 5, todos os peixes serão abatidos e as suas carcaças destruídas nos termos do disposto na Directiva 90/66/CEE do Conselho, entendendo-se que as carcaças ou os restos dos referidos peixes serão eliminados de um modo ou num local previamente aprovado pelo Secretary of State;

    5. os peixes que, à data do presente aviso, tenham dimensões comerciais podem ser abatidos para comercialização ou processamento para consumo humano, desde que:

    a) na opinião do inspector, não evidenciem sinais clínicos de doença;

    b) tenham sido imediatamente eviscerados;

    c) o seu abate, evisceração e preparação para comercialização ou processamento para consumo humano sejam efectuados de harmonia com as normas legais nessa matéria;

    [...]»

    26. Consequentemente, foram abatidos todos os peixes existentes na exploração. Os das classes dos anos 1993 e 1994 foram destruídos, por estarem todos abaixo do tamanho comercial. Os da classe do ano de 1991 puderam ser comercializados para consumo humano nas condições fixadas nos regulamentos de 1994.

    27. A Hydro foi a obrigada, por aplicação de diversas decisões ministeriais relativas aos diferentes locais afectados que explorava, a destruir enormes quantidades de peixe por não terem atingido o tamanho comercial e a comercializar prematuramente peixes que tinham atingido esse tamanho. Foi, além disso, obrigada a suportar os custos elevados ocasionados pelas operações de destruição controlada dos peixes abatidos.

    28. Tanto a Booker como a Hydro solicitaram às autoridades públicas uma indemnização pelos danos sofridos, que lhes foi recusada, com fundamento no facto de a regulamentação em vigor não a prever e de estar excluída uma indemnização a título gracioso, pois o governo tinha uma política bem definida de não conceder indemnizações por doenças de peixes.

    29. Não aceitando esta recusa, as duas empresas intentaram acções judiciais nos órgãos jurisdicionais do Reino Unido. Foi no âmbito destas acções que a Court of Session (Scotland), Edinburgh, utilizando o reenvio prejudicial previsto pelo artigo 234.° CE, colocou diversas questões ao Tribunal de Justiça.

    30. No reenvio referente ao processo em que a Booker é parte, registado com o número C-20/00, as questões do órgão jurisdicional nacional, em número de três, são as seguintes:

    «1) Quando, no cumprimento da obrigação, decorrente da Directiva 93/53/CEE, de adoptar medidas de controlo em consequência de um surto de uma doença constante da lista II numa exploração aprovada ou numa zona aprovada, um Estado-Membro adoptar uma medida de execução nacional da qual resulte a destruição e o abate de peixes, os princípios do direito comunitário relativos à protecção dos direitos fundamentais, em especial do direito de propriedade, devem ser interpretados no sentido de que obrigam o Estado-Membro a adoptar medidas para pagamento de uma compensação

    a) ao proprietário dos peixes que foram eliminados; e

    b) ao proprietário dos peixes cujo imediato abate lhe é imposto, implicando a venda imediata pelo proprietário dos referidos peixes?

    2) Se o Estado-Membro for obrigado a adoptar as referidas medidas, quais são os critérios de interpretação de que o tribunal nacional necessita para determinar se as medidas adoptadas são compatíveis com os direitos fundamentais, em especial com o direito de propriedade, que o Tribunal de Justiça garante e que resultam, em especial, da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais?

    3) Os referidos critérios impõem, em particular, que as medidas sejam distintas no caso de o surto da doença se dever a culpa do proprietário dos peixes em causa e no caso em que se não verifique culpa do proprietário?»

    31. No reenvio efectuado ao processo desencadeado pela Hydro, registado com o número C-64/00, são colocadas quatro questões. A primeira questão distingue-se da primeira questão colocada no âmbito do processo C-20/00 unicamente porque se refere à lista I em vez da lista II. As segundas e terceiras questões são idênticas. A quarta questão é a seguinte:

    «A Directiva 93/53/CEE é inválida, na medida em que infringe o direito fundamental de propriedade, por não prever qualquer medida para o pagamento de uma indemnização ao (a) proprietário dos peixes que são destruídos e (b) ao proprietário dos peixes que devem ser imediatamente abatidos, implicando a venda imediata desses peixes pelo respectivo proprietário, no caso de ter sido confirmado um surto de AIS?»

    32. Os dois processos foram apensos para efeitos da fase escrita, da fase oral e do acórdão.

    33. Nas suas observações escritas e orais, a Booker e a Hydro alegaram que, ao aplicar uma política de princípio que nega qualquer direito a indemnização, os Scottish Ministers violaram os direitos fundamentais cujo respeito se impõe não só instituições da Comunidade, mas igualmente aos Estados-Membros, quando adoptam medidas para a execução do direito comunitário.

    34. Em relação à segunda questão, que respeita à protecção a nível comunitário do direito de propriedade, a Booker e a Hydro consideram que o direito de propriedade garantido na ordem jurídica comunitária inclui o direito à indemnização em razão dos prejuízos sofridos na sequência do abate imediato e prematuro das reservas de peixes, em cumprimento das ordens das autoridades públicas. Segundo as demandantes, a ausência de qualquer indemnização na aplicação de medidas internas que transpõem uma directiva viola o princípio da proporcionalidade.

    35. No que respeita à protecção da propriedade, tal como consagrada no artigo 1.° do protocolo n.° 1 da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «Convenção Europeia dos Direitos do Homem») a Hydro sustenta que não existe, no caso em apreço, qualquer circunstância que justifique a recusa absoluta de indemnizar os prejuízos que sofreu na sequência das medidas de abate e destruição adoptadas pelas autoridades escocesas. Alega também que a qualificação dos regulamentos em litígio como «regulamentos do uso dos bens» é totalmente irrealista e torna ineficaz, em qualquer caso, a protecção do direito de propriedade pelo direito comunitário.

    36. Quanto à terceira questão, ou seja, saber se necessário estabelecer uma distinção consoante o surto da doença se deve ou não a uma falta do proprietário dos peixes afectados para saber se há a direito a uma indemnização, a Hydro e a Booker sustentam que a questão da falta só pode ser tida em conta como elemento de apreciação da equidade da indemnização.

    37. Quanto à quarta questão, relativa à validade da Directiva 93/53, a Hydro alega que, na medida em que a regulamentação comunitária permite ou autoriza implicitamente que o Estado-Membro em causa desrespeite o direito de propriedade quando define e aplica esta regulamentação, estas medidas constituem uma violação inaceitável do direito de propriedade.

    38. Todas as outras partes que entregaram observações ao Tribunal de Justiça, a saber, a recorrida, os governos francês, italiano, neerlandês, do Reino Unido e norueguês, bem como o Conselho e a Comissão estão de acordo em afirmar que nenhuma disposição dos actos comunitários aplicáveis prevê uma indemnização nos processos em causa. Se alguma obrigação de indemnizar devesse existir no direito comunitário, só poderia resultar dos princípios gerais de direito.

    39. Todas as partes referidas consideram, contudo, que os referidos princípios gerais de direito não impõem indemnizações nas circunstâncias do processo principal e que a Directiva 93/53 é, portanto, válida.

    Quanto às primeiras questões

    40. É claro, nos dois processos, que é a primeira questão que é essencial. Com efeito, a segunda e terceira questão, a supor que elas necessitam de uma resposta, referem-se unicamente às modalidades de uma indemnização e estão dependentes de uma resposta positiva à primeira, ao passo que a quarta, no processo C-64/00, mesmo que não coloque o mesmo problema que a primeira, está também intimamente ligada, no que respeita à sua resposta, à solução dada à primeira.

    41. É, pois, pela análise da primeira questão, nas duas formas de redacção, cada uma delas correspondente à situação específica de uma das recorrentes no processo principal, que devemos iniciar a nossa reflexão.

    42. Para a conduzir de forma racional, é necessário proceder por etapas. Com efeito, interrogar-se sobre o que impõem, eventualmente, em matéria de indemnização, os princípios gerais de direito comunitário respeitantes à protecção dos direitos fundamentais, numa situação como aquelas com que estão confrontadas a Booker e a Hydro, só faz sentido se antes tivermos chegado à conclusão de que os referidos princípios são efectivamente aplicáveis no caso em apreço.

    43. Questionemo-nos, portanto, sem nos preocuparmos, por ora, com o conteúdo dos princípios gerais de direito comunitário, aos quais o órgão jurisdicional nacional faz referência, se, no momento em que adoptou os regulamentos de 1994 e, em seguida, as decisões relativas às explorações da Booker e da Hydro, o Reino Unido era obrigado a respeitar os princípios gerais de direito comunitário. Por outras palavras, a legalidade de medida nacionais pode ser contestada com base em violação dos princípios gerais de direito comunitário?

    Os princípios gerais de direito comunitário aplicam-se?

    44. Se estivessem em causa medidas que não entram no campo de aplicação do direito comunitário, a referida obrigação de respeitar os princípios gerais deste não existiria com certeza .

    45. Em contrapartida, tratando-se de medidas adoptadas para assegurar a aplicação do direito comunitário, a jurisprudência do Tribunal de Justiça afirmou claramente o respeito dos referidos princípios se impõe.

    46. No acórdão Wachauf , refere-se, com efeito, que as exigências da protecção dos direitos fundamentais vinculam igualmente os Estados-Membros «quando aplicam regulamentações comunitárias, e que se segue que estes são obrigados, na medida do possível a aplicá-las em condições que respeitem as referidas exigências».

    47. No acórdão ERT , o Tribunal de Justiça confirmou esta aplicabilidade dos direitos fundamentais consagrados por princípios gerais de direito comunitário a uma regulamentação nacional a partir do momento em «que uma regulamentação deste tipo entre no campo de aplicação do direito comunitário».

    48. No acórdão Bostock , o Tribunal de Justiça apoiando-se explicitamente nos dois acórdão já referidos, apreciou se a protecção dos direitos fundamentais reconhecida na ordem jurídica comunitária obriga um Estado-Membro a criar, no âmbito das medidas que adoptou para executar um regime de quotas de produção instituindo no âmbito de uma organização comum de mercado no sector do leite, um regime de indemnização do arrendatário cessante pelo proprietário ou se um desses direitos confere directamente ao arrendatário um direito a uma indemnização dessa natureza, relativamente à quantidade de referência transferida para o proprietário no termo do contrato.

    49. Da mesma forma, no acórdão Demand , o Tribunal de Justiça refere, sempre a respeito das quotas leiteiras, que a partir do momento em que os Estados-Membros utilizam a autorização que lhes é atribuída pelo legislador comunitário para fixar as modalidades de reatribuição das quantidades de referência liberadas por certos produtores, são obrigados a respeitar «os princípios gerais e os direitos fundamentais tal como são reconhecidos em direito comunitário pela jurisprudência do Tribunal de Justiça».

    50. Esta jurisprudência, por muito constante que seja, continua, contudo, ligada à questão das medidas adoptadas pelos Estados-Membros para assegurar a aplicação de regulamentos. Poder-se-ia, assim, ser tentado a concluir que ela não se aplica à hipótese de as medidas nacionais intervirem para assegurar a transposição de uma directiva. Em nossa opinião, esta conclusão estaria errada.

    51. Não é, desde logo, certo que, quando, no caso do acórdão Wachauf, já referido, o Tribunal de Justiça emprega os termos «regulamentação comunitária», os empregue na acepção estrita de «regulamento comunitário» e não no sentido mais lato de «regras comunitárias», as quais podem estar contidas quer num regulamento quer numa directiva.

    52. Por conseguinte, mesmo que, como faz Bruno de Witte , se devesse considerar que:

    «The question whether the Wachauf line (Member States are bound by Community fundamental rights when they implement EC law) also applies to the transposition and implementation of directives (as opposed to the mere execution of regulations as in Wachauf and Bostock) remains unclear»,

    percebe-se mal o que poderá justificar que, no caso de transposição de directivas, os Estados-Membros não estejam sujeitos às suas obrigações de respeitar os direitos fundamentais consagrados na ordem jurídica comunitária.

    53. Como pertinentemente escreve o referido autor «[i]n several cases, the ECJ has held that the specific duties imposed by a directive on the Member States should be read in the light of the general principles of Community law , but has never declared those general principles to be binding as such on the States when they are adopting measures for the transposition of a directive. Yet, one would think that the choice of form and methods left to the States according to Article 249 (ex Article 189) EC does not include the choice whether or not to violate fundamental rights, and vice versa, that respect for fundamental rights is an implicit part of the result to be achieved under the directive. So, the extension of the Wachauf line to directives (and, indeed, to the application by Member States of external agreements concluded by the EC) would seem logical».

    54. Por último, no caso concreto com que nos confrontamos, a Directiva 93/53, ao mesmo tempo que prevê que os Estados-Membros «podem [...] manter ou aplicar nos seus territórios disposições mais rigorosas do que as previstas na presente directiva».

    55. Esta precisão parece-nos excluir por si só que um Estado-Membro possa pretender que, quando proceda à transposição fiel das regras da directiva, sem nada acrescentar, está sujeito, como o legislador comunitário autor da directiva, ao respeito dos direitos fundamentais, mas que, quando complete as medidas que é obrigado a adoptar por outras medidas, que considera oportunas para atingir integralmente o objectivo da eliminação das doenças dos peixes prosseguido pela directiva, pode ignorar os direitos fundamentais.

    56. A legalidade de uma disposição nacional adoptada para assegurar a transposição de uma directiva comunitária, por mais nacional que seja, não pode ser unicamente apreciada à luz do direito nacional. Os órgãos jurisdicionais nacionais não terão qualquer hesitação, é sabido, em anular uma medida nacional que pretenda assegurar a transposição de uma directiva, se considerarem que aquela não respeita esta última.

    57. De certa maneira, a directiva surge na ordem jurídica interna como uma norma de referência com a qual as medidas nacionais de transposição devem esta em conformidade.

    58. Mas ela não surge isolada, pois é inseparável das normas com que se deve estar em conformidade, normas entre as quais se contam, necessariamente, os princípios gerais de direito comunitário.

    59. Consideramos, assim, adquirido que, como sustentam a Booker e a Hydro, um Estado-Membro, quando aplica uma directiva, deve respeitar os direitos fundamentais. Isto leva-nos a questionar se, como afirmam as duas empresas, as medidas adoptadas pelo Reino Unido em reacção ao aparecimento das duas doenças constituíram violação de um direito fundamental, no caso concreto, o direito de propriedade.

    Apreciação do problema à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça quanto ao direito de propriedade

    60. Comecemos por verificar se o direito de propriedade faz parte dos direitos fundamentais. Tendo surgido como tal no acórdão Nold/Comissão , foi constantemente reafirmado depois . Qual é, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o âmbito deste direito, ou, mais exactamente, qual é a extensão das garantias que este direito confere contra os eventuais abusos dos poderes públicos?

    61. Desde o acórdão Nold/Comissão, já referido, que o Tribunal de Justiça respondeu a esta questão. Com efeito decidiu que,

    «Como este Tribunal já afirmou, os direitos fundamentais são parte integrante dos princípios gerais do direito, cuja observância lhe incumbe garantir.

    O Tribunal, ao garantir a protecção destes direitos, deve inspirar-se nas tradições constitucionais comuns aos Estados-Membros e não pode, assim, admitir medidas incompatíveis com os direitos fundamentais reconhecidos e garantidos pelas constituições destes Estados.

    Os instrumentos internacionais relativos à protecção dos direitos do homem, em que os Estados-Membros colaboraram ou a que aderiram, podem igualmente dar indicações que é conveniente tomar em consideração no âmbito do direito comunitário.

    [...]

    Embora o ordenamento constitucional de todos os Estados-Membros proteja o direito de propriedade e garantias análogas sejam concedidas ao livre exercício do comércio, do trabalho e de outras actividades profissionais, os direitos assim garantidos, longe de constituírem prerrogativas absolutas, devem ser considerados à luz da função social dos bens e das actividades protegidos.

    Por esta razão, a garantia concedida a este tipo de direitos só é geralmente atribuída sob reserva de limitações estabelecidas em função do interesse público.

    Na ordem jurídica comunitária, é igualmente legítimo reservar em relação a estes direitos a aplicação de determinados limites justificados pelos objectivos de interesse geral prosseguidos pela Comunidade, desde que não afectem a substância destes mesmos direitos.»

    62. Esta resposta nunca foi posta em causa até hoje. É certo que o acórdão Hauer, já referido, faz uma análise mais detalhada dos ensinamentos que podem ser retirados do protocolo n.° 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das constituições dos Estados-Membros, mas a conclusão a que chega não se afasta da adoptada no acórdão Nold/Comissão, já referido.

    63. Reafirma, com efeito, que o direito de propriedade não constitui uma prerrogativa absoluta e pode, ao contrário, tendo em conta a sua função social, ser objecto de restrições sensíveis, sendo entendido que estas não devem constituir, tendo em conta a finalidade prosseguida pelas autoridades que as aplicam, «uma intervenção desproporcionada e intolerável nas prerrogativas do proprietário que afectasse a substância do direito de propriedade» (n.° 25).

    64. Devemos, assim, entender que as decisões às quais a Booker e a Hydro foram obrigadas a dar cumprimento constituem uma violação do direito de propriedade? Achamos que não.

    65. Verificamos, em primeiro lugar, que as decisões não podem ser qualificadas como arbitrárias, uma vez que foram adoptadas pela autoridade competente em aplicação de uma regulamentação existente.

    66. Sublinhamos em seguida, que elas prosseguem um fim de interesse geral não contestado. Como atrás referimos, o aparecimento de uma doença, numa exploração de aquacultura, deve ser levado a sério, tendo em conta o risco de desenvolvimento de uma epidemia, que pode rapidamente escapar a qualquer controlo e provocar a ruína de todo o sector económico em causa.

    67. Na verdade, no actual estádio dos conhecimentos científicos, as doenças que apareceram nas explorações da Booker e da Hydro não apresentam qualquer perigo no que respeita à saúde humana, mas também é verdade que, à época dos factos, os mesmos conhecimentos científicos não permitiam pensar noutro método de luta contra a doença que não fosse o abate dos peixes existentes nas explorações contaminadas.

    68. É certo que, tratando-se de doenças referidas na lista II, quer dizer, de doenças de carácter endémico na comunidade, o próprio legislador comunitário atribui aos Estados-Membros a faculdade de autorizar o adiamento do abate dos peixes que não apresentem sinais da doença, até ao momento em que, tendo atingido o tamanho comercial, podem ser comercializados para consumo humano.

    69. A Booker apoia-se, aliás, nesta latitude deixada aos Estados-Membros para contestar a procedência da decisão de abate imediato sem indemnização, motivada unicamente, segundo se diz, não por considerações de saúde animal, mas pela vontade de restabelecer o mais rapidamente possível o estatuto de zona aprovada para a região onde se tinha declarado a doença que atingiu a sua exploração.

    70. Aos nossos olhos, esta crítica é falsa, pois o interesse geral não pode ser restringido à preservação da saúde humana ou animal, antes engloba igualmente o restabelecimento das condições que permitam um desenvolvimento harmonioso de uma actividade que contribui para a prosperidade nacional.

    71. Ora, da leitura da Directiva 91/67 retira-se que a perda do estatuto de zona aprovada apresenta inconvenientes consideráveis para a comercialização dos produtos da aquacultura, susceptíveis de criar obstáculos muito sérios à dinâmica deste ramo de actividade.

    72. Concluímos, enfim, que as medidas adoptadas pelas autoridades do Reino Unido, consideradas globalmente, não constituem um intervenção desproporcionada e intolerável, que afecta a própria substância do direito de propriedade.

    73. A Booker e a Hydro sublinham a obrigação de abate sistemático seguida da destruição que lhes foi imposta.

    74. É preciso, contudo, em nossa opinião, enquadrar esta obrigação no conjunto das medidas impostas pelas autoridades públicas, na sequência da declaração das doenças nas explorações em causa. Estas medidas têm um único objectivo, a eliminação da doença e desdobram-se por todas as frentes de combate. A destruição dos peixes abatidos constitui, possivelmente, a medida mais espectacular, mas não se pode esquecer que ela é acompanhada pela desinfecção sistemática das instalações e da água com vista a, na medida do possível, fazer desaparecer todos os vestígios do agente infeccioso.

    75. Se o abate deve atingir todos os peixes, é porque só esta medida permite restabelecer a situação sanitária da exploração. Não é por um peixe não apresentar, num determinado momento, sinais da doença, que ele deixa de estar contaminado pelo vírus que a provoca e limitar o abate aos peixes contaminados é, quase de certeza, condenar-se a ter que proceder a novos abates, à medida que outros peixes se revelarem atingidos e é, em todo o caso, diferir duradouramente as medidas de desinfecção das instalações, que são, no entanto, absolutamente necessárias.

    76. Além disso, apesar de não pretender minimamente possuir qualquer competência em matéria veterinária, confessamos não compreender qual o interesse em conservar nas instalações peixes que estiveram em contacto com os peixes com sinais clínicos da doença e, provavelmente, susceptíveis de eles próprios adoecerem mais ou menos brevemente.

    77. Parece-nos que, ao contrário, é razoável esvaziar completamente as instalações, destruindo os peixes que apresentem sinais clínicos de doença e podendo comercializar, respeitando de certas precauções, aqueles que não apresentem os referidos sinais e cumpram as normas de comercialização em vigor, no sentido de que já tenham atingido o tamanho comercial, o que está expressamente previsto na regulamentação do Reino Unido, que foi aplicada à Booker e à Hydro.

    78. A restrição do direito de propriedade que estas duas empresas sofreram consiste, portanto, na obrigação, por um lado, em interromper, pelo abate sistemático, a engorda dos peixes existentes nas suas instalações e, por outro lado, de destruir aqueles que não podiam ser comercializados, quer por razões de ordem sanitária, quer devido ao seu tamanho insuficiente. Estamos bastante longe de uma intervenção desproporcional e intolerável no sentido do acórdão Hauer, já referido.

    79. Resta apreciar se, por proporcionais que pareçam ao nível das obrigações que impõem, as decisões adoptadas pelas autoridades do Reino Unido não deveriam, em última análise, ser consideradas como desproporcionais, na medida em que excluem qualquer indemnização.

    80. Duas observações preliminares se impõem. Por um lado, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao direito de propriedade nunca afirmou que qualquer restrição a este direito deva ser acompanhada de uma indemnização. Mesmo no acórdão Wachauf, já referido, que reconhece que, na situação submetida ao Tribunal de Justiça, o respeito dos direitos fundamentais não era compatível com a inexistência de qualquer indemnização, evita cuidadosamente tal regra.

    81. Por outro lado, não se pode considerar que o acórdão Flip e Verdegen tenha decidido a questão submetida à nossa apreciação num sentido ou no outro.

    82. Com efeito, neste acórdão o Tribunal de Justiça teve o cuidado de precisar que considerava «que as questões prejudiciais devem ser entendidas como incidindo, de maneira mais geral, sobre o ponto de saber se a regulamentação comunitária em matéria de luta contra a peste suína clássica, no seu conjunto, deve ser interpretada no sentido de que prevê uma indemnização completa e imediata dos produtores cujos porcos tenham sido abatidos por ordem das autoridades nacionais e, se tal não for o caso, se essa regulamentação deve ser considerada como compatível com o princípio da não discriminação enunciado no artigo 7.° do Tratado CEE, actualmente artigo 6.° do Tratado CE» (n.° 19 do acórdão).

    83. O Tribunal de Justiça respondeu a esta questão declarando que «na ausência de disposições comunitárias quanto a este aspecto, a indemnização dos proprietários cujos porcos foram abatidos por ordem das autoridades nacionais no quadro das medidas de luta contra a peste suína clássica releva da competência de cada Estado-Membro.

    De onde resulta que a regulamentação comunitária aplicável em matéria de luta contra a peste suína clássica deve ser interpretada no sentido de que não impõe que os Estados-Membros prevejam um regime de indemnização dos proprietários cujos porcos foram abatidos por ordem das autoridades nacionais» (n.os 30 e 31 do acórdão).

    84. Não se pode deduzir deste texto que os Estados-Membros estão dispensados de toda e qualquer indemnização nem que são, ao contrário, obrigados, para não violarem os direitos fundamentais, a atribuir uma indemnização.

    85. Pode-se, contudo, perguntar se o Tribunal de Justiça, ao remeter pura e simplesmente para a competência dos Estados-Membros, não estaria implicitamente a reconhecer que não existia qualquer princípio de direito comunitário impondo a referida indemnização.

    86. Feitas estas precisões, é sobre a situação concreta em relação à qual o órgão jurisdicional de reenvio nos interroga que nos temos de debruçar.

    87. A este respeito, importa dizer que, mesmo na ausência da intervenção das autoridades nacionais, a Booker e a Hydro teriam, de qualquer forma, sofrido um prejuízo, tendo em conta a presença nas sua instalações, por um lado de peixes doentes e, por outro lado, de peixes susceptíveis de o estarem brevemente e tendo, por esta razão, perdido uma grande parte do seu valor comercial.

    88. O elemento que deu origem aos acontecimentos que lhes causaram prejuízo é, portanto, totalmente alheio às autoridades do Reino Unido: é simplesmente o aparecimento de uma doença nas suas explorações.

    89. O aparecimento da doença em causa constitui, como foi salientado no decurso da fase escrita do processo, um acontecimento ao qual estão, infelizmente, expostos todos os criadores sejam quais forem os animais que criem. Todas as actividades económicas comportam, normalmente, um risco, risco que é particularmente mais elevado quando se trata de actividades que se baseiam na valorização de organismos vivos.

    90. Este risco é livremente aceite pelos operadores económicos que desenvolvem estas actividades e nenhum Estado tem, até hoje, pelo menos que nós saibamos, afirmado o princípio que as perdas causadas pelo incidente constituído pelo aparecimento de uma doença devem ser sempre objecto de compensação a cargo das finanças públicas, mesmo que, de facto, muitos Estados atribuam a referida compensação no caso de grandes epidemias.

    91. Aliás, não podemos perder de vista que uma exploração afectada por uma doença se transforma, objectivamente, e sem que se possa fazer ao seu proprietário qualquer tipo de acusação ou que este possa ser objecto de alguma reprovação moral, num perigo para todas as explorações situadas geograficamente à volta da exploração infectada, de forma que podem ser elas também contaminadas.

    92. Ora, ninguém imaginaria que tudo o que é perigoso deve ser eliminado e que esta eliminação constitui uma das missões dos poderes públicos.

    93. Estamos, nesta hipótese, nos antípodas da apropriação pela autoridade pública de um bem que é propriedade de um particular que a expropriação de um imóvel constitui. Não há um bem com um valor económico certo cuja propriedade é transferida para satisfazer uma necessidade de interesse geral. Só existe um bem que, mesmo que possa eventualmente conservar um certo valor económico, deve ser eliminado e que não tem portanto qualidade para ser valorizado no âmbito das trocas comerciais.

    94. As autoridades do Reino Unido não obtiveram qualquer espécie de enriquecimento da aplicação das medidas impostas à Booker e à Hydro, que, devido a um infeliz conjunto de circunstâncias, se encontraram proprietárias de peixes que, em certa medida, perderam uma parte do seu valor comercial e, noutra medida, a totalidade do seu valor comercial.

    95. Esta situação pode assemelhar-se à de um imóvel que ameaça ruína e cuja destruição é ordenada pela autoridade pública ou de um imóvel construído numa altura em que a utilização de amianto era autorizada e que, bem mais tarde, tendo a utilização do amianto sido reconhecida como perigosa, a autoridade pública ordena que seja sujeito a trabalhos de saneamento, que acabam por ter custos de tal forma elevados que o proprietário se vê, de facto, forçado a optar pela demolição, opção igualmente muito onerosa, porque deve ser acompanhada de inúmeras cautelas.

    96. Não nos parece que, nestas hipóteses, o proprietário em causa possa invocar o direito à indemnização que, em contrapartida, poderia invocar no caso de se tratar de uma apropriação do seu imóvel pelos poderes públicos.

    97. A situação da Booker e da Hydro deve, igualmente, ser distinguida da situação em que medidas de profilaxia são aplicadas a explorações, provavelmente expostas a um risco, mas que, no momento em que as medidas restritivas as afectam, não têm ainda casos de doença declarados.

    98. Nesta hipótese, em nome do princípio da proporcionalidade, seria, com certeza, legítimo interrogarmo-nos sobre a admissibilidade de medidas draconianas impostas a título preventivo sem indemnização. Em nossa opinião, neste caso, o equilíbrio entre interesse geral prosseguido e a extensão do sacrifício imposto ao titular de uma exploração indemne de qualquer contaminação poderia inclinar-se no sentido da indemnização.

    99. Mas não é esta a problemática com que nos confrontamos hoje, na medida em que a presença de uma doença contagiosa, com grandes riscos para todo um sector económico, se tinha declarado nas explorações de Booker e da Hydro.

    100. Em resumo, a situação era, portanto, a seguinte: as autoridades do Reino Unido mais não fizeram do que aplicar à Booker e à Hydro uma regulamentação existente; com esta actuação, prosseguiam um fim de interesse geral incontestável; as medidas aplicadas, por mais rigorosas e onerosas que tenham sido, não eram desproporcionadas ao perigo em que consistia a existência de peixes contaminados nas explorações em causa e a situação que as medidas visavam não podia, de maneira alguma, ser imputável a uma acção, omissão ou imprudência das autoridades públicas, antes resultava unicamente dos riscos inerentes à actividade de aquacultura. Tendo em conta a conjugação do conjunto de elementos, consideramos que a jurisprudência desenvolvida pelo Tribunal de Justiça a propósito do direito de propriedade não impõe qualquer indemnização.

    101. Restam-nos ainda, contudo, duas verificações a fazer, antes de poder propor definitivamente uma resposta à primeira questão de cada um dos processos que estão submetidos à nossa apreciação.

    102. Com efeito, como foi decidido no acórdão Nold/Comissão, já referido, e confirmado pelo acórdão Hauer, já referido, o direito comunitário não pode, quando se trata de definir precisamente o conteúdo dos direitos fundamentais, desinteressar-se do nível de protecção assegurada, por um lado, pelos instrumentos internacionais de protecção dos direitos do homem, em primeiro lugar pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem, à qual os Estados-Membros aderiram e, por outro, pelas tradições constitucionais comuns dos diferentes Estados-Membros.

    103. É certo que, os acórdão que já referimos tiveram já em conta estas fontes de direito, mas, na intenção de ser tão completo quanto possível, iremos examinar ainda a jurisprudência mais recente do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, bem como os princípios constitucionais dos Estados-Membros.

    Apreciação do problema à luz da Convenção Europeia dos Direitos do Homem

    104. Comecemos por verificar se a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e, em particular, o seu protocolo adicional n.° 1, tal como interpretada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, considera inadmissível, à luz da protecção devida ao direito de propriedade, medidas como as que forma aplicadas às explorações da Booker e da Hydro, se não forem acompanhadas de uma indemnização.

    105. Recordemos que o artigo 1.° do referido protocolo prevê o seguinte:

    «Qualquer pessoa singular ou colectiva tem direito ao respeito dos seus bens. Ninguém pode ser privado do que é sua propriedade a não ser por utilidade pública e nas condições prevista pela lei e pelos princípios gerais de direito internacional.

    As condições precedentes entendem-se sem prejuízo do direito que os Estados possuem de pôr em vigor as leis que julguem necessária para a regulamentação do uso dos bens, de acordo com o interesse geral, ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuições ou de multas.»

    106. Para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, como este acabou de recordar num acórdão recente, Malama c. Grécia de 1 de Março de 2001, que se inscreve numa linha jurisprudencial constante, «este artigo contém três disposições distintas: a primeira, que consta do primeiro período do primeiro parágrafo e que tem um carácter geral, enuncia o princípio do respeito da propriedade a segunda, inserida no segundo período do mesmo parágrafo, visa a privação da propriedade e submete-a a determinadas condições; quanto à terceira, consignada no segundo parágrafo, reconhece aos Estados o poder, entre outros, de regulamentar o uso dos bens de acordo com o interesse geral. Não se trata, contudo, de regras sem relação entre si. A segunda e a terceira referem-se a violações particulares do direito de propriedade; por conseguinte, devem ser interpretadas à luz do princípio consagrado pela primeira».

    107. Quando tem de decidir processos concretos, nos quais o requerente se queixa de violação do artigo 1.° do protocolo adicional n.° 1, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem adopta, em princípio, sempre a mesma abordagem. Começa por examinar se houve efectivamente uma interferência no direito de propriedade. Se, do seu ponto de vista, assim sucedeu, procede a uma série de verificações. Assegura-se, em primeiro lugar, que a referida interferência está prevista na lei. No acórdão referido, recorda, a este propósito, que o artigo 1.° do protocolo impõe, antes de mais e sobretudo, que uma interferência da autoridade publica no gozo do direito ao respeito dos bens seja legal: o segundo período do primeiro parágrafo deste artigo só autoriza a privação do direito de propriedade nas «condições previstas pela lei» e o segundo parágrafo reconhece aos Estados o direito de regulamentarem o uso dos bens, pondo «leis» em vigor. Além disso, a proeminência do direito, um dos princípios fundamentais de uma sociedade democrática, é uma noção inerente a todos os direitos da Convenção (acórdão Amuur c. França de 25 de Junho de 1996, Colectânea dos acórdãos e decisões 1996-III, pp. 850-851, § 50). O Tribunal procura, em seguida, saber se a interferência prossegue um fim legítimo, quer dizer, se existe um interesse de utilidade pública no sentido da segunda regra enunciada no artigo 1.°

    108. Sempre no mesmo acórdão, lê-se, a este respeito, que:

    «O Tribunal considera que, graças a um conhecimento directo da sua sociedade e das suas necessidades, as autoridades nacionais estão, em princípio, melhor colocadas que o juiz internacional para determinar o que constitui a utilidade pública. No âmbito do mecanismo de protecção criado pela Convenção, cabe-lhes, consequentemente, pronunciarem-se, em primeiro lugar, sobre a existência de um problema de interesse geral que justifique as provações da propriedade. Assim, têm uma certa margem de apreciação, como noutros domínios aos quais se estendem as garantias da Convenção.

    Além disso, a noção de utilidade pública é, por natureza, ampla. Em particular, a decisão de adoptar leis que restrinjam o direito de propriedade implica normalmente a apreciação de questões de ordem política, económica e social. Considerando que, normalmente, o legislador tem uma certa latitude para conduzir uma política económica e social, o Tribunal respeita a forma como são concebidos os imperativos da utilidade pública, salvo se esta definição for manifestamente desprovida de base razoável (acórdãos James e o. e Reino Unido de 21 de Fevereiro de 1986, série A, n.° 96, p. 32, § 46).»

    109. Se as duas primeiras condições, sem as quais qualquer interferência constitui violação do artigo 1.° do protocolo adicional n.° 1, se verificarem, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem aborda a questão mais delicada, ou seja, a de apreciar a proporcionalidade da interferência. No acórdão anteriormente referido, expõe, como se segue, as considerações que a guiam nesta matéria.

    «Uma medida de interferência no direito ao respeito dos bens deve ter em conta um justo equilíbrio entre as exigências de interesse geral da comunidade e os imperativos de salvaguarda dos direitos fundamentais do indivíduo (v., entre outros, o acórdão Sporrong e Lönnroth e Suécia de 23 de Setembro de 1982, série A, n.° 52, p. 26, § 69). A preocupação de assegurar um tal equilíbrio reflecte-se em toda a estrutura do artigo 1.° , e também, portanto, no seu segundo período que deve ser interpretado à luz do princípio consagrado no primeiro. Em particular, deve existir uma relação razoável de proporcionalidade entre os meios empregues e os fins prosseguidos em toda e qualquer medida que prive uma pessoa da sua propriedade (acórdão Pressos Compania Naviera S.A. e o. e Bélgica de 20 de Novembro de 1995, série A, n.° 332, p. 23, n.° 38).

    A fim de determinar se a medida em litígio respeita o equilíbrio referido e, designadamente, se não impõe aos requerentes um encargo desproporcionado , importa ter em consideração as modalidades de indemnização previstas na legislação nacional. A este respeito, o Tribunal já declarou que, sem o pagamento de uma quantia razoavelmente proporcional ao valor do bem, uma privação do direito de propriedade constitui, normalmente, uma restrição excessiva e uma completa ausência de indemnização não pode ser justificada com base no artigo 1.° , a não ser em circunstâncias excepcionais (acórdão Os santos mosteiros e Grécia de 9 de Dezembro de 1994, série A, n.° 301-A, p. 35, § 71)».

    110. É de notar que, no n.° 53 do acórdão Mellacher e o. e Áustria de 19 de Dezembro de 1989 , o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem declarou, a propósito desta exigência de proporcionalidade, o seguinte:

    «Quanto a soluções de substituição, a sua existência não torna, por si só, injustificada a legislação nacional. Enquanto o legislador não ultrapassar a sua margem de apreciação, o Tribunal não pode dizer se ele escolheu a melhor forma de resolver o problema ou se o seu poder deveria ser exercido de outra forma diferente (acórdão James e o., já referido, série A, n.° 98, p. 35, § 51)».

    111. Há, contudo, que salientar que, embora o pagamento de uma indemnização seja considerado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem como indispensável para que a interferência não se mostre desproporcionada em todas as hipóteses visadas pelo artigo 1.° , primeiro parágrafo, do protocolo adicional n.° 1, a saber, em todos os casos de privação de propriedade, ou seja, de expropriação que opera uma transferência de propriedade ou de medidas equivalentes, a indemnização não tem o mesmo carácter incontornável quando estivermos perante uma medida abrangida pelo artigo 1.° , segundo parágrafo, quer dizer, de uma medida de regulamentação do uso dos bens.

    112. Uma medida deste tipo deve, bem entendido, respeitar o princípio da proporcionalidade. Mas a ausência de indemnização não é mais do que um elemento entre todos os que são tomados em consideração para determinar se a extensão do sacrifício imposto é justificada tendo em conta o interesse geral prosseguido.

    113. Não tem, necessariamente, por efeito fazer pender automaticamente a decisão para o lado da interferência inadmissível. Foi, assim, por exemplo, que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem admitiu, no seu acórdão Handyside e Reino Unido de 7 de Dezembro de 1976 , referido pelo Governo do Reino Unido, a licitude do confisco e destruição sem indemnização de material pornográfico, que considerou como uma forma de regulamentação do uso dos bens, que não dá lugar, por parte do Tribunal, ao controlo da legalidade e da finalidade da restrição imposta ao direito de propriedade.

    114. No referido acórdão, o Tribunal refere, em apoio da solução que adopta, que:

    «O confisco e a destruição do Schoolbook privaram definitavente o requerente da propriedade de alguns bens. Contudo, tinham sido autorizadas pelo segundo parágrafo do artigo 1.° do protocolo n.° 1 (P1-1), interpretado à luz do princípio de direito comum aos Estados contratantes, em virtude do qual são confiscados com vista à sua destruição as coisas cuja utilização tenha sido julgada regularmente ilícita e perigosa para o interesse geral».

    115. Neste rápido sobrevoo da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, parece-nos resultar, por um lado, que, ao nível dos princípios, a protecção devida ao direito de propriedade nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça não se demarca num sentido restritivo das garantias de que este direito está envolvido no sistema da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e, por outro, que, ao nível concreto dos acórdãos de que nos ocupamos, as medidas de que se queixam a Booker e a Hydro podem dificilmente ser analisadas como violação do artigo 1.° do protocolo adicional n.° 1 da referida convenção. A leitura do acórdão Nold/Comissão, já referido, no qual o Tribunal de Justiça desenvolveu, a propósito do direito de propriedade, uma concepção baseada na mesma fonte de inspiração que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, permitia supor que essa seria a solução a que chegaríamos, mas a preocupações manifestada pelo órgão jurisdicional de reenvio e a insistência com que a Booker e a Hydro se referiram à Convenção Europeia dos Direitos do Homem impediam-nos de a dispensar.

    Apreciação do problema à luz das Constituições ou dos princípios com valor constitucional dos Estados-Membros

    116. A Booker declara que os textos constitucionais dos Estados-Membros, que reproduz em anexo às suas observações, lhe permitiriam obter, em praticamente os Estados-Membros, com excepção do Reino Unido, uma indemnização por toda ou parte das perdas sofridas.

    117. Na verdade, todas as constituições consagram o direito à propriedade privada, sob reserva de requisição ou expropriação por motivo de utilidade pública, efectuada no âmbito da lei ou mediante uma indemnização cujo princípio está previsto, na maior parte dos casos, na própria constituição.

    118. Não é, contudo, certo que a destruição dos bens por motivos de saúde pública - caso em que não há qualquer transferência de propriedade em benefício para as autoridades - seja equiparada a tal requisição ou expropriação.

    119. Na realidade, em Espanha, a jurisprudência considera que a destruição de animais afectados por uma doença contagiosa é uma forma especial de expropriação. Contudo, isto não resulta directamente da Constituição.

    120. É a Constituição do Reino dos Países Baixos que nos parece mais explícita, na medida em que, a propósito da propriedade, dispõe que «nos casos previstos na lei ou em virtude da lei, existe um direito de indemnização total ou parcial se, no interesse geral, a autoridade competente a destruir ou inutilizar, ou limitar o exercício do direito de propriedade». A jurisprudência e a doutrina consideram, todavia, que um direito de indemnização não existe automaticamente no caso de uma destruição de propriedade no interesse geral.

    121. Isto é confirmado pelas observações do governo neerlandês apresentadas no âmbito destes processos. Este, com efeito, declarou, com um vigor muito especial, que os custos causados nesta situação concreta pelo aparecimento de doenças, incluindo os resultantes da aplicação das medidas de luta, devem ser suportados pela Booker e pela Hydro. O Governo neerlandês acrescentou: «Vários Estados-Membros aderiram ao princípio segundo o qual cada um, regra geral, deve suportar os prejuízos que pessoalmente tenha sofrido. Cabe à própria vítima assumir os seus prejuízos, independentemente de estes resultarem de falta de cuidado, de negligência ou de um caso fortuito. É o caso, em princípio, de más colheitas devido à seca, dos prejuízos causados pelo fogo ou inundações, ou dos causados por doenças».

    122. Na Irlanda, segundo a jurisprudência, a destruição de animais impõe, segundo a Constituição, uma indemnização se a interferência no direito de propriedade constituir uma restrição injustificada do referido direito. A injustiça deve ser apreciada à luz das exigência do interesse geral e dos princípios de justiça social. Foram considerados como injustas as interferência absurdas, não proporcionais ou irracionais.

    123. Não se pode, portanto, concluir que exista um princípio constitucional comum aos direitos dos Estados-Membros nos termos do qual a destruição de peixes devesse dar necessariamente lugar a indemnização.

    124. A Booker refere igualmente três Estados-Membros (o Reino da Suécia, a República da Finlândia e a República Francesa), nos quais uma legislação específica prevê uma indemnização no caso de doenças de peixes. Verifica-se, também, que uma legislação desse tipo existe também noutros Estados da Comunidade (a República Federal da Alemanha, a República da Áustria, o Reino da Bélgica, o Reino da Dinamarca, o Reino da Espanha, a República Helénica, a República Italiana, o Reino dos Países Baixos e a República Portuguesa). Não nos parece, contudo, que os parlamentos destes Estados-Membros tenham adoptado estas legislações devido à protecção devida à propriedade privada; fizeram-no, antes, por razões de solidariedade nacional em relação aos criadores em causa, com vista a obter a sua colaboração activa na erradicação das doenças susceptíveis de se propagarem de forma muito ampla e muito rapidamente.

    125. Por último, refira-se que a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em Dezembro de 2000 durante o Conselho Europeu de Nice, também não incita a pensar que a protecção do direito de propriedade exija que os proprietários de animais afectados por uma epidemia ou por uma zoonose tenham direito a indemnização.

    126. Sabemos muito bem que esta Carta não tem efeitos vinculativos, mas parece-nos, contudo, interessante fazer-lhe referência, na medida em que ela constitui a expressão, ao mais alto nível, de um consenso político elaborado democraticamente sobre o que deve ser hoje considerado como um catálogo dos direitos fundamentais garantidos pela ordem jurídica comunitária. Ora, tratando-se do direito de propriedade, o artigo 17.° , da Carta enuncia que:

    «1. Todas as pessoas têm o direito de fruir da propriedade dos seus bens legalmente adquiridos, de os utilizar, de dispor deles e de os transmitir em vida ou por morte. Ninguém pode ser privado da sua propriedade, excepto por razões de utilidade pública, nos casos e condições previstos por lei e mediante justa indemnização pela respectiva perda, em tempo útil. A utilização dos bens pode ser regulamentada por lei na medida do necessário ao interesse geral.

    2. É protegida a propriedade intelectual.»

    127. Pela leitura deste texto, constatamos imediatamente que ele se apropria da distinção já feita pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem e que tem o cuidado de distinguir a privação da propriedade da regulamentação da utilização dos bens, impondo a indemnização para a primeira e nada dizendo quanto à segunda.

    128. Tendo em conta as discussões que esta distinção suscitou no âmbito da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, não nos parece poder ser considerado que este silêncio é o resultado de um esquecimento mal intencionado.

    129. Compartilhamos, aliás, da opinião da Comissão de que as medidas em causa nos presentes processos não constituem expropriações, mas antes casos extremos de limitação da utilização dos bens.

    130. Com efeito, não se verifica uma expropriação dos tanques e outras instalações de aquacultura, mas uma obrigação de destruir os peixes já afectados pela doença ou com elevadas probabilidades de virem rapidamente a ser afectados.

    131. Recordemos que, em nossa opinião, a situação seria diferente se tratasse de destruir peixes de uma instalação de aquacultura ainda não atingida pela doença, unicamente com o objectivo de evitar que a bactéria ou o vírus pudesse encontrar um terreno propício ao alastramento geográfico posterior da doença. Nesta hipótese, em que a doença poderia eventualmente não se declarar na instalação em questão, a obrigação de matar os animais poderia ser equiparada a um encargo imposto pela autoridade pública no interesse geral. Deveria, provavelmente,neste caso, dar lugar a indemnização.

    132. Não sendo este o caso nos litígios nos processos principais, propomos, como fizeram os Scottish Ministers, os Governos do Reino Unido, francês, italiano, neerlandês e norueguês, bem como a Comissão, que o Tribunal responda às primeiras questões nos dois processos, que, em circunstâncias como estas, os princípios de direito comunitário relativos à protecção dos direitos fundamentais, em particular do direito de propriedades, não devem ser interpretados no sentido que obrigam a indemnizar os proprietários em causa.

    Quanto às segundas questões

    133. Se for dada, assim, à primeira pergunta uma resposta negativa, não é necessário apreciar a segunda e a terceira pergunta. Diremos, apenas, que, do nosso ponto de vista, se um direito de indemnização for reconhecido, a indemnização não deve cobrir o lucro cessante e deve, em todo o caso, ser limitada aos danos emergentes.

    134. Com efeito, dificilmente se pode conceber que, tratando-se de medidas impostas aos proprietários de uma exploração efectivamente atingida por uma doença dos peixes, a colectividade tenha de indemnizar estes não somente pelas perdas efectivamente sofridas, em relação aos investimentos e às despesas de funcionamento da sua empresa que ele teve de suportar, mas também pela perda dos benefícios que contava obter com o seu trabalho.

    135. A ponderação entre o interesse geral e os interesses particulares não poderá favorecer uma garantia de cobertura de todos os riscos que não exigem o pagamento de um prémio pela pessoa segura.

    136. Da mesma forma, qualquer indemnização deve, em nossa opinião, ser excluída na hipótese de se prover falta ou negligência do explorador, que tenha influenciado o aparecimento da doença.

    Quanto à quarta questão do processo C-64/00

    137. Com a sua quarta questão, a Court of Session (Scotland) pergunta se a Directiva 93/53 é inválida por violar o direito fundamental de propriedade, na medida em que não prevê uma indemnização em caso de epidemia confirmada de AIS.

    138. Recordemos que esta directiva tem por objecto estabelecer «as medidas de combate a adoptar em casos de surtos de doença, de forma a assegurar um desenvolvimento racional da aquicultura e a contribuir para a protecção da saúde animal na Comunidade» (segundo considerando).

    139. Não estabelece, para qualquer doença, uma obrigação de indemnização a cargo dos Estados-Membros.

    140. A resposta à primeira questão que propomos nos dois processos leva-nos, logicamente, a dar uma resposta negativa a esta quarta questão.

    141. Com efeito, uma vez que o respeito devido ao direito de propriedade não impõe que os exploradores nas condições da Booker e da Hydro beneficiem de uma indemnização, não se pode considerar que a Directiva 93/53 tenha violado o direito de propriedade dos exploradores, ao não exigir que os Estados-Membros lhes atribuam a referida indemnização.

    142. Além disso, porque se trata de uma directiva, por definição dirigida aos Estados-Membros, não é de admirar que ela não contenha disposições relativas a uma indemnização a cargo do orçamento da Comunidade.

    143. O seu artigo 17.° dispõe unicamente, a título de aviso, que «as condições de participação financeira da Comunidade nas acções relacionadas com a execução da presente directiva são definidas na Decisão 90/424/CEE».

    144. Segundo o artigo 1.° , esta última decisão estabelece as regras de participação financeira da Comunidade em:

    - acções veterinárias pontuais,

    - acções de controlo no domínio veterinário,

    - programas de erradicação e de vigilância das doenças animais.

    145. Como o termo «participação» indica, a Comunidade não suporta todas as despesas relativas a uma acção dos Estados-Membros, mas participa, nos custos suportados por estes, sob a forma de reembolso parcial.

    146. Esta participação está subordinada a uma decisão do Estado-Membro em questão de indemnizar os proprietários afectados por uma doença.

    147. O artigo 3.° da Decisão 90/424 (que seria aplicado se as doenças dos peixes em causa nos presentes processos fossem referidas no seu n.° 1) dispõe, com efeito, no seu n.° 2, que:

    «O Estado-Membro em causa deve beneficiar da participação financeira da Comunidade para a erradicação da doença, desde que as medidas imediatamente aplicadas incluam, pelo menos, o sequestro da exploração a partir do momento da suspeita e a partir da confirmação oficial da doença:

    [...]

    - a indemnização rápida e adequada dos criadores.»

    148. Assim, só no caso de o Estado-Membro decidir soberanamente proceder à indemnização dos criadores (e o fizer de forma rápida e adequada) é que a Comunidade participa nas despesas.

    149. Na verdade, parece resultar implicitamente desta decisão que todos os Estados-Membros estavam de acordo para proceder a uma indemnização dos criadores cujos animais que fossem abrangidos por uma das doenças enumeradas na decisão.

    150. A participação financeira da Comunidade, por seu turno, é justificada por uma preocupação de contribuir «[... para a] erradicação, tão rápida quanto possível, de qualquer foco de doenças contagiosas graves» (quinto considerando da Decisão 90/424). Não é feita qualquer menção à necessidade de compensar os prejuízos sofridos pelos criadores. Parece, portanto, que o Conselho viu na indemnização uma forma de obter a colaboração eficaz dos criadores.

    151. Mas o que importa sobretudo reter é que nada, nesta decisão, impede o Reino Unido de decidir proceder à indemnização dos criadores cujos animais que foram afectados pelas doenças enumeradas nesta decisão.

    152. O facto de, no estado actual de redacção da Decisão 90/424, o Reino Unido não poder obter uma compensação financeira da Comunidade pelas medidas de indemnização, se a decidisse adoptar, é uma questão secundária que respeita unicamente às finanças deste Estado-Membro.

    153. A indemnização dos criadores e a participação da Comunidade nessa indemnização são questões completamente distintas.

    154. Mesmo que a indemnização dos criadores fosse imposta pela obrigação de respeitar o direito de propriedade, quod non, daí não resultaria necessariamente uma obrigação de a Comunidade participar no financiamento dessa indemnização.

    155. O Conselho é, com efeito, livre de impor aos Estados-Membros, às empresas ou aos particulares obrigações que impliquem para estes custos financeiros, sem ter de, paralelamente, prever uma participação financeira da Comunidade nesses custos.

    156. Só um Estado-Membro poderia contestar, invocando, por exemplo, o princípio da igualdade de tratamento, o facto de a decisão em causa, não prever, neste caso, a participação financeira da Comunidade no que respeita a certas doenças dos peixes existentes no seu território, enquanto que o faz para doenças existentes no território de outros Estados-Membros. Ora o Reino Unido não interpôs um recurso deste tipo contra o Conselho.

    157. Nem a Directiva 93/53 nem a Decisão 90/424 podem, portanto, ser declaradas inválidas por não preverem uma indemnização dos criadores de peixes afectados pelas duas doenças em causa.

    158. Sendo o princípio dessa indemnização é uma questão da inteira responsabilidade dos Estados-Membros, é em função dos diferentes direitos nacionais que ela deve ser resolvida.

    159. Assim, supondo que o direito escocês reconhece um princípio de igualdade de tratamento comparável ao do direito comunitário, compete aos criadores de peixes demonstrar que se encontram numa situação substancialmente idêntica à dos criadores de bovinos que beneficiaram de uma indemnização pelo facto de os seus animais terem sido afectados pela encefalopatia espongiforme bovina (BSE) ou pela febre aftosa.

    160. Não encontramos, portanto, qualquer razão para propor que o Tribunal declare a invalidade da Directiva 93/53 (nem da Decisão 90/424), quer seja por violação do direito de propriedade, quer seja por violação do princípio da igualdade de tratamento.

    Conclusões

    161. Tendo em conta as conclusões a que fomos chegando a propósito das diferentes questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, propomos:

    1) no processo C-20/00,

    - que à primeira questão seja dada a seguinte resposta:

    «Quando um Estado-Membro, no cumprimento de uma obrigação que lhe é imposta pela Directiva 93/53/CEE do Conselho, de 24 de Junho de 1993, que introduz medidas comunitárias mínimas de combate a certas doenças dos peixes, de adoptar medidas de luta contra o aparecimento de um foco de uma doença referida no anexo II numa exploração aprovada ou numa zona aprovada, adopta medidas em direito interno cuja execução implica a destruição e o abate de peixes, os princípios de direito comunitário relativos à protecção dos direitos fundamentais, em particular o direito de propriedade, não devem ser interpretados no sentido que lhe impõem a adopção de medidas que prevejam a atribuição de uma indemnização.

    a) ao proprietário dos peixes que foram destruídos e

    b) ao proprietário dos peixes cujo abate imediato foi ordenado, impondo assim a sua venda imediata pelo proprietário»,

    - e que não seja dada resposta à segunda e à terceira questões.

    2) no processo C-64/00,

    - dar à primeira questão a seguinte resposta:

    «Quando um Estado-Membro, no cumprimento da obrigação que lhe é imposta pela Directiva 93/53/CEE de adoptar medidas de luta contra o aparecimento de um foco de uma doença referida no anexo I, adopta medidas em direito interno cuja execução implica a destruição e o abate de peixes, os princípios de direito comunitário relativos à protecção dos direitos fundamentais, em particular o direito de propriedade, não devem ser interpretados no sentido que lhe impõem a adopção de medidas que prevejam a atribuição de uma indemnização.

    a) ao proprietário dos peixes que foram destruídos e

    b) ao proprietário dos peixes cujo abate imediato foi ordenado, impondo assim a sua venda imediata pelo proprietário»,

    - que não seja dada resposta à segunda e à terceira questões e que, à quarta questão seja dada a seguinte resposta:

    «A apreciação da Directiva 93/53 relativamente ao respeito do direito de propriedade não revelou elementos susceptíveis de afectar a sua validade.»

    Začiatok