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Document 61999TJ0219
Judgment of the Court of First Instance (First Chamber) of 17 December 2003.#British Airways plc v Commission of the European Communities.#Competition - Abuse of a dominant position - Competence of the Commission - Discrimination between airlines - Relevant product and geographic market - Nexus between the product markets allegedly affected - Legal basis of the contested decision - Existence of a dominant position - Abuse of the dominant position - Proportionality of the amount of the fine.#Case T-219/99.
Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção) de 17 de Dezembro de 2003.
British Airways plc contra Comissão das Comunidades Europeias.
Concorrência - Abuso de posição dominante - Competência da Comissão - Discriminação entre companhias aéreas - Mercado sectorial e geográfico pertinente - Elemento de conexão entre os mercados sectoriais alegadamente afectados - Base jurídica da decisão impugnada - Existência da posição dominante - Exploração abusiva da posição dominante - Proporcionalidade do montante da coima.
Processo T-219/99.
Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção) de 17 de Dezembro de 2003.
British Airways plc contra Comissão das Comunidades Europeias.
Concorrência - Abuso de posição dominante - Competência da Comissão - Discriminação entre companhias aéreas - Mercado sectorial e geográfico pertinente - Elemento de conexão entre os mercados sectoriais alegadamente afectados - Base jurídica da decisão impugnada - Existência da posição dominante - Exploração abusiva da posição dominante - Proporcionalidade do montante da coima.
Processo T-219/99.
Colectânea de Jurisprudência 2003 II-05917
ECLI identifier: ECLI:EU:T:2003:343
Processo T‑219/99
British Airways plc
contra
Comissão das Comunidades Europeias
«Concorrência – Abuso de posição dominante – Competência da Comissão – Discriminação entre companhias aéreas – Mercado sectorial e geográfico pertinente – Elemento de conexão entre os mercados sectoriais supostamente afectados – Base jurídica da decisão impugnada – Existência da posição dominante – Exploração abusiva da posição dominante – Proporcionalidade do montante da coima»
Acórdão do Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção) de 17 de Dezembro de 2003
Sumário do acórdão
1. Comissão – Demissão voluntária individual simultânea de todos os comissários – Inaplicabilidade do artigo 201.° CE – Aplicação do artigo 215.° CE – Comissários demissionários que permanecem em funções, com a plenitude das suas competências, até à sua substituição
(Artigo 201.° CE e 215.° CE)
2. Concorrência – Procedimento administrativo – Análise das denúncias – Fixação de prioridades pela Comissão – Poder de conceder diferentes graus de prioridade às denúncias – Princípio da não discriminação – Violação – Inexistência
3. Concorrência – Posição dominante – Mercado em causa – Delimitação – Critérios – Serviços oferecidos pelos agentes de viagens às companhias aéreas – Mercado distinto dos mercados dos serviços de transporte aéreo
(Artigo 82.° CE)
4. Concorrência – Posição dominante – Conceito – Posição detida por uma empresa na qualidade de adquirente – Inclusão
(Artigo 82.° CE)
5. Concorrência – Posição dominante – Mercado em causa – Delimitação geográfica – Critérios
(Artigo 82.° CE)
6. Concorrência – Posição dominante – Comportamento no mercado dominado com efeitos num mercado próximo – Aplicação do artigo 82.° CE – Condição – Elo de conexão entre os dois mercados
(Artigo 82.° CE)
7. Concorrência – Transportes – Regras de concorrência – Transporte aéreo – Regulamento n.° 3975/87 – Âmbito de aplicação – Actividades que dizem directamente respeito à prestação de serviços de transporte aéreo – Serviços oferecidos pelos agentes de viagens às companhias aéreas – Exclusão
(Regulamentos do Conselho n.os 17, 141 e 3975/87)
8. Concorrência – Posição dominante – Abuso – Conceito – Conceito objectivo que visa os comportamentos de natureza a influenciar a estrutura do mercado e que têm por efeito obstar à manutenção ou ao desenvolvimento da concorrência – Obrigações que incumbem à empresa dominante
(Artigo 82.° CE)
9. Concorrência – Posição dominante – Abuso – Descontos de quantidade – Admissibilidade – Condições – Sistema de prémios de resultado aplicado por uma companhia aérea às comissões pagas às agências de viagens – Carácter abusivo do sistema – Critérios de apreciação
(Artigo 82.° CE)
10. Concorrência – Posição dominante – Abuso – Conceito – Comportamentos que têm quer por efeito quer por objecto obstar à manutenção ou ao desenvolvimento da concorrência
(Artigo 82.° CE)
11. Concorrência – Coimas – Montante – Determinação – Critérios – Prejuízo causado aos consumidores – Não pertinência tratando‑se de um abuso de posição dominante
(Regulamento n.° 17 do Conselho, artigo 15.°, n.° 2)
1. Só se pode considerar que os membros da Comissão foram «obrigados a abandonar funções colectivamente», na acepção do segundo parágrafo, última frase, do artigo 201.° CE, se o Parlamento tiver anteriormente aprovado uma moção de censura, nas condições definidas nessa mesma disposição. Não existindo tal moção, as demissões voluntárias individuais, ainda que simultâneas, de todos os membros da Comissão consubstanciam uma situação que escapa às previsões do artigo 201.° CE e são abrangidas unicamente pelo artigo 215.° CE. Com efeito, a simultaneidade dessas demissões individuais não pode pôr em causa a natureza voluntária de cada uma delas.
Conclui‑se que, em tal caso, os membros demissionários permanecem em funções, conservando a plenitude das suas competências até serem substituídos, pois o artigo 215.°, primeiro parágrafo, CE define unicamente as causas jurídicas da cessação das funções dos membros da Comissão, sem, no entanto, proibir o exercício das suas atribuições normais até que produza efeitos a sua demissão voluntária na data da sua substituição efectiva.
(v. n.os 50, 51, 53, 55, 56)
2. Para que se possa imputar à Comissão ter cometido uma discriminação, é necessário que tenha tratado de maneira diferente situações comparáveis, desfavorecendo dessa forma certos operadores em relação a outros, sem que essa diferença de tratamento se justifique pela existência de diferenças objectivas de certa importância.
Em particular, no âmbito de procedimentos de aplicação das regras da concorrência, o facto de outros operadores que estiveram numa situação semelhante à de um operador sancionado pela Comissão e autores das mesmas actuações não terem sido objecto de um procedimento de infracção não pode, em caso algum, afastar a infracção imputada ao operador sancionado, desde que tenha sido correctamente comprovada.
Além disso, a Comissão pode, para velar eficazmente pela aplicação das regras comunitárias em matéria de concorrência, conceder graus de prioridade diferentes às denúncias submetidas à sua apreciação, em função do respectivo interesse comunitário, avaliado à luz das circunstâncias de cada caso e, designadamente, dos elementos de facto e de direito que lhe foram apresentados. A este respeito, ela é obrigada, designadamente, a apreciar, em cada caso, a gravidade das restrições de concorrência alegadas, bem como a precedência da denúncia que lhe foi apresentada.
Quando é confrontada com uma situação em que numerosos elementos permitem suspeitar de actuações contrárias ao direito da concorrência por parte de diversas grandes empresas pertencentes ao mesmo sector económico, a Comissão tem o direito de concentrar os seus esforços numa das empresas em causa, convidando ao mesmo tempo os operadores económicos supostamente lesados pelo eventual comportamento infractor das outras empresas a recorrer às autoridades nacionais.
(v. n.os 65‑66, 68‑70)
3. Para efeitos do exame da posição, eventualmente dominante, de uma empresa em determinado mercado sectorial, as possibilidades de concorrência devem ser apreciadas no âmbito do mercado que agrupa o conjunto dos produtos ou serviços que, em função das suas características, são particularmente aptos à satisfação das necessidades constantes e pouco substituíveis por outros produtos ou serviços. Além disso, dado que a determinação do mercado em causa serve para avaliar se a empresa em questão tem a possibilidade de obstar à manutenção de uma concorrência efectiva e de se comportar, em medida apreciável, independentemente dos seus concorrentes e dos seus prestadores de serviços, não é possível, para este efeito, limitar‑se ao exame unicamente das características objectivas dos serviços em questão, devendo as condições da concorrência e a estrutura da procura e da oferta no mercado ser igualmente tomadas em consideração.
Assim, o mercado dos serviços que as companhias aéreas compram aos agentes de viagens para fins de comercialização e distribuição dos seus bilhetes de avião pode constituir um mercado sectorial distinto do mercado do transporte aéreo. Com efeito, embora os agentes de viagens actuem por conta das companhias aéreas, que assumem todos os riscos e vantagens ligados ao próprio serviço de transporte e que celebram directamente com os viajantes os contratos de transporte, estes agentes não deixam de ser intermediários independentes que exercem uma actividade de prestação de serviços autónoma num mercado de serviços distinto do mercado do transporte aéreo.
(v. n.os 91, 93, 100)
4. A posição dominante visada pelo artigo 82.° CE diz respeito a uma situação de poder económico detida por uma empresa, que lhe dá o poder de obstar à manutenção de uma concorrência efectiva no mercado em causa, possibilitando‑lhe comportamentos independentes numa medida apreciável face aos seus concorrentes, aos seus clientes e, finalmente, aos consumidores.
Essa posição pode ser detida por uma empresa na sua qualidade não só de vendedor mas também de comprador na medida em que o artigo 82.° CE se aplica tanto às empresas cuja posição dominante foi declarada no que respeita aos seus fornecedores como às que são susceptíveis de se encontrar na mesma posição em relação aos seus clientes.
(v. n.os 101, 189)
5. O mercado geográfico a tomar em consideração para demonstrar a existência de uma eventual posição dominante pode ser definido como o território em que todos os operadores económicos se encontram em condições de concorrência similares ou suficientemente homogéneas, no que respeita, precisamente, aos produtos ou serviços em causa, sem que seja necessário que essas condições sejam perfeitamente homogéneas.
(v. n.° 108)
6. Um abuso de posição dominante cometido no mercado sectorial dominado, mas cujos efeitos se fazem sentir num mercado distinto em que a empresa em causa não detém uma posição dominante, pode estar abrangido pelo artigo 82.° CE, desde que esse mercado distinto tenha uma ligação suficientemente estreita com o primeiro.
Esse elemento de conexão pode existir, designadamente, entre, por um lado, o mercado dos serviços fornecidos pelos agentes de agências de viagens às companhias aéreas e, por outro, o mercado dos serviços de transporte aéreo garantidos por essas mesmas companhias relativamente às prestações vendidas aos viajantes através dos agentes de viagens.
(v. n.os 127, 130, 132)
7. O Regulamento n.° 3975/87, que estabelece o procedimento relativo às regras de concorrência aplicáveis às empresas do sector dos transportes aéreos, de natureza específica, aplica‑se unicamente às actividades que digam directamente respeito à prestação de serviços de transporte aéreo e não afasta, portanto, a aplicação do Regulamento n.° 17 no que respeita a essas actividades.
A este propósito, os acordos celebrados entre uma companhia aérea e os agentes de viagens, com vista ao fornecimento dos serviços dos referidos agentes a essa companhia, designadamente, a distribuição dos títulos de transporte, não devem ser considerados directamente relacionados com os serviços de transporte aéreo propriamente ditos e não entram, por conseguinte, no âmbito de aplicação do Regulamento n.° 3975/87.
(v. n.os 164, 165)
8. O conceito de exploração abusiva é um conceito objectivo que visa os comportamentos de uma empresa em posição dominante susceptíveis de influenciar a estrutura de um mercado, no qual, precisamente em consequência da presença da empresa em questão, o grau de concorrência já está enfraquecido, e que têm por efeito impedir, através do recurso a mecanismos diferentes dos que regulam a concorrência normal de produtos ou de serviços com base nas prestações dos operadores económicos, a manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou o desenvolvimento dessa concorrência.
Por conseguinte, embora a verificação da existência de uma posição dominante não acarrete, em si mesma, nenhuma censura em relação à empresa em causa, impõe‑lhe porém, independentemente das causas dessa posição, a responsabilidade especial de não atentar, pelo seu comportamento, contra uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum. Do mesmo modo, se a existência de uma posição dominante não priva uma empresa nessa posição do direito de preservar os seus interesses comerciais próprios quando estes estiverem ameaçados, e se essa empresa tem a faculdade, em termos razoáveis, de praticar os actos que julgue adequados à protecção dos seus interesses, esses comportamentos já não são, porém, admissíveis quando têm por objecto reforçar essa posição dominante e abusar dela.
(v. n.os 241‑243)
9. Os sistemas de descontos que impeçam os clientes de se abastecerem em concorrentes no mercado são contrários ao artigo 82.° CE se aplicados por uma empresa em posição dominante.
Assim, os sistemas de descontos de quantidade ligados exclusivamente ao volume de compras efectuadas a um produtor dominante, mesmo que, geralmente, não tenham por efeito impedir o abastecimento dos clientes nos concorrentes, mas façam beneficiar legalmente os clientes da redução dos custos de produção, são contrários ao mesmo artigo 82.° CE se os critérios e as modalidades de concessão desse desconto revelarem que o sistema não assenta numa contrapartida economicamente justificada, tendendo antes, à semelhança de um desconto de fidelidade e de objectivo, a impedir o abastecimento dos clientes em produtores concorrentes.
É esse o caso de um sistema de prémios de resultado aplicado por uma companhia aérea em posição dominante às comissões pagas aos agentes de viagens pela venda dos seus bilhetes, quando os prémios são calculados segundo um barómetro progressivo que pode aumentar exponencialmente em função do aumento de vendas de bilhetes e são aplicados às comissões relativas não só aos bilhetes vendidos posteriormente à realização de um certo objectivo de vendas mas a todos os bilhetes vendidos durante um período de referência. Com efeito, esse sistema de descontos não assenta numa contrapartida economicamente justificada e tem por efeito restringir tanto a liberdade de as agências de viagens fornecerem os seus serviços às companhias aéreas da sua escolha como o acesso destas últimas ao mercado dos referidos serviços de agência.
(v. n.os 245‑247, 272, 282)
10. Para efeitos do apuramento de uma violação do artigo 82.° CE, não é necessário demonstrar que o comportamento abusivo da empresa em posição dominante teve um efeito anticoncorrencial concreto nos mercados em causa. Basta, a este respeito, demonstrar que o comportamento tende a restringir a concorrência ou, por outras palavras, que é de natureza ou susceptível de ter tal efeito. Por conseguinte, quando uma empresa em posição dominante aplica efectivamente uma prática que provoca o afastamento dos seus concorrentes, a circunstância de o resultado esperado não ser alcançado não basta para afastar a qualificação de abuso de posição dominante na acepção do artigo 82.° CE.
(v. n.os 293, 294, 297)
11. Uma vez que o artigo 82.° CE reprime o mero atentado objectivo à própria estrutura da concorrência, uma empresa não pode contestar o montante da coima infligida, sustentando que não foi demonstrado um prejuízo em detrimento dos consumidores.
(v. n.° 311)
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)
17 de Dezembro de 2003 (*)
«Concorrência – Abuso de posição dominante – Competência da Comissão – Discriminação entre companhias aéreas – Mercado sectorial e geográfico pertinente – Elo de conexão entre os mercados sectoriais supostamente afectados – Base jurídica da decisão impugnada – Existência da posição dominante – Exploração abusiva da posição dominante – Proporcionalidade do montante da coima»
No processo T‑219/99,
British Airways plc, com sede em Waterside (Reino Unido), representada por W. Allan e O. Black, solicitors, W. Wood e H. Davies, barristers, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
recorrente,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada por M. Erhart, na qualidade de agente, assistido por A. Barav, barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo,
recorrida,
apoiada por
Virgin Atlantic Airways Ltd, com sede em Crawley (Reino Unido), representada por P. Binetter, solicitor, N. Green e C. West, barrister,
que tem por objecto um pedido de anulação, ao abrigo do artigo 230.° CE, da Decisão 2000/74/CE da Comissão, de 14 de Julho de 1999, relativa a um processo nos termos do artigo 82.° do Tratado CE (IV/D‑2/34.780 – Virgin/British Airways) (JO 2000, L 30, p. 1),
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção),
composto por: B. Vesterdorf, presidente, M. Jaeger e H. Legal, juízes,
secretário: J. Palacio González, administrador principal,
vistos os autos e após a audiência de 26 de Fevereiro de 2003,
profere o presente
Acórdão
Antecedentes do litígio
1 Nos termos do considerando 2 da Decisão 2000/74/CE da Comissão, de 14 de Julho de 1999, relativa a um processo nos termos do artigo 82.° do Tratado CE (IV/D‑2/34.780 – Virgin/British Airways) (JO 2000, L 30, p. 1, a seguir «decisão impugnada»), a British Airways plc (a seguir «BA») é a maior companhia aérea britânica. Explora, a partir dos aeroportos da região de Londres, uma rede de rotas regulares que abrange quinze destinos no Reino Unido e 155 destinos internacionais em 72 países. Em 1997, a BA ocupava a primeira posição mundial no que se refere ao número de passageiros‑quilómetros em voos internacionais regulares e a nona em termos de passageiros‑quilómetros transportados em voos regulares internacionais e domésticos.
2 Durante o exercício que terminou em 31 de Março de 1998, a BA realizou um volume de negócios consolidado de 8,642 mil milhões de libras esterlinas (GBP), tendo obtido um lucro líquido de 460 milhões de GBP. Durante o mesmo exercício, a BA empregou em média 60 675 trabalhadores.
3 A Virgin Atlantic Airways Ltd (a seguir «Virgin») é uma empresa privada, constituída segundo o direito inglês, que explora serviços regulares de transporte de passageiros em diversas rotas internacionais. Em 1997, ocupava a vigésima primeira posição mundial no que se refere ao número de passageiros‑quilómetros em voos internacionais regulares e a trigésima primeira em termos de passageiros‑quilómetros transportados em voos regulares internacionais e domésticos. Durante o exercício que terminou em 30 de Abril de 1998, a Virgin realizou um volume de negócios de cerca de 942 milhões de GBP. Em finais de 1997, empregava cerca de 4 522 trabalhadores.
4 A BA celebrou com as agências de viagens sediadas no Reino Unido e reconhecidas pela International Air Transport Association (IATA) acordos que lhes conferiam um direito a uma comissão fixa de base fundada nas vendas de bilhetes de avião BA efectuadas por essas agências. De 1976 a 1997, essa comissão foi de 9% no que toca às vendas de bilhetes internacionais e de 7,5% no que respeita às vendas de bilhetes nos voos domésticos.
5 Além deste sistema de comissões de base, a BA celebrou com as agências de viagens IATA acordos que compreendiam três sistemas de incentivos financeiros distintos: «acordos de marketing», «acordos globais» e, por último, uma comissão de «prémios de resultados».
Acordos de marketing e acordos globais
6 O primeiro sistema de incentivos instituído pela BA foram os «acordos de marketing», que permitiam a determinadas agências de viagens IATA estabelecidas no Reino Unido receber montantes para além da sua comissão de base, ou seja:
– um prémio de resultados, acrescido de determinados bónus especiais, com base no volume dos sectores em que são utilizados voos da BA;
– montantes pecuniários retirados de um fundo que as agências de viagens deviam afectar à formação do respectivo pessoal;
– montantes pecuniários retirados de um fundo de desenvolvimento empresarial constituído pela BA com vista ao aumento das suas receitas e cujos recursos deviam ser afectados por cada agência ao financiamento de acções promocionais em favor da BA.
7 Os acordos de marketing obrigavam igualmente as agências de viagens estabelecidas no Reino Unido a não tratar a BA de modo menos favorável do que o proporcionado a outra companhia aérea, designadamente no que respeita à publicidade dos seus preços, produtos, brochuras e horários.
8 Esses acordos de marketing, celebrados por um período de um ano, estavam, em princípio, reservados às agências de viagens IATA estabelecidas no Reino Unido e que realizassem mais de 500 000 GBP de vendas anuais de bilhetes BA (a seguir «receitas de voos»). As agências que realizassem receitas de voos anuais superiores a 500 000 GBP, mas inferiores a 10 milhões GBP, podiam celebrar um acordo de marketing tipo. As agências cujas receitas de bilhetes ultrapassassem 10 milhões de GBP celebravam um acordo de marketing negociado individualmente com a BA.
9 O prémio de resultados era calculado a partir de uma tabela progressiva, em função do aumento das receitas de voos BA realizadas por uma agência de viagens. Além do prémio de resultados geral, algumas rotas davam direito a um bónus especial de resultado.
10 O pagamento dos prémios de resultados ou do bónus especial dependia do aumento, pelas agências de viagens, das suas vendas de voos BA de um ano para o outro. Embora, de modo geral, nenhum desses dois prémios fosse pago a título de sectores percorridos em voos domésticos da BA no Reino Unido, esses percursos eram tomados em consideração para se apurar se os objectivos de vendas tinham sido alcançados, uma vez que estes últimos eram calculados em termos de receitas de voos globais, com a inclusão dos voos de longo curso, médio curso e domésticos.
11 Além dos acordos de marketing, a BA celebrou com três agências de viagens IATA um segundo tipo de acordos de incentivos (a seguir «acordos globais»). Para a época de Inverno 1992/1993, a BA elaborou, com três agências de viagens programas globais de incentivo que permitiam que recebessem comissões adicionais calculadas por referência ao aumento da quota da BA nas vendas das agências a nível mundial.
12 Em 9 de Julho de 1993, a Virgin apresentou uma queixa à Comissão relativa, nomeadamente, aos acordos de marketing.
13 A Comissão, no que respeita aos acordos de marketing que a BA celebrou com as agências de viagens estabelecidas no Reino Unido, decidiu instaurar um processo e adoptou, relativamente a essa empresa, uma comunicação das acusações, em 20 de Dezembro de 1996. Foram ouvidas as observações da BA numa audiência que teve lugar em 12 de Novembro de 1997.
Novo regime de prémios de resultados
14 Em 17 de Novembro de 1997, a BA enviou a todas as agências de viagens estabelecidas no Reino Unido um folheto no qual expunha as modalidades de um terceiro tipo de acordo de incentivos, que consistia num novo regime de prémios de resultados, aplicável a partir de 1 de Janeiro de 1998 (a seguir «novo regime de prémios de resultados»).
15 Além da nova taxa de comissão fixa de 7% sobre todos os bilhetes vendidos no Reino Unido, cada agência podia obter uma comissão adicional de até 3% no que se refere aos bilhetes em voos internacionais e de até 1% para os bilhetes em voos domésticos. A importância do elemento variável adicional nos bilhetes domésticos e internacionais dependia dos resultados da agência de viagens no que diz respeito à venda de bilhetes BA. O nível de resultados da agência de viagens era avaliado comparando as receitas totais das vendas de bilhetes BA emitidos pela agência num mês específico com as receitas do mês correspondente do ano anterior.
16 Por força do novo regime de prémios de resultados, cada ponto percentual de melhoria dos resultados que ultrapassasse a percentagem de referência de 95% traduzia‑se pela concessão à agência de viagens de um elemento variável adicional de 0,1%, que representava a comissão adicional sobre a venda dos bilhetes internacionais e que acrescia à comissão de base de 7%. Na venda de bilhetes de voos domésticos, o elemento variável era de 0,1% para qualquer aumento de 3% nas vendas acima da percentagem de referência de 95%. O elemento variável máximo que podia obter uma agência de viagens no âmbito do novo regime de prémios de resultados era de 3% nos bilhetes internacionais e de 1% nos bilhetes domésticos, quando o nível de resultados fosse de, pelos menos, 125% nos dois casos.
17 Assim, quando uma agência realizasse um resultado, num determinado mês, de 112%, o elemento variável para os bilhetes internacionais era de 1,7% [(112 – 95) x 0,1%] das receitas internacionais tomadas em consideração para o cálculo do prémio para esse mês. Por outro lado, para um mesmo nível de resultados, o elemento variável dos bilhetes domésticos era de 0,5% [(112 – 95) : 3 x 0,1%] das receitas domésticas tomadas em consideração para o cálculo do prémio para esse mês. Os pagamentos dos elementos variáveis do regime de prémios de resultados eram efectuados mensalmente.
18 O novo regime de prémios de resultados devia inicialmente ser aplicável até 31 de Março de 1999. No que se refere ao mês de Dezembro de 1997, a BA estabeleceu um período transitório que consistia em cumular o novo regime de prémios de resultados com as comissões tipo já existentes, de 9 e 7,5%, respectivamente, para os bilhetes internacionais e domésticos. Em 8 de Fevereiro de 1999, a BA anunciou que o regime não seria prorrogado para o ano de 1999/2000.
19 Em de 9 de Janeiro de 1998, a Virgin apresentou uma queixa complementar respeitante ao novo regime de prémios de resultados da BA. Em 12 de Março de 1998, a Comissão adoptou uma comunicação de acusações complementar contra esse novo regime.
Decisão da Comissão
20 Em 14 de Julho de 1999, a Comissão, com base no Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), adoptou a decisão impugnada, na qual considera que cada uma das rotas exploradas pela BA a partir e com destino aos aeroportos do Reino Unido é potencialmente um mercado de serviços de transporte aéreo distinto (considerando 80) e que o mercado geográfico relevante para o transporte aéreo é o mercado britânico (considerando 83).
21 Nos termos do considerando 31 da decisão impugnada, as agências de viagens prestam às companhias aéreas serviços que consistem em promover os transportes aéreos prestados pelas companhias aéreas, assistir os passageiros na escolha dos serviços de transporte adequados e realizar as tarefas administrativas de emissão dos bilhetes, recebendo o respectivo pagamento do passageiro e enviando‑o para a companhia aérea. Como contrapartida desses serviços, as companhias aéreas pagam às agências comissões com base nas vendas de bilhetes efectuadas através dessas agências.
22 A Comissão considera, em seguida, que a BA é um adquirente em posição dominante no mercado britânico dos serviços das agências de viagens aéreas, em virtude, designadamente, da percentagem que as vendas de bilhetes da BA representam no total das vendas de bilhetes de avião realizadas no território do Reino Unido através do regime de regularização para as agências de viagens que funciona através da IATA (considerandos 90 e 91).
23 Nos considerandos 29 e 30 da decisão impugnada, a Comissão esclarece, nos seguintes termos, as modalidades dos acordos de marketing e do novo regime de prémios de resultados:
«(29) Os regimes de comissões acima descritos, aplicáveis às agências de viagens, apresentam uma importante característica comum. Em todos os casos o cumprimento dos objectivos no que se refere ao crescimento das vendas conduz a um aumento da comissão paga sobre todos os bilhetes vendidos pela agência e não só sobre os bilhetes vendidos após ter sido alcançado o objectivo. Nos regimes MA, os bónus pecuniários pagos à agência de viagens por cada bilhete aumentam para todos os bilhetes vendidos. No regime PRS a comissão percentual paga aumenta para todos os bilhetes vendidos pelas agências de viagens. Tal significa que quando uma agência está prestes a atingir um dos limiares necessários para o aumento da taxa de comissão, a venda de um número relativamente reduzido de bilhetes BA adicionais poderá produzir um grande efeito sobre as suas receitas em termos de comissão. Inversamente, um concorrente da BA que deseje dar a uma agência de viagens um incentivo no sentido de desviar algumas vendas da BA em proveito próprio, terá de pagar uma taxa de comissão muito mais elevada do que a BA em todos os bilhetes vendidos para contrabalançar este efeito.
(30) Um exemplo ilustra este efeito dos regimes de comissões da BA. Imagine‑se que as vendas de bilhetes aéreos internacionais de uma agência de viagens se elevavam a 100 000 [GBP] por mês num determinado ano. Se esta agência vender por mês 100 000 [GBP] de bilhetes aéreos internacionais da BA obterá uma comissão fixa de 7% e ‘um prémio de resultados’ de 0,5% [(100% – 95%) x 0,1%], o que lhe proporciona uma receita total de comissões sobre as vendas de bilhetes aéreos internacionais de 7 500 [GBP] [100 000 x (7% + 0,5%)]. Se a agência de viagens desviar 1% das suas vendas de bilhetes internacionais para um concorrente da BA, o seu ‘prémio de resultados’ diminuirá para 0,4% [(99% – 95%) x 0,1%] e esta taxa reduzida será aplicada a todas as vendas de bilhetes da BA efectuadas por essa agência. As receitas de comissão das agências obtidas a partir da venda de bilhetes internacionais da BA desceriam para 7 326 [GBP] [99 000 x (7% + 0,4%)]. Uma redução de 1 000 [GBP] nas vendas de bilhetes internacionais da BA conduz a uma redução de 174 [GBP] de receitas de comissões. A taxa de comissão ‘marginal’ poderá avaliar‑se em 17,4%. Na prática, tal significa que um concorrente da BA que pudesse oferecer voos que compensassem as 1 000 [GBP] de vendas de bilhetes da BA teria de oferecer uma comissão de 17,4% sobre estes bilhetes para compensar a agência de viagens pela perda de receitas nas comissões da BA [em termos de receitas não pagas pela BA]. Embora a BA tenha também de oferecer esta taxa marginal de comissão elevada para aumentar a venda dos seus bilhetes, está numa posição de vantagem relativamente ao seu concorrente que tem de oferecer esta elevada comissão sobre todas as suas vendas [...]
Este efeito é tanto maior quanto menor for a percentagem dos bilhetes em questão relativamente às vendas de bilhetes da BA na agência de viagens consideradas como referência. Este efeito aumenta igualmente se a agência de viagens em questão não receber apenas comissões adicionais ao abrigo do PRS [regime de prémios de resultados] mas também bónus ao abrigo de um MA [acordo de marketing].»
24 A Comissão conclui, na decisão impugnada, que, ao aplicar os acordos de marketing e o novo regime de prémios de resultados às agências de viagens aéreas estabelecidas no Reino Unido, a BA abusou da posição dominante que detém no mercado britânico dos serviços das agências de viagens aéreas (considerando 96).
25 A aplicação, pela BA, dos seus regimes de prémios de resultados aos agentes de viagens estabelecidos no Reino Unido constitui um abuso de posição dominante na medida em que essa aplicação conduz, por um lado, a incentivar esses agentes a manter ou aumentar as suas vendas de bilhetes BA em vez de venderem os seus serviços aos concorrentes da BA, não sendo esses incentivos financeiros dependentes do volume das vendas em valores absolutos de bilhetes BA realizadas por esses agentes (considerando 102), e, por outro, a aplicar aos agentes em causa condições desiguais a transacções equivalentes (considerando 109).
26 Por último, a Comissão considera que o comportamento abusivo da BA no mercado britânico dos serviços das agências de viagens aéreas tem por efeito falsear a concorrência entre a BA e as outras companhias aéreas nos mercados britânicos dos serviços do transporte aéreo (considerandos 103 e 111).
27 Consequentemente, o dispositivo da decisão impugnada encontra‑se redigido nos seguintes termos:
«Artigo 1.°
A [BA] infringiu o artigo 82.° do Tratado ao aplicar regimes de comissão e outros incentivos a agências de viagens junto das quais adquire os seus serviços aéreos das agências de viagens no Reino Unido que, ao compensarem a fidelidade das agências de viagens e ao efectuarem discriminação entre agências de viagens, têm por objecto e efeito excluir concorrentes da BA dos mercados britânicos do transporte aéreo.
Artigo 2.°
Relativamente às infracções referidas no artigo 1.° é aplicada à [BA] uma coima de 6,8 milhões de euros.
[...]»
Tramitação processual
28 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 1 de Outubro de 1999, a BA interpôs recurso de anulação da decisão impugnada, que lhe fora notificada em 27 de Julho de 1999.
29 Por requerimento apresentado em 10 de Abril de 2000, a Virgin pediu para intervir no presente processo em apoio da Comissão.
30 Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 25 de Abril de 2000, a sociedade Air France também pediu para intervir no presente processo, em apoio do pedido de anulação da BA, alegando que o desenlace do presente litígio teria consequências no que respeita à posição que a Comissão deverá adoptar no quadro de um processo em que estão em causa os sistemas de incentivos comerciais aplicados pela Air France às agências de viagens.
31 Por despacho de 9 de Fevereiro de 2001, o pedido de intervenção da Virgin foi deferido, bem como o pedido da BA relativo ao tratamento confidencial, em relação à Virgin, de alguns documentos.
32 Em contrapartida, o pedido de intervenção da Air France foi indeferido com fundamento na sua falta de interesse para o desfecho do presente litígio, porquanto a eventual incidência do acórdão a proferir relativamente a uma decisão impugnada que a Comissão pode adoptar contra a Air France não faz parte do objecto do presente processo.
33 Por decisão do Tribunal de Primeira Instância, o juiz‑relator foi afectado à Primeira Secção, à qual o processo foi, por conseguinte, atribuído.
34 Com base no relatório preliminar do juiz‑relator, o Tribunal (Primeira Secção) decidiu dar início à fase oral do processo. No âmbito das medidas de organização do processo, convidou a BA e a Comissão a responder a determinadas questões. A BA e a Comissão deram satisfação a esses pedidos dentro dos prazos estabelecidos.
35 Na audiência de 26 de Fevereiro de 2003, foram ouvidas as alegações e as respostas das partes às perguntas formuladas pelo Tribunal.
Pedidos das partes
36 A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:
– anular a decisão impugnada, na sua integralidade;
– condenar a Comissão nas despesas.
37 A Comissão, apoiada pela Virgin, conclui pedindo que o Tribunal se digne:
– negar provimento ao recurso;
– condenar a recorrente nas despesas.
Questão de direito
38 Em apoio do seu recurso, a BA apresentou oito fundamentos através dos quais argui, respectivamente, a incompetência da Comissão, a violação do princípio da não discriminação, a definição errada do mercado sectorial e geográfico relevante, a inexistência de elo de conexão suficientemente estreito entre os mercados sectoriais alegadamente afectados, a adopção da decisão impugnada com fundamento numa base jurídica errónea, a inexistência de posição dominante, a inexistência de abuso de posição dominante e, por último, o carácter excessivo da coima.
Quanto ao primeiro fundamento, decorrente da incompetência da Comissão
Argumentos das partes
39 A BA sustenta que a Comissão, ao adoptar, em 14 de Julho de 1999, a decisão impugnada, excedeu a sua competência, pois os seus membros, que estavam demissionários desde 16 de Março de 1999 a fim de evitar uma moção de censura do Parlamento, só estavam habilitados a gerir os assuntos correntes, na acepção do artigo 201.° CE, aplicável por analogia, até à nomeação dos membros da nova Comissão, em 15 de Setembro de 1999.
40 As razões justificadoras da limitação das actividades da Comissão prevista no artigo 201.° CE, a principal das quais consiste na atribuição ao Parlamento do poder constitucional de retirar à Comissão o seu mandato político, são, pelo menos, tão válidas quando a demissão da Comissão como órgão é voluntária, como no caso em apreço, como quando dê seguimento a uma moção de censura do Parlamento.
41 Diferentemente da permanência em funções dos membros da Comissão até à sua substituição, prevista no artigo 215.°, quarto parágrafo, CE, que contempla a hipótese da ocorrência de vagas numa Comissão que prossegue o mandato para que foi nomeada, a noção de «assuntos correntes» que os membros da Comissão continuam a gerir ao abrigo do artigo 201.°, segundo parágrafo, CE apenas abrange as actividades quotidianas da Comissão. Estão excluídas quaisquer novas iniciativas políticas, como a decisão impugnada, a que a Comissão claramente pretendeu atribuir o valor de precedente aplicável às companhias aéreas que ocupam no mercado uma posição semelhante à da BA.
42 Mesmo admitindo que fosse aplicável, o artigo 215.° CE não confere competência à Comissão para adoptar a decisão impugnada. No seu primeiro parágrafo, essa disposição prevê que as funções de membro da Comissão cessam com a sua demissão. O termo «funções» abrange uma decisão relativa, como no caso em apreço, à aplicação do artigo 82.° CE, como decorre dos termos do artigo 213.°, n.° 2, CE, segundo o qual os membros da Comissão exercerão as suas funções com total independência.
43 A Comissão sustenta que, não existindo uma moção de censura do Parlamento, o artigo 201.° CE não é aplicável, ainda que por analogia, à demissão voluntária, mesmo simultânea, de todos os membros da Comissão, integrando essa hipótese o âmbito do artigo 215.° CE.
44 Não impondo esta última disposição qualquer restrição às suas atribuições, os membros da Comissão estão juridicamente habilitados, e obrigados, a exercer os poderes que lhes foram conferidos pelo Tratado até à nomeação dos seus sucessores.
45 De qualquer modo, a decisão impugnada não constitui uma nova iniciativa política e faz parte dos assuntos correntes da Comissão.
Apreciação do Tribunal
46 O artigo 201.° CE está redigido nos seguintes termos:
«Quando uma moção de censura sobre as actividades da Comissão for submetida à apreciação pelo Parlamento Europeu, este só pode pronunciar‑se sobre ela por votação pública e depois de decorridos pelo menos três dias sobre o depósito da referida moção.
Se a moção de censura for adoptada por maioria de dois terços dos votos expressos que representem a maioria dos membros que compõem o Parlamento Europeu, os membros da Comissão devem abandonar colectivamente as suas funções. Continuarão, porém, a gerir os assuntos correntes até à sua substituição, nos termos do artigo 214.° Neste caso, o mandato dos membros da Comissão designados para os substituir expira na data em que expiraria o mandato dos membros da Comissão obrigados a abandonar funções colectivamente.»
47 Por outro lado, o artigo 215.° CE dispõe:
«Para além das substituições normais e dos casos de morte, as funções de membro da Comissão cessam individualmente por demissão voluntária ou compulsiva.
O membro em causa será substituído por um novo membro, nomeado de comum acordo pelos Governos dos Estados‑Membros, pelo tempo que faltar para o termo do período de exercício das suas funções. O Conselho, deliberando por unanimidade, pode decidir pela não substituição durante esse período.
Em caso de demissão ou morte, o presidente é substituído pelo tempo que faltar para o termo do período de exercício das suas funções. É aplicável à substituição do presidente o procedimento previsto no n.° 2 do artigo 214.°
Excepto no caso de demissão compulsiva previsto no artigo 216.°, os membros da Comissão permanecem em funções até serem substituídos.»
48 Por ofício de 16 de Março de 1999, o presidente da Comissão, J. Santer, informou o presidente da Conferência dos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros da decisão de os membros da Comissão se demitirem colectivamente e de colocarem o seu mandato à disposição dos governos dos Estados‑Membros. Nesse ofício, o presidente e os membros da Comissão declararam que, por força, designadamente, do artigo 215.°, quarto parágrafo, CE, permaneceriam em funções até à sua substituição de acordo com os procedimentos previstos pelos Tratados.
49 Por declaração de 22 de Março de 1999, o Conselho, embora considerando ser necessário nomear uma nova Comissão o mais rapidamente possível, afirmou preferir que, até lá, os membros da Comissão continuassem a assumir as suas funções em conformidade com os Tratados.
50 Do artigo 201.° CE resulta que só se pode considerar que os membros da Comissão foram «obrigados a abandonar funções colectivamente», na acepção da última frase do seu segundo parágrafo, se o Parlamento tiver anteriormente aprovado uma moção de censura, nas condições definidas nessa mesma disposição.
51 Não existindo, como no caso em apreço, tal moção, as demissões individuais, ainda que simultâneas, de todos os membros da Comissão consubstanciam uma situação que escapa às previsões do artigo 201.° CE.
52 A circunstância de os membros da Comissão terem reconhecido a sua responsabilidade política demitindo‑se colectivamente não tem, juridicamente, qualquer pertinência para o efeito. No quadro do sistema de competências da Comunidade, a escolha do fundamento jurídico de um acto não pode depender somente da convicção de uma instituição, mas deve fundar‑se em elementos objectivos, susceptíveis de controlo jurisdicional (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Março de 1987, Comissão/Conselho, 45/86, Colect., p. 1493, n.° 11).
53 Assim, há que considerar que as funções dos membros da Comissão interessados cessaram com a sua demissão individual voluntária, na acepção do artigo 215.°, primeiro parágrafo, CE, não podendo a simultaneidade dessas demissões individuais pôr em causa a natureza voluntária de cada uma delas.
54 De resto, como resulta do seu preâmbulo, a Decisão 1999/627/CE, CECA, Euratom, dos Representantes dos Governos dos Estados‑Membros das Comunidades Europeias, de 15 de Setembro de 1999, que nomeia o presidente e os membros da Comissão das Comunidades Europeias (JO L 248, p. 30), funda‑se, designadamente, no artigo 215.° CE.
55 Ao precisar, no artigo 215.°, primeiro parágrafo, CE, que as funções de membro da Comissão cessam com a sua demissão, os autores do Tratado apenas quiseram definir as causas jurídicas da cessação das funções dos membros da Comissão durante o seu mandato, sem, no entanto, proibir aos membros demissionários o exercício das suas atribuições normais até que produza efeitos a sua demissão voluntária na data da sua substituição efectiva.
56 Conclui‑se que os interessados permaneceram «em funções até serem substituídos», em 15 de Setembro de 1999, de acordo com o estabelecido no artigo 215.°, quarto parágrafo, CE. Assim, conservaram até essa data a plenitude das suas competências.
57 Por conseguinte, a Comissão não excedeu a sua competência ao adoptar a decisão impugnada, em 14 de Julho de 1999.
58 Assim, há que negar provimento ao primeiro fundamento.
Quanto ao segundo fundamento, decorrente da violação do princípio da não discriminação
Argumentos das partes
59 A BA acusa a Comissão de ter infringido o princípio da não discriminação e de a ter colocado numa posição concorrencial muito desfavorável ao proibi‑la, na decisão impugnada, de aplicar os seus regimes de prémios de resultados às agências de viagens estabelecidas no Reino Unido, sem adoptar uma decisão similar relativamente a outras companhias aéreas que ocupam uma posição pelo menos tão importante quanto aquela que a Comissão atribui à BA e que aplique os mesmos regimes de incentivos financeiros.
60 O facto de ter havido uma queixa precedente da Virgin não justificava a tomada de uma decisão de instaurar um processo de infracção apenas à BA. O poder discricionário de que dispõe a Comissão de afectar os seus recursos aos assuntos pendentes não permite autorizar uma discriminação, designadamente quando esta produz por si mesma efeitos anticoncorrenciais em detrimento da empresa objecto do processo.
61 A Comissão de modo algum considera que a adopção da decisão impugnada seis anos após a apresentação da queixa da Virgin seja discriminatória. Considera que dispõe de um poder de apreciação para atribuir, em função do respectivo interesse comunitário, graus de prioridade diferentes aos assuntos que lhe são submetidos (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1992, Automec/Comissão, T‑24/90, Colect., p. II‑2223, n.° 77).
62 De acordo com o comunicado de imprensa relativo aos «princípios que regem as comissões das agências de viagens», publicado no dia em que a decisão impugnada foi adoptada, esta última representa uma primeira fase do tratamento das comissões pagas por companhias aéreas às agências de viagens. Os princípios fixados nesse comunicado também fornecem indicações claras a todas as outras companhias aéreas em situação semelhante à da BA e a Comissão deveria tomar todas as medidas necessárias para que as outras companhias aéreas que estivessem em situações equivalentes respeitassem esses princípios.
63 A decisão impugnada não produz efeitos negativos em prejuízo da BA noutros mercados geográficos que não o britânico. Quando não detenha, nesses mercados, uma posição dominante, a BA pode servir‑se de regimes de incentivos financeiros para contrariar os utilizados por uma empresa concorrente.
64 Além disso, a oferta originária de outras companhias aéreas que aplicam, no território do Reino Unido, diversos regimes de prémios às agências de viagens aéreas não tem incidência na decisão impugnada. Esta última diz respeito à BA enquanto empresa dominante no mercado britânico dos serviços das agências de viagens aéreas, em razão da especial responsabilidade que lhe cabe nessa qualidade.
Apreciação do Tribunal
65 Para que se possa imputar à Comissão ter cometido uma discriminação, é necessário que tenha tratado de maneira diferente situações comparáveis, desfavorecendo dessa forma certos operadores em relação a outros, sem que essa diferença de tratamento se justifique pela existência de diferenças objectivas de certa importância (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Julho de 1999, Wirtschaftsvereinigung Stahl/Comissão, T‑106/96, Colect., p. II‑2155, n.° 103).
66 O facto de um operador que estava numa situação semelhante à de um recorrente não ter sido objecto de qualquer declaração de infracção pela Comissão não pode em caso algum afastar a infracção imputada a esse recorrente, desde que tenha sido correctamente comprovada (acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1993, Ahlström e o./Comissão, C‑89/85, C‑104/85, C‑114/85, C‑116/85, C‑117/85 e C‑125/85 a C‑129/85, Colect., p. I‑1307, n.° 146).
67 Além disso, o fundamento baseia‑se na simples alegação, nunca provada, da ilegalidade, à luz dos artigos 81.° CE e 82.° CE, dos sistemas de incentivos financeiros que as companhias aéreas concorrentes da BA aplicam às agências de viagens.
68 Além disso, abstraindo de que a decisão impugnada é a consequência da queixa apresentada pela Virgin contra a BA em 1993, a Comissão pode, para velar eficazmente pela aplicação das regras comunitárias em matéria de concorrência, conceder, no caso em apreço, graus de prioridade diferentes às denúncias submetidas à sua apreciação (acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Março de 1999, Ufex e o./Comissão, C‑119/97 P, Colect., p. I‑1341, n.° 88), em função do respectivo interesse comunitário, avaliado à luz das circunstâncias de cada caso e, designadamente, dos elementos de facto e de direito que lhe foram apresentados (acórdão Automec/Comissão, referido no n.° 61 supra, n.° 86).
69 A este respeito, a Comissão é obrigada a apreciar, em cada caso, a gravidade das restrições de concorrência alegadas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 1999, SGA/Comissão, T‑189/95, T‑39/96 e T‑123/96, Colect., p. II‑3587, n.° 53), bem como a precedência, como no caso em apreço, da denúncia que lhe foi apresentada. Com efeito, cabe à Comissão, dentro de um prazo razoável, levar a termo os seus processos de instrução (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Outubro de 1997, SCK e FNK/Comissão, T‑213/95 e T‑18/96, Colect., p. II‑1739, n.os 55 e 56).
70 Quando é confrontada com uma situação, como a em apreço, em que numerosos elementos permitem suspeitar de actuações contrárias ao direito da concorrência por parte de diversas grandes empresas pertencentes ao mesmo sector económico, a Comissão tem o direito de concentrar os seus esforços numa das empresas em causa, convidando ao mesmo tempo os operadores económicos supostamente lesados pelo eventual comportamento infractor das outras empresas a recorrer às autoridades nacionais (v., neste sentido, acórdão SGA/Comissão, referido no n.° 69 supra, n.° 59).
71 Por último, a Comissão afirmou na audiência, sem a esse respeito ser contrariada pela BA, ter iniciado processos de instrução contra oito companhias aéreas, na sequência de queixas apresentadas pela BA em Junho e Setembro de 1998, e ter informado a BA, por ofício de 6 de Fevereiro de 2003, da sua intenção de pôr termo a esses processos.
72 Cabe à BA, portanto, se considerar justificar‑se, apresentar as suas observações a esse respeito à Comissão e contestar uma eventual decisão da Comissão de não dar seguimento às suas queixas.
73 O segundo fundamento não pode, portanto, ser acolhido.
Quanto ao terceiro fundamento, decorrente da errada definição do mercado sectorial e geográfico relevante
74 Como resulta da decisão impugnada (v. n.° 22, supra), a Comissão considerou que o mercado relevante, para efeitos da determinação da posição dominante da BA, era o mercado britânico dos serviços das agências de viagens aéreas.
Argumentos das partes
75 A BA contesta esta análise da Comissão ao sustentar que, mesmo que se admita que exista, o mercado dos serviços prestados às companhias aéreas pelas agências de viagens não pode constituir, nas circunstância do caso em apreço, o mercado sectorial em causa.
76 A Comissão imputou as restrições de concorrência detectadas nos regimes de prémios de resultados controvertidos à posição que a BA detém enquanto comprador dos serviços fornecidos pelas agências de viagens estabelecidas no Reino Unido. Ao proceder assim, a Comissão afastou‑se, por um lado, do seu método habitual de definição do mercado em causa, antecipando assim o juízo sobre a verificação de uma posição dominante e, afinal, de um abuso e, por outro, a sua comunicação relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência (JO 1997, C 372, p. 5).
77 As agências de viagens representam um canal de distribuição que permite às companhias aéreas vender lugares nos seus voos e que lhes assegura uma função de retalhistas. Ora, nos mercados dos produtos de marca, a natureza da concorrência é apreciada considerando‑se relevantes os mercados dos produtos considerados e não os da compra dos serviços de venda a retalho fornecidos pelos pontos de venda utilizados pelos fabricantes para comercializar os seus produtos.
78 A posição da BA relativamente às agências de viagens não dá uma boa perspectiva para apreciar a sua importância no mercado. Para definir o mercado sectorial em causa, com o objectivo de apreciar os efeitos das vantagens financeiras concedidas às agências de viagens sobre a concorrência, há que determinar se um fornecedor único de serviços de transporte aéreo numa determinada rota pode aumentar utilmente os seus preços.
79 Como a Comissão admitiu nos considerandos 80 e 81 da decisão impugnada, a resposta depende do facto de os viajantes que desejam seguir uma rota determinada considerarem que outras rotas são substitutos efectivos. A Comissão adoptou esta perspectiva quando examinou o transporte aéreo de pessoas em direcção e provenientes do Reino Unido, mas considerou erradamente que existia um mercado distinto dos serviços de agências de viagens aéreas.
80 A BA sustenta que, na óptica da Comissão, embora o mercado dos serviços de distribuição de bilhetes de avião garantidos pelas agências de viagem deva diminuir até se tornar insignificante, continua a ser o mercado em causa. Ora, segundo a BA, as outras formas de distribuição opõem‑se à conclusão da existência de um poder sobre esse mercado de uma companhia aérea mesmo que detenha uma parte preponderante da distribuição de bilhetes através de agências.
81 Além disso, embora existam quatro séries de destinos (Estados‑Unidos, Europa, África e Extremo Oriente) e um único prestador de serviços de transporte aéreo para cada um deles, cada companhia aérea está em condições de exercer um poder substancial nas suas próprias rotas, sem sofrer a pressão das outras companhias. Ora, segundo a análise da Comissão, nenhuma dessas companhias está necessariamente em posição dominante no que respeita à aquisição dos serviços de agências de viagens, dado que cada uma só representa 25% da compra desses serviços.
82 Por último, uma companhia aérea que não esteja em posição dominante no mercado dos serviços das agências de viagens aéreas, mas que por si só garanta o serviço de uma rota determinada ou de um pequeno conjunto de rotas, pode actuar de forma totalmente independente dos seus concorrentes e agentes nessas mesmas linhas. Todavia, segundo a análise da Comissão, esta situação não é abrangida pelo artigo 82.° CE.
83 A BA acrescenta que, mesmo que os serviços das agências de viagens aéreas constituam o mercado sectorial em causa, o mercado geográfico relevante era maior do que o território do Reino Unido. Grande número de importantes agências de viagens operam em diversos países. Além disso, as agências de viagens relacionam‑se cada vez mais com as companhias aéreas à escala internacional, como o demonstram os acordos globais celebrados pela BA com algumas agências.
84 A Comissão recorda que, nos termos do considerando 31 da decisão impugnada, as agências de viagens actuam como agentes das companhias aéreas, na qualidade de intermediárias independentes que exercem uma actividade de prestação de serviços autónoma (acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Outubro de 1987, VVR, 311/85, Colect., p. 3801, n.° 20).
85 Os serviços das agências de viagens aéreas, pagos pelas companhias aéreas sob forma de comissão em função das emissões dos seus bilhetes, consistem em fazer publicidade das companhias aéreas co‑contratantes, ajudar os passageiros a escolher as companhias e os voos adequados, emitir bilhetes, receber o respectivo pagamento e enviá‑lo às companhias aéreas.
86 Nada impede que se declare a existência de um abuso de posição dominante cometido por um adquirente dominante, que não escapa ao direito comunitário da concorrência.
87 A Comissão recorda ter qualificado de mercado distinto os serviços de agências de viagens aéreas [Decisão 91/480/CEE da Comissão, de 30 de Julho de 1991, relativa a um processo de aplicação do artigo [81.°] do Tratado CEE (Processo IV/32.659 – Programa IATA de agência de passageiros) (JO L 258, p. 18)], bem como outros mercados ligados às viagens aéreas, como os sistemas informatizados de reserva de viagens aéreas [Decisão 88/589/CEE da Comissão, de 4 de Novembro de 1988, relativa a um processo de aplicação do artigo [82.°] do Tratado (IV/32.318, London European – Sabena) (JO L 317, p. 47)].
88 Por último, o facto de o mercado geográfico em causa estar limitado ao Reino Unido é justificado pelos diversos elementos de localização das actividades em causa no território britânico. Em especial, os clientes reservam normalmente os seus bilhetes no seu país de residência e as relações entre as agências de viagens e as companhias aéreas são estabelecidas país por país.
Apreciação do Tribunal
89 Na decisão impugnada, a Comissão considerou que o mercado sectorial a tomar em consideração, para efeitos da prova da posição dominante da BA, inclui os serviços que as companhias aéreas compram aos agentes de viagens para fins de comercialização e distribuição dos seus bilhetes de avião (considerando 72). No entender da Comissão, esta prática das companhias aéreas conduz à criação de um mercado dos serviços das agências de viagens aéreas distinto dos mercados do transporte aéreo.
90 Por outro lado, a Comissão considerou que o mercado geográfico relevante era, no caso em apreço, o território do Reino Unido, devido à dimensão nacional da actividade das agências de viagens.
91 Deve recordar‑se que, segundo jurisprudência bem assente (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 37; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Março de 2000, Kish Glass/Comissão, T‑65/96, Colect., p. II‑1885, n.° 62, confirmado no recurso interposto desse acórdão do Tribunal de Primeira Instância pelo despacho do Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 2001, Kish Glass/Comissão, C‑241/00 P, Colect., p. I‑7759), para efeitos do exame da posição, eventualmente dominante, de uma empresa em determinado mercado sectorial, as possibilidades de concorrência devem ser apreciadas no âmbito do mercado que agrupa o conjunto dos produtos ou serviços que, em função das suas características, são particularmente aptos à satisfação das necessidades constantes e pouco substituíveis por outros produtos ou serviços. Além disso, dado que a determinação do mercado em causa serve para avaliar se a empresa em questão tem a possibilidade de obstar à manutenção de uma concorrência efectiva e de se comportar, em medida apreciável, independentemente dos seus concorrentes e, no caso em apreço, dos seus prestadores de serviços, não é possível, para este efeito, limitar‑se ao exame unicamente das características objectivas dos serviços em questão, devendo as condições da concorrência e a estrutura da procura e da oferta no mercado ser igualmente tomadas em consideração.
92 Dos diversos articulados da BA infere‑se que ela própria reconhece a existência de um mercado autónomo dos serviços de agências de viagens aéreas, pois afirma, no n.° 11.34 da sua petição, que as próprias agências de viagens operam num mercado competitivo concorrenciando‑se mutuamente a fim de prestar o melhor serviço possível aos seus clientes.
93 A este respeito, embora os agentes de viagens actuem por conta das companhias aéreas, que assumem todos os riscos e vantagens ligados ao próprio serviço de transporte e que celebram directamente com os viajantes os contratos de transporte, não deixam de ser intermediários independentes que exercem uma actividade de prestação de serviços autónoma (v., neste sentido, acórdão VVR, referido no n.° 84 supra, n.° 20).
94 Como a Comissão sublinhou no considerando 31 da decisão impugnada, esta actividade específica das agências de viagem consiste, por um lado, em aconselhar os potenciais viajantes, reservar e emitir os bilhetes de avião, cobrar o preço do transporte e enviar o montante às companhias aéreas e, por outro, em assegurar a essas companhias serviços de publicidade e de promoção comercial.
95 A este respeito, a própria BA sustenta que, para as companhias aéreas, as agências de viagem são e continuarão a ser, pelo menos a curto prazo, um canal de distribuição vital que lhes permite vender com eficácia lugares nos voos que propõem e que existe uma dependência mútua entre as agências de viagens e as companhias aéreas que não estão em condições de, sozinhas, comercializar utilmente as suas prestações de transporte aéreo.
96 Como a BA também observou, as agências de viagens oferecem um leque maior de ligações aéreas, horários de partida e de chegada do que aquele que pode ser proposto por qualquer companhia aérea. As agências de viagens filtram as informações relativas aos diferentes voos em benefício dos viajantes confrontados com a proliferação das diferentes estruturas de tarifas de transporte aéreo, que procedem dos sistemas de tarificação em tempo real praticados pelas companhias aéreas.
97 A BA reconheceu, por outro lado, que o papel que as agências de viagens desempenham na distribuição dos bilhetes de avião explica que as companhias aéreas tentem oferecer‑lhes vantagens para que vendam lugares nos seus voos. A natureza insubstituível dos serviços que as agências de viagens prestam às companhias aéreas é demonstrado por todos os montantes pecuniários que estas lhes atribuem.
98 Por último, a própria BA sublinhou que as agências de viagens importantes negociam individualmente acordos de distribuição de bilhetes de avião e que estão, portanto, em condições de fazer actuar a concorrência entre as companhias aéreas.
99 Esta especificidade dos serviços que as agências de viagens prestam às companhias aéreas, sem que estas possam seriamente considerar a possibilidade de substituírem as agências para executarem os mesmos serviços, é corroborada pelo facto de que, quando da ocorrência dos factos em causa, 85% dos bilhetes de avião vendidos no território do Reino Unido eram comercializados pelas agências de viagens.
100 Assim, há que considerar que os serviços das agências de viagens aéreas representam uma actividade económica que, quando da tomada da decisão impugnada, as companhias aéreas não podiam substituir por outra forma de distribuição dos seus bilhetes e que constituem, por conseguinte, um mercado de serviços distinto do do transporte aéreo.
101 Quanto à circunstância de as restrições de concorrência que a Comissão imputa aos regimes de prémios de resultados da BA resultarem da posição que a BA detém enquanto adquirente, mas não fornecedor, de serviços de agências de viagens aéreas, ela é irrelevante na perspectiva da definição do mercado relevante. Com efeito, o artigo 82.° CE aplica‑se tanto às empresas, como no caso em apreço, cuja posição dominante foi declarada no que respeita aos seus fornecedores como às que são susceptíveis de se encontrar na mesma posição em relação aos seus clientes.
102 Aliás, a própria BA admitiu na audiência ser possível, tanto a um vendedor como a um adquirente, deter uma posição dominante na acepção do artigo 82.° CE.
103 Conclui‑se que a BA não podia validamente sustentar que, para definir o mercado sectorial em causa, com o objectivo de apreciar os efeitos das vantagens financeiras que concede às agências de viagens estabelecidas no Reino Unido sobre a concorrência, era necessário determinar se um fornecedor único de serviços de transporte aéreo numa linha determinada podia aumentar utilmente os seus preços.
104 Este parâmetro, eventualmente pertinente na perspectiva de cada linha aérea, não permite medir o poder económico da BA, na sua qualidade, não de prestador de serviços de transporte aéreo, mas de adquirente de serviços de agências de viagens, no conjunto das linhas com partida e destino dos aeroportos britânicos, em relação a todas as outras companhias aéreas consideradas na mesma qualidade de adquirentes de serviços de agências de viagens aéreas, por um lado, e aos agentes de viagens estabelecidos no Reino Unido, por outro.
105 Por conseguinte, são irrelevantes as objecções que a BA formulou no que respeita à pertinência do mercado sectorial considerado pela Comissão e decorrentes da eventual marginalização da distribuição de bilhetes de avião por intermédio das agências de viagens, à especialização exclusiva das companhias aéreas por destinos geográficos e à independência de comportamento de uma eventual companhia aérea que possua um monopólio sobre determinadas linhas.
106 Estes argumentos são extraídos de situações hipotéticas ou estranhas às condições de concorrência existentes no mercado sectorial em causa, constituído pelos serviços de agências de viagens aéreas, tanto entre as agências prestadoras de serviços como entre as companhias aéreas que beneficiam desses serviços.
107 Assim, foi sem cometer qualquer erro de apreciação que a Comissão qualificou de relevante o mercado sectorial dos serviços fornecidos pelas agências de viagens em benefício das companhias aéreas, a fim de determinar se a BA aí possui uma posição dominante enquanto cliente dessas prestações.
108 Quanto ao mercado geográfico a tomar em consideração, resulta de jurisprudência constante que pode ser definido como o território em que todos os operadores económicos se encontram em condições de concorrência similares ou suficientemente homogéneas, no que respeita, precisamente, aos produtos ou serviços em causa, sem que seja necessário que essas condições sejam perfeitamente homogéneas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, T‑83/91, Colect., p. II‑755, n.° 91, confirmado no recurso interposto desse acórdão do Tribunal de Primeira Instância pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, C‑333/94 P, Colect., p. I‑5951).
109 Ora, não é de modo algum contestável que, na maior parte dos casos, os viajantes reservem os bilhetes de avião nos seus países de residência. Embora a BA tenha sustentado que nem todos os bilhetes vendidos por agências de viagens no Reino Unido são para residentes desse país, reconheceu que as transacções ocorridas fora do Reino Unido não podiam ser quantificadas.
110 Além disso, como a Comissão indicou no considerando 83 da decisão impugnada, sem que isso tivesse sido contestado pela BA, as regras da IATA sobre a utilização dos cupões dos bilhetes de avião impedem que os bilhetes vendidos fora do território do Reino Unido sejam utilizados em voos a partir de aeroportos britânicos.
111 Como a distribuição dos títulos de transporte aéreo se efectua a nível nacional, isto leva a que as companhias aéreas adquiram habitualmente os serviços de distribuição desses títulos numa base nacional, como o comprovam as convenções que a BA assinou para o efeito com as agências de viagens estabelecidas no Reino Unido.
112 Também não foi posto em causa que as companhias aéreas estruturam os seus serviços comerciais à escala nacional, que o tratamento dos bilhetes de avião pelas agências de viagens se efectua no quadro dos planos nacionais de regularizações bancárias da IATA e, no caso em apreço, por intermédio do plano de regularização bancária para o Reino Unido (Billing and Settlement Plan for the United Kingdom, a seguir «BSPUK»).
113 Além disso, a BA não pôs em causa a afirmação da Comissão segundo a qual a BA aplica os seus regimes de prémios de resultados às agências de viagens estabelecidas no Reino Unido uniformemente em todo o território desse Estado‑Membro.
114 A BA também não contestou que os incentivos financeiros controvertidos só se aplicam às vendas de bilhetes BA realizadas no Reino Unido, embora esses incentivos se inscrevam em convenções celebradas com agências de viagens cujas actividades abrangem mais de um Estado‑Membro.
115 Contrariamente ao que ela sustenta, a celebração pela BA de acordos globais com determinadas agências de viagens não demonstra que estas se relacionam cada vez mais com as companhias aéreas à escala internacional. Como resulta do considerando 20 da decisão impugnada, não posto em causa pela BA, esses acordos globais só foram celebrados com três agências de viagens e apenas para o Inverno de 1992/1993. Além disso, esses acordos apenas foram simplesmente aditados aos acordos locais celebrados nos países em causa.
116 Assim, não foi erradamente que a Comissão considerou o mercado do Reino Unido como mercado geográfico relevante, para demonstrar que a BA aí detinha uma posição dominante enquanto adquirente dos serviços de agências de viagens aéreas prestados pelas agências estabelecidas no Reino Unido.
117 Segue‑se que o fundamento decorrente da errada definição do mercado sectorial e geográfico relevante não pode ser acolhido.
Quanto ao quarto fundamento, decorrente da inexistência do necessário elo de conexão entre os mercados sectoriais afectados
118 Na decisão impugnada, a Comissão concluiu que as práticas controvertidas produziram efeitos em diversos mercados. Como designadamente resulta dos considerandos 111 e 112 da decisão impugnada, a Comissão considerou que os regimes de prémios de resultados aplicados pela BA davam azo, no mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas, a uma discriminação entre agências de viagens estabelecidas no Reino Unido, no sentido, por um lado, de reduzir a quantidade de serviços de agências de viagens aéreas prestados às outras companhias e, por outro, de submeter a prestação desses serviços a condições mais desfavoráveis. Este comportamento abusivo da BA no mercado dos serviços das agências de viagens aéreas produzia, além disso, nos mercados britânicos do transporte aéreo, graves efeitos anticoncorrenciais em detrimento das companhias aéreas concorrentes da BA (considerandos 103 e 113).
Argumentos das partes
119 A BA sustenta que não existe o elo de conexão suficientemente estreito, exigido pelo artigo 82.° CE, entre, por um lado, o mercado britânico dos serviços das agências de viagens aéreas, alegadamente dominado pela BA, e, por outro, os mercados britânicos do transporte aéreo, onde a BA não ocupa uma posição dominante.
120 A análise da Comissão é «circular» na medida em que considera que o sucesso da BA nos mercados britânicos do transporte aéreo implica uma posição dominante da BA no mercado britânico dos serviços das agências de viagens, cuja exploração abusiva teria repercussões prejudiciais nos primeiros mercados.
121 Além disso, as partes que a BA detém nos mercados britânicos do transporte aéreo eram demasiado pequenas para suscitar preocupações e a sua qualidade de adquirente de serviços de agências de viagens no Reino Unido não lhe permitia controlar a prestação desses serviços.
122 A Comissão considera ter identificado o mercado constituído pelos serviços das agências de viagens aéreas estabelecidas no Reino Unido, em que a BA ocupa uma posição dominante, de que abusou devido à discriminação ilegal efectuada entre esses operadores e ao efeito de exclusão que o seu comportamento produziu nesse mesmo mercado. Também foram tidos em consideração os efeitos de exclusão que esse abuso produziu relativamente às companhias aéreas concorrentes nos mercados sectoriais do transporte aéreo a partir e com destino ao Reino Unido.
123 O Tribunal sublinhou que o artigo 82.° CE não contém qualquer indicação explícita no que diz respeito às exigências atinentes à localização do abuso no mercado dos produtos ou serviços (acórdão de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, referido no n.° 108 supra, n.° 113), e o Tribunal de Justiça considerou que a apreciação do Tribunal de Primeira Instância, sob esse aspecto, não podia ser contestada (acórdão de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, referido no n.° 108 supra, n.° 24).
124 Embora o caso em apreço seja diferente do processo que esteve na origem do acórdão de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, referido no n.° 108 supra, na medida em que o abuso de posição dominante cometido pela BA produziu efeitos tanto a nível do mercado dominado como em outros mercados, é indiscutível que o mercado britânico dos serviços das agências de viagens aéreas está estreitamente relacionado com os mercados do transporte aéreo a partir, no interior e com destino ao Reino Unido.
125 A interveniente Virgin recorda que a BA contestou a autonomia do mercado dos serviços das agências de viagens aéreas relativamente ao dos transportes aéreos. A BA também não pode, portanto, sustentar que esses dois mercados são totalmente separados, não existindo qualquer relação entre eles.
126 A Virgin acrescenta que a capacidade das agências de viagens para influenciar de forma determinante a escolha de uma companhia aérea pelo viajante não pode ser seriamente contestada. Também os prémios que as companhias aéreas lhes pagam influenciam consideravelmente os modos de reserva relativamente aos viajantes que lhes confiam a escolha da companhia aérea.
Apreciação do Tribunal
127 Um abuso de posição dominante cometido no mercado sectorial dominado, mas cujos efeitos se fazem sentir num mercado distinto em que a empresa em causa não detém uma posição dominante, pode estar abrangido pelo artigo 82.° CE, desde que esse mercado distinto tenha uma ligação suficientemente estreita com o primeiro (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 6 de Março de 1974, Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão, 6/73 e 7/73, Colect., p. 119, n.° 22, e de 3 de Outubro de 1985, CBEM, 311/84, Recueil, p. 3261, n.° 26).
128 No caso em apreço, os regimes de prémios de resultados controvertidos inscrevem‑se num conjunto de convenções que a BA celebrou com as agências de viagens estabelecidas no Reino Unido, para efeitos da prestação de serviços de agências de viagens aéreas, nomeadamente a emissão dos seus títulos de transporte aos viajantes, e da prestação dos serviços anexos de publicidade e de promoção comercial.
129 Como já referido supra, aceita‑se que as agências de viagens aéreas asseguram uma função de retalhista e que, pelo menos a curto prazo, conservarão esse papel de importância vital para as companhias aéreas.
130 As prestações que as companhias aéreas vendem aos viajantes através dos agentes de viagens estabelecidos no Reino Unido são constituídas pelos serviços de transporte aéreo nos voos regulares que essas companhias asseguram a partir e com destino a aeroportos britânicos.
131 O Tribunal recorda, a este respeito, que, quando da ocorrência das práticas controvertidas da BA, 85% dos bilhetes de avião vendidos no Reino Unido eram escoados através de agências de viagens aéreas.
132 Assim, existe um elo de conexão indiscutível entre, por um lado, os serviços de agências de viagens aéreas fornecidos às companhias aéreas pelos agentes estabelecidos no Reino Unido e, por outro, os serviços de transporte aéreo garantidos por essas companhias nos mercados britânicos do transporte aéreo constituídos pelas linhas aéreas com partida e destino nos aeroportos do Reino Unido.
133 De resto, o argumento da BA repousa na premissa de que existe esse elo de conexão entre os mercados em causa. Com efeito, a BA sublinha, no n.° 10.28 da sua petição, que a recusa de uma agência em assegurar a promoção dos seus voos é susceptível de lhe acarretar uma perda comercial absoluta. Ora, esse lucro cessante só se pode materializar através de uma redução do número das emissões dos títulos de transporte em favor da BA.
134 Inversamente, a BA sublinha, no n.° 4.39 da sua petição, que, desde que possam implicar um aumento da procura de serviços de transporte aéreo, as vantagens concedidas pelas companhias aéreas às agências de viagens conduzem a economias de custos significativas.
135 Foi pois correctamente que a Comissão reconheceu existir o elo de conexão exigido pelo artigo 82.° CE, entre o mercado britânico dos serviços de agências de viagens que as companhias aéreas adquirem às agências de viagens e os mercados britânicos do transporte aéreo.
136 Nestas condições, o quarto fundamento não pode ser acolhido.
Quanto ao quinto fundamento, decorrente do erro da base jurídica
137 O Regulamento n.° 17, com base no qual a decisão impugnada foi adoptada, constitui o primeiro regulamento de aplicação dos artigos 81.° CE e 82.° CE e fixa o quadro jurídico geral da execução dessas duas disposições.
138 Nos termos do artigo 1.° do Regulamento n.° 141 do Conselho, de 26 de Novembro de 1962, relativo à não aplicação do Regulamento n.° 17 do Conselho ao sector dos transportes (JO 1962, 124, p. 2751, EE 07 F1 p. 57), «o Regulamento n.° 17 não se aplica aos acordos, decisões e práticas concertadas no sector dos transportes que tenham por objectivo ou por efeito a fixação de preços e condições de transporte, a limitação ou o controlo da oferta de transportes ou a repartição dos mercados de transporte, nem às posições dominantes, na acepção do artigo [82.° CE], no mercado dos transportes».
139 Nos termos do terceiro considerando do Regulamento n.° 141, todavia, os aspectos específicos dos transportes só justificam a não aplicação do Regulamento n.° 17 aos acordos, decisões e práticas concertadas que digam directamente respeito à prestação de serviços de transporte.
140 Por último, em 14 de Dezembro de 1987, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 3975/87, que estabelece o procedimento relativo às regras de concorrência aplicáveis às empresas do sector dos transportes aéreos (JO L 374, p. 1).
Argumentos das partes
141 A BA sustenta que, mesmo admitindo que o mercado sectorial em causa seja o dos serviços de agências de viagens aéreas, as suas práticas que são criticadas à BA não são abrangidas pelo regulamento que a Comissão utilizou como base jurídica da decisão impugnada, ou seja, o Regulamento n.° 17, mas pelo Regulamento n.° 3975/87.
142 No processo que esteve na origem do acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Março de 1997, Comissão/UIC (C‑264/95 P, Colect., p. I‑1287, n.° 28), que confirmou o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Junho de 1995, Union internationale des chemins de fer/Comissão (T‑14/93, Colect., p. II‑1503), o Tribunal de Justiça não acolheu a tese, então defendida pela Comissão, da aplicabilidade do Regulamento (CEE) n.° 1017/68 do Conselho, de 19 de Julho de 1968, relativo à aplicação de regras de concorrência nos sectores dos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável (JO L 175, p. 1; EE 08 F1 p. 106), apenas aos acordos e práticas concertadas que digam directamente respeito ao fornecimento de transporte, por a passagem pertinente do artigo 1.° do Regulamento n.° 1017/68 ser precisa e pormenorizada e não mencionar a palavra «directamente».
143 A Comissão tenta distinguir o processo que esteve na origem do acórdão Comissão/UIC, referido no n.° 142 supra, do presente processo ao afirmar que o domínio de aplicação do Regulamento n.° 1017/68 está definido de forma mais ampla do que o do Regulamento n.° 3975/87, na medida em que o primeiro se refere a todos os «acordos, decisões e práticas concertadas que tenham por objectivo ou efeito a fixação de preços e condições de transporte, a limitação ou o controlo da oferta de transportes, a repartição dos mercados de transportes». Todavia, como o Tribunal de Justiça referiu no acórdão Comissão/UIC, referido no n.° 142 supra, era essa precisamente a redacção do artigo 1.° do Regulamento n.° 141, que retira a totalidade do sector dos transportes do âmbito do Regulamento n.° 17.
144 Além disso, a própria letra do Regulamento n.° 3975/87 demonstra que esse acto não deve ter apenas o âmbito restritivo sugerido pela Comissão. O seu artigo 2.° prevê a inaplicabilidade da proibição estipulada no artigo 81.°, n.° 1, CE aos acordos, decisões e práticas concertadas enumerados em anexo. Ora, esse anexo inclui, na alínea k), os acordos, decisões e práticas concertadas relativos à «liquidação e saldo de contas entre transportadoras e respectivos agentes mediante um plano ou sistema centralizado ou automatizado de liquidação, incluindo todos os serviços que possam ser necessários ou relevantes para o efeito». Se a tese da Comissão fosse exacta, esses acordos, decisões e práticas concertadas de modo algum integram o âmbito do Regulamento n.° 3975/87.
145 De acordo com a própria análise da Comissão, as práticas criticadas à BA produzem os seus efeitos ou, pelo menos, os seus principais efeitos, no sector dos transportes aéreos (considerandos 118 e 120 da decisão impugnada). Além disso, os prémios de resultados controvertidos constituem um dos custos directos da venda de um bilhete de transporte aéreo e influenciam o preço líquido recebido pela companhia aérea em contrapartida do serviço de transporte aéreo prestado, fixando igualmente de forma indirecta os «preços de transporte» na acepção do Regulamento n.° 141.
146 O erro da base jurídica cometido pela Comissão teve por efeito privar a BA das suas garantias processuais, atentas às diferenças de regime existentes a este respeito entre o Regulamento n.° 17 e o Regulamento n.° 3975/87.
147 Além disso, a Comissão não teria competência para adoptar a decisão impugnada na medida em que afecta as rotas aéreas entre a União Europeia e países terceiros. Estes últimos não estão abrangidas pelo Regulamento n.° 3975/87, que só se aplica aos transportes aéreos entre os aeroportos comunitários.
148 No entender da Comissão, não existem quaisquer dúvidas de que, enquanto actividades conexas ou indirectamente ligadas ao mercado dos transportes aéreos propriamente ditos, os serviços de agências de viagens aéreas não integram o âmbito da exclusão da aplicação do Regulamento n.° 17 previsto no artigo 1.° do Regulamento n.° 141 e de que, pelo contrário, continuam sujeitos ao Regulamento n.° 17.
149 O Regulamento n.° 3975/87, cujo terceiro considerando acentua as características específicas próprias do sector dos transportes aéreos, só se aplica aos acordos directamente ligados à prestação de serviços de transporte aéreo.
150 Ora, a decisão impugnada apenas se refere aos serviços que a BA adquire às agências de viagens. Tanto o abuso criticado como os seus principais efeitos ocorreram no mercado dos serviços das agências de viagens aéreas (considerandos 85 e 112 da decisão impugnada). Os acordos anticoncorrenciais celebrados entre a BA e as agências de viagens estabelecidas no Reino Unido não se referem a «serviços de transporte aéreo» e não estão directamente relacionados com a prestação desses serviços.
151 Independentemente do seu domínio de aplicação, o Regulamento n.° 1017/68 não é pertinente no caso em apreço e os dois acórdãos relativos à Union internationale des chemins de fer, referidos no n.° 142 supra, são relativos a esse regulamento e não ao Regulamento n.° 3975/87.
152 Enquanto o artigo 1.° do Regulamento n.° 1017/68 dá uma definição ampla do seu âmbito de aplicação, o Regulamento n.° 3975/87, na versão resultante do Regulamento (CEE) n.° 2410/92 do Conselho, de 23 de Julho de 1992 (JO L 240, p. 18), visa apenas, no seu artigo 1.°, n.° 2, «os transportes aéreos entre aeroportos da Comunidade».
153 Além disso, o presente litígio não é relativo nem à oferta de transporte nem à fixação dos preços de transporte, expressamente previstas no artigo 1.° do Regulamento n.° 1017/68.
154 Se, como a BA deixa entender, os serviços de agências de viagens aéreas não integrassem o âmbito do Regulamento n.° 3975/87, sendo ao mesmo tempo excluídos do domínio de aplicação do Regulamento n.° 17 pelo Regulamento n.° 141, não estariam cobertos por qualquer regulamentação comunitária, o que é impossível.
Apreciação do Tribunal
155 Os regimes de prémios de resultado aplicados pela BA inscrevem‑se nos acordos celebrados entre a BA e os agentes de viagens estabelecidos no Reino Unido com vista ao fornecimento à BA de serviços de agências de viagens, designadamente, a distribuição dos seus títulos de transporte, com exclusão, por conseguinte, dos serviços de transporte aéreo propriamente ditos que a BA fornece aos viajantes.
156 Estas prestações de serviços de transporte aéreo são efectivamente objecto de contratos individuais celebrados entre a BA e os viajantes e não integram, portanto, o objecto da decisão impugnada.
157 Os regimes de prémios de resultados, cuja aplicação às agências de viagens estabelecidas no Reino Unido a Comissão critica, não devem, portanto, ser considerados directamente relacionados com o serviço de transporte aéreo propriamente dito, convencionado entre o viajante e a companhia aérea.
158 Ora, como resulta do terceiro considerando do Regulamento n.° 141, os aspectos específicos dos transportes só justificam a não aplicação do Regulamento n.° 17 aos acordos, decisões e práticas concertadas que «digam directamente respeito à prestação de serviços de transporte» (acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 2002, Aéroports de Paris/Comissão, C‑82/01 P, Colect., p. I‑9297, n.° 18).
159 Assim, o artigo 1.° do Regulamento n.° 141 não exclui a aplicação do Regulamento n.° 17 a não ser em relação aos acordos que «tenham por objectivo ou por efeito a fixação de preços e condições de transporte, a limitação ou o controlo da oferta de transportes ou a repartição dos mercados de transporte» (acórdão Aéroports de Paris/Comissão, referido no n.° 158 supra, n.° 18), e às «[...] posições dominantes, na acepção do artigo 82.° CE, no mercado dos transportes».
160 É em vão que a BA invoca, referindo‑se ao acórdão Comissão/UIC, referido no n.° 142 supra, a identidade de redacções do artigo 1.° do Regulamento n.° 1017/68 com a do artigo 1.° do Regulamento n.° 141, que limita o âmbito do Regulamento n.° 17 relativamente aos regulamentos aplicáveis ao conjunto dos transportes, para sustentar que o Regulamento n.° 3975/87 é aplicável ao caso em apreço.
161 Em primeiro lugar, do segundo considerando do Regulamento n.° 3975/87 resulta que o Regulamento n.° 1017/68 apenas se aplica aos transportes internos (ferroviário, rodoviário e por via navegável). Assim, a BA não podia utilmente sustentar, no caso em apreço, a pertinência do Regulamento n.° 3975/87 invocando o Regulamento n.° 1017/68, que tem um âmbito de aplicação material diferente.
162 Com efeito, resulta do segundo considerando do Regulamento n.° 3975/87 que a Comissão não dispunha, antes da entrada em vigor desse regulamento, de meios de instruir directamente os casos de presumível infracção aos artigos 81.° CE e 82.° CE no sector dos transportes aéreos.
163 Em segundo lugar, embora atendendo, nos termos do quinto considerando do Regulamento n.° 3975/87, a determinadas características específicas das actividades de transporte no seu conjunto, os autores deste diploma consideraram, por outro lado, que o sector dos transportes aéreos se reveste de características específicas que lhe são próprias, como resulta do terceiro considerando deste mesmo diploma.
164 Em terceiro lugar, da economia das disposições regulamentares aplicáveis aos transportes aéreos desprende‑se uma intenção do legislador comunitário, que não existe no Regulamento n.° 1017/68, de limitar o âmbito do Regulamento n.° 3975/87 às actividades que apenas digam directamente respeito à prestação de serviços de transporte aéreo, em virtude da própria especificidade desse sector.
165 Assim, do título do Regulamento n.° 3975/87 resulta que este «estabelece o procedimento relativo às regras de concorrência aplicáveis às empresas do sector dos transportes aéreos», por oposição ao Regulamento n.° 1017/68 que é «relativo à aplicação de regras de concorrência nos sectores dos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável». Esta diferença de redacção confirma que uma actividade só integra o âmbito do Regulamento n.° 3975/87 se estiver directamente ligada à prestação de serviços de transportes aéreos (v., neste sentido, acórdão Aéroports de Paris/Comissão, referido no n.° 158 supra, n.° 22).
166 Por outro lado, o primeiro considerando do Regulamento (CEE) n.° 3976/87 do Conselho, de 14 de Dezembro de 1987, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo [81.°] do Tratado a certas categorias de acordos e de práticas concertadas no sector dos transportes aéreos (JO L 374, p. 9), adoptado no mesmo dia que o Regulamento n.° 3975/87, recorda que o Regulamento n.° 17 estabelece as modalidades de aplicação das regras de concorrência aos acordos, decisões e práticas concertadas «que não aqueles directamente relacionados com a prestação de serviços de transporte aéreo» (acórdão Aéroports de Paris/Comissão, referido no n.° 158 supra, n.° 24).
167 Além disso, o artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 3975/87, na versão resultante do Regulamento n.° 2410/92, estabelece que «[o] presente regulamento é aplicável unicamente aos transportes aéreos internacionais entre aeroportos da Comunidade».
168 Do mesmo modo, o artigo 4.°‑A, do Regulamento n.° 3975/87, aditado pelo Regulamento (CEE) n.° 1284/91 do Conselho, de 14 de Maio de 1991, que altera o Regulamento n.° 3975/87 (JO L 122, p. 2), visa apenas as práticas que tenham por objecto ou por efeito «comprometer directamente a existência de um serviço aéreo», o que supõe a existência de uma ligação directa com a prestação de serviços de transportes aéreos (acórdão Aéroports de Paris/Comissão, referido no n.° 158 supra, n.° 23).
169 Assim, o argumento literal que a BA retirou da excepção prevista nas disposições conjugadas do artigo 2.° do Regulamento n.° 3975/87 e da alínea k) do anexo desse regulamento em favor dos acordos, decisões ou práticas concertadas relativas à liquidação e apuramento das contas entre as companhias aéreas e as suas agências autorizadas não é de modo algum decisivo.
170 Efectivamente, no quadro do contexto normativo supra descrito, esses acordos, decisões ou práticas concertadas, de carácter puramente técnico, devem considerar‑se destacáveis das convenções do tipo das que foram celebradas entre a BA e as agências de viagens estabelecidas no Reino Unido para efeitos da prestação dos serviços de agências de viagens propriamente ditos.
171 Por último, a BA de modo algum pode alegar que as práticas de que é acusada produzem os seus principais efeitos no mercado do transporte aéreo. Com efeito, a escolha do regulamento aplicável depende da qualificação das práticas em causa e não da identificação prévia do mercado em que essas práticas produzem os seus efeitos (v., neste sentido, acórdão Comissão/UIC, referido no n.° 142 supra, n.° 42).
172 De qualquer modo, dos considerandos 85 e 112 da decisão impugnada resulta que a Comissão localizou no mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas tanto o abuso de posição dominante de que a BA é acusada, como alguns dos seus efeitos, o que basta para justificar a aplicação do Regulamento n.° 17 ao caso em apreço.
173 Assim, foi sem cometer qualquer erro de direito que a Comissão se baseou no Regulamento n.° 17 para adoptar a decisão impugnada.
174 Por conseguinte, este fundamento deve ser julgado improcedente.
Quanto ao sexto fundamento, decorrente da inexistência de uma posição dominante
Argumentos das partes
175 Em primeiro lugar, a BA acusa a Comissão de a ter considerado uma empresa em posição dominante no mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas sem ter tomado em devida consideração a intensa concorrência com que é confrontada nos mercados britânicos do transporte aéreo.
176 Independentemente do número total de linhas em que opera, a BA não actua com um grande grau de independência nem relativamente aos seus concorrentes presentes em cada linha nem relativamente aos viajantes que dispõem da possibilidade de escolher a sua companhia aérea relativamente a cada linha.
177 Em segundo lugar, a BA acusa a Comissão de não ter explicado como a sua alegada posição dominante no mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas «decorria» do «grande sucesso» que obtivera nos mercados britânicos do transporte aéreo.
178 A BA observa, em terceiro lugar, que as partes do mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas que, segundo a Comissão, detinha enquanto cliente das agências não demonstram que ocupa nesse mercado uma posição dominante. A Comissão limitou‑se a adicionar todas as vendas de bilhetes BA em todas as linhas com destino e provenientes dos aeroportos do Reino Unido, embora estas constituam mercados distintos.
179 Por outro lado, a Comissão não calculou correctamente as partes de mercado detidas pela BA. As percentagens consideradas pela Comissão também incluem as vendas verificadas fora do Reino Unido e, portanto, sobrevalorizam as partes de mercado da BA. A Comissão baseou os seus cálculos nas vendas de bilhetes de avião que passam pelo BSPUK, em que só participam uma parte das agências de viagens estabelecidas no Reino Unido. Não tendo analisado as transacções efectuadas pelas outras agências, a Comissão limitou‑se a pressupor que as operações que passam pelo BSPUK representam 80% a 85% de todos os bilhetes vendidos pelas agências. Por último, as vendas imputadas à BA e efectuadas no quadro do BSPUK incluem operações realizadas por outras companhias que utilizam a BA como agência e não participam nos acordos celebrados entre a BA e as agências de viagens estabelecidas no Reino Unido.
180 A BA sustenta que a Comissão não tomou em conta a incidência das vendas realizadas por outros canais que não as agências de viagens, como as vendas directas por telefone ou pela Internet. Ora, como a Comissão expressamente reconheceu no considerando 72 da decisão impugnada, estas afectam o poder das companhias aéreas no mercado dos serviços de agências de viagens aéreas.
181 Ao sublinhar a posição particularmente forte da BA relativamente às principais agências de viagens, a Comissão ignora o claro declínio da percentagem das vendas totais de bilhetes BA dessas agências e a parte relativamente diminuta dos serviços prestados à BA nas actividades de algumas das principais agências.
182 Se se aplicar o critério da estabilidade das partes de mercado ou o da sensibilidade à concorrência, consagrados pela jurisprudência (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão, 85/76, Colect., p. 217), as partes da BA no «mercado» britânico dos serviços de agências de viagens aéreas não permitem a conclusão de que esta aí possui uma posição dominante constante.
183 Uma correcta análise dos dados relativos às partes de mercado detidas pela BA antes infirma a existência de uma posição dominante. Com efeito, a parte de mercado da BA passou de 47,7% no início dos anos 90 para 39,7%. Em contrapartida, as partes de mercado de outras companhias aéreas, em especial as da Virgin e da British Midland, aumentaram rapidamente.
184 A importância da percentagem de bilhetes vendidos por uma agência de viagens não faz da companhia aérea em causa um «parceiro comercial obrigatório» dessa agência, contrariamente ao que a Comissão sustenta no considerando 92 da decisão impugnada. Na prática, cada agência deve propor os bilhetes de um amplo leque de companhias aéreas. Com efeito, as agências dispõem de um poder de negociação importante e a escolha final da agência compete ao cliente.
185 Contrariamente aos distribuidores que operam nos mercados em causa no processo que esteve na origem do acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, referido no n.° 182 supra, e no processo que deu azo ao acórdão Michelin/Comissão, referido no n.° 91 supra, as agências de viagens normalmente não possuem stocks e também não têm uma necessidade real de vender bilhetes BA. Como as linhas em que opera a BA também são servidas por outras companhias, as agências podem satisfazer a escolha dos viajantes desde que estejam em condições de vender os bilhetes da BA.
186 Por último, se a BA detivesse efectivamente uma posição dominante, não teria qualquer interesse em consagrar quantias consideráveis à melhoria dos seus serviços, com o objectivo de fazer uma concorrência mais eficaz às outras companhias.
187 A Comissão sustenta que, para demonstrar a existência da posição dominante detida pela BA no mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas, tomou em consideração as percentagens das vendas de bilhetes BA por agências de viagens acreditadas junto da IATA e uma série de factores conexos, como a dimensão da BA, a extensão da gama dos seus serviços de transporte aéreo e da sua rede.
188 A BA podia, manifestamente, comportar‑se de forma independente das agências de viagens estabelecidas no Reino Unido e, designadamente, substituir unilateralmente a comissão de 7,5%, no que respeita aos voos internos, e a de 9%, no que respeita aos voos internacionais, pela sua comissão de base de 7%.
Apreciação do Tribunal
189 A posição dominante visada pelo artigo 82.° CE diz respeito a uma situação de poder económico detida por uma empresa, que lhe dá o poder de obstar à manutenção de uma concorrência efectiva no mercado em causa, possibilitando‑lhe comportamentos independentes numa medida apreciável face aos seus concorrentes, aos seus clientes e, finalmente, aos consumidores (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 2000, Aéroports de Paris/Comissão, T‑128/98, Colect., p. II‑3929, n.° 147).
190 Como resulta do exame do terceiro fundamento, é no mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas, que consiste, designadamente, na distribuição dos bilhetes de avião, prestados às companhias aéreas pelas agências de viagens estabelecidas no Reino Unido que a Comissão concluiu existir uma posição dominante da BA.
191 Como sublinhou no n.° 101 supra, a circunstância de a BA dever ser considerada uma empresa em posição dominante enquanto adquirente de serviços, e não enquanto fornecedor de serviços, é irrelevante.
192 Segue‑se que o número de lugares oferecidos nas rotas garantidas pela BA no conjunto das linhas a partir e com destino aos aeroportos britânicos, que representam igual número de bilhetes de avião BA susceptíveis de ser escoados através das agências de viagens estabelecidas no Reino Unido, constitui o critério adequado para apreciar o poder económico que a BA pode exercer relativamente a esses agentes e às outras companhias que adquirem os serviços de distribuição em causa.
193 A própria BA sublinha que a exploração da sua rede em estrela no território do Reino Unido lhe permite oferecer mais voos com destino e a partir dos seus aeroportos de ligação e, consequentemente, transportar um maior número de passageiros do que as outras companhias aéreas que utilizam rotas directas.
194 Foi pois correctamente que a Comissão, para efeitos do cálculo das partes que a BA detém no mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas, adicionou todos os bilhetes da BA vendidos por intermédio das agências de viagens estabelecidas no Reino Unido no conjunto das linhas a partir e com destino aos aeroportos do Reino Unido.
195 Nestas condições, a BA não pode utilmente deixar de ter em conta o número total de rotas aéreas que explora para contestar a sua capacidade de actuar com um elevado grau de independência relativamente aos seus concorrentes presentes nessas linhas, às agências de viagens e aos viajantes, que têm capacidade de escolher a companhia aérea.
196 A BA também não pode criticar a Comissão por não ter explicado como é que a sua posição dominante no mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas decorre do seu sucesso nos transportes aéreos.
197 Com efeito, para demonstrar que a BA eventualmente detém uma posição dominante no mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas, não há que apreciar o seu poder económico em função da concorrência existente entre companhias que prestam serviços de transporte aéreo em cada uma das linhas aéreas servidas pela BA e pelos seus concorrentes a partir e com destino aos aeroportos britânicos.
198 Como resulta do exame do terceiro fundamento, esses diferentes mercados britânicos de serviços de transporte aéreo são distintos dos serviços das agências de viagens aéreas, entre os quais se inclui, designadamente, a distribuição dos bilhetes de avião.
199 Relativamente aos erros factuais invocados, a BA não pode acusar a Comissão de não ter tomado em consideração a incidência das vendas de bilhetes de avião efectuadas por telefone ou pela Internet, atenta a especificidade, na perspectiva das modalidades de comercialização, dos serviços fornecidos pelas agências de viagens.
200 De resto, essa especificidade conduziu a BA a afirmar que as agências de viagens são de vital importância, enquanto intermediários, para as companhias aéreas. Por outro lado, essa especificidade é comprovada pela circunstância de as vendas de bilhetes de avião processadas pelas agências de viagens estabelecidas no Reino Unido representarem 85% de todos os títulos de transporte aéreo vendidos nesse Estado‑Membro.
201 Além disso, a BA não podia utilmente acusar a Comissão de, na determinação das suas partes do mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas, ter tomado em consideração as vendas de bilhetes BA realizadas fora do Reino Unido.
202 Com efeito, numa resposta a uma questão do Tribunal, a BA confessou ser impossível quantificar as transacções ocorridas no exterior do Reino Unido. Assim, a Comissão não podia proceder a uma distinção consoante os bilhetes fossem ou não vendidos no Reino Unido. Ora, como resulta do exame do terceiro fundamento, é no país de residência que os viajantes normalmente reservam os seus bilhetes de avião. Por conseguinte, a recorrente não demonstrou que a avaliação efectuada pela Comissão abrangia um número de bilhetes susceptível de falsear o seu cálculo das partes de mercado detidas pela BA no mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas.
203 O argumento da BA, decorrente da não representatividade do BSPUK não suscita a adesão. Embora o BSPUK só inclua 4 634 das 7 000 agências de viagens estabelecidas no Reino Unido, é certo que são as mais importantes que fazem parte dos membros desse plano de regularização nacional.
204 Tendo em atenção a parte preponderante das vendas de bilhetes de avião que passam pelo BSPUK no total das vendas de bilhetes processadas através das agências de viagens estabelecidas no Reino Unido, revela‑se que foi correctamente que a Comissão considerou que as partes das seis principais companhias aéreas nessas vendas totais de bilhetes de avião não podiam ser muito diferentes das contabilizadas por intermédio do BSPUK.
205 De resto, como resulta do considerando 34 da decisão impugnada, a própria BA indicou durante o procedimento administrativo que vendera, entre Janeiro e Novembro de 1998, 85% dos seus bilhetes de avião emitidos no Reino Unido através de agências de viagens IATA e do BSPUK. Ora, da leitura do considerando 33 da decisão impugnada, que a recorrente neste aspecto não criticou, resulta que 4 108 das 4 634 agências que participam no BSPUK, ou seja, uma percentagem de cerca de 89%, estão acreditadas pela IATA.
206 Também ninguém contesta que as vendas de bilhetes BA efectuadas por agências de viagens IATA estabelecidas no Reino Unido representaram 66% das vendas das dez primeiras companhias aéreas, processadas durante o mesmo exercício pelo BSPUK.
207 Nestas condições, a circunstância de 2 366 agências de viagens não participarem no BSPUK não é de molde a reduzir significativamente a parte da BA nas vendas de bilhetes de avião efectuadas no Reino Unido através das agências de viagens.
208 O mesmo se passa relativamente às vendas de bilhetes efectuadas por outras companhias que utilizam a BA como agente e não participam nos regimes de prémios de resultados em causa. Como sublinhado pela Comissão, sem que a BA o tivesse contestado, esta última limitou‑se a declarar que o montante dessas vendas podia representar uma percentagem igual ou inferior a 5%.
209 Importa ainda examinar se a fundamentação apresentada pela Comissão para demonstrar a posição dominante da BA, com base nos elementos materiais que legalmente apurou, não sofre de eventuais erros de apreciação.
210 A este propósito, deve tomar‑se em consideração o indício altamente significativo que representa a detenção, pela empresa em causa, de partes de mercado de uma grande dimensão, bem como a relação entre as partes de mercado detidas por essa empresa e pelos seus concorrentes imediatos (acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, referido no n.° 182 supra, n.os 39 e 48), e isto tanto mais quanto os concorrentes imediatos apenas detêm partes de mercado marginais (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1978, United Brands/Comissão, 27/76, Colect., p. 77, n.° 111).
211 Ora, como resulta do quadro adiante reproduzido, que foi retirado do considerando 41 da decisão impugnada e cuja inexactidão material a BA não conseguiu demonstrar (v. n.os 199 a 208, supra), não só as partes de mercado que a BA detém no total das vendas de bilhetes de avião processadas pelo BSPUK devem ser consideradas de grande dimensão, como constituem invariavelmente um múltiplo das partes de mercado de cada um dos seus cinco principais concorrentes presentes no mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas.
|
1992 |
1993 |
1994 |
1995 |
1996 |
1997 |
1998 |
||
British Airways |
46,3 |
45,6 |
43,5 |
42,7 |
40,3 |
42,0 |
39,7 |
||
American Airlines |
– |
5,4 |
7,3 |
7,7 |
7,6 |
3,6 |
3,8 |
||
Virgin |
2,8 |
3,0 |
3,7 |
4,0 |
4,0 |
5,8 |
5,5 |
||
British Midland |
3,6 |
3,4 |
3,2 |
3,0 |
2,7 |
– |
– |
||
Qantas |
3,0 |
2,7 |
3,0 |
2,6 |
6,4 |
3,0 |
3,3 |
||
KLM |
2,5 |
– |
– |
– |
– |
3,8 |
5,3 |
212 O poder económico que a BA retira das suas partes de mercado é ainda reforçado pelo lugar que ocupa a nível mundial devido ao número de passageiros‑quilómetros transportados nos voos internacionais regulares, ao alargamento da gama dos seus serviços de transporte aéreo e à sua rede em estrela.
213 Segundo a própria BA afirma, as suas operações em rede permitem‑lhe, relativamente aos seus cinco outros concorrentes, oferecer uma maior escolha de ligações aéreas e frequências de voos superiores.
214 Além disso, do considerando 38 da decisão impugnada, não posto em causa pela BA, resulta que esta explorava, em 1995, 92 das 151 ligações aéreas internacionais garantidas a partir do aeroporto de Heathrow e 43 das 92 linhas em serviço em Gatwick, ou seja, várias vezes o número das ligações garantidas por cada um dos seus três ou quatro concorrentes imediatos a partir desses dois aeroportos.
215 O conjunto das rotas garantidas pela BA nas ligações a partir e com destino aos aeroportos do Reino Unido tem por efeito cumulativo induzir a aquisição, pelos viajantes, de um número preponderante de bilhetes de avião BA através das agências de viagens estabelecidas no Reino Unido e, correlativamente, pelo menos igual número de transacções entre a BA e essas agências, para efeitos do fornecimento de serviços de agências de viagens aéreas, em particular de distribuição de bilhetes de avião da BA.
216 Segue‑se, necessariamente, que essas agências dependem em grande parte das receitas que auferem com a BA como contrapartida dos seus serviços de agências de viagens aéreas.
217 É pois erradamente que a BA contesta a sua qualidade de parceiro comercial obrigatório das agências de viagens estabelecidas no Reino Unido e que sustenta que estas não têm, na verdade, necessidade de vender bilhetes BA. Os argumentos da BA não são susceptíveis de invalidar a conclusão, constante do n.° 93 da decisão impugnada, segundo a qual a BA detém uma posição particularmente poderosa relativamente às principais companhias aéreas suas rivais e no que se refere às agências de viagens mais importantes.
218 Assim, dos factos da causa resulta que a BA estava em condições de impor unilateralmente, através de uma circular de 17 de Novembro de 1997, a redução, a partir de 1 de Janeiro de 1998, das suas percentagens de comissão até então em vigor e de aplicar o seu novo regime de prémios de resultados a todas as agências de viagens estabelecidas no Reino Unido.
219 Nestas condições, nem a eventual modéstia, de resto apenas alegada, da parte das vendas de bilhetes BA nas actividades de algumas das principais agências, nem as alegadas flutuações da parte da BA no volume total das vendas de bilhetes de avião realizadas pelas agências de viagens estabelecidas no Reino Unido podem pôr em causa a conclusão da Comissão de que a BA detém uma posição dominante no mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas.
220 A grande dependência das agências de viagens estabelecidas no Reino Unido relativamente à BA e a sua liberdade de comportamento correspondente relativamente às outras companhias beneficiárias dos serviços de agências de viagens aéreas também não são susceptíveis de ser postas em causa pela circunstância de essas agências normalmente não possuírem stocks de bilhetes de avião.
221 Com efeito, essa circunstância, de natureza puramente logística, não é susceptível de influenciar a posição dominante que para a BA decorre do seu peso preponderante no mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas.
222 O argumento de que a BA não tinha qualquer interesse, enquanto empresa em posição dominante, em consagrar somas consideráveis à melhoria dos seus serviços, com o objectivo de fazer uma concorrência mais eficaz às companhias concorrentes, é irrelevante, na medida em que se refere aos mercados britânicos do transporte aéreo e não ao mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas a que se atendeu para fazer prova da posição dominante da BA.
223 Por último, pela mesma razão, nem o decréscimo da percentagem das vendas de bilhetes de avião BA, nem a progressão das partes de mercado de determinadas companhias concorrentes são de dimensão suficiente para porem em causa a existência da posição dominante da BA no mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas.
224 No caso em apreço, a redução das partes de mercado detidas pela BA não pode, em si mesma, constituir a prova da inexistência de posição dominante. Com efeito, a posição que a BA ainda ocupa no mercado britânico dos serviços das agências de viagens aéreas continua a ser amplamente preponderante. Como o quadro reproduzido no n.° 211 supra demonstra, durante todo o período da infracção que a Comissão considerou existir manteve‑se um afastamento substancial entre, por um lado, as partes de mercado da BA e, por outro, tanto as partes de mercado do seu concorrente imediato como as partes cumuladas dos seus cinco principais concorrentes presentes no mercado britânico dos serviços de agências de viagens.
225 Foi, portanto, correctamente que a Comissão considerou que a BA detinha uma posição dominante no mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas.
226 Consequentemente, o sexto fundamento não pode ser acolhido.
Quanto ao sétimo fundamento, decorrente da inexistência de abuso de posição dominante
227 A BA contesta a afirmação da Comissão segundo a qual os seus regimes de prémios de resultados originaram uma discriminação entre as agências de viagens estabelecidas no Reino Unido ou produziram um efeito de exclusão relativamente às companhias aéreas concorrentes.
Quanto ao carácter discriminatório dos regimes de prémios de resultados da BA relativamente às agências de viagens estabelecidas no Reino Unido
– Argumentos das partes
228 A BA acusa a Comissão de não ter demonstrado a existência de discriminação entre as agências de viagens estabelecidas no Reino Unido que decorreria da aplicação de critérios desiguais ou que não seria justificada por considerações comerciais legítimas.
229 A circunstância de duas agências de viagens que escoaram um volume diferente de bilhetes BA poderem auferir os mesmos benefícios e de duas agências que venderam o mesmo número de bilhetes BA poderem auferir benefícios diferentes não demonstra a existência de uma discriminação na acepção do artigo 2.°, segundo parágrafo, alínea c), CE.
230 Agências de viagens de dimensão diferente podem, pelo contrário, dedicar a mesma quantidade de esforços e de recursos à venda dos bilhetes da BA. O cálculo dos prémios de resultados baseado nas vendas realizadas pela agência durante o período de referência anterior tinha a vantagem de atender à dimensão da agência interessada.
231 No entender da Comissão, os regimes de prémios de resultados da BA criam uma discriminação ilegal entre as agências de viagens, na medida em que se baseavam no facto de estas atingirem ou melhorarem o nível das vendas de bilhetes BA realizadas durante o período de referência decorrido e não num volume diferente das vendas de bilhetes efectuadas ou no nível de serviço oferecido à BA.
232 Esta prática acarretou para determinadas agências de viagens estabelecidas no Reino Unido, relativamente a outras, uma desvantagem na concorrência desenfreada existente entre elas. Ao falsear o nível das comissões pagas às agências de viagens, os regimes de incentivos financeiros aplicados pela BA afectaram a sua capacidade de fazerem concorrência entre elas.
– Apreciação do Tribunal
233 O artigo 82.° CE estabelece, no seu segundo parágrafo, alínea c), que a exploração abusiva de uma posição dominante pode consistir em aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais nos casos de prestações equivalentes colocando‑os, por esse facto, em desvantagem na concorrência.
234 É certo que, como a Comissão sublinha no considerando 29 da decisão impugnada, a realização do objectivo de progressão das vendas de bilhetes BA pelas agências de viagens estabelecidas no Reino Unido implica um aumento da percentagem das comissões que a BA lhes pagava, não apenas sobre os bilhetes BA escoados uma vez alcançado o objectivo de vendas, mas igualmente sobre todos os bilhetes BA processados pelas agências durante o período de referência considerado.
235 Nesta medida, os regimes de prémios de resultados em causa podiam implicar a aplicação de percentagem de comissão diferentes a um montante de receitas idêntico realizado ao abrigo da venda de bilhetes BA por duas agências de viagens, uma vez que os respectivos volumes de vendas e, por via de consequência, a respectiva percentagem de progressão, foram diferentes durante o período de referência anterior.
236 Ao remunerar de forma diferente serviços idênticos prestados durante o mesmo período de referência, esses regimes de prémios de resultados falseiam o nível da remuneração que os interessados auferiam sobre a forma de comissões pagas pela BA.
237 Ora, como a própria BA indicou, as agências de viagens estabelecidas no Reino Unido estão em grande concorrência entre si e a respectiva capacidade para o fazerem depende da sua aptidão para fornecerem, nos voos, lugares adaptados aos ensejos dos viajantes e isto a um custo razoável.
238 Dependendo dos recursos financeiros de cada agência, essa aptidão das agências para fazerem concorrência entre si no fornecimento, aos viajantes, de serviços de agências de viagens aéreas e para suscitarem a procura das companhias aéreas para esses serviços era naturalmente afectada pelas condições discriminatórias de remuneração inerentes aos regimes de prémios de resultados da BA.
239 Os argumentos que a BA retira da dimensão das agências de viagens estabelecidas no Reino Unido são irrelevantes. Os regimes de prémios de resultados criticados assentavam, em si mesmos, num parâmetro estranho ao critério da dimensão das empresas, pois baseavam‑se na amplitude do crescimento das agências de viagens em termos das respectivas vendas de bilhetes BA por referência ao limiar constituído pelo número de bilhetes BA escoados durante o período de referência anterior.
240 Nestas condições, a Comissão podia considerar que os regimes de prémios de resultados da BA constituíam uma exploração abusiva, pela BA, da sua posição dominante no mercado britânico dos serviços de agências de viagens, na medida em que produziam efeitos discriminatórios ao nível da rede das agências de viagens estabelecidas no Reino Unido e, portanto, acarretavam para algumas delas uma desvantagem na concorrência na acepção do artigo 82.°, segundo parágrafo, alínea c), CE.
Quanto ao efeito de exclusão das companhias aéreas concorrentes da BA, decorrente do carácter «fidelizador» dos regimes de prémios de resultados da BA
241 O Tribunal recorda antes de mais que, segundo jurisprudência constante, o conceito de exploração abusiva é um conceito objectivo que visa os comportamentos de uma empresa em posição dominante susceptíveis de influenciar a estrutura de um mercado, no qual, precisamente em consequência da presença da empresa em questão, o grau de concorrência já está enfraquecido, e que têm por efeito impedir, através do recurso a mecanismos diferentes dos que regulam a concorrência normal de produtos ou de serviços com base nas prestações dos operadores económicos, a manutenção do grau de concorrência ainda existente no mercado ou o desenvolvimento dessa concorrência (acórdãos Hoffmann‑La Roche/Comissão, referido no n.° 182 supra, n.° 91, e Michelin/Comissão, referido no n.° 91 supra, n.° 70; acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Julho de 1991, AKZO/Comissão, C‑62/86, Colect., p. I‑3359, n.° 69; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Outubro de 1999, Irish Sugar/Comissão, T‑228/97, Colect., p. II‑2969, n.° 111).
242 Por conseguinte, embora a verificação da existência de uma posição dominante não acarrete, em si mesma, nenhuma censura em relação à empresa em causa, impõe‑lhe porém, independentemente das causas dessa posição, a responsabilidade especial de não atentar, pelo seu comportamento, contra uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum (acórdão Michelin/Comissão, referido no n.° 91 supra, n.° 57, e Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 241 supra, n.° 112).
243 Do mesmo modo, se a existência de uma posição dominante não priva uma empresa nessa posição do direito de preservar os seus interesses comerciais próprios quando estes estiverem ameaçados, e se essa empresa tem a faculdade, em termos razoáveis, de praticar os actos que julgue adequados à protecção dos seus interesses, esses comportamentos já não são, porém, admissíveis quando têm por objecto reforçar essa posição dominante e abusar dela (acórdão United Brands/Comissão, referido no n.° 210 supra, n.° 189; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 1 de Abril de 1993, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, T‑65/89, Colect., p. II‑389, n.° 69; de 8 de Outubro de 1996, Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, T‑24/93 a T‑26/93 e T‑28/93, Colect., p. II‑1201, n.° 107, e Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 241 supra, n.° 112).
244 Em especial, relativamente à concessão de descontos por uma empresa em posição dominante, de uma jurisprudência constante resulta que um desconto de fidelidade, concedido em contrapartida do compromisso do cliente de se abastecer exclusivamente ou quase exclusivamente numa empresa dominante é contrário ao artigo 82.° CE. Com efeito, esse desconto visa impedir, pela via da concessão de vantagens financeiras, que os clientes se abasteçam em produtores concorrentes (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563, n.° 518; Hoffmann‑La Roche/Comissão, referido no n.° 182 supra, n.os 89 e 90; Michelin/Comissão, referido no n.° 91 supra, n.° 71; e BPB Industries e British Gypsum/Comissão, referido no n.° 244 supra, n.° 120).
245 De um modo mais genérico, um sistema de descontos que impeça os clientes de se abastecerem em concorrentes no mercado será considerado contrário ao artigo 82.° CE se aplicado por uma empresa em posição dominante. Por esta razão, o Tribunal de Justiça considerou que um desconto ligado à realização de um objectivo de compra também violava o artigo 82.° CE (acórdão Michelin/Comissão, referido no n.° 91 supra, n.° 86).
246 Normalmente, considera‑se que os sistemas de descontos de quantidade ligados exclusivamente ao volume de compras efectuadas a um produtor dominante não têm por efeito impedir, em violação do artigo 82.° CE, o abastecimento dos clientes nos concorrentes (acórdão do Tribunal de Justiça, Michelin/Comissão, referido no n.° 91 supra, n.° 71, e de 29 de Março de 2001, Portugal/Comissão, C‑163/99, Colect., p. I‑2613, n.° 50). Se o aumento da quantidade fornecida se traduzir por um custo inferior para o fornecedor, este tem o direito, com efeito, de fazer beneficiar o seu cliente dessa redução através de uma tarifa mais favorável (conclusões do advogado‑geral J. Mischo no processo Portugal/Comissão, já referido, Colect., p. I‑2618, n.° 106). Os descontos de quantidade devem, portanto, reflectir os ganhos de eficiência e as economias de escala realizados pela empresa dominante.
247 Conclui‑se que um sistema de descontos cujo valor do desconto aumenta em função do volume adquirido não viola o artigo 82.° CE, a não ser que os critérios e as modalidades de concessão desse desconto revelem que o sistema não assenta numa contrapartida economicamente justificada, tendendo antes, à semelhança de um desconto de fidelidade e de objectivo, a impedir o abastecimento dos clientes em produtores concorrentes (acórdãos Hoffmann‑La Roche/Comissão, referido no n.° 182 supra, n.° 90, Michelin/Comissão, referido no n.° 91 supra, n.° 73, e Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 241 supra, n.° 114).
248 De um modo geral, desta jurisprudência pode deduzir‑se que qualquer sistema de desconto «fidelizantes» aplicado por uma empresa em posição dominante visa impedir o abastecimento dos clientes nos concorrentes, em violação do artigo 82.° CE, independentemente da questão de saber se o sistema de descontos é ou não discriminatório. O mesmo se passa relativamente a um regime de prémios de resultados «fidelizante» praticado por um adquirente em posição dominante relativamente a quem lhe presta serviços (v. n.° 101, supra).
249 No processo que esteve na origem do acórdão Michelin/Comissão, referido no n.° 91 supra, o Tribunal de Justiça, embora não acolhendo a acusação da Comissão segundo a qual o sistema de descontos aplicado pela Michelin era discriminatório, considerou, todavia, que esse sistema violava o artigo 82.° CE na medida em que criava laços de dependência dos revendedores relativamente à Michelin.
– Argumentos das partes
250 A BA alega que a Comissão se limitou a presumir que as práticas da BA tinham um efeito de exclusão, contrariamente ao que exige o acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, referido no n.° 182 supra. A decisão impugnada não analisou os mercados do transporte aéreo nem contém qualquer prova empírica do prejuízo que os regimes de prémios de resultados da BA causaram aos concorrentes, clientes ou consumidores.
251 A Comissão parece ter suposto, sem qualquer prova em apoio, que as agências de viagens podem controlar uma parte significativa das vendas de bilhetes em detrimento dos consumidores, quando apenas têm uma influência limitada na escolha das companhias aéreas pelos viajantes.
252 Os regimes de prémios de resultados da BA não impediram os seus concorrentes de celebrar acordos similares com as agências de viagens estabelecidas no Reino Unido. Como a BA representava menos de 50% do total das vendas de bilhetes no mercado definido pela Comissão, não existia qualquer razão para concluir que outras companhias, consideradas no seu conjunto, consideravam não ser rentável propor vantagens equivalentes às da BA. As grandes agências de viagens, que efectuam um pouco menos de 50% das vendas totais de bilhetes da BA, negociaram acordos individualmente e, portanto, estariam em condições de pôr as companhias aéreas em concorrência entre si.
253 De qualquer modo, a estrutura dos prémios de resultados da BA incentivou as agências a favorecer a BA relativamente às outras companhias aéreas. As vantagens concedidas às agências dependem de inúmeros factores entre os quais, designadamente, o nível dos limiares‑alvo e a taxa de sucesso dos interessados relativamente a esses limiares.
254 As vantagens da BA foram concedidas em função do número de bilhetes vendidos e não com base na percentagem das transacções da agência efectuadas por conta da BA. Mesmo quando uma agência aumentava as suas vendas de bilhetes BA, a parte que a BA detinha nas suas actividades podia diminuir e paralelamente a das outras companhias aumentar.
255 Os acordos de fidelidade são um meio que permite o funcionamento da concorrência, cujo jogo de modo algum falseiam. A amplitude da progressão das partes de mercado de outras companhias aéreas revela que os acordos de fidelidade não puderam ter o efeito de exclusão alegado pela Comissão.
256 As vantagens concedidas às agências de viagem acarretaram economias de custo significativas, em benefício dos consumidores, ao conferir à BA uma maior latitude para reduzir as suas tarifas e/ou permitir‑lhe oferecer um maior número de voos em certas linhas aéreas.
257 A BA contesta as críticas que a Comissão fez à estrutura dos seus acordos de fidelidade. Em primeiro lugar, a descontinuidade do aumento das vantagens tarifárias concedidas aos agentes só seria pertinente se tivesse tido, quod non, um efeito de exclusão. De qualquer modo, não se pode pressupor que essa descontinuidade funcionava em favor da BA. Ao nível de todo o sector do transporte aéreo, era praticamente impossível afirmar que as vantagens concedidas favoreciam sistematicamente a BA ou outras companhias aéreas.
258 Em segundo lugar, o cálculo dos objectivos de venda por referência aos desempenhos do exercício anterior, criticado pela Comissão nos considerandos 48 e 109 da decisão impugnada, foi simultaneamente razoável para as partes e benéfico do ponto de vista dos efeitos. De qualquer modo, o efeito de incentivo dos acordos em causa só com o tempo pode ser analisado.
259 A BA sublinha que essas duas primeiras objecções da Comissão são irrelevantes no que respeita ao regime de prémios de resultados que pôs em prática entre Dezembro de 1997 e Março de 1999. Esse regime previu tanto um aumento contínuo como um cálculo mensal, e não anual, das vantagens concedidas às agências de viagens.
260 Em terceiro lugar, a BA contesta a procedência de objecção que a Comissão, nos considerandos 48 e 102 da decisão impugnada, retira da inexistência de qualquer relação entre as vantagens concedidas aos agentes e as economias realizadas em termos de custos. Uma política económica razoável encoraja uma empresa a recorrer a um sistema de descontos, independentemente da realização eventual de economias. Os acordos de fidelidade são um meio prático de conceder vantagens associadas ao rendimento sem ter que proceder ao cálculo difícil, ou mesmo impossível, da relação exacta, muito variável, entre o preço de um bilhete e o seu custo. Devido ao nível dos custos fixos existente no sector dos transportes aéreos, uma melhor utilização das capacidades diminuiria o custo unitário médio e, portanto, forneceria à BA uma economia de custos que tem o direito de partilhar com os agentes e os clientes.
261 A BA observa, em quarto lugar, que a Comissão, ao imputar os efeitos de fidelização dos regimes de prémios de resultados controvertidos à exploração pela BA de um leque de linhas mais extenso do que o das outras companhias aéreas (considerando 91 da decisão impugnada), omitiu o facto de que o desconto global oferecido pela BA equivalia ao pagamento de percentagens de desconto diferenciadas em linhas diferentes. Embora as companhias mais pequenas possam ter custos de venda médios mais elevados, não estariam, no entanto, excluídas dos diferentes mercados em causa nem impedidas de fazer uma concorrência eficaz.
262 Segundo a Comissão e a Virgin, os acórdãos Hoffmann‑La Roche/Comissão, referido no n.° 182 supra, e Michelin/Comissão, referido no n.° 91 supra, estabelecem o princípio segundo o qual um fornecedor em posição dominante pode conceder descontos em contrapartida de ganhos de eficiência, com a exclusão dos descontos ou incentivos destinados a assegurar a fidelidade da clientela (considerando 101 da decisão impugnada).
263 Um desconto concedido por uma empresa em posição dominante, em função do aumento das compras realizadas durante um certo período, sem que esse desconto possa ser considerado como um desconto de quantidade normal constitui uma exploração abusiva de posição dominante, visto que essa prática só pode ter como objectivo vincular os clientes aos quais foi concedido e colocar os concorrentes numa posição concorrencial desfavorável (acórdão Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 241 supra, n.° 213).
264 O artigo 82.° CE não impõe a demonstração da existência de qualquer efeito real ou directo do comportamento em causa sobre os consumidores. O direito da concorrência visa proteger a estrutura do mercado contra as distorções artificiais e protege assim da melhor forma os interesses a médio e longo prazo dos consumidores.
265 Quando, como no caso em apreço, se encontram reunidas todas as características que o Tribunal de Justiça considerou determinantes no acórdão Michelin/Comissão, referido no n.° 91 supra, para se declarar que um sistema de descontos consubstancia um abuso, não é necessário também demonstrar a presença das características e dos efeitos de um sistema como o condenado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, referido no n.° 182 supra.
266 Devido à estrutura dos sistema de prémios aplicados pela BA, a comissão marginal obtida pela agência de viagens por cada segmento suplementar vendido por conta da BA aumentaria de forma exponencial com a aproximação do limiar de comissão adicional. As companhias aéreas concorrentes de menor dimensão ver‑se‑iam na impossibilidade de propor percentagens de comissão dessa ordem. Além disso, atento o nível de comissão marginal resultante do sistema em causa, a BA venderia um grande número de bilhetes com prejuízo.
267 O abuso decorria da circunstância de as comissões suplementares estarem ligados, não a economias de custo ou a ganhos de eficácia obtidos pela BA nas suas transacções com as agências de viagens, mas ao facto de estas terem alcançado ou ultrapassado o nível das vendas de bilhetes BA realizado durante o exercício anterior, independentemente da sua dimensão, eficácia ou dos serviços prestados à BA.
268 Dado que as agências continuam a ser de longe o canal de distribuição mais importante que as companhias aéreas utilizam para a venda dos serviços de transporte aéreo no Reino Unido, o comportamento abusivo da BA no mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas também teve um grave efeito de exclusão relativamente às companhias aéreas concorrentes nos mercados britânicos do transporte aéreo.
269 A circunstância de, devido à liberalização destes últimos mercados, os concorrentes da BA terem podido ficar com partes de mercado desta última não demonstra que os seus sistemas de incentivos financeiros não tiveram efeitos anticoncorrenciais.
– Apreciação do Tribunal
270 A fim de determinar se a BA explorou de forma abusiva a sua posição dominante aplicando às agências de viagens estabelecidas no Reino Unido os seus regimes de prémios de resultados, importa apreciar os critérios e as modalidades da concessão desses prémios e examinar se conduziam, através de uma vantagem que não decorre de nenhuma prestação económica que a justifique, a retirar às agências, ou a restringir‑lhes a possibilidade de vender os seus serviços às companhias aéreas da sua escolha e, deste modo, a entravar o acesso das companhias aéreas concorrentes da BA ao mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas (v., neste sentido, Hoffmann‑La Roche/Comissão, referido no n.° 182 supra, n.° 90; Michelin/Comissão, referido no n.° 91 supra, n.° 89, e Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 241 supra, n.os 114 e 197).
271 No caso em apreço, importa determinar se os acordos comerciais e o novo regime de prémios de resultados tinham um efeito fidelizador relativamente às agências de viagens estabelecidas no Reino Unido e, eventualmente, determinar se esses regimes assentavam numa contrapartida economicamente justificada (v., neste sentido, acórdãos Michelin/Comissão, referido no n.° 91 supra, n.° 73; Portugal/Comissão, referido no n.° 246 supra, n.° 52; e Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 241 supra, n.° 114).
272 Em primeiro lugar, relativamente ao carácter fidelizador dos regimes em causa, importa observar que, devido à sua natureza progressiva cujos efeitos colaterais são muito sensíveis, as percentagens de comissão majoradas eram susceptíveis de aumentar exponencialmente de um período de referência para outro, à medida da progressão do número de bilhetes BA escoados pelas agências ao longo dos sucessivos períodos de referência.
273 Inversamente, quanto mais elevadas fossem as receitas procedentes das vendas de bilhetes BA, maior era a penalidade suportada pelos interessados sob a forma de redução desproporcionada das percentagens dos prémios de resultados, mesmo na hipótese de um ligeiro decréscimo nas vendas de bilhetes BA relativamente ao período de referência anterior. Assim, a BA não pode contestar o carácter fidelizador dos regimes controvertidos.
274 Em seguida, a BA não pode utilmente alegar, para contestar o efeito de fidelização produzido pelos regimes de prémios de resultados nas agências de viagens, o facto de essas agências terem apenas uma reduzida influência na escolha das companhias aéreas pelos viajantes. Com efeito, a própria BA sustentou que essas agências prestam um serviço útil de filtragem das informações transmitidas aos viajantes que se vêem confrontados com a proliferação das diferentes estruturas de tarifas de transporte aéreo.
275 Além disso, embora seja verdade que as vantagens concedidas às agências de viagens dependiam, como a BA sustenta, do nível dos limiares‑alvo e da taxa de sucesso obtida relativamente a esses limiares, o efeito de fidelização das agências de viagens que decorre dos prémios de resultados deve, no entanto, ser considerado estar apurado.
276 Além disso, a objecção da BA segundo a qual os «acordos de fidelidade» não impediram os seus concorrentes de celebrar acordos similares com as agências de viagens estabelecidas no Reino Unido não convence. Os cinco principais concorrentes da BA presentes no mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas não podem ser considerados ter estado em condições de conceder as mesmas vantagens às agências de viagens.
277 A este propósito, importa recordar que o número de bilhetes BA vendidos pelas agências de viagens estabelecidas no Reino Unido no conjunto representado pelas linhas aéreas com partida e destino aos aeroportos britânicos foi sempre, durante todo o período de aplicação dos regimes de prémios de resultados controvertidos, um múltiplo tanto das vendas de bilhetes realizadas por cada um desses cinco principais concorrentes como do total cumulado dessas mesmas vendas.
278 Nestas condições, ficou suficientemente demonstrado que as empresas concorrentes não estavam em condições de realizar, no Reino Unido, um montante de receitas susceptível de constituir uma base financeira suficientemente ampla para lhes permitir instituir eficazmente um regime de prémios semelhante ao da BA para contrariar o efeito de exclusão que esse regime produz, em seu desfavor, no mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas.
279 Em segundo lugar, relativamente à questão de saber se os regimes de prémios de resultados aplicados pela BA assentavam numa contrapartida economicamente justificada, cabe recordar ser verdade que a existência de uma posição dominante não priva a empresa que se encontra nessa posição da faculdade, em termos razoáveis, de praticar os actos que julgue adequados à preservação dos seus interesses comerciais próprios quando estes estiverem ameaçados (acórdão Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 241 supra, n.° 112).
280 Todavia, a protecção da posição concorrencial de uma empresa em posição dominante, como a BA, deve, no mínimo, para ser legítima, assentar em critérios de eficácia económica (acórdão Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 241 supra, n.° 189).
281 Ora, no caso em apreço, a BA não demonstrou que o carácter fidelizador desses regimes de prémios de resultados assentava numa contrapartida economicamente justificada.
282 Com efeito, a realização dos objectivos de progressão das vendas de bilhetes BA pelas agências de viagens estabelecidas no Reino Unido desencadeava a aplicação de uma comissão a uma percentagem majorada, não apenas no que respeita aos bilhetes BA escoados uma vez atingidos esses objectivos de venda, mas relativamente a todos os bilhetes BA processados ao longo do período de referência a que se atendeu.
283 A remuneração suplementar das agências revela‑se assim não ter qualquer relação objectiva com a contrapartida que para a BA decorre da venda dos bilhetes de avião suplementares.
284 Nesta medida, os regimes de prémios de resultados da BA não podem ser vistos como a contrapartida de ganhos de eficácia ou de economias de custos originados pelas vendas de bilhetes BA escoados após a realização dos referidos objectivos. Bem pelo contrário, essa aplicação retrospectiva das percentagens de comissão majoradas aplicadas a todos os bilhetes BA escoados por uma agência de viagens durante o período de referência tido em consideração deve mesmo ser considerada susceptível de conduzir à venda de certos bilhetes BA a um preço não proporcionado ao ganho de produtividade obtido pela BA com a venda desses bilhetes suplementares.
285 Mesmo que, como a BA sustenta, qualquer companhia aérea tenha interesse em vender lugares suplementares nos seus voos do que deixá‑los desocupados, a vantagem que representa uma melhor taxa de ocupação dos aparelhos deve, num caso como o em apreço, ser consideravelmente atenuada, em razão do custo superior que representa para a BA o aumento da remuneração da agência decorrente dessa aplicação retrospectiva da comissão majorada.
286 Na medida em que não incluíam qualquer contrapartida economicamente justificada, os regimes de prémios de resultados controvertidos devem ser considerados destinados sobretudo a remunerar a progressão das vendas de bilhetes BA de um período de referência para outro e, portanto, a reforçar a fidelidade das agências de viagens estabelecidas no território do Reino Unido à BA.
287 A agências eram assim dissuadidas de oferecer os seus serviços de agências de viagens às companhias aéreas concorrentes da BA, cuja entrada ou progressão no mercado britânico dos serviços de agências de viagens era assim necessariamente dificultada.
288 A BA não podia ter qualquer interesse em aplicar os seus regimes de prémios se não pretendesse afastar as companhias aéreas concorrentes e impedir, assim, a manutenção do grau de concorrência existente ou o desenvolvimento dessa concorrência no mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas.
289 Em especial, a BA não pode utilmente sustentar que, a partir de uma determinada taxa de ocupação de um avião, as vendas de bilhetes suplementares geram necessariamente lucros. Com efeito, como acabou de se referir, a contrapartida das vendas de bilhetes realizadas por uma agência uma vez alcançado o objectivo de progressão das suas vendas representava um sobrecusto, sob a forma da aplicação retrospectiva da comissão majorada ao conjunto dos bilhetes BA escoados durante o período de referência em causa, passível de ser igual ou superior a esse lucro.
290 Aliás, a própria BA admitiu na audiência que não existia uma relação precisa entre, por um lado, as eventuais economias de escala realizadas graças aos bilhetes BA suplementares escoados após a realização dos objectivos de venda e, por outro, as majorações das percentagens das remunerações pagas em contrapartida às agências de viagens estabelecidas no Reino Unido.
291 Contrariamente ao que a BA sustenta, os seus regimes de prémios de resultados, portanto, não podem constituir uma modalidade de exercício do jogo normal da concorrência nem permitem a redução dos seus custos. Os argumentos que a BA apresentou a este respeito não são susceptíveis de demonstrar que os seus regimes de prémios de resultados tinham uma justificação económica objectiva.
292 Foi, portanto, fundadamente que a Comissão considerou que a BA abusou da sua posição dominante no mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas ao restringir, pela aplicação de regimes de prémios de resultados que não assentam numa contrapartida economicamente justificada, a liberdade dessas agências de fornecer os seus serviços às companhias aéreas da sua escolha e, consequentemente, o acesso destas últimas ao mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas.
293 Por último, a BA não pode acusar a Comissão de não ter demonstrado que as suas práticas tinham um efeito de exclusão. Com efeito, por um lado, para efeitos do apuramento de uma violação do artigo 82.° CE, não é necessário demonstrar que o abuso em causa teve um efeito concreto nos mercados em causa. Basta, a este respeito, demonstrar que o comportamento abusivo da empresa em posição dominante tende a restringir a concorrência ou, por outras palavras, que o comportamento é de natureza ou susceptível de ter tal efeito.
294 Por outro lado, revela‑se não só que as práticas controvertidas eram efectivamente susceptíveis de ter um efeito restritivo nos mercados britânicos dos serviços de agências de viagens aéreas e do transporte aéreo, mas também que a Comissão demonstrou concretamente esse efeito.
295 Com efeito, dado que as agências de viagens estabelecidas no Reino Unido garantiam, à época dos factos em causa, o escoamento de 85% de todos os bilhetes de avião vendidos no território do Reino Unido, o comportamento abusivo da BA no mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas não pôde deixar de produzir, em detrimento das companhias aéreas concorrentes, um efeito de exclusão dos mercados britânicos do transporte aéreo, em razão do elo de conexão existente entre os mercados em causa, como se apurou no âmbito da apreciação do quarto fundamento.
296 Devido a esse efeito induzido dos regimes de prémios aplicados pela BA nos mercados britânicos dos transportes aéreos, não se pode acolher o argumento da BA segundo o qual a decisão impugnada não contém qualquer análise dos mercados do transporte aéreo nem qualquer prova empírica do prejuízo que os seus sistemas de incentivos financeiros causaram às companhias aéreas concorrentes ou aos viajantes.
297 Além disso, quando uma empresa em posição dominante aplica efectivamente uma prática que provoca o afastamento dos seus concorrentes, a circunstância de o resultado esperado não ser alcançado não basta para afastar a qualificação de abuso de posição dominante na acepção do artigo 82.° CE.
298 De resto, o crescimento das partes de mercado de algumas das companhias aéreas concorrentes da BA, pequeno em termos absolutos, atenta a modéstia das suas partes de mercado originárias, não significa que as práticas da BA não tenham produzido efeitos. Caso essas práticas não existissem, pode‑se considerar que as partes de mercado desses concorrentes poderiam ter aumentado de modo mais significativo (v., neste sentido, acórdão Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, referido no n.° 243 supra, n.° 149).
299 Assim, foi sem cometer qualquer erro de apreciação que a Comissão considerou que a BA infringiu as disposições do artigo 82.° CE ao aplicar às agências de viagens aéreas do Reino Unido regimes de prémios de resultados simultaneamente discriminatórios no que respeita a alguns dos seus beneficiários em relação a outros e que têm por objecto e por efeito, sem contrapartida economicamente justificada, recompensar a fidelidade dessas agências à BA e, portanto, afastar as companhias aéreas concorrentes tanto do mercado britânico dos serviços de agências de viagens aéreas como, por via de consequência necessária, dos mercados britânicos do transporte aéreo.
300 Assim, o sétimo fundamento não pode ser acolhido.
Quanto ao oitavo fundamento, decorrente do carácter excessivo do montante da coima
Argumentos das partes
301 A BA considera que a coima que lhe foi aplicada, no montante de 6 800 000 euros, é excessiva tendo em conta a comunicação da Comissão relativa às orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.° do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações»).
302 Antes de mais, o montante base da coima, ou seja, 4 000 000 euros, que deve reflectir a gravidade, a dimensão e a incidência da infracção cometida, é demasiado elevado na perspectiva do ponto 1 A das orientações. Segundo esse diploma, para avaliar a gravidade da infracção deve‑se atender à capacidade económica efectiva dos autores da infracção de causarem um prejuízo importante aos outros operadores, nomeadamente aos consumidores. Ora, não ficou de modo algum demonstrado que os regimes de prémios da BA tivessem causado um prejuízo aos consumidores.
303 Em seguida, segundo o terceiro travessão do ponto I B das orientações, as infracções de longa duração são sujeitas a um montante adicional correspondente a 10% do montante da coima fixado em relação à gravidade da infracção. A majoração do montante da coima em 70%, ou seja, 10% por ano desde 1992, é desproporcionada. A duração do comportamento da BA reflecte a lentidão com que a Comissão conduziu o seu inquérito. Ao longo de todo o inquérito, a BA acreditou de boa fé na compatibilidade dos seus sistemas de incentivos financeiros com o direito comunitário.
304 Por último, a dúvida razoável que a BA nutria quanto ao carácter infractor dos seus regimes de prémios e a sua total colaboração com a Comissão ao longo do procedimento administrativo constituem circunstâncias atenuantes que implicam a uma redução da coima ao abrigo do ponto 3 das orientações.
305 A Comissão sustenta que o abuso de posição dominante verificado no caso em apreço deve ser considerado uma infracção grave ao direito comunitário da concorrência. Os sistemas de descontos exclusivos no passado foram condenados. Foi sublinhada a importância dos custos das viagens na economia britânica e foi observado que, apesar da liberalização dos transportes aéreos, a BA preservou as suas partes de mercado médias nos mercados britânicos dos transportes aéreos.
306 O artigo 82.° CE não visa apenas as práticas susceptíveis de causar um prejuízo imediato aos consumidores, mas também as que lhes causam prejuízo por impedirem uma estrutura de concorrência efectiva.
307 Além disso, os abusos de posição dominante consistentes, designadamente, na discriminação, nos comportamentos de exclusão, nos descontos de fidelidade concedidos por uma empresa em posição dominante a fim de excluir os seus concorrentes do mercado, são qualificados de «infracções graves» pelas orientações.
308 As práticas abusivas controvertidas começaram em 1992 relativamente a determinadas agências de viagens. De Janeiro de 1998 a Março de 1999, o regime de prémios de resultados alargou o comportamento abusivo a todas as agências de viagens estabelecidas no Reino Unido e reforçou os seus efeitos relativamente às agências partes num acordo comercial. A duração dessas práticas justificou um aumento de 70% do montante da coima aplicada em função da gravidade da infracção.
309 A duração do procedimento administrativo, cuja razoabilidade deve ser apreciada em função das circunstâncias próprias de cada processo (acórdão Irish Sugar/Comissão, referido no n.° 241 supra, n.° 278), não foi excessiva e não explica a duração das infracções observadas.
310 A cessação das infracções a partir das primeiras intervenções da Comissão constitui, segundo as orientações, uma circunstância atenuante. Ora, após recepção da primeira comunicação de acusações de 20 de Dezembro de 1996, a BA alargou a todas as agências de viagens estabelecidas no Reino Unido os regimes de prémios de resultados até então aplicados às agências que realizavam um determinado volume de vendas anuais de bilhetes BA.
Apreciação do Tribunal
311 O artigo 82.° CE reprime o mero atentado objectivo à própria estrutura da concorrência (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão, 6/72, Colect., p. 109, n.° 26), pelo que o argumento que a BA retira da falta de prova do prejuízo causado aos consumidores pelos seus regimes de prémios não podia ser acolhido.
312 A BA também não podia criticar o aumento do montante de base da coima aplicada invocando a lentidão da instrução levada a cabo pela Comissão, cuja duração foi incontestavelmente prolongada devido ao facto de a BA ter persistido no seu comportamento infractor e de o ter agravado.
313 Com efeito, logo no mês seguinte à audição que se seguiu à primeira comunicação de acusações, ocorrida em 12 de Novembro de 1997, a BA reforçou os efeitos anticoncorrenciais do seu regime inicial de prémios de resultados, aplicando o seu novo sistema de incentivos a todas as agências britânicas de viagens aéreas.
314 Como a BA não teve em atenção as objecções formuladas pela Comissão a respeito do seu primeiro regime de prémios de resultados, não se pode considerar, naturalmente, que tenha acreditado de boa fé, ao longo de todo o procedimento administrativo, na compatibilidade dos seus sistemas de incentivos com o direito comunitário da concorrência.
315 Por último, como a BA intensificou as suas práticas restritivas da concorrência durante o procedimento administrativo, também não pode invocar a sua total colaboração com a Comissão ao longo desse procedimento. Foi, portanto, correctamente que a Comissão recusou à BA o benefício de circunstâncias atenuantes.
316 Assim, importa confirmar o montante da coima aplicada pela Comissão, uma vez que foi fixado a um nível que corresponde tanto às orientações como a uma sanção adequada, atentas todas as circunstâncias do caso em apreço.
317 Assim, os argumentos da BA decorrentes do carácter excessivo da coima que lhe foi aplicada não procedem.
318 De toda a exposição precedente há que negar total provimento ao recurso.
Quanto às despesas
319 Nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.
320 Como a BA foi vencida na integralidade do seu pedido, deve ser condenada a suportar, para além das suas próprias despesas, as despesas da Comissão e da Virgin, interveniente, em conformidade com os pedidos que estas apresentaram nesse sentido.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)
decide:
1) É negado provimento ao recurso.
2) A recorrente suportará as suas próprias despesas, bem como as efectuadas pela Comissão e pela interveniente.
Vesterdorf |
Jaeger |
Legal |
Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de Dezembro de 2003.
O secretário |
O presidente |
H. Jung |
B. Vesterdorf |
* Língua do processo: inglês.