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Document 61998CJ0238

    Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 14 de Setembro de 2000.
    Hugo Fernando Hocsman contra Ministre de l'Emploi et de la Solidarité.
    Pedido de decisão prejudicial: Tribunal administratif de Châlons-en-Champagne - França.
    Artigo 52.º do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43.º CE) - Directiva 93/16/CEE do Conselho - Cidadão comunitário titular de um diploma argentino reconhecido pelas autoridades de um Estado-Membro como equivalente nesse Estado ao título de licenciado em medicina e cirurgia - Obrigações de outro Estado-Membro ao qual é apresentado o pedido de exercício da medicina no seu território.
    Processo C-238/98.

    Colectânea de Jurisprudência 2000 I-06623

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2000:440

    61998J0238

    Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 14 de Setembro de 2000. - Hugo Fernando Hocsman contra Ministre de l'Emploi et de la Solidarité. - Pedido de decisão prejudicial: Tribunal administratif de Châlons-en-Champagne - França. - Artigo 52.º do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43.º CE) - Directiva 93/16/CEE do Conselho - Cidadão comunitário titular de um diploma argentino reconhecido pelas autoridades de um Estado-Membro como equivalente nesse Estado ao título de licenciado em medicina e cirurgia - Obrigações de outro Estado-Membro ao qual é apresentado o pedido de exercício da medicina no seu território. - Processo C-238/98.

    Colectânea da Jurisprudência 2000 página I-06623


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    Livre circulação de pessoas - Liberdade de estabelecimento - Restrições resultantes da regulamentação do Estado-Membro de estabelecimento relativa ao exercício de certas actividades - Situação não regulada por uma directiva relativa ao reconhecimento mútuo de diplomas - Obrigação de o Estado-Membro examinar a correspondência entre os diplomas e qualificações exigidos pelo direito nacional e os obtidos pelo interessado

    [Tratado CE, artigos 52._ e 57._ (que passaram, após alteração, a artigos 43._ CE e 47._ CE)]

    Sumário


    $$O artigo 52._ do Tratado (que passou, após alteração, a artigo 43._ CE) deve ser interpretado no sentido de que, quando, numa situação não prevista por uma directiva relativa ao reconhecimento mútuo dos diplomas, um cidadão comunitário apresenta um pedido de autorização de exercício de uma profissão cujo acesso está dependente, segundo a legislação nacional, da posse de um diploma ou de uma habilitação profissional, ou ainda de períodos de experiência prática, as autoridades competentes do Estado-Membro em causa são obrigadas a tomar em consideração o conjunto dos diplomas, certificados e outros títulos, bem como a experiência relevante do interessado, procedendo a uma comparação entre, por um lado, as competências comprovadas por esses títulos e essa experiência e, por outro, os conhecimentos e habilitações exigidos pela legislação nacional.

    Esta interpretação constitui a mera expressão jurisprudencial de um princípio inerente às liberdades fundamentais do Tratado. Se é verdade que esse princípio foi aplicado em processos que se referiam a profissões para cujo exercício não existiam, nessa altura, medidas de harmonização ou de coordenação, também é certo que ele não pode perder parte do seu valor jurídico devido à adopção de directivas relativas ao reconhecimento mútuo dos diplomas. Com efeito, essas directivas têm como finalidade facilitar o acesso às actividades não assalariadas e ao seu exercício e, portanto, tornar mais acessíveis aos nacionais dos outros Estados-Membros as possibilidades já existentes de acesso a essas actividades.

    O papel das directivas que definem regras e critérios comuns para o reconhecimento mútuo de diplomas é, pois, o de instituir um sistema que obrigue os Estados-Membros a admitir a equivalência de certos diplomas, sem que estes possam exigir dos interessados a satisfação de outros requisitos para além dos prescritos pelas directivas aplicáveis nessa matéria, tornando este reconhecimento supérfluo, quando as condições enunciadas pelas directivas estão reunidas, o reconhecimento eventual desses diplomas em aplicação do princípio supra referido. Este princípio conserva, porém, todo o seu interesse em situações não contempladas por essas directivas.

    (cf. n.os 24, 31-34, 40 e disp.)

    Partes


    No processo C-238/98,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE (actual artigo 234._ CE), pelo tribunal administratif de Châlons-en-Champagne (França), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

    Hugo Fernando Hocsman

    e

    Ministre de l'Emploi et de la Solidarité,

    uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 52._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43._ CE),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    (Quinta Secção),

    composto por: D. A. O. Edward (relator), presidente de secção, J. C. Moitinho de Almeida, C. Gulmann, J.-P. Puissochet e P. Jann, juízes,

    advogado-geral: F. G. Jacobs,

    secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,

    vistas as observações escritas apresentadas:

    - em representação de H. Hocsman, por G. Chemla, advogado no foro de Châlons-en-Champagne,

    - em representação do Governo francês, por K. Rispal-Bellanger, subdirectora na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e A. de Bourgoing, encarregada de missão na mesma direcção, na qualidade de agentes,

    - em representação do Governo espanhol, por M. López-Monís Gallego, abogada del Estado, na qualidade de agente,

    - em representação do Governo italiano, pelo professor U. Leanza, chefe do Serviço do Contencioso Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, assistido por D. Del Gaizo, avvocato dello Stato,

    - em representação do Governo finlandês, por H. Rotkirch e T. Pynnä, valtionasiamiehet, na qualidade de agentes,

    - em representação do Governo do Reino Unido, por J. E. Collins, Assistant Treasury Solicitor, na qualidade de agente, assistido por R. Thompson, barrister,

    - em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por A. Caeiro, consultor jurídico principal, e B. Mongin, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações de H. Hocsman, representado por G. Chemla, do Governo francês, representado por C. Bergeot, encarregada de missão na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, do Governo espanhol, representado por M. López-Monís Gallego, do Governo italiano, representado por D. Del Gaizo, do Governo neerlandês, representado por M. A. Fierstra, consultor jurídico no Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente, e da Comissão, representada por B. Mongin, na audiência de 17 de Junho de 1999,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 16 de Setembro de 1999,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    1 Por sentença de 23 de Junho de 1998, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de Julho do mesmo ano, o tribunal administratif de Châlons-en-Champagne submeteu, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE (actual artigo 234._ CE), uma questão prejudicial sobre a interpretação do artigo 52._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43._ CE).

    2 A questão foi suscitada no quadro de um processo movido por H. Hocsman ao ministro do Emprego e da Solidariedade francês a propósito de uma decisão que lhe recusou autorização para exercer medicina em França.

    O direito comunitário

    3 O artigo 52._ do Tratado CE prevê:

    «No âmbito das disposições seguintes, suprimir-se-ão gradualmente, durante o período de transição, as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro...

    A liberdade de estabelecimento compreende tanto o acesso às actividades não assalariadas e o seu exercício... nas condições definidas na legislação do país de estabelecimento para os seus próprios nacionais...»

    4 O artigo 57._, n.os 1 e 3, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 47._, n.os 1 e 3, CE) determina:

    «1. A fim de facilitar o acesso às actividades não assalariadas e ao seu exercício, o Conselho, deliberando de acordo com o procedimento previsto no artigo 189._-B, adoptará directivas que visem o reconhecimento mútuo de diplomas, certificados o outros títulos.

    ...

    3. No que diz respeito às profissões médicas, paramédicas e farmacêuticas, a eliminação progressiva das restrições dependerá da coordenação das respectivas condições de exercício nos diversos Estados-Membros.»

    5 A Directiva 93/16/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, destinada a facilitar a livre circulação dos médicos e o reconhecimento mútuo dos seus diplomas, certificados e outros títulos (JO L 165, p. 1), aplica-se, segundo o seu artigo 1._, às actividades de médico exercidas a título independente ou assalariado pelos nacionais dos Estados-Membros.

    6 Nos termos do artigo 2._ da Directiva 93/16:

    «Cada Estado-Membro reconhecerá os diplomas, certificados e outros títulos concedidos aos nacionais dos Estados-Membros pelos outros Estados-Membros nos termos do artigo 23._ e enumerados no artigo 3._ da presente directiva, atribuindo-lhes, no que respeita ao acesso às actividades de médico e ao seu exercício, o mesmo efeito, no seu território, que o conferido aos diplomas, certificados e outros títulos que ele próprio concede.»

    7 Os artigos 23._ e 24._ da Directiva 93/16, que constam do título III que tem por epígrafe «Coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes às actividades de médico», tratam dos requisitos que devem ser satisfeitos pela formação médica para permitir o reconhecimento, nos outros Estados-Membros, do diploma, certificado ou outro título passado no termo dessa formação. O artigo 23._ da Directiva 93/16 refere-se ao diploma, certificado ou outro título de médico emitido no termo de uma formação de base e o artigo 24._ da mesma directiva refere-se ao diploma, certificado ou outro título de médico especialista.

    8 O artigo 23._ da directiva estabelece:

    «1. Os Estados-Membros farão depender o acesso às actividades de médico e ao seu exercício da posse de um diploma, certificado ou outro título de médico referido no artigo 3._ comprovativo de que o interessado adquiriu no período total da sua formação:

    a) Conhecimentos adequados das ciências em que assenta a medicina, bem como uma boa compreensão dos métodos científicos, incluindo princípios da medida das funções biológicas, da apreciação de factos cientificamente estabelecidos e da análise de dados;

    b) Conhecimentos adequados da estrutura, das funções e do comportamento dos seres humanos, saudáveis e doentes, assim como das relações entre o estado de saúde do ser humano e o seu ambiente físico e social;

    c) Conhecimentos adequados das matérias e das práticas clínicas que dêem uma visão coerente das doenças mentais e físicas, dos três aspectos da medicina - prevenção, diagnóstico e terapêutica - bem como da reprodução humana;

    d) Experiência clínica adequada sob orientação apropriada em hospitais.

    2. Esta formação médica total inclui, pelo menos, seis anos de estudos ou 5 500 horas de ensino teórico e prático ministrados numa universidade ou sob a orientação de uma universidade.

    3. A admissão a esta formação está sujeita à posse de um diploma ou certificado que dê acesso, relativamente aos estudos em causa, aos estabelecimentos universitários de um Estado-Membro.

    4. Para os interessados que tenham iniciado os estudos antes de 1 de Janeiro de 1972, a formação indicada no n._ 2 pode incluir uma formação prática de nível universitário de seis meses efectuada a tempo inteiro sob o controlo das autoridades competentes.

    5. A presente directiva não prejudica a possibilidade de os Estados-Membros permitirem no seu território, de acordo com a sua regulamentação própria, o acesso às actividades de médico e o seu exercício aos titulares de diplomas, certificados ou outros títulos que não tenham sido obtidos num Estado-Membro.»

    9 O artigo 24._ da Directiva 93/16 prevê:

    «1. Os Estados-Membros velarão por que a formação que conduz à obtenção de um diploma, certificado ou outro título de médico especialista satisfaça, pelo menos, as seguintes condições:

    a) Pressuponha a realização completa e com êxito de seis anos de estudos, no âmbito do ciclo de formação referido no artigo 23._; a formação conducente à emissão do diploma, certificado ou outro título de especialista em cirurgia dentária, da boca e maxilo-facial (formação de base de médico e de dentista) pressupõe, além disso, a frequência e a validação do ciclo de formação de dentista referido no artigo 1._ da Directiva 78/687/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1978, que tem por objectivo a coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas às actividades de dentista;

    b) Inclua um ensino teórico e prático;

    c) Seja efectuada a tempo inteiro e sob o controlo das autoridades ou organismos competentes, nos termos do ponto 1 do anexo I;

    d) Seja efectuada num centro universitário, num centro hospitalar universitário ou, se for caso disso, em estabelecimento de cuidados de saúde reconhecido para o efeito pelas autoridades ou organismos competentes;

    e) Inclua uma participação pessoal do médico candidato a especialista na actividade e nas responsabilidades dos serviços em causa.

    2. Os Estados-Membros farão depender a concessão de um diploma, certificado ou outro título de médico especialista da posse de um dos diplomas, certificados ou outros títulos de médico referidos no artigo 23._; a emissão do diploma, certificado ou outro título de especialista em cirurgia dentária, da boca e maxilo-facial (formação de base de médico e de dentista), depende, além disso, da posse de um dos diplomas, certificados ou outros títulos de dentista referidos no artigo 1._ da Directiva 78/687/CEE.»

    O direito nacional

    10 O artigo L. 356 do código da saúde pública dispõe:

    «Só pode exercer a profissão de médico, cirurgião-dentista ou parteira em França quem seja:

    1._ Titular de um diploma, certificado ou outro título referido no artigo L. 356-2...

    2._ De nacionalidade francesa ou nacional de um dos Estados-Membros da Comunidade Económica Europeia ou dos outros Estados que são parte no acordo sobre o Espaço Económico Europeu...

    ...»

    11 Nos termos do artigo L. 352-2 do mesmo código, os diplomas certificados e títulos exigidos para o exercício da profissão de médico são ou o diploma oficial francês de doutor em medicina ou, se o interessado for nacional de um Estado-Membro da Comunidade Europeia ou de outro Estado parte no acordo sobre o Espaço Económico Europeu, um diploma, certificado ou outro título de médico passado por um desses Estados e constante de uma lista estabelecida de acordo com as obrigações comunitárias ou com as resultantes do acordo sobre o Espaço Económico Europeu por decreto conjunto do ministro da Saúde e do ministro que tenha a seu cargo as universidades.

    O litígio no processo principal

    12 Resulta dos autos que H. Hocsman é titular de um diploma de doutor em medicina obtido em 1976 na universidade de Buenos Aires (Argentina) e do diploma de especialização em urologia obtido em 1982 na universidade de Barcelona (Espanha).

    13 Sendo de origem argentina, H. Hocsman adquiriu a nacionalidade espanhola em 1986 e tornou-se cidadão francês em 1998.

    14 Em 1980, as autoridades espanholas reconheceram o diploma argentino de que H. Hocsman é titular como equivalente ao título espanhol de licenciado em medicina e cirurgia, permitindo-lhe desse modo exercer medicina em Espanha e aceder aí a uma formação de médico especialista.

    15 Não sendo cidadão espanhol no momento em que fez os seus estudos da especialidade, o título de médico especialista em urologia obtido por H. Hocsman em 1982 era um título académico. Depois de ter adquirido a nacionalidade espanhola, H. Hocsman obteve, em 1986, autorização para exercer a actividade profissional de médico especialista em urologia em Espanha.

    16 Segundo diversos atestados, H. Hocsman trabalhou alguns anos em Espanha. Tendo entrado em França em 1990, exerceu neste país funções de adjunto ou de assistente-adjunto, especialista em cirurgia urológica, em diversos hospitais franceses e nomeadamente, desde Novembro de 1991, no centro hospitalar de Laon.

    17 Com o objectivo de conseguir a sua inscrição na Ordem dos Médicos nacional para poder exercer medicina em França, H. Hocsman fez, por várias vezes, diligências junto das autoridades francesas.

    18 Por carta de 27 de Junho de 1997, o ministro do Emprego e da Solidariedade recusou a H. Hocsman autorização para exercer medicina em França, pelo facto de este não satisfazer os requisitos a que se refere o artigo L. 356 do código da saúde pública, visto que o diploma argentino de que é titular não lhe confere direito a exercer a medicina em França.

    19 O tribunal administratif de Châlons-en-Champagne, para o qual foi interposto um recurso de anulação desta decisão, considerando que a solução do litígio exigia uma interpretação do direito comunitário, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

    «... a equivalência concedida por um Estado-Membro deve conduzir os outros Estados-Membros a verificarem, com base no artigo 52._ do Tratado de Roma, se as experiências e qualificações atestadas por essa equivalência correspondem às exigidas pelos diplomas e títulos nacionais, designadamente no caso de o beneficiário da equivalência ser titular de um diploma certificando uma formação especializada adquirida num Estado-Membro e incluído no âmbito de aplicação de uma directiva destinada ao reconhecimento mútuo dos diplomas[?]»

    Quanto à questão prejudicial

    20 H. Hocsman considera que há contradição entre o facto de exercer legalmente e desde há vários anos funções como especialista em urologia em diversos hospitais em França e o facto de, ao mesmo tempo, lhe ser recusada a inscrição na Ordem dos Médicos nacional. Invocando a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 52._ do Tratado, designadamente os acórdãos de 7 de Maio de 1991, Vlassopoulou (C-340/89, Colect., p. I-2357), e de 9 de Fevereiro de 1994, Haim (C-319/92, Colect., p. I-425), H. Hocsman alega que a recusa das autoridades francesas de reconhecimento do seu diploma argentino de médico é contrária tanto ao espírito como à letra daquela disposição.

    21 No n._ 16 do referido acórdão Vlassopoulou, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 52._ do Tratado deve ser interpretado no sentido de que compete ao Estado-Membro ao qual é apresentado um pedido de exercício de uma profissão cujo acesso está dependente, segundo a legislação nacional, da posse de um diploma ou de uma habilitação profissional, tomar em consideração os diplomas, certificados e outros títulos que o interessado adquiriu com o objectivo de exercer essa mesma profissão noutro Estado-Membro, procedendo a uma comparação entre as competências comprovadas por esses diplomas e os conhecimentos e habilitações exigidos pelas regras nacionais.

    22 Por aplicação do mesmo princípio, o Tribunal de Justiça declarou, no n._ 28 do acórdão Haim, já referido, que as autoridades nacionais competentes, para verificar se a obrigação de estágio exigida pela regulamentação nacional foi satisfeita, devem ter em conta a experiência profissional do interessado, incluindo a que este adquiriu noutro Estado-Membro.

    23 Tendo esta jurisprudência sido confirmada por várias vezes (v., por último, o acórdão de 8 de Julho de 1999, Fernández de Bobadilla, C-234/97, Colect., p. I-4773, n.os 29 a 31), não oferece dúvidas que as autoridades de um Estado-Membro - às quais é apresentado, por um cidadão comunitário, um pedido de exercício de uma profissão cujo acesso está dependente, segundo a legislação nacional, da posse de um diploma ou de uma habilitação profissional, ou de períodos de experiência prática - devem tomar em consideração o conjunto dos diplomas, certificados e outros títulos, bem como a experiência relevante do interessado, procedendo a uma comparação entre, por um lado, as competências comprovadas por esses títulos e essa experiência e, por outro, os conhecimentos e habilitações exigidos pela legislação nacional.

    24 Há que salientar que esta jurisprudência constitui mera expressão de um princípio inerente às liberdades fundamentais do Tratado.

    25 Os Governos espanhol e italiano, com o apoio, na audiência, do Governo francês, sustentam que este princípio não é aplicável no presente processo. Com efeito, segundo estes governos, quando existe uma directiva relativa ao reconhecimento mútuo dos diplomas, como a Directiva 93/16, e o título do interessado não satisfaz os requisitos enunciados nesta, o interessado não pode invocar directamente as disposições do Tratado relativas às liberdades fundamentais comunitárias.

    26 Considerando que o artigo 57._, n._ 3, do Tratado sujeita a livre circulação dos que exercem profissões médicas, paramédicas e farmacêuticas a determinadas condições que foram precisadas pelo direito derivado, estes governos concluem daí que as pessoas em causa só podem fazer uso desse direito nos termos do processo e segundo as modalidades previstos pelo direito derivado, isto é, no caso do processo principal, no quadro definido pela Directiva 93/16.

    27 Estes governos salientam que a jurisprudência do Tribunal de Justiça nesta matéria dizia respeito a profissões, como a de advogado (em causa no processo em que foi proferido o acórdão Vlassopoulou, já referido) ou de agente imobiliário (v. acórdão de 7 de Maio de 1992, Aguirre Borrell e o., C-104/91, Colect., p. I-3003), que não tinham sido objecto, no momento em que essa jurisprudência foi firmada, de qualquer directiva relativa à coordenação ou ao reconhecimento mútuo de diplomas. Esta jurisprudência seria, portanto, impertinente no que se refere à livre circulação dos médicos, que seria taxativamente regida pela Directiva 93/16, tanto no que se refere à determinação dos que têm direito a essa liberdade como dos que dela estão excluídos.

    28 Os mesmos governos acrescentam que a restrição introduzida pelo n._ 3 do artigo 57._ do Tratado em relação às profissões médicas, paramédicas e farmacêuticas tem como finalidade garantir um nível elevado de protecção da saúde, que é um dos objectivos expressamente confiados à Comunidade pelo artigo 3._, alínea o), do Tratado CE [que passou, após alteração, a artigo 3._, alínea p), CE]. A realização deste objectivo ficaria comprometida se se admitisse o exercício das profissões médicas e paramédicas sem cumprimento dos requisitos previstos nas directivas aplicáveis.

    29 Os Governos finlandês e do Reino Unido, tal como a Comissão, entendem, ao invés, que as obrigações relativas ao reconhecimento mútuo dos diplomas impostas aos Estados-Membros pelo artigo 52._ do Tratado subsistem, quer exista quer não uma directiva comunitária nessa matéria. A Comissão salienta que seria paradoxal que a existência de uma directiva destinada ao reconhecimento mútuo dos diplomas tivesse um efeito restritivo da liberdade de estabelecimento, privando o cidadão comunitário titular de um diploma que não satisfaz as condições exigidas por essa directiva da faculdade de fazer valer o princípio evocado nos n.os 23 e 24 do presente acórdão, faculdade essa de que beneficiaria certamente se não houvesse essa directiva.

    30 Tendo em conta estas considerações, há que precisar o âmbito de aplicação do princípio evocado nos n.os 23 e 24 do presente acórdão.

    31 Se é verdade que esse princípio foi aplicado em processos que se referiam a profissões para cujo exercício não existiam, nessa altura, medidas de harmonização ou de coordenação, não é menos certo que esse princípio não pode perder parte do seu valor jurídico devido à adopção de directivas relativas ao reconhecimento mútuo dos diplomas.

    32 Com efeito, essas directivas têm como finalidade, como resulta do artigo 57._, n._ 1, do Tratado, facilitar o acesso às actividades não assalariadas e ao seu exercício e, portanto, tornar mais acessíveis aos nacionais dos outros Estados-Membros as possibilidades já existentes de acesso a essas actividades. Foi nesta óptica que o Tribunal de Justiça declarou que, quando a liberdade de estabelecimento prevista pelo artigo 52._ pode ser assegurada num Estado-Membro em virtude quer de disposições legislativas e regulamentares em vigor quer de práticas da administração pública ou de corporações profissionais, o benefício efectivo desta liberdade não poderá ser recusado a uma pessoa abrangida pelo direito comunitário pelo simples facto de, em relação a uma dada profissão, as directivas previstas pelo artigo 57._ do Tratado ainda não terem sido adoptadas (v. acórdão de 28 de Abril de 1977, Thieffry, 71/76, Colect., p. 277, n._ 17).

    33 O papel das directivas que definem regras e critérios comuns para o reconhecimento mútuo de diplomas é, pois, instituir um sistema que obrigue os Estados-Membros a admitir a equivalência de certos diplomas, sem que estes possam exigir dos interessados a satisfação de outros requisitos para além dos prescritos pelas directivas aplicáveis nessa matéria.

    34 Este reconhecimento mútuo de diplomas torna supérfluo, quando estão reunidas condições como as enunciadas na Directiva 93/16, o reconhecimento eventual desses diplomas em aplicação do princípio evocado nos n.os 23 e 24 do presente acórdão. Este princípio conserva, porém, todo o seu interesse em situações não contempladas por essas directivas, como é o caso de H. Hocsman.

    35 Nesta situação, como foi dito no n._ 23 do presente acórdão, as autoridades de um Estado-Membro, às quais tenha sido apresentado, por um cidadão comunitário, um pedido de autorização de exercício de uma profissão cujo acesso está dependente, segundo a legislação nacional, da posse de um diploma ou de uma habilitação profissional, ou ainda de períodos de experiência prática, devem tomar em consideração o conjunto dos diplomas, certificados e outros títulos, bem como a experiência relevante do interessado, procedendo a uma comparação entre, por um lado, as competências comprovadas por esses títulos e essa experiência e, por outro, os conhecimentos e habilitações exigidos pela legislação nacional.

    36 Se esta apreciação comparativa dos diplomas e da experiência profissional correspondente conduzir à conclusão de que os conhecimentos e habilitações comprovados pelo diploma obtido no estrangeiro correspondem aos exigidos pelas disposições nacionais, as autoridades competentes do Estado-Membro de acolhimento são obrigadas a admitir que esse diploma e, eventualmente, a experiência profissional correspondente preenchem as condições previstas pelas mesmas. Se, pelo contrário, a comparação só revelar uma correspondência parcial entre estes conhecimentos e habilitações, as autoridades competentes têm o direito de exigir que o interessado demonstre que adquiriu os conhecimentos e habilitações não certificados (v., neste sentido, acórdãos já referidos Vlassopoulou, n.os 19 e 20, e Fernández de Bobadilla, n.os 32 e 33).

    37 No processo principal, está em causa um médico cujo diploma argentino de medicina de base foi reconhecido como equivalente ao diploma nacional num Estado-Membro, o que lhe permitiu prosseguir os seus estudos de especialidade em urologia nesse mesmo Estado-Membro e aí obter um diploma de especialista em urologia que, segundo os documentos apresentados no Tribunal de Justiça, teria sido reconhecido, por força do direito comunitário, como equivalente em todos os Estados-Membros se o diploma de base tivesse sido igualmente obtido num Estado-Membro.

    38 Posteriormente, o interessado exerceu igualmente durante vários anos no Estado-Membro de acolhimento, de modo legal, a especialidade médica que desejaria precisamente aí exercer no futuro como independente, o que implica a inscrição do interessado na Ordem dos Médicos nacional do Estado-Membro de acolhimento e, portanto, a posse de um diploma de medicina de base emitido pelas autoridades nacionais competentes ou reconhecido como equivalente a este último.

    39 Compete ao órgão jurisdicional de reenvio, eventualmente às autoridades nacionais competentes, apreciar, tendo em conta todos os elementos do processo e as considerações que antecedem, se a equivalência do diploma de H. Hocsman com o diploma correspondente francês deve ser admitida. Ter-se-á que analisar designadamente se o reconhecimento em Espanha do diploma argentino de H. Hocsman como equivalente ao título espanhol de licenciado em medicina e cirurgia foi efectuado com base em critérios comparáveis aos que têm como objectivo, no quadro da Directiva 93/16, garantir aos Estados-Membros que estes podem confiar na qualidade dos diplomas em medicina obtidos noutros Estados-Membros.

    40 Resulta de quanto precede que há que responder à questão prejudicial que o artigo 52._ do Tratado deve ser interpretado no sentido de que, quando, numa situação não prevista por uma directiva relativa ao reconhecimento mútuo dos diplomas, um cidadão comunitário apresenta um pedido de autorização de exercício de uma profissão cujo acesso está dependente, segundo a legislação nacional, da posse de um diploma ou de uma habilitação profissional, ou ainda de períodos de experiência prática, as autoridades competentes do Estado-Membro em causa são obrigadas a tomar em consideração o conjunto dos diplomas, certificados e outros títulos, bem como a experiência relevante do interessado, procedendo a uma comparação entre, por um lado, as competências comprovadas por esses títulos e essa experiência e, por outro, os conhecimentos e habilitações exigidos pela legislação nacional.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    41 As despesas efectuadas pelos Governos francês, espanhol, italiano, neerlandês, finlandês e do Reino Unido, bem como pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    (Quinta Secção),

    pronunciando-se sobre a questão submetida pelo tribunal administratif de Châlons-en-Champagne, por sentença de 23 de Junho de 1998, declara:

    O artigo 52._ do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 43._ CE) deve ser interpretado no sentido de que, quando, numa situação não prevista por uma directiva relativa ao reconhecimento mútuo dos diplomas, um cidadão comunitário apresenta um pedido de autorização de exercício de uma profissão cujo acesso está dependente, segundo a legislação nacional, da posse de um diploma ou de uma habilitação profissional, ou ainda de períodos de experiência prática, as autoridades competentes do Estado-Membro em causa são obrigadas a tomar em consideração o conjunto dos diplomas, certificados e outros títulos, bem como a experiência relevante do interessado, procedendo a uma comparação entre, por um lado, as competências comprovadas por esses títulos e essa experiência e, por outro, os conhecimentos e habilitações exigidos pela legislação nacional.

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