Choose the experimental features you want to try

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 61998CJ0186

    Acórdão do Tribunal (Primeira Secção) de 8 de Julho de 1999.
    Processos penais contra Maria Amélia Nunes e Evangelina de Matos.
    Pedido de decisão prejudicial: Tribunal de Círculo do Porto - Portugal.
    Financiamento concedido pelo Fundo Social Europeu - Utilização indevida - Sanções em direito comunitário e nacional.
    Processo C-186/98.

    Colectânea de Jurisprudência 1999 I-04883

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1999:376

    61998J0186

    Acórdão do Tribunal (Primeira Secção) de 8 de Julho de 1999. - Processos penais contra Maria Amélia Nunes e Evangelina de Matos. - Pedido de decisão prejudicial: Tribunal de Círculo do Porto - Portugal. - Financiamento concedido pelo Fundo Social Europeu - Utilização indevida - Sanções em direito comunitário e nacional. - Processo C-186/98.

    Colectânea da Jurisprudência 1999 página I-04883


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    1 Política social - Fundo Social Europeu - Contribuição para o financiamento de acções de formação profissional - Utilização indevida da contribuição - Natureza das sanções de direito comunitário - Inexistência de carácter penal

    (Regulamento n._ 2950/83 do Conselho, artigo 6._)

    2 Estados-Membros - Obrigações - Obrigação de punir as violações do direito comunitário - Alcance

    [Tratado CE, artigo 5._ (actual artigo 10._ CE)]

    Sumário


    1 O direito comunitário não atribui dignidade penal aos actos de utilização indevida das contribuições do Fundo Social Europeu.

    Com efeito, resulta do artigo 6._ do Regulamento n._ 2950/83 que aplica a Decisão 83/516 relativa às funções do Fundo Social Europeu que as consequências de uma utilização da contribuição do Fundo, contrária às condições fixadas pela decisão de aprovação, não têm natureza penal.

    2 O artigo 5._ do Tratado (actual artigo 10._ CE) impõe aos Estados-Membros que tomem todas as medidas adequadas para garantir o alcance e a eficácia do direito comunitário e, por isso, que tomem todas as medidas efectivas para punir comportamentos que lesem os interesses financeiros da Comunidade, quando uma regulamentação comunitária não contém qualquer disposição específica que preveja uma sanção em caso de violação, ou remeta, nesse ponto, para as disposições legislativas, regulamentares e administrativas nacionais. O mesmo se verifica quando uma regulamentação comunitária preveja certas sanções em caso de violação, mas não fixe de modo exaustivo as sanções que os Estados-Membros podem aplicar. Nesse caso, as medidas nacionais podem incluir sanções penais, mesmo quando a regulamentação comunitária só preveja uma sanção cível.

    A sanção prevista pelas autoridades nacionais deve ser similar à aplicável em caso de violação de disposições do direito nacional de natureza e de importância semelhantes, e deve ser efectiva, proporcionada e dissuasiva.

    Partes


    No processo C-186/98,

    que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE (actual artigo 234._ CE), pelo Tribunal de Círculo do Porto (Portugal), destinado a obter, nos processos penais pendentes neste órgão jurisdicional contra

    Maria Amélia Nunes,

    Evangelina de Matos,

    uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação das disposições do direito comunitário que regem a utilização indevida dos financiamentos concedidos pelo Fundo Social Europeu,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    (Primeira Secção),

    composto por: P. Jann (relator), presidente de secção, D. A. O. Edward e L. Sevón, juízes,

    advogado-geral: F. G. Jacobs,

    secretário: R. Grass,

    vistas as observações escritas apresentadas:

    - em representação de Maria Amélia Nunes, por J. Lourenço Pinto, advogado em Lisboa,

    - em representação do Governo português, por Luís Fernandes, director do Serviço Jurídico da Direcção-Geral das Comunidades Europeias do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e Ângelo Seiça Neves, membro do mesmo serviço, na qualidade de agentes,

    - em representação do Governo finlandês, por Holger Rotkirch, embaixador, chefe do Serviço dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e Tuula Pynnä, consultora jurídica no mesmo ministério, na qualidade de agentes,

    - em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Maria Teresa Figueira e Knut Simonsson, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

    visto o relatório do juiz-relator,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 20 de Maio de 1999,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    1 Por decisão de 21 de Abril de 1998, entrada no Tribunal de Justiça em 18 de Maio seguinte, o Tribunal de Círculo do Porto colocou, nos termos do artigo 177._ do Tratado CE (actual artigo 234._ CE), duas questões prejudiciais relativas à interpretação das disposições do direito comunitário que regem a utilização indevida dos financiamentos concedidos pelo Fundo Social Europeu (a seguir «FSE»).

    2 Estas questões foram colocadas no âmbito de processos penais contra Maria Amélia Nunes e Evangelina de Matos, por crimes de falsificação de documentos, previstos e punidos pelo artigo 228._, n.os 1 e 3, do Código Penal português, crimes estes que teriam sido cometidos no âmbito de acções de formação realizadas em 1986 e de um curso ministrado em 1987. Maria Amélia Nunes é igualmente acusada da prática de crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 424._ do Código Penal português. As diferentes acções de formação tinham beneficiado de uma contribuição financeira do FSE.

    3 No momento dos factos nos processos principais, o Regulamento (CEE) n._ 2950/83 do Conselho, de 17 de Outubro de 1983, que aplica a Decisão 83/516/CEE relativa às funções do Fundo Social Europeu (JO L 289, p. 1; EE 05 F4 p. 22), previa, no seu artigo 6._, n._ 1:

    «Quando a contribuição do Fundo não for utilizada nas condições fixadas pela decisão de aprovação, a Comissão pode suspender, reduzir ou suprimir a contribuição depois de ter dado ao Estado-Membro em causa a oportunidade de apresentar as suas observações.»

    4 Por força do n._ 2 desta disposição, a utilização indevida das quantias pagas implica a restituição das mesmas.

    5 Na sua defesa no órgão jurisdicional nacional, Maria Amélia Nunes alegou que, quanto à utilização indevida de fundos comunitários por particulares, o direito comunitário prevê sanções que, sendo de natureza cível, são suficientes para garantir os interesses financeiros da Comunidade. Daí concluiu que nem o legislador nacional nem o juiz podem qualificar de infracção penal uma conduta como a que lhe é imputada.

    6 Nestas circunstâncias, o Tribunal de Círculo suspendeu a instância para perguntar ao Tribunal de Justiça:

    «- se a legislação comunitária, em vigor à data da ocorrência dos factos imputados à ré..., atribuía dignidade penal a tal conduta,

    e

    - se um Estado-Membro é competente para punir penalmente condutas que, lesando interesses patrimoniais comunitários, a legislação comunitária apenas tenha previsto uma sanção de natureza cível».

    Quanto à primeira questão

    7 Resulta do artigo 6._ do Regulamento n._ 2950/83 que as consequências de uma utilização da contribuição do FSE, contrária às condições fixadas pela decisão de aprovação, não têm natureza penal.

    8 Por conseguinte, há que responder à primeira questão que o direito comunitário não atribui dignidade penal aos actos de utilização indevida das contribuições do FSE.

    Quanto à segunda questão

    9 Recorde-se que, quando uma regulamentação comunitária não contenha qualquer disposição específica que preveja uma sanção em caso de violação, ou remeta, nesse ponto, para as disposições legislativas, regulamentares e administrativas nacionais, o artigo 5._ do Tratado CE (actual artigo 10._ CE) impõe aos Estados-Membros que tomem todas as medidas adequadas para garantir o alcance e a eficácia do direito comunitário (v., nomeadamente, acórdão de 21 de Setembro de 1989, Comissão/Grécia, 68/88, Colect., p. 2965, n._ 23).

    10 Para esse efeito, ao mesmo tempo que conservam a possibilidade de escolha das sanções, os Estados-Membros devem, nomeadamente, velar por que as violações do direito comunitário sejam punidas em condições substantivas e processuais análogas às aplicáveis às violações do direito nacional de natureza e importância semelhantes e que, de qualquer forma, confiram à sanção um carácter efectivo, proporcionado e dissuasivo (acórdão Comissão/Grécia, já referido, n._ 24).

    11 Ademais, em relação às violações do direito comunitário, as autoridades nacionais devem proceder com a mesma diligência que empregam para a aplicação da legislação nacional correspondente (acórdão Comissão/Grécia, já referido, n._ 25).

    12 É aplicável o mesmo raciocínio quando uma regulamentação comunitária preveja certas sanções em caso de violação, mas não fixe de modo exaustivo as sanções que os Estados-Membros podem aplicar. É esse o caso da regulamentação relativa ao FSE.

    13 A natureza da obrigação imposta pelo artigo 5._ do Tratado é, aliás, sublinhada, como foi salientado pelo advogado-geral no n._ 9 das suas conclusões, pelo artigo 209._-A, n._ 1, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 280._, n._ 2, CE), nos termos do qual os Estados-Membros tomam as mesmas medidas para combater as fraudes que afectem os interesses financeiros da Comunidade do que as que tomam para combater as fraudes que afectem os seus próprios interesses financeiros.

    14 Por conseguinte, há que responder à segunda questão que o artigo 5._ do Tratado impõe que os Estados-Membros tomem todas as medidas efectivas para punir comportamentos que lesem os interesses financeiros da Comunidade. Tais medidas podem incluir sanções penais, mesmo quando a regulamentação comunitária só preveja uma sanção cível. A sanção prevista deve ser similar à aplicável em caso de violação de disposições do direito nacional de natureza e de importância semelhantes, e deve ser efectiva, proporcionada e dissuasiva.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    15 As despesas efectuadas pelos Governos português e finlandês, bem como pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    (Primeira Secção),

    pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Tribunal de Círculo do Porto, por decisão de 21 de Abril de 1998, declara:

    16 O direito comunitário não atribui dignidade penal aos actos de utilização indevida das contribuições do Fundo Social Europeu.

    17 O artigo 5._ do Tratado CE (actual artigo 10._ CE) impõe que os Estados-Membros tomem todas as medidas efectivas para punir comportamentos que lesem os interesses financeiros da Comunidade. Tais medidas podem incluir sanções penais, mesmo quando a regulamentação comunitária só preveja uma sanção cível. A sanção prevista deve ser similar à aplicável em caso de violação de disposições do direito nacional de natureza e de importância semelhantes, e deve ser efectiva, proporcionada e dissuasiva.

    Top