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Document 61998CC0482

Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 15 de Junho de 2000.
República Italiana contra Comissão das Comunidades Europeias.
Recurso de anulação - Directiva 92/83/CEE do Conselho - Harmonização das estruturas dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas - Decisão 98/617/CE da Comissão, de 21 de Outubro de 1998, que nega à Itália autorização para recusar a concessão de isenção em relação a determinados produtos isentos do imposto especial de consumo, por força da Directiva 92/83 - Produtos cosméticos.
Processo C-482/98.

Colectânea de Jurisprudência 2000 I-10861

ECLI identifier: ECLI:EU:C:2000:328

61998C0482

Conclusões do advogado-geral Ruiz-Jarabo Colomer apresentadas em 15 de Junho de 2000. - República Italiana contra Comissão das Comunidades Europeias. - Recurso de anulação - Directiva 92/83/CEE do Conselho - Harmonização das estruturas dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas - Decisão 98/617/CE da Comissão, de 21 de Outubro de 1998, que nega à Itália autorização para recusar a concessão de isenção em relação a determinados produtos isentos do imposto especial de consumo, por força da Directiva 92/83 - Produtos cosméticos. - Processo C-482/98.

Colectânea da Jurisprudência 2000 página I-10861


Conclusões do Advogado-Geral


1 Neste recurso, interposto nos termos do artigo 173.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.° CE), a República Italiana solicita ao Tribunal de Justiça que anule a Decisão 98/617/CE (1), pela qual a Comissão lhe negou autorização para recusar a isenção de impostos especiais de consumo a determinados produtos alcoólicos.

I - A legislação comunitária

A - Legislação relativa aos impostos especiais de consumo

2 A Directiva 92/83/CEE (2) prevê que os Estados-Membros aplicarão ao álcool etílico um imposto especial de consumo (artigo 19.°, n.° 1), que é fixado por hectolitro de álcool puro a 20.°C e calculado por referência ao número de hectolitros de álcool puro, aplicando-se, em princípio, a mesma taxa a todos os produtos sujeitos a esse imposto especial de consumo (artigo 21.°).

3 No entanto, a directiva prevê certas excepções. Concretamente, nos termos do artigo 27.°:

«1. Os Estados-Membros isentarão do imposto especial de consumo harmonizado os produtos abrangidos pela presente directiva, nas condições por eles estabelecidas para assegurar a aplicação correcta e directa das isenções e evitar qualquer tipo de fraude, evasão ou utilização indevida, sempre que esses produtos:

a) Sejam distribuídos sob a forma de álcool totalmente desnaturado de acordo com as normas de qualquer dos Estados-Membros, tendo essas normas sido devidamente notificadas e aceites de acordo com o disposto nos n.os 3 e 4 (3) do presente artigo. Esta isenção fica sujeita à aplicação das disposições da Directiva 92/12/CEE (4) aos movimentos comerciais de álcool totalmente desnaturado;

b) Tenham sido desnaturados de acordo com as normas de qualquer dos Estados-Membros e sejam utilizados para o fabrico de produtos não destinados ao consumo humano;

...

5. Se um Estado-Membro considerar que um produto isento ao abrigo das alíneas a) e b) do n.° 1 pode suscitar uma eventual fraude, evasão ou utilização indevida, poderá recusar a isenção ou retirar a redução já concedida e, do facto, advertirá imediatamente a Comissão, que enviará a comunicação aos outros Estados-Membros no prazo de um mês, sendo então tomada uma decisão final de acordo com o procedimento previsto no artigo 24.° da Directiva 92/12/CEE. Os Estados-Membros não são obrigados a aplicar essa decisão com efeitos retroactivos.

...»

4 Nos termos do artigo 7.°, n.° 4, da Directiva 92/12, a que se refere o artigo 27.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 92/83, os produtos sujeitos ao imposto especial de consumo, que tenham sido introduzidos no consumo num Estado-Membro, circularão entre os territórios dos diferentes Estados-Membros a coberto de um documento de acompanhamento que mencione os principais elementos do documento referido no artigo 18.°, n.° 1, da mesma directiva (5).

5 Esta disposição foi desenvolvida pelo Regulamento (CEE) n.° 3649/92 (6). Nos termos do artigo 5.° deste regulamento, o

«documento de acompanhamento simplificado destina-se ainda a ser utilizado nos movimentos intracomunitários de álcool inteiramente desnaturado, previstos na alínea a) do n.° 1 do artigo 27.° da Directiva 92/83/CEE».

6 Esta disposição exclui que a circulação de álcool totalmente desnaturado seja submetida à obrigação de utilizar o documento administrativo de acompanhamento para a circulação em regime de suspensão dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (ou seja, os produtos que ainda não cumpriram a obrigação fiscal), a que se refere o artigo 18.°, n.° 1, da Directiva 92/12. Esse documento está definido no Regulamento (CEE) n.° 2719/92 (7).

B - Legislação sobre cosméticos

7 A Directiva 80/232/CEE (8) tem por objectivo, nos termos do seu artigo 5.°, impedir aos Estados-Membros «recusar, proibir ou restringir a colocação no mercado das pré-embalagens que satisfaçam o disposto na presente directiva, por motivos relacionados com o valor da quantidade nominal no caso de pré-embalagens enumeradas no anexo I...».

8 O anexo I estabelece, para os produtos a que se refere o artigo 1.° da directiva, as gamas dos valores das quantidades nominais do conteúdo das pré-embalagens. No ponto 7 (Cosméticos: produtos de beleza e de toucador) do referido anexo, figura o ponto 7.4 que se refere aos «Produtos à base de álcool contendo menos de 3% em volume de óleo de perfume natural ou sintético e menos de 70% em volume de álcool etílico puro: águas aromáticas, loções capilares, loções para antes e depois de barbear».

9 Por último, há que mencionar a Directiva 76/768/CEE (9). O seu artigo 1.°, n.° 1, define «os produtos cosméticos» como «qualquer substância ou preparação destinada a ser posta em contacto com as diversas partes superficiais do corpo humano (epiderme, sistemas piloso e capilar, unhas, lábios e órgãos genitais externos) ou com os dentes e mucosas bucais, tendo em vista exclusiva ou principalmente limpá-las, perfumá-las ou modificar-lhes o aspecto e/ou corrigir os odores corporais e/ou protegê-las ou mantê-las em bom estado».

II - Antecedentes do litígio

A - O pedido da República Italiana

10 Em Junho e Julho de 1997, a administração fiscal italiana comunicou à Comissão que, através do Decreto ministerial n.° 524, de 9 de Junho de 1996 (10), foram fixados naquele país determinados requisitos a que os produtos alcoólicos deveriam obedecer para poderem beneficiar da isenção do imposto especial de consumo prevista no artigo 27.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 92/83.

Entre os requisitos fixados figuravam, em especial:

- o de apresentar à desnaturação apenas álcool puro para produzir perfumes e cosméticos, e não álcool de refugo, e

- o de o conteúdo em álcool não ultrapassar 40% em certos produtos de limpeza doméstica.

A finalidade dos referidos requisitos, que se limitavam a reflectir a composição normal desses produtos, era evitar que mercadorias preparadas de modo anormal pudessem beneficiar indevidamente das fórmulas de desnaturação e dos procedimentos de circulação e de depósito previstos para certas categorias de mercadorias. Em particular, no caso dos cosméticos, tratava-se de evitar que determinados produtos, comercializados como perfumes sem reunirem as características próprias destes, pudessem, na realidade, ao serem um pouco mais desnaturados, substituir de facto o álcool completamente desnaturado a que se refere o artigo 27.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 92/83. A administração fiscal italiana assinalava que este último tipo de álcool oferece maiores garantias, do ponto de vista da prevenção das fraudes, tanto por causa da maior desnaturação como dos procedimentos mais estritos de circulação e de armazenamento.

11 Segundo indica o Governo italiano no seu pedido, a aplicação dos mencionados requisitos foi suspensa devido ao início de um processo de infracção por falta da comunicação prévia de normas técnicas. Não obstante, a administração italiana insistiu em obter a autorização para negar a isenção dos impostos especiais de consumo aos produtos que pudessem dar origem a evasão, fraude ou utilização indevida.

12 Na réplica, o Estado recorrente explica do seguinte modo a técnica de desnaturação e os riscos de fraude fiscal.

A desnaturação tem por finalidade tornar o álcool tóxico, de forma que não possa ser ingerido nem reconvertido para utilização alimentar. As fórmulas de desnaturação impõem, para a produção de detergentes, a utilização do desnaturante aprovado pelo Estado. Trata-se de um estabilizador do produto altamente tóxico que impede a reconversão química do álcool em álcool bebível.

Os perfumes, que estão também isentos do imposto especial de consumo, suscitam um problema especial. Só podem ser fabricados com desnaturantes perfumados, especiais e suaves. Como o álcool impuro tem mau odor e contém produtos do início e da cauda da destilação (como aldeídos, cetonas e metanol, tóxicos para a saúde humana), incompatíveis com a utilização no rosto, na pele ou nas mucosas, é necessário utilizar álcool de boa qualidade para fabricar um perfume.

Apesar de a sua desnaturação ser menor e, por isso, a sua reconversão mais fácil, o álcool utilizado num perfume não será reconvertido, uma vez que essa operação ficaria muito cara, dado o preço do álcool puro.

Pelo contrário, a mesma operação seria rentável se a legislação permitisse a utilização de álcool de refugo para fazer um «perfume».

Por esta razão, o Governo italiano considera que a obrigação de utilizar álcool puro para produção de perfumes e de cosméticos constitui um instrumento de luta contra o contrabando e a evasão fiscal. Afirma que, em Itália, se confirmou um caso em que um produto, obtido com álcool de refugo pouco perfumado, depois de ter sido declarado cosmético pelo fabricante, foi comercializado como produto de limpeza doméstica e, assim, como sucedâneo do álcool completamente desnaturado a que se refere o artigo 27.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 92/83, sem ser submetido às regras mais estritas de desnaturação, circulação e armazenamento previstas para este último produto.

B - A Decisão 98/617

13 Em 21 de Outubro de 1998, a Comissão negou à Itália a autorização solicitada (11). Essa instituição considerou:

«11) No que diz respeito às razões apresentadas pela Itália para recusar a isenção dos cosméticos (perfumes) com álcool impuro, refira-se que a utilização do álcool impuro a preços reduzidos para a produção de produtos abrangidos pelo n.° 1, alínea b), do artigo 27.° não pode ser considerada uma fonte de fraude, evasão ou utilização indevida uma vez que, por um lado, o álcool impuro apresenta menos riscos de utilização indevida e, por outro, o facto de os produtos cosméticos fabricados com álcool impuro serem ou não mais baratos não é uma justificação válida, dado que o n.° 1, alínea b), do artigo 27.° não se limita de forma nenhuma aos produtos mais caros e que os preços dos vários produtos abrangidos são extremamente diversificados. Além disso, a directiva também não exige que os produtos isentos nos termos do n.° 1, alínea b), do artigo 27.° (que não se destinem ao consumo humano) sejam derivados do álcool puro.

12) Além disso, dado que o n.° 1, alínea b), do artigo 27.° não abrange apenas, nem mesmo principalmente, os produtos cosméticos, mas abrange igualmente os produtos de limpeza, a utilização dos produtos descritos como cosméticos para fins de limpeza não pode afectar a sua classificação nos termos do n.° 1, alínea b), do artigo 27.° nem pode ser considerada como fraude, evasão ou utilização indevida. Esta situação é especialmente notória se se tiver em conta o facto de em determinados Estados-Membros não ser invulgar a utilização de águas de colónia e produtos semelhantes para fins não cosméticos como por exemplo para a limpeza. O facto de o álcool totalmente desnaturado nos termos do n.° 1, alínea b), do artigo 27.° poder ser utilizado igualmente para esses fins não é pertinente.

...

16) Além disso, a Itália não demonstrou que qualquer dos produtos objecto da sua recusa de isenção tenha efectivamente dado origem a um caso de fraude, evasão ou utilização indevida. De igual modo, nenhum outro Estado-Membro cuja maioria aplica impostos muito mais elevados do que a Itália registou problemas de fraude, evasão ou utilização indevida decorrente da isenção desses produtos.»

III - Pedido das partes

14 O Governo italiano solicita ao Tribunal de Justiça que anule a decisão da Comissão e a remeta à Comissão para novo exame, e que condene a instituição recorrida nas despesas.

15 Por sua vez, a Comissão solicita ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso e condene a República Italiana nas despesas.

IV - Fundamentos do recurso

16 A República Italiana fundamenta o seu recurso numa infracção e numa errada aplicação dos n.os 1, alíneas a) e b), e 5 do artigo 27.° da Directiva 92/83, bem como do artigo 1.° da Directiva 76/768 e do anexo I, ponto 7.4, da Directiva 80/232. Alega ainda um erro nos pressupostos, falta de lógica e fundamentação insuficiente.

Em concreto, o Governo recorrente considera que a decisão impugnada é inválida e deve ser anulada:

- por afirmar, de modo geral e apesar do disposto no anexo I, ponto 7.4, da Directiva 80/232, que os produtos cosméticos podem ser fabricados utilizando álcoois diferentes do álcool puro;

- por admitir, contra o estabelecido no artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 76/768, alterada pela Directiva 93/35, que os produtos cosméticos podem destinar-se a outros usos distintos da aplicação no corpo humano e que podem, por conseguinte, ser fabricados especificamente para serem destinados a esses usos diferentes;

- porquanto, ao não fazer a distinção entre os conceitos de evasão, fraude ou utilização indevida, a que se refere o artigo 27.°, n.os 1 e 5, da Directiva 92/83, e ao equipará-los todos ao de evasão, a Comissão não considera utilização indevida a intenção de se beneficiar indevidamente de um regime de controlo fiscal mais favorável;

e

- porquanto, ao suprimir todos os limites no que se refere ao conteúdo em álcool e ao permitir deste modo a preparação de produtos na sua essência similares, pela sua composição e pelas suas possibilidades de utilização, ao álcool completamente desnaturado, que tem que ser submetido a um regime mais favorável, a Comissão cria, entre produtos que apresentam o mesmo risco de evasão, uma discriminação de natureza fiscal que afecta também o mercado e, portanto, a competitividade dos próprios produtos.

V - Análise jurídica

A - Produtos sujeitos ao imposto especial de consumo sobre o álcool etílico

17 Segundo a Comissão, dos artigos 20.°, 25.° e 27.° da Directiva 92/83 deduz-se que os únicos produtos sujeitos ao imposto especial de consumo sobre o álcool etílico são as bebidas alcoólicas. Ao ficarem os demais álcoois etílicos obrigatoriamente isentos do imposto, não seria lógico negar a isenção a um álcool etílico não contido numa bebida alcoólica pelo mero facto de ter sido classificado, impropriamente, como álcool isento nos termos do artigo 21.°, n.° 1.°, alínea b), em vez de álcool isento nos termos da alínea a) da mesma disposição.

18 É verdade que, na primeira fase de longas negociações que precederam a adopção da Directiva 92/12 (12), a Comissão defendeu que os impostos especiais de consumo só deviam incidir sobre os álcoois destinados ao consumo humano (13). No entanto, não parece que o Conselho tenha aderido a esta iniciativa.

19 Com efeito, depois de dispor, no n.° 1 do seu artigo 19.°, que «Os Estados-Membros aplicarão ao álcool etílico um imposto especial de consumo de acordo com as disposições da presente directiva», o artigo 20.° da Directiva 92/83 estabelece o seguinte:

«Para efeitos de aplicação da presente directiva, por `álcool etílico' entendem-se:

- os produtos com um teor alcoólico em volume superior a 1,2% vol abrangidos pelos códigos NC 2207 e 2208, mesmo quando estes produtos constituam parte de um produto abrangido por outro capítulo da Nomenclatura Combinada,

- os produtos abrangidos pelos códigos NC 2204, 2205 e 2206 de teor alcoólico adquirido superior a 22% vol,

- as bebidas espirituosas que contenham produtos em solução ou não.»

20 De acordo com o artigo 26.° da Directiva 92/83, as referências aos códigos da Nomenclatura Combinada são os que constem da versão vigente à data da adopção da directiva (14). Assim, mesmo que seja um facto que a quase totalidade dos produtos a que se referem os códigos mencionados no artigo 20.° são bebidas alcoólicas, também é um facto que o código NC 2207 abrange também o «álcool etílico e aguardente, desnaturados, com qualquer teor alcoólico», que não podem, em caso algum, ser qualificados como bebidas alcoólicas.

21 Por isso, a Directiva 92/83 estabelece o princípio da sujeição ao imposto especial de consumo dos álcoois etílicos não destinados ao consumo humano, sem prejuízo de poderem ficar isentos se preencherem as condições fixadas no seu artigo 27.°

22 Não penso que o artigo 25.° da Directiva 92/83, referido pela Comissão, possa levar a outra conclusão. Segundo essa disposição: «Os Estados-Membros podem restituir os impostos especiais de consumo que tenham incidido sobre bebidas alcoólicas retiradas do mercado devido ao facto de o seu estado ou idade as ter tornado impróprias para consumo humano.» Em minha opinião, o facto de este artigo se referir unicamente às bebidas alcoólicas não permite deduzir que o imposto incide só sobre os produtos destinados ao consumo humano. Como assinalei, o âmbito de aplicação deste imposto especial de consumo é definido no artigo 20.°, ao passo que o artigo 25.° constitui apenas uma disposição especial, aplicável a um tipo determinado de produtos sujeitos ao imposto.

23 Na tréplica, a Comissão afirma que, em qualquer caso, dada a grande variedade de métodos de desnaturação de que dispõem os operadores económicos (métodos aprovados em direito comunitário e métodos nacionais aos quais se aplica o princípio do reconhecimento mútuo entre os Estados-Membros), é inconcebível, salvo em caso de introdução clandestina no mercado, que um operador não utilize um deles. Considera que, antes de comercializar um álcool desnaturado, um fabricante ou um distribuidor não só honrados mas razoáveis assegurar-se-ão antes de mais de que o referido álcool obedece às condições de desnaturação comunitárias ou nacionais exigidas para obter a isenção, pela razão evidente de que o álcool desnaturado onerado com a pesada carga fiscal do imposto especial de consumo previsto para o álcool etílico teria um preço demasiado elevado e seria invendável.

24 Este argumento também não me parece convincente. O grande número de métodos de desnaturação que, segundo a Comissão, são aceites nos âmbitos comunitário ou nacional pressupõe apenas que os operadores obterão facilmente a isenção. Não obstante, o certo é que o artigo 27.°, n.° 1, da Directiva 92/83 vincula a obtenção da isenção à utilização de um dos métodos de desnaturação aprovados por uma norma comunitária [alínea a)] ou por uma norma nacional [alínea b)]. Se, por qualquer motivo, o método de desnaturação utilizado não corresponder a nenhuma destas duas categorias, o álcool que daí resulte não poderá beneficiar da isenção prevista nessas duas disposições, independentemente da qualificação que se possa dar ao operador que actue desse modo.

25 Considero, assim, que a Comissão não tem razão quando afirma que, de qualquer modo, os álcoois etílicos desnaturados estão isentos dos impostos especiais de consumo e que não tem importância, no plano fiscal, que um álcool esteja abrangido na alínea a) ou na alínea b) do n.° 1 do artigo 27.° da Directiva 92/83. Como demonstrei, não é exacto que os referidos álcoois estejam sempre isentos do imposto especial de consumo, mas, pelo contrário, para estarem isentos teriam que obedecer às condições enunciadas na mencionada disposição.

B - As alegações relativas a uma pretensa infracção da Directiva 80/232 e das Directivas 76/768 e 93/35

26 O Governo italiano afirma que os diferentes regimes estabelecidos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 27.° da Directiva 92/83 têm uma relação estreita com os diversos tipos de produtos, na medida em que as fórmulas de desnaturação foram estudadas tendo em conta o destino específico de cada um deles. Assim, é necessário que qualquer produto seja objecto de classificação exacta, de acordo com a sua composição e a sua utilização, para evitar que possa beneficiar de modo abusivo de um regime mais favorável do que aquele a que tem direito, provocando não só um risco para a fazenda pública, mas também uma distorção da concorrência em prejuízo dos operadores honestos.

Acresce que, ao recusar a autorização para proibir a isenção prevista na alínea b) da mencionada disposição a produtos apresentados como «perfumes», mas fabricados com álcool de refugo, a Comissão não teve em consideração a circunstância de que a Directiva 80/232 impõe a utilização de álcool puro, pelo menos para o fabrico de determinadas categorias de cosméticos.

O Governo recorrente sustenta também que a Comissão, ao considerar irrelevante, do ponto de vista fiscal, que os produtos «cosméticos» possam ser utilizados para a limpeza doméstica, ignora as disposições das Directivas 76/768 e 93/35.

27 Da redacção das alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 27.° da Directiva 92/83 não pode deduzir-se, em minha opinião, que determinados tipos de produtos, como os detergentes, devam necessariamente ser abrangidos pela alínea a), como parece sugerir o Estado recorrente. Considero, pelo contrário, como a Comissão, que o essencial no momento de conceder ou de recusar a isenção é o método de desnaturação. Se é um dos aprovados no âmbito comunitário, o álcool fica isento do imposto especial de consumo nos termos da alínea a). Se, pelo contrário, o álcool contido num produto não destinado ao consumo humano foi desnaturado segundo um método aprovado num Estado-Membro, deve ser aplicada a isenção prevista na alínea b). Por último, se o método de desnaturação não corresponder a um dos homologados pela legislação comunitária ou pelos sistemas jurídicos nacionais, o produto não tem direito a isenção.

28 Assim, seria contrário à Directiva 92/83 recusar a isenção para um produto que cumpre os requisitos do seu artigo 27.°, n.° 1, alínea b), pelo mero facto de se provar que o seu destino real não corresponde à denominação que o operador lhe deu. Como afirma correctamente a Comissão, nem a utilização de álcool puro nem o teor máximo em álcool foram considerados pelo legislador comunitário como critérios para a aplicação da isenção.

29 Também não pode servir de justificação, pela mesma razão, o argumento de que as condições impostas reflectem a composição normal dos produtos. Embora seja verdade que, em relação aos cosméticos, a Directiva 80/232, no ponto 7.4 do seu anexo I, só faz referência ao álcool puro, um produto apresentado como cosmético que contenha álcool impuro não pode nem deve ser sancionado com a perda da isenção, sempre que cumpra os requisitos estabelecidos no artigo 27.°, n.° 1, da Directiva 92/83. Em contrapartida, os Estados-Membros poderão, em conformidade com as directivas comunitárias, proibir a sua comercialização e, se for caso disso, impor as sanções económicas ou inclusivamente penais previstas nos seus respectivos direitos internos. O mesmo se pode dizer da outra condição fixada pelo Governo italiano, quanto ao teor máximo em álcool dos produtos de limpeza doméstica.

30 Por conseguinte, considero que deve rejeitar-se a alegação fundada numa suposta infracção da Directiva 80/232 relativa aos produtos cosméticos. A Comissão, na decisão impugnada, não afirma que esses produtos podem ser obtidos com álcool impuro. O que se sustenta, no meu modo de ver correctamente, é que a utilização desse tipo de álcool em produtos que tenham sido apresentados como cosméticos não impede que lhes seja aplicada a isenção, se o álcool utilizado tiver sido desnaturado de acordo com um dos métodos mencionados no artigo 27.°, n.° 1, da Directiva 92/83.

31 A mesma sorte deve ter a alegação relativa à pretensa infracção da Directiva 76/768, modificada pela Directiva 93/35. É verdade que esta directiva estabelece que só podem qualificar-se de «produtos cosméticos» as substâncias ou preparações destinadas a ser postas em contacto com o corpo humano (artigo 1.°, n.° 1) e que os Estados-Membros terão de adoptar as disposições necessárias para que nas etiquetas, apresentação e publicidade dos produtos cosméticos não lhes sejam atribuídas características que não possuem (artigo 6.°, n.° 3). Assim, um produto para limpeza doméstica, como um detergente, não pode aparecer sob a denominação de «produto cosmético».

Ora, como disse anteriormente, o facto de um produto de limpeza doméstica não poder ser apresentado com a denominação de produto cosmético não significa que o álcool desnaturado com que é fabricado deva perder o benefício da isenção de impostos especiais de consumo estabelecida pela Directiva 92/83, se cumprir os requisitos previstos nas alíneas a) ou b) do n.° 1 do seu artigo 27.° Também neste caso, o que podem - e devem - fazer os Estados-Membros é proibir a sua comercialização como produtos cosméticos e, se for caso disso, aplicar aos responsáveis sanções económicas, ou inclusivamente penais, de acordo com a legislação vigente em cada Estado.

C - A alegação fundada numa interpretação errada do conceito de «utilização indevida»

32 A República Italiana sublinha que, de qualquer modo, os n.os 1 e 5 do artigo 27.° permitem aos Estados-Membros fixar condições para evitar todo o tipo de evasão, fraude ou utilização indevida na aplicação das isenções. Em sua opinião, se produtos desnaturados em conformidade com a alínea b) e, como tais, não conformes aos requisitos estabelecidos na alínea a) forem utilizados, na prática, como sucedâneos dos produtos abrangidos na alínea a), com o objectivo de beneficiar de um regime fiscal mais favorável, está-se a incorrer num abuso contra o qual deve ser reconhecido aos Estados-Membros o direito de agir. Por isso, considera que a decisão impugnada é inválida, pois equipara os conceitos de evasão, fraude e utilização indevida e não reconhece que essa tentativa de beneficiar de um regime de controlo fiscal mais favorável é abusiva.

33 Em relação a esta alegação, a Comissão assinala, em primeiro lugar, que, de acordo com o artigo 27.° da Directiva 92/83, para que uma evasão, uma fraude ou uma utilização indevida possam justificar a decisão de não conceder ou de revogar uma isenção, é necessário que se tenha provado a existência real do referido comportamento irregular. Afirma que, como refere no n.° 16 da exposição de fundamentos da decisão impugnada, a República Italiana não demonstrou, no presente caso, que algum dos produtos objecto da recusa de isenção tenha dado origem a evasão, fraude ou utilização indevida.

34 O Governo recorrente precisa a este respeito que, na versão italiana, o artigo 27.°, n.° 1, da Directiva 92/83 se refere à necessidade de «prevenire» (prevenir) fraudes, evasões ou utilização indevida e o n.° 5, bem como o vigésimo segundo considerando da directiva, à «eventuale» (eventual) fraude, evasão ou utilização indevida, do que deduz que não é necessário que se tenha produzido uma fraude, uma evasão ou uma utilização indevida, bastando que tais riscos possam acontecer.

35 A Comissão contesta que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, «a necessidade de uma interpretação uniforme dos regulamentos comunitários exclui que, em caso de dúvida, a letra de uma disposição seja considerada isoladamente, mas exige, pelo contrário, que seja interpretada e aplicada à luz das versões noutras línguas oficiais...» (15). Neste sentido, a instituição recorrida sublinha que o adjectivo «eventuale», que figura na versão italiana do artigo 27.°, n.° 5, não tem correspondência nas demais versões linguísticas. Acrescenta que há uma contradição evidente entre esse adjectivo e o verbo que o precede, que está conjugado no indicativo («dà luogo») e não é precedido, como seria lógico, pelo verbo «potere» no condicional («potrebbe dar luogo»). As demais versões linguísticas confirmam que a frase está no indicativo. Por estas razões, a Comissão considera que o Governo italiano não pode basear-se no adjectivo «eventuale» da versão italiana do artigo 27.°, n.° 5, para sustentar que a simples possibilidade de se produzir uma evasão, uma fraude ou uma utilização indevida é suficiente para o Estado-Membro poder estabelecer condições para que um produto beneficie da isenção.

36 A interpretação do artigo 27.°, n.° 5, não é facilitada pela leitura das diferentes versões linguísticas. Algumas levam a pensar, como afirma a Comissão, que é necessário que se tenha produzido uma evasão, uma fraude ou uma utilização indevida para que o Estado-Membro possa estabelecer condições para a aplicação da isenção (16). Outras, pelo contrário, parecem sugerir que a mera possibilidade de que se produzam esses factos basta para que os Estados-Membros actuem (17).

37 Na audiência, a Comissão sustentou que os n.os 1 e 5 do artigo 27.° regulam duas situações distintas. Enquanto o n.° 1 permite aos Estados-Membros estabelecerem condições gerais para garantir, com carácter preventivo, a correcta aplicação da isenção, o n.° 5 refere-se à revogação, a posteriori, de uma isenção, em caso de evasão, fraude ou utilização indevida.

38 Esta distinção parece-me artificial. Em primeiro lugar, o n.° 5 não se refere só à revogação, mas também à recusa de conceder uma isenção. Mas, sobretudo, seria ilógico que a directiva permitisse aos Estados-Membros estabelecerem condições gerais, de acordo com o n.° 1, sem outro controlo que não fosse uma possível acção por incumprimento, e que, pelo contrário, lhes impusesse o procedimento estabelecido no n.° 5 para simplesmente recusar ou revogar a isenção num caso determinado. Além disso, se este último número se referisse apenas a casos concretos e verificados de evasão, fraude ou utilização indevida, não teria sentido a sua última frase, onde se diz que os Estados-Membros não são obrigados a atribuir efeitos retroactivos à decisão da Comissão adoptada depois do parecer do Comité dos Impostos Especiais de Consumo.

39 Na minha opinião, a finalidade do artigo 27.°, n.os 1 e 5, é a de permitir aos Estados-Membros a adopção de medidas para evitar fraudes, evasões e utilização indevidas, independentemente de se ter comprovado ou não a existência de práticas fraudulentas (18). Para que essas medidas sejam válidas, não devem restringir indevidamente a aplicação da isenção estabelecida pela directiva, limite que tem de ser determinado mediante o procedimento previsto no n.° 5. Se, com base no parecer do Comité de Impostos Especiais de Consumo, a Comissão verificar que essas medidas respeitam o alcance da isenção, aprová-las-á. Caso contrário, poderá recusar a sua autorização.

40 Assim, não importa se as medidas para as quais a República Italiana solicitou a autorização nos termos do n.° 5 correspondiam à necessidade de controlar práticas fraudulentas verificadas, ou se tinham por objectivo apenas evitar que se produzissem. O procedimento previsto foi respeitado, pelo que a Comissão devia verificar não se se estavam produzindo tais práticas, mas se as mencionadas medidas restringiam indevida e injustificadamente o alcance da isenção prevista pela legislação comunitária. Da decisão impugnada deduz-se com clareza que a Comissão considerou que as medidas previstas restringiam de maneira desproporcionada o âmbito de aplicação da isenção. É esta apreciação que é examinada no presente litígio.

41 As partes estão em desacordo, a seguir, acerca da interpretação que há que dar ao conceito de «utilização indevida», para efeitos da aplicação dos n.os 1 e 5 do artigo 27.°

42 A República Italiana sustenta que o conceito de «utilização indevida» não pode ter a interpretação restritiva que pretende a Comissão, equivalente ao de evasão, mas que deve entender-se na sua acepção comum como qualquer comportamento ilícito, distinto da evasão ou da fraude.

43 A Comissão responde que os três citados conceitos se caracterizam por ter um resultado idêntico, o de subtrair indevidamente à obrigação fiscal um produto submetido a impostos especiais de consumo. Afirma que a única distinção que a jurisprudência do Tribunal de Justiça permite se refere ao conceito de fraude e ao de evasão. Assim, no acórdão Direct Cosmetics II (19), o Tribunal de Justiça precisou, relativamente a esses dois termos constantes do artigo 27.° da Sexta Directiva IVA (20), que:

«Esta distinção é confirmada pela génese da disposição em questão: enquanto a Segunda Directiva IVA referia unicamente o conceito de fraude, a Sexta Directiva menciona igualmente o de evasão fiscal. Isto significa que o legislador quis introduzir um elemento novo em relação ao conceito já existente de fraude fiscal. Este elemento consiste no carácter objectivo inerente ao conceito de evasão fiscal, já que a intenção do contribuinte, elemento essencial no conceito de fraude, não é exigida como condição da existência de uma evasão.»

Para a Comissão, se o legislador comunitário tivesse querido incluir no conceito de utilização indevida o comportamento de um operador que consiste em beneficiar indevidamente de um regime de controlo e de circulação mais favorável, deveria ter previsto de maneira expressa tal infracção, separando o conceito de utilização indevida dos conceitos paralelos de fraude e de evasão fiscal. Na ausência de qualquer distinção no artigo 27.°, n.° 5, a Comissão chega à conclusão de que por «utilização indevida» se deve entender um comportamento formalmente lícito, realizado de maneira intencional pelo contribuinte, apenas com o objectivo de evitar o pagamento do imposto especial de consumo.

44 Independentemente da interpretação do termo «utilização indevida», de que o direito comunitário não fornece qualquer definição, concordo com a Comissão no sentido de que a hipótese a que se refere o Governo italiano não pode ser qualificada como tal, nos termos do artigo 27.°, n.° 1, da Directiva 92/83.

45 O Governo recorrente parte, na minha opinião, de uma premissa errada. Como já referi, não é exacto que os produtos de limpeza doméstica só possam obter a isenção nos termos da alínea a) da referida disposição, nem tão-pouco que a alínea b) se refira aos produtos domésticos de maneira exclusiva ou principal. Pelo contrário, a isenção concede-se em função do método de desnaturação utilizado no seu fabrico. Assim, não pode dizer-se que o facto de um produto, que cumpre os requisitos de desnaturação previstos na alínea b) e que tenha sido apresentado como cosmético, ser utilizado como sucedâneo de um produto de limpeza doméstica constitua uma tentativa de beneficiar de um regime fiscal mais favorável ou, portanto, uma «utilização indevida» que justifique a recusa ou a revogação da isenção.

46 Para maior apoio desta conclusão, é oportuno recordar, como fez a Comissão, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 13.°, B, alínea h), da Sexta Directiva do Conselho, redigido em termos similares aos do artigo 27.° da Directiva 92/83. No acórdão Gemeente Emmen (21), o Tribunal de Justiça declarou:

«... embora, conforme os termos do texto introdutório do artigo 13.°, parte B, da Sexta Directiva, os Estados-Membros fixem as condições das isenções a fim de assegurar a sua aplicação correcta e simples e de evitar qualquer possível fraude, evasão e abuso, essas `condições' não podem incidir sobre a definição do conteúdo das isenções previstas...».

47 Esta jurisprudência foi recentemente confirmada no âmbito dos impostos especiais de consumo. No acórdão Braathens (22), relativo à interpretação do artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 92/81/CEE (23), o Tribunal de Justiça declarou:

«... Por outro lado, a margem de apreciação reservada aos Estados-Membros pela fórmula que introduz o referido artigo 8.°, n.° 1, segundo o qual as isenções são concedidas pelos Estados-Membros `nas condições por eles fixadas tendo em vista assegurar a aplicação correcta e simples destas isenções, bem como impedir as fraudes, a evasão fiscal ou as utilizações indevidas', não põe em causa o carácter incondicional da obrigação de isenção prevista por esta disposição...».

48 Na minha opinião, ao condicionar a concessão da isenção ao cumprimento das exigências relativas ao tipo de álcool utilizado na produção de cosméticos e ao teor máximo em álcool dos produtos de limpeza doméstica, o Governo italiano estabeleceu requisitos não previstos na legislação comunitária, que não podem justificar-se invocando a possibilidade de os Estados-Membros adoptarem medidas com o objectivo de evitar eventuais utilizações indevidas.

49 Por estas razões, considero que a Comissão não cometeu qualquer erro ao recusar este pedido do Governo italiano e que, por conseguinte, deve também declarar-se esta alegação improcedente.

D - A alegação fundada numa discriminação fiscal entre produtos

50 No que se refere a esta alegação, o Estado recorrente limita-se a afirmar que, ao permitir que os produtos em causa beneficiem de maneira abusiva de um regime fiscal mais favorável do que aquele que lhes corresponde, a Comissão cria uma distorção da concorrência em prejuízo dos operadores honestos.

51 Os requisitos estabelecidos para obter a isenção nos termos do n.° 1, alíneas a) e b), do artigo 27.° da referida directiva, bem como o regime fiscal aplicável, baseiam-se num critério objectivo: o método de fabrico de cada produto e, em concreto, a fórmula de desnaturação utilizada. Na decisão impugnada, a Comissão não fez outra coisa senão impor a aplicação correcta da referida norma, pelo que não se pode afirmar que tenha aberto a via para uma utilização abusiva dos regimes fiscais previstos. Por conseguinte, deve declarar-se que esta alegação não procede.

E - As alegações relativas aos restantes requisitos a que devem obedecer os álcoois desnaturados para poderem beneficiar da isenção

52 Por último, parece-me oportuno expor brevemente duas questões que foram debatidas pelas partes nos seus articulados apresentados no Tribunal, ambas relativas aos restantes requisitos a que têm de obedecer os álcoois desnaturados para poderem beneficiar da isenção nos termos do n.° 1, alíneas a) e b), do artigo 27.°, e que, no meu entender, devem ficar de fora do presente processo.

53 O primeiro ponto debatido diz respeito aos requisitos formais, concretamente, à necessidade de os produtos alcoólicos circularem com um documento de acompanhamento.

Segundo o Governo recorrente, os álcoois totalmente desnaturados, a que se refere a alínea a), devem circular com o documento simplificado de acompanhamento previsto no artigo 5.° do Regulamento n.° 3649/92, e os álcoois desnaturados segundo um método aprovado por um Estado-Membro, abrangidos pela alínea b), devem circular com o documento de acompanhamento previsto para os produtos que circulam em regime suspensivo abrangidos pelo Regulamento n.° 2719/92. Na sua opinião, a falta desses documentos acarreta a perda do direito à isenção.

Pelo contrário, a Comissão considera que o único requisito para que um álcool desnaturado possa beneficiar da isenção é que a desnaturação se tenha realizado mediante um método aprovado no âmbito comunitário [alínea a)] ou no Estado-Membro de origem [alínea b)]. Para os primeiros, embora seja um facto que devem circular com o documento de acompanhamento simplificado, a falta desse documento só pode provocar uma sanção administrativa, mas em nenhum caso a perda do direito à isenção, que seria uma consequência desproporcionada, não prevista na legislação comunitária. Quanto aos segundos, a Comissão considera que podem circular livremente entre os Estados-Membros, sem nenhum requisito formal.

54 Considero, como a Comissão, que esta questão é alheia ao presente litígio. Na realidade a República Italiana não solicitou autorização para recusar a isenção a produtos sujeitos a impostos especiais de consumo que circulassem sem o documento de acompanhamento (24). Portanto, o Comité de Impostos Especiais de Consumo não examinou este elemento, que só casualmente figura no ponto 13, alínea i), da decisão impugnada, em relação com o caso concreto de «utilização indevida» que tinha sido invocada pelo Governo italiano. Nestas condições, considero que o Tribunal de Justiça não deve pronunciar-se a este respeito no âmbito deste recurso de anulação (25).

55 Também não me parece oportuno que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre outro dos pontos discutidos pelas partes, ou seja, se a isenção prevista na alínea b) é aplicável só ao álcool desnaturado nos termos das disposições de um Estado-Membro que já tenha sido utilizado para fabricar um produto não destinado ao consumo humano

O Governo italiano sublinha que a alínea b) se refere ao álcool desnaturado já utilizado para fabricar qualquer produto não destinado ao consumo humano. Se ainda não foi utilizado, o álcool assim desnaturado não pode beneficiar da isenção da alínea b) e deve ser considerado um produto sujeito ao regime suspensivo.

A Comissão, por sua parte, assinala que a Directiva 92/83 utiliza o termo «produtos» de maneira pouco rigorosa, visto que umas vezes se trata de produtos finais prontos para ser consumidos (como no terceiro considerando ou no artigo 20.°, segundo travessão), ao passo que outras vezes se refere a matérias-primas destinadas ao fabrico de produtos finais [como no artigo 27.°, n.° 2, alíneas d) e e)], incluídos os álcoois desnaturados abrangidos pelo artigo 27.°, n.° 1, alínea b). Assim, a isenção da alínea b) deve poder aplicar-se ao «produto» álcool desnaturado utilizado para o fabrico de qualquer produto não destinado ao consumo humano. Compete às administrações fiscais nacionais verificar que esse produto se destina, efectivamente, a um uso diferente do consumo humano.

56 Pela minha parte, penso, como já expus e como referiu a Comissão, que esta questão está fora do objecto do presente litígio, já que nem no pedido inicial do Governo italiano nem na decisão impugnada se fez qualquer referência a tal facto.

VI - Conclusão

57. Tendo em conta as considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso interposto pela República Italiana da Decisão 98/617/CE da Comissão e condene o Estado recorrente nas despesas.

(1) - Decisão de 21 de Outubro de 1998 (JO L 295, p. 43).

(2) - Directiva do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, relativa à harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas (JO L 316, p. 21).

(3) - Os n.os 3 e 4 prevêem o procedimento para a comunicação e aprovação, no âmbito comunitário, dos métodos de desnaturação nacionais. De acordo com as notificações efectuadas pelos Estados-Membros, a Comissão adoptou o Regulamento (CE) n.° 3199/93 da Comissão, de 22 de Novembro de 1993, relativo ao reconhecimento mútuo de procedimentos para a desnaturação completa de álcool por força da sua isenção dos impostos especiais de consumo (JO L 288, p. 12). No que se refere à Itália, a notificação de uma mudança na fórmula do desnaturante autorizado no referido Estado tornou necessária a adopção, pela Comissão, do Regulamento (CE) n.° 2559/98, de 27 de Novembro de 1998 (JO L 320, p. 27), que modificou o regulamento de base.

(4) - Directiva do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, relativa ao regime geral, à detenção, à circulação e aos controlos dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo (JO L 76, p. 1).

(5) - O artigo 18.°, n.° 1, da Directiva 92/12 estabelece: «Não obstante a eventual utilização de processos informatizados, todos os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo que circulem em regime de suspensão entre os territórios de diversos Estados-Membros deverão ser acompanhados de um documento emitido pelo expedidor. Este documento pode ser um documento administrativo ou um documento comercial. A forma e o conteúdo deste documento serão definidos de acordo com o processo previsto no artigo 24.° da presente directiva.»

(6) - Regulamento da Comissão, de 17 de Dezembro de 1992, relativo a um documento de acompanhamento simplificado para a circulação intracomunitária dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, já introduzidos no consumo no Estado-Membro de expedição (JO L 369, p. 17).

(7) - Regulamento da Comissão, de 11 de Setembro de 1992, relativo ao documento administrativo de acompanhamento dos produtos sujeitos a impostos especiais de consumo que circulam em regime de suspensão (JO L 276, p. 1).

(8) - Directiva do Conselho, de 15 de Janeiro de 1980, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes às gamas de quantidades nominais e de capacidades nominais admitidas para certos produtos em pré-embalagens (JO L 51, p. 1; EE 13 F11 p. 3).

(9) - Directiva do Conselho, de 27 de Julho de 1976, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos produtos cosméticos (JO L 262, p. 169; EE 15 F1 p. 206). Esta directiva foi modificada, entre outras, pela Directiva 93/35/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993 (JO L 151, p. 32).

(10) - Gazzetta Ufficiale della Repubblica italiana n.° 237, de 9 de Outubro de 1996.

(11) - De acordo com o procedimento previsto no artigo 27.°, n.os 4 e 5, da Directiva 92/83, a Comissão adoptou a decisão depois de a ter submetido à aprovação do «Comité dos Impostos Especiais de Consumo» previsto no artigo 24.° da Directiva 92/12 e composto por representantes dos Estados-Membros. A Comissão sublinha que os argumentos apresentados pelas autoridades italianas foram tão pouco convincentes que os membros do Comité dos Impostos Especiais de Consumo se pronunciaram por unanimidade (catorze Estados-Membros contra a posição da Itália) a favor do projecto de decisão de indeferir o pedido.

(12) - As primeiras propostas da Comissão foram publicadas em 1972.

(13) - O artigo 7.° da proposta de directiva do Conselho relativa à harmonização dos impostos especiais de consumo sobre o álcool, apresentada pela Comissão em 7 de Março de 1972, isentava do imposto o álcool etílico utilizado sob o controlo fiscal para a obtenção de produtos não destinados ao consumo humano, assim como para o fabrico de produtos de perfumaria ou de higiene e produtos cosméticos. Também isentava o álcool etílico totalmente desnaturado nos termos das disposições nacionais (JO C 43, p. 25).

(14) - Trata-se do Regulamento (CEE) n.° 2587/91 da Comissão, de 26 de Julho de 1991, que modifica o Anexo I do Regulamento (CEE) n.° 2658/87 do Conselho relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO L 259, p. 1).

(15) - Acórdãos de 17 de Julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão (C-219/95 P, Colect., p. I-4411, n.° 15), e de 2 de Abril de 1998, Emu Tabac e o. (C-296/95, Colect., p. I-1605, n.° 36).

(16) - Assim sucede com as versões francesa [«Si un État membre estime qu'un produit qui a fait l'object d'une exonération en vertu du paragraphe 1 points a) ou b) est à l'origine d'une fraude, d'une évasion ou d'un abus, il peut refuser d'accorder l'exonération ou retirer l'exonération déjà accordée»], inglesa [«If a Member State finds that a product which has been exempted under paragraphs 1 a) or b) above gives rise to evasion, avoidance or abuse, it may refuse to grant exemption or withdraw the relief already granted»], alemã [«Stellt ein Mitgliedstaat fest, daß ein gemäß Absatz 1 Buchstabe a) oder b) befreites Erzeugnis zu Steuerflucht, Steuerhinterziehung oder Mißbrauch führt, so Kann er die Befreiung versagen oder die bereits gewährte Befreiung zurückziehen»] ou espanhola [«Si un Estado miembro considera que un producto exento con arreglo a las letras a) o b) del apartado 1 del presente artículo origina fraudes, evasiones o abusos, podrá negarse a conceder una exención o anular la ya concedida e informará inmediatamente de ello a la Comisión»].

(17) - É o caso da versão portuguesa [«Se um Estado-Membro considerar que um produto isento ao abrigo das alíneas a) e b) do n.° 1 pode suscitar uma eventual fraude, evasão ou utilização indevida, poderá recusar a isenção ou retirar a redução já concedida»] e, em certa medida, da italiana [«Se uno Stato membro viene a sapere che un prodotto che è stato esentato ai sensi del paragrafo 1, lettera a) o b) dà luogo ad eventuale evasione, frode o abuso, tale Stato può rifiutare di concedere l'esenzione o revocare lo sgravio già concesso. Lo Stato membro ne informa immediatamente la Commissione»], ainda que neste segundo caso, como afirma a Comissão, possam existir dúvidas originadas pela conjugação do verbo («dà luogo») no indicativo.

(18) - Em contrapartida, o facto de não se ter verificado a existência desses comportamentos irregulares pode ser avaliado no momento de apreciar a necessidade e a proporcionalidade das medidas que um Estado-Membro se proponha adoptar. É interessante assinalar, no que diz respeito ao presente processo, que, a uma pergunta formulada na audiência por este advogado-geral, os agentes das partes referiram que não se tinha conhecimento, nem em Itália nem nos demais Estados-Membros, de outros casos de «utilização indevida» como o que motivou o pedido inicial do Governo recorrente.

(19) - Acórdão de 12 de Julho de 1988 (138/86 e 139/86, Colect., p. 3937, n.° 22).

(20) - Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria colectável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54).

(21) - Acórdão de 28 de Março de 1996 (C-468/93, Colect., p. I-1721, n.° 19). V. também os acórdãos de 19 de Janeiro de 1982, Becker (8/81, Recueil, p. 53, n.° 32); de 13 de Julho de 1989, Henriksen (173/88, Colect., p. 2763, n.° 20), e de 7 de Maio de 1998, Comissão/Espanha (C-124/96, Colect., p. I-2501, n.° 11).

(22) - Acórdão de 10 de Junho de 1999 (C-346/97, Colect., p. I-3419, n.° 31).

(23) - Directiva do Conselho, de 19 de Outubro de 1992, relativa à harmonização das estruturas do imposto especial sobre o consumo de óleos minerais (JO L 316, p. 12).

(24) - O Decreto ministerial n.° 524, de 9 de Julho de 1996, parece estabelecer este requisito no seu artigo 2.°, n.° 7, no que se refere aos álcoois abrangidos na alínea b) do n.° 1 do artigo 27.° da Directiva 92/83.

(25) - Na contestação à recorrida, a Comissão refere que os seus serviços competentes examinarão, de imediato, a conformidade do artigo 2.°, n.° 7, do Decreto n.° 524 com a Directiva 92/83.

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