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Document 61998CC0351

    Conclusões do advogado-geral Alber apresentadas em 7 de Maio de 2002.
    Reino de Espanha contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Auxílios de Estado - Efeitos na concorrência e nas trocas comerciais entre Estados-Membros - Regra de minimis - Enquadramentos sectoriais e enquadramento dos auxílios à protecção do ambiente - Auxílio horizontal que produz efeitos sectoriais.
    Processo C-351/98.

    Colectânea de Jurisprudência 2002 I-08031

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2002:280

    61998C0351

    Conclusões do advogado-geral Alber apresentadas em 7 de Maio de 2002. - Reino de Espanha contra Comissão das Comunidades Europeias. - Auxílios de Estado - Efeitos na concorrência e nas trocas comerciais entre Estados-Membros - Regra de minimis - Enquadramentos sectoriais e enquadramento dos auxílios à protecção do ambiente - Auxílio horizontal que produz efeitos sectoriais. - Processo C-351/98.

    Colectânea da Jurisprudência 2002 página I-08031


    Conclusões do Advogado-Geral


    I - Introdução

    1. O presente recurso de anulação é interposto pelo Reino de Espanha da Decisão 98/693/CE da Comissão, de 1 de Julho de 1998, relativa ao regime espanhol de auxílios à aquisição de veículos comerciais [para substituição de veículos velhos] Plan Renove Industrial (Agosto de 1994-Dezembro de 1996) . A Comissão declarou ilegais e incompatíveis com o mercado comum a maioria dos auxílios em causa e ordenou a respectiva recuperação.

    II - Matéria de facto e decisão impugnada

    2. Em 28 de Julho de 1994, o Governo espanhol adoptou, sem notificação prévia à Comissão, o «Plan Renove Industrial» (a seguir «PRI») em benefício de pessoas singulares, pequenas e médias empresas (a seguir «PME»), entidades públicas territoriais e entidades que prestam serviços públicos locais. Por uma convenção de 27 de Setembro de 1994, o Instituto de Crédito Oficial (instituição de crédito do Estado, a seguir «ICO») foi encarregado da aplicação do regime.

    3. A medida impugnada era constituída por uma bonificação de juros de quatro anos para os créditos destinados a financiar a aquisição ou a locação com opção de compra de veículos comerciais, até ao máximo de 70%. A subvenção máxima atingia 93 196 ESP por milhão emprestado, o que correspondia a 6,5% do preço de aquisição líquido do veículo. A subvenção era concedida para o financiamento das cinco categorias de veículos seguintes: A) semi-reboques e camiões de mais de 30 toneladas; B) veículos comerciais entre 12 e 30 toneladas; C) veículos comerciais entre 3,5 e 12 toneladas; D) ligeiros mistos, furgonetas comerciais e veículos comerciais até 3,5 toneladas, e E) autocarros.

    4. Uma condição essencial para a obtenção da subvenção em caso de aquisição de um veículo novo era a obrigação de retirar simultânea e definitivamente do mercado um veículo matriculado em Espanha há mais de dez anos (sete anos para os tractores rodoviários). O veículo de substituição podia igualmente - dentro de certos limites - ter uma capacidade superior à do veículo retirado.

    5. Entre 9 de Fevereiro de 1995 e 20 de Fevereiro de 1996, a Comissão pediu ao Reino de Espanha informações sobre o PRI, do qual tivera conhecimento por via não oficial. O Reino de Espanha respondeu a esses pedidos por ofícios de 6 de Março e 26 de Julho de 1995 e de 14 de Março de 1996.

    6. Por ofício de 26 de Junho de 1996, a Comissão comunicou ao Reino de Espanha a sua decisão de dar início ao procedimento previsto no artigo 93.° , n.° 2, do Tratado CE (actual artigo 88.° , n.° 2, CE) e convidou-o a apresentar as suas observações.

    7. O Reino de Espanha apresentou as suas observações por ofício de 26 de Julho de 1996. Na sequência de um pedido de informação complementar da Comissão de 19 de Dezembro de 1996, forneceu esclarecimentos por ofício de 12 de Fevereiro de 1997. Além disso, a Comissão pediu ao Reino de Espanha, por ofício de 19 de Novembro de 1997, que lhe prestasse informações suplementares sobre as empresas beneficiárias que não prestam serviços de transportes como actividade principal e apenas operam nos mercados locais. O Reino de Espanha respondeu a este pedido por ofícios de 27 de Novembro de 1997 e de 20 de Fevereiro de 1998.

    8. Em 1 de Julho de 1998, a Comissão adoptou a decisão impugnada. Nos dois primeiros artigos, declarou que os auxílios concedidos às entidades públicas territoriais e a entidades que prestam serviços locais, bem como a pessoas singulares ou PME que exercem actividades distintas da actividade de transporte à escala exclusivamente local ou regional, não constituem auxílios estatais nos termos do artigo 92.° , n.° 1, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87.° , n.° 1, CE). Os dois artigos seguintes dispõem que:

    «Artigo 3.°

    Todos os outros auxílios concedidos a pessoas singulares e PME constituem auxílio estatal nos termos do n.° 1 do artigo 92.° do Tratado e são ilegais e incompatíveis com o mercado comum.

    Artigo 4.°

    A Espanha suprimirá e recuperará os auxílios a que se refere o artigo 3.° O montante dos auxílios será reembolsado de acordo com as normas do direito interno, acrescido de juros que serão calculados aplicando as taxas de referência utilizadas para a avaliação dos regimes de auxílios regionais e aplicados desde o dia do pagamento do auxílio até à data do reembolso efectivo.»

    III - Tramitação processual e pedidos das partes

    9. Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 25 de Setembro de 1998, o Reino de Espanha interpôs um recurso ao abrigo do artigo 173.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.° CE).

    10. Em 25 de Fevereiro de 1999, a Confederación Española de Transporte de Mercancías (CETM) interpôs no Tribunal de Primeira Instância recurso de anulação dos artigos 3.° e 4.° da mesma decisão (processo T-55/99).

    11. Por despacho de 25 de Janeiro de 2000, o Tribunal de Justiça suspendeu a instância, em aplicação do artigo 47.° , terceiro parágrafo, do Estatuto CE, até à prolação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância no processo T-55/99.

    12. Por acórdão de 29 de Setembro de 2000, o Tribunal de Primeira Instância julgou improcedente o recurso da CETM , continuando a correr o presente processo no Tribunal de Justiça.

    13. O Reino de Espanha conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

    - anular os artigos 3.° e 4.° da decisão impugnada;

    - condenar a Comissão nas despesas.

    14. A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

    - negar provimento ao recurso;

    - condenar o Reino de Espanha nas despesas.

    15. A argumentação das partes será exposta infra no quadro da apreciação jurídica.

    IV - Apreciação jurídica

    16. Em apoio do recurso, o Reino de Espanha invoca cinco fundamentos de anulação:

    - violação do artigo 92.° , n.° 1, do Tratado CE,

    - violação do artigo 92.° , n.° 3, alínea c), do Tratado CE,

    - violação do princípio da confiança legítima,

    - violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que a Comissão ordenou a restituição dos auxílios,

    - violação do artigo 190.° do Tratado CE (actual artigo 253.° CE) por insuficiência de fundamentação da obrigação de reembolso dos auxílios.

    A - Quanto à violação do artigo 92.° , n.° 1, do Tratado

    17. Este fundamento desdobra-se em duas partes. Em primeiro lugar, o Reino de Espanha entende que, na decisão impugnada, a Comissão qualificou erradamente as medidas tomadas no quadro do PRI como medidas selectivas que favorecem certas empresas ou certas produções. Em segundo lugar, sustenta que essas medidas não falseiam a concorrência e não afectam as trocas entre Estados-Membros.

    1) O PRI não favorece certas empresas ou certas produções

    a) Argumentação das partes

    aa) Reino de Espanha

    18. Segundo o Governo espanhol, o PRI não é selectivo, porque as empresas favorecidas não estão previamente definidas. Pelo contrário, a subvenção é atribuída segundo critérios abstractos que tanto as empresas espanholas como as estrangeiras podem preencher. Todas as PME são favorecidas, seja qual for o ramo a que pertencem.

    19. Segundo o Reino de Espanha, as empresas de outros Estados-Membros podem transferir para Espanha veículos comerciais, matriculá-los aí para em seguida os retirar do mercado e - graças à subvenção obtida no quadro do PRI - adquirir um veículo de substituição, ou concluir com o proprietário de um veículo matriculado em Espanha um acordo relativo à retirada desse veículo e contabilizar a seu favor essa retirada. Em todo o caso, as condições do PRI não impedem as empresas de transportes de outros Estados-Membros de participar no programa. Na realidade, a subvenção não atrai as empresas estrangeiras devido às taxas de juro inferiores que vigoram nos seus países de origem. No fim de contas, o PRI limita-se a compensar a desvantagem decorrente para as empresas espanholas da diferença entre as taxas de juro.

    20. O Governo espanhol observa que, nos termos do artigo 2.1, alínea b), do acordo sobre as subvenções e medidas de compensação da Organização Mundial de Comércio (OMC-GATT 1994) , uma subvenção não é considerada específica quando está ligada a condições neutras e que são de aplicação horizontal, o que é o caso do PRI. O Governo espanhol acrescenta que o advogado-geral M. Darmon se referiu também ao conceito de subvenção na acepção do GATT no processo Sloman Neptun .

    21. Além disso, resulta da jurisprudência que a condição de selectividade não é preenchida quando o benefício é inerente à natureza ou à economia do sistema . Todas as empresas podem beneficiar do PRI. De acordo com a economia do sistema, apenas são excluídas as grandes empresas, que no entanto não são confrontadas com as mesmas dificuldades de financiamento que as PME.

    bb) Comissão

    22. A Comissão entende que o PRI contém pelo menos dois critérios que o tornam uma medida selectiva. Por um lado, só as empresas que tenham necessidade de veículos industriais para a sua actividade económica podem candidatar-se à subvenção e, por outro, a medida visa apenas as PME.

    23. Pouco importa que os beneficiários não sejam determinados previamente. A selectividade existe desde que o auxílio seja reservado exclusivamente às empresas que apresentem certas características. Assim, o Tribunal de Justiça qualificou como auxílios medidas que beneficiavam todas as empresas exportadoras de um Estado-Membro, independentemente da sua dimensão e da natureza dos produtos exportados .

    24. Aliás, a medida controvertida também não pode ser justificada pela natureza ou pela economia do sistema. O Reino de Espanha não indicou que elemento inerente ao sistema justificava a diferenciação operada. O facto de uma medida prosseguir certos objectivos de política económica não é suficiente para esse efeito. Esta justificação apenas é válida em matéria fiscal.

    b) Apreciação

    25. Para que uma medida possa ser qualificada como auxílio estatal, é necessário que, nos termos do artigo 92.° , n.° 1, do Tratado CE, favoreça certas empresas ou certos sectores de actividade.

    26. A esse respeito, não é necessário que as empresas concretamente favorecidas sejam determinadas à partida. Resulta já da própria redacção do artigo 92.° , n.° 1, do Tratado, segundo o qual basta que um sector de actividade seja favorecido, que uma definição abstracta do círculo dos beneficiários possíveis é suficiente para que se possa considerar uma medida como selectiva.

    27. Levando o raciocínio do Governo espanhol até ao fim, as legislações ou programas de auxílios nunca preencheriam a condição de um auxílio estatal porque têm precisamente como característica apenas enunciarem critérios abstractos para determinar o círculo de beneficiários. Pelo contrário, apenas os auxílios concedidos com base nessas regulamentações gerais poderiam ser analisados segundo o critério do artigo 92.° do Tratado. Todavia, o Tribunal de Justiça foi sempre levado a pronunciar-se sobre programas e legislações em matéria de auxílios sem, no entanto, formular dúvidas quanto à sua selectividade com fundamento em que os beneficiários potenciais eram unicamente delimitados por critérios abstractos, mas não eram nomeados concretamente .

    28. O facto de uma medida não constituir uma subvenção na acepção do acordo sobre as subvenções e medidas de compensação da OMC é irrelevante para a sua qualificação como auxílio estatal nos termos do artigo 92.° do Tratado. É certo que nas suas conclusões no processo Sloman Neptun, o advogado-geral M. Darmon se referiu também, no quadro de reflexões de direito comparado, ao conceito de subvenção do código anti-subvenção do GATT, sem no entanto retirar daí conclusões vinculativas para o direito comunitário. Em todo o caso, nada impede, juridicamente, a Comunidade de qualificar como auxílio uma medida que não constitui uma subvenção segundo o acordo OMC, e de fixar a esse respeito na sua ordem jurídica interna critérios mais estritos que os prescritos no contexto do direito internacional.

    29. A subvenção prevista no quadro do PRI apenas seria selectiva nos termos do artigo 92.° , n.° 1, do Tratado se beneficiasse indistintamente o conjunto das empresas situadas em território nacional .

    30. Como a Comissão correctamente salienta, apenas podem beneficiar da subvenção as empresas que necessitem de um veículo comercial para exercer a sua actividade económica, de modo que certos sectores, tais como o das profissões liberais, estão na prática totalmente excluídos da subvenção.

    31. Além disso, o PRI implica taxas de subvenção diferentes consoante os ramos. Como não existe limite de número de veículos subvencionados por candidato, as empresas beneficiam do programa em proporções diferentes, em função da importância do serviço de transporte prestado no seu domínio de actividade.

    32. Do mesmo modo, a circunstância de apenas poderem candidatar-se à subvenção pessoas singulares, PME, entidades públicas locais e regionais e entidades que prestam serviços públicos locais distingue o PRI de uma medida geral autorizada. Embora o PRI preveja que, em casos excepcionais, os auxílios possam ser concedidos igualmente a empresas que não sejam PME, na prática, essa possibilidade não foi utilizada, como o Tribunal de Primeira Instância verificou no acórdão CETM/Comissão .

    33. Há que perguntar se essas diferenciações são justificadas pela natureza ou pela economia de um sistema geral em que a medida em causa se inscreve. O Tribunal de Justiça desenvolveu pela primeira vez esta ideia no acórdão Itália/Comissão , mencionado pelo Reino de Espanha. Em seguida, este argumento foi debatido com frequência, em especial no contexto de reduções de impostos ou de encargos sociais .

    34. A matéria de facto do presente processo diferencia-se dos casos analisados nos processos referidos porque o auxílio não consiste na isenção de um encargo geral, mas simplesmente no tratamento de favor concedido a certas empresas por razões ligadas à política do ambiente e dos transportes.

    35. O facto de o Governo espanhol prosseguir por meio do PRI certos objectivos políticos não confere à medida controvertida o carácter de sistema geral no seio do qual são operadas certas diferenciações inerentes ao sistema . Só se pode falar de sistema geral, como, por exemplo, o regime dos impostos ou dos encargos sociais, se o mesmo sistema englobar basicamente o conjunto das empresas situadas em território nacional. Ora, as empresas que não sejam PME ou que não necessitem de um veículo comercial não são afectadas pelo PRI.

    36. Acresce que, como o Reino de Espanha não forneceu qualquer elemento susceptível de demonstrar que o PRI se insere num sistema de nível superior, há que excluir uma justificação fundada numa diferenciação inerente ao sistema.

    37. Por conseguinte, improcede a primeira parte do primeiro fundamento.

    2) O PRI não falseia a concorrência e não afecta as trocas comerciais entre Estados-Membros

    a) Argumentação das partes

    aa) Reino de Espanha

    38. O Governo espanhol é de opinião que as medidas contidas no PRI não implicam distorções de concorrência nem afectam as trocas intracomunitárias. Como só são subvencionadas PME e a intensidade do auxílio é fraca, o PRI não tem nenhum impacto sensível. Este elemento deve ser tido em consideração, quer o quadro comunitário dos auxílios de Estado às PME e a regra «de minimis» que ele estabelece sejam ou não aplicáveis.

    39. A este propósito, o Governo espanhol explica que em caso de aquisição de um veículo comercial, a subvenção eleva-se no máximo a 3341 ecus, ou seja, 6,5% do preço. Os veículos subvencionados apenas representam 0,5% do total dos veículos comerciais matriculados em Espanha. A maioria dos beneficiários apenas presta serviços de transporte por conta própria. Dos adquirentes de veículos de tonelagem elevada (categorias A e E), 83% dispõem de um único veículo e 97% dispõem de menos de cinco veículos. As empresas subvencionadas praticamente não operam fora de Espanha.

    40. Como a subvenção está condicionada à retirada de outro veículo, não implica qualquer extensão das capacidades de transporte. Todavia, o Governo espanhol indicou na réplica que em 12,3% dos casos o veículo de substituição subvencionado era de categoria superior ao veículo retirado.

    41. Além disso, só na fase da réplica é que o Governo espanhol sustentou que a decisão não contém fundamentação suficiente quanto à afectação das trocas comerciais entre Estados-Membros.

    42. O transporte por conta própria e o transporte por conta de outrem não constituem o mesmo mercado, tal como demonstra a diferenciação entre as respectivas licenças. Quem presta serviços de transporte por conta própria com veículo próprio não oferece nenhuma prestação de serviços de transporte no mercado.

    bb) Comissão

    43. A título liminar, a Comissão salienta que o artigo 92.° do Tratado é violado quando uma medida ameaça falsear a concorrência. A Comissão expõe, aliás, que o sector dos transportes é um mercado que só recentemente foi liberalizado e que deve, portanto, ser objecto de fiscalização especial.

    44. A Comissão salienta que, no sector dos transportes, mesmo os auxílios muito pequenos são susceptíveis de falsear a concorrência e de afectar o comércio intracomunitário, uma vez que este mercado se caracteriza por problemas estruturais e por excesso de capacidade. Por isso, a regra «de minimis» não é aplicável neste domínio. Além disso, o PRI favorece uma extensão das capacidades.

    45. A Comissão explica, além disso, que o transporte por conta própria e o transporte por conta de terceiros constituem um único e mesmo mercado, porque as prestações são intermutáveis. Nesse contexto, o Tribunal de Justiça pediu à Comissão, antes da audiência, para tomar posição nas suas alegações quanto ao seguinte ponto: no quadro do controlo das fusões, a Comissão não parece ter em consideração, em geral, as prestações por conta própria na definição do mercado relevante . Se assim for, a Comissão é convidada a explicar porque procede de modo diferente no caso vertente no quadro do controlo dos auxílios estatais.

    46. Na audiência, a Comissão expôs a esse propósito que o controlo das fusões e o dos auxílios estatais obedeciam a princípios totalmente diferentes. Todavia, no quadro do controlo das fusões, as prestações por conta própria são igualmente tidas em conta na definição do mercado relevante na medida em que são intermutáveis com as prestações fornecidas por terceiros .

    47. O comércio intracomunitário é afectado pelo simples facto de a situação concorrencial das empresas espanholas ser reforçada no território nacional. Mesmo que não participem nos transportes intracomunitários e que apenas forneçam prestações de cabotagem mínimas noutros Estados-Membros, é, apesar de tudo, mais difícil às empresas de transportes dos outros Estados-Membros penetrar no mercado espanhol.

    b) Apreciação

    48. O artigo 92.° , n.° 1, do Tratado proíbe os auxílios estatais que falseiem ou ameacem falsear a concorrência e que afectem as trocas comerciais entre os Estados-Membros.

    49. No quadro da verificação das apreciações efectuadas pela Comissão na decisão impugnada no que se refere a estas condições, há que ter em conta que a Comissão goza de uma liberdade de apreciação importante na aplicação do artigo 92.° do Tratado. É por isso que o Tribunal de Justiça não pode sobrepor a sua apreciação à da Comissão, mas deve limitar-se a analisar se esta é manifestamente afectada por erro ou desvio de poder .

    50. Na aplicação do artigo 92.° do Tratado, a Comissão pode apoiar-se em orientações e comunicações. Tendo em conta o montante dos auxílios concedidos em virtude do PRI, a Comissão poderia talvez ter aplicado a comunicação relativa aos auxílios «de minimis» e, com base nela, declarar as medidas em causa compatíveis com o mercado comum. Todavia, recusou fazê-lo por se tratar, em sua opinião, de uma medida que se enquadra no sector dos transportes, ao qual a comunicação não é aplicável.

    51. Os beneficiários do PRI são, sem dúvida, apenas parcialmente empresas que prestam serviços por conta de outrem no domínio dos transportes, ou seja, empresas de transportes em sentido estrito. Beneficiam igualmente da subvenção as empresas cuja actividade essencial se concentra noutros sectores e que recorrem, nesse quadro, aos seus próprios veículos comerciais para efectuar transportes por conta própria. Há que perguntar se a Comissão podia imputar a medida controvertida nesse ponto igualmente ao sector dos transportes e, portanto, deixar totalmente de aplicar a regra «de minimis».

    52. Para definir precisamente o que se deve entender por transportes por conta própria, há que remeter para a definição que figura no anexo I, n.° 4, da primeira directiva do Conselho, de 23 de Julho de 1962, relativa ao estabelecimento de certas regras comuns para os transportes internacionais (transportes rodoviários de mercadorias por conta de outrem) , na versão do Regulamento (CEE) n.° 881/92 do Conselho, de 26 de Março de 1992, relativo ao acesso ao mercado dos transportes rodoviários de mercadorias na Comunidade efectuados a partir do ou com destino ao território de um Estado-Membro ou que atravessem o território de um ou vários Estados-Membros .

    aa) Exclusão da aplicação da regra «de minimis»

    1) Alcance das orientações

    53. Na sua comunicação relativa aos auxílios «de minimis», a Comissão fixou uma regra de interpretação do artigo 92.° , n.° 1, do Tratado. Simplificando, essa regra é a seguinte: considera-se que os auxílios cujo montante total não exceda 100 000 ecus em três anos não têm impacto sensível no comércio e na concorrência entre Estados-Membros. Por conseguinte, abaixo desse montante máximo, o artigo 92.° , n.° 1, do Tratado não se considera aplicável .

    54. A regra «de minimis» constava originalmente da regulamentação comunitária dos auxílios às pequenas e médias empresas de 20 de Maio de 1992 e foi substituída posteriormente pela comunicação relativa aos auxílios «de mininis» . Com efeitos a contar de 23 de Julho de 1996, a Comissão substituiu a regulamentação comunitária dos auxílios às PME de 1992 por uma nova versão . Do ponto de vista cronológico, esta versão seria certamente aplicável para os efeitos da apreciação do PRI. Todavia, a Comissão apenas se referiu, na decisão impugnada, à regulamentação comunitária de 1992 e à comunicação «de minimis» . Ora, a apreciação efectuada em aplicação da nova regulamentação não conduz a resultados diferentes quanto ao mérito, tanto mais que remete para a comunicação «de minimis» de 1996.

    55. O Tribunal de Justiça pronunciou-se várias vezes quanto ao alcance das orientações no domínio do controlo dos auxílios estatais, declarando nomeadamente que «a Comissão pode impor a si mesma orientações para o exercício dos seus poderes de apreciação através de actos como as orientações, na medida em que os referidos actos contenham regras indicativas sobre a orientação a seguir pela mesma instituição e não se afastem das normas do Tratado» .

    56. Além disso, resulta do acórdão CIRFS e o./Comissão que a Comissão é igualmente obrigada a respeitar as orientações que adopta . É certo que este processo dizia respeito à disciplina em matéria de auxílios no sector das fibras sintéticas, que fora adoptada com o consentimento dos Estados-Membros como medida adequada com base no artigo 93.° , n.° 1, do Tratado . Todavia, esta verificação vale mutatis mutandis para as orientações que a Comissão estabeleceu através da comunicação relativa aos auxílios «de minimis» .

    57. A publicação da regra «de minimis» contribui por um lado para a simplificação administrativa, e assegura por outro a transparência e a segurança jurídica . Em especial, a Comissão esclarece os Estados-Membros sobre os casos em que não é necessário notificar uma medida em aplicação do artigo 93.° , n.° 3, do Tratado. Este objectivo só é atingido se a própria Comissão for obrigada a cumprir essa regra. Por conseguinte, a Comissão não é livre de decidir se aplica ou não a regra. Pelo contrário, deve respeitar o âmbito de aplicação definido na comunicação «de minimis».

    2) A regra «de minimis» não é aplicável aos auxílios concedidos no sector dos transportes

    58. Resulta da redacção da comunicação «de minimis» que a mesma não é aplicável, entre outros, ao sector dos transportes. A Comissão interpretou em sentido amplo o conceito de sector dos transportes. Segundo esta interpretação, qualquer prestação de serviços de transporte é abrangida no sector em questão, quer seja fornecida por uma empresa de transportes por conta de outrem ou efectuada por uma empresa de outro ramo por sua própria conta.

    59. Em contrapartida, o Governo espanhol parece ser favorável a uma interpretação mais estrita. Por conseguinte, a regra «de minimis» apenas seria aplicável aos auxílios concedidos às empresas de transportes, ou seja, às empresas cuja actividade principal consiste em prestar a terceiros serviços de transportes.

    60. A exclusão do sector dos transportes na comunicação «de minimis» deve ser interpretada tendo em conta o sentido e a finalidade desta disposição. A própria comunicação não fornece, todavia, nenhum esclarecimento a este respeito. Na regulamentação comunitária dos auxílios às PME de 1992, em que a regra «de minimis» se inseria originalmente, a Comissão limita-se a explicar que a regulamentação comunitária não se aplica aos sectores para os quais existem regras especiais.

    61. Na decisão impugnada e no processo perante o Tribunal de Justiça, a Comissão justificou a excepção que constitui o sector dos transportes sustentando que nesse sector, que conta com um grande número de pequenas empresas, mesmo auxílios relativamente pequenos podem ter repercussões sobre a concorrência e as trocas comerciais intracomunitárias. Por conseguinte, a exclusão do sector dos transportes tem em conta as condições específicas que prevalecem no mercado dos transportes.

    62. A questão consiste em saber quais as prestações de serviços que este mercado dos transportes abrange. A esse respeito, a Comissão limitou-se a expor na decisão impugnada que:

    «O sector dos transportes inclui tanto actividades de transporte por conta de outrem como actividades de transporte por conta própria, considerando-se que ambas são intermutáveis. De uma óptica macroeconómica e operacional, em determinadas circunstâncias o recurso a fontes externas de serviços de transporte permite uma afectação óptima de recursos e introduz um factor de flexibilidade na organização dos transportes.»

    63. A questão que se põe é a de saber se esta delimitação do mercado operada pela Comissão não está viciada por erros de apreciação.

    64. A questão discutida na audiência, a saber, se a delimitação do mercado deve obedecer aos mesmos critérios consoante o controlo diga respeito a uma fusão ou a um auxílio de Estado não tem de ser decidida aqui de modo definitivo. Com efeito, a Comissão indicou claramente que, também no quadro do controlo das fusões, tem em consideração as prestações efectuadas por conta própria para determinar o mercado relevante na medida em que, num dado caso, sejam intermutáveis com as prestações fornecidas por terceiros.

    65. Portanto, é incontroverso que, em ambos os casos, a delimitação do mercado depende da questão de saber se todas as prestações de serviços são aptas a satisfazer as mesmas necessidades, sendo certo que as prestações de serviços que apresentam características diferentes apenas formam um mesmo mercado se forem intermutáveis numa medida significativa .

    66. Além disso, não é suficiente que o comprador tenha uma possibilidade teórica de escolha entre as duas formas de prestação de serviços. Tem de existir uma certa probabilidade de que a respectiva intermutabilidade ocorra realmente num número significativo de casos.

    67. Ao apreciar se as prestações por conta própria e as prestações fornecidas por empresas de transportes externas são intermutáveis, a Comissão não teve suficientemente em conta as vantagens das prestações de serviços internos. O proprietário pode, por exemplo, decidir por si mesmo a qualquer momento utilizar ou não o seu próprio veículo, sem depender da disponibilidade de prestações correspondentes por parte de um terceiro. Além disso, numa empresa que efectua transportes por sua própria conta, o transporte de pessoas e bens está frequentemente ligado ao fornecimento de outras prestações no âmbito da actividade principal dessa empresa, por exemplo, a instalação e montagem dos bens transportados. Neste caso, a utilização de transportes externos não parece conveniente.

    68. Uma PME que já efectua transportes por conta própria por meio de um veículo que lhe pertence toma um dia uma decisão de princípio a favor desta forma de organização, tendo em conta as suas necessidades específicas, e investe num veículo. Fará um esforço no sentido de utilizar esse veículo para rentabilizar o investimento e as despesas correntes. Só recorrerá a terceiros se as condições gerais se modificarem a ponto de parecer vantajosa a renúncia à decisão tomada anteriormente de explorar por si mesma um veículo.

    69. A Comissão ignorou o facto de que uma empresa só opta por uma nova organização das prestações de serviços de transportes, quando muito, a longo prazo. A Comissão admitiu erradamente que as duas formas de prestação de serviços de transportes são intermutáveis, pelo que se pode partir do princípio da existência de uma relação de concorrência actual e, portanto, de um mercado único.

    70. Por último, o facto de as regras de direito derivado relativas ao acesso ao mercado dos transportes rodoviários de mercadorias na Comunidade também operarem uma distinção entre transportes por conta de terceiros e transportes por conta própria é favorável à consideração em separado dos transportes por conta própria. Estes últimos estão isentos de todas as regras relativas à licença comunitária e às outras obrigações em matéria de autorização que normalmente são necessárias para aceder ao mercado comunitário dos transportes de mercadorias .

    71. Se a regra «de minimis» for interpretada de acordo com a sua finalidade, esta apenas deveria ser afastada no caso de auxílios a favor de empresas de transportes que prestam serviços a terceiros. Apenas estas empresas operam no mercado dos serviços de transportes que é caracterizado por uma multiplicidade de empresas e no qual mesmo auxílios mínimos podem conduzir a uma distorção da concorrência.

    72. As outras empresas - mesmo que efectuem transportes por conta própria - não devem ser consideradas como intervenientes no mercado dos transportes, devendo estar submetidas às regras que regem o sector da sua actividade principal. Desde que essas empresas não pertençam a outros sectores derrogatórios e que as outras condições de aplicação da regra «de minimis» estejam reunidas, a subvenção concedida com base no PRI a essas empresas não constitui um auxílio estatal na acepção do artigo 92.° , n.° 1, do Tratado.

    3) Conclusão provisória

    73. O erro cometido pela Comissão na aplicação da regra «de minimis» implica a anulação da decisão impugnada na sua totalidade.

    74. Uma anulação parcial da decisão, limitada à parte da decisão relativa aos auxílios a favor das empresas que efectuam transportes por conta própria, não é possível para o Tribunal de Justiça. Compete à Comissão proceder a uma nova apreciação de conjunto da medida litigiosa aplicando correctamente a regra «de minimis». A este respeito, a Comissão deverá verificar se a subvenção concedida aos transportadores não profissionais satisfaz as condições da regra «de minimis», e em especial se o respeito do limiar previsto é assegurado e a acumulação com outros auxílios excluída. Se a decisão fosse parcialmente anulada, o Tribunal de Justiça anteciparia uma nova delimitação correcta do mercado, sobrepondo assim a sua apreciação à da Comissão.

    75. Para efeitos de um exame completo de todos os fundamentos do recurso, e para o caso de o Tribunal de Justiça não compartilhar da tese aqui defendida, há que prosseguir a nossa análise.

    bb) Distorção da concorrência e afectação das trocas em violação do artigo 92.° , n.° 1, do Tratado (a título subsidiário)

    76. Se o Tribunal de Justiça chegar à conclusão de que a Comissão afastou correctamente a aplicação da regra «de minimis», haverá que verificar se a sua afirmação de que os auxílios concedidos com base no PRI falseiam ou ameaçam falsear a concorrência e afectam as trocas intracomunitárias em violação do artigo 92.° , n.° 1, do Tratado não está viciada de erros manifestos de apreciação.

    77. Para determinar qual a incidência das medidas controvertidas sobre a concorrência, há que determinar antes de mais o mercado que elas afectam.

    i) Definição do mercado relevante

    78. Na decisão impugnada, a Comissão não efectuou verificações aprofundadas para delimitar o mercado relevante. Limitou-se, no quadro da análise do âmbito de aplicação da regra «de minimis», a proceder à verificação já referida de que o sector dos transportes engloba tanto actividades de transportes por conta de terceiros como por conta própria .

    79. Os desenvolvimentos relativos à definição do conceito de sector dos transportes na acepção da comunicação «de minimis» valem mutatis mutandis para a delimitação do mercado para efeitos da aplicação do artigo 92.° , n.° 1, do Tratado. As prestações de serviços de transportes fornecidas por uma empresa por conta própria e com os seus próprios veículos não podem ser substituídas pura e simplesmente por prestações de transportes externas. Por esta razão, estas duas modalidades de prestação de serviços não formam um único e mesmo mercado.

    80. A Comissão, sobretudo, não expôs porque é que os transportes efectuados até então por uma empresa por meio dos seus próprios veículos como prestações acessórias de uma actividade principal distinta são na realidade intermutáveis com prestações efectuadas por terceiros. O facto de a categoria em questão de beneficiários do PRI ter utilizado até agora os seus próprios veículos para esses fins é justamente contrário à intermutabilidade.

    81. Por conseguinte, a decisão impugnada deve ser anulada igualmente por determinação errada do mercado relevante.

    ii) Distorção da concorrência e afectação das trocas comerciais

    82. Se o mercado das prestações profissionais de serviços de transportes por conta de terceiros for visto de modo isolado, as verificações da Comissão na decisão impugnada relativas à distorção da concorrência e à afectação das trocas comerciais entre Estados-Membros não suscitam objecções.

    83. O PRI proporciona às PME do sector dos transportes estabelecidas em Espanha uma vantagem em relação às grandes empresas e às empresas cuja sede está situada noutros Estados-Membros. Apenas as empresas espanholas dispõem em geral de veículos comerciais matriculados em Espanha, que podem ser retirados e substituídos por veículos novos subvencionados no quadro do PRI. As possibilidades mencionadas pelo Governo espanhol quanto ao modo como as empresas de outros Estados-Membros podem igualmente preencher as condições de atribuição do auxílio não são realizáveis na prática ou implicam, em todo o caso, custos suplementares. As despesas necessárias para esse efeito não seriam comparáveis ao montante do auxílio concedido.

    84. A esse respeito, é irrelevante o argumento do Governo espanhol segundo o qual o PRI contribui unicamente para compensar as taxas de juro diferentes existentes nos Estados-Membros. As diferenças entre as condições jurídicas e económicas gerais em vigor nos Estados-Membros só podem ser eliminadas por via da harmonização legislativa. Em contrapartida, a modificação unilateral de um determinado elemento dos custos de produção num sector económico de um Estado-Membro é susceptível de perturbar o equilíbrio existente .

    85. Mesmo que a subvenção financie uma aquisição, deve ser qualificada de auxílio ao funcionamento. Como a subvenção serve para a aquisição de um novo veículo em substituição de um veículo comercial que tenha pelo menos dez anos, os beneficiários economizam os encargos que normalmente teriam de suportar de qualquer modo no decurso da sua actividade habitual. A aquisição de um veículo não implica nenhuma reorganização nem extensão da empresa que exija um financiamento extraordinário. Segundo jurisprudência constante, considera-se que os auxílios ao funcionamento falseiam a concorrência porque melhoram a situação financeira e as possibilidades de acção das empresas favorecidas em relação às que o não são .

    86. Quando os auxílios concedidos por meio de recursos do Estado reforçam a posição de empresas situadas no território nacional em concorrência com empresas de outros Estados-Membros, isso afecta igualmente as trocas comerciais intracomunitárias .

    87. O Governo espanhol avança diversos argumentos, apoiados numa série de números, a fim de explicar por que é que os auxílios concedidos no quadro do PRI não afectam o comércio intracomunitário. Por um lado, sustenta que só é concedido um auxílio mínimo, que as empresas beneficiárias são muito pequenas e que utilizam, na maioria dos casos, um só veículo.

    88. Segundo jurisprudência constante, todavia, a importância relativamente fraca de um auxílio e a dimensão relativamente modesta das empresas beneficiárias não impedem a priori a eventualidade de as trocas comerciais entre Estados-Membros serem afectadas . Mesmo um auxílio de importância relativamente pequena é susceptível de afectar as trocas comerciais entre Estados-Membros quando o sector em questão se caracteriza por uma forte concorrência . É o caso, nomeadamente, do mercado dos transportes, que - como explicou a Comissão sem ser contrariada - é muito fraccionado e marcado por capacidades excedentárias.

    89. O Governo espanhol menciona, por outro lado, a circunstância de as empresas beneficiárias não participarem nos transportes intracomunitários. No entanto, esse facto não impede que as trocas comerciais intracomunitárias possam ser afectadas. Com efeito, tal como o Tribunal de Justiça declarou :

    «[...] não é necessário que a própria empresa beneficiária participe nas exportações. De facto, quando o Estado-Membro concede um auxílio a uma empresa, a produção interna pode ser mantida ou aumentada, daí resultando que as hipóteses de as empresas estabelecidas noutros Estados-Membros exportarem os seus produtos para o mercado deste Estado-Membro são diminuídas [...]

    De igual modo, quando um Estado-Membro concede auxílios a empresas que operam no sector dos serviços e da distribuição, não é necessário que as empresas beneficiárias exerçam, elas próprias, as suas actividades fora do referido Estado-Membro para que os auxílios influenciem as trocas comerciais comunitárias, especialmente quando se trata de empresas estabelecidas perto das fronteiras entre dois Estados-Membros.»

    iii) Fundamentação insuficiente da afectação das trocas comerciais intracomunitárias

    90. Só na fase da réplica é que o Governo espanhol invocou o fundamento da insuficiência de fundamentação da afectação das trocas comerciais intracomunitárias. Como não fundamentou o atraso na apresentação desse fundamento, o artigo 42.° , n.° 2, do Regulamento de Processo proíbe-o de o invocar. Contudo, o Tribunal de Justiça pode suscitar oficiosamente, em qualquer momento, a violação de formalidades essenciais e, em especial, a violação do dever de fundamentação . Por isso, há que analisar este fundamento.

    91. A propósito da obrigação de fundamentar a afectação das trocas comerciais intracomunitárias prevista no artigo 92.° , n.° 1, do Tratado CE, o Tribunal de Justiça julgou no acórdão Itália e Sardegna Lines/Comissão que,

    «[...] embora em certos casos possa resultar das próprias circunstâncias em que o auxílio é concedido que o mesmo pode afectar as trocas comerciais entre Estados-Membros e falsear ou ameaçar falsear a concorrência, compete à Comissão pelo menos invocar essas circunstâncias na fundamentação da sua decisão» .

    92. A Comissão satisfez essas exigências ao explicar na decisão impugnada (secção IV, último parágrafo):

    «Quando um auxílio reforça a posição das empresas de um sector particular que participa no comércio intracomunitário, este deve considerar-se afectado nos termos do n.° 1 do artigo 92.° do Tratado. Dado que os auxílios previstos pelo Plan Renove Industrial reforçam a posição financeira e as possibilidades de acção das empresas beneficiárias em relação às suas concorrentes e que este efeito se produz no quadro do comércio intracomunitário, a Comissão considera que este pode ser afectado em resultado da concessão de tais auxílios.»

    93. Tendo em conta a ligação que existe, segundo a jurisprudência, entre o reforço da posição de uma empresa na concorrência e os efeitos sobre as trocas intracomunitárias, não era necessária uma fundamentação mais aprofundada quanto a este ponto. Por conseguinte, o fundamento que assenta na insuficiência de fundamentação da afectação das trocas comerciais deve ser julgado improcedente.

    3) Conclusão

    94. Uma vez que a Comissão, erradamente, não aplicou a regra «de minimis» aos auxílios a empresas que apenas efectuam transportes por conta própria, procede o primeiro fundamento do recurso. Na hipótese, analisada a título subsidiário, de a regra «de minimis» ser inaplicável, a delimitação incorrecta do mercado conduziria igualmente à anulação da decisão.

    B - Quanto à violação do artigo 92.° , n.° 3, alínea c), do Tratado

    1) Argumentação das partes

    a) Reino de Espanha

    95. O Governo espanhol entende que as condições de uma derrogação da proibição de auxílios estatais nos termos do artigo 92.° , n.° 3, alínea c), do Tratado estão reunidas porque as medidas contidas no PRI contribuem para a protecção do ambiente e a segurança rodoviária. O PRI não tem o efeito de aumentar as capacidades no sector dos transportes, nem de desfavorecer as empresas de outros Estados-Membros.

    96. A substituição de veículos com mais de dez anos por veículos novos implica por si só uma redução das emissões de substâncias tóxicas, de modo que não era necessário fazer depender a concessão da subvenção de condições particulares. O PRI conduz ao respeito antecipado das normas em vigor, porque os veículos são substituídos mais cedo do que está previsto na lei.

    b) Comissão

    97. A Comissão observa, antes de mais, que as derrogações previstas no artigo 92.° , n.° 3, do Tratado devem ser interpretadas em sentido estrito, e que é ao Estado-Membro interessado que compete demonstrar que as condições para uma derrogação estão reunidas. O Reino de Espanha não o conseguiu fazer.

    98. A Comissão sustenta que o montante do auxílio depende unicamente do preço, sem ter em conta factores específicos ligados à protecção do ambiente ou à segurança rodoviária. Basta que o veículo subvencionado - tal como o veículo retirado - cumpra as normas em vigor. Embora os veículos novos estejam, em parte, sujeitos a normas mais severas que os veículos matriculados pela primeira vez antes de determinada data, é possível, no entanto, que um veículo retirado já respeite essas normas.

    99. Em virtude do enquadramento comunitário sobre auxílios estatais para a protecção do ambiente, apenas os custos suplementares ligados à protecção do ambiente podem ser elegíveis para os efeitos de atribuição de uma subvenção. Os auxílios à adaptação às novas normas não podem exceder 15% dos custos suplementares. No quadro do PRI, pelo contrário, é o preço total do veículo que constitui a base para o cálculo do auxílio.

    100. Como as empresas são libertadas de custos que deveriam assumir no quadro da sua gestão normal, estamos em presença de auxílios ao funcionamento que, pela sua própria natureza, alteram as condições das trocas comerciais de maneira contrária ao interesse comum . Além disso, a Comissão assinala o aumento da capacidade e a discriminação induzidas pelo PRI, bem como o risco de acumulação com outros auxílios autorizados em 1993 e em 1996.

    2) Apreciação

    101. Nos termos do artigo 92.° , n.° 3, alínea c), do Tratado, podem ser considerados compatíveis com o mercado comum os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas actividades ou regiões económicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira contrária ao interesse comum.

    102. Para aplicação desta disposição derrogatória, a Comissão goza de um amplo poder de apreciação cujo exercício envolve apreciações de ordem económica e social que devem ser efectuadas num contexto comunitário . É, porém, necessário que a argumentação avançada pela Comissão mantenha a coerência .

    103. Como já expusemos, a Comissão pode, no exercício do seu poder de apreciação, vincular-se a orientações na medida em que estas sejam compatíveis com o direito comunitário . A Comissão utilizou esta possibilidade ao adoptar o enquadramento comunitário sobre auxílios estatais para a protecção do ambiente.

    104. Segundo estas orientações, podem ser autorizados nomeadamente os auxílios aos investimentos (ponto 3.2) e, em certas condições, igualmente os auxílios ao funcionamento (ponto 3.4), bem como os auxílios à aquisição de produtos ecológicos (ponto 3.5). De entre os auxílios aos investimentos, o enquadramento comunitário distingue três casos: auxílios à adaptação a novas normas obrigatórias em matéria de ambiente, auxílios às empresas que vão além das normas obrigatórias e auxílios na ausência de normas obrigatórias.

    105. A Comissão classificou o PRI entre as medidas tomadas em aplicação do artigo 92.° , n.° 3, alínea c), do Tratado, recusando, no entanto, uma isenção, tendo em conta o enquadramento comunitário sobre auxílios ao ambiente. Há que verificar se a avaliação do PRI feita pela Comissão não contém erros manifestos de apreciação.

    106. A este propósito, há que recordar, antes de mais, os efeitos do PRI. Este proporciona um incentivo financeiro à substituição de veículos com pelo menos dez anos por veículos novos. Há que partir do princípio de que tanto os veículos retirados como os veículos adquiridos respeitavam e respeitam as normas que lhes eram - e são - aplicáveis. Além disso, há que admitir que, dada a sua longevidade, os veículos retirados deveriam, de qualquer modo, ser trocados num futuro previsível.

    107. Em contrapartida, é relativamente provável que pelo menos uma parte das empresas tenha aproveitado a subvenção para desmantelar o veículo, que, por isso, foi retirado mais cedo do que se não houvesse subvenção. Por último, qualquer pessoa pode verificar, dados os progressos atingidos na concepção técnica dos veículos, que os veículos novos são mais eficientes no que respeita à segurança, ao consumo de combustível e às emissões de substâncias tóxicas, do que os veículos retirados, com pelo menos dez anos de idade.

    108. Em resumo, pode assim verificar-se que a medida controvertida teve certos efeitos positivos na segurança rodoviária e no ambiente, provocando - mesmo que numa medida mínima - a troca de veículos velhos por veículos novos mais cedo do que seria o caso na falta de subvenção.

    109. No entanto, o facto de a Comissão não ter isentado o PRI em aplicação do artigo 92.° , n.° 3, alínea c), do Tratado, em conjugação com o enquadramento comunitário sobre auxílios ao ambiente, não constitui, em última análise, um erro manifesto de apreciação. Com efeito, não basta que um auxílio tenha um efeito positivo sobre o ambiente para que possa beneficiar de isenção. Pelo contrário, há que ponderar os efeitos do auxílio sobre a concorrência e as trocas comerciais intracomunitárias e os objectivos prosseguidos no domínio da protecção do ambiente. O enquadramento comunitário fixa condições diferenciadas para esse efeito.

    110. Todavia, pode criticar-se a Comissão por não ter indicado muito claramente em que categoria de auxílios enumerada no enquadramento classifica, em última análise, o PRI.

    111. O regime de auxílios preenche por si só os critérios que caracterizam os auxílios ao funcionamento segundo a jurisprudência e a prática da Comissão; quanto ao mérito, com efeito, são em todo o caso investimentos de substituição indispensáveis que são subvencionados , mesmo sendo possível que as aquisições sejam um pouco antecipadas em razão da subvenção.

    112. O Tribunal de Justiça julgou, a propósito dos auxílios ao funcionamento, que estes não podem, regra geral, ser isentos com base no artigo 92.° , n.° 3, alínea c), do Tratado .

    113. Por conseguinte, a Comissão expôs na decisão impugnada que, em princípio, os auxílios a esses investimentos que devem ser efectuados de qualquer modo não podem ser isentos porque falseiam consideravelmente a concorrência e são contrários ao interesse comum europeu. Todavia, só perante o Tribunal de Justiça é que a Comissão qualificou expressamente as medidas controvertidas de auxílios ao funcionamento, e não já na decisão impugnada.

    114. Segundo o enquadramento comunitário, os auxílios ao funcionamento podem ser aprovados em certas circunstâncias excepcionais . A Comissão não abordou essas disposições na decisão impugnada. No entanto, os auxílios concedidos em virtude do PRI também não são manifestamente comparáveis aos casos em que a Comissão considera excepcionalmente lícitos os auxílios ao funcionamento nos termos do enquadramento comunitário.

    115. A Comissão parece antes ter entendido que são aplicáveis em primeiro lugar as disposições relativas aos auxílios às empresas que vão além das normas obrigatórias em matéria de ambiente (ponto 3.2, alínea B, do enquadramento comunitário). Com efeito, a Comissão observa que os custos elegíveis se limitam exclusivamente às despesas de investimento extraordinárias que são necessárias para atingir os objectivos de protecção do ambiente em cumprimento de normas mais exigentes do que as previstas na lei. Todavia, a Comissão recusa correctamente a isenção, porque o Reino de Espanha não provou que o PRI poderia incitar as empresas a irem além das normas em vigor.

    116. Por um lado, a Comissão considerou inaplicáveis as disposições relativas aos auxílios à adaptação a novas normas obrigatórias em matéria de ambiente (ponto 3.2, alínea A, do enquadramento comunitário), porque só se aplicariam a investimentos ligados a certos activos imobilizados. Esta limitação, no entanto, não é corroborada pela redacção do enquadramento comunitário, que, de facto, apenas menciona os investimentos e os equipamentos em termos gerais.

    117. Por outro lado, a Comissão observou que a subvenção depende do preço e não de critérios específicos do ambiente. Nos desenvolvimentos que fez perante o Tribunal de Justiça, a Comissão salientou mesmo os limites específicos da subvenção (15% dos custos elegíveis), que o ponto 3.2, alínea A, do enquadramento comunitário prevê precisamente para esta forma de auxílios ao investimento.

    118. Apesar desta falta de clareza na sua exposição, a Comissão baseou, todavia, a sua decisão quanto ao mérito em considerações exactas, e em especial no facto de o PRI subvencionar, em última análise, os custos de funcionamento. Ora, salvo em certos casos excepcionais, esses auxílios ao funcionamento não podem ser autorizados, mesmo que tenham acessoriamente um efeito benéfico para o ambiente.

    119. Mesmo que se considerassem as medidas controvertidas como auxílios ao investimento, não há que pôr a hipótese de isenção. Com efeito, o Reino de Espanha não demonstrou que as condições de isenção para os auxílios à adaptação às novas normas em matéria de ambiente ou para os auxílios que constituem um incitamento à sua ultrapassagem estão reunidas. A esse respeito, há que recordar que o enquadramento comunitário em causa deve ser entendido como uma regra derrogatória da proibição dos auxílios estatais enunciada no artigo 92.° , n.° 1, do Tratado e, portanto, deve ser objecto de interpretação em sentido estrito .

    120. Do mesmo modo, a Comissão teve correctamente em consideração o facto de o PRI ser contrário ao interesse comum, porque conduziu a um aumento da capacidade de transporte. Ao negar que o PRI tem esse efeito, o Governo espanhol não é convincente. Com efeito, o próprio Governo espanhol admitiu que cerca de 12,3% dos beneficiários obtiveram a subvenção para um veículo comercial de categoria superior à do veículo retirado. Ao aplicar orientações no âmbito do artigo 92.° , n.° 3, alínea c), do Tratado, a Comissão também pode ter em conta, na sua ponderação, outros aspectos do interesse comunitário.

    121. Por último, o Governo espanhol não demonstrou de modo convincente que a acumulação com outros auxílios esteja excluída. É certo que sustentou, sem ser contrariado, que as medidas de execução dos auxílios autorizados pela Comissão em 1993 contêm uma regra anticúmulo. Todavia, não mencionou o risco de acumulação com auxílios autorizados em 1996. Além disso, a Comissão salienta, com razão, que só a proibição de acumular o auxílio controvertido com outros auxílios que figuram no próprio PRI é susceptível de evitar esse risco com segurança; ora, não se verifica essa proibição.

    122. Por conseguinte, não tendo a Comissão cometido nenhum erro manifesto de apreciação ao recusar a isenção prevista no artigo 92.° , n.° 3, alínea c), do Tratado, há que considerar improcedente o segundo fundamento do recurso.

    C - Quanto à violação do princípio da protecção da confiança legítima

    1) Argumentação das partes

    a) Reino de Espanha

    123. O Governo espanhol invoca a violação do princípio da protecção da confiança legítima, porque o processo administrativo durou no total 41 meses. Durante esse período, a Comissão deixou passar 32 meses, repartidos entre diferentes intervalos de tempo no decurso do processo, enquanto as autoridades espanholas responderam sempre com brevidade aos seus pedidos de informações.

    124. Devido aos longos períodos durante os quais a Comissão não manifestou reacção, formou-se para o Governo espanhol uma confiança na regularidade dos auxílios. Com base nisso, o número de auxílios concedidos atingiu cerca de 14 500.

    125. O Tribunal de Justiça só não reconheceu a existência de confiança legítima em casos em que as autoridades nacionais se mostraram reticentes em fornecer informações , o que, no entanto, não sucedeu no caso vertente. No acórdão RSV/Comissão , o Tribunal de Justiça anulou uma decisão da Comissão porque a longa duração do processo fez nascer uma confiança legítima.

    b) Comissão

    126. A Comissão salienta, antes de mais, que um Estado-Membro que não cumpriu a obrigação de notificação que lhe incumbe por força do artigo 93.° , n.° 3, do Tratado não pode invocar a confiança legítima na legalidade do auxílio. Acresce que o processo não foi excessivamente longo no caso em apreço. Os atrasos são imputáveis à falta de cooperação das autoridades espanholas.

    127. Em qualquer caso, segundo a Comissão, a duração do processo não basta em si mesma para fundamentar a confiança legítima. Na realidade, devem acrescentar-se actos ou declarações que emanem da Comissão, que permitam ao Estado-Membro concluir pela compatibilidade do auxílio com o mercado comum. Ora, a Comissão não deu quaisquer indicações nesse sentido ao longo do processo.

    128. As autoridades espanholas concederam a maioria dos auxílios entre Julho de 1995 e Julho de 1996, embora estivessem informadas desde Fevereiro de 1995 do inquérito levado a cabo pela Comissão devido à falta de notificação da medida controvertida e da sua eventual incompatibilidade com o mercado comum. Em 1997, lançaram até um novo programa semelhante, apesar de o procedimento formal relativo ao PRI inicial já ter sido iniciado.

    2) Apreciação

    129. A título preliminar, há que recordar a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça segundo a qual o beneficiário de um auxílio só pode ter confiança legítima na regularidade do auxílio se este foi concedido no respeito do procedimento previsto pelo artigo 93.° do Tratado . Esta regra vale por maioria de razão para o Estado-Membro que concedeu um auxílio sem notificação prévia.

    130. É certo que o Tribunal de Justiça declarou no acórdão RSV/Comissão que o beneficiário de um auxílio pode, em caso de comportamento negligente da Comissão durante o procedimento administrativo e em certas condições, crer legitimamente que a Comissão já não ordenaria a sua recuperação . Como a Comissão correctamente salienta, o processo RSV/Comissão caracterizava-se, além da longa duração do procedimento administrativo, por circunstâncias excepcionais que podiam levar o beneficiário a esperar que a Comissão não criticasse o auxílio.

    131. No caso vertente, o Governo espanhol não alegou circunstâncias equiparáveis. Baseia-se unicamente na duração do processo. Todavia, a duração do processo perante a Comissão não pode, em princípio, fundamentar por si só a confiança legítima.

    132. Na prática, a Comissão encerra, em princípio, a fase preliminar - também quando do controlo de auxílios não notificados - por meio de uma decisão, dando início a um procedimento formal ou declarando que a medida em causa não constitui um auxílio estatal e não suscita objecções .

    133. Desde que um Estado-Membro seja informado de que a Comissão iniciou um procedimento preliminar, não pode considerar que a medida em causa só será criticada a partir do momento em que receber uma decisão nesse sentido. Isto também é válido para o período posterior à abertura do procedimento formal, porque este termina igualmente com uma decisão. Em contrapartida, o facto de o processo durar há algum tempo não pode, em princípio, fundamentar uma confiança legítima quanto à regularidade dessa medida.

    134. Uma inacção anormalmente longa da Comissão ou, em consequência, um atraso arbitrário do processo seriam, no entanto, susceptíveis de constituir uma violação do princípio da boa administração ou de implicar a prescrição do direito da Comissão de impugnar a medida em causa. Só nesses casos é que o Estado-Membro pode eventualmente invocar uma confiança legítima que lhe permita já não contar que a medida seja posta em causa.

    135. A esse respeito, há que, todavia, analisar se a duração do processo é imputável apenas à Comissão ou igualmente ao facto de o Estado-Membro não lhe ter transmitido com brevidade todas as informações necessárias, em violação da obrigação que lhe incumbe por força do artigo 5.° do Tratado CE (actual artigo 10.° CE) .

    136. No caso em apreço, nada indica que a Comissão tenha permanecido inactiva durante um período anormalmente longo ou que tenha prolongado arbitrariamente o processo. Pelo contrário, a longa duração do processo é também imputável à atitude das autoridades espanholas, que não forneceram rapidamente à Comissão todas as informações necessárias.

    137. Por ofício de 9 de Fevereiro de 1995, a Comissão pediu às autoridades espanholas informações sobre o PRI. Estas apenas transmitiram à Comissão informações sumárias por ofício de 6 de Março de 1995, recebido em 7 de Abril de 1995. Só na sequência de um novo pedido, de 6 de Julho de 1995, é que as autoridades espanholas enviaram à Comissão, por ofício de 26 de Julho de 1995, ou seja, mais de seis meses após o primeiro pedido de informações, uma cópia da convenção de 27 de Setembro de 1994 relativa às regras de execução do PRI.

    138. Embora seja verdade que decorreram quase sete meses até ao pedido subsequente da Comissão, de 20 de Fevereiro de 1996, não se trata, no entanto, de um período de inacção anormalmente longo, que o Reino de Espanha pudesse interpretar como uma aprovação (tácita) do PRI pela Comissão. O mesmo é válido para a fase seguinte, compreendida entre a última transmissão de informações em 18 de Março de 1996 e o início do procedimento formal em fins de Junho de 1996.

    139. O procedimento formal durou quase dois anos. É certo que esta duração é superior ao prazo (prorrogável) de dezoito meses que o Conselho consagrou entretanto no artigo 7.° , n.° 6, do Regulamento n.° 659/1999 para os procedimentos formais de investigação relativos aos auxílios notificados , mas não é anormalmente longa. De resto, o PRI não é um auxílio notificado. Além disso, há que ter em consideração o facto de as autoridades espanholas também não terem transmitido nas suas primeiras observações todas as informações necessárias durante esse período, mas somente após novo pedido da Comissão. O Governo espanhol não alegou que esses pedidos complementares da Comissão eram inúteis e que conduziram a um atraso arbitrário do processo. Deve entender-se, portanto, que a duração do procedimento formal não é imputável apenas à Comissão.

    140. Nestas condições, a duração do procedimento formal não pôde originar uma confiança legítima por parte do Reino de Espanha; o terceiro fundamento do recurso deve, portanto, ser julgado improcedente.

    D - Quanto à violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que é ordenada a recuperação dos auxílios

    1) Argumentação das partes

    141. Segundo o Governo espanhol, a recuperação de auxílios incompatíveis com o mercado comum não é uma consequência automática da violação do artigo 92.° do Tratado, mas depende antes do poder de apreciação da Comissão . Resulta das comunicações da Comissão relativas à sua prática em matéria de auxílios não notificados que a respectiva restituição é normalmente ordenada, salvo circunstâncias especiais. O Governo espanhol enumera, além disso, uma série de decisões em que a Comissão não ordenou a recuperação do auxílio.

    142. Tendo em conta os prejuízos mínimos causados à concorrência, a obrigação de recuperar o auxílio, que tem consequências graves para as PME beneficiárias, é totalmente desproporcionada. Uma decisão deste tipo é contrária à declaração do Tribunal de Primeira Instância no acórdão Cityflyer Express/Comissão , segundo a qual o princípio da proporcionalidade exige a adopção de medidas de restabelecimento da concorrência que prejudiquem o menos possível a promoção de um desenvolvimento económico equilibrado.

    143. Na réplica, o Governo espanhol sustentou ainda que, em todo o caso, a obrigação de recuperação prevista no artigo 4.° da decisão impugnada deve ser anulada para proteger a confiança dos beneficiários do auxílio.

    144. A Comissão não contesta que dispõe de um poder de apreciação para ordenar ou não a recuperação de um auxílio, mas invoca a jurisprudência constante em virtude da qual a recuperação de um auxílio é, em princípio, a consequência lógica da verificação da sua incompatibilidade com o mercado comum . O facto de a recuperação ter graves consequências para os beneficiários do auxílio não justifica que se derrogue a regra geral.

    2) Apreciação

    145. Segundo jurisprudência constante, «a supressão de um auxílio ilegal mediante recuperação é a consequência lógica da verificação da sua ilegalidade. Por conseguinte, a recuperação de um auxílio estatal ilegalmente concedido, com vista ao restabelecimento da situação anterior, não pode, em princípio, ser considerada uma medida desproporcionada relativamente aos objectivos das disposições do Tratado em matéria de auxílios de Estado» .

    146. Isto não exclui que a Comissão possa renunciar à recuperação em caso de circunstâncias excepcionais. Na realidade, o Tribunal de Justiça limitou-se, na jurisprudência referida, a dar à Comissão uma indicação que lhe permite exercer o seu poder de apreciação na maioria dos casos.

    147. O Governo espanhol não avançou indícios sólidos em favor de uma renúncia à recuperação dos auxílios. Limitou-se a evocar, sem mais indicações, as consequências graves da restituição para os beneficiários do auxílio. Não se pode, portanto, considerar que a Comissão tenha cometido um erro no exercício do seu poder de apreciação ao ordenar a recuperação do auxílio e ao fazer prevalecer o objectivo do restabelecimento da concorrência sobre os interesses dos beneficiários .

    148. Não existe nenhum elemento no acórdão Cityflyer Express/Comissão do Tribunal de Primeira Instância que permita sustentar que a Comissão, num caso como o vertente, seja obrigada a renunciar totalmente à recuperação do auxílio com fundamento no princípio da proporcionalidade. Na realidade, o Tribunal de Primeira Instância limitou-se a concluir que a recuperação se deve limitar ao necessário para eliminar a distorção da concorrência. No quadro de um empréstimo em condições preferenciais, em princípio, não há que reembolsar imediatamente a totalidade do capital, mas apenas que pagar a diferença entre a taxa de juros preferencial e a taxa que teria sido concedida nas condições normais de mercado.

    149. Por último, nenhuma confiança legítima dos beneficiários do auxílio constitui obstáculo à recuperação. Como já expusemos, o beneficiário de um auxílio não notificado não pode, em princípio, ter uma confiança legítima na sua regularidade . Acresce o facto de a Comissão ter publicado a sua decisão de dar início ao procedimento formal em 13 de Setembro de 1996 no Jornal Oficial das Comunidades Europeias . Por conseguinte, as dúvidas que aí exprimiu quanto à compatibilidade do auxílio com o mercado comum devem pressupor-se conhecidas . O facto de, em seguida, o procedimento se ter prolongado durante dois anos também não é fundamento, pelas razões que já expusemos , para a confiança legítima.

    150. Por conseguinte, improcede o quarto fundamento do recurso.

    E - Quanto à violação do artigo 190.° do Tratado por fundamentação insuficiente da obrigação de recuperação

    1) Argumentação das partes

    151. O Governo espanhol afirma que a ordem de recuperar o auxílio não está suficientemente fundamentada, uma vez que a Comissão se limita a indicar que o respectivo reembolso é necessário para restabelecer a concorrência.

    152. A Comissão entende, pelo contrário, que não é necessária uma fundamentação específica, tendo em conta a violação da proibição de auxílios estatais e a jurisprudência segundo a qual a recuperação constitui a consequência lógica dessa proibição. Além disso, a Comissão recorda a jurisprudência nos termos da qual o artigo 190.° não exige a análise do conjunto da matéria de facto, e que é necessário atender não apenas aos termos da decisão, mas igualmente ao contexto factual e jurídico em que se inscreve.

    2) Apreciação

    153. Resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a injunção às autoridades nacionais no sentido de ordenarem a restituição de um auxílio não carece de mais fundamentação quando este último foi concedido em violação do artigo 93.° , n.° 3, do Tratado CE . Por maioria de razão, o mesmo se passa quando esse auxílio se revela materialmente incompatível com o mercado comum.

    154. Como os auxílios previstos no quadro do PRI foram concedidos sem serem previamente notificados à Comissão, não era necessário fundamentar a obrigação de recuperação. Em qualquer caso, o facto de a Comissão esclarecer, na decisão impugnada, que o reembolso dos auxílios era necessário para restabelecer as condições de concorrência existentes antes da sua concessão era suficiente. O fundamento deve, portanto, ser julgado improcedente.

    V - Despesas

    155. Nos termos do artigo 69.° , n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida e tendo o Reino de Espanha requerido a sua condenação, há que condená-la nas despesas.

    VI - Conclusão

    156. Sendo procedente o primeiro fundamento do recurso, propomos que o Tribunal de Justiça decida do seguinte modo:

    «1) É anulada a Decisão 98/693/CE da Comissão, de 1 de Julho de 1998, relativa ao regime espanhol de auxílios à aquisição de veículos comerciais Plan Renove Industrial (Agosto de 1994-Dezembro de 1996).

    2) A Comissão é condenada nas despesas.»

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