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Document 61996CJ0395

    Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 16 de Março de 2000.
    Compagnie maritime belge transports SA (C-395/96 P), Compagnie maritime belge SA (C-395/96 P) e Dafra-Lines A/S (C-396/96 P) contra Comissão das Comunidades Europeias.
    Concorrência - Transportes marítimos internacionais - Conferências marítimas - Regulamento (CEE) n.º 4056/86 - Artigo 86.º do Tratado CE (actual artigo 82.º CE) - Posição dominante colectiva - Acordo entre administrações nacionais e conferências marítimas que prevêem um direito de exclusividade - Conferência maritima que insiste na aplicação do acordo - Navios de combate - Descontos de fidelidade - Direitos de defesa - Coimas - Critérios de apreciação.
    Processos apensos C-395/96 P e C-396/96 P.

    Colectânea de Jurisprudência 2000 I-01365

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:2000:132

    61996J0395

    Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 16 de Março de 2000. - Compagnie maritime belge transports SA (C-395/96 P), Compagnie maritime belge SA (C-395/96 P) e Dafra-Lines A/S (C-396/96 P) contra Comissão das Comunidades Europeias. - Concorrência - Transportes marítimos internacionais - Conferências marítimas - Regulamento (CEE) n.º 4056/86 - Artigo 86.º do Tratado CE (actual artigo 82.º CE) - Posição dominante colectiva - Acordo entre administrações nacionais e conferências marítimas que prevêem um direito de exclusividade - Conferência maritima que insiste na aplicação do acordo - Navios de combate - Descontos de fidelidade - Direitos de defesa - Coimas - Critérios de apreciação. - Processos apensos C-395/96 P e C-396/96 P.

    Colectânea da Jurisprudência 2000 página I-01365


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    1 Concorrência - Regras comunitárias - Aplicação simultânea dos artigos 85._ e 86._ do Tratado (actuais artigos 81._ CE e 82._ CE) - Admissibilidade - Objectivos respectivos dos artigos 85._ e 86._

    [Tratado CE, artigos 85._, n._ 1, alíneas a), b), d) e e), e 86._, alínea a) a d) (actuais artigos 81._, n._ 1, alíneas a), b), d) e e), CE e 82._, alíneas a) a d), CE]

    2 Concorrência - Posição dominante - Posição dominante colectiva - Conceito - Entidade colectiva

    [Tratado CE, artigos 85._, n.os 1 e 3, e 86._ (actuais artigos 81._, n.os 1 e 3, CE e 82._ CE)]

    3 Concorrência - Posição dominante - Posição dominante colectiva - Conceito - Conferência marítima

    [Tratado CE, artigo 86._ (actual artigo 82._ CE); Regulamento n._ 4056/86 do Conselho, artigo 8._, n._ 2]

    4 Actos das instituições - Decisão - Procedência de uma apreciação jurídica - Elementos a tomar em consideração

    5 Processo - Dedução de novos fundamentos no decurso da instância - Tratamento pelo Tribunal - Modalidades

    (Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, artigo 48._, n._ 2)

    6 Transportes - Transportes marítimos - Regras de concorrência - Posição dominante - Abuso - Conferência marítima - Prática dita de «navios de combate»

    [Tratado CE, artigo 86._ (actual artigo 82._ CE); Regulamento n._ 4056/86 do Conselho]

    7 Concorrência - Regras comunitárias - Aplicação simultânea dos artigos 85._ e 86._ do Tratado (actuais artigos 81._ CE e 82._ CE) - Admissibilidade - Aplicação do artigo 86._ a uma prática isenta nos termos do artigo 85._, n._ 3 - Admissibilidade

    [Tratado CE, artigos 85._ e 86._ (actuais artigos 81._ CE e 82._ CE)]

    8 Transportes - Transportes marítimos - Regras de concorrência - Posição dominante - Abuso - Proibição absoluta

    [Tratado CE, artigo 86._ (actual artigo 82._ CE); Regulamento n._ 4056/86 do Conselho, artigos 3._ e 8._, n.os 1 e 2]

    9 Concorrência - Procedimento administrativo - Respeito dos direitos da defesa - Comunicação das acusações - Conteúdo necessário - Indicação clara das partes a quem pode ser aplicada uma coima

    (Regulamento n._ 17 do Conselho, artigo 19._, n._ 1; Regulamento n._ 99/63 da Comissão, artigo 4._)

    Sumário


    1 Resulta dos próprios termos dos artigos 85._, n._ 1, alíneas a), b), d) e e), e 86._, alíneas a) a d), do Tratado (actuais artigos 81._, n._ 1, alíneas a), b), d) e e), CE e 82._, alíneas a) a d), CE) que uma mesma prática pode dar lugar a uma infracção às duas disposições. A aplicação concomitante dos artigos 85._ e 86._ do Tratado não pode, portanto, ser excluída a priori. Todavia, os objectivos respectivamente prosseguidos por cada uma destas disposições devem ser distinguidos. O artigo 85._ do Tratado aplica-se aos acordos, decisões e práticas concertadas, susceptíveis de afectar o comércio entre Estados-Membros de modo sensível, sem tomar em consideração a posição das empresas em causa. Em contrapartida, o artigo 86._ do Tratado aplica-se ao comportamento de um ou vários operadores económicos, que consiste no facto de explorar de modo abusivo uma situação de poderio económico que permite ao operador em causa obstar à manutenção de uma concorrência efectiva no mercado em causa, ao proporcionar-lhe a possibilidade de comportamentos independentes, em medida apreciável, face aos seus concorrentes, aos seus clientes e, finalmente, aos consumidores. (cf. n.os 33-34)

    2 Nos termos do artigo 86._ do Tratado (actual artigo 82._ CE), uma posição dominante pode ser detida por várias «empresas». O conceito de «empresa» que figura no capítulo do Tratado consagrado às regras da concorrência pressupõe a independência económica da entidade em causa. Daqui resulta que a expressão «mais empresas» que figura no artigo 86._ do Tratado implica que uma posição dominante pode ser detida por duas ou mais entidades económicas, juridicamente independentes uma da outra, na condição de, do ponto de vista económico, se apresentarem ou actuarem em conjunto num mercado específico, como uma entidade colectiva. É nesta acepção que há que entender a expressão «posição dominante colectiva».

    Para apreciar a existência de uma entidade colectiva, há que examinar as relações ou factores de correlação económicas entre as empresas em causa. A este propósito, há que verificar, nomeadamente, se existem relações económicas entre as empresas em causa que lhes permitam agir em conjunto, independentemente dos seus concorrentes, dos seus clientes e dos consumidores. A simples circunstância de duas ou mais empresas estarem ligadas por um acordo, uma decisão de associações de empresas ou uma prática concertada, na acepção do artigo 85._, n._ 1, do Tratado (actual artigo 81._, n._ 1, CE), não pode constituir, por si só, base suficiente para tal verificação. Em contrapartida, um acordo, uma decisão ou uma prática concertada (beneficiem ou não da isenção ao abrigo do artigo 85._, n._ 3, do Tratado) pode incontestavelmente, quando lhe é dada aplicação, ter como consequência que as empresas em questão se juntaram no sentido de concertar os respectivos comportamentos num mercado determinado, de modo que se apresentam nesse mercado como uma entidade colectiva em relação aos seus concorrentes, parceiros comerciais e consumidores.

    A existência de uma posição dominante colectiva pode, portanto, resultar da natureza e dos termos de um acordo, do modo como se concretiza e, portanto, das relações ou factores de correlação entre empresas que dela resultam. Todavia, a existência de um acordo ou de outros laços jurídicos não é indispensável para a verificação da existência de uma posição dominante colectiva, verificação que poderia resultar de outros factores de correlação e que dependeria de uma apreciação económica e, designadamente, de uma apreciação da estrutura do mercado em causa.

    Além disso, a verificação de que duas ou mais empresas detêm uma posição dominante colectiva deve, em princípio, proceder de uma apreciação económica da posição das empresas no mercado em causa, antes de qualquer apreciação no que respeita à questão de saber se essas empresas exploraram de modo abusivo a sua posição no mercado. (cf. n.os 35-36, 38, 41-45)

    3 Resulta das disposições do Regulamento n._ 4056/86, que determina as regras de aplicação aos transportes marítimos dos artigos 85._ e 86._ do Tratado, que, pela sua natureza e tendo em conta os seus objectivos, uma conferência marítima, conforme definida pelo Conselho como beneficiária da isenção por categoria prevista pelo referido regulamento, pode ser qualificada como entidade colectiva que se apresenta como tal no mercado, tanto em relação aos utilizadores como aos concorrentes. Nesta perspectiva, é lógico que o Conselho tenha previsto, através do referido regulamento, as disposições necessárias para evitar que uma conferência marítima produza efeitos incompatíveis com o artigo 86._ do Tratado (actual artigo 82._ CE). Isto em nada afecta a questão de saber se, numa dada situação, uma conferência marítima detém uma posição dominante num mercado determinado ou, a fortiori, explorou essa posição de modo abusivo. Efectivamente, como resulta dos termos do artigo 8._, n._ 2, do referido regulamento, é pelo seu comportamento que uma conferência que detém uma posição dominante pode produzir efeitos incompatíveis com o artigo 86._ do Tratado. (cf. n.os 48-49)

    4 A procedência de uma apreciação jurídica da Comissão deve ser avaliada não apenas à luz dos factos e circunstâncias expressamente mencionados na parte de uma decisão consagrada a essa apreciação, mas igualmente de qualquer outro elemento incontestado que figure nessa mesma decisão. (cf. n.o 56)

    5 Se é certo que o Tribunal de Primeira Instância deve, em princípio, responder aos argumentos apresentados no âmbito de um processo e fundamentar uma decisão sobre a inadmissibilidade de um pedido para que o Tribunal de Justiça possa, no âmbito do recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância, exercer a sua fiscalização jurisdicional, não se lhe pode contudo exigir, de cada vez que uma parte invoca, no decurso do processo, um fundamento novo que não responde manifestamente às exigências do artigo 48._, n._ 2, do seu Regulamento de Processo, que explique no seu acórdão as razões pelas quais esse fundamento é inadmissível ou que o aprecie de mérito. O facto de o Tribunal de Primeira Instância não se pronunciar expressamente sobre a admissibilidade de um fundamento não afecta a situação da recorrente, se a inadmissibilidade do referido fundamento for evidente. (cf. n.os 106-108)

    6 Constitui um abuso de posição dominante o facto de uma conferência marítima em posição dominante, detentora de mais de 90% das partes do mercado em causa e tendo um único concorrente, proceder a uma redução selectiva dos preços a fim de os alinhar, de forma bem precisa, sobre os do seu concorrente. Esta prática, dita de «navios de combate», confere à referida conferência marítima um duplo benefício. Por um lado, elimina o principal, ou mesmo o único, meio de concorrência aberto à empresa concorrente. Por outro lado, permite à conferência marítima em causa continuar a pedir aos utilizadores preços superiores pelos serviços que não estejam ameaçados por essa concorrência. (cf. n.os 117, 119-120)

    7 A aplicabilidade a um acordo do artigo 85._ do Tratado (actual artigo 81._ CE) não prejudica a aplicabilidade do artigo 86._ do Tratado (actual artigo 82._ CE) aos comportamentos das partes nesse mesmo acordo, desde que os requisitos de aplicação de cada uma das disposições estejam preenchidos. Mais concretamente, a concessão de uma isenção com base no artigo 85._, n._ 3, não prejudica a aplicação do artigo 86._ do Tratado. O facto de os operadores submetidos a uma concorrência efectiva seguirem uma prática autorizada não implica, portanto, que a adopção dessa mesma prática por uma empresa em posição dominante nunca possa constituir um abuso dessa posição. Efectivamente, a análise do comportamento de uma empresa em posição dominante deve ter em conta o facto de que a posse de uma quota de mercado extremamente importante coloca a empresa que a detém durante um certo período com determinada duração numa situação de força, transformando-a num parceiro obrigatório para os seus parceiros comerciais. (cf. n.os 130-132)

    8 O artigo 8._, n._ 1, do Regulamento n._ 4056/86, que determina as regras de aplicação aos transportes marítimos dos artigos 85._ e 86._ do Tratado, prevê expressamente que é proibida a exploração abusiva de uma posição dominante não sendo necessário para o efeito qualquer decisão prévia. Esta fórmula inequívoca está em perfeita harmonia com os princípios relativos à efectividade do artigo 86._ do Tratado (actual artigo 82._ CE) e à impossibilidade de uma isenção. Com efeito, o abuso de uma posição dominante não é susceptível de nenhuma isenção, seja sob que forma for. Daqui resulta que o artigo 8._, n._ 2, do referido regulamento, segundo o qual a Comissão pode retirar o benefício da isenção de grupo quando constatar, num caso particular, que o comportamento das conferências marítimas que beneficiam da isenção prevista no artigo 3._ do referido regulamento produz efeitos incompatíveis com o artigo 86._ do Tratado, não impõe nem poderia impor uma restrição ao poder de que a Comissão dispõe para aplicar coimas por violação do artigo 86._ do Tratado. (cf. n.os 135-136)

    9 A comunicação de acusações deve enunciar, de forma clara, todos os elementos essenciais em que a Comissão se baseia nesta fase do processo de aplicação das regras comunitárias da concorrência. A garantia processual essencial que constitui a comunicação de acusações é uma aplicação de um princípio fundamental do direito comunitário que exige o respeito dos direitos de defesa em qualquer processo. Daqui resulta que a Comissão é obrigada a precisar, inequivocamente, na comunicação de acusações, as pessoas às quais poderão ser aplicadas coimas.

    Uma comunicação de acusações que se limita a identificar como autor de uma infracção uma entidade colectiva não permite às sociedades que constituem essa colectividade estar suficientemente informadas de que lhes serão aplicadas coimas a título individual se a existência da infracção for declarada. A falta de personalidade jurídica da entidade colectiva não é pertinente a este propósito. Do mesmo modo, uma comunicação de acusações assim redigida não basta para elucidar as sociedades em causa de que o montante das coimas aplicadas será fixado à luz de uma apreciação da participação de cada sociedade no comportamento constitutivo da pretensa infracção. (cf. n.os 142-145)

    Partes


    Nos processos apensos C-395/96 P e C-396/96 P,

    Compagnie maritime belge transports SA (C-395/96 P), com sede em Antuérpia (Bélgica),

    Compagnie maritime belge SA (C-395/96 P), com sede em Antuérpia,

    e

    Dafra-Lines A/S (C-396/96 P), com sede em Copenhaga (Dinamarca),

    representadas por M. e D. Waelbroeck, advogados no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado E. Arendt, 34, rue Philippe II,

    recorrentes,

    que têm por objecto um recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (Terceira Secção Alargada) de 8 de Outubro de 1996, Compagnie maritime belge transports e o./Comissão (T-24/93 a T-26/93 e T-28/93, Colect., p. II-1201), em que se pede a anulação desse acórdão, sendo as outras partes no processo: Comissão das Comunidades Europeias, representada por R. Lyal, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por J. Flynn, barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de C. Gómez de la Cruz, membro do mesmo serviço, Centre Wagner, Kirchberg, recorrida na primeira instância, Grimaldi, com sede em Palermo (Itália), e Cobelfret, com sede em Antuérpia, representadas por M. Clough, solicitor, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado A. May, 31, Grand-rue, intervenientes na primeira instância, Deutsche Afrika-Linien GmbH & Co., com sede em Hamburgo (Alemanha), Nedlloyd Lijnen BV, com sede em Roterdão (Países Baixos), recorrentes na primeira instância,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    (Quinta Secção),

    composto por: D. A. O. Edward (relator), presidente de secção, J. C. Moitinho de Almeida, L. Sevón, C. Gulmann e P. Jann, juízes,

    advogado-geral: N. Fennelly,

    secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações das partes na audiência de 14 de Maio de 1998,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 29 de Outubro de 1998,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    1 Por petições apresentadas na Secretaria do Tribunal de Justiça em 10 de Dezembro de 1996, a Compagnie maritime belge SA (a seguir «CMB») e a Compagnie maritime belge transports SA (a seguir «CMBT»), no processo C-395/96 P, e a Dafra-Lines A/S (a seguir «Dafra»), no processo C-396/96 P, interpuseram, ao abrigo do artigo 49._ do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, um recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Outubro de 1996, Compagnie maritime belge transports e o./Comissão (T-24/93 a T-26/93 e T-28/93, Colect., p. II-1201, a seguir «acórdão recorrido»), em que este negou provimento ao recurso de anulação da Decisão 93/82/CEE da Comissão, de 23 de Dezembro de 1992, relativa a um processo de aplicação do artigo 85._ do Tratado CEE (IV/32.448 e IV/32.450: Cewal, Cowac, Ukwal) e do artigo 86._ do Tratado CEE (IV/32.448 e IV/32.450: Cewal) (JO 1993, L 34, p. 20, a seguir «decisão impugnada»).

    2 A CMB é uma sociedade holding do grupo CMB, que exerce actividades, nomeadamente, no sector do armamento, da gestão e exploração de operações de tráfego marítimo. Em 7 de Maio de 1991, os serviços de linha e intermodais constituíram-se numa entidade jurídica distinta, CMBT, para vigorar a partir de 1 de Janeiro de 1991.

    3 A CMB é membro da Associated Central West Africa Lines (a seguir «Cewal»), que é uma conferência marítima cujo secretariado se encontra em Antuérpia. Esta conferência agrupa as companhias marítimas que asseguram um serviço de linha regular entre os portos do Zaire (actualmente República Democrática do Congo) e de Angola e os do mar do Norte, com excepção do Reino Unido.

    4 A Dafra é membro da Cewal e é igualmente, desde 1 de Janeiro de 1988, membro do grupo CMB.

    5 Resulta da decisão impugnada:

    «Artigo 1._

    As conferências marítimas da Cewal, Cowac e Ukwal e as suas empresas membros cuja lista consta do anexo I da presente decisão infringiram o disposto no n._ 1 do artigo 85._ do Tratado CEE ao estabelecerem acordos de não concorrência nos termos dos quais se abstêm de operar, enquanto armadores independentes (`outsiders'), na zona de actividade das duas outras conferências, a fim de obter uma repartição, numa base geográfica, do mercado de transporte marítimo entre a Europa do Norte e a África do Oeste.

    Artigo 2._

    A fim de obter a eliminação do principal concorrente independente no tráfego em causa, as empresas membros da Cewal abusaram da sua posição dominante conjunta ao:

    - participarem na execução do acordo de cooperação acima referido com o Ogefrem e exigindo reiteradamente, através de várias diligências, o seu rigoroso cumprimento,

    - modificarem as suas tarifas, derrogando as tarifas em vigor a fim de oferecer tarifas idênticas ou inferiores às do principal concorrente independente, para navios partindo na mesma data ou em datas próximas [prática dita dos `fighting ships' (navios de combate)]

    e

    - estabelecerem acordos de fidelidade impostos a 100% (inclusive sobre as mercadorias vendidas FOB) excedendo o previsto no n._ 2 do artigo 5._ do Regulamento (CEE) n._ 4056/86, com a utilização específica descrita na presente decisão das `listas negras' de carregadores não fiéis.

    Artigo 3._

    As empresas destinatárias da presente decisão devem pôr termo às infracções declaradas no artigo 1._

    As empresas membros da Cewal devem igualmente pôr termo às infracções declaradas no artigo 2._

    Artigo 4._

    As empresas destinatárias da presente decisão devem abster-se de qualquer acordo ou prática concertada que possa ter um objecto ou efeito idêntico ou semelhante aos acordos e práticas objecto do artigo 1._ da presente decisão.

    Artigo 5._

    É recomendado às empresas membros da Cewal observar nos seus contratos de fidelidade o n._ 2 do artigo 5._ do Regulamento (CEE) n._ 4056/86.

    Artigo 6._

    São aplicadas coimas às empresas membros da Cewal, em virtude das infracções declaradas no artigo 2._, com excepção das companhias marítimas Angonave, Portline, Compagnie Maritime Zaïroise (CMZ) e Scandinavian West African Lines (SWAL).

    Estas coimas são as seguintes:

    - Compagnie maritime belge: 9,6 milhões de (nove milhões e seiscentos mil) ecus,

    - Dafra Line: 200 000 (duzentos mil) ecus,

    - Nedlloyd Lijnen BV: 100 000 (cem mil) ecus,

    - Deutsche Afrika Linien-Woermann Linie: 200 000 (duzentos mil) ecus.

    Artigo 7._

    As coimas impostas no artigo 6._ serão pagas num prazo de três meses a contar da data de notificação da presente decisão, em ecus, através de depósito na conta da Comissão das Comunidades Europeias n._ 310-0933000-43, Banque Bruxelles-Lambert, agência `Europa', Rond-point Robert Schuman 5, B-1040 Bruxelas.

    O montante destas coimas vencerá automaticamente juros a contar do termo do prazo acima referido, à taxa aplicada pelo Fundo Europeu de Cooperação Monetária nas suas operações em ecus no primeiro dia útil do mês em que foi adoptada a presente decisão, acrescida de três pontos e meio, ou seja, 13,25%.

    Artigo 8._

    As conferências marítimas e os seus membros, cuja lista consta do anexo I, são os destinatários da presente decisão.»

    6 Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 19 de Março de 1993, a CMB e a CMBT interpuseram um recurso, registado sob o número T-24/93, que tinha como objecto, a título principal, a anulação da decisão impugnada.

    7 Por requerimentos que deram entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 19 e 22 de Março de 1993, a Dafra, a Deutsche Africa-Linien GmbH & Co. e a Nedlloyd Lijnen BV interpuseram cada uma delas um recurso. Estes recursos foram registados, respectivamente, sob os números T-25/93, T-26/93 e T-28/93, e tinham como objecto, a título principal, a anulação da decisão impugnada.

    8 As recorrentes invocaram quatro fundamentos para os seus pedidos de anulação:

    - no processo T-26/93, a recorrente invocou um fundamento baseado em vícios processuais;

    - nos processos T-24/93, T-25/93 e T-28/93, as recorrentes alegaram que as práticas controvertidas não afectavam as trocas comerciais intracomunitárias e, nos processos T-24/93 e T-25/93, que os mercados em causa não faziam parte do mercado comum.

    - nos processos T-24/93 a T-26/93, as recorrentes contestaram que as práticas controvertidas tivessem tido como objectivo ou como efeito falsear a concorrência, na acepção do artigo 85._, n._ 1, do Tratado (actual artigo 81._, n._ 1, CE).

    - em todos os processos, as recorrentes sustentaram que as práticas controvertidas não constituíam abuso de posição dominante na acepção do artigo 86._ do Tratado (actual artigo 82._ CE).

    9 O Tribunal de Primeira Instância, embora tenha reduzido o montante das coimas aplicadas, negou provimento aos recursos de anulação da decisão impugnada.

    10 Só a Dafra, a CMB e a CMBT recorreram deste acórdão.

    11 No presente recurso, a Dafra, a CMB e a CMBT invocam três fundamentos contra o acórdão recorrido:

    - contestam a posição dominante colectiva que os membros da Cewal pretensamente detêm;

    - contestam as três conclusões do Tribunal de Primeira Instância quanto ao abuso de posição dominante, no que respeita, respectivamente, ao acordo com o Office zaïrois de gestion de fret maritime (a seguir «Ogefrem»), os «navios de combate» e os acordos de fidelidade;

    - opõem-se às coimas aplicadas.

    Quanto ao fundamento baseado na existência de uma posição dominante colectiva

    Argumentos das partes

    12 No primeiro fundamento, as recorrentes contestam o facto de que, ao analisar, nos n.os 59 a 68 do acórdão recorrido, a existência de uma posição dominante colectiva, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que a Comissão, na decisão, fez prova bastante de que a posição dos membros da Cewal no mercado em questão devia ser apreciada colectivamente. Quanto a esta questão, as recorrentes fazem três acusações.

    13 Na primeira acusação, as recorrentes defendem que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao basear o seu raciocínio em fundamentos que não faziam parte da decisão impugnada.

    14 Consideram que a Comissão concluiu, no ponto 61 da decisão impugnada, que a Cewal dispunha de uma posição dominante e que «Esta posição dominante é detida conjuntamente pelos membros da Cewal, devido ao facto de estes se encontrarem ligados pelo acordo entre eles» (v. igualmente o ponto 49 da decisão impugnada). Ora, resulta do n._ 67 do acórdão recorrido que o Tribunal de Primeira Instância considerou que, além dos acordos celebrados entre as companhias marítimas que criaram a conferência Cewal, existiam entre essas companhias relações tais que adoptaram uma linha de acção uniforme no mercado. As recorrentes sublinham que o Tribunal de Primeira Instância não definiu a natureza dessas relações.

    15 Efectivamente, segundo as recorrentes, não resulta da decisão impugnada que a Comissão tenha considerado que, além do acordo de conferência, existissem certas relações económicas entre os membros da Cewal, de modo que a posição desta última no mercado devia ser apreciada colectivamente. Estas relações deveriam ter sido claramente enunciadas na decisão impugnada e o Tribunal de Primeira Instância não pode ser autorizado a completar o raciocínio da Comissão, extraindo da decisão impugnada elementos individuais que militariam a favor de uma apreciação colectiva. Daqui resulta que a decisão impugnada não permite corroborar a fundamentação do Tribunal de Primeira Instância sobre este ponto.

    16 Na segunda acusação, as recorrentes alegam que, para provar as relações económicas necessárias para justificar a aplicação do conceito de posição dominante colectiva, o Tribunal de Primeira Instância, na realidade, «reciclou» práticas concertadas entre membros da Cewal na acepção do artigo 85._ do Tratado. As recorrentes consideram que esta abordagem contradiz a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que estabeleceu como condição, para se poder concluir pela existência de uma posição dominante colectiva, que o grupo de empresas em causa esteja ligado por relações de natureza diferente das simples práticas concertadas ou acordos na acepção do artigo 85._ do Tratado.

    17 A este propósito, baseiam-se, nomeadamente, no n._ 65 das conclusões do advogado-geral no processo DIP e o. (acórdão de 17 de Outubro de 1995, C-140/94 a C-142/94, Colect., p. I-3257), no qual este reconheceu que, para provar a existência de tais relações económicas estreitas, não basta invocar o facto de as empresas em causa participarem naquilo que é no fundo, em suma, uma prática concertada que releva do artigo 85._ do Tratado.

    18 Segundo as recorrentes, no n._ 65 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância baseou precisamente a sua conclusão segundo a qual a posição dos membros da Cewal no mercado deve ser apreciada colectivamente, por um lado, na existência de diversos comités a que pertenciam os membros da Cewal e, por outro, no facto de esses membros terem concordado levar a cabo, através de certos acordos concluídos em comités, certas práticas julgadas abusivas pela Comissão.

    19 No entanto, aquele Tribunal não forneceu nenhum elemento susceptível de explicar a razão pela qual se devia considerar que a criação desses comités criava relações económicas como as referidas no acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, SIV e o./Comissão (T-68/89, T-77/89 e T-78/89, Colect., p. II-1403, n._ 358), do qual resulta que as empresas em causa devem estar unidas por relações económicas suficientes.

    20 Na terceira acusação, as recorrentes consideram que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao decidir que as práticas concertadas entre as companhias marítimas membros da Cewal podiam ser condenadas como abusos de posição dominante colectiva.

    21 As recorrentes consideram que práticas concertadas entre empresas que poderiam potencialmente ser consideradas colectivamente dominantes não deveriam ser «recicladas» em abuso de posição dominante colectiva, mas antes tratadas ao abrigo das regras aplicáveis às práticas concertadas. A este propósito, alegam que o artigo 86._ do Tratado visa unicamente o comportamento unilateral de empresas que detêm uma posição dominante, enquanto o artigo 85._ do Tratado visa o comportamento concertado. Quanto a esta questão, fazem referência aos acórdãos de 14 de Julho de 1981, Züchner (172/80, Recueil, p. 2021, n._ 10), e de 5 de Outubro de 1988, Alsatel (247/86, Colect., p. 5987, n._ 20).

    22 Além disso, segundo as recorrentes, resulta do acórdão de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann-La Roche/Comissão (85/76, Colect., p. 217, n._ 39), que o artigo 86._ do Tratado se aplica unicamente a um comportamento de empresas determinado unilateralmente e não a um comportamento concertado entre empresas independentes. De resto, o Tribunal de Justiça julgou, no acórdão de 11 de Abril de 1989, Ahmed Saeed Flugreisen e Silver Line Reisebüro (66/86, Colect., p. 803, n.os 36 e seguintes), que o artigo 86._ do Tratado só excepcionalmente se pode aplicar a um acordo entre duas empresas.

    23 Assim, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao decidir que esses acordos e/ou práticas concertadas podiam ser considerados contrários ao artigo 86._ do Tratado embora não fossem o culminar de um comportamento unilateral dos membros da Cewal.

    24 As recorrentes alegam igualmente que o Tribunal de Primeira Instância não analisou o fundamento que suscitaram a este respeito ou, pelo menos, que o acórdão recorrido comporta declarações contraditórias.

    25 Efectivamente, a qualificação correcta das práticas pretensamente abusivas é incerta. No n._ 64 do acórdão recorrido, o Tribunal sublinha, em termos ligeiramente contraditórios, que, «pelo jogo das relações estreitas que as companhias marítimas mantêm entre si numa conferência marítima, podem, em conjunto, desenvolver em comum, no mercado em causa, práticas tais que constituam comportamentos unilaterais. Esses comportamentos podem apresentar o carácter de infracções ao artigo 86._ [do Tratado]...». Do mesmo modo, no n._ 65 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância sublinha que os membros da Cewal manifestaram «a vontade de adoptar em conjunto uma mesma linha de acção no mercado para reagir unilateralmente face a uma evolução, considerada ameaçadora, da situação concorrencial do mercado em que actuam».

    26 Segundo as recorrentes, a linha de acção ou é concertada ou é unilateral, mas não pode ser simultaneamente concertada e unilateral.

    27 Nestas condições, o acórdão recorrido deveria ser anulado por fundamentação deficiente.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    Quanto à acusação de que o Tribunal de Primeira Instância baseou o seu raciocínio em fundamentos que não fazem parte da decisão impugnada

    28 A primeira acusação resulta de uma interpretação errada dos n.os 64 a 67 do acórdão recorrido.

    29 No n._ 64, o Tribunal de Primeira Instância declarou que o artigo 86._ do Tratado era susceptível de se aplicar aos comportamentos unilaterais de uma conferência marítima. No n._ 65, assinalou que, perante os elementos constantes da decisão impugnada, as práticas censuradas aos membros da Cewal traduziam a vontade de adoptar em conjunto uma mesma linha de acção no mercado para reagir unilateralmente face a uma evolução, considerada ameaçadora, da situação concorrencial do mercado em que actuam. Em consequência, declarou, no n._ 66, que a Comissão fez prova bastante da necessidade de apreciar colectivamente a posição dos membros da Cewal no mercado em questão.

    30 No n._ 67, o Tribunal de Primeira Instância respondeu ao argumento segundo o qual a Comissão tinha «reciclado» os factos constitutivos de uma infracção ao artigo 85._ Em contrapartida, este número do acórdão não tinha por finalidade fazer referência a outras relações além das já mencionadas no n._ 65.

    31 Daqui resulta que esta primeira acusação deve ser julgada improcedente.

    Quanto às acusações relativas à pretensa «reciclagem» de práticas concertadas, à possibilidade de as práticas concertadas constituírem um abuso de posição dominante e à fundamentação do acórdão recorrido quanto a estas questões

    32 As segunda e terceira acusações, que devem ser analisadas em conjunto, têm essencialmente por objecto a questão de saber se a Comissão pode, para declarar a existência de um abuso de posição dominante, basear-se unicamente em circunstâncias ou situações de facto que seriam constitutivas de um acordo, decisão ou prática concertada abrangidos pelo artigo 85._, n._ 1, do Tratado, e portanto nulos, salvo em caso de exclusão com base no artigo 85._, n._ 3, do Tratado.

    33 Resulta dos próprios termos dos artigos 85._, n._ 1, alíneas a), b), d) e e), e 86._, alíneas a) a d), do Tratado que uma mesma prática pode dar lugar a uma infracção às duas disposições. A aplicação concomitante dos artigos 85._ e 86._ do Tratado não pode, portanto, ser excluída a priori. Todavia, os objectivos respectivamente prosseguidos por cada uma destas disposições devem ser distinguidos.

    34 O artigo 85._ do Tratado aplica-se aos acordos, decisões e práticas concertadas, susceptíveis de afectar o comércio entre Estados-Membros de modo sensível, sem tomar em consideração a posição das empresas em causa no mercado. Em contrapartida, o artigo 86._ do Tratado aplica-se ao comportamento de um ou vários operadores económicos, que consiste no facto de explorar de modo abusivo uma situação de poderio económico que permite ao operador em causa impedir a manutenção de uma concorrência efectiva no mercado em causa, ao proporcionar-lhe a possibilidade de comportamentos independentes, em medida apreciável, face aos seus concorrentes, aos seus clientes e, finalmente, aos consumidores (v. acórdão de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n._ 30).

    35 Nos termos do artigo 86._ do Tratado, uma posição dominante pode ser detida por várias «empresas». Já por várias vezes o Tribunal de Justiça decidiu que o conceito de «empresa» que figura no capítulo do Tratado consagrado às regras da concorrência pressupõe a autonomia económica da entidade em causa (v. entre outros, acórdão de 25 de Novembro de 1971, Béguelin, 22/71, Colect., p. 355).

    36 Daqui resulta que a expressão «mais empresas» que figura no artigo 86._ do Tratado implica que uma posição dominante pode ser detida por duas ou mais entidades económicas, juridicamente independentes uma da outra, na condição de, do ponto de vista económico, se apresentarem ou actuarem em conjunto num mercado específico, como uma entidade colectiva. É nesta acepção que há que entender a expressão «posição dominante colectiva», que será doravante utilizada no presente acórdão.

    37 Ora, a verificação da existência de uma posição dominante não implica, em si, qualquer censura relativamente à empresa em questão, significando apenas que incumbe a esta, independentemente das causas de tal posição, uma responsabilidade particular de não lesar pelo seu comportamento uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum (v. acórdão Michelin, já referido, n._ 57).

    38 A mesma conclusão se impõe no que respeita às empresas que detêm uma posição dominante colectiva. A verificação de que duas ou mais empresas detêm uma posição dominante colectiva deve, em princípio, proceder de uma apreciação económica da posição no mercado pertinente das empresas em causa, antes de qualquer apreciação no que respeita à questão de saber se essas empresas exploraram de modo abusivo a sua posição no mercado.

    39 Assim, é necessário, para efeitos de uma análise nos termos do artigo 86._ do Tratado, examinar se as empresas em causam constituem, em conjunto, uma entidade colectiva em relação aos seus concorrentes, parceiros comerciais e consumidores num mercado determinado. Só no caso de resposta afirmativa é que haveria que analisar se essa entidade colectiva detém efectivamente uma posição dominante e se se comporta de maneira abusiva.

    40 Cabe sublinhar que, no acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância teve o cuidado de analisar separadamente estes três elementos, isto é, a posição colectiva, a posição dominante e o abuso de tal posição.

    41 Para apreciar a existência de uma entidade colectiva na acepção acabada de referir, há que examinar as relações ou factores de correlação económicas entre as empresas em causa (v., nomeadamente, os acórdãos de 27 de Abril de 1994, Almelo, C-393/92, Colect., p. I-1477, n._ 43, e de 31 de Março de 1998, França e o./Comissão, C-68/94 e C-30/95, Colect., p. I-1375, n._ 221).

    42 A este propósito, há que verificar, nomeadamente, se existem relações económicas entre as empresas em causa que lhes permitam agir em conjunto, independentemente dos seus concorrentes, dos seus clientes e dos consumidores (v., a este propósito, o acórdão Michelin, já referido).

    43 Sublinhe-se que a simples circunstância de duas ou mais empresas estarem ligadas por um acordo, uma decisão de associações de empresas ou uma prática concertada, na acepção do artigo 85._, n._ 1, do Tratado, não pode constituir, por si só, base suficiente para tal verificação.

    44 Em contrapartida, um acordo, uma decisão ou uma prática concertada (que beneficiem ou não da isenção ao abrigo do artigo 85._, n._ 3, do Tratado) pode incontestavelmente, quando lhe é dada aplicação, ter como consequência que as empresas em questão se juntaram no sentido de concertarem os respectivos comportamentos num mercado determinado, de modo que se apresentam nesse mercado como uma entidade colectiva em relação aos seus concorrentes, parceiros comerciais e consumidores.

    45 A existência de uma posição dominante colectiva pode, portanto, resultar da natureza e dos termos de um acordo, do modo como se concretiza e, portanto, das relações ou factores de correlação entre empresas que dela resultam. Todavia, a existência de um acordo ou de outros laços jurídicos não é indispensável para a verificação da existência de uma posição dominante colectiva, verificação que poderia resultar de outros factores de correlação e que dependeria de uma apreciação económica, designadamente de uma apreciação da estrutura do mercado em causa.

    46 Nos termos do disposto no artigo 1._, n._ 3, alínea b), do Regulamento (CEE) n._ 4056/86 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1986, que determina as regras de aplicação aos transportes marítimos dos artigos 85._ e 86._ do Tratado (JO L 378, p. 4), uma conferência marítima é um «um grupo de, pelo menos, dois transportadores-exploradores de navios que assegure serviços internacionais regulares para o transporte de mercadorias numa linha ou linhas particulares dentro de determinados limites geográficos e que tenha celebrado um acordo ou convénio, seja de que natureza for, no âmbito do qual esses transportadores operem aplicando fretes uniformes ou comuns e quaisquer outras condições de transportes concertadas para o fornecimento de serviços regulares».

    47 Resulta do oitavo considerando deste regulamento que tais conferências «exercem um papel estabilizador capaz de garantir serviços fiáveis aos carregadores; que elas contribuem geralmente para assegurar uma oferta de serviços regulares de transporte marítimo suficientes e eficazes tendo em consideração os interesses dos utilizadores numa justa medida; que estes resultados não podem ser obtidos sem a cooperação exercida pelas companhias marítimas no seio das referidas conferências em matéria de tarifas e eventualmente de oferta de capacidade ou de repartição da tonelagem a transportar ou de receitas; que a maioria das vezes as conferências permanecem sujeitas a uma concorrência efectiva tanto por parte dos serviços regulares extraconferência como dos serviços à colheita e, em alguns casos, de outras formas de transporte; que a mobilidade das frotas, que caracteriza a estrutura da oferta no sector dos serviços de transportes marítimos, exerce uma pressão concorrencial permanente sobre as conferências, que normalmente não têm possibilidade de eliminar a concorrência numa parte substancial dos serviços de transporte marítimo em causa»

    48 Resulta destas disposições que, pela sua natureza e tendo em conta os seus objectivos, uma conferência marítima, conforme definida pelo Conselho como beneficiária da isenção por categoria prevista pelo Regulamento n._ 4056/86, pode ser qualificada como entidade colectiva que se apresenta como tal no mercado, tanto em relação aos utilizadores como aos concorrentes. Nesta perspectiva, é lógico que o Conselho tenha previsto, através do Regulamento n._ 4056/86, as disposições necessárias para evitar que uma conferência marítima produza efeitos incompatíveis com o artigo 86._ do Tratado (v., nomeadamente, o artigo 8._ do referido regulamento).

    49 Isto em nada afecta a questão de saber se, numa dada situação, uma conferência marítima detém uma posição dominante num mercado determinado ou, a fortiori, explorou essa posição de modo abusivo. Efectivamente, como resulta dos termos do artigo 8._, n._ 2, do Regulamento n._ 4056/86, é pelo seu comportamento que uma conferência que detém uma posição dominante pode produzir efeitos incompatíveis com o artigo 86._ do Tratado.

    50 É à luz destas considerações que há que analisar a procedência das segunda e terceira acusações.

    51 Importa desde já assinalar que as recorrentes não contestaram, no recurso do acórdão do Tribunal de Primeira Instância, a definição do mercado em causa nem os elementos de prova da posição dominante da conferência Cewal nesse mercado (admitindo que a existência de uma posição colectiva está demonstrada).

    52 É certo que, na decisão impugnada, secção II, A, intitulado «Aplicabilidade do artigo 86._ do Tratado às conferências marítimas», a Comissão se limitou a concluir, no ponto 49, que o artigo 8._ do Regulamento n._ 4056/86 prevê a possibilidade de abuso de uma posição dominante por parte das conferências marítimas, que o Tribunal de Primeira Instância citou as conferências marítimas como exemplo de acordos entre entidades economicamente independentes que permitem o estabelecimento de relações económicas de tal modo que, por esse motivo, possam em conjunto deter uma posição dominante em relação aos outros operadores no mesmo mercado e que o acordo concluído entre os membros da conferência Cewal constitui um acordo deste tipo. Segundo o ponto 50 da referida decisão, o facto de determinadas actividades da conferência Cewal serem autorizadas através de uma isenção de grupo não exclui a possibilidade da aplicação do artigo 86._ do Tratado relativamente às actividades da conferência.

    53 É certo que o Tribunal de Primeira Instância fez referência, no n._ 65 do acórdão recorrido, a um certo número de elementos que, embora figurassem na decisão impugnada, não foram expressamente mencionados nos pontos 49 e 50 da referida decisão.

    54 Todavia, daqui não resulta que se deva concluir que o Tribunal de Primeira Instância considerou que, na falta dos elementos específicos que evocou no n._ 65 do acórdão recorrido, a Comissão não tinha qualquer razão para entender que a conferência Cewal constituía uma entidade colectiva susceptível de deter uma posição dominante no mercado em causa. Pelo contrário, a fundamentação constante do n._ 65 do referido acórdão destina-se a demonstrar, em resposta aos argumentos das recorrentes, que a aplicação do acordo Cewal tinha como consequência que os membros da conferência se apresentavam no mercado como uma entidade colectiva.

    55 Além disso, há que sublinhar que as recorrentes não contestaram a exactidão dos elementos evocados pelo Tribunal de Primeira Instância no n._ 65 do acórdão recorrido e que já figuravam na decisão impugnada, nem afirmaram que não tiveram a possibilidade de fazer valer os seus pontos de vista a este respeito no decurso do procedimento administrativo.

    56 A procedência de uma apreciação jurídica da Comissão, como a que figura nos pontos 49 e 50 da decisão impugnada, deve ser apreciada não apenas à luz dos factos e circunstâncias expressamente mencionados na parte de uma decisão consagrada a essa apreciação, mas igualmente de qualquer outro elemento incontestado que figure nessa mesma decisão.

    57 Resulta de quanto precede que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito ao considerar que, no presente caso, a Comissão tinha feito prova bastante de que o acordo Cewal, do modo como tinha sido aplicado, permitia apreciar colectivamente o comportamento dos membros da conferência assim constituída.

    58 Nestas condições, não é necessário pronunciar-se sobre a questão de saber se o comportamento dos membros de uma conferência marítima deve sempre ser apreciado colectivamente para efeitos da aplicação do artigo 86._ do Tratado.

    59 Assim, há que rejeitar as segunda e terceira acusações e, consequentemente, o primeiro fundamento.

    Quanto ao fundamento baseado no pretenso abuso de posição dominante da Cewal

    60 Através do seu segundo fundamento, as recorrentes defendem que nenhuma das três pretensas infracções de que são acusadas, tanto pela Comissão como pelo Tribunal de Primeira Instância, pode ser qualificada como tal.

    Quanto ao abuso no que respeita ao acordo de cooperação (a seguir «acordo Ogefrem»)

    Argumentos das recorrentes

    61 As recorrentes acusam o Tribunal de Primeira Instância, em primeiro lugar, de ter violado os direitos de defesa e o direito a um processo justo, seguidamente, a existência de uma contradição na fundamentação do acórdão recorrido e, finalmente, o facto de o Tribunal de Primeira Instância não ter mencionado alguns dos seus argumentos.

    62 No que respeita à violação dos direitos de defesa e do direito a um processo justo, as recorrentes consideram que o Tribunal de Primeira Instância violou os seus direitos, substituindo a acusação relativa ao Ogefrem que figura na decisão impugnada por uma acusação nova.

    63 Segundo as recorrentes, nos n.os 63 a 72 e 115 da decisão impugnada, a Comissão acusa-as, em primeiro lugar, de não terem denunciado os artigos 1._ a 6._ do acordo Ogefrem e, em segundo lugar, de ter recordado ao Ogefrem que a exclusividade que lhes tinha sido concedida devia ser respeitada. Sustentam que o Tribunal de Primeira Instância substituiu esta dupla acusação por uma nova acusação, baseada no facto de pretensamente não terem utilizado razoavelmente os respectivos direitos de veto.

    64 Segundo as recorrentes, existe uma diferença fundamental entre o facto de pedir a uma autoridade pública para agir e o de opor formalmente o seu «veto» a um acto dessa autoridade, uma vez que a existência de um direito de veto visa uma situação em que a pessoa que dispõe de tal direito tem um poder de bloqueio. As recorrentes afirmam nunca ter tido a possibilidade de apresentar as suas observações no que respeita a esta nova acusação. Além disso, consideram que ela não se baseia em nenhum elemento de facto.

    65 As recorrentes consideram que esta nova acusação permitiu ao Tribunal de Primeira Instância ignorar a dupla natureza da acusação feita pela Comissão contra os membros da Cewal.

    66 No que respeita à primeira acusação, segundo a qual a Cewal não denunciou os artigos 1._ a 6._ do acordo Ogefrem, as recorrentes concluem que o Tribunal de Primeira Instância considerou que a infracção tinha terminado em Setembro de 1989. Sublinham que, uma vez que o acordo nunca foi denunciado, pode deduzir-se que o Tribunal de Primeira Instância, contrariamente à Comissão, considerou que o acordo, enquanto tal, não constituía uma prática abusiva ou, pelo menos, que não foi analisado se essa parte da acusação constituía uma prática abusiva. De qualquer modo, as recorrentes consideram que o Tribunal de Primeira Instância deveria ter anulado a coima no que respeita a esta prática abusiva.

    67 Se, em contrapartida, o Tribunal de Primeira Instância tivesse considerado que as disposições relativas à exclusividade constituíam, enquanto tais, uma prática abusiva, as recorrentes consideram que aquele Tribunal deveria ter respondido aos fundamentos por elas suscitados, segundo os quais a exclusividade lhes tinha sido concedida pela República do Zaire e constituía, portanto, um acto de poder público.

    68 Quanto à segunda acusação, relativa aos pedidos provenientes dos membros da Cewal e tendo por objecto um respeito rigoroso do acordo Ogefrem, as recorrentes sustentam que a diferença entre o facto de pedir a uma autoridade para agir e o de opor formalmente o seu veto a um acto dessa autoridade permitiu ao Tribunal de Primeira Instância afastar os argumentos das recorrentes no que respeita a esta acusação.

    69 A título subsidiário, as recorrentes consideram que, mesmo não tendo alterado a acusação da Comissão, o Tribunal de Primeira Instância deveria ter respondido aos fundamentos por elas suscitados, segundo os quais o simples encorajamento de uma acção governamental não pode ser qualificado de prática abusiva.

    70 Através do segundo argumento, as recorrentes defendem que, uma vez que o Tribunal de Primeira Instância considerou que os membros da Cewal não eram acusados de não ter denunciado o acordo Ogefrem nem de ter incitado um governo a agir, não podia, sem se contradizer, concluir que a Comissão tinha podido, com razão, considerar que os membros da Cewal, ao participarem activamente na aplicação do acordo e ao pedirem reiteradamente o seu cumprimento rigoroso, tinham violado o artigo 86._ do Tratado.

    71 Através do terceiro argumento, as recorrentes consideram que o facto de não terem renunciado a exercer os seus direitos exclusivos não pode constituir um abuso para efeitos do artigo 86._ do Tratado.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    72 Em primeiro lugar, importa analisar se o Tribunal de Primeira Instância substituiu a acusação relativa ao Ogefrem que figura na decisão impugnada por uma nova acusação, baseada no facto de as recorrentes pretensamente não terem utilizado de forma razoável os respectivos direitos de veto.

    73 Resulta do artigo 2._ da decisão impugnada que a Comissão considerou que as empresas membros da conferência marítima Cewal abusaram da sua posição dominante conjunta ao participarem na execução do acordo Ogefrem e ao exigirem reiteradamente, através de várias diligências, o seu rigoroso cumprimento.

    74 No n._ 109 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância considerou que a Comissão pôde, legitimamente, considerar que os membros da Cewal, ao participarem activamente na aplicação do acordo Ogefrem e ao solicitarem reiteradamente o estrito respeito desse mesmo acordo, no quadro de um plano destinado a afastar o único armador independente cujo acesso ao mercado tinha sido autorizado pela Ogefrem, infringiram o artigo 86._ do Tratado.

    75 Embora o Tribunal de Primeira Instância tenha mencionado, no n._ 108 do acórdão recorrido, a utilização do direito de veto, esta referência apenas pode referir-se à possibilidade dada à Cewal pelo acordo Ogefrem de recusar a aprovação das derrogações à exclusividade que lhe era concedida. Como sublinhou o advogado-geral no n._ 58 das suas conclusões, esta referência não tem incidência sobre a qualificação do abuso, que consiste, tanto segundo o Tribunal de Primeira Instância como segundo a Comissão, na insistência com que a Cewal reclamou o rigoroso cumprimento do seu direito exclusivo.

    76 Efectivamente, a referência ao direito de veto não visa descrever um abuso, mas antes a responder à argumentação desenvolvida pelas recorrentes segundo a qual o seu comportamento lhes tinha sido imposto pelas autoridades zairenses.

    77 Quanto aos outros argumentos apresentados sobre este ponto, uma vez que nem a Comissão nem o Tribunal de Primeira Instância consideraram que o acordo Ogefrem constituía uma violação do artigo 86._ do Tratado, o Tribunal de Primeira Instância podia concluir que a violação tinha terminado no mês de Setembro de 1989, mesmo estando este acordo ainda em vigor.

    78 O Tribunal de Primeira Instância também não considerou que a exclusividade concedida pelo acordo Ogefrem constituía, em si mesma, um abuso. Consequentemente, não era obrigado a analisar os argumentos das recorrentes segundo os quais a concessão de tal exclusividade constituiu um acto de poder público.

    79 Assim, há que determinar se o Tribunal de Primeira Instância deveria ter considerado os argumentos das recorrentes segundo os quais o simples encorajamento de uma acção governamental não podia ser qualificado de prática abusiva.

    80 Resulta dos n.os 104 e 105 do acórdão recorrido que o primeiro parágrafo do artigo 1._ do acordo Ogefrem previa um direito de exclusividade a favor dos membros da Cewal, para o conjunto das mercadorias a transportar no quadro da área de acção da conferência. O segundo parágrafo desse mesmo artigo previa expressamente a possibilidade de derrogações, mediante acordo das partes. O Ogefrem concedeu unilateralmente autorização a um armador independente, no início relativamente a 2% do conjunto do tráfego zairense, percentagem esta que entretanto subiu. Os membros da Cewal efectuaram então diligências junto do Ogefrem para conseguirem o afastamento de Grimaldi e Cobelfret (a seguir «G e C») do mercado. Nomeadamente, recordaram ao Ogefrem as suas obrigações e pediram o seu respeito rigoroso.

    81 A este propósito, importa, por um lado, analisar se o facto de as recorrentes terem, no quadro de um acordo celebrado com as autoridades zairenses, insistido no sentido de os termos desse acordo serem respeitados pode ser equiparado a um simples encorajamento de uma acção governamental. Em caso afirmativo, importa, por um lado, determinar se tal encorajamento pode constituir, em si, um comportamento abusivo.

    82 Ora, existe incontestavelmente uma diferença entre um pedido feito a uma autoridade pública para respeitar uma obrigação contratual específica e um simples incitamento ou «encorajamento» da autoridade a agir. Efectivamente, no último caso, trata-se de uma simples tentativa de influenciar a autoridade em causa no exercício da margem de apreciação que lhe incumbe. Em contrapartida, um pedido de respeito de uma obrigação contratual específica tem por objecto fazer valer direitos jurídicos que a autoridade em causa seria, por hipótese, obrigada a respeitar.

    83 Daqui resulta que o facto de as recorrentes terem insistido no sentido de os termos do acordo Ogefrem serem respeitados não pode ser equiparado a um simples incitamento das autoridades zairenses a uma acção governamental. Assim, não é necessário considerar se, e em que circunstâncias, um simples incitamento de um governo a agir pode constituir um comportamento abusivo na acepção do artigo 86._ do Tratado.

    84 Como se indicou, o Tribunal de Primeira Instância e a Comissão consideraram que o abuso consistia no facto de a Cewal ter reclamado com insistência às autoridades zairenses o respeito rigoroso do seu direito exclusivo.

    85 A este propósito, importa recordar que a existência de uma posição dominante significa que incumbe à empresa dominante ou às empresas dominantes, independentemente das causas de tal posição, uma responsabilidade particular de não lesar pelo seu comportamento uma concorrência efectiva e não falseada no mercado comum (v. acórdão Michelin/Comissão, já referido, n._ 57).

    86 Ora, é ponto assente, no caso vertente, que a Cewal tentou fazer valer uma exclusividade contratual prevista no acordo Ogefrem a fim de afastar o único concorrente do mercado. Tal comportamento não era de nenhum modo exigido por este acordo, uma vez que, por força do seu artigo 1._, segundo parágrafo, é expressamente prevista a possibilidade de conceder derrogações, de modo que as exigências do artigo 86._ do Tratado podiam ser respeitadas.

    87 Daqui resulta que o segundo argumento deve ser rejeitado e que o terceiro, segundo o qual as recorrentes foram acusadas de não ter renunciado aos seus direitos exclusivos, é destituído de pertinência.

    88 Resulta de quanto precede que os primeiro, segundo e terceiro argumentos das recorrentes em apoio do seu fundamento relativo ao acordo Ogefrem devem ser rejeitados.

    Quanto ao abuso respeitante à prática dita dos «navios de combate» («fighting ships»)

    Argumentos das recorrentes

    89 As recorrentes defendem, em primeiro lugar, que o Tribunal de Primeira Instância não respondeu ao fundamento por elas apresentado segundo o qual a definição pela Comissão da prática abusiva, da qual eram acusadas, foi alterada em relação à comunicação de acusações, de modo que a decisão impugnada deveria ter sido anulada por violação dos direitos de defesa.

    90 Segundo as recorrentes, com base na comunicação de acusações e na decisão impugnada, supuseram que a prática abusiva de que eram acusadas implicava a amarragem de um navio ao lado do navio «outsider», a oferta simultânea de taxas inferiores às praticados pelo outsider e a repartição dos prejuízos sofridos pelos navios de combate entre os membros da conferência. Além disso, as recorrentes supuseram que a existência de prejuízos implicava a adopção de preços predatórios por oposição à prática normal que consistia em alinhar-se pelas tarifas de um concorrente a fim de lhe fazer lealmente concorrência.

    91 Na contestação que apresentou no Tribunal de Primeira Instância, a Comissão indicou que a condição de que o aparelhamento fosse deliberadamente programado para coincidir com o do navio concorrente não era essencial. Indicou igualmente que a condição de as tarifas aplicadas serem inferiores às do concorrente tão-pouco constituía uma característica essencial da prática dita dos «navios de combate». Além disso, a Comissão alegou que não era indispensável, no caso de uma conferência em posição dominante, que as taxas de frete aplicadas provocassem perdas de exploração para as companhias membros de uma conferência.

    92 Finalmente, a Comissão contestou a pertinência do conceito de preços predatórios.

    93 As recorrentes sustentam que só nesta fase do processo é que tomaram consciência de que a Comissão tinha alterado a sua definição da prática abusiva que lhes era imputada. Foi a razão pela qual, na réplica, sublinharam que, se a decisão impugnada viesse a ser interpretada no sentido de que se baseia nesta nova definição, haveria que concluir que condenou os membros da Cewal por uma prática que não lhes foi imputada na comunicação de acusações. Consequentemente, esta decisão deveria ter sido anulada por violação dos direitos de defesa e do artigo 190._ do Tratado CE (actual artigo 253._ CE).

    94 Segundo as recorrentes, o Tribunal de Primeira Instância, após ter examinado alguns excertos da decisão impugnada, concluiu que ela se baseava na mesma definição que a avançada pela Comissão na contestação. Todavia, não examinou o fundamento segundo o qual a referida decisão deveria, nesse caso, ter sido anulada por violação dos direitos de defesa das recorrentes. Estas últimas afirmam, portanto, que o acórdão recorrido deveria ser anulado.

    95 Em segundo lugar, as recorrentes alegam que o acórdão recorrido deveria ser anulado por interpretação errada da decisão impugnada. Em sua opinião, o Tribunal de Primeira Instância concluiu erradamente que a referida decisão se baseava numa nova definição da prática pretensamente abusiva. A este propósito, as recorrentes indicam que a própria Comissão, no XXII Relatório sobre a Política de Concorrência de 1992, deu uma interpretação diferente da decisão impugnada, sublinhando que a prática dos «navios de combate», pela qual os membros da Cewal foram condenados, incluía os três elementos exigidos na comunicação de acusações. As recorrentes defendem que, ao fazer uma interpretação errada da referida decisão, o próprio Tribunal de Primeira Instância alterou a natureza da acusação que lhes era feita, em violação dos direitos de defesa e do direito a um processo justo.

    96 Em terceiro lugar, as recorrentes defendem que a prática abusiva acabada de definir não pode ser qualificada como tal. A este propósito, alegam que é incontestado que as empresas que gozam de uma posição dominante têm o direito de reagir à concorrência proveniente de empresas concorrentes. Consideram que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao recusar reconhecer que uma empresa dominante pode, em reacção à concorrência sobre os preços exercida por uma nova empresa que deseje penetrar no seu mercado, conceber um plano destinado a eliminar essa empresa, praticando reduções de preços selectivas, desde que os preços que oferece não sejam abusivos, no sentido definido pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 3 de Julho de 1991, AKZO/Comissão (C-62/86, Colect., p. I-3359).

    97 As recorrentes consideram, além disso, que nem a Comissão nem o Tribunal de Primeira Instância demonstraram que as condições exigidas para que haja prática de preços predatórios estavam reunidas no caso vertente. Segundo elas, o Tribunal de Justiça, no acórdão AKZO/Comissão, já referido, fixou critérios rigorosos por força dos quais os preços ditos «predatórios» podiam ser considerados um abuso de posição dominante nos termos do artigo 86._ do Tratado. Estes critérios exigem a fixação de preços inferiores aos custos de produção. No caso vertente, dado que os preços praticados pelos membros da Cewal não eram inferiores aos custos, estes últimos não podiam ser acusados de ter aplicado preços predatórios. O simples facto de essa concorrência pelos preços ser conduzida com o objectivo de afastar um concorrente do mercado não pode tornar uma concorrência legítima ilegal.

    98 Se estas acusações viessem a ser rejeitadas, as recorrentes consideram, de qualquer modo, que a definição da prática abusiva é nova, pelo que nenhuma coima lhes pode ser aplicada.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    99 Quanto à primeira acusação, segundo a qual o Tribunal de Primeira Instância não respondeu ao fundamento suscitado na réplica, resulta do artigo 48._, n._ 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância que a apresentação de fundamentos novos no decurso da instância é proibida, a menos que esses fundamentos tenham por base elementos de direito ou de facto revelados durante o processo.

    100 O fundamento suscitado pelas recorrentes só era admissível pelo Tribunal de Primeira Instância se a pretensa diferença entre a comunicação de acusações e a decisão impugnada se tivesse revelado no decurso do processo perante aquele órgão jurisdicional.

    101 A este propósito, resulta do n._ 23 da comunicação de acusações que as recorrentes eram acusadas de terem fixado preços de combate em comum, que constituíam uma excepção à tabela normalmente praticada pela Cewal e eram determinados não em função de «critérios económicos (isto é, em função dos custos), mas unicamente de modo a serem iguais ou inferiores aos preços anunciados pela G e C, sendo as perdas resultantes deste sistema de fixação dos preços em relação à tabela da conferência suportados por todos os membros da Cewal». Na página 20 dessa comunicação, a Comissão acrescentou que «Tal comportamento (fixação de preços predatórios) com vista a eliminar um concorrente do mercado» constitui um abuso de posição dominante na acepção do artigo 86._ do Tratado.

    102 O artigo 2._ da decisão impugnada declara que as recorrentes abusaram da sua posição dominante ao modificarem as suas tarifas, derrogando as tarifas em vigor a fim de oferecer tarifas idênticas ou inferiores às do principal concorrente independente, para navios partindo na mesma data ou em datas próximas. No ponto 73 da decisão impugnada, a Comissão explicou que as perdas resultantes deste sistema de fixação dos preços em relação à tabela da conferência eram suportadas por todos os membros da Cewal. No ponto 74, a Comissão explicou igualmente que, devido à frequência das partidas de navios pertencentes à conferência Cewal, esta tinha a possibilidade de designar navios de combate sem alterar os horários previstos.

    103 Há que reconhecer, prima facie, que existe uma diferença entre a definição da exploração abusiva tal como figura na comunicação de acusações e a mencionada na decisão impugnada. Efectivamente, a primeira faz referência a preços inferiores aos preços anunciados por G e C e a perdas, ao passo que a segunda faz referência a preços iguais ou inferiores aos preços anunciados por G e C e a perdas.

    104 No entanto, esta diferença resulta de uma simples comparação dos próprios termos dos dois documentos e deveria ter-se tornado evidente a partir do momento em que a decisão impugnada foi comunicada. Não se pode pretender que se está perante um elemento de facto ou de direito que se tenha revelado durante o processo no Tribunal de Primeira Instância.

    105 Assim, há que determinar se o Tribunal de Primeira Instância era obrigado a pronunciar-se sobre este fundamento, invocado pela primeira vez na réplica.

    106 A este propósito, é certo que o Tribunal de Primeira Instância deve, em princípio, responder aos argumentos apresentados no âmbito de um processo e fundamentar uma decisão sobre a inadmissibilidade de um pedido, para que o Tribunal de Justiça possa, no âmbito de um recurso de decisões do Tribunal de Primeira Instância, exercer a sua fiscalização jurisdicional (v., neste sentido, acórdão de 14 de Maio de 1998, Conselho/De Nil e Impens, C-259/96 P, Colect., p. I-2915, n._ 32).

    107 No entanto, não se pode exigir ao Tribunal de Primeira Instância, de cada vez que uma parte invoca, no decurso do processo, um fundamento novo que não responde manifestamente às exigências do artigo 48._, n._ 2, do seu Regulamento de Processo, que explique no seu acórdão as razões pelas quais esse fundamento é inadmissível ou que o aprecie quanto ao mérito.

    108 De qualquer modo, o facto de o Tribunal de Primeira Instância não se ter expressamente pronunciado sobre a admissibilidade deste fundamento não afectou a situação das recorrentes, uma vez que a inadmissibilidade do fundamento era evidente.

    109 No que respeita à segunda acusação das recorrentes, relativa à interpretação feita pelo Tribunal de Primeira Instância da decisão impugnada, importa recordar que, na contestação, a Comissão indicou que não era necessário que um navio de combate fosse um navio especialmente fretado, que os preços fossem inferiores aos do concorrente ou que a operação tivesse como resultado prejuízos efectivos.

    110 Como o Tribunal de Primeira Instância declarou, não existem, a este propósito, diferenças entre a decisão impugnada e a contestação. Efectivamente, longe de introduzir uma nova definição do abuso no que respeita aos navios de combate em relação à referida decisão, a contestação é conforme a esta, de modo que a acusação deve ser julgada improcedente.

    111 A terceira acusação das recorrentes tem que ver com a questão de saber se o comportamento pretensamente abusivo, tal como definido na decisão impugnada e na contestação, pode ser qualificado como tal.

    112 Segundo jurisprudência assente, a enumeração das práticas abusivas, contida no artigo 86._ do Tratado, não esgota as formas de exploração abusiva de posição dominante proibidas pelo Tratado (acórdão de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão, 6/72, Colect., p. 109, n._ 26).

    113 De resto, é ponto assente que, em certas circunstâncias, o facto de uma empresa em posição dominante reforçar essa posição a ponto de o domínio assim alcançado entravar substancialmente a concorrência, é susceptível de constituir um abuso (acórdão Europemballage e Continental Can/Comissão, já referido, n._ 26).

    114 Além disso, o âmbito de aplicação material da responsabilidade particular que impende sobre uma empresa em posição dominante deve ser apreciado tendo em conta as circunstâncias específicas de cada caso, que demonstrem um enfraquecimento da concorrência (acórdão de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, C-333/94 P, Colect., p. I-5951, n._ 24).

    115 Ora, o mercado dos transportes marítimos é um sector muito especializado. Foi em razão do carácter específico deste mercado que o Conselho instituiu, através do Regulamento n._ 4056/86, um regime de concorrência diferente do que se aplica a outros sectores económicos. De facto, a autorização concedida às conferências marítimas, por um período ilimitado, de se concertarem sobre a fixação dos preços para a parte marítima de transportes reveste carácter excepcional tendo em conta as regulamentações aplicáveis e a política da concorrência.

    116 Resulta do oitavo considerando do Regulamento n._ 4056/86 que a autorização de fixação dos preços foi concedida às conferências marítimas em razão do seu papel estabilizador e da sua contribuição para assegurar uma oferta de serviços regulares de transporte marítimo suficientes e eficazes. Daqui pode resultar que, no caso de uma única conferência marítima ocupar uma posição dominante num mercado específico, seja pouco vantajoso para o utilizador desses serviços recorrer a um concorrente independente, salvo se este último puder oferecer preços mais interessantes do que os da conferência marítima.

    117 Daqui resulta que, quando uma conferência marítima em posição dominante procede a uma redução selectiva dos preços a fim de os alinhar, de forma bem precisa, sobre os de um concorrente, tira disso um duplo benefício. Por um lado, elimina o principal, ou mesmo o único, meio de concorrência aberto à empresa concorrente. Por outro lado, pode continuar a pedir aos utilizadores preços superiores pelos serviços que não sejam ameaçados por essa concorrência.

    118 No caso vertente, não é necessário tomar posição, de uma maneira geral, sobre as circunstâncias em que uma conferência marítima pode legitimamente adoptar, caso a caso, preços inferiores aos da tabela que anunciou, a fim de fazer face a um concorrente que ofereça preços mais interessantes nem interrogar-se sobre o alcance exacto da expressão «fretes uniformes ou comuns» que figura no artigo 1._, n._ 3, alínea b), do Regulamento n._ 4056/86.

    119 Basta recordar que se trata, no caso presente, do comportamento de uma conferência que detém mais de 90% de quotas do mercado em causa e que só tem um único concorrente. De resto, as recorrentes nunca contestaram seriamente, mas afirmaram mesmo na audiência, que o objecto do comportamento imputado era afastar G e C do mercado.

    120 Assim, há que considerar que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito ao declarar que as acusações da Comissão, segundo as quais a prática dita dos «navios de combate», tal como praticada contra G e C, constituía um abuso de posição dominante eram justificadas. Além disso, há que sublinhar que não estamos aqui de nenhum modo perante uma nova definição de uma prática abusiva.

    121 Consequentemente, há que julgar inadmissíveis ou improcedentes as acusações relativas aos navios de combate.

    Quanto ao abuso relativo aos contratos de fidelidade Argumentos das recorrentes

    122 A Cewal é acusada de ter estabelecido acordos de fidelidade impostos a 100% (inclusive sobre as mercadorias vendidas FOB), indo além do previsto no n._ 2 do artigo 5._ do Regulamento n._ 4056/86, com a utilização específica de «listas negras» de carregadores não fiéis. A este propósito, as recorrentes apresentam quatro argumentos.

    123 Em primeiro lugar, afirmam que o n._ 2 do artigo 5._ do Regulamento n._ 4056/86 autoriza descontos de fidelidade, salvo se forem «impostos» por uma empresa dominante. Consideram, a este propósito, que o Tribunal de Primeira Instância não interpretou correctamente esta disposição. De facto, o Tribunal de Primeira Instância terá considerado que se podia entender que um acordo de fidelidade era «imposto» unilateralmente quando a conferência marítima se encontra em posição dominante, como no presente caso.

    124 Em segundo lugar, as recorrentes consideram que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao concluir, no n._ 184 do acórdão recorrido, que o facto de os contratos de fidelidade incluírem as vendas FOB levava a que o vendedor suportasse uma obrigação de fidelidade, quando não tinha sequer a responsabilidade da expedição das mercadorias. A este propósito, as recorrentes sublinham que o Regulamento n._ 4056/86 isenta os contratos de fidelidade a 100%. O n._ 2 do artigo 5._ deste último deveria, portanto, ser interpretado no sentido de que isenta igualmente os contratos de fidelidade que abrangem as vendas FOB.

    125 Em terceiro lugar, as recorrentes sustentam que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao declarar, no n._ 185 do acórdão recorrido, que a elaboração de «listas negras» não podia ser considerada isenta pelo Regulamento n._ 4056/86. Quanto a esta questão, alegam que um sistema de descontos aplicável aos carregadores que operam exclusivamente com os membros de uma conferência não poderia funcionar na prática sem uma lista dos «carregadores infiéis» ou de um sistema equivalente de registo dos nomes dos que utilizaram os serviços de um concorrente. As recorrentes consideram que a utilização de tais listas deve necessariamente ser isenta pelo Regulamento n._ 4056/86.

    126 Em quarto lugar, as recorrentes indicam que, mesmo supondo que o Tribunal de Primeira Instância tenha considerado com razão que, no caso de empresas em posição dominante, qualquer contrato de fidelidade deve ser considerado «imposto» na acepção do artigo 5._, n._ 2, alínea b), i), teria no entanto violado os artigos 7._ e 8._, n._ 2, do Regulamento n._ 4056/86. Efectivamente, a única consequência de um incumprimento das obrigações decorrentes do artigo 5._ seria que a Cewal não teria satisfeito uma obrigação a que está sujeita a isenção e não a uma condição de concessão da própria isenção.

    127 A pertinência desta distinção é que, segundo as recorrentes, quando uma condição não está preenchida, a isenção, exactamente devido a esse facto, não se aplica ou deixa de se aplicar, ao passo que o desrespeito de uma obrigação apenas pode ter como consequência a retirada, sem efeitos retroactivos, da isenção.

    128 Segundo as recorrentes, o benefício da isenção nunca lhes foi retirado. A existência de um processo formal de retirada da isenção implica que não lhes pode ser aplicada nenhuma coima devido a um comportamento abrangido por uma isenção de grupo antes do momento da retirada. Uma vez a isenção retirada pela Comissão, esta poderia, nessa fase, tomar, em aplicação do artigo 10._ do Regulamento n._ 4056/86, todas as medidas adequadas a fazer cessar as infracções ao artigo 86._ do Tratado. Tais medidas não poderiam, no entanto, incluir a aplicação de uma coima, uma vez que o objectivo da coima é aplicar uma sanção em relação a um comportamento passado.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    129 Através destas quatro acusações, as recorrentes pretendem, por um lado, que a alegação de uma infracção ao artigo 86._ não pode basear-se numa prática que é objecto de uma disposição específica (artigo 5._, n._ 2) do Regulamento n._ 4056/86 que concede uma isenção. Por outro lado, e em qualquer caso, antes de a Comissão poder proceder à declaração de uma infracção ao artigo 86._ do Tratado, deveria retirar às empresas em causa o benefício da isenção de grupo.

    130 Esta argumentação baseia-se numa leitura errada dos textos e no desconhecimento da sua economia. Efectivamente, como foi recordado no n._ 33 do presente acórdão, a aplicabilidade a um acordo do artigo 85._ do Tratado não prejudica a aplicabilidade do artigo 86._ do Tratado aos comportamentos das partes nesse mesmo acordo, desde que os requisitos de aplicação de cada uma das disposições estejam preenchidos. Mais concretamente, a concessão de uma isenção com base no artigo 85._, n._ 3, não prejudica a aplicação do artigo 86._ do Tratado (v., neste sentido, o acórdão de 6 de Abril de 1995, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, C-310/93 P, Colect., p. I-865, n._ 11).

    131 O facto de os operadores submetidos a uma concorrência efectiva serem autorizados a adoptar uma prática não implica, portanto, que a adopção dessa mesma prática por uma empresa em posição dominante nunca possa constituir um abuso dessa posição.

    132 Efectivamente, a análise do comportamento de uma empresa em posição dominante deve ter em conta o facto de que a posse de uma quota de mercado extremamente importante coloca a empresa que a detém durante um certo período numa situação de força, transformando-a num parceiro obrigatório para os seus parceiros comerciais (acórdão Hoffmann La Roche/Comissão, já referido, n._ 41).

    133 No que respeita, mais concretamente, à «imposição» de contratos de fidelidade - expressão utilizada no artigo 5._, n._ 2, alínea b), i), do Regulamento n._ 4056/86 -, uma empresa dominante pode, na prática, «impor» ao utilizador dos seus serviços um contrato de fidelidade, sem que seja necessário para ela insistir expressamente sobre a celebração de tal contrato como condição de acesso aos seus serviços.

    134 Consequentemente, não teria sido pertinente, para efeitos da análise do comportamento da Cewal no quadro do artigo 86._ do Tratado, decidir as condições que deviam ser preenchidas para que, no caso de uma conferência sujeita a uma concorrência normal, acordos de fidelidade pudessem ser qualificados como «impostos» na acepção do artigo 5._, n._ 2, alínea b), i), do Regulamento n._ 4056/86.

    135 No que respeita à quarta acusação, importa sublinhar que o artigo 8._, n._ 1, do Regulamento n._ 4056/86 prevê expressamente que é proibida a exploração abusiva de uma posição dominante, não sendo necessário para o efeito qualquer decisão prévia. Como declarou o advogado-geral no n._ 164 das suas conclusões, esta fórmula inequívoca está em perfeita harmonia com os princípios relativos à efectividade do artigo 86._ do Tratado e à impossibilidade de uma isenção. Efectivamente, é jurisprudência assente que o abuso de posição dominante não é susceptível de nenhuma isenção, seja sob que forma for (v. acórdão Ahmed Saeed Flugreisen e Silver Line Reisebüro, já referido, n._ 32).

    136 Daqui resulta que o artigo 8._, n._ 2, do Regulamento n._ 4056/86, segundo o qual a Comissão, quando verificar que, num caso específico, o comportamento das conferências que beneficiam da isenção prevista no artigo 3._ do referido regulamento produz efeitos incompatíveis com o artigo 86._ do Tratado, pode retirar o benefício da isenção de grupo, não impõe nem poderia impor uma restrição ao poder de que a Comissão dispõe para aplicar coimas por violação do artigo 86._ do Tratado.

    137 Resulta de quanto precede que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

    Quanto ao fundamento baseado nas coimas

    Argumentos das recorrentes

    138 As recorrentes defendem, em primeiro lugar, que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao aceitar todos os factores que a Comissão tomou em conta para determinar o montante das coimas aplicadas.

    139 Na segunda acusação, afirmam que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao confirmar que a Comissão tinha o direito de lhes aplicar coimas individuais, ao passo que, na comunicação de acusações, a Comissão ameaçava aplicar coimas à Cewal e não a um dos seus membros.

    140 Por outro lado, o facto de as coimas não terem sido aplicadas à Cewal mas a alguns dos seus membros constitui uma violação dos seus direitos processuais fundamentais. Com efeito, o montante da coima devia ser calculado com base no volume de negócios da Cewal e não no dos seus membros. Além disso, deveria caber aos membros da Cewal decidir o método de repartição do encargo representado pela coima, quanto mais não fosse em função da sua quota na conferência: ora, a verdade é que 95% das coimas foram aplicadas à CMB.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    141 Em primeiro lugar, importa examinar a segunda acusação.

    142 Segundo jurisprudência assente, a comunicação de acusações deve enunciar, de forma clara, todos os elementos essenciais em que a Comissão se baseia nesta fase do processo. A garantia processual essencial que constitui a comunicação de acusações é uma aplicação do princípio fundamental do direito comunitário que exige o respeito dos direitos de defesa em qualquer processo (acórdão de 7 de Junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, p. 1825, n.os 10 e 14).

    143 Daqui resulta que a Comissão é obrigada a precisar, inequivocamente, na comunicação de acusações, as pessoas às quais poderão ser aplicadas coimas.

    144 Importa reconhecer que uma comunicação de acusações que se limita a identificar como autor de uma infracção uma entidade colectiva, como a Cewal, não permite às sociedades que constituem essa colectividade estar suficientemente informadas de que lhes serão aplicadas coimas a título individual se a existência da infracção for declarada. Contrariamente ao que afirma o Tribunal de Primeira Instância, a falta de personalidade jurídica da Cewal não é pertinente a este propósito.

    145 Do mesmo modo, uma comunicação de acusações assim redigida não basta para elucidar as sociedades em causa de que o montante das coimas aplicadas será fixado à luz de uma apreciação da participação de cada sociedade no comportamento constitutivo da pretensa infracção.

    146 Daqui resulta que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao confirmar que a Comissão tinha o direito de aplicar aos membros da Cewal coimas individuais, fixadas à luz de uma apreciação da respectiva participação no comportamento controvertido, ao passo que a comunicação de acusações apenas era dirigida à Cewal.

    147 Por essa razão, há que julgar procedente este último fundamento e, portanto, anular o acórdão recorrido que confirma a decisão impugnada, na medida em que respeita às coimas aplicadas às recorrentes.

    148 Nos termos do artigo 54._, primeiro parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, quando o recurso é procedente, o Tribunal anula a decisão do Tribunal de Primeira Instância. Pode então decidir ele mesmo definitivamente o litígio, se este estiver em condições de ser decidido, ou remeter o processo ao Tribunal de Primeira Instância para que este decida. Estando o processo suficientemente completo para permitir ao Tribunal de Justiça decidir ele próprio definitivamente o recurso, não há que remeter o processo ao Tribunal de Primeira Instância.

    149 Daqui resulta que os artigos 6._ e 7._ da decisão impugnada devem ser anulados na parte relativa às coimas aplicadas às recorrentes.

    150 Consequentemente, não é necessário examinar as restantes acusações das recorrentes em apoio deste fundamento.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    151 Nos termos do artigo 122._, n._ 1, do Regulamento de Processo, se o recurso for julgado procedente e o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas. Nos termos do artigo 69._, n._ 3, do Regulamento de Processo, aplicável ao recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118._, se cada parte obtiver vencimento parcial, ou em circunstâncias excepcionais, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes, ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.

    152 Dado que o recurso apenas é procedente no que respeita ao fundamento relativo às coimas, a CMB, a CMBT e a Dafra deverão suportar as suas próprias despesas, três quartos das despesas da Comissão e a totalidade das despesas de G e C.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    (Quinta Secção)

    decide:

    1) O acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Outubro de 1996, Compagnie maritime belge transports e o./Comissão (T-24/93 a T-26/93 e T-28/93), é anulado na medida em que confirma as coimas aplicadas à Compagnie maritime belge transports SA, à Compagnie maritime belge SA e à Dafra-Lines A/S.

    2) Os artigos 6._ e 7._ da Decisão 93/82/CEE da Comissão, de 23 de Dezembro de 1992, relativa a um processo de aplicação dos artigos 85._ do Tratado CEE (IV/32.448 e IV/32.450: Cewal, Cowac, Ukwal) e 86._ do Tratado CEE (IV/32.448 e IV/32.450: Cewal), são anulados na medida em que respeitam à Compagnie maritime belge transports SA, à Compagnie maritime belge SA e à Dafra-Lines A/S.

    3) Quanto ao restante, é negado provimento ao recurso.

    4) A Compagnie maritime belge transports SA, a Compagnie maritime belge SA e a Dafra-Lines A/S suportarão as suas próprias despesas, três quartos das despesas da Comissão das Comunidades Europeias e a totalidade das despesas da Grimaldi e da Cobelfret.

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