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Document 61996CJ0392

    Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 21 de Setembro de 1999.
    Comissão das Comunidades Europeias contra Irlanda.
    Ambiente - Directiva 85/337/CEE - Avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos ou privados - Determinação dos limiares.
    Processo C-392/96.

    Colectânea de Jurisprudência 1999 I-05901

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1999:431

    61996J0392

    Acórdão do Tribunal (Quinta Secção) de 21 de Setembro de 1999. - Comissão das Comunidades Europeias contra Irlanda. - Ambiente - Directiva 85/337/CEE - Avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos ou privados - Determinação dos limiares. - Processo C-392/96.

    Colectânea da Jurisprudência 1999 página I-05901


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    1 Acção por incumprimento - Fase pré-contenciosa - Objecto - Determinação do objecto do litígio pelo parecer fundamentado

    [Tratado CE, artigo 169._ (actual artigo 226._ CE)]

    2 Acção por incumprimento - Prova do incumprimento - Ónus da prova que recai sobre a Comissão - Transposição insuficiente ou inadequada da directiva - Obrigação de estabelecer os efeitos reais da legislação nacional de transposição - Inexistência

    [Tratado CE, artigo 169._ (actual artigo 226._ CE)]

    3 Ambiente - Avaliação dos efeitos de determinados projectos no ambiente - Directiva 85/337 - Sujeição a avaliação dos projectos pertencentes às classes enumeradas no anexo II - Poder de apreciação dos Estados-Membros - Limites - Não tomada em consideração da natureza, da localização e do efeito cumulativo dos projectos - Incumprimento

    (Directiva 85/337 do Conselho, artigos 2._, n._ 1, e 4._, n._ 2)

    4 Acção por incumprimento - Exame da procedência pelo Tribunal de Justiça - Situação a tomar em consideração - Situação no termo do prazo fixado pelo parecer fundamentado

    [Tratado CE, artigo 169._ (actual artigo 226._ CE)]

    Sumário


    1 No âmbito da acção por incumprimento, a fase pré-contenciosa tem por objectivo dar ao Estado-Membro em causa a possibilidade de, por um lado, dar cumprimento às obrigações decorrentes do direito comunitário e, por outro, apresentar utilmente os seus fundamentos de defesa a respeito das acusações formuladas pela Comissão.

    O objecto de uma acção intentada ao abrigo do artigo 169._ do Tratado (actual artigo 226._ CE) é delimitado pela fase pré-contenciosa prevista nesta disposição. Assim, a petição não pode basear-se em acusações diversas das indicadas no parecer fundamentado.

    2 No âmbito de uma acção por incumprimento, não é necessário, para demonstrar que a transposição de uma directiva é insuficiente ou inadequada, provar os efeitos reais da legislação nacional de transposição. Assim, nada impede a Comissão de demonstrar esse carácter defeituoso ou insuficiente sem esperar que a aplicação da lei de transposição produza efeitos prejudiciais.

    3 O artigo 4._, n._ 2, da Directiva 85/337, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente, prevê que os projectos pertencentes às categorias enumeradas no anexo II são submetidos a uma avaliação, sempre que os Estados-Membros considerarem que as suas características assim o exigem, e que os Estados-Membros podem, para esse efeito, especificar determinados tipos de projectos a submeter a uma avaliação ou fixar critérios e/ou limiares a reter para poderem, de entre os projectos em causa, determinar quais os que devem ser submetidos a avaliação. Esta margem de apreciação tem os seus limites na obrigação, enunciada no artigo 2._, n._ 1, da directiva, de submeter a um estudo do impacte ambiental os projectos susceptíveis de ter efeitos significativos no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização.

    Assim, um Estado-Membro, que fixe os critérios e/ou os limiares só tendo em conta as dimensões dos projectos, sem tomar em consideração igualmente a sua natureza e a sua localização, excede a margem de apreciação de que dispõe nos termos dos artigos 2._, n._ 1, e 4._, n._ 2, da directiva. O mesmo acontece quando um Estado-Membro fixe os critérios e/ou os limiares a um nível tal que, na prática, a totalidade dos projectos de um certo tipo ficaria de antemão subtraída à obrigação de estudo do impacte ambiental, salvo se a totalidade dos projectos excluídos podia ser considerada, com base numa apreciação global, não susceptível de ter efeitos significativos no ambiente. É o caso de um Estado-Membro que se limita a fixar um critério de dimensão dos projectos e não se assegura, por outro lado, que o objectivo da regulamentação não será desviado através de um fraccionamento dos projectos. Com efeito, a falta de tomada em consideração do efeito cumulativo dos projectos tem por resultado prático que a totalidade dos projectos de um certo tipo pode ser subtraída à obrigação de avaliação, ao passo que, considerados no seu conjunto, são susceptíveis de ter efeitos significativos no ambiente na acepção do artigo 2._, n._ 1, da directiva.

    4 No âmbito de uma acção por incumprimento que põe em causa a compatibilidade com o direito comunitário de uma legislação nacional, eventuais alterações desta legislação são irrelevantes para decidir sobre o objecto da acção, quando não tiverem sido implementadas antes do termo do prazo fixado no parecer fundamentado.

    Partes


    No processo C-392/96,

    Comissão das Comunidades Europeias, representada por Richard B. Wainwright, consultor jurídico principal, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

    demandante,

    contra

    Irlanda, representada por Michael A. Buckley, Chief State Solicitor, na qualidade de agente, assistido por Philip O'Sullivan, SC, e Niamh Hyland, BL, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada da Irlanda, 28, route d'Arlon,

    demandada,

    que tem por objecto obter a declaração de que, ao não adoptar todas as medidas necessárias para garantir a correcta transposição da Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9), a Irlanda não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dessa directiva e, em especial, do seu artigo 12._ e do Tratado CE,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    (Quinta Secção),

    composto por: J.-P. Puissochet, presidente de secção, J. C. Moitinho de Almeida, C. Gulmann, D. A. O. Edward e L. Sevón (relator), juízes,

    advogado-geral: A. La Pergola,

    secretário: L. Hewlett, administradora,

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações das partes na audiência de 24 de Setembro de 1998, no decurso da qual a Comissão foi representada por Richard B. Wainwright e o Governo irlandês por James Connolly, SC, e Niamh Hyland,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 17 de Dezembro de 1998,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    1 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 5 de Dezembro de 1996, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, nos termos do artigo 169._ do Tratado CE (actual artigo 226._ CE), uma acção destinada a obter a declaração de que, ao não adoptar todas as medidas necessárias para garantir a correcta transposição da Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9, a seguir «directiva»), a Irlanda não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dessa directiva e, em especial, do seu artigo 12._ e do Tratado CE.

    2 A Comissão censura a Irlanda de ter procedido a uma incorrecta transposição do artigo 4._, n._ 2, e do anexo II, pontos 1, alíneas b) e d), e 2, alínea a), bem como dos artigos 2._, n._ 3, 5._ e 7._ da directiva.

    3 O artigo 2._, n._ 1, da directiva precisa as categorias de projectos que devem ser objecto de um estudo:

    «Os Estados-Membros tomarão as disposições necessárias para que, antes de concessão da aprovação, os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização, sejam submetidos à avaliação dos seus efeitos.

    Estes projectos são definidos no artigo 4._»

    4 Um determinado números de projectos devem ser sempre submetidos a uma avaliação. Esses projectos estão descritos no anexo I da directiva.

    5 No que diz respeito às outras categorias de projectos, o artigo 4._, n._ 2, prevê:

    «Os projectos pertencentes às categorias enumeradas no anexo II são submetidos a uma avaliação nos termos dos artigos 5._ a 10._, sempre que os Estados-Membros considerarem que as suas características assim o exigem.

    Para este fim, os Estados-Membros podem nomeadamente especificar determinados tipos de projectos a submeter a uma avaliação ou fixar critérios e/ou limiares a reter para poderem, de entre os projectos pertencentes às categorias enumeradas no anexo II, determinar quais os que devem ser submetidos a uma avaliação nos termos dos artigos 5._ a 10._»

    6 O anexo II enumera uma certo número de projectos, entre os quais:

    «1. Agricultura

    ...

    b) Projectos para destinar as terras não cultivadas ou as áreas semi naturais à exploração agrícola intensiva;

    ...

    d) Primeiros repovoamentos florestais, quando podem provocar transformações ecológicas negativas, e reclamação de terras para permitir a conversão num outro tipo de exploração do solo;

    2. Indústria extractiva

    a) Extracção de turfa;

    ...»

    7 O artigo 2._, n._ 3, da directiva dispõe:

    «Em casos excepcionais, os Estados-Membros podem isentar um projecto específico, na totalidade ou em parte, das disposições previstas na presente directiva.

    Neste caso, os Estados-Membros:

    a) Examinarão se é conveniente uma outra forma de avaliação e se as informações assim reunidas devem ser postas à disposição do público;

    b) Porão à disposição do público interessado as informações relativas a essa isenção e as razões pelas quais a concederam;

    c) Informarão a Comissão, antes de concederem a aprovação, dos motivos que justificam a isenção concedida e fornecer-lhe-ão as informações que porão, se for caso disso, à disposição dos seus nacionais.

    A Comissão transmite imediatamente aos outros Estados-Membros os documentos recebidos.

    A Comissão informará anualmente o Conselho da aplicação do presente número.»

    8 O artigo 3._ da directiva prevê que a avaliação dos efeitos no ambiente identificará, descreverá e avaliará os efeitos directos e indirectos de um projecto, nomeadamente sobre o homem, a fauna e a flora, sobre o solo, a água, o ar, o clima e a paisagem, bem como sobre os bens materiais e o património cultural.

    9 O artigo 5._ da directiva dispõe:

    «1. No caso de projectos que, nos termos do disposto no artigo 4._, devem ser submetidos à avaliação dos efeitos no ambiente, nos termos dos artigos 5._ a 10._, os Estados-Membros adoptarão as medidas necessárias para assegurar que o dono da obra forneça, de uma forma adequada, as informações especificadas no anexo III, na medida em que:

    a) Os Estados-Membros considerem que essas informações são adequadas a uma determinada fase do processo de aprovação e às características específicas de um projecto determinado ou de um tipo de projecto e dos elementos do ambiente que possam ser afectados;

    b) Os Estados-Membros considerem que se pode exigir razoavelmente que um dono da obra reúna os dados, atendendo, nomeadamente, aos conhecimentos e aos métodos de avaliação existentes.

    2. As informações a fornecer pelo dono da obra nos termos do n._ 1, devem incluir pelo menos:

    - uma descrição do projecto com informações relativas à sua localização, concepção e dimensões,

    - uma descrição das medidas previstas para evitar, reduzir e, se possível, remediar os efeitos negativos significativos,

    - os dados necessários para identificar e avaliar os efeitos principais que o projecto possa ter sobre o ambiente,

    - um resumo não técnico das informações referidas nos primeiro, segundo e terceiro travessões.

    3. Sempre que o considerem necessário, os Estados-Membros providenciarão para que as autoridades que possuem informações adequadas as coloquem à disposição do dono da obra.»

    10 O artigo 7._ da directiva prevê:

    «Sempre que um Estado-Membro verificar que um projecto pode ter um impacto significativo no ambiente de outro Estado-Membro, ou a pedido expresso de um Estado-Membro em cujo território está prevista a realização do projecto, transmitirá ao outro Estado-Membro as informações recolhidas nos termos do artigo 5._, colocando-as simultaneamente à disposição dos seus próprios nacionais. Essas informações servirão de base para todas as consultas necessárias no âmbito das relações bilaterais dos dois Estados-Membros numa base de reciprocidade e de equivalência.»

    11 De acordo com o artigo 12._, n._ 1, da directiva, os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para darem cumprimento à mesma no prazo de três anos a contar da sua notificação. Tendo a directiva sido notificada em 3 de Julho de 1985, esse prazo expirou em 3 de Julho de 1988.

    12 Considerando que a Irlanda não tinha transposto correctamente a directiva, a Comissão, através de uma primeira notificação de 13 de Outubro de 1989, censurou o carácter insuficiente da transposição dos artigos 2._ e 4._ da directiva, tendo em conta os projectos referidos nos anexos I e II, bem como a não transposição dos artigos 5._ a 9._

    13 Em resposta a esta notificação, a Irlanda enviou dois diplomas legislativos:

    - a S.I. n._ 349 de 1989, European Communities (Environmental Impact Assessment) Regulations (a seguir «S.I. n._ 349»), e

    - a S.I. n._ 25 de 1990, Local Government (Planning and Development) Regulations (a seguir «S.I. n._ 25»).

    14 Todavia, considerando que essa nova legislação também não assegurava uma transposição correcta da directiva, a Comissão enviou uma nova notificação à Irlanda em 7 de Novembro de 1991.

    15 Por carta de 12 de Maio de 1992, a Irlanda respondeu que as disposições da directiva eram, na prática, respeitadas.

    16 Em 28 de Abril de 1993, a Comissão insatisfeita com essa resposta dirigiu à Irlanda um parecer fundamentado, no qual a censurava, nomeadamente,

    - de não ter transposto devidamente o artigo 4._, n._ 2, da directiva, bem como o seu anexo II,

    - de não ter correctamente previsto as isenções referidas no artigo 2._, n._ 3, da directiva,

    - de não ter definido devidamente as informações a fornecer pelo dono da obra nos termos do artigo 5._ da directiva,

    - de não ter definido devidamente as informações a fornecer aos outros Estados-Membros nos termos do artigo 7._ da directiva.

    17 A Irlanda, por carta de 20 de Agosto de 1993, contestou algumas das censuras que lhe tinham sido feitas. Seguidamente, por carta de 7 de Dezembro de 1994, enviou as Local Government (Planning and Development) Regulations 1994 e, por último, por carta de 7 de Maio de 1996, a S.I. n._ 101 de 1996, European Communities (Environmental Impact Assessment) (Amendment) Regulations 1996 (a seguir «S.I. n._ 101»).

    18 Por outro lado, foi trocada diversa correspondência depois do envio do parecer fundamentado a respeito de queixas relativas às categorias de projectos em causa na presente acção, isto é, a queixa n._ P 95/4724 relativa nomeadamente ao repovoamento florestal no Pettigo Plateau e a queixa n._ P 95/4219 relativa à extracção de turfa, nomeadamente em Clonfinane Bog.

    Quanto à violação do artigo 4._, n._ 2, e do anexo II, pontos 1, alíneas b) e d), e 2, alínea a), da directiva

    19 A Comissão censura a Irlanda de ter transposto incorrectamente o artigo 4._, n._ 2, da directiva ao fixar limiares absolutos para as categorias de projectos referidas no anexo II, pontos 1, alínea b) (afectação de terras não cultivadas ou de áreas semi naturais à exploração agrícola intensiva), e alínea d) (primeiros repovoamentos florestais/conversão de terras), e 2, alínea a) (extracção de turfa). O carácter absoluto dos limiares não permitiria garantir que todo o projecto susceptível de ter efeitos significativos no ambiente fosse submetido a uma avaliação dos seus efeitos, uma vez que bastaria que não atingisse o limiar para não ser sujeito a uma avaliação de efeitos, independentemente das suas outras características. Ora, o artigo 4._, n._ 2, da directiva impõe que se tome em consideração o conjunto das características de um projecto e não apenas o factor da dimensão ou da capacidade. Por outro lado, o artigo 2._, n._ 1, faz igualmente referência à natureza e à localização do projecto como elementos de apreciação da eventualidade de efeitos significativos desse projecto no ambiente. Esta análise está de acordo com os acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Maio de 1996, Comissão/Bélgica (C-133/94, Colect., p. I-2323), e de 24 de Outubro de 1996, Kraaijeveld e o. (C-72/95, Colect., p. I-5403).

    20 Segundo a Comissão, os projectos que não ultrapassam os limiares fixados podem, apesar disso, ter efeitos significativos no ambiente. A este respeito são importantes dois factores.

    21 O primeiro factor é que determinados locais particularmente sensíveis ou com valor podem ser deteriorados por projectos que não ultrapassam os limiares fixados. É o que se passa com zonas identificadas como preciosas e importantes para a conservação da natureza, bem como zonas que têm um especial interesse arqueológico ou geomorfológico.

    22 O segundo factor é que a legislação não tem em conta o efeito cumulativo dos projectos. Assim, vários projectos distintos dos quais nenhum ultrapasse o limiar fixado, e, deste modo, não é exigido estudo de avaliação de efeitos, podem, em conjunto, ter efeitos significativos no ambiente.

    23 A Comissão considera que a determinação de limiares absolutos para as categorias de projectos referidas no anexo II, pontos 1, alínea b) (afectação de terras não cultivadas ou de áreas semi naturais à exploração agrícola intensiva), e alínea d) (primeiros repovoamentos florestais/conversão de terras), e 2, alínea a) (extracção de turfa), viola o artigo 4._, n._ 2, da directiva devido à existência de um e/ou do outro factor. Apresenta um certo número de exemplos de projectos que podem ter ou que tiveram efeitos significativos no ambiente, mas que não foram objecto de qualquer estudo de avaliação de efeitos devido ao carácter absoluto dos limiares.

    24 Quanto aos projectos de afectação de terras não cultivadas ou de áreas semi naturais à exploração agrícola intensiva referidos no anexo II, ponto 1, alínea b), da directiva, a Comissão contesta o limiar de 100 ha fixado no artigo 24._ da S.I. n._ 349 e no n._ 1(a) da parte II do seu anexo I, conjugados com outras disposições da lei irlandesa de transposição da directiva. Refere, a este respeito, que 60 000 ha de terras semi naturais situadas no Oeste da Irlanda foram destinadas a pastagem intensiva de carneiros e sofrem de grave degradação. Segundo a Comissão, o aumento dos ovinos devia ser objecto de um estudo de avaliação de efeitos, podendo o carácter intensivo da exploração ser determinado por referência a um critério de quantidade de gado por hectare. Por outro lado, a directiva dá uma definição lata do termo «projecto» que cobre uma «intervenção» relativa ao espaço aberto tal como a pastagem de carneiros. Este tipo de projecto tem efeitos importantes no ambiente na medida em que envolve uma alteração das terras não cultivadas ou das áreas semi naturais por uma sobreexploração das pastagens que ocasionam uma degradação e uma erosão do solo.

    25 No que diz respeito aos primeiros repovoamentos florestais referidos no anexo II, ponto 1, alínea d), da directiva, a Comissão contesta o limiar de 70 ha fixado pela S.I. n._ 101. Segundo essa disposição, um estudo de avaliação de efeitos só deve ser efectuado, no caso de um primeiro repovoamento florestal, quando a zona em causa, considerada individualmente ou conjugada com outra zona adjacente plantada pelo ou em nome do requerente no decurso dos três anos anteriores, representa uma superfície total plantada superior a 70 ha.

    26 A Comissão sublinha que os projectos de repovoamento florestal podem ter efeitos significativos no ambiente, mesmo quando sejam inferiores ao limiar de 70 ha.

    27 Invoca a este respeito a acidificação e a eutrofia das águas provocadas pelo repovoamento florestal. Refere-se ao relatório The trophic status of Lough Conn, An investigation into the causes of recent accelerated eutrophication (McGarrigle and others on behalf of the Lough Conn Committee, published by Mayo County Council in association with Environmental Protection Agency, Central Fisheries Board, North Western Fisheries Board, Teagasc, Bord na Mona, Department of Agriculture and Department of Marine, December 1993), bem como ao relatório A Study of the Effects of Stream Hydrology and Water Quality in Forested Catchments on Fish and Invertebrates (conhecido sob o nome «Aquafor report»).

    28 Salienta, por outro lado, a ausência de tomada em consideração, pela legislação irlandesa, dos efeitos significativos que podem ter no ambiente os projectos de repovoamento florestal nas regiões de turfeiras activas de cobertura. Ora, na medida em que implica a lavragem, a drenagem, a utilização de adubos e uma mudança radical da vegetação, o repovoamento florestal transforma o ecossistema das turfeiras de tal modo que ele é de facto destruído. A Comissão remete a este respeito para a publicação Birds, bogs and forestry, The peatlands of Caithness and Sutherland (Strout, Reeds and others, Nature Conservancy Council, UK), que analisa os efeitos do repovoamento florestal sobre as turfeiras de cobertura.

    29 A Comissão cita a título de exemplo os repovoamentos florestais efectuados nos Dunragh Loughs e no Pettigo Plateau, que chegaram ao seu conhecimento através da queixa n._ P 95/4724. Esses locais fazem parte da lista das zonas que pertencem ao património natural [Natural Heritage Areas (a seguir «NHA»)] elaborada pelas autoridades irlandesas. O Pettigo Plateau, nomeadamente, é uma vasta turfeira de cobertura intacta (2 097 ha), de um grande interesse científico, e é um dos locais que foi objecto do contrato celebrado em 28 de Dezembro de 1995 entre a Comissão e o National Parks and Wildlife Service, em conformidade com o Regulamento (CEE) n._ 1973/92 do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativo à criação de um instrumento financeiro para o ambiente (Life) (JO L 206, p. 1). Uma parte do planalto (619,2 ha) foi classificado como zona de protecção especial por força da Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens (JO L 103, p. 1; EE 15 F2 p. 125). Trata-se, além disso, de um local transfronteiriço no sentido de que o planalto abrange o condado de Fermanagh no Reino Unido, que propõe a classificação da parte do planalto que se encontra no seu território como zona de protecção especial nos termos da Directiva 79/409 e como zona especial de conservação nos termos da Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO L 206, p. 7). A parte do planalto situada no Reino Unido corre o risco de ser afectada pelos efeitos significativos dos projectos de repovoamento florestal no ambiente, porque as plantações podem ter um efeito nefasto sobre a hidrologia das turfeiras dos dois lados da fronteira. Apesar do interesse desta zona, foram ali efectuadas plantações, algumas das quais foram subvencionadas, nenhuma ultrapassando o limiar fixado.

    30 A Comissão reconhece que a S.I. n._ 101 é um melhoramento em relação à legislação anterior, na medida em que baixou o limiar de 200 ha para 70 ha. Todavia, a protecção continua insuficiente, uma vez que, em princípio, o conjunto de uma zona proposta como NHA pode ser objecto de repovoamento florestal sem que seja exigido um estudo de avaliação de efeitos, na medida em que os repovoamentos florestais sejam efectuados por diferentes donos de obra não ultrapassando, respectivamente, o limiar de 70 ha em três anos. O efeito cumulativo dos projectos não foi suficientemente tomado em consideração pela legislação irlandesa.

    31 Quanto à reclamação de terras destinadas a permitir a conversão para outro tipo de exploração do solo, referidas no anexo II, ponto 1, alínea b), da directiva, a Comissão contesta o limiar de 100 ha fixado pela legislação irlandesa [artigo 24._ da S.I. n._ 349 e n._ 2(c)(ii) da parte II do seu anexo I, conjugados com outras disposições da lei irlandesa de transposição da directiva; este limiar foi mantido na lei mais recente, a S.I. n._ 101].

    32 Considera que a legislação irlandesa não garante uma avaliação prévia dos efeitos significativos no ambiente no que diz respeito aos projectos de reclamação de terras para conversão, não sujeitos à obrigação de estudo de avaliação de efeitos devido à sua dimensão, mas que, considerados conjuntamente, são todavia susceptíveis de ter efeitos significativos no ambiente.

    33 Cita a este respeito as reclamações de terras para conversão que ocorreram na região dos Burren, uma vasta zona de pavimentos calcários no condado de Clare, de um interesse excepcional para a sua fauna, a sua flora e as paisagens naturais, e rica em vestígios arqueológicos. Os efeitos cumulados dessas reclamações de terras para conversão alertaram o Heritage Council e resulta de um relatório de 1996 redigido a seu pedido e intitulado «A survey of recent reclamation in the Burren» que existem 59 «novos» locais de reclamações de terras nessa zona, dos quais 31 nas zonas propostas como NHA, com uma área total de 256 ha. As intervenções implicam o nivelamento de pavimentos calcários por buldózer, o desbaste (as pequenas manchas de aveleiras são características deste habitat), a sementeira e a adubação das terras a converter. O relatório salienta igualmente a perda de numerosos vestígios arqueológicos e históricos, tais como os poços sagrados e os antigos sistemas fundiários.

    34 Por último, quanto aos projectos de extracção de turfa referidos no anexo II, ponto 2, alínea a), da directiva, a Comissão contesta o limiar de 50 ha fixado no artigo 24._ da S.I. n._ 349 e no n._ 2(a) da parte II do seu anexo I, conjugados com outras disposições da lei irlandesa de transposição da directiva.

    35 Explica que a extracção de lama implica a drenagem, que tem por efeito secar vegetais que formam a turfa. A vegetação muda e passa de uma vegetação dominada pelas turfas de esfagno e musgos para uma vegetação onde predominam as espécies de turfas secas, antes de a turfeira ser colonizada pelas árvores. O abaixamento do lençol de água provoca uma redução de volume da turfa, cuja inclinação aumenta o escoamento das águas, o que agrava ainda o fenómeno de secagem. Deste modo, a extracção de turfa tem efeitos significativos e irreversíveis no ambiente.

    36 A Comissão cita o exemplo de Ballyduff-Clonfinane Bog, no condado de Tipperary, que examinou muito especialmente após a queixa n._ P 95/4219. Este local de cerca de 312 ha tem duas turfeiras, Ballyduff e Clonfinane (187 ha). Depois de um estudo levado a cabo pelo National Parks and Wildlife Service em 1993, foi-lhe dado o estatuto de zona de interesse científico (Area of Scientific Interest ou ASI). Segundo um relatório preparado em 1990 para o ministro das Finanças irlandês, devia fazer parte de uma rede de reservas naturais de turfeiras altas. Em 1995, foi proposto como NHA. O local foi igualmente um dos que foi objecto do contrato celebrado em 28 de Dezembro de 1995 entre a Comissão e o National Parks and Wildlife Service em conformidade com o Regulamento n._ 1973/92. Além disso, beneficiou da Decisão da Comissão C(96) 2113, de 29 de Julho de 1996, relativa ao Fundo de Coesão, que aprovou a concessão de 344 000 ecus para a preservação das turfeiras. Apesar disso, foi iniciado em Confinane um projecto de extracção de turfa em 1994 sem que tenha sido exigido um estudo de avaliação de efeitos, porque a zona abrangida pelo projecto era inferior ao limiar de 50 ha. Quando, em 1996, foi colocada a questão de saber se era exigido um estudo de avaliação de efeitos, o projecto já abrangia mais de 50 ha.

    37 A Comissão compara o limiar aplicável em matéria de turfeiras (50 ha) ao aplicável em matéria de extracção de pedra, de brita, de areia ou de argila (5 ha), sendo observado que, neste último caso, é necessária uma avaliação dos efeitos para uma superfície inferior a 5 ha se a administração local competente considerar a probabilidade de efeitos importantes no ambiente [artigo 24._ da S.I. n._ 349 e n._ 2 da parte II do seu anexo I, e artigos 4._(1) e 6._(1) da S.I. n._ 25]. O carácter absoluto do limiar aplicável em matéria de turfeiras impede toda a apreciação concreta da eventualidade de efeitos significativos de um projecto no ambiente.

    38 Recorda que existem pelo menos 49 sociedades produtoras de turfa, que a economia da extracção a pequena escala foi transformada pela instalação de novos equipamentos de extracção de turfa, de modo que a quantidade de turfa extraída pelos produtores privados aumentou consideravelmente a partir de 1980. Sublinha que o facto de nenhum projecto de extracção de turfa ter dado origem a avaliação, apesar de perdas contínuas prejudiciais à protecção da natureza, demonstra que o limiar irlandês é de tal ordem que a directiva não tem qualquer efeito em relação às turfeiras importantes para a protecção do ambiente.

    39 Na contestação, a Irlanda contesta a admissibilidade da acusação relativa ao efeito cumulativo dos projectos, porque não foi apresentada no decurso do processo pré-contencioso e, em especial, no parecer fundamentado. Sustenta igualmente que as queixas a que a Comissão se refere não podem ser consideradas elementos de prova, uma vez que não foram mencionadas no parecer fundamentado e que decorrem inquéritos distintos a esse respeito.

    40 De um modo geral, a Irlanda considera que a Comissão não fez prova de um abuso real dos limiares pelos projectos cumulativos. A este respeito, sublinha que a possibilidade teórica desse abuso não torna ilegal a utilização dos limiares, já que a sua utilização é prevista pela directiva e foi aprovada nos dois casos examinados pelo Tribunal de Justiça (acórdãos Comissão/Bélgica e Kraaijeveld e o., já referidos). Foi só a Directiva 97/11/CE do Conselho, de 3 de Março de 1997, que altera a Directiva 85/337 (JO L 73, p. 5), que impôs a tomada em consideração das cumulações de projectos.

    41 Quanto aos projectos para destinar as terras não cultivadas ou áreas semi naturais à exploração agrícola intensiva referidos no anexo II, ponto 1, alínea b), da directiva, a Irlanda contesta que a pastagem de carneiros tal como é praticada no seu território seja agricultura intensiva e possa ser considerada como um projecto na acepção do artigo 1._, n._ 2, dessa mesma directiva. Não se trata de uma intervenção no meio natural ou na paisagem na acepção dessa disposição e é absurdo sugerir que um criador é obrigado a pedir uma autorização prévia sempre que queira aumentar o número de carneiros que podem pastar numa terra. Isso seria impraticável já que uma grande parte das terras utilizadas para a pastagem dos carneiros são terras comuns, partilhadas entre um certo número de criadores que têm todos o direito de aí colocar os seus carneiros a pastar.

    42 A Irlanda considera que a directiva nunca teve por objectivo abranger certos tipos de agricultura, tais como a criação de carneiros em vastas áreas de terreno, e que é inadaptada a essas práticas, nomeadamente devido ao custo da realização dos estudos de avaliação de efeitos relativamente ao rendimento dos criadores. Em contrapartida, a protecção do ambiente é objecto do programa fixado pelo Regulamento (CEE) n._ 2078/92 do Conselho, de 30 de Junho de 1992, relativo a métodos de produção agrícola compatíveis com as exigências da protecção do ambiente e à preservação do espaço natural (JO L 215, p. 85), executado pelo Regulamento (CE) n._ 746/96 da Comissão, de 24 de Abril de 1996, que estabelece as normas de execução do Regulamento n._ 2078/92 (JO L 102, p. 19). Mais de 15% dos criadores irlandeses já participam nesse programa de protecção do ambiente rural, que tem por objectivo que os criadores não pratiquem a criação intensiva nas suas terras, e o Ministério da Agricultura fez propostas à Comissão ao abrigo do programa operacional para a agricultura, o desenvolvimento rural e a silvicultura nos termos do quadro comunitário de apoio para a Irlanda 1994-1999, a fim de que, a partir de 1 de Janeiro de 1998, os criadores das zonas deterioradas só tenham direito aos prémios de subvenção por número de carneiros/cordeiros na condição de participarem no programa de protecção do ambiente rural.

    43 No que diz respeito à acusação relativa aos repovoamentos florestais, a Irlanda sustenta que a Comissão não apresenta qualquer elemento de prova objectivamente verificável de modo a estabelecer que os projectos de repovoamento florestal inferiores ao limiar tinham tido efeitos consideráveis nas águas. Não anexou à petição inicial os dois relatórios Lough Conn e Aquafor que cita, dos quais um não é ainda definitivo.

    44 A Irlanda contesta igualmente a existência de prova segundo a qual os projectos de repovoamento florestal nas turfeiras tiveram efeitos significativos no ambiente. Aliás, poucos projectos de silvicultura foram realizados nas turfeiras, devido a exigências mínimas de produtividade do sistema das subvenções e devido ao facto de as turfeiras terem uma produção silvícola por hectare inferior aos outros tipos de terras.

    45 Além disso, a Irlanda sustenta que a Comissão apresentou de modo inexacto os problemas do Pettigo Plateau. Com efeito, o repovoamento florestal só ocorreu numa pequena superfície e não necessitava, assim, da consulta das autoridades britânicas nos termos do artigo 7._ da directiva. Por outro lado, a superfície do Pettigo classificada como zona de protecção especial no âmbito da Directiva 79/409 depende do National Parks and Wildlife Service e não foi afectada pelo repovoamento florestal. Por último, só foi depois da concessão de uma subvenção para repovoamento florestal que o National Parks and Wildlife Service propôs classificar a zona como NHA, sem saber que um repovoamento florestal devia aí ser efectuado. De qualquer modo, as acusações suscitadas nessa queixa só dizem respeito à gestão do regime e não à transposição pela Irlanda do artigo 4._, n._ 2, ou do anexo II da directiva.

    46 Quanto à reclamação de terras para conversão, referidas no anexo II, ponto 1, alínea b), da directiva, a Irlanda refere que a Comissão apenas apresentou o exemplo da região dos Burren, que é uma zona única no seu género. Apoia-se num estudo inédito e incompleto e não identifica as reclamações de terras para conversão que tiveram lugar. Por outro lado, a zona total examinada no relatório citado pela Comissão (cerca de 250 ha) não é significativa, considerando a área total da região dos Burren (cerca de 30 000 ha). Tendo em conta estes elementos, a Irlanda considera que a Comissão não procedeu a uma avaliação global dos projectos de reclamação de terras para conversão na Irlanda, como exige o acórdão Kraaijeveld e o., já referido.

    47 A Irlanda invoca este mesmo argumento no que diz respeito aos projectos de extracção de turfa referidos no anexo II, ponto 2, alínea a), da directiva, censurando a Comissão de só ter apresentado um único exemplo de projecto de extracção inferior ao limiar que supostamente tenha tido efeitos significativos no ambiente.

    48 Alega também que as acusações da Comissão só visam a extracção de turfa a partir de turfeiras que têm interesse do ponto de vista da conservação. A este respeito existem medidas legais e administrativas para as proteger, isto é, os «Habitats Regulations» e a classificação de zonas como NHA. A queixa relativa à extracção de turfa em Ballyduff-Clonfinane Bog apenas demonstra a necessidade de medidas de conservação. Reconhece que poderiam ser estabelecidos diferentes limiares mas que, tendo em conta a adopção de zonas especiais de conservação nos termos dos «Habitats Regulations», tinha considerado que não era necessário.

    49 Quanto às turfeiras que não são sujeitas aos «Habitats Regulations», a Irlanda justifica o limiar de 50 ha pelo facto de que visa a distinção da extracção de turfa para fins comerciais, susceptível de ter efeitos significativos no ambiente, da extracção de turfa para fins não comerciais, que é uma actividade tradicional da vida rural irlandesa. A Irlanda sustenta que a directiva não foi concebida de modo a ser interpretada no sentido de que exige um estudo de avaliação de efeitos para a extracção de turfa para fins não comerciais em pequena escala. Exigir estudos de avaliação de efeitos relativamente a zonas turfeiras que têm uma reduzida superfície teria por efeito impedir toda a extracção devido ao custo de uma avaliação dos efeitos em relação ao lucro provável de uma extracção de turfa. Essa interpretação da directiva conduziria à negação do direito tradicional, dos rendeiros e dos meeiros, de cortar a turfa das turfeiras para as suas próprias necessidades.

    Apreciação do Tribunal de Justiça

    50 Em primeiro lugar, há que examinar o fundamento invocado pela Irlanda, segundo o qual a acusação relativa ao efeito cumulativo dos projectos é inadmissível porque não foi invocada na fase pré-contenciosa e, mais especialmente, no parecer fundamentado.

    51 A este respeito, há que recordar que a fase pré-contenciosa tem por objectivo dar ao Estado-Membro em causa a possibilidade de, por um lado, dar cumprimento às obrigações decorrentes do direito comunitário e, por outro, apresentar utilmente os seus fundamentos de defesa a respeito das acusações formuladas pela Comissão. O objecto de uma acção intentada ao abrigo do artigo 169._ do Tratado é delimitado pela fase pré-contenciosa prevista nesta disposição. Assim, a petição não pode basear-se em acusações diversas das indicadas no parecer fundamentado (v., nomeadamente, acórdão de 11 de Junho de 1998, Comissão/Luxemburgo, C-206/96, Colect., p. I-3401, n._ 13).

    52 No caso em apreço, resulta da análise dos documentos trocados no âmbito da fase pré-contenciosa que, embora a Comissão não tenha utilizado expressamente a expressão «efeito cumulativo dos projectos», apesar disso referiu essa questão no âmbito da problemática mais geral da determinação dos limiares, invocando precisamente que um dono da obra pode escapar a um estudo de avaliação de efeitos cindindo um projecto inicial em vários projectos que não ultrapassam o limiar.

    53 Nestas condições, não pode ser considerado que a fase pré-contenciosa não permitiu à Irlanda invocar utilmente os seus fundamentos de defesa contra a acusação relativa ao efeito cumulativo dos projectos.

    54 A Irlanda invoca igualmente um fundamento de defesa, segundo o qual a Comissão não pode utilizar como provas de incumprimento as queixas que não foram mencionadas no parecer fundamentado, porque elas foram recebidas posteriormente a este último, e a respeito das quais estão ainda em curso inquéritos distintos.

    55 Todavia, este fundamento está ligado à questão da prova do incumprimento, que há que examinar globalmente.

    56 A Irlanda contesta que a Comissão tenha provado um abuso real da utilização dos limiares. Em sua opinião, essa prova é necessária para estabelecer o incumprimento.

    57 A Comissão responde que é a utilização de limiares absolutos que constitui um incumprimento e que lhe basta apresentar um conjunto de elementos que provam que essa utilização podia ter por efeito que os projectos susceptíveis de ter efeitos significativos no ambiente não sejam submetidos a um estudo de avaliação de efeitos porque não atingem o limiar fixado pela lei. Acrescenta que seria contrário ao objectivo de prevenção da directiva exigir a prova de prejuízos sérios e graves causados ao ambiente para demonstrar a inadequação da transposição no âmbito de uma acção por incumprimento. Por último, sublinha a sua dificuldade em apresentar provas concretas no caso de projectos situados abaixo dos limiares.

    58 A este respeito, há que declarar que o incumprimento censurado pela Comissão à Irlanda é a transposição incorrecta do artigo 4._, n._ 2, da directiva através da utilização de limiares que têm por efeito que o conjunto das características de um projecto não sejam tomadas em consideração para determinar se esse projecto deve ser sujeito a um estudo de avaliação de efeitos. Certos projectos que podem ter efeitos significativos no ambiente podem ser isentos da obrigação de avaliação, porque não atingem os limiares fixados.

    59 Conclui-se que é o modo como a directiva foi transposta para a legislação irlandesa que é o objecto do incumprimento e não o resultado concreto da aplicação da legislação de transposição.

    60 Não é necessário, para demonstrar que a transposição de uma directiva é insuficiente ou inadequada, provar os efeitos reais da legislação nacional de transposição. Com efeito, é o próprio texto dessa legislação que contém em si mesmo o carácter insuficiente ou defeituoso da transposição.

    61 Assim, nada impede a Comissão de demonstrar esse carácter defeituoso ou insuficiente sem esperar que a aplicação da lei de transposição produza efeitos prejudiciais.

    62 O contrário seria ainda menos justificado no caso em apreço, na medida em que a directiva se insere no âmbito da política comunitária do ambiente, que, como o recorda o primeiro considerando da directiva, consiste mais em evitar a criação de poluições ou perturbações na origem do que em combater posteriormente os seus efeitos.

    63 Por conseguinte, é pouco importante que os elementos de prova apresentados pela Comissão em apoio da acção sejam simples queixas que ainda não foram objecto de instrução.

    64 Quanto à acusação relativa aos limiares, há que recordar que, embora o artigo 4._, n._ 2, segundo parágrafo, da directiva confira aos Estados-Membros uma margem de apreciação para especificar certos tipos de projectos a submeter a uma avaliação ou para fixar critérios e/ou limiares a reter, essa margem de apreciação tem os seus limites na obrigação, enunciada no artigo 2._, n._ 1, de submeter a um estudo do impacte ambiental os projectos susceptíveis de ter efeitos significativos no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização (acórdão Kraaijeveld e o., já referido, n._ 50).

    65 Assim, um Estado-Membro que fixe os critérios e/ou os limiares só tendo em conta as dimensões dos projectos, sem tomar em consideração igualmente a sua natureza e a sua localização, excede a margem de apreciação de que dispõe nos termos dos artigos 2._, n._ 1, e 4._, n._ 2, da directiva.

    66 Com efeito, um projecto mesmo de dimensões reduzidas pode ter efeitos significativos no ambiente quando for situado num local em que os factores ambientais descritos no artigo 3._ da directiva, tais como a fauna e a flora, o solo, a água, o clima ou o património cultural, sejam sensíveis à mínima modificação.

    67 Do mesmo modo, um projecto pode ter efeitos significativos quando, devido à sua natureza, corre o risco de transformar de modo essencial ou irreversível esses factores ambientais, independentemente das suas dimensões.

    68 No âmbito da demonstração da existência de um incumprimento a este respeito pela Irlanda, a Comissão apresentou vários exemplos convincentes de projectos que, considerados unicamente quanto às suas dimensões, no entanto, podem ter efeitos significativos no ambiente devido à sua natureza ou à sua localização.

    69 O exemplo mais significativo é o do repovoamento florestal dado que, quando é realizado em regiões de turfeiras activas de cobertura, implica, pela sua natureza e a sua localização, a destruição do ecossistema das turfeiras e a perda irreversível de biótopos originais, raros e de grande interesse científico. Enquanto tal, pode igualmente provocar a acidificação e a eutrofização das águas.

    70 Portanto, era necessário e possível tomar em consideração elementos como a natureza ou a localização dos projectos, por exemplo fixando vários limiares correspondentes às variadas dimensões de projectos, aplicáveis em função da natureza ou da localização do projecto.

    71 A este respeito, há que não ter em conta a explicação da Irlanda segundo a qual a existência de outras legislações de protecção do ambiente, tais como os «Habitats Regulations», tornava supérflua a obrigação de avaliação dos efeitos dos projectos de repovoamento florestal, de reclamação de terras para conversão ou de extracção de turfa realizados em locais sensíveis para o ambiente. Com efeito, nada na directiva exclui do seu âmbito de aplicação regiões ou zonas protegidas sob outros aspectos nos termos de outras disposições de origem comunitária.

    72 Conclui-se que, ao fixar limiares que só têm em conta as dimensões dos projectos com exclusão da sua natureza e da sua localização relativamente às categorias de projectos referidas no anexo II, pontos 1, alínea d), e 2, alínea a), a Irlanda ultrapassou a margem de apreciação de que dispõe nos termos dos artigos 2._, n._ 1, e 4._, n._ 2, da directiva.

    73 Quanto ao efeito cumulativo dos projectos, há que recordar que os critérios e/ou os limiares mencionados no artigo 4._, n._ 2, têm por finalidade facilitar a apreciação das características concretas que apresenta um projecto com vista a determinar se está sujeito à obrigação de uma avaliação e não a subtrair de antemão a essa obrigação certas categorias completas de projectos enumeradas no anexo II, previsíveis no território de um Estado-Membro (acórdãos Comissão/Bélgica, já referido, n._ 42; Kraaijeveld e o., já referido, n._ 51, e de 22 de Outubro de 1998, Comissão/Alemanha, C-301/95, Colect., p. I-6135, n._ 45).

    74 A questão de saber se, ao fixar esses critérios e/ou limiares, o Estado-Membro excedeu a sua margem de apreciação não pode ser determinada relativamente às características de um único projecto, mas depende de uma apreciação global das características dos projectos dessa natureza, previsíveis no território do Estado-Membro em causa (acórdão Kraaijeveld e o., já referido, n._ 52).

    75 Assim, um Estado-Membro que fixe os critérios e/ou os limiares a um nível tal que, na prática, a totalidade dos projectos de um certo tipo ficaria de antemão subtraída à obrigação de estudo do impacte ambiental excede a margem de apreciação de que dispõe nos termos dos artigos 2._, n._ 1, e 4._, n._ 2, da directiva, salvo se a totalidade dos projectos excluídos podia ser considerada, com base numa apreciação global, não susceptível de ter efeitos significativos no ambiente (v., neste sentido, acórdão Kraaijeveld e o., já referido, n._ 53).

    76 É o caso de um Estado-Membro que se limita a fixar um critério de dimensão dos projectos e não se assegura, por outro lado, que o objectivo da regulamentação não será desviado através de um fraccionamento dos projectos. Com efeito, a falta de tomada em consideração do efeito cumulativo dos projectos tem por resultado prático que a totalidade dos projectos de um certo tipo pode ser subtraída à obrigação de avaliação, ao passo que, considerados no seu conjunto, são susceptíveis de ter efeitos significativos no ambiente na acepção do artigo 2._, n._ 1, da directiva.

    77 Para demonstrar a existência do incumprimento da Irlanda a este respeito, a Comissão apresentou igualmente diversos exemplos dos efeitos da legislação irlandesa tal como está redigida.

    78 Assim, a Irlanda não contestou que nenhum projecto de extracção de turfa, referida no anexo II, ponto 2, alínea a), da directiva, foi objecto de um estudo de avaliação de efeitos quando a extracção de turfa em pequena escala se mecanizou, industrializou e intensificou consideravelmente, ocasionando a perda contínua de zonas de turfeiras importantes para a protecção da natureza.

    79 Quanto aos primeiros repovoamentos florestais referidos no anexo II, ponto 1, alínea d), da directiva, há que declarar que, encorajados pela concessão de subvenções, podem ser realizados perto uns dos outros sem que seja efectuado o menor estudo de avaliação de efeitos, na medida em que sejam levados a cabo por diferentes donos de obra não ultrapassando, respectivamente, o limiar de 70 ha em três anos.

    80 A Comissão citou igualmente o exemplo das reclamações de terras para conversão, referidas no anexo II, ponto 1, alínea d), da directiva, para as quais a legislação irlandesa não tem em consideração o efeito cumulativo dos projectos. Aliás, não foi contestado que numerosos projectos de reclamações de terras para conversão foram realizados na região dos Burren, sem que tenha sido efectuado o menor estudo de avaliação de efeitos, quando se trata de uma região com um interesse incontestável. Os pavimentos calcários, característicos dessa região, foram destruídos, do mesmo modo que a vegetação e os vestígios arqueológicos, a fim de dar lugar a pastagens. Consideradas conjuntamente, essas intervenções podiam ter efeitos significativos no ambiente.

    81 Muito especialmente quanto à criação dos carneiros, a Comissão demonstrou que, igualmente encorajada pela concessão de subvenções, foi desenvolvida desordenadamente, o que pode ter efeitos desfavoráveis para o ambiente. Todavia, não provou que a criação de carneiros tal como é praticada na Irlanda constitui um projecto na acepção do artigo 1._, n._ 2, da directiva.

    82 Resulta do conjunto das considerações precedentes que, ao fixar limiares, sem se assegurar, por outro lado, que o objectivo da regulamentação não será desviado através do fraccionamento dos projectos, relativamente às categorias de projectos referidas no anexo II, pontos 1, alínea d), e 2, alínea a), a Irlanda excedeu a margem de apreciação de que dispõe nos termos dos artigos 2._, n._ 1, e 4._, n._ 2, da directiva.

    83 Por conseguinte, a acusação relativa à violação do artigo 4._, n._ 2, da directiva relativamente às categorias de projectos referidas no anexo II, pontos 1, alínea d), e 2, alínea a), é fundamentada.

    Quanto à violação do artigo 2._, n._ 3, da directiva

    84 A Comissão alega que a S.I. n._ 349 prevê um sistema de isenção que permite ao ministro competente isentar um projecto do estudo de avaliação de efeitos quando considerar que circunstâncias excepcionais o justificam. Esta disposição não está em conformidade com a directiva, na medida em que, por um lado, o ministro não é obrigado a analisar se uma outra forma de avaliação era adequada e se a informação recolhida não devia ser colocada à disposição do público e, por outro lado, não é obrigado a informar a Comissão.

    85 A Irlanda referiu na audiência que tinha sido acabada de adoptar legislação modificativa.

    86 Todavia, é jurisprudência constante que as alterações introduzidas na legislação nacional são irrelevantes para decidir sobre o objecto de uma acção por incumprimento, quando não tiverem sido implementadas antes do termo do prazo fixado no parecer fundamentado (v., nomeadamente, acórdão de 1 de Junho de 1995, Comissão/Grécia, C-123/94, Colect., p. I-1457, n._ 7).

    87 Assim, há que declarar que a acusação relativa à violação do artigo 2._, n._ 3, da directiva é fundamentada.

    Quanto à violação do artigo 5._ da directiva

    88 A Comissão considera que a lei irlandesa não transpõe adequadamente o artigo 5._, uma vez que não prevê qualquer disposição destinada ao exame da pertinência ou do carácter razoável do facto de pedir as informações especificadas no anexo III ao dono da obra. Com efeito, o artigo 2._(5) da S.I. n._ 349 prevê simplesmente que um estudo de avaliação dos efeitos pode compreender essas informações.

    89 A Irlanda indicou na audiência que a legislação modificativa acabava de ser adoptada.

    90 Pelo mesmo fundamento que o mencionado no n._ 86 do presente acórdão, há que declarar que a acusação relativa à violação do artigo 5._ da directiva é fundamentada.

    Quanto à violação do artigo 7._ da directiva

    91 A Comissão refere que o artigo 17._ da S.I. n._ 25 parece ser a transposição do artigo 7._ na medida em que diz respeito aos projectos que exigem uma autorização nos termos do Irish Local Government (Planning and Development) Acts 1963-1983. Prevê um mecanismo pelo qual as autoridades locais devem notificar o ministro do Ambiente irlandês de qualquer pedido que possa ter consequências significativas no ambiente de um outro Estado-Membro. O ministro pode então pedir à autoridade local que lhe forneça as informações e os documentos que julgar necessários.

    92 Todavia, a Comissão considera que essa disposição não é uma medida de transposição adequada do artigo 7._ da directiva, uma vez que o ministro não é expressamente obrigado a transmitir as informações ao outro Estado-Membro. Por outro lado, o ministro não dispõe do poder de exigir informações às autoridades locais quando foi o outro Estado-Membro que pediu para ser consultado.

    93 A Irlanda sublinhou, aquando da fase escrita do processo, que tinha a intenção de clarificar a sua legislação e que a legislação modificativa estava em vias de redacção. Além disso, invocou, aquando da audiência, que os acordos relativos à Irlanda do Norte permitiriam de futuro melhores comunicações com o Reino Unido.

    94 Pelo mesmo fundamento que o mencionado no n._ 86 do presente acórdão, há que declarar que a acusação relativa à violação do artigo 7._ da directiva é fundamentada.

    95 Resulta do conjunto de considerações precedentes que, ao não adoptar as medidas necessárias para a transposição correcta do artigo 4._, n._ 2, relativamente às categorias de projectos referidas no anexo II, pontos 1, alínea d), e 2, alínea a), e ao não transpor os artigos 2._, n._ 3, 5._ e 7._ da directiva, a Irlanda não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dessa directiva. Quanto ao restante, a acção é julgada improcedente.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    96 Nos termos do artigo 69._, n._ 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. A Comissão pediu a condenação da Irlanda nas despesas. Tendo esta última sido vencida, há que a condenar nas despesas.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    (Quinta Secção)

    decide:

    97 Ao não adoptar as medidas necessárias para a transposição correcta do artigo 4._, n._ 2, relativamente às categorias de projectos referidas no anexo II, pontos 1, alínea d), e 2, alínea a), e ao não transpor os artigos 2._, n._ 3, 5._ e 7._ da Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente, a Irlanda não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dessa directiva.

    98 A acção é julgada improcedente quanto ao restante.

    99 A Irlanda é condenada nas despesas.

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