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Document 61996CC0392

    Conclusões do advogado-geral La Pergola apresentadas em 17 de Dezembro de 1998.
    Comissão das Comunidades Europeias contra Irlanda.
    Ambiente - Directiva 85/337/CEE - Avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos ou privados - Determinação dos limiares.
    Processo C-392/96.

    Colectânea de Jurisprudência 1999 I-05901

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1998:612

    61996C0392

    Conclusões do advogado-geral La Pergola apresentadas em 17 de Dezembro de 1998. - Comissão das Comunidades Europeias contra Irlanda. - Ambiente - Directiva 85/337/CEE - Avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos ou privados - Determinação dos limiares. - Processo C-392/96.

    Colectânea da Jurisprudência 1999 página I-05901


    Conclusões do Advogado-Geral


    I - Introdução

    1 A poucos meses do acórdão de 22 de Outubro de 1998, Comissão/Alemanha (C-301/95, Colect., p. I-6135), o Tribunal de Justiça é de novo chamado a pronunciar-se sobre a transposição correcta da Directiva 85/337 do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (a seguir «directiva») (1). No caso em apreço, trata-se de determinar se a Irlanda adoptou as medidas necessárias para assegurar a correcta transposição da directiva para a sua legislação nacional.

    II - A fase pré-contenciosa

    2 Em 3 de Outubro de 1989, a Comissão notificou a Irlanda, em conformidade com o procedimento previsto no artigo 169._ do Tratado CE. Na sequência dessa notificação, a Irlanda comunicou à Comissão a legislação irlandesa de transposição da directiva: a SI n._ 349 de 1989 a SI n._ 25 de 1990.

    3 Em 7 de Novembro de 1991, a Comissão, depois de ter examinado a legislação irlandesa, enviou à Irlanda uma nova notificação, a que se seguiu uma carta com a resposta do Governo irlandês, em 12 de Maio de 1992.

    4 Em 28 de Abril de 1993, a Comissão enviou um parecer fundamentado, no qual censurava a Irlanda:

    a) de não ter transposto o artigo 3._ da directiva;

    b) de não ter transposto correctamente o artigo 4._, n._ 2, e o anexo II da directiva;

    c) de não ter transposto correctamente as isenções previstas no artigo 2._, n._ 3, da directiva;

    d) de não ter definido correctamente as informações a prestar pelo dono da obra em conformidade com o artigo 5._ da directiva;

    e) de não ter definido correctamente as informações que devem ser prestadas ao público em conformidade com o artigo 6._, n._ 2, da directiva;

    f) de não ter definido correctamente as informações que devem ser comunicadas aos outros Estados-Membros, em conformidade com o artigo 7._ da directiva;

    g) de não ter transposto a directiva no prazo fixado no seu artigo 12._

    5 Depois da formulação do parecer fundamentado, seguiu-se uma troca de correspondência entre a Irlanda e a Comissão. Por carta de 20 de Agosto de 1993, a Irlanda contestou uma parte do parecer fundamentado. Por carta de 7 de Dezembro de 1994, enviou os Local Government Regulations 1994; por carta de 7 de Maio de 1996 enviou a SI n._ 101 de 1996. Uma nova troca de correspondência ocorreu entre a Comissão e a Irlanda a propósito da queixa n._ P 95/4724 relativa à reflorestação e da queixa n._ P 95/4219 relativa à extracção de turfa.

    Análise jurídica

    6 O presente litígio diz respeito às medidas adoptadas pela Irlanda para transpor para a sua ordem jurídica a Directiva 85/337 do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente.

    7 Como o explicarei mais adiante, a Irlanda não contesta o facto de não ter transposto correctamente o artigo 2._, n._ 3, e os artigos 5._ e 7._ da directiva. As censuras de que me ocuparei seguidamente são as outras censuras relativas às disposições pelas quais a Irlanda se prevaleceu da faculdade, reconhecida aos Estados-Membros pelo artigo 4._, n._ 2, da directiva, de fixar os critérios e os limiares-limite para determinar quais os projectos, incluídos nas classes (ou categorias) referidos no anexo II, devem ser objecto de uma avaliação prévia dos efeitos no ambiente, em conformidade com as disposições dos artigos 5._ a 10._ da directiva. As medidas em questão ultrapassam, segundo a Comissão, os limites do poder discricionário reconhecido ao Estado demandado.

    8 As censuras presentemente em causa dizem apenas respeito, essencialmente, a três classes de projectos: terras não cultivadas e zonas seminaturais destinadas à agricultura intensiva; florestação inicial ou desflorestação; extracção de turfa. Para concluir que os limiares/limites fixados pelas autoridades irlandesas vão contra as imposições da directiva, a Comissão formula observações de carácter geral relativas às três classes de projectos sujeitas ao exame do Tribunal de Justiça, acrescentando, além disso, os argumentos na base dos quais as críticas dirigidas à Irlanda deviam ser consideradas pontualmente justificadas sob os diferentes aspectos da acção.

    Estas observações de ordem geral podem, em rápida síntese, ser expostas da seguinte forma.

    9 Aquando da fixação dos limiares, o Estado demandado não fez uma distinção entre as zonas que têm importância e valor reconhecidos para a conservação da natureza e as zonas que não têm essas características; não teve em consideração que essas zonas importantes para efeitos da conservação da natureza (ou para a protecção do património arqueológico ou geomorfológico, ou outros valores ambientais, segundo o caso) têm frequentemente um alcance nitidamente inferior em relação ao nível de área de aplicação dos projectos, fixado pelos referidos limiares, e não teve em conta a existência, na Irlanda, de outros procedimentos apropriados de avaliação prévia no que diz respeito aos projectos que não atingem o limiar, formalmente aprovados por meio de uma lei (statutory instrument) e que correspondem aos objectivos e às regras impostas pela directiva.

    As autoridades irlandesas também não consideraram de forma apropriada o facto de os projectos abrangidos pelas classes que são objecto do litígio poderem ter efeitos sensíveis sobre o ambiente, mesmo que não atinjam o limiar fixado, devido aos efeitos inerentes ao desenvolvimento de um projecto no tempo, ou à realização simultânea de projectos diferentes em zonas contíguas por parte de vários sujeitos interessados, quando nenhum desses projectos exceda só por si o limite do limiar, mas o seu efeito cumulativo ou o seu desenvolvimento podem lesar valores ambientais e não podem, deste modo, ser subtraídos à avaliação prévia imposta pela directiva.

    10 A Irlanda contesta, por seu turno, toda a série de argumentos avançados pela Comissão na medida em que não teriam fundamento nas disposições da directiva, relativas aos limiares-limites, e na interpretação que lhes deu o Tribunal de Justiça. Além disso, a Comissão não teria provado que o limiar-limite, tal como foi fixado em relação às classes de projectos presentemente em causa, se tenha traduzido concretamente, sob qualquer um dos aspectos suscitados na acção, por um atentado ao ambiente. A censura formulada de modo específico relativamente a um possível efeito cumulativo e de desenvolvimento de projectos que não ultrapassam o limiar-limite, devia, além disso, ser julgada inadmissível. A inadmissibilidade assim sustentada pela Irlanda é preliminar em relação ao mérito de algumas censuras e deve ser examinada em primeiro lugar.

    A questão da inadmissibilidade de certas censuras e dos respectivos elementos de prova

    11 A Irlanda afirma que a Comissão não suscitou a censura recordada em último lugar nem no decurso do processo administrativo nem no parecer fundamentado. Assim, trata-se de um fundamento novo e portanto, inadmissível, uma vez que, segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a Comissão não pode, nos termos do artigo 169._ do Tratado, invocar na fase jurisdicional fundamentos diferentes dos invocados no decurso da fase pré-contenciosa para censurar aos Estados-Membros um incumprimento de uma qualquer obrigação que lhes é imposta pelo Tratado. Assim, seriam também inadmissíveis as provas invocadas pela Comissão no que diz respeito aos pretensos efeitos no ambiente do efeito cumulativo e de desenvolvimento, argumento invocado, segundo a Irlanda, pela demandante para apresentar novas censuras nesta fase. Além disso, para recolher os elementos de prova contestados, a Comissão confiou demasiado ou de modo exclusivo, nas queixas que lhe foram apresentadas por pessoas privadas, quando essas queixas, que não foram mencionadas no parecer fundamentado, são objecto de outros inquéritos conduzidos pela própria demandante e ainda em curso.

    12 Por seu turno, a Comissão replica que se referiu ao problema do cúmulo e do desenvolvimento dos projectos só com o único e evidente objectivo de precisar e de desenvolver a tese que invocou no parecer fundamentado, segundo a qual o sistema dos limiares-limites adoptado pela Irlanda dá origem a uma transposição errada da directiva, precisamente na medida em que o Estado demandado não procedeu à avaliação, além de e conjuntamente com o factor da size-capacity, de outras características dos projectos: o problema dos efeitos cumulativos e de desenvolvimento deve assim considerar-se conexo com o da sensitivity of location, isto é, a localização do projecto nas zonas de potencial e significativa importância para a avaliação do impacte, problema já suscitado pela Comissão na fase pré-contenciosa.

    13 Quanto às provas que a Irlanda considera inadmissíveis, a Comissão precisa que apresentou elementos de facto destinados a exemplificar as bases concretas do incumprimento imputado, no plano jurídico, ao Estado demandado no que diz respeito à fixação dos limiares-limites. Esses dados, acrescenta a Comissão, que figuram pelo menos em parte on public record, só incidentalmente são conexos com as informações obtidas nos outros inquéritos actualmente levados a cabo pela Comissão, fora do âmbito da presente instância, e podem de qualquer modo ser obtidos independentemente dessas actividades de informação, tratando-se de factos notórios (established facts) e, portanto, conhecidos das próprias autoridades irlandesas, que estariam em situação de os contestar em apoio da sua defesa no decurso do processo administrativo.

    14 Sou levado a partilhar a opinião da Comissão. O argumento que invoca no Tribunal de Justiça, em relação ao problema da «cumulation» e dos incremental effects prende-se sem qualquer dúvida com a censura fundamentada, feita desde a fase pré-contenciosa, sobre a afirmação da não conformidade dos limiares-limites com o critério de tomada em consideração da localização dos projectos nas zonas sensíveis, mas não sujeitos a uma avaliação dos efeitos ambientais. Observar, como o faz a Irlanda nas suas últimas observações, que o problema do cúmulo do factor ligado ao desenvolvimento surge, no plano lógico, indiferentemente, do facto da sensitivity of location ou da natureza e da dimensão do projecto é inoperante quanto à admissibilidade da censura. Esta observação não prejudica, em minha opinião, o facto de a Comissão considerar as consequências de um eventual efeito cumulativo e de desenvolvimento no tempo dos projectos exclusivamente em relação à sua possível incidência sobre zonas sensíveis do ponto de vista ambiental. Os dados de facto expostos a este respeito pela Comissão constituem, se se quiser, argumentos de prova que enriquecem o argumento do parecer fundamentado, mas sem modificar nem alargar o objecto do litígio, definido no âmbito do processo contencioso: o essencial da infracção censurada à Irlanda, quer do ponto de vista do direito quer de facto, é o mesma no parecer fundamentado e, posteriormente, na acção: o Estado demandado não foi privado, no decurso do processo pré-contencioso, da possibilidade de preparar eficazmente a sua defesa relativamente à infracção imputada, nos termos do artigo 169._ do Tratado (2). Também tais elementos de prova são permitidos no processo jurisdicional nos termos dos artigos 40._ e 42._ do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

    O mérito das censuras - Considerações preliminares relativas aos limites impostos pela directiva no que diz respeito à fixação discricionária dos limiares/limite controvertidos

    15 Antes de proceder à análise do mérito das censuras, desejo fazer algumas reflexões sobre o controlling test que pode ajudar o Tribunal de Justiça a julgar essas censuras.

    No caso em apreço, como noutras decisões anteriores, estamos confrontados com o problema dos limites que os Estados-Membros são obrigados a respeitar quando fixam limiares-limite nos termos do artigo 4._, n._ 2. A Comissão e a Irlanda, em apoio das suas respectivas teses, ambas invocaram as decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça para esclarecer as disposições do artigo 4._, n._ 2. A jurisprudência atribui na verdade um carácter discricionário às escolhas permitidas por este artigo aos Estados-Membros, mas essas escolhas estão circunscritas por limites decorrentes do artigo 2._, n._ 1, que tem a seguinte redacção: «Os Estados-Membros tomarão as disposições necessárias para que, antes da concessão da aprovação, os projectos que possam ter um impacte significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização, sejam submetidos à avaliação dos seus efeitos».

    16 Esta última regra é, em minha opinião, fundamental para efeitos da aplicação e da correcta transposição do conjunto da directiva: inspira-se manifestamente nos objectivos políticos destinados a impedir a ofensa aos valores ecológicos, salientados no sétimo considerando, e, portanto, consagra de modo geral a obrigação de proceder a uma avaliação atempada e adequada, que deve preceder efectivamente a aprovação, de todos os projectos públicos e privados, abrangidos pelas disposições comunitárias presentemente em causa. Em posição central no sistema da directiva, o artigo 2._, n._ 1, deve ser interpretado em estreita conexão com muitas outras disposições, além daquelas que se encontram no artigo 4._, n._ 2. Basta fazer referência ao artigo 3._: aquando da avaliação dos efeitos no ambiente, há que, em cada caso especial, descrever e avaliar os efeitos directos e indirectos do projecto sobre uma série de factores que concorrem para a definição do ambiente que deve ser protegido (o homem, a fauna e a flora, o solo, a água, o ar, o clima e a paisagem, bem como a sua interacção, os bens materiais e o património cultural).

    17 O Tribunal considerou o caso do «limiar absoluto», isto é, fixado de uma vez por todas dentro de uma mesma classe de projectos, que são, como o Tribunal declarou, não as grandes divisões, identificadas pelos números, mas as subposições a elas relativas, enumeradas segundo as letras do alfabeto (3). O limiar assim definido constitui, no caso que nos interessa, um critério automático de barreira. Os projectos acima do nível fixado são sujeitos a avaliação e a aprovação. Os outros não. O Tribunal de Justiça fixou a sua atenção precisamente nesse efeito, que exclui a avaliação dos projectos abaixo desse limiar, e, no processo Kraaijeveld e o., enunciou um critério apropriado para determinar se o Estado ultrapassou, sob este aspecto, a sua margem de apreciação. Nos termos do artigo 4._, n._ 2, é necessário, na opinião do Tribunal, tomar em consideração não as características de um único projecto, mas o conjunto das características dos projectos cuja realização se prevê e que são abrangidos pela classe em causa. Assim, o Tribunal de Justiça considerou que o limiar não pode ser fixado num nível de tal forma que, na prática, a totalidade dos projectos da mesma classe e da mesma natureza seja antecipadamente subtraída à obrigação de avaliar os seus efeitos.

    Uma medida desse tipo, acrescenta o Tribunal de Justiça no acórdão Kraaijeveld e o., só ficaria dentro dos limites do poder discricionário se a totalidade dos projectos excluídos pudesse ser considerada como não sendo susceptível de ter efeitos consideráveis sobre o ambiente.

    18 Podemos interrogar-nos, todavia, se esse é o nico limite que pode ser considerado imposto aos Estados-Membros pelo artigo 2._, n._ 1, e pelo objectivo, subjacente, de protecção do ambiente a título preventivo. Em minha opinião, tal não é o caso. O critério enunciado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Kraaijeveld e o. e noutros arestos recordados neste acórdão é o de controlar o nível do limiar na base do efeito de exclusão que este pode desenvolver quanto à avaliação prévia de uma categoria inteira de projectos. Nenhuma categoria de referência pode ser eliminada a priori da avaliação dos efeitos. Com efeito, as categorias predeterminadas pela directiva e inseridas no anexo I ou II consoante os projectos respectivamente visados (ver sexto e sétimo considerandos) de que se presume de qualquer modo a importância para efeitos do impacte ambiental estão sujeitas ao processo de avaliação regido pelos artigos 5._ a 10._, directamente (anexo I) ou indirectamente (anexo II), através das escolhas permitidas aos Estados-Membros, incluindo a fixação de limiares. Estes últimos podem aplicar aos projectos do anexo II o processo de avaliação prévia previsto pela directiva se as características específicas dos projectos referentes a essas classes o exigirem. As características a considerar são expressamente definidas no artigo 2._, n._ 1: trata-se nomeadamente da natureza, da dimensão e da localização do projecto. É esta última característica que, mais do que as outras, interessa especialmente na presente acção.

    19 Ora, a directiva classificou tanto as categorias como as características dos projectos. Assim, ambas são parâmetros, critérios normativos de referência, que a legislação nacional não pode contradizer ao transpor a directiva. Quais são as consequências que decorrem desta premissa no caso vertente? A avaliação prévia é prevista, geralmente, por uma regra coerciva, e, também, de efeito directo (4). Prever essa avaliação quando as características dos projectos, tais como definidas no artigo 2._, n._ 1, o exigem, constitui, assim, uma obrigação, digamos, de resultado, que vincula os Estados-Membros independentemente dos métodos que escolherem para dar execução às disposições do artigo 4._, n._ 2. De modo mais preciso, para o caso ora em análise: se a solução escolhida é a do limiar-limite, os Estados-Membros deverão adoptá-lo com todas as disposições necessárias para que uma avaliação de efeitos ocorra sempre que, ao combinar as outras características com a localização do projecto numa zona sensível, se possa prever um significativo impacte ambiental.

    20 Como se observa no acórdão Kraaijeveld e o., existem portanto regras justificativas que a fixação dos limiares deve sempre cumprir. E isso, acrescentarei, por mais de uma razão. Confrontadas com as imposições do artigo 2._, n._ 1, as autoridades nacionais não gozam, na verdade, de maior discricionariedade quando recorrem ao sistema dos limiares-limite, em vez de recorrerem a outras formas de transposição que são permitidas pelo artigo 4._, n._ 2. Efectivamente, existem outras soluções, diferentes do limiar-limite, a que as autoridades nacionais podem recorrer, sem poderem iludir, bem entendido, nem violar, a obrigação de resultado imposta pelo artigo 2._, n._ 1. Pensemos, por exemplo, que o Estado-Membro considera não dever fixar o limiar ao nível que seria adequadamente tida em conta a sensitivity of location, porque essa escolha seria tecnicamente difícil ou por qualquer outra razão de oportunidade. Assim, poderá cobrir as zonas expostas de modo mais sensível ao risco ambiental através de projectos específicos a sujeitar à avaliação do impacte e subtraí-los de qualquer modo do âmbito de aplicação do limiar e prever para os projectos relativos a essas zonas uma outra forma apropriada de crivo preventivo.

    21 De resto, o limiar-limite é um critério abstracto e geral, que pretende pela sua natureza distinguir todos os projectos que estão abaixo desse limiar, como irrelevantes para efeitos da avaliação do impacte. Trata-se de um método que dá aos valores ambientais uma protecção necessariamente mais reduzida e menos segura que o controlo caso a caso: é precisamente por isso que se impõe a adopção de standards precisos de controlo sobre a «margem», como diz o Tribunal de Justiça, da discricionariedade deixada aos Estados-Membros. No acórdão Kraaijeveld e o., o Tribunal de Justiça, na verdade, rejeitou a tese da Comissão segundo a qual a existência de um limiar não isentaria o Estado-Membro interessado de apreciar concretamente cada projecto a fim de verificar se preenche os critérios do artigo 2._, n._ 1 (5). A previsão de limiares, como o declarou o Tribunal de Justiça nesse acórdão, é expressamente autorizada pelo artigo 4._, n._ 2, e não se explica por que razão, uma vez que o Estado-Membro interessado preferiu essa solução, cada projecto deva, apesar disso, ser objecto de uma avaliação individual relativamente aos critérios impostos pelo artigo 2._ Trata-se de uma conclusão clara sem excepções. Se, todavia, se tratar de uma classe de projectos relativamente à qual não foi fixado um limiar (ou se o limiar, tendo sido previsto, foi calculado de modo contrário às imposições da directiva), torna a impor-se, por força do artigo 2._, n._ 1, a obrigação de examinar cada projecto a fim de se determinar se deve ou não, devido às suas características próprias ser objecto de uma avaliação. Foi o que pertinentemente salientou o advogado-geral J. Mischo nas conclusões de 12 de Março de 1998 (6).

    22 Esta tese do advogado-geral J. Mischo é apoiada pela nova versão do artigo 4._, n._ 2, da Directiva 97/11/CE (7). Segundo o texto mais recente, os Estados-Membros determinarão, com base numa análise caso a caso ou com base nos limiares ou critérios, ou ainda por aplicação conjunta de ambos os procedimentos, se um projecto que figura entre os projectos incluídos no anexo II deve ser objecto de uma avaliação nos termos dos artigos 5._ a 10._ O método abstracto do limiar e o do controlo concreto são aí configurados como equivalentes e podem igualmente ser combinados. Trata-se de uma discricionariedade limitada, como é o caso do texto a aplicar aos factos do caso em apreço. O texto do artigo 2._, n._ 1, permanece na Directiva 97/11/CE essencialmente inalterado relativamente à Directiva 85/337. O limiar, quando é previsto, substitui o critério, que de outro modo se aplicaria, que consiste em avaliar cada projecto. O que confirma que, segundo ambos os textos normativos, a previsão do limiar não pode divergir substancialmente dos objectivos da avaliação concreta nem negligenciar nenhuma das características na base das quais o artigo 2._ impõe uma avaliação dos efeitos dos projectos no ambiente.

    23 Se esta condição não foi preenchida, o efeito de exclusão do limiar acarretará a violação dos critérios fixados no artigo 2._, n._ 1: o Estado-Membro ultrapassa igualmente nesse caso os limites do seu poder discricionário, como acontece quando o funcionamento do limiar elimina praticamente a avaliação prévia de efeitos relativamente a toda uma categoria de projectos. Trata-se nesse caso, num certo sentido, de um caso limite: o limiar acaba por contradizer o seu objectivo, lógico e prático, de estabelecer uma distinção, dentro de cada classe, entre os projectos destinados a ser avaliados e os subtraídos à avaliação de impacte; isenta, antecipadamente, do controlo imposto praticamente toda a categoria em que se situam os projectos a examinar. No presente processo, trata-se, pelo contrário, de verificar não se, mas como o mecanismo do limiar distingue os projectos que têm importância para efeitos no ambiente em relação aos outros projectos, dentro da mesma categoria. Este último problema também diz respeito à discricionariedade concedida aos Estados-Membros e tem total importância para controlar o seu correcto exercício. Já o disse anteriormente. Repito este aspecto sob outro ângulo: se o critério de distinção adoptado com o limiar está viciado pelo não cumprimento dos critérios fixados no artigo 2._, n._ 1, seguir-se-á, em minha opinião, uma disparidade ilegal do regime que se aplica aos projectos (e aos respectivos «donos da obra», nos termos do artigo 2._ da directiva), consoante a avaliação prévia é excluída ou, pelo contrário, permitida. Para efeitos da avaliação prévia, com efeito, a directiva trata a título de princípio todos os projectos nela contemplados da mesma maneira: as excepções de carácter discricionário feitas através de limiares (ou critérios análogos) só são permitidas aos Estados-Membros se forem conformes ao texto e ao objectivo do artigo 2._, n._ 1.

    24 Assim, qual é a justificação que corresponde melhor às exigências do caso em apreço? O de verificar se o critério, tal como foi previsto, se traduz ou não por um incumprimento da directiva, que poderia ser evitado recorrendo a outras soluções permitidas através da margem de poder discricionário de que dispõem os Estados-Membros, na condição, bem entendido, de essas soluções serem compatíveis com as disposições do artigo 2._, n._ 1. Este é o critério que proponho seguir na análise dos diferentes aspectos da acção (8).

    25 Uma vez colocado o problema a resolver nos termos acima enunciados, resta acrescentar uma precisão, indispensável nesta fase preliminar, relativa à questão das provas, efectivamente omnipresente no âmbito do presente litígio. A Comissão é obrigada a provar concretamente que foram lesados importantes valores ambientais na sequência do Estado demandado ter previsto e aplicado limiares de exclusão da avaliação de impacte, ao nível a que este último os fixou?

    26 Esta é, como o acima referi, a tese da Irlanda. A mais importante das considerações que a Comissão opõe a este respeito é a seguinte: o processo que intentou diz respeito à conformidade das medidas irlandesas com a directiva, e o incumprimento imputado ao Estado demandado é o de não ter adoptado as disposições que se impunham para efeitos do cumprimento da obrigação da avaliação antecipada; a obrigação é imposta aos projectos em relação aos quais se preveja um importante impacte ambiental e são, na opinião da demandante, projectos que dizem respeito às zonas «sensíveis» na acepção anteriormente evocada. Se tal for o caso, e não outro, o objecto das censuras a examinar - em minha opinião é - a única prova que se pode exigir da demandante é a de demonstrar que existem zonas, por ela identificadas, em que a realização dos projectos em consideração, tendo em conta as suas características, pode repercutir-se negativamente no ambiente. Todavia, não é necessário demonstrar que o impacte previsto na directiva só como potencial para efeitos da avaliação dos efeitos se tenha efectivamente verificado. A eventual produção, pela Comissão, desta última prova, serve, no máximo, para confirmar o fundamento da tese segundo a qual se encontram, abaixo do limiar contestado, zonas expostas a um risco sensível para o ambiente, em que as actividades da classe considerada devem, sempre devido aos seus efeitos previsíveis, ser objecto de uma avaliação prévia.

    Projectos de reconversão de terras não cultivadas ou de zonas seminaturais para agricultura intensiva [anexo II, ponto 1, alínea b)]

    27 O limiar-limite para as classes de projectos supra-referidos foi fixado no artigo 24._, First Schedule, Part II, 1, alínea a), da SI n._ 349 de 1989. Esta disposição da lei prevê a avaliação do impacte EIA (Environmental Impact Assessment) relativamente ao destino agrícola de zonas não cultivadas ou de áreas seminaturais para efeitos de agricultura intensiva, quando a zona em causa tiver mais de 100 ha. Um limiar do mesmo nível foi fixado por força das disposições conjugadas do artigo 24._, First Schedule, já referido, e de outras disposições relacionadas com a reconversão de terras a outras utilizações, definida como land reclamation.

    Essencialmente, a censura é argumentada do seguinte modo: em zonas com área inferior a 100 ha ocorreram actividades que podem prejudicar a conservação da natureza e que não deveriam, assim, ser isentas da avaliação de impacte. Tal seria o caso das intervenções nos Burren, Contea Clare, cujos efeitos cumulativos ameaçam alterar ou destruir um pavimento calcário (limestone pavement) particularmente precioso e vasto, bem como o tipo de vegetação rara que aí se encontra. A zona em questão é igualmente caracterizada pela presença de notáveis vestígios arqueológicos.

    28 Além disso, a Comissão critica o facto de cerca de 60 000 ha seminaturais destinados a servir de pasto para ovinos (especialmente a criação de carneiros) terem sido excluídos da avaliação dos efeitos e, desse modo, convertidos em agricultura intensiva. O overgrazing teria causado e poderia ainda produzir graves degradações ao ambiente em numerosos locais reconhecidos pelas próprias autoridades irlandesas como importantes para a gestão do ecossistema, a ponto de se ter proposto a sua inclusão nas denominadas NHA (Natural Heritage Areas).

    29 A Irlanda replica que as censuras não tomam em consideração, como deveria ser o caso, a classe total dos projectos em causa. A Comissão ter-se-ia limitado essencialmente ao sector da land reclamation. Quanto às considerações relativas às extensões semi-naturais destinadas a servir de pastos, a Comissão não identificou a área geográfica à qual se refere na acção, nem demonstrou que a dita conversão das áreas em causa aos objectivos da agricultura intensiva ocorreu em zonas inferiores a 100 ha e, assim, não sujeitas à avaliação prévia. De qualquer modo, a prova de uma intervenção prejudicial para a conservação da natureza não existe. A Irlanda acrescenta o argumento radical segundo o qual os termos «agricultura intensiva» utilizados no anexo II, ponto 1, alínea b), não são suficientemente precisos na directiva, o que tem por resultado infringir o princípio da segurança jurídica. Por conseguinte, os Estados-Membros são autorizados a considerar inexistente a previsão do anexo que a demandante invoca no caso em apreço. O sheep grazing está fora do âmbito de aplicação da directiva, independentemente da interpretação que se possa dar ao conceito de agricultura intensiva. A criação de carneiros não constitui, efectivamente, uma intervenção no meio natural ou na paisagem que possa ou deva ser objecto de projectos nos termos do artigo 1._: e isso tanto pela natureza de actividade livre e individual do agricultor como devido à forma tradicional de commonage que é praticado na Irlanda, o que o torna praticamente inadaptado ao regime fixado pela directiva.

    30 Começo por este último aspecto da censura. A réplica da Irlanda suscita em primeiro lugar o problema de definir a categoria da actividade agrícola intensiva (e dos relativos projectos), da qual a demandante deseja excluir o pasto e a criação dos ovinos. A definição que faz parte da lista é portanto, em minha opinião, suficientemente clara para que se possa entender no seu significado correcto e aplicá-la ao presente caso. As zonas não cultivadas ou seminaturais previstas na directiva são as que sofrem alterações fundamentais, em relação ao estado pré-existente, com o objectivo de serem, precisamente, convertidas para efeitos de agricultura intensiva. O pasto tem por objectivo explorar recursos do solo e tem assim elementos de uma actividade que pode dar origem à adopção de projectos a sujeitar a uma avaliação prévia (v. artigo 1._, n._ 2). Pode perfeitamente revestir formas intensivas, apreciáveis por exemplo em termos de stocking density e número de ovinos por hectare, como salienta a Comissão. Além disso, parece-me evidente que o overgrazing pode ter efeitos sobre o ambiente nas mesmas condições que as outras actividades referidas no ponto 1, alínea b), do anexo II e, por maioria de razão, a criação de animais em instalações que os possam abrigar, prevista noutras rubricas que figuram na lista [ver ponto 1, alíneas e) e f), desse mesmo anexo II]. De resto, a Comissão respondeu, com objecções precisas e sérias à tese da demandada segundo a qual a actividade em questão não é adaptada, ou mesmo redutível, às exigências e às modalidades técnicas do processo de avaliação previsto na directiva. Além disso, o facto de a pastagem, por força da directiva, dever ser objecto de uma autorização prévia não constitui, como o deseja a Irlanda, uma pretensão não razoável, mas uma consequência simples e justificada da protecção que a directiva reserva ao ambiente: protecção que é válida para qualquer forma de agricultura intensiva e, de modo geral, em relação às actividades enumeradas nos anexos, todas consideradas susceptíveis de lesar valores a proteger. O facto de o Estado demandado ser em qualquer circunstância obrigado a observar, e portanto a transpor devidamente a particularidade da regulamentação nacional relativa ao «commonage» irlandês em matéria de pastagem também não impede a aplicação da directiva. A conclusão é clara: o caso presentemente em causa é abrangido na categoria da agricultura intensiva.

    31 Encontramo-nos, por conseguinte, confrontados com a questão de saber se o limiar dos 100 ha, previsto para essa classe de projectos nos termos da regulamentação irlandesa, é, ou não, conforme aos limites que incidem, na medida do que interessa ao caso em apreço, sobre a discricionariedade que compete aos Estados-Membros. Para resolver esta questão servir-me-ei dos critérios de apreciação explicados preliminarmente. O limiar criticado ultrapassaria os limites legais da discricionariedade se funcionasse de modo a excluir a avaliação dos efeitos no que diz respeito às intervenções sobre áreas semi-naturais inferiores a 100 ha, onde o risco de um importante impacte ambiental deriva da localização do projecto. A Comissão alega que o overgrazing tem, sobre toda a extensão onde é praticado, as características exigidas pela directiva para efeitos do exame dos efeitos correspondentes. A Irlanda opõe a este facto as considerações supra-recordadas e, além disso, alega que a pastagem é de qualquer forma sujeita na Irlanda a controlos relativamente ao seu impacte ambiental nos termos de programas fixados pelos regulamentos comunitários e destinados a desencorajar formas intensivas, enquanto a eventual concessão de subsídios é subordinada à condição de os agricultores interessados participarem na gestão do que se chama os Rural Environmental Protection Schemes, que são previstos pelo Estado demandado.

    32 Ora, a Comissão demonstrou ter recebido das próprias autoridades irlandesas, na correspondência trocada na época com estas últimas e cuja cópia está apensa aos autos, os dados que descrevem a área do overgrazing em cerca de 60 000 ha atingidos, ou de qualquer modo ameaçados, de degradação ambiental. Ao fazê-lo, penso que se isentou do ónus da prova que lhe incumbia para sustentar o fundamento da censura feita (v. supra, n._ 26).

    33 Como apreciar, em seguida, as medidas de controlo ambiental sobre os pastos que se aplicam na Irlanda independentemente do regime do limiar presentemente considerado? Em minha opinião, é necessário que sejam adequadas ao cumprimento da disposição expressa que figura na directiva (artigo 2._, n._ 2), que prevê que a avaliação dos efeitos no ambiente pode ser integrada nos processos de aprovação dos projectos existentes nos Estados-Membros, ou na falta deles, noutros processos já previstos ou a propor nas ordens jurídicas dos Estados-Membros. Assim, deve tratar-se, de qualquer modo, de processos aptos a atingir os próprios objectivos da directiva: a obrigação de uma avaliação prévia nos termos impostos no artigo 2._, n._ 1, vincula os Estados-Membros quando estes estabelecem, nos seus respectivos sistemas, esses outros processos, exactamente nos mesmos termos em que ela limita a sua discricionariedade nos casos previstos no artigo 4._, n._ 2.

    O monitorage diffus sobre a possível incidência ambiental da pastagem intensiva (e, mais em geral, das actividades enumeradas nos anexos) deve, independentemente do processo previsto ou da autoridade competente, conduzir ao resultado que é importante para a presente instância: assim, deve ser efectuado com base nas disposições legais que servem precisamente para completar o recurso à avaliação prévia, e, deste modo, a impô-la quando a directiva o exige mas o limiar o exclui.

    34 A Comissão lamenta o facto de não haver qualquer garantia de se chegar a esse resultado. A Irlanda, em minha opinião, não apresenta qualquer argumento convincente para concluir no sentido oposto. Devo deduzir daí que as autoridades competentes do controlo do impacte ambiental nas zonas situadas abaixo do limiar podem exercê-lo dispondo para este efeito de um vasto poder discricionário e, de qualquer modo, mais importante do que o permitido aos Estados-Membros pelo artigo 4._, n._ 2.

    Se tal for o caso, esses processos internos, longe de completar o sistema normativo comunitário presentemente em causa, contradizem-no. O facto de os ter previsto não pode de qualquer modo ser invocado pela Irlanda para contestar a acusação que lhe imputa a demandante.

    35 As razões para concluir que o limiar de 100 ha não está em conformidade com a directiva subsistem e são pelo contrário evidentes, se considerarmos as observações feitas pela Comissão no que diz respeito à área dos Burren.

    Que esta área é sensível, como o alega a Comissão, é comprovado pelo relatório redigido em 1996 pelo Heritage Council, com o título A Survey of Recent Reclamations in the Burren. Nos Burren ocorreram numerosas intervenções (arroteamento do solo e nivelamento do pavimento calcário), uma boa parte delas nas zonas definidas pelas próprias autoridades irlandesas como NHA (Natural Heritage Areas). Foram destruídos locais particularmente importantes do ponto de vista histórico e arqueológico. Além das operações de land reclamation, o arroteamento do solo, que é considerado sob outro aspecto da acção, tem também interesse no caso em apreço. O limite de 100 ha é válido para uma e outra das actividades. E é em relação a ambas que a demandante suscita a questão dos efeitos cumulativos dos projectos, bem como dos efeitos ligados ao seu desenvolvimento. Tendo em conta a ordem das minhas conclusões é nesta fase que há que abordar este problema.

    36 Ao chamar a atenção do Tribunal de Justiça para este problema, a Comissão invoca mais uma vez a obrigação de o Estado demandado determinar o limiar em função das características dos projectos. Trata-se assim, mais precisamente, de ver como estas últimas devem ser apreciadas cada uma em relação às outras. Este é o aspecto essencial da censura. A sua apreciação pressupõe que nos debrucemos sobre as características dos projectos que entram em linha de conta no caso em apreço.

    37 A dimensão do projecto, cuja natureza é a de intervir nas zonas não cultivadas e seminaturais, e de mudar-lhes o destino, é calculada para efeitos da fixação do limiar, em termos de superfície: 100 ha. Segundo a demandante, este limiar não está ligado - ou, pelo menos, não o está racionalmente, como o exige o correcto exercício do poder discricionário - à localização do projecto, que deveria ser tomado em conta, tratando-se de zonas particularmente expostas ao impacte das actividades de tal natureza. A tese da Comissão é a de que o limiar previsto está ligado de modo apropriado ao factor da sensitivity of location, só se aplica tendo em consideração

    i) os projectos, considerados individualmente, previstos para a área em questão - que podem dizer respeito a uma zona de dimensão modesta, efectivamente abaixo dos 100 ha, como no caso de Burren, em que a operação de desflorestação ou a conversão do solo foram fraccionadas em várias intervenções dos operadores interessados;

    ou

    ii) todos os projectos que produzam efeitos nessa mesma zona, considerados no seu conjunto. Nessa perspectiva, o que conta para efeitos de uma avaliação prévia é, assim, o conjunto do impacte das actividades que os projectos, considerados individual ou globalmente, tiveram no contexto ambiental reconhecido como digno de uma protecção especial.

    38 Por conseguinte, o processo de avaliação seria activado sempre que a área dos 100 ha fosse ultrapassada pelas intervenções no solo do tipo e das características presentemente em consideração, quer haja um ou vários projectos. Isto porque a Comissão admite a importância dos efeitos ligados ao desenvolvimento - os que se desenvolvem ao longo do ciclo de realização de determinado projecto - e efeitos consecutivos ao cúmulo dos processo previstos, e simultaneamente realizados, de donos de obra diferentes em zonas contíguas, quando as intervenções atingem, no seu conjunto, a área imposta dos 100 ha. A avaliação prévia de qualquer projecto caracterizado pela sensitivity of location deveria sempre ser considerada, mas ficaria sujeita à verificação de que a respectiva área territorial, embora seja inferior aos 100 ha impostos, ultrapassa esse limiar em conjunto com as outras zonas abrangidas pelos projectos contíguos da mesma natureza.

    39 Esta censura diz respeito, falando com rigor, não ao nível do limiar adoptado na Irlanda, mas à sua aplicação no caso em apreço, que a demandante considera não em conformidade com a directiva, dado que precisamente não tem em consideração os efeitos cumulativos e os ligados ao desenvolvimento. O aspecto a controlar é, assim, o seguinte: resulta das disposições conjugadas dos artigos 2._, n._ 1, e 4._, n._ 2, que os limiares eventualmente fixados pelos Estados-Membros devem ser aplicados ao presente caso segundo o critério específico exposto pela demandante?

    40 Ora, a avaliação prévia diz respeito às características dos projectos tendo em conta, evidentemente, os seus efeitos. Trata-se de uma operação de verificação concreta e os efeitos devem, por conseguinte, ser atribuídos ao projecto considerado em si mesmo. Isto não significa, todavia, que a directiva exclua os efeitos ligados ao cúmulo e ao desenvolvimento, presentemente em causa, da esfera dos efeitos relevantes. Pelo contrário. É referido efectivamente no artigo 3._ que a avaliação prévia identificará os efeitos directos e indirectos de cada projecto sobre todos os factores ambientais. Os efeitos ligados ao desenvolvimento são evidentemente efeitos do projecto considerado em si mesmo, são seus efeitos directos, porque imediatamente conexos com o desenvolvimento de uma actividade projectada pelo dono da obra. Em minha opinião, os efeitos cumulativos, que são imputados ao projecto singular, podem igualmente ser objecto de uma avaliação prévia quando o impacte previsível, tendo em consideração as características que reveste, tem uma maior importância devido ao concurso de circunstâncias, elas próprias importantes para efeitos da protecção dos valores ambientais, tal como o cúmulo de outros projectos na zona sensível da sua localização. O que justifica, e, em minha opinião, exige, que os efeitos cumulativos sejam tomados em consideração no momento de determinar se o projecto ultrapassa o limiar e deve, portanto, ser abrangido pelo regime de avaliação prévia previsto pela directiva.

    41 A Irlanda alega na contestação que a obrigação de ter em conta os efeitos cumulativos dos projectos só foi imposta aos Estados-Membros com a Directiva 97/11, que é posterior. A Directiva 85/337, aplicada ao caso em apreço, não a prevê. Ora, o que a Directiva 97/11 prevê é uma série de critérios de selecção, enumerados para esse efeito num anexo que é relativo às características dos projectos e ao seu impacte potencial. O cúmulo figura entre as características dos projectos: é claro que foi previsto, de resto conjuntamente com outros critérios de aplicação da directiva, especificados no anexo, como consequência inevitável da obrigação de apreciar as características dos projectos em razão dos seus efeitos, mesmo indirectos, no ambiente, nos quais o efeito cumulativo se insere como o dissemos. Esta obrigação é imposta essencialmente nos mesmos termos pela Directiva 85/337 e pela Directiva 97/11 (v., respectivamente, os artigos 2._ e 3._ de cada um dos textos).

    42 Assim, concluo a favor do carácter fundamentado dos argumentos invocados pela demandante. O incumprimento da Irlanda consiste no facto de não ter acompanhado a previsão do limiar criticado com as imposições exigidas para poder aplicá-lo tendo em conta, nas condições referidas, os efeitos ligados ao desenvolvimento e ao cúmulo dos projectos. A adopção dessa regulamentação suplementar é, assim, necessária, uma vez que o Estado demandado mantém o limiar anteriormente fixado e não decide transpor a directiva segundo outras modalidades compatíveis com o exercício legítimo do seu poder discricionário.

    Anexo II, ponto 1, alínea d): florestações iniciais, quando há o risco de ocasionar transformações ecológicas negativas, e arroteamentos destinados a permitir a conversão

    43 O artigo 24._, First Schedule, Part II, 1, alínea c), (i), da SI n._ 349 de 1989 impõe uma avaliação dos efeitos quando a superfície for superior a 200 ha para as florestações iniciais, ou 10 ha, no caso de substituição de uma floresta de folhosas de alto fuste por coníferas. A SI n._ 101 de 1996 alterou esses limiares e prevê, em conjugação com outras disposições da lei irlandesa de transposição da directiva, uma avaliação dos efeitos nos seguintes casos: florestação inicial, quando a zona em causa, considerada individualmente ou conjuntamente com outras zonas adjacentes, tem uma superfície total plantada superior a 70 ha ou ocupará essa superfície em três anos. Para a transformação das florestas existentes em coníferas, o limiar é de 10 ha. O artigo 24._, First Schedule, Part II, 2, alínea c), (ii), da SI n._ 349 de 1989 fixa, pelo contrário, o limiar de 100 ha para os projectos de arroteamento destinados a permitir a conversão a outro tipo de exploração do solo.

    44 A demandante critica estas disposições normativas na medida em que permitem sob o plano do limiar, e através do mesmo excluem a avaliação prévia dos efeitos, projectos de florestação previstos: a) para a florestação nas turfeiras de cobertura, b) para as florestações na proximidade de cursos de água. Quanto aos arroteamentos destinados a permitir a conversão a outro tipo de exploração do solo, a Comissão critica o limiar de 100 ha, fixado no âmbito dos projectos relativos a essas actividades. As acusações imputadas devem ser distintamente examinadas.

    a) A florestação nas turfeiras de cobertura

    45 A Irlanda, por carta de 6 de Maio de 1996, confirmou à Comissão que tinham sido concedidas diversas subvenções para efeitos da realização de projectos de florestação: em Fevereiro de 1994, nos Dunragh Loughs e no Pettigo Plateau, relativamente a uma superfície de 76 ha; em Dezembro de 1994, em Tullytresna Bog, relativamente a uma superfície de 44,1 ha; em Março de 1994, em Tamur Bog, relativamente a uma superfície de 190 ha. Estes projectos não foram sujeitos a qualquer avaliação de impacte ambiental. A desflorestação nas turfeiras de cobertura implica, segundo a Comissão, lavrar, drenar, a utilização de fertilizantes e uma alteração radical na vegetação: actividades conexas à obra de florestação, que ameaçam prejudicar e mesmo destruir o ecossistema das turfeiras de cobertura. A crítica é apoiada por elementos de prova destinados a demonstrar que, em numerosas zonas, propostas pelas próprias autoridades irlandesas como NHA (Dunragh Loughs, Pettigo Plateau, Tullytresna Bog, Tamur Bog), decorreriam actividades de florestação não controladas. A demandante refere-se a estudo científicos que documentam a possibilidade de um impacte importante, e mesmo irreversível, devido ao facto de intervenções desse tipo nas zonas em causa (9), colocando seguidamente particularmente em destaque o projecto de florestação nos Dunragh Loughs e no Pettigo Plateau, zonas de cerca de 2 000 ha, consideradas de grande interesse científico pelas suas turfeiras de cobertura intactas. A importância desta área do ponto de vista ambiental, acrescenta, foi reconhecida tanto a nível internacional (uma parte do Pettigo Plateau, 900 ha, é efectivamente abrangida pela convenção Ramsar, de 1986) como no âmbito da Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens (JO L 103, p. 1; EE 15 F2 p. 62), nos termos da qual a Irlanda classificou 619,2 ha do Pettigo Plateau como zona de protecção especial. Além disso, esse mesmo Pettigo Plateau e os Dunragh Loughs foram referidos num contrato celebrado em 28 de Dezembro de 1995 entre a Comissão CE e o National Parks and Wildelife Service irlandês, nos termos do Regulamento (CE) n._ 1973/92 do Conselho, de 21 de Maio de 1992 (JO L 206, p. 1) na base do qual foram criados instrumentos financeiros para planos de gestão e para acções, ambos destinados à protecção e à conservação do ambiente. A este respeito, a Comissão recorda o relatório Survey of Breeding Birds at Pettigo Plateau, County Fermanagh (10) que demonstra claramente que a florestação em causa constitui um atentado grave à protecção do ambiente: as plantações de coníferas têm efeitos sobre o sistema hidrológico dessas áreas que até produzem a sua fragmentação, o que torna o habitat natural inadaptado às diferentes espécies animais autóctones (os gansos de colarinho branco da Gronelândia, os búteos de Saint-Martin e as tarâmbolas douradas). Outras espécies de aves e de mamíferos terrestres tornam-se vulneráveis devido à chegada, aos bosques, de novas espécies de aves predadoras.

    46 A Irlanda responde que, depois da elaboração do parecer fundamentado da Comissão, a lei de 1 de Outubro de 1996 reduziu de 200 para 70 ha o limiar relativo à avaliação de impacte dos projectos. O Estado demandado teria assim cumprido as obrigações decorrentes desse parecer e a Comissão, por seu turno, não teria demonstrado que os projectos inferiores ao limiar fixado na nova legislação irlandesa teriam efeitos consideráveis no ambiente. De qualquer forma, os projectos de florestação previstos para as zonas consideradas como NHA estão sujeitos ao controlo administrativo do National Parks and Wildelife Service. Os Habitat Regulations adoptados pelas autoridades irlandesas protegem as zonas em questão de forma mais eficaz que a avaliação de impacte obrigatória: esses instrumentos subordinam, segundo o Estado demandado, a emissão de eventuais concessões para efeitos de florestação a standards de protecção ambientais iguais ou superiores às aplicadas aos projectos que ultrapassem o limiar fixado pela lei na Irlanda. Os custos da florestação são de resto tão elevados, que o desenvolvimento concreto dessa actividade necessita de subvenções e, deste modo, não escapa aos controlos impostos para poder obtê-las quando se tratam de zonas classificadas como NHA.

    47 Para apreciar os argumentos da Comissão, deve-se considerar, à semelhança da parte da acção anteriormente examinada, que a demandante esforçou-se por indicar as zonas sensíveis relativamente às quais a avaliação prévia dos projectos de florestação é excluída. Os relatórios científicos e outros elementos de apreciação apresentados pela Comissão demonstram que a florestação feita nas turfeiras teve efeitos negativos consideráveis no ambiente. A questão de direito que importa examinar é a que já foi abordada anteriormente no que diz respeito às terras não cultivadas e seminaturais convertidas para efeitos de exploração agrícola intensiva. Se o limiar excluir a avaliação prévia em relação aos projectos que têm efeitos sobre zonas sensíveis, o limiar já não pode ser considerado fixado pelo Estado demandado no exercício legítimo do seu poder de discricionário. Ora, estamos na presença desses elementos no caso em apreço. Assim, a crítica, em minha opinião, é fundamentada. Na verdade, a Irlanda contesta que previu, mesmo abaixo do nível do limiar, controlos de impacte relativos à florestação, quer em termos gerais por via legislativa (SI n._ 94/97, European Communities Regulation 1997), ou por via administrativa: a celebração de convenções para intervenções de protecção da natureza é sujeita a uma série de verificações quanto à compatibilidade com a protecção dos valores ambientais. Este argumento de defesa articula-se, em boa parte, na necessidade prática da subvenção. A florestação foi, segundo a demandada, gerida numa primeira fase pelo Estado e apenas numa segunda fase por projectos privados, também subvencionados pelas contribuições da Comunidade Europeia: e onde há subvenção, existe controlo. Mas a eventual previsão de subvenções ou de qualquer benefício concedido pelo Estado-Membro aos donos de obra, sob a condição do respeito de imposições ambientais, não tem, nos termos do artigo 1._ da directiva, qualquer importância: o artigo 1._ configura um regime de aprovações ligado, sem qualquer possibilidade de derrogação, à avaliação prévia do projecto, sempre que este diga respeito às matérias enumeradas nos anexos I e II. A avaliação prévia só se integra nos procedimentos internos nas condições que recordámos supra (v. n._ 33) e que não podem deixar de ser cumpridas pelos Estados-Membros. Noutros termos, o estímulo do interesse que leva o privado a solicitar a subvenção não tem influência sobre o controlo imposto pela directiva: tanto isto é verdade que a obrigação da avaliação prévia é válida indistintamente para os projectos privados e para os projectos públicos, cujo custo é suportado pela Estado.

    Também não se pode opor à Comissão o facto de ela ter criticado, no parecer fundamentado, o limiar fixado originariamente em 200 ha, que só foi seguidamente reduzido para 70 ha pelo Estado demandado. A demandante considera efectivamente que este último nível, aplicável desde 1 de Outubro de 1996, é igualmente incorrecto, porque, ao fixá-lo, o legislador irlandês não teve em consideração o efeito ligado ao desenvolvimento, porque subtraiu à avaliação prévia os projectos não ultrapassando o limiar assim fixado num prazo de três anos: o dono da obra pode, no decurso desse mesmo período de três anos, apresentar um novo projecto, que será sempre excluído da avaliação de efeitos se não ultrapassar 70 ha de superfície. No cálculo do efeito global do projecto anteriormente realizado e do novo, recorre-se, pelo contrário, à hipótese do cúmulo temporal, que, como dissemos atempadamente (v. supra, n.os 40 e 41) deve necessariamente ser tomado em consideração na aplicação do limiar fixado, qualquer que seja este.

    Não me debruço sobre o aspecto ligado à violação do artigo 7._ da directiva, exposto na acção, na medida em que a Irlanda não cumpriu as suas obrigações de informação e de consulta relativamente ao Reino Unido, interessado na realização dos projectos que afectam os locais transfronteiriços como, por exemplo, o Pettigo Plateau. O não cumprimento desta obrigação é, efectivamente, objecto de outra censura, não contestada pelo Estado demandado.

    b) A florestação nas zonas adjacentes aos cursos de água

    48 Utilizando os relatórios Aquafor e The Trophic Status of Lough Conn, a Comissão demonstrou como a actividade de florestação nas zonas naturais especiais, produz um grave impacte ambiental, devido à acidificação e à eutrofização das águas. A Irlanda pede ao Tribunal de Justiça que não tome em consideração os estudos relativos à avaliação do impacte da florestação sobre o habitat, efectuados antes da entrada em vigor da directiva. Deste modo, não existem elementos de prova para a tese sustentada pela demandante. Este argumento não pode ser acolhido. Há que precisar que os dois estudos se limitam a expor cientificamente o nexo de causalidade entre a florestação e o grave impacte ambiental decorrente da acidificação e da eutrofização das águas em determinadas zonas na Irlanda. Constituem um elemento de apreciação importante para o Tribunal de Justiça, não para demonstrar a actualidade do dano ambiental, que não é pertinente no caso em apreço (v. supra, n._ 26) mas para fornecer instrumentos de conhecimento científico sobre a particularidade do contexto ambiental visado pelas observações da demandante e sobre a possibilidade de impacte que está ligado aos projectos de florestação nessas zonas.

    49 O relatório Aquafor e outros estudos científicos (11) comprovam, por um lado, o surgimento do dano produzido pela florestação na proximidade dos cursos de água. A censura é de qualquer modo justificada porque a demandante identificou zonas sensíveis à acidificação das águas, como os condados de Galway, Wicklow, Donegal e Kerry; e a validade científica dos relatórios que apresentou e citados a este respeito testemunham claramente, em minha opinião, que a florestação deveria ser objecto de uma avaliação prévia, onde ela não foi feita: o limiar-limite não permite essa avaliação e os controlos alternativos apropriados, quanto aos efeitos no ambiente dos projectos em questão, não foram previstos.

    c) Os projectos de arroteamento destinados a permitir a conversão noutro tipo de exploração do solo

    50 Os argumentos até aqui expostos devem também abranger a apreciação do limiar de 100 ha para os projectos de arroteamento destinados a permitir a conversão noutro tipo de exploração do solo, prevista pela aplicação do artigo 24._, First Schedule, Part II, 2, alínea c), (ii), da SI n._ 349 de 1989. É a este respeito que o caso dos Burren, examinado anteriormente, tem importância. Permito-me remeter para as observações desenvolvidas nesse contexto (v. supra, n._ 35). Há com efeito boas razões para considerar que o arroteamento ameaça o ecossistema pelo menos do ponto de vista da conversão do solo para efeitos de uma exploração agrícola intensiva. Os projectos referentes a esta actividade na situação ambiental de que os Burren constitui um exemplo-tipo devem, assim, ser sujeitos a uma avaliação do impacte, mesmo que tenham menos de 100 ha.

    Projectos referidos no anexo II, ponto 2, alínea a): extracção de turfa

    51 Considerações análogas militam a favor do acolhimento da censura seguinte, que diz respeito aos efeitos no ambiente dos projectos de extracção de turfa. Esta actividade - na opinião da Comissão, e não vejo razões para dela me afastar - pode constituir uma das maiores ameaças à integridade do ambiente, em especial, quando se trata das turfeiras em causa. A extracção da turfa em zonas enlameadas implica a drenagem das águas. Esta actividade produz, por seu turno, o efeito de seca da vegetação que deverá formar a turfa. A redução do nível do lençol de água provoca uma redução do volume da turfa, cuja inclinação aumenta o escoamento das águas, o que agrava ainda o fenómeno da seca. A Comissão cita a este respeito o exemplo do Ballyduff-Clonfinane Bog, no condado de Tipperary, que examinou em pormenor no relatório relativo à queixa P-95/4218. Esse local, constituído por duas turfeiras de uma superfície total de 312 ha, foi proposto como NHA em 1995. Em 28 de Dezembro de 1995, a Comissão e o National Parks and Wildlife Service celebraram um contrato para a concessão de um financiamento de 344 000 ecus com o objectivo da preservação de zonas de turfa.

    52 Em relação aos projectos de extracção de turfa, o limiar foi fixado em 50 ha. É o que é previsto pelo artigo 24._, First Schedule, Part II, 2, alínea a), da SI n._ 349 de 1989. Os argumentos de defesa da Irlanda concentram-se, em última análise - deixando de lado os argumentos supra-invocados e agora repetidos - em duas ordens de considerações: i) a demandante fundamentou-se em elementos relativos unicamente ao caso-limite que constitui o Ballyduff-Clonfinane Bog, não tendo em consideração o critério fixado pela jurisprudência Kraaijeveld e o., que impõe que se considerem as características de todos os projectos da categoria considerada e nunca apenas um único caso; ii) o limiar foi fixado em 50 ha porque o legislador irlandês pretendeu fazer a diferença entre a exploração comercial da turfa e a praticada desde há séculos na Irlanda nas zonas rurais (turf-cutting), isto é, a extracção manual da turfa pelos particulares, para as suas necessidades familiares.

    53 Em minha opinião, nem uma nem a outra objecção da Irlanda merece ser acolhida. Como já o expliquei (v. supra, n._ 24), o parâmetro da localização do projecto não é aplicado sempre que o funcionamento do limiar exclui a avaliação dos efeitos, não obstante o facto de a actividade em questão comportar uma considerável potencialidade de impacte, visto o local onde ela se desenvolve. O número de projectos implicados para o efeito de exclusão do limiar não tem importância, face ao critério invocado pela demandante.

    54 Além disso, não me parece que a escolha feita pela Irlanda possa ser considerada razoável na medida em que haveria, acima do limiar, a actividade industrial e, abaixo, inversamente, a actividade manual e tradicional, relativamente à qual a avaliação do impacte ambiental não se justifica. Na réplica (12), a Comissão objectou que a pretensa justificação da distinção introduzida pelo limiar não existe a partir do momento em que a extracção manual foi substituída pela extracção mecânica, com a consequente difusão do desenvolvimento comercial da actividade extractiva, mesmo se for a pequena e a média escala.

    55 Ora, o único dado que é importante é a possibilidade de efeitos da actividade extractiva nas áreas presentemente consideradas. Não se deve negligenciar o facto de ela fazer correr o risco, como observa a demandante, de produzir alterações irreversíveis no ecossistema das zonas de turfa. A Comissão reconhece, por outro lado, que o turf-cutting manual, consagrado nas tradições irlandesas (13), está fora do âmbito de aplicação da directiva. Assim, são as formas de exploração comercial da turfa cuja exploração é relativa a pelo menos 50 ha que deviam ser tomadas em consideração e, a esse respeito, parece que não o foram. Por esta razão, retomando o critério enunciado a título de premissa (v. supra, n._ 23), concluo no sentido de que a distinção feita pelo limiar em causa dá origem a uma injustificada disparidade de tratamento dos projectos dentro da classe considerada (e dos respectivos donos de obra). Há que salientar, além disso, que o caso da turfa é tratado na legislação irlandesa diferentemente das actividades extractivas análogas (extracção de pedra, de brita, de areia ou de argila), previstas por outro lado, na lista do anexo II, relativamente às quais a Irlanda fixou um limiar, muito mais modesto, de 5 ha: a maior potencialidade de efeitos nos projectos inseridos nessas outras classes, em relação à extracção de turfa, sempre no que diz respeito às zonas sensíveis, continua totalmente por demonstrar; e pode-se ver aí também, uma disparidade injustificada do regime instituído pelo legislador irlandês em relação às actividades extractivas previstas em rubricas diferentes no anexo II, consideradas todas importantes quanto ao seu impacte potencial no ambiente. Portanto, sou de opinião que também este fundamento do recurso é fundamentado.

    Violação do artigo 2._, n._ 3, e dos artigos 5._ e 7._ da directiva

    56 A lei irlandesa SI n._ 349 de 1989 prevê um sistema de isenções que permite ao ministro competente isentar um projecto de qualquer estudo de efeitos quando considerar que circunstâncias excepcionais o justificam. A Comissão considera que esse sistema não está em conformidade com o artigo 2._ da directiva na medida em que: a) o ministro não é obrigado a examinar se uma outra forma de avaliação não seria adequada ou se as informações recolhidas não deveriam ser colocadas à disposição do público; b) o ministro não é obrigado a informar a Comissão.

    57 O artigo 2._ da lei irlandesa SI n._ 349 de 1989 prevê simplesmente que um estudo de impacte pode compreender informações. A Comissão observa que a legislação irlandesa não prevê as medidas necessárias para garantir que o dono da obra forneça, sob a forma conveniente, as informações especificadas no anexo III da directiva, relativamente aos projectos de avaliação de impacte ambiental, em conformidade com as disposições do artigo 5._ da directiva.

    58 Além disso, a Comissão observa que o artigo 17._ da SI n._ 25 de 1990 não garante um mecanismo apropriado de transposição das disposições que regem as obrigações dos Estados-Membros no que diz respeito à transmissão das informações recolhidas, ex artigo 5._ da directiva, a outro Estado-Membro quando o Estado interessado possa ser consideravelmente lesado pelo projecto e se fizer esse pedido nos termos do artigo 7._ da directiva.

    59 A Irlanda não contesta as censuras ligadas ao facto de não ter transposto correctamente os artigos 2._, 5._ e 7._ da directiva. Comunicou a sua intenção de clarificar a sua regulamentação através de medidas em vias de adopção.

    60 Assim, há que igualmente dar acolhimento a estes fundamentos da acção, uma vez que a Irlanda não cumpriu as suas obrigações de transpor os artigos 2._, 5._ e 7._ da directiva no prazo fixado pela Comissão no parecer fundamentado.

    61 Em conclusão: o presente litígio suscita o problema, que o acórdão do Tribunal de Justiça não deixará de clarificar, de definir de que modo a escolha do limiar-limite - limiar «absoluto» (v. supra, n._ 17) - se insere no mbito das soluções permitidas aos Estados-Membros para transporem a directiva nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2._, n._ 1, e 4._, n._ 2. Como o assinalei, a Irlanda poderá remediar o incumprimento que a Comissão lhe censura, manobrando de forma diferente o sistema dos limiares ou recorrendo a outras medidas discricionárias: o poder discricionários dos Estados-Membros exerce-se, no entanto, sempre e unicamente no interior da margem de que o Tribunal de Justiça, por ocasião de acórdãos anteriores, delimitou as fronteiras, que é presentemente chamado a definir no que diz respeito à presente acção. Estamos na verdade confrontados com uma directiva que se assemelha em larga medida, devido ao efeito directo da sua disposição-chave (o artigo 2._, n._ 1) e do carácter exaustivo do seu conteúdo normativo, ao esquema característico de um regulamento, e que compreende, além disso, a protecção preventiva do ambiente com toda a amplitude dos objectivos que ela prevê, incluindo a conservação da natureza. Esta última matéria é igualmente objecto, como recorda a Irlanda em sua defesa, de outras regulamentações comunitárias, mas as disposições daí decorrentes não interferem certamente, em minha opinião, no cumprimento das obrigações resultantes do artigo 2._, n._ 1, que constitui o parâmetro base para a investigação que compete ao Tribunal de Justiça.

    Assim, é necessário não esquecer que a Comissão limitou-se a denunciar o não cumprimento do critério específico, mesmo que seja fundamental, da sensitivity of location indicando casos, ou melhor, exemplos, que podem demonstrar o fundamento da censura feita a título geral. A questão como a ordem jurídica irlandesa deve ser adaptada ao critério invocado na acção é deixada ao sábio e legítimo exercício da discricionariedade reconhecida ao Estado demandado (como a qualquer outro Estado-Membro): e, de resto, a própria demandante diz que a Irlanda não deixou de dar correcto cumprimento à directiva, exceptuados os aspectos que são objecto do litígio no presente processo. O incumprimento censurado à Irlanda, se o Tribunal de Justiça tiver de o declarar pelas razões que invoquei, não envolve necessariamente, repito, que os limiares objecto de censura devam ser necessariamente reduzidos para outro nível - e a Comissão, aliás, não precisou qual seria esse outro nível - como se se tratasse da única via, para passar, à semelhança de Alice no país das maravilhas, através de uma porta mágica. No caso de a censura ser julgada procedente, a consequência será, todavia, de qualquer modo, que o legislador será obrigado a definir, a título geral e de modo a preencher as exigências da segurança jurídica, os casos de localização sensível dos projectos, garantindo, além disso, a avaliação prévia destes últimos em plena e pontual conformidade com a directiva. E isto, independentemente da solução adoptada para aplicar as disposições do artigo 4._, n._ 2.

    Tendo em conta as considerações precedentes, concluo do seguinte modo:

    «1) Ao não ter adoptado todas as medidas necessárias para garantir a transposição correcta do artigo 4._, n._ 2, relativamente aos projectos referidos no ponto 1, alíneas b) e d), bem como no ponto 2, alínea a), do anexo II da Directiva 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente, e ao não ter, em parte, transposto os artigos 2._, n._ 3, 5._ e 7._ da directiva, a Irlanda não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 2._ da directiva e do artigo 169._ do Tratado CE.

    2) A Irlanda é condenada nas despesas.»

    (1) - JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9.

    (2) - V. os argumentos de direito expostos nas conclusões do advogado-geral G. Cosmas, de 26 de Novembro de 1996 no acórdão de 23 de Outubro de 1997, Comissão/Países Baixos (C-157/94, Colect., p. I-5699): «Como tem sido reiteradamente decidido, o processo que, nos termos do disposto no artigo 169._ do Tratado, antecede a propositura da acção tem por objectivo dar ao Estado-Membro em causa a possibilidade de dar cumprimento às obrigações decorrentes do direito comunitário ou apresentar utilmente os seus argumentos de defesa a respeito das acusações formuladas pela Comissão. O parecer fundamentado, com o qual se conclui esse processo, deve, por conseguinte, definir com a maior clareza e da forma mais completa possível o objecto do litígio: isto é, deve conter todos os elementos necessários à compreensão pelo Estado-Membro interessado da base de facto e jurídica em que a Comissão faz assentar o seu ponto de vista de que esse Estado não cumpriu as suas obrigações. Se o parecer fundamentado satisfizer estas exigências, o pedido da Comissão é admissível, ainda que a argumentação nele contida, quer de facto (respeitante às circunstâncias de facto constitutivas da situação ou do comportamento que a Comissão considera como incumprimento das obrigações do Estado-Membro demandado) quer de direito (relativa à interpretação das disposições do direito comunitário que a Comissão considera infringidas) se tenha enriquecido quando comparada com a fundamentação desenvolvida a esse respeito no parecer fundamentado; naturalmente, desde que esse enriquecimento da argumentação não camufle uma alteração ou um alargamento da base jurídica e de facto do litígio, tal como este se cristalizou no parecer fundamentado».

    (3) - V. acórdãos de 2 de Maio de 1996, Comissão/Bélgica (C-133/94, Colect., p. I-2323), e de 24 de Outubro de 1996, Kraaijeveld e o. (C-72/95, Colect., p. I-5403).

    (4) - V. acórdão Kraaijeveld e o., citado na nota 3, n._ 43.

    (5) - V. n._ 49 do acórdão Kraaijeveld e o., já referido.

    (6) - V. n._ 57 das conclusões do advogado-geral J. Mischo de 12 de Março de 1998, processo C-301/95, Comissão/Alemanha (acórdão de 22 de Outubro de 1998, Colect., p. I-6135).

    (7) - Directiva do Conselho, de 3 de Março de 1997, que altera a Directiva 85/337 relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (JO L 73, p. 5).

    (8) - Num certo sentido, o limiar da jurisprudência Kraaijeveld e o. pode aplicar-se igualmente a este processo. Quando o limiar é ilegal na medida em que exclui a avaliação de impacte uma categoria inteira de projectos, o Tribunal de Justiça formulou um «teste», por assim dizer, de «resistência»: a previsão do limiar poderá ainda ser justificada se a totalidade dos projectos excluídos puder ser considerada como não sendo susceptível de efeitos significativos no ambiente. No caso em apreço, trata-se, pelo contrário, de verificar se a previsão do limiar é ilegal devido à não aplicação do critério de localização dos projectos: o teste de resistência quanto ao seu carácter justificado é preenchido quando, segundo uma avaliação global das características dos projectos excluídos do exame dos efeitos através da fixação de um limiar, não encontre nenhum que seja localizado em zonas sensíveis, relativamente às quais se impõe a avaliação de impacto.

    (9) - A Comissão remete a este respeito para a publicação Stroud, Reeds e o.: Birds, bogs and forestry, The Peatlands of Caithness and Sutherland, Nature Conservancy Council.

    (10) - 1995, Summary Report, Rachel Bain and Clive Mellon, Royal Society for the Protection of Birds (RSPB).

    (11) - V. Evaluation of the Effects of Forestry on Surface-Water Chemistry and Fishery Potential in Ireland, EOLAS Contract ER/90/76; Allott, N., e o.: «Stream Chemistry and Forest Cover in Tell Small Western Irish Catchments» em Ecological Effects of Afforestation, Studies in the history and ecology of afforestation in Western Europe, 1993; Allott, N., e Vrennan, M.: «Impact of Afforestation on Inland Waters», in Water of Life, Dublin, 1992.

    (12) - V. em especial o n._ 19 da réplica da Comissão.

    (13) - E até na literatura desse país: v. n._ 106 da contestação da Irlanda.

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