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Document 61995CC0383

    Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 24 de Outubro de 1996.
    Petrus Wilhelmus Rutten contra Cross Medical Ltd.
    Pedido de decisão prejudicial: Hoge Raad - Países Baixos.
    Convenção de Bruxelas - Ponto 1 do artigo 5. - Tribunal do lugar onde a obrigação deve ser cumprida - Contrato de trabalho - Lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho - Trabalho efectuado em vários países.
    Processo C-383/95.

    Colectânea de Jurisprudência 1997 I-00057

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1996:417

    61995C0383

    Conclusões do advogado-geral Jacobs apresentadas em 24 de Outubro de 1996. - Petrus Wilhelmus Rutten contra Cross Medical Ltd. - Pedido de decisão prejudicial: Hoge Raad - Países Baixos. - Convenção de Bruxelas - Ponto 1 do artigo 5. - Tribunal do lugar onde a obrigação deve ser cumprida - Contrato de trabalho - Lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho - Trabalho efectuado em vários países. - Processo C-383/95.

    Colectânea da Jurisprudência 1997 página I-00057


    Conclusões do Advogado-Geral


    1 O Hoge Raad der Nederlanden (Supremo Tribunal dos Países Baixos) pediu uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 5._, ponto 1, da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (a seguir «Convenção de Bruxelas»), com as alterações nela introduzidas pela Convenção de 9 de Outubro de 1978 relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte (1), pela Convenção de 25 de Outubro de 1982, relativa à adesão da República Helénica (2), e pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa (a seguir «Convenção de San Sebastián») (3).

    2 O artigo 5._, ponto 1, da Convenção de Bruxelas, na parte que nos interessa neste caso, confere, no essencial, jurisdição nos litígios resultantes de contratos de trabalho inter alia aos tribunais do lugar onde o trabalhador desenvolve habitualmente a sua actividade.

    Matéria de facto

    3 P. Rutten, nacional neerlandês residente nos Países Baixos, foi empregado, desde 1 de Agosto de 1989, da Cross Medical Ltd, sociedade de direito inglês, com sede em Londres. O seu contrato de trabalho continha cláusulas atributivas de jurisdição, em caso de litígio laboral, ao Amsterdam Kantonrechter (tribunal de cantão) que estipulavam que o contrato era regido pela lei neerlandesa. Em 31 de Maio de 1990, foi posto termo à relação de trabalho de P. Rutten com a Cross Medical BV devido às dificuldades financeiras da empresa e ele celebrou um novo contrato de trabalho com a Cross Medical Ltd. Surpreendentemente, este contrato não continha nem uma lei aplicável nem uma cláusula atributiva de jurisdição.

    4 P. Rutten continuou a viver nos Países Baixos. Tanto antes como depois da sua mudança de entidade patronal, prestou cerca de dois terços do seu trabalho nos Países Baixos; o terço restante parece ter sido efectuado em vários outros países (há uma ligeira divergência entre os documentos constantes dos autos, mas a Inglaterra, a Escócia, a Irlanda, os Estados Unidos, a Alemanha e a Bélgica são mencionados diversas vezes). P. Rutten fazia a preparação e o planeamento das suas viagens no seu escritório nos Países Baixos (que parece ter-se situado em sua casa), onde conservava toda a documentação relevante e para onde voltava após cada viagem.

    5 O contrato de trabalho de P. Rutten foi rescindido pela Cross Medical Ltd com efeitos a 1 de Outubro de 1991. P. Rutten pediu salários em atraso e respectivos juros no Amsterdam Kantonrechter. A Cross Medical Ltd contesta a jurisdição dos tribunais neerlandeses, alegando que P. Rutten desempenhava o seu trabalho habitualmente no Reino Unido. O Kantonrechter declarou-se competente para julgar o litígio; em recurso sobre a questão da jurisdição, o Rechtbank Amsterdam (tribunal de recurso) revogou a decisão do Kantonrechter. P. Rutten recorreu para o Hoge Raad der Nederlanden, que reenviou as seguintes questões para o Tribunal de Justiça:

    «1) Quando, para cumprimento de um contrato individual de trabalho, um trabalhador exercer a sua actividade em vários Estados contratantes, com base em que critérios se pode decidir que aquela actividade é habitualmente exercida num daqueles Estados contratantes para efeitos do ponto 1 do artigo 5._ da Convenção de Bruxelas?

    2) É para o efeito decisivo, ou importante, o facto de a maior parte do tempo de trabalho ter ocorrido num daqueles Estados ou então de nele ter ocorrido mais tempo de trabalho que nos outros?

    3) É igualmente importante que o trabalhador resida num daqueles Estados contratantes e ali tenha escritório de onde prepara a actividade a exercer fora desse Estado e a onde regressa após cada viagem ao estrangeiro relacionada com o seu trabalho?»

    Artigo 5._, ponto 1, da Convenção de Bruxelas

    6 O artigo 5._, ponto 1, enuncia uma das excepções à regra geral constante do artigo 2._, que prevê que as pessoas domiciliadas no território de um Estado contratante devem ser demandadas nos tribunais desse Estado. Estas excepções justificam-se pelo facto de que, como se diz no relatório Jenard sobre a Convenção, «existe um estreito elemento de ligação entre o diferendo e o tribunal chamado a conhecer dele» (4).

    7 Até 1989, o artigo 5._, ponto 1, estava assim redigido:

    «O réu com domicílio no território de um Estado contratante pode ser demandado num outro Estado contratante:

    1) em matéria contratual, perante o lugar onde a obrigação que serve de base ao pedido deve ser cumprida...» (5).

    8 A Convenção de San Sebastián alterou o artigo 5._, ponto 1, de forma que ele passou a ter a seguinte redacção:

    «O requerido com domicílio no território de um Estado contratante pode ser demandado num outro Estado contratante:

    1) em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida; em matéria de contrato individual de trabalho, esse lugar é o lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho e, se o trabalhador não efectuar habitualmente o seu trabalho no mesmo país, a entidade patronal pode igualmente ser demandada perante o tribunal do lugar onde se situa ou se situava o estabelecimento que contratou o trabalhador.»

    9 O que está em causa no presente processo é o significado da frase «lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho». A identificação desse lugar num caso específico é uma questão de facto a ser resolvida pelo tribunal nacional e o Tribunal foi, em especial, solicitado a fornecer uma orientação quanto aos factores que podem ser relevantes para essa determinação quando o trabalhador desenvolve a sua acção em mais do que um país.

    10 O Tribunal ainda não tinha tido ocasião para definir o significado da expressão acima referida. Na falta de qualquer orientação, referirei brevemente a história da disposição em causa. Uma discussão exaustiva do seu contexto pode ser encontrada nas minhas conclusões apresentadas no processo Mulox IBC (6).

    11 A alteração introduzida pela Convenção de San Sebastián no artigo 5._, ponto 1, é examinada no relatório sobre esta convenção da autoria de Almeida Cruz, Desantes Real e P. Jenard (7). Aí se afirma que a solução adoptada «procura melhorar a da Convenção de Lugano (8), sem se afastar muito dela, seguindo simultaneamente as linhas ditadas pelo Tribunal de Justiça no que se refere à protecção da parte mais fraca na relação contratual» (9). O relatório refere em especial o acórdão do Tribunal de Justiça no processo Six Constructions (10), proferido após a assinatura da Convenção de Lugano, mas antes da celebração da Convenção de San Sebastián.

    12 A disposição pertinente da Convenção de Lugano, que é também o artigo 5._, ponto 1, dispõe o seguinte:

    «O requerido com domicílio no território de um Estado contratante pode ser demandado num outro Estado contratante:

    1) em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida; em matéria de contrato individual de trabalho, esse lugar é o lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho e, se o trabalhador não efectuar habitualmente o seu trabalho no mesmo país, é o lugar onde se situa o estabelecimento que contratou o trabalhador.»

    13 A única diferença entre a redacção do artigo 5._, ponto 1, da Convenção de Lugano e a do artigo 5._, ponto 1, da Convenção de Bruxelas, tal como alterada pela Convenção de San Sebastián, é que se torna claro nesta última que a opção (quando os trabalhadores não prestam habitualmente o seu trabalho num único país) de intentar a acção no lugar onde se situa o estabelecimento que contratou trabalhador apenas é permitida ao trabalhador. É esta a melhoria referida no relatório sobre a Convenção de San Sebastián, destinada a reflectir a preocupação de proteger a parte socialmente mais fraca no contrato. Esta melhoria foi inspirada pelo acórdão Six Constructions, já referido, no qual o Tribunal de Justiça afirmou que a redacção da Convenção de Lugano poderia prejudicar os interesses da parte mais fraca do ponto de vista social ao conferir competência aos tribunais do lugar da sede mesmo quando a entidade patronal seja o autor (11).

    14 O artigo 5._, ponto 1, da Convenção de Lugano teve aparentemente a intenção de reflectir as decisões do Tribunal de Justiça nos processo Ivenel (12) e Shenavai (13) [v. o relatório sobre a Convenção de San Sebastián, n._ 23, alínea a)] e de ficar em conformidade com a Convenção de Roma aplicável às obrigações contratuais (14) (v. o relatório de Jenard e Moeller sobre a Convenção de Lugano (15), n.os 37 a 40).

    15 Na falta de uma disposição específica para os contratos de trabalho nas versões anteriores a 1989 da Convenção de Bruxelas, o Tribunal de Justiça decidiu no acórdão Ivenel, já referido, que a obrigação a ter em conta para os efeitos do artigo 5._, ponto 1, em caso de pedidos baseados em diferentes obrigações decorrentes de um contrato de trabalho é a obrigação que caracteriza o contrato, que é normalmente a obrigação de prestar trabalho (16). No acórdão Shenavai, o Tribunal de Justiça declarou, incidentalmente, que, em caso de litígio relacionado com diversas obrigações decorrentes do mesmo contrato e constituindo a base do processo em questão, o tribunal chamado a decidir o litígio deve guiar-se, ao determinar a sua competência, pela máxima accessorium sequitur principale: por outras palavras, quando estejam em litígio várias obrigações, é a obrigação principal que determina a sua competência (17). Estas duas afirmações, conjuntamente com o artigo 6._, n._ 2, da Convenção de Roma, são a fonte de referência no artigo 5._, ponto 1, da Convenção de Lugano (e, portanto, também do artigo 5._, ponto 1, da Convenção de Bruxelas) para o «lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho».

    16 O artigo 6._, n._ 2, da Convenção de Roma dispõe que na falta de escolha feita nos termos do artigo 3._, o contrato de trabalho é regulado:

    «a) pela lei do país em que o trabalhador, no cumprimento do contrato, presta habitualmente o seu trabalho, mesmo que tenha sido destacado temporariamente para outro país, ou

    b) se o trabalhador não prestar habitualmente o seu trabalho no mesmo país, pela lei do país em que esteja situado o estabelecimento que contratou o trabalhador,

    a não ser que resulte do conjunto das circunstâncias que o contrato de trabalho apresenta uma conexão mais estreita com um outro país, sendo em tal caso aplicável a lei desse outro país».

    17 Resulta do relatório relativo à Convenção de Roma (18), dos professores Mario Giuliano e Paul Lagarde, que a redacção do artigo 6._ teve em conta o facto de os interesses das partes num contrato de trabalho serem diferentes e procurou garantir «uma protecção mais adequada da parte que, de um ponto de vista socioeconómico, deve ser considerada como a parte mais fraca na relação contratual» (19).

    18 Que a preocupação em conceder uma protecção adequada à parte no contrato mais fraca do ponto de vista social é um factor a ter em conta na interpretação do artigo 5._, ponto 1, da Convenção de Bruxelas foi confirmado pelo Tribunal de Justiça no acórdão Ivenel, já referido, em relação à versão do artigo anterior a 1989 (20). Neste processo, o Tribunal de Justiça declarou adicionalmente, após passar em revista a história legislativa desta disposição, que, em matéria de contratos, o artigo 5._, ponto 1, teve a especial preocupação de atribuir competência ao tribunal do país que tenha uma ligação estreita com o litígio e que, no caso de um contrato de trabalho, a ligação se encontra, em particular, na lei aplicável ao contrato (21). Voltarei a estes pontos mais tarde.

    O processo Mulox IBC

    19 A versão anterior a 1989 do artigo 5._, ponto 1, foi de novo discutida no Tribunal de Justiça no processo Mulox IBC (22), um caso em que o trabalhador prestava o seu trabalho em mais do que um Estado contratante. Em meu entender, a decisão do Tribunal, embora relativa à anterior redacção, ajuda, apesar de tudo, na interpretação da actual. Isto porque o Tribunal interpretou a versão anterior a 1989 à luz das suas decisões nos processos Ivenel e Shenavai; como se viu, foram estas decisões que enformaram a alteração de 1989 agora em discussão.

    20 No acórdão Mulox IBC, o Tribunal de Justiça declarou que, no caso de um contrato de trabalho, era adequado determinar o lugar de cumprimento da obrigação relevante, para efeitos de aplicação do artigo 5._, ponto 1, da Convenção, por referência não à lei nacional aplicável com as normas de conflitos do tribunal onde fora proposta a acção, mas antes aos critérios uniformes que competia ao Tribunal de Justiça fixar com base no sistema e nos objectivos da Convenção (23).

    21 Além disso, o Tribunal de Justiça remeteu para a sua declaração no acórdão Ivenel de que deve ser tida em conta a preocupação de conceder protecção adequada à parte no contrato mais fraca de um ponto de vista social, ou seja, o trabalhador. É melhor assegurada esta protecção se os litígios resultantes de um contrato de trabalho forem da competência dos tribunais do lugar em que o trabalhador cumpre as suas obrigações para com a entidade patronal. Este lugar é aquele em que é menos oneroso para o trabalhador intentar a acção judicial ou defender-se de uma acção contra si intentada (24).

    22 Esta afirmação faz eco da posição que expressei nas minhas conclusões nesse processo de que o trabalhador deve ter direito a demandar a sua entidade patronal no lugar onde trabalha: este é o foro natural para esses litígios e será, na maior parte dos casos, o mais conveniente para o trabalhador, que não deve ser privado da conveniência de nele demandar apenas porque a sua entidade patronal tem sede ou domicílio noutro Estado contratante (25).

    23 No acórdão Mulox IBC, o Tribunal de Justiça referiu-se à anterior jurisprudência (acima resumida) (26), afirmando que, quando diversas obrigações derivem do mesmo contrato e constituam a base da acção do demandante, é a obrigação principal que deve determinar o tribunal competente (27). Nesse acórdão, o Tribunal declarou que, quando o trabalho seja prestado em mais do que um Estado contratante, o lugar de cumprimento da obrigação contratual na acepção do artigo 5._, ponto 1, é o lugar onde ou a partir do qual o trabalhador cumpre principalmente as suas obrigações para com a sua entidade patronal. Para determinar o lugar de cumprimento, que compete aos tribunais nacionais, era necessário, nesse caso, ter em conta o facto de as funções atribuídas ao trabalhador serem desempenhadas a partir de um escritório situado num Estado contratante, onde o trabalhador tinha estabelecido a sua residência, a partir do qual efectuava o seu trabalho e ao qual regressava após cada uma das suas viagens de trabalho (28).

    Aplicação ao presente caso

    24 O litígio neste Tribunal consiste essencialmente em saber se a redacção do artigo 5._, ponto 1, da Convenção de Bruxelas, tal como alterada pela Convenção de San Sebastián, em especial a frase «[lugar] onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho» difere significativamente da interpretação que o Tribunal de Justiça fez da disposição, antes da alteração, no processo Mulox IBC, e em especial do conceito de «lugar onde ou a partir do qual o trabalhador cumpre principalmente as suas obrigações para com a sua entidade patronal»; e, se assim for, se essa diferença autoriza que se ignorem os critérios fixados pelo Tribunal de Justiça no acórdão Mulox IBC para determinar qual é esse lugar num caso concreto.

    25 Mantenho a opinião que expressei nas minhas conclusões no processo Mulox IBC, tinha declarado que a versão do artigo 5._, ponto 1, anterior a 1989:

    «deve ser interpretada no sentido de estabelecer a competência no lugar principal do trabalho. Na maior parte dos casos, este termo será mais ou menos sinónimo do de lugar `habitual' de trabalho utilizado no artigo 6._ da Convenção de Roma, assim como nas Convenções de Lugano e de San Sebastián. No entanto, a expressão `lugar principal do trabalho' parece preferível, pois veicula com mais eficácia a ideia de que um dos lugares de trabalho do assalariado deve normalmente ser mais importante que os outros... se a Convenção de San Sebastián se aplicasse a um caso como o que nos ocupa, o termo `habitualmente' não deveria ser interpretado demasiado à letra, mas no sentido de lugar principal de trabalho» (29).

    26 Esta interpretação está de acordo com um certo número de factores.

    27 Em primeiro lugar, dá protecção à parte no contrato mais fraca do ponto de vista social, ou seja, nos contratos de trabalho, o trabalhador: como se viu, a preocupação de conceder esta protecção foi reconhecida pelo Tribunal de Justiça e deu corpo à alteração do artigo 5._, ponto 1, de 1989.

    28 Em segundo lugar, reflecte a exigência de um factor de conexão estreita entre o litígio e o tribunal com competência para o julgar.

    29 Em terceiro lugar, deve significar que os tribunais com competência estarão quase invariavelmente no lugar em que é menos oneroso para o trabalhador intentar uma acção judicial ou defender-se de uma acção contra si.

    30 Contra esta interpretação pode argumentar-se que ela não confere necessariamente competência aos tribunais cuja lei e aplicável. Como atrás se disse, o facto de ser desejável atribuir competência a um tribunal que possa aplicar a sua própria lei, e não uma lei estrangeira, foi referido pelo Tribunal no acórdão Ivenel como um dos principais critérios que regem a interpretação do artigo 5._, ponto 1.

    31 Não penso, porém, que esta objecção seja suficiente para superar as vantagens da interpretação que proponho. Como disse nas minhas conclusões no processo Mulox IBC, por desejável que possa ser a atribuição de competência, em litígios de trabalho, aos tribunais do país cuja lei é aplicável, na prática, isso nem sempre será possível, mesmo após a harmonização das regras de determinação da lei efectuada pela Convenção de Roma (30). Nessas conclusões, analisei com alguma profundidade as dificuldades inerentes a qualquer tentativa para garantir a coincidência entre a lex causae e a lex fori e conclui que seria um erro exagerar a importância da conexão entre competência e lex causae (31). Mantenho a mesma opinião.

    32 Por conseguinte, sempre que, no cumprimento de um contrato de trabalho, um trabalhador labora em mais do que um país, os critérios de acordo com os quais ele deve ser considerado como trabalhando habitualmente num desses países na acepção do artigo 5._, ponto 1, da Convenção de Bruxelas, são essencialmente os mesmos critérios de acordo com os quais ele seria, no quadro da versão precedente da Convenção, considerado como cumprindo principalmente as suas obrigações para com a sua entidade patronal. No acórdão Mulox IBC, já referido, o Tribunal já sugeriu alguns desses critérios: em especial, a localização do escritório do trabalhador num Estado contratante, onde ele havia fixado residência, a partir do qual exercia as suas actividades e ao qual regressava após cada deslocação profissional (32).

    33 A Comissão, embora aceite a posição que expressei nas minhas conclusões no processo Mulox IBC, de que o termo «habitualmente» não deve ser interpretado de uma forma demasiado literal, encontra dificuldades em simplesmente equacionar o significado de «habitualmente» e de «principalmente». Alega que o primeiro conceito se refere mais a organização temporal das tarefas do trabalhador, ao passo que o segundo diz respeito ao ponto central do trabalho. Contudo, afirma seguidamente que o termo «principalmente» implica, como demonstra o acórdão Mulox IBC (33), que, em relação à anterior versão do artigo 5._, ponto 1, devem ser tidos em conta vários critérios, incluindo o tempo despendido em cada um dos países em causa. A nova redacção, em especial o uso do termo «habitualmente», confirma este último critério. A Comissão conclui que o tribunal nacional deve, portanto, determinar os períodos em que o trabalhador laborou nos vários países. Se uma clara maioria de dias tiver sido gasta num Estado contratante, são os tribunais deste país que, em princípio, têm competência para julgar os litígios resultantes do contrato de trabalho.

    34 Embora este raciocínio leve, com toda a probabilidade, ao resultado correcto na maioria dos casos, não estou convencido da bondade de uma formulação tão ampla. Continuo a ser da opinião, como expressei nas minhas conclusões no processo Mulox IBC, de que o lugar e o uso que é feito do escritório do trabalhador não pode ser negligenciado. Nesse processo, afirmei que, mesmo que o trabalhador passe mais de metade do ano a viajar noutros países e não visite realmente cliente algum no país onde tem o escritório, me parece muito difícil refutar a presunção de que o seu lugar principal de trabalho se situa no local onde ele tem o seu centro de operações (34). Não penso que esta posição tenha perdido força com a nova redacção do artigo 5._, ponto 1. Se um trabalhador que viaja para vários países prepara e planeia o seu trabalho no seu escritório e a ele regressa após cada viagem, é artificial considerá-lo como trabalhando «habitualmente» ou «principalmente» em qualquer país que não aquele em que tem o seu escritório, o centro das suas actividades laborais.

    35 A Comissão acrescenta que outros factores, tais como a localização do escritório e da residência, também são significativos. Estabelece uma distinção quanto ao peso a ser atribuído a estes factores consoante o critério do tempo aponte para o mesmo ou para um lugar diferente do dos outros factores. Isto parece-me desnecessariamente complexo no contexto do presente caso, em que essa dificuldade claramente não existe. Mostra também os perigos de atribuir demasiado peso ao critério do tempo e peso de menos ao da localização do centro de operações do trabalhador.

    36 Quanto ao critério da residência, direi apenas que, embora possa ser um factor relevante nas circunstâncias de algum caso específico, pelas razões apontadas nas minhas conclusões no processo Mulox IBC (35), não considero que deva ser decisivo.

    37 Insisto na importância de fazer um firme esforço para identificar o lugar principal de trabalho, num caso que envolva um trabalhador que labore em diversos países, de modo a assegurar que a competência seja conferida aos tribunais de um país que tenha uma conexão genuína com o litígio (36). Este resultado não será necessariamente obtido se se recorrer ao factor subsidiário introduzido pela Convenção de San Sebastián, ou seja, o do lugar em que se situa ou se situava a empresa que contratou o trabalhador. Sem deixar de chamar a atenção para esse risco, não considero, porém, que seja necessário, para efeitos do presente processo, analisar o âmbito desse factor de conexão subsidiário.

    38 Para concluir, portanto, considero que todos os factores adicionais mencionados nas questões do tribunal nacional constituem critérios relevantes para determinar onde é que o trabalhador desempenha habitualmente as suas funções.

    39 Deve, finalmente, notar-se que o processo principal deste caso fornece uma boa ilustração das vantagens da interpretação do artigo 5._, ponto 1, que advogo. P. Rutten reside nos Países Baixos. Tem o seu escritório nos Países Baixos, no qual planeia e prepara o seu trabalho e ao qual regressa após cada viagem de trabalho e gasta cerca de dois terços do seu tempo de trabalho nos Países Baixos, sendo o restante dividido por vários outros países. O litígio laboral tem vários factores de ligação estreita com os Países Baixos. Se P. Rutten fosse obrigado a intentar a sua acção num tribunal do Reino Unido, isso não seria compatível nem com a preocupação geral de protecção da parte mais fraca do ponto de vista social, nem com a aplicação específica em casos como este, ou seja, com o objectivo de garantir que o trabalhador possa intentar a acção no foro mais conveniente para si.

    Conclusão

    40 Consequentemente, sou de parecer que o Tribunal de Justiça deve dar a seguinte resposta às questões submetidas pelo Hoge Raad:

    «Para efeitos do artigo 5._, ponto 1, da Convenção de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução das decisões em matéria civil e comercial, tal como alterada em último lugar pela Convenção de 26 de Maio de 1989 relativa à adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa, o lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho é, no caso de um contrato de trabalho, nos termos do qual o trabalhador efectua o seu trabalho em mais do que um Estado, o lugar onde ou a partir do qual cumpre principalmente as suas obrigações para com a sua entidade patronal. Compete ao tribunal nacional determinar esse lugar à luz dos factos relevantes, que incluem, em especial, o facto de o trabalhador gastar a maior parte do seu tempo de trabalho num desses Estados onde reside e possui um escritório no qual prepara ou administra o seu trabalho fora desse Estado e ao qual regressa após cada viagem que efectua em conexão com o seu trabalho.»

    (1) - JO L 304, p. 1, e - texto alterado - p. 77; EE 01 F2 p. 131.

    (2) - JO L 388, p. 1, EE 01 F4 p. 16.

    (3) - JO L 285, p. 1.

    (4) - JO 1990, C 189, p. 142.

    (5) - A redacção da versão original de 1968 era ligeiramente diferente, embora tendo essencialmente o mesmo efeito; a versão citada é a resultante das alterações introduzidas pela convenção de adesão de 1978.

    (6) - Acórdão de 13 de Julho de 1993 (C-125/92, Colect., p. I-4075).

    (7) - JO 1990, C 189, p. 35.

    (8) - Convenção de 16 de Setembro de 1988 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (aplicável entre os Estados-Membros da EFTA e a CEE) (JO L 319, p. 9).

    (9) - N._ 23, alínea c).

    (10) - Acórdão de 15 de Fevereiro de 1989 (32/88, Colect., p. 341).

    (11) - V. n.os 13 e 14 do acórdão.

    (12) - Acórdão de 26 de Maio de 1982 (133/81, Recueil, p. 1891).

    (13) - Acórdão de 15 de Janeiro de 1987 (266/82, Colect., p. 231).

    (14) - JO 1980, L 266, p. 1.

    (15) - JO 1990, C 181, p. 57.

    (16) - N.os 15 e 20 e parte decisória do acórdão.

    (17) - N._ 19 do acórdão.

    (18) - JO 1980, C 282, p. 1; versão portuguesa: JO 1992, C 327.

    (19) - Relatório já referido p. 23.

    (20) - N.os 16 e 17 do acórdão.

    (21) - N._ 15 do acórdão.

    (22) - Já referido na nota 6.

    (23) - N._ 16 do acórdão Mulox IBC, já referido.

    (24) - N.os 18 e 19 do acórdão.

    (25) - N._ 29 das minhas conclusões.

    (26) - N._ 15 das presentes conclusões.

    (27) - Acórdão Shenavai, já referido na nota 13, n._ 19.

    (28) - N.os 22 a 25 do acórdão Mulox IBC, já referido.

    (29) - N.os 32 e 37.

    (30) - N._ 27 das minhas conclusões.

    (31) - V. n.os 27 e 28 das minhas conclusões.

    (32) - N._ 25 do acórdão.

    (33) - A Comissão considera os textos francês e neerlandês do acórdão, que usam os termos «principalement» e «hoofdzakelijk», respectivamente.

    (34) - N._ 33.

    (35) - N._ 34.

    (36) - Para mais desenvolvimentos, v. as minhas conclusões no processo Mulox IBC, n.os 35 a 37.

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