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Document 61994CJ0171

    Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 7 de Março de 1996.
    Albert Merckx e Patrick Neuhuys contra Ford Motors Company Belgium SA.
    Pedidos de decisão prejudicial: Cour du travail de Bruxelles - Bélgica.
    Manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos - Conceito de transferência - Transferência de uma concessão de vendas.
    Processos apensos C-171/94 e C-172/94.

    Colectânea de Jurisprudência 1996 I-01253

    ECLI identifier: ECLI:EU:C:1996:87

    61994J0171

    Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 7 de Março de 1996. - Albert Merckx e Patrick Neuhuys contra Ford Motors Company Belgium SA. - Pedidos de decisão prejudicial: Cour du travail de Bruxelles - Bélgica. - Manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos - Conceito de transferência - Transferência de uma concessão de vendas. - Processos apensos C-171/94 e C-172/94.

    Colectânea da Jurisprudência 1996 página I-01253


    Sumário
    Partes
    Fundamentação jurídica do acórdão
    Decisão sobre as despesas
    Parte decisória

    Palavras-chave


    ++++

    1. Política social ° Aproximação das legislações ° Transferências de empresas ° Manutenção dos direitos dos trabalhadores ° Directiva 77/187 ° Âmbito de aplicação ° Transferência ° Conceito ° Transferência de uma concessão de venda de automóveis efectuada na ausência de transferência de activos e de relações contratuais directas entre o novo e o antigo concessionários, acompanhado pela cessação de actividade deste último ° Inclusão

    (Directiva 77/187 do Conselho, artigo 1. , n. 1)

    2. Política social ° Aproximação das legislações ° Transferências de empresas ° Manutenção dos direitos dos trabalhadores ° Directiva 77/187 ° Oposição do trabalhador à transferência do seu contrato para o cessionário ° Admissibilidade ° Destino reservado ao contrato com o cedente ° Determinação pelos Estados-Membros ° Rescisão do contrato após uma alteração do nível da remuneração ° Rescisão imputável à entidade patronal

    (Directiva 77/187 do Conselho, artigos 3. , n. 1, e 4. , n. 2)

    Sumário


    1. O critério decisivo para estabelecer a existência de uma transferência na acepção da Directiva 77/187, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos, é o de saber se a entidade em questão mantém a sua identidade económica, o que resulta nomeadamente da continuação efectiva da exploração ou da sua transmissão.

    Assim, o artigo 1. , n. 1, da directiva deve ser interpretado no sentido de que abrange uma situação em que uma empresa titular de uma concessão de venda de veículos automóveis e num determinado território cessa a sua actividade, sendo a concessão transferida para outra empresa, que readmite uma parte do pessoal e beneficia de uma promoção junto da clientela, sem que sejam transferidos elementos do activo nem relações contratuais directas entre as duas empresas em causa.

    2. O artigo 3. , n. 1, da Directiva 77/187, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos, não impede que um trabalhador empregado pelo cedente à data da transferência da empresa se oponha à transferência ao cessionário do seu contrato ou da sua relação de trabalho. Neste caso, compete aos Estados-Membros decidir do destino reservado ao contrato ou à relação de trabalho com o cedente. No entanto, quando o contrato ou a relação de trabalho é rescindido pelo facto de a transferência implicar uma modificação do nível da remuneração concedida ao trabalhador, o artigo 4. , n. 2, da directiva impõe aos Estados-Membros que prevejam que a rescisão é da responsabilidade da entidade patronal, uma vez que a alteração do nível da remuneração concedida ao trabalhador está incluída no número das alterações substanciais das condições de trabalho na acepção desta disposição.

    Partes


    Nos processos apensos C-171/94 e C-172/94,

    que têm por objecto pedidos dirigidos ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177. do Tratado CE, pela cour du travail de Bruxelles, destinados a obter, nos litígios pendentes neste órgão jurisdicional entre

    Albert Merckx (C-171/94),

    Patrick Neuhuys (C-172/94)

    e

    Ford Motors Company Belgium SA,

    uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação da Directiva 77/187/CEE do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1977, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos (JO L 61, p. 26; EE 05 F2 p. 122),

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

    composto por: C. N. Kakouris, presidente de secção, G. F. Mancini (relator), F. A. Schockweiler, P. J. G. Kapteyn e H. Ragnemalm, juízes,

    advogado-geral: C. O. Lenz,

    secretário: D. Louterman-Hubeau, administradora principal,

    vistas as observações escritas apresentadas:

    ° em representação de A. Merckx e P. Neuhuys, por Joan Dubaere, advogado no foro de Bruxelas,

    ° em representação da Ford Motors Company Belgium SA, por Carl Bevernage, Bernard van de Walle de Ghelcke e Luc Vanaverbecke, advogados no foro de Bruxelas,

    ° em representação do Governo do Reino Unido, por John E. Collins, do Treasury Solicitor' s Department, na qualidade de agente, assistido por Eleanor Sharpston, barrister,

    ° em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por Marie Wolfcarius e Christopher Docksey, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes,

    visto o relatório para audiência,

    ouvidas as alegações de A. Merckx e P. Neuhuys, da Ford Motors Company Belgium SA, do Governo do Reino Unido e da Comissão na audiência de 15 de Junho de 1995,

    ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 6 de Julho de 1995,

    profere o presente

    Acórdão

    Fundamentação jurídica do acórdão


    1 Por dois acórdãos de 15 de Junho de 1994, que deram entrada no Tribunal de Justiça em 22 de Junho seguinte, a cour du travail de Bruxelles submeteu ao Tribunal, ao abrigo do artigo 177. do Tratado CE, uma questão prejudicial relativa à interpretação da Directiva 77/187/CEE do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1977, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos (JO L 61, p. 26; EE 05 F2 p. 122, a seguir "directiva").

    2 Esta questão foi suscitada no âmbito de dois litígios que opõem, por um lado, A. Merckx e, por outro, P. Neuhuys à Ford Motors Company Belgium SA (a seguir "Ford") a propósito das consequências, sobre os contratos de trabalho celebrados por A. Merckx e P. Neuhuys com a Anfo Motors SA (a seguir "Anfo Motors"), da cessação da actividade desta última empresa e da transmissão da sua concessão de venda de veículos automóveis para a SA Novarobel (a seguir "Novarobel").

    Enquadramento legal e factos do litígio no processo principal

    3 Nos termos do seu segundo considerando, a directiva visa "proteger os trabalhadores em caso de mudança de empresário especialmente para assegurar a manutenção dos seus direitos". Para tal, prevê, no artigo 3. , n. 1, a transferência para o cessionário dos direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho existente à data da transferência. O artigo 4. , n. 1, acrescenta que a transferência de uma empresa, estabelecimento ou parte de estabelecimento não constitui, em si mesma, fundamento de despedimento por parte do cedente ou do cessionário.

    4 Segundo o seu artigo 1. , n. 1, a directiva é aplicável às transferências de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos que resultem de uma cessão convencional ou de uma fusão.

    5 As disposições da directiva foram transpostas para direito belga pela convenção colectiva n. 32 bis, de 7 de Junho de 1985, relativa à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de alteração da entidade patronal resultante de transferência convencional da empresa, que regulamenta os direitos dos trabalhadores readmitidos em caso de transmissão do activo após falência ou concordata judicial por abandono do activo, tornada obrigatória por decreto real de 25 de Julho de 1985 (Moniteur belge de 9.9.1985, p. 11527).

    6 Na altura dos factos controvertidos, A. Merckx e P. Neuhuys eram vendedores da Anfo Motors. Esta última exercia a actividade de venda de veículos automóveis em algumas comunas da zona metropolitana de Bruxelas como concessionário da Ford, que era também o seu accionista principal.

    7 Em 8 de Outubro de 1987, a Anfo Motors comunicou a A. Merckx e a P. Neuhuys que cessaria todas as actividades em 31 de Dezembro de 1987 e que a, partir de 1 de Novembro de 1987, a Ford trabalharia, nas comunas abrangidas pela concessão da Anfo Motors, com o concessionário independente Novarobel. Esta última manteria ao seu serviço catorze dos 64 trabalhadores da Anfo Motors, com manutenção das suas funções, antiguidade e todas as regalias contratuais, em conformidade com as disposições da convenção colectiva n. 32 bis.

    8 Além disso, a Anfo Motors enviou aos seus clientes uma circular informando-os da cessação das suas actividades e recomendando-lhes os serviços do novo concessionário.

    9 Por cartas de 27 de Outubro de 1987, A. Merckx e P. Neuhuys recusaram a transferência proposta, alegando que a Anfo Motors não podia impor-lhes trabalhar noutra empresa, noutro local e com condições de trabalho diferentes, sem nenhuma garantia quanto à manutenção da clientela e à realização de um volume de vendas. Consideravam, portanto, que a decisão da Anfo Motors constituía uma denúncia unilateral do contrato de trabalho e exigiam o pagamento de uma indemnização por despedimento, bem como de outros montantes a títulos diversos.

    10 Por cartas de 30 de Outubro e de 2 de Novembro de 1987, a Anfo Motors confirmou a A. Merckx e a P. Neuhuys a transferência dos seus contratos para a Novarobel e afirmou que, nos termos de uma convenção colectiva de 30 de Outubro, as organizações sindicais tinham reconhecido a aplicação da convenção colectiva n. 32 bis e, deste modo, a validade das transferências. Convidou A. Merckx e P. Neuhuys a apresentarem-se de imediato na Novarobel, sob pena de a Anfo Motors reclamar o pagamento de uma indemnização por denúncia.

    11 A. Merckx e P. Neuhuys recusaram este convite e, após outra troca de correspondência infrutífera, intentaram uma acção no tribunal du travail de Bruxelles requerendo que este condenasse a Anfo Motors e, em seguida, a Ford, que lhe sucedeu na instância, a pagar-lhes diferentes montantes a título de indemnização por denúncia, despedimento, e encerramento, bem como uma percentagem do prémio de fim de ano. A Anfo Motors apresentou pedidos reconvencionais em que requeria que A. Merckx e P. Neuhuys fossem condenados a pagar-lhe indemnizações por denúncia. Por sentenças de 20 de Julho de 1990, o tribunal du travail declarou improcedentes os pedidos principais e inadmissíveis os pedidos reconvencionais.

    12 A. Merckx e P. Neuhuys recorreram destas sentenças para a cour du travail de Bruxelles enquanto a Ford interpôs recursos subordinados. Os recorrentes no processo principal defenderam que as circunstâncias não eram constitutivas de uma transferência de empresa na acepção da convenção colectiva n. 32 bis, mas de um encerramento de empresa. A recorrida no processo principal defendeu o ponto de vista contrário.

    13 O órgão jurisdicional nacional deu como provado, em primeiro lugar, que, em conformidade com uma "convenção e garantia" celebrada com a Novarobel em 15 de Outubro de 1987, a Ford decidiu cessar as actividades da sua filial Anfo Motors e confiar a concessão de vendas explorada por esta sociedade à Novarobel, que assumia algumas actividades exercidas pela Anfo Motors, em conformidade com a convenção colectiva n. 32 bis, mediante garantias da Ford. Em seguida, considerou provado que, não obstante a Ford ser o principal accionista da Anfo Motors, foi na realidade esta última que decidiu cessar a sua actividade. Finalmente, o órgão jurisdicional nacional salientou que nenhuma convenção ligava a Anfo Motors à Novarobel, que a Anfo Motors despediu mais de três quartos do seu pessoal, tendo-lhes pago as indemnizações legais por encerramento da empresa, que nenhum elemento corpóreo fora transmitido pela Anfo Motors à Novarobel e que não estava provado que a Anfo Motors tivesse transmitido o seu ficheiro de clientes à Novarobel.

    14 Tendo em conta o que ficou dito, a cour du travail de Bruxelles decidiu suspender a instância e solicitar ao Tribunal de Justiça que se pronunciasse, a título prejudicial, sobre a seguinte questão, redigida em termos idênticos nos dois processos:

    "Existe transferência de empresa, na acepção da Directiva 77/187, de 14 de Fevereiro de 1977, quando uma empresa, que decidiu cessar as suas actividades em 31 de Dezembro de 1987, despede a maior parte dos seus trabalhadores, mantendo apenas catorze pessoas num total superior a 60, e decide que essas catorze pessoas, mantendo os direitos adquiridos, deverão trabalhar a partir de 1 de Novembro de 1987 numa empresa com a qual não foi celebrada nenhuma convenção mas que passou a beneficiar, a partir de 15 de Outubro de 1987, da concessão de vendas anteriormente detida pela primeira empresa, a qual nem sequer transmitiu qualquer elemento de património à segunda empresa?"

    15 Esta questão visa, basicamente, esclarecer, em primeiro lugar, se o artigo 1. , n. 1, da directiva deve ser interpretado no sentido de que abrange uma situação em que uma empresa titular de uma concessão de venda de veículos automóveis num determinado território cessa a sua actividade sendo a concessão transferida para outra empresa, que readmite uma parte do pessoal e beneficia de promoção junto da clientela, sem que tenham sido transferidos elementos do activo. Em segundo lugar, tendo em conta as circunstâncias dos processos principais e para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional nacional, há que determinar se o artigo 3. , n. 1, da directiva impede que um trabalhador empregado pelo cedente na data da transferência da empresa se oponha à transferência para o cessionário do seu contrato ou da sua relação de trabalho.

    Quanto à existência de uma transferência na acepção da directiva

    16 No que se refere à primeira parte da questão deste modo reformulada, recorde-se que, nos termos de jurisprudência constante, o critério decisivo para estabelecer a existência de uma transferência na acepção da directiva é o de saber se a entidade em questão mantém a sua identidade, o que resulta nomeadamente da continuação efectiva da exploração ou da sua transmissão (v., nomeadamente, o acórdão de 19 de Maio de 1992, Redmond Stichting, C-29/91, Colect., p. I-3189, n. 23).

    17 Em segundo lugar, para determinar se esta condição está preenchida, importa tomar em consideração o conjunto de circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, entre as quais figuram, designadamente, o tipo de empresa ou de estabelecimento de que se trata, a transferência ou não dos elementos corpóreos, tais como os edifícios e os bens móveis, o valor dos elementos incorpóreos no momento da transferência, o emprego ou não por parte do novo empresário do essencial dos efectivos, a transferência ou não da clientela, bem como o grau de similitude das actividades exercidas antes e depois da transferência e a duração de uma eventual suspensão destas actividades. Convirá, todavia, precisar que todos estes elementos não passam de aspectos parciais da avaliação de conjunto que se impõe e não poderão, por isso, ser apreciados isoladamente (acórdão Redmond Stichting, já referido, n. 24).

    18 À luz destes princípios, há que concluir que, na situação que é objecto dos litígios perante o órgão jurisdicional nacional, a Ford, accionista principal da Anfo Motors, transferiu para a Novarobel a concessão de venda de veículos no território abrangido pela Anfo Motors e transmitiu assim para fora do seu grupo o risco económico ligado a esta actividade, que a Novarobel prosseguiu sem interrupção a actividade exercida pela Anfo Motors no mesmo sector e em condições análogas, que readmitiu uma parte do pessoal e que beneficiou de uma promoção junto da clientela, destinada a garantir uma continuidade na exploração da concessão de venda.

    19 Todos estes elementos, vistos no seu conjunto, permitem considerar que a transferência da concessão de venda em circunstâncias como as do processo principal pode ser abrangida pela directiva. Importa, no entanto, examinar se algumas circunstâncias invocadas pelos recorrentes no processo principal não são susceptíveis de infirmar esta conclusão.

    20 Em primeiro lugar, A. Merckx e P. Neuhuys alegam que, no processo principal, não houve transferência de elementos corpóreos ou incorpóreos da empresa nem manutenção, pelo menos parcial, da estrutura e da organização da empresa. Por outro lado, a sede de exploração da Novarobel situa-se em comunas da zona metropolitana de Bruxelas diferentes daquelas onde a Anfo Motors exercia a sua actividade.

    21 Estas circunstâncias não são susceptíveis de impedir a aplicação da directiva, na medida em que, tendo em conta a natureza da actividade exercida, a transferência de elementos do activo não é determinante para que a entidade em questão mantenha a sua identidade económica (v., neste sentido, o acórdão de 14 de Abril de 1994, Schmidt, C-392/92, Colect., p. I-1311, n. 16). De facto, a actividade de uma concessão exclusiva de venda de veículos automóveis de determinada marca num certo sector mantém o seu objecto ainda que seja exercida sob um outro nome, em locais diferentes e com outro equipamento. É também irrelevante que a sede de exploração se encontre numa área diferente da mesma zona metropolitana, desde que o território objecto da concessão seja o mesmo.

    22 Em segundo lugar, A. Merckx e P. Neuhuys afirmaram que não existe transferência, na acepção da directiva, quando uma empresa cessa definitivamente toda a sua actividade e é colocada em liquidação, como terá sido o caso da Anfo Motors. Nestas condições, a entidade económica deixa de existir não podendo conservar a sua identidade.

    23 A este respeito, basta afirmar que, sob pena de frustrar o objectivo de protecção dos trabalhadores prosseguido pela directiva, a sua aplicação não pode ser excluída pelo simples facto de a empresa cedente ter cessado a sua actividade no momento da cessão e ter sido, em seguida, objecto de uma liquidação. Quando a actividade desta empresa é prosseguida por outra empresa, tais circunstâncias são antes susceptíveis de confirmar a existência de uma transferência na acepção da directiva.

    24 Em terceiro lugar, segundo A. Merckx e P. Neuhuys, o facto de a maior parte do pessoal ter sido despedido na altura da transferência da concessão da venda implicaria que a directiva não se aplicasse.

    25 Por força do artigo 4. , n. 1, da directiva, a transferência de uma empresa, estabelecimento ou parte de estabelecimento não constitui, em si mesma, fundamento de despedimento. No entanto, esta disposição não obsta aos despedimentos efectuados por razões económicas, técnicas ou de organização que impliquem mudanças no plano do emprego.

    26 Nestas condições, a circunstância de a maior parte do pessoal ter sido despedida na altura da transferência não basta para que se exclua a aplicação da directiva. De facto, por um lado, os despedimentos em causa podem ter sido feitos por razões económicas, técnicas ou de organização, em conformidade com o artigo 4. , n. 1, já referido. Por outro lado, e em qualquer caso, a eventual violação desta disposição não põe em causa a existência de uma transferência na acepção da directiva.

    27 Finalmente, A. Merckx e P. Neuhuys defenderam que, admitindo que tenha existido uma transferência na acepção da directiva, esta não resultou de uma cessão convencional como exige o artigo 1. da directiva. Com efeito, este conceito implica necessariamente a existência de um nexo convencional entre o cedente e o cessionário. Ora, tal nexo não existe no processo principal.

    28 Dadas as diferenças entre as versões linguísticas da directiva e as divergências entre as legislações nacionais sobre o conceito de cessão contratual, o Tribunal de Justiça interpretou este conceito de modo suficientemente flexível para satisfazer o objectivo da directiva, que é proteger os trabalhadores em caso de transferência da sua empresa, e considerou que esta directiva era aplicável a todas as situações de mudança, no âmbito de relações contratuais, da pessoa singular ou colectiva responsável pela exploração da empresa, que contrai as obrigações de entidade patronal relativamente aos empregados da empresa (v., nomeadamente, o acórdão Redmond Stichting, já referido, n.os 10 e 11).

    29 Deste modo, o Tribunal de Justiça considerou que eram abrangidos pela directiva a rescisão de um contrato de locação-gerência relativo a um restaurante, seguido da conclusão de um novo contrato de gerência com outro explorador (acórdão de 10 de Fevereiro de 1988, dito "Daddy' s Dance Hall", Tellerup, 324/86, Colect., p. 739), a rescisão de uma locação seguida de venda pelo proprietário (acórdão de 15 de Junho de 1988, Bork International, 101/87, Colect., p. 3057) ou ainda uma situação em que uma autoridade pública deixava de conceder subsídios a uma pessoa colectiva, provocando assim a cessação completa e definitiva das suas actividades, para as transferir para outra pessoa colectiva que prossegue objectivos análogos (acórdão Redmond Stichting, já referido).

    30 Conclui-se desta jurisprudência que, para que a directiva se aplique, não é necessário que existam relações contratuais directas entre o cedente e o concessionário. Consequentemente, quando se põe fim a uma concessão de venda de veículos automóveis com uma primeira empresa e que uma nova concessão de venda é atribuída a outra empresa que prossegue as mesmas actividades, a transferência da empresa resulta de uma cessão convencional na acepção da directiva, tal como interpretada pelo Tribunal de Justiça.

    31 Além disso, conclui-se dos autos que, na situação que é objecto dos litígios no órgão jurisdicional nacional, a Ford, accionista principal da Anfo Motors, celebrou com a Novarobel uma "convenção e garantia" pela qual se comprometeu, nomeadamente, a suportar os encargos relativos a certas indemnizações por denúncia, por despedimento ou de protecção, eventualmente devidas pela Novarobel aos trabalhadores empregados pela Anfo Motors. Esta circunstância confirma a existência de uma cessão convencional na acepção da directiva.

    32 Deste modo, há que responder à primeira parte da questão, tal como foi reformulada, que o artigo 1. , n. 1, da directiva deve ser interpretado no sentido de que abrange uma situação em que uma empresa titular de uma concessão de venda de veículos automóveis num determinado território cessa a sua actividade, sendo a concessão transferida para outra empresa, que readmite uma parte do pessoal e beneficia de promoção junto da clientela, sem que sejam transferidos elementos do activo.

    Quanto à faculdade de o trabalhador se opor à transferência do contrato ou da relação de trabalho

    33 No que se refere à segunda parte da questão, tal como foi reformulada, o Tribunal de Justiça considerou, no acórdão de 11 de Junho de 1985, Danmols Inventar (105/84, Recueil, p. 2639, n. 16), que a protecção que a directiva visa garantir é desprovida de objecto quando o próprio interessado, por decisão livremente assumida, não mantém, após a transferência, a relação de trabalho com o novo empresário.

    34 Conclui-se igualmente do acórdão de 16 de Dezembro de 1992, Katsikas e o. (C-132/91, C-138/91 e C-139/91, Colect., p. I-6577, n.os 31 e 32), que, se a directiva permite que o trabalhador fique ao serviço do novo empresário nas mesmas condições que as acordadas com o cedente, não pode ser interpretada como obrigando o trabalhador a manter a relação de trabalho com o cessionário. Uma tal obrigação poria em causa os direitos fundamentais do trabalhador, que deve ser livre de escolher a sua entidade patronal e não pode ser obrigado a trabalhar para uma entidade patronal que não escolheu livremente.

    35 Daqui decorre que, na hipótese de o trabalhador decidir livremente não continuar o contrato ou a relação de trabalho com o cessionário, compete aos Estados-Membros decidir do destino reservado ao contrato ou à relação de trabalho. Em particular, os Estados-Membros podem prever que, neste caso, o contrato ou a relação de trabalho deve ser considerado como rescindido, quer por iniciativa do trabalhador quer por iniciativa da entidade patronal. Podem também prever que o contrato ou a relação de trabalho se mantenha com o cedente (acórdão Katsikas e o., já referido, n.os 35 e 36).

    36 A. Merckx e P. Neuhuys alegaram, além disso, que, no processo principal, a Novarobel recusou garantir-lhes a manutenção da sua remuneração, que era calculada em função, nomeadamente, do volume de negócios realizado.

    37 Quanto a esta alegação, há que recordar que, nos termos do artigo 4. , n. 2, da directiva, se o contrato de trabalho ou a relação de trabalho forem rescindidos pelo facto de a transferência, na acepção do n. 1 do artigo 1. , implicar uma modificação substancial das condições de trabalho em detrimento do trabalhador, a rescisão considera-se como sendo da responsabilidade da entidade patronal.

    38 Ora, uma alteração do nível da remuneração concedida ao trabalhador figura no número das modificações substanciais das condições de trabalho na acepção desta disposição, mesmo quando a remuneração depende, nomeadamente, do volume de negócios realizado. Quando o contrato ou a relação de trabalho é rescindido pelo facto de a transferência incluir tal alteração, a rescisão deve ser considerada como sendo da responsabilidade da entidade patronal.

    39 Deste modo, há que responder à segunda parte da questão, tal como foi reformulada, que o artigo 3. , n. 1, da directiva não impede que um trabalhador empregado pelo cedente à data da transferência da empresa se oponha à transferência ao cessionário do seu contrato ou da sua relação de trabalho. Neste caso, compete aos Estados-Membros decidir do destino reservado ao contrato ou à relação de trabalho com o cedente. No entanto, quando o contrato ou a relação de trabalho é rescindido devido a uma modificação do nível da remuneração concedida ao trabalhador, o artigo 4. , n. 2, da directiva impõe aos Estados-Membros que prevejam que a rescisão é da responsabilidade da entidade patronal.

    Decisão sobre as despesas


    Quanto às despesas

    40 As despesas efectuadas pelo Governo do Reino Unido e pela Comissão das Comunidades Europeias, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

    Parte decisória


    Pelos fundamentos expostos,

    O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

    pronunciando-se sobre a questão submetida pela cour du travail de Bruxelles, por acórdãos de 15 de Junho de 1994, declara:

    1) O artigo 1. , n. 1, da Directiva 77/187/CEE do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1977, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou parte de estabelecimentos, deve ser interpretado no sentido de que abrange uma situação em que uma empresa titular de uma concessão de venda de veículos automóveis num determinado território cessa a sua actividade, sendo a concessão transferida para outra empresa, que readmite uma parte do pessoal e beneficia de promoção junto da clientela, sem que sejam transferidos elementos do activo.

    2) O artigo 3. , n. 1, da Directiva 77/187 não impede que um trabalhador empregado pelo cedente à data da transferência da empresa se oponha à transferência ao cessionário do seu contrato ou da sua relação de trabalho. Neste caso, compete aos Estados-Membros decidir do destino reservado ao contrato ou à relação de trabalho com o cedente. No entanto, quando o contrato ou a relação de trabalho é rescindido devido a uma modificação do nível da remuneração concedida ao trabalhador, o artigo 4. , n. 2, da directiva impõe aos Estados-Membros que prevejam que a rescisão é da responsabilidade da entidade patronal.

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