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Document 61993CJ0131

Acórdão do Tribunal (Sexta Secção) de 13 de Julho de 1994.
Comissão das Comunidades Europeias contra República Federal da Alemanha.
Livre circulação de mercadorias - Proibição de importar lagostins de água doce vivos.
Processo C-131/93.

Colectânea de Jurisprudência 1994 I-03303

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1994:290

61993J0131

ACORDAO DO TRIBUNAL (SEXTA SECCAO) DE 13 DE JULHO DE 1994. - COMISSAO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS CONTRA REPUBLICA FEDERAL DA ALEMANHA. - LIVRE CIRCULACAO DE MERCADORIAS - PROIBICAO DE IMPORTAR LAGOSTINS DE AGUA DOCE VIVOS. - PROCESSO C-131/93.

Colectânea da Jurisprudência 1994 página I-03303


Sumário
Partes
Fundamentação jurídica do acórdão
Decisão sobre as despesas
Parte decisória

Palavras-chave


++++

Livre circulação de mercadorias ° Restrições quantitativas ° Medidas de efeito equivalente ° Proibição total de importar lagostins de água doce vivos ° Inadmissibilidade ° Justificação ° Protecção da saúde e da vida dos animais ° Inexistência

(Tratado CEE, artigos 30. e 36. )

Sumário


Um Estado-membro que pura e simplesmente proíbe, por não se destinarem à investigação científica e ao ensino, as importações de lagostins de água doce vivos das espécies europeias provenientes dos Estados-membros ou de países terceiros e que se encontram em livre prática nos outros Estados-membros, não cumpre as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 30. e 36. do Tratado CEE, pois, para prevenir o risco de propagação da peste dos lagostins e garantir a protecção das espécies indígenas contra eventuais alterações genéticas, podia ter-se limitado a adoptar medidas com efeitos menos restritivos sobre as trocas intracomunitárias, tais como sujeitar os lotes de lagostins importados a controlos sanitários, que seriam por amostragem no caso de lotes acompanhados de um certificado sanitário, ou regulamentar a comercialização dos lagostins no seu território.

Partes


No processo C-131/93,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por J. L. Iglesias Buhigues, consultor jurídico, e A. Bardenhewer, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Georgios Kremlis, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

demandante,

contra

República Federal da Alemanha, representada por E. Roeder, Ministerialrat no Ministério Federal da Economia, em Bona, na qualidade de agente,

demandada,

que tem por objecto obter a declaração de que, ao proibir, por não se destinarem à investigação científica e ao ensino, as importações de lagostins de água doce vivos das espécies europeias provenientes dos Estados-membros ou de países terceiros e que se encontram em livre prática nos outros Estados-membros, a República Federal da Alemanha não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 30. e 36. do Tratado CEE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: G. F. Mancini, presidente de secção, C. N. Kakouris, F. A. Schockweiler (relator), P. J. G. Kapteyn e J. L. Murray, juízes,

advogado-geral: W. Van Gerven

secretário: R. Grass

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 18 de Maio de 1994,

profere o presente

Acórdão

Fundamentação jurídica do acórdão


1 Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 31 de Março de 1993, a Comissão das Comunidades Europeias intentou, ao abrigo do artigo 169. do Tratado CEE, uma acção que tem por objecto obter a declaração de que a República Federal da Alemanha, ao proibir, por não se destinarem à investigação científica e ao ensino, as importações de lagostins de água doce vivos das espécies europeias provenientes dos Estados-membros ou de países terceiros e que se encontram em livre prática nos outros Estados-membros, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 30. e 36. do Tratado CEE.

2 Através do primeiro regulamento que altera o Bundesartenschutzverordnung (regulamento sobre a protecção das espécies, a seguir "BArtSchV", BGBl. I, 1989, p. 1525), que adoptou em 24 de Julho de 1989 e que entrou em vigor em 1 de Agosto seguinte, a República Federal da Alemanha sujeitou a importação de todas as espécies de lagostins vivos à concessão de uma autorização emitida em conformidade com o artigo 21. -B da Bundesnaturschutzgesetz (lei sobre a protecção da natureza, a seguir "BNatSchG", na versão publicada no BGBl. I, 1987, p. 889). Nos termos dessa disposição, as autorizações só podem ser concedidas para fins de investigação científica ou do ensino; em contrapartida, a importação de lagostins vivos para fins comerciais, designadamente para o repovoamento dos viveiros privados ou ao consumo, encontra-se em princípio proibida, sem prejuízo do disposto no artigo 31. , primeiro parágrafo, do BNatSchG, nos termos do qual o Bundesamt fuer Ernaehrung und Forstwirtschaft (a seguir "Bundesamt") pode, mediante pedido, derrogar essa proibição sempre que a aplicação da disposição "conduza, contra a vontade do legislador, a uma rigidez excessiva".

3 Da petição da Comissão resulta que a poluição das águas e, sobretudo, a peste dos lagostins (afanomicose), cuja propagação era fundamentalmente devida à importação de lagostins contaminados provenientes da América do Norte, fazem com que praticamente já não existam na República Federal da Alemanha, como nos outros países europeus, cursos de água naturais onde existam lagostins. É esta a razão por que a BArtSchV considera os lagostins indígenas como espécies particularmente protegidas, ou seja, ameaçadas de extinção. Dado que as espécies indígenas não bastam para satisfazer as necessidades, a República Federal da Alemanha importa, desde há anos, algumas dezenas de toneladas de lagostins de água doce vivos por ano.

4 Como a entrada em vigor da referida regulamentação, alegadamente, prejudicou as actividades de diversas empresas alemãs, especializadas na importação de lagostins vivos, cujo volume de negócios diminuiu de forma sensível, a ponto de a sua existência se encontrar em risco, esses operadores intentaram acções junto dos órgãos jurisdicionais nacionais, que conduziram a que o Bundesamt aplique aos importadores, a título transitório, a derrogação do artigo 31. do BNatSchG, permitindo-lhes obter até ao momento autorizações de importação de lagostins, válidas por seis meses apenas, e que indicam a quantidade exacta importada, o país de origem e o nome da espécie em questão. Essas autorizações são acompanhadas de condições com o objectivo, designadamente, de garantir que os lagostins só sejam cedidos ao comprador final ° com exclusão dos grossistas e revendedores ° que deve ser convidado a tomar todas as medidas de prevenção e desinfecção adequadas para impedir que os lagostins importados sejam postos em liberdade e a garantir que a água que serviu à conservação dos animais seja desinfectada antes de ser deitada fora. A autorização pode ser revogada em caso de inobservância dessas condições.

5 Em apoio do seu pedido, a Comissão sustentou, em substância, que a regulamentação alemã em causa é incompatível com os artigos 30. e 36. do Tratado, pois restringe as importações de lagostins de água doce vivos originários de outros Estados-membros ou que aí se encontram em livre prática e que excede as exigências de uma protecção eficaz das espécies indígenas de lagostins contra a peste e os riscos de modificação da fauna.

6 Em contrapartida, o Governo alemão alegou que, como tinham sido concedidas aos importadores importantes derrogações à proibição em causa, a regulamentação em litígio não tinha posto termo às importações de lagostins nem compartimentado o mercado alemão. O governo demandado acrescentou que, de qualquer modo, essa regulamentação se justificava, até ao fim do ano de 1992, nos termos do artigo 36. do Tratado, pois a medida em litígio era indispensável para proteger eficazmente e de um modo durável as existências de lagostins da República Federal da Alemanha contra a peste, e para preservar a sua identidade genética. O governo federal reconheceu, no entanto, que desde 1 de Janeiro de 1993, data em que a Directiva 91/67/CEE do Conselho, de 28 de Janeiro de 1991, relativa às condições de polícia sanitária que regem a introdução no mercado de animais e produtos da aquicultura (JO L 46, p. 1), devia ter sido transposta, a proibição de importação dos lagostins deixava de se justificar para prevenir uma epizootia. Por conseguinte, o processo de alteração da BArtSchV tinha sido iniciado e, enquanto se esperava pela sua conclusão, tinham sido dadas instruções às autoridades competentes para isentar, mediante simples pedido, os operadores em causa da obrigação de possuir uma autorização para importar lagostins vivos na República Federal da Alemanha.

7 A fim de apreciar a procedência da acusação da Comissão, importa sublinhar, antes de mais, que os artigos 30. e 36. do Tratado fazem parte integrante da organização comum de mercado nos sectores dos produtos da pesca, instituída pelo Regulamento (CEE) n. 3796/81 do Conselho, de 29 de Dezembro de 1981 (JO L 379, p. 1; EE 04 F1 p. 185).

8 Com efeito, mesmo que as disposições desse regulamento não enunciem expressamente a proibição das restrições quantitativas à importação bem como das medidas de efeito equivalente no que se refere às trocas intracomunitárias, resulta no entanto das disposições conjugadas dos artigos 38. a 46. e 8. , n. 7, do Tratado, que essa proibição decorre, o mais tardar desde o termo do período de transição, directamente das disposições do Tratado, tal como foi aliás frisado no trigésimo considerando do citado Regulamento n. 3796/81 (v. acórdão de 25 de Maio de 1993, Comissão/Itália, C-228/91, Colect., p. I-2701, n. 11).

9 Importa observar em seguida que a medida alemã em litígio conduz a entravar o comércio intracomunitário na medida em que proíbe a importação para fins comerciais de lagostins de água doce vivos provenientes de outro Estado-membro ou de um país terceiro e que se encontrem em livre prática na Comunidade.

10 Em consequência, em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, esta regulamentação cai sob a alçada da proibição do artigo 30. do Tratado, cujas diposições são indistintamente aplicáveis aos produtos originários da Comunidade e aos colocados em livre prática no interior de qualquer um dos Estados-membros, seja qual for a origem desses produtos (v. acórdão de 15 de Dezembro de 1976, Donckerwolcke e Schou, 41/76, Recueil, p. 1921, n. 18).

11 Esta conclusão não é de modo algum afectada pelo facto, invocado pelo governo federal, de as autoridades nacionais competentes terem feito uma ampla utilização da possibilidade de derrogação prevista pela regulamentação alemã, concedendo, entre Janeiro de 1989 e Junho de 1993, autorizações de importação para uma quantidade total de 961 400 kg de lagostins, que aliás os importadores em causa não utilizaram inteiramente.

12 Com efeito, tal como o Tribunal de Justiça já declarou (v., por exemplo, acórdão de 8 de Fevereiro de 1983, Comissão/Reino Unido, 124/81, Recueil, p. 203, n.os 9 e 10), o artigo 30. do Tratado proíbe a aplicação, nas relações intracomunitárias, de uma legislação nacional que mantenha a exigência, ainda que puramente formal, de licenças de importação ou de qualquer outro processo similar, e uma medida de um Estado-membro não escapa a essa proibição pelo simples facto de a autoridade competente gozar, na matéria, de um poder discricionário para conceder derrogações.

13 Como o Governo alemão resolveu justificar a sua regulamentação em matéria de importação de lagostins de água doce com razões de protecção da saúde e da vida dos animais bem como da preservação das espécies indígenas, importa ainda verificar se o regime em litígio releva dos poderes de que dispõem os Estados-membros para alcançarem esses objectivos.

14 A citada Directiva 91/67 foi adoptada posteriormente ao parecer fundamentado formulado pela Comissão no presente processo. O seu o prazo de transposição para o direito dos Estados-membros só terminou em 31 de Dezembro de 1992.

15 Assim, a Comunidade não dispunha ainda de regras comuns ou harmonizadas em matéria de polícia sanitária dos animais da aquicultura, entre os quais o lagostim, no momento em que o objecto do presente litígio foi definido na fase pré-contenciosa do processo.

16 Nestas condições, incumbia aos Estados-membros decidir do nível a que pretendem garantir a protecção da saúde e da vida dos animais nesse domínio, tendo no entanto em consideração as exigências da liberdade de circulação das mercadorias no interior da Comunidade.

17 Não se contesta que a medida nacional em causa se destina a proteger a saúde e a vida dos lagostins indígenas, de forma que releva da excepção prevista pelo artigo 36. do Tratado.

18 Todavia, uma regulamentação restritiva das trocas intracomunitárias só é compatível com o Tratado se for indispensável para uma protecção eficaz da saúde e da vida dos animais. Não beneficia, portanto, da derrogação do artigo 36. quando esse objectivo pode ser alcançado, de uma forma igualmente eficaz, através de medidas que tenham efeitos menos restritivos sobre as trocas intracomunitárias.

19 Importa portanto examinar se as restrições alemãs em litígio obedecem ao princípio da proporcionalidade, expresso desta forma.

20 A este respeito, o governo federal alegou que a proibição total de importação de lagostins de água doce vivos era a única medida de protecção eficaz dos lagostins indígenas contra a afanomicose, pois não só os animais provenientes dos países terceiros mas também as espécies originárias de outros Estados-membros eram susceptíveis de estarem afectados pelo vírus da peste. Ademais, a regulamentação em litígio era necessária para limitar, na medida do possível, a proliferação de espécies não indígenas nas águas naturais alemãs, de forma a proteger a identidade genética das populações locais de lagostins contra as alterações da fauna que resultavam da introdução, em território nacional, de animais da mesma espécie mas de origens diferentes. A proibição de importar lagostins de água doce vivos justificava-se igualmente pelo artigo 15. do Regulamento (CEE) n. 3626/82 do Conselho, de 3 de Dezembro de 1982, relativo à aplicação na Comunidade da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Selvagens da Fauna e da Flora Ameaçadas de Extinção (JO L 384, p. 1; EE 15 F4 p. 21).

21 Este último argumento deve ser de imediato rejeitado.

22 Com efeito, tal como a Comissão justamente referiu, o artigo 15. , n. 1, do citado Regulamento n. 3626/82 estabelece expressamente que, caso um Estado-membro mantenha ou adopte, com vista, designadamente, à conservação das espécies indígenas, medidas mais severas do que as previstas por esse regulamento, é obrigado a respeitar o Tratado e especialmente o seu artigo 36.

23 Ora, não se contesta que a proibição total de importação em vigor na República Federal da Alemanha constitui uma medida mais severa do que as previstas pelo citado Regulamento n. 3626/82.

24 Relativamente à prevenção do risco de propagação da peste dos lagostins e da protecção contra as alterações da fauna, a Comissão sustentou que esse objectivo podia ser alcançado através de medidas com efeitos menos restritivos sobre as trocas intracomunitárias

25 Assim, em lugar de pura e simplesmente proibir a importação de todas as espécies de lagostins de água doce vivos, a República Federal da Alemanha poderia ter-se limitado a submeter a controlos sanitários os lotes de lagostins provenientes de outros Estados-membros ou que já se encontravam em livre prática na Comunidade e a apenas efectuar controlos por amostragem, desde que esses lotes fossem acompanhados de um certificado sanitário emitido pelas autoridades competentes do Estado-membro de expedição garantindo que o produto em causa não apresentava qualquer risco para a saúde, ou antes limitado a regulamentar a comercialização dos lagostins no seu território, designadamente sujeitando a autorização apenas o repovoamento das águas internas com espécies susceptíveis de estarem afectadas pelo agente da peste e restringindo a colocação em liberdade dos animais, bem como o repovoamente em zonas que abrigam espécies indígenas.

26 Ora, o governo federal não demonstrou de forma convincente que essas medidas, que implicavam restrições menos importantes às trocas intracomunitárias, não eram adequadas a proteger de um forma efectiva os interesses invocados.

27 Além disso, as condições impostas aos importadores no âmbito do regime de autorização aplicado pelas autoridades alemãs a fim de atenuar o rigor da proibição de importação prevista pela regulamentação federal e destinada a obrigar os operadores em causa a respeitar todas as medidas sanitárias, a utilizar os lagostins importados de forma a impedir a sua colocação em liberdade na natureza e a garantir a desinfecção da água em que foram conservados, demonstra que o próprio governo demandado considera que esses meios, menos restritivos para o comércio intracomunitário do que uma proibição total de importação, são suficientes para alcançar o objectivo de protecção dos lagostins indígenas contra a peste e a alteração da fauna.

28 Segue-se que a acusação da Comissão deve ser acolhida.

29 Nestas condições, importa declarar o incumprimento nos termos do pedido da Comissão.

Decisão sobre as despesas


Quanto às despesas

30 Nos termos do artigo 69. , n. 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Tendo a República Federal da Alemanha sido vencida, há que condená-la nas despesas.

Parte decisória


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

decide:

1) A República Federal da Alemanha, ao proibir, por não se destinarem à investigação científica e ao ensino, as importações de lagostins de água doce vivos das espécies europeias provenientes dos Estados-membros ou de países terceiros e que se encontram em livre prática nos outros Estados-membros, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 30. e 36. do Tratado CEE.

2) A República Federal da Alemanha é condenada nas despesas.

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