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Document 61992CC0388

Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 16 de Março de 1994.
Parlamento Europeu contra Conselho da União Europeia.
Admissão de transportadoras não residentes aos serviços de transporte nacionais de passageiros por estrada num Estado-membro - Nova consulta do Parlamento Europeu.
Processo C-388/92.

Colectânea de Jurisprudência 1994 I-02067

ECLI identifier: ECLI:EU:C:1994:104

61992C0388

Conclusões do advogado-geral Darmon apresentadas em 16 de Março de 1994. - PARLAMENTO EUROPEU CONTRA CONSELHO DA UNIAO EUROPEIA. - ADMISSAO DE EMPRESAS TRANSPORTADORAS NAO RESIDENTES AOS SERVICOS DE TRANSPORTES NACIONAIS DE PASSAGEIROS POR ESTRADA NUM ESTADO-MEMBRO - NOVA CONSULTA DO PARLAMENTO EUROPEU. - PROCESSO C-388/92.

Colectânea da Jurisprudência 1994 página I-02067


Conclusões do Advogado-Geral


++++

Senhor Presidente,

Senhores Juízes,

1. Com o presente recurso de anulação, o Parlamento Europeu (a seguir "Parlamento") imputa ao Conselho ter omitido proceder a sua nova consulta na sequência do processo previsto no n. 1 do artigo 75. do Tratado CEE (1).

2. Recordemos os factos.

3. Em 4 de Março de 1987, a Comissão apresentou ao Conselho uma proposta de regulamento para fixar as condições em que os transportadores não residentes podem efectuar serviços de transporte rodoviário de passageiros num Estado-membro (2).

4. Fazendo jus ao acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Maio de 1985, Parlamento/Conselho ("política comum dos transportes") (3), esta proposta, constituída por seis artigos, aplicava nesta matéria o princípio da igualdade de tratamento e previa que os transportadores não residentes devem "... poder efectuar transportes nacionais, nas mesmas condições impostas por esse Estado-membro para os seus próprios transportadores" (4).

5. A proposta visava "qualquer transportador que efectue serviços de transporte rodoviário de passageiros por conta de outrem" (5) desde que fosse nacional de um Estado-membro e a empresa de transportes fosse gerida efectivamente por nacionais comunitários (6).

6. Tendo sido submetida para consulta ao Parlamento em 17 de Março de 1987, este, com base no relatório da comissão dos transportes, aprovou-a em 21 de Janeiro de 1988, introduzindo-lhe quatro alterações sobre i) a definição dos "serviços ocasionais" (artigo 1. ), ii) o adiamento da data de entrada em vigor do regulamento (artigo 2. ), iii) a aplicação de sanções em caso de infracções cometidas pelo transportador (artigo 4. ) e iv) a obrigação de os Estados-membros notificarem à Comissão as disposições adoptadas para a execução do regulamento (artigo 5. ) (7).

7. Tendo-se a Comissão oposto a estas alterações, a votação sobre o projecto de resolução legislativa do Parlamento foi adiada. Finalmente, na sessão de 10 de Março de 1988, o Parlamento aprovou a proposta da Comissão, sem prejuízo de três alterações de compromisso (8). A resolução (9) menciona, diga-se de passagem, que o Parlamento "solicita nova consulta caso o Conselho tencione modificar substancialmente a proposta da Comissão" (10).

8. Em 4 de Novembro de 1988, foi submetida ao Conselho uma proposta modificada que retomou duas das alterações propostas pelo Parlamento (11). O artigo 1. passou a prever que o regulamento se aplicará aos transportes nacionais de passageiros em autocarros adequados ao transporte de mais de nove pessoas. Foi acrescentado que os Estados-membros comunicarão à Comissão os textos adoptados em aplicação do regulamento. A alteração que visava o adiamento por um ano da data de entrada em vigor do regulamento não foi retomada pela Comissão.

9. Foi com base nessa proposta que o Conselho adoptou, em 23 de Julho de 1992, o Regulamento (CEE) n. 2454/92, que fixa as condições em que as transportadoras não residentes podem efectuar serviços de transporte rodoviário de passageiros num Estado-membro (12). O Parlamento referiu ainda que, em 27 de Julho de 1992, tinha solicitado ser novamente consultado (13).

10. Ao invés da proposta inicial da Comissão, o regulamento prevê expressamente uma "aplicação progressiva" (14) do livre acesso.

11. Diferencia-se dela em sete pontos:

° os serviços não regulares só serão abrangidos pelo âmbito de aplicação do regulamento a partir de 1 de Janeiro de 1996, com excepção dos serviços de "circuitos de portas fechadas", que são imediatamente abertos à cabotagem (artigo 3. , n. 1);

° os serviços regulares ficam excluídos do âmbito de aplicação do regulamento, com excepção dos especializados e destinados ao transporte de trabalhadores e de estudantes nas zonas fronteiriças (artigo 3. , n. 2);

° com base num relatório que a Comissão apresentará antes do fim de 1995, o Conselho pode alargar o âmbito de aplicação do regulamento a outros serviços de transporte de passageiros (artigo 12. );

° a remissão para as regulamentações nacionais foi circunscrita a certos domínios precisos que são expressamente enumerados (artigo 4. );

° a transportadora deve estar na posse de um certificado ° confirmando que está autorizada, em conformidade com a legislação comunitária na matéria, a exercer a profissão de transportador rodoviário de passageiros no domínio dos transportes internacionais ° e de um documento de controlo (artigo 5. e Anexo I, artigo 6. e Anexo II);

° podem ser adoptadas pela Comissão medidas de protecção após consulta de um comité consultivo (artigos 8. e 9. );

° o Estado-membro de acolhimento poderá aplicar sanções contra a transportadora não residente que tenha cometido uma infracção (artigo 10. ).

12. No entendimento do Parlamento, estas diferenças têm carácter substancial e não poderiam ser adoptadas sem este ser novamente consultado. Esta omissão afectará a validade do regulamento que, por conseguinte, deverá ser anulado.

13. Note-se desde já, e antes de nos debruçarmos sobre a questão do mérito, que o Conselho não contesta (15) ° como fez no processo C-65/90 (16) ° a admissibilidade do recurso. A competência do Tribunal de Justiça para conhecer dos recursos de anulação interpostos pelo Parlamento com o objectivo de salvaguardar as suas prerrogativas, inicialmente afirmada no acórdão do Tribunal de 22 de Maio de 1990, Parlamento/Conselho ("Chernobil") (17), e posteriormente consagrada pelo Tratado da União Europeia (18), é hoje pacífica.

14. Precisamente, o Tribunal considerou que "... entre as prerrogativas conferidas ao Parlamento figura, nomeadamente, nos casos previstos pelos Tratados, a sua participação no processo de elaboração dos actos normativos" (19) e que "... a consulta regular do Parlamento... é um dos meios que permitem a esta instituição participar efectivamente no processo de legiferação da Comunidade..." (20).

15. Abordemos agora o mérito da causa.

16. Desde os acórdãos "Isoglucose", de 29 de Outubro de 1980, o Tribunal salientou a importância do processo de consulta do Parlamento no equilíbrio institucional da Comunidade:

"A consulta... é o meio que permite ao Parlamento participar efectivamente no processo legislativo da Comunidade. Esta competência representa um elemento essencial do equilíbrio institucional pretendido pelo Tratado. Ela é o reflexo, ainda que limitado, ao nível da Comunidade, dum princípio democrático fundamental segundo o qual os povos participam no exercício do poder por intermédio duma assembleia representativa. A consulta regular do Parlamento nos casos previstos pelo Tratado constitui por isso uma formalidade substancial cujo desrespeito implica a nulidade do acto em questão" (21).

17. A obrigação de consultar de novo o Parlamento não está prevista no Tratado (22). O Tribunal considerou, porém, que

"... a exigência de consulta do Parlamento Europeu durante o processo de legiferação, nos casos previstos pelo Tratado, implica a exigência de uma nova consulta sempre que o texto finalmente adoptado, considerado no seu conjunto, se afaste na sua substância daquele sobre o qual foi consultado o Parlamento, com excepção dos casos em que as modificações correspondam, na essência, às pretensões formuladas pelo próprio Parlamento" (23).

18. Como nota muito justamente o Parlamento (24), daí resulta que a nova consulta se impõe com base em "critérios objectivos, ou seja, a comparação de dois textos".

19. Aquilatemos bem o que está em causa no presente processo. Limitar excessivamente a exigência de uma nova consulta redundará em colocar o Parlamento à margem do processo de legiferação quando o texto finalmente adoptado seja, na essência, diferente daquele sobre o qual foi consultado. Ao invés, generalizá-la conduzirá a uma segunda leitura sistemática e a uma confusão entre os processos de consulta e de cooperação.

20. A argumentação do Parlamento centra-se em dois pontos:

1) a quase exclusão dos serviços regulares do âmbito de aplicação ratione materiae do regulamento, por um lado, e o adiamento para 1 de Janeiro de 1996 da liberalização total da cabotagem em matéria de serviços não regulares, por outro, constituem alterações substanciais;

2) um leque de alterações relativamente ao processo da admissão à cabotagem e às formalidades põem em causa a economia da proposta (25).

21. Analisemo-los sucessivamente.

I ° A quase exclusão dos serviços regulares do âmbito de aplicação do regulamento e o adiamento da liberalização dos serviços não regulares constituem alterações substanciais?

22. É bem patente a similitude entre o caso em apreço e o que esteve na origem do acórdão de 16 de Julho de 1992, já referido, que anulou o Regulamento (CEE) n. 4059/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, que fixa as condições de admissão de transportadores não residentes aos transportes nacionais rodoviários de mercadorias num Estado-membro.

23. Nesse último, a proposta inicial previa que qualquer transportador rodoviário de mercadorias por conta de outrem que estivesse estabelecido num Estado-membro e aí estivesse habilitado a efectuar transportes rodoviários internacionais de mercadorias ficaria autorizado a efectuar transportes rodoviários nacionais de mercadorias num outro Estado-membro.

24. O Regulamento n. 4059/89 i) instituía um contingente comunitário de cabotagem compreendendo 15 000 autorizações de cabotagem com uma duração de dois meses (26) e ii) era aplicável transitoriamente apenas até 31 de Dezembro de 1992, devendo o Conselho adoptar, antes de 1 de Julho de 1992, um novo regulamento que definisse o regime de cabotagem definitivo (27).

25. No presente caso, a proposta inicial consagrava o princípio da liberdade total de cabotagem tanto em matéria dos serviços regulares de transporte rodoviário de passageiros como em matéria dos "serviços de lançadeira" ou dos "serviços ocasionais".

26. Relativamente aos serviços regulares, o regulamento impugnado restringe o âmbito de aplicação da cabotagem, permitindo-a apenas para os serviços especializados, destinados ao transporte de trabalhadores e estudantes nas zonas fronteiriças. A cabotagem só pode ser estendida a outros serviços regulares de transportes de passageiros por meio de um novo regulamento do Conselho, adoptado sob proposta da Comissão, devendo esta apresentar para esse efeito um relatório ao Conselho até 31 de Dezembro de 1995 (28).

27. Assim, em matéria dos serviços regulares e com a excepção de uma hipótese marginal, a cabotagem foi excluída do âmbito de aplicação do regulamento até à adopção de um novo texto.

28. Quanto aos serviços não regulares, a proposta inicial previa, como para os regulares, um acesso ilimitado e a curto prazo aos transportes nacionais relativamente aos serviços de lançadeira ou ocasionais. O regulamento adoptado adiou a sua liberalização até 1 de Janeiro de 1996 e limitou a cabotagem nesta matéria, até essa data, aos serviços de "circuitos de portas fechadas".

29. Nestes dois domínios, a uma abertura completa e a curto prazo da cabotagem que a proposta visava, o regulamento contrapôs, portanto, uma implementação que é, num caso, parcial e, noutro, progressiva.

30. Como já sublinhei nas conclusões apresentadas no processo C-65/90, a existência ou não de uma diferença substancial entre a proposta inicial e o regulamente finalmente adoptado pode resultar não só das disposições que sofreram modificações de método ou de fundo, mas igualmente daquelas que desapareceram do texto definitivo (29).

31. Quanto aos serviços regulares, considero que a sua quase exclusão e, portanto, a extrema redução do âmbito de aplicação ratione materiae e loci da regulamentação, constituem alterações "(que) afectam a própria essência do dispositivo criado e (que), por conseguinte, devem ser qualificadas de substanciais" (30). Note-se, aliás, que o Conselho não tentou demonstrar que esta quase exclusão não constitui uma alteração substancial (31).

32. No que se refere aos serviços não regulares, é certo que o Conselho podia, sem consultar de novo o Parlamento, atrasar a data da entrada em vigor, tendo o próprio Parlamento proposto que fosse adiada, no âmbito da primeira alteração proposta. A este propósito, um prazo de três anos para implementar uma liberalização total da cabotagem em matéria dos serviços não regulares não pode ser considerado como substancialmente diferente do anteriormente previsto. Todavia, como já salientei, o Conselho não podia limitar o âmbito de aplicação ratione materiae da admissão aos transportes de cabotagem sem uma nova consulta do Parlamento.

33. Resumo os termos da comparação.

34. Em matéria de transportes, tanto de passageiros como de mercadorias, as propostas iniciais consagravam o princípio de uma liberdade da cabotagem sem restrições.

35. Em matéria de mercadorias, este princípio foi limitado por meio da introdução de um contingente e da autorização a título temporário. O Tribunal de Justiça já qualificou essa limitação como uma alteração substancial no acórdão de 16 de Julho de 1992, já referido.

36. No presente caso, o âmbito de aplicação da cabotagem no transporte de passageiros, ratione materiae e loci, é fortemente restringido. O Tribunal deverá daí retirar as mesmas consequências.

37. Mas corresponderão estas alterações substanciais, como sustenta o Conselho, ao pretendido pelo Parlamento, tornando desse modo inútil uma nova consulta?

38. Sem prejuízo das quatro alterações já referidas, o Parlamento aprovou expressamente a proposta inicial da Comissão (32).

39. Não há nelas qualquer vestígio de uma limitação do âmbito de aplicação relativamente à cabotagem, ratione materiae e loci. Pelo contrário, o Parlamento teve o cuidado, na alteração ao artigo 1. do regulamento que propôs, de retomar os conceitos de "serviços regulares" e de "serviços não regulares".

40. Para sustentar que o regulamento adoptado vai no sentido pretendido pelo Parlamento, o Governo espanhol, interveniente em apoio dos pedidos do Conselho, baseia-se, erradamente em meu entender, nos pareceres de várias comissões parlamentares que, antes da aprovação da resolução, teriam chamado a atenção do Parlamento para a necessidade de "temperar a medida de liberalização proposta" (33).

41. Na realidade, esses pareceres não vinculam o próprio Parlamento. Não materializam a "vontade" dessa instituição, que só pode resultar da sua resolução legislativa e, eventualmente, das alterações que proponha. Assim, no acórdão de 16 de Julho de 1992, para examinar se as alterações introduzidas pelo Conselho correspondiam à vontade do Parlamento, o Tribunal referiu-se exclusivamente ao seu parecer e às emendas por este adoptadas (34).

42. Para tentar demonstrar que a quase exclusão dos serviços regulares não justifica uma nova consulta do Parlamento, o Conselho afirma, em primeiro lugar, que essa alteração corresponde à vontade do Parlamento de uma implementação progressiva da cabotagem rodoviária, como resulta dos pareceres dados em matéria da cabotagem rodoviária de mercadorias no âmbito do processo de adopção do Regulamento n. 4059/89 (35) e, posteriormente, do Regulamento (CEE) n. 3118/93 (36) que o substituiu (37). Terá, portanto, correspondido às "orientações preconizadas pelo próprio Parlamento" (38).

43. Mas poderá o Conselho, para evitar uma nova consulta em determinado processo legislativo, ter em conta o parecer dado pelo Parlamento no quadro da adopção de um texto distinto, com o pretexto de que o considera conexo? Por outras palavras, poderá o Conselho por sua própria iniciativa decidir que certo domínio é conexo com um outro e que o parecer dado pelo Parlamento para o primeiro também vale para o segundo?

44. Para tal, vejo dois óbices: o primeiro de natureza institucional e o segundo de natureza material.

45. Efectivamente, o Conselho não pode, sem pôr em causa a natureza vinculativa da nova consulta quando existam alterações substanciais e, portanto, o equilíbrio institucional pretendido pelos Tratados, dispensar-se de uma nova consulta ao Parlamento sempre que, em seu entender, este haja já dado o seu parecer num processo legislativo conexo.

46. Seria então o Conselho a decidir dessa conexão, chamando a si e em seu benefício uma apreciação que compete unicamente ao Parlamento. Portanto e contrariamente ao que sustenta, não se pode admitir que o Conselho possa "reactualizar o parecer do Parlamento" (39).

47. Além disso, tal modo de proceder daria azo a que se viessem a verificar inevitáveis desvios caso o Conselho viesse a adoptar uma concepção extensiva do conceito de conexão. O parecer dado pelo Parlamento no quadro da adopção de um regulamento relativo aos transportes de mercadorias poderá valer no quadro da adopção de um regulamento relativo aos transportes de passageiros? É ao Conselho que cabe decidi-lo?

48. Finalmente e de modo mais fundamental, os processos de adopção das regulamentações comunitárias não podem ser deixados a uma livre apreciação das instituições. Reportando-se ao acórdão de 23 de Fevereiro de 1988, Reino Unido/Conselho (40), o advogado-geral F. G. Jacobs recordou que

"... as regras relativas à formação da vontade das instituições comunitárias são estabelecidas pelo Tratado e não dependem da boa vontade dos Estados-membros nem das próprias instituições" (41).

49. Não há aqui lugar, portanto, para um "princípio elementar de economia processual" que, no entender do Governo espanhol, permitiria ao Conselho, em determinados casos, remeter para o parecer dado pelo Parlamento num processo legislativo conexo (42).

50. Mas há um outro obstáculo, este de ordem material.

51. É certo que o estabelecimento da cabotagem em matéria do transporte rodoviário de mercadorias não deixa de ter uma certa relação com o referente ao transporte rodoviário de passageiros. À luz do âmbito do artigo 75. , n. 1, alínea b), do Tratado CEE, os regulamentos adoptados visam, em ambos os casos, a admissão dos transportadores não residentes aos transportes nacionais.

52. Todavia, não resulta de qualquer texto emanado do Parlamento por ocasião do processo de adopção dos Regulamentos n.os 4059/89 e 3118/93, relativos à cabotagem em matéria de transportes rodoviários de mercadorias, que ele tenha procedido a uma abordagem global do problema da cabotagem ou que os pareceres dados no âmbito do transporte de mercadorias também sejam válidos para o transporte de passageiros.

53. As especificidades e a autonomia destes dois sectores e a necessidade de procurar soluções adaptadas aos problemas colocados por cada um resultam de modo bastante do facto de i) a Comissão ter apresentado propostas distintas para os diferentes tipos de transporte rodoviário, ii) as soluções adoptadas divergirem, embora tenham em ambos os casos por efeito limitar o alcance da cabotagem. Num caso optou-se pelo estabelecimento de um contingente comunitário, no outro pela limitação do âmbito de aplicação ratione materiae e loci do regulamento.

54. Será apenas na hipótese de o Parlamento se ter expressamente referido, no quadro do processo de adopção do regulamento em análise, a um parecer dado noutro processo, que o Conselho se poderá basear neste último. Na sua falta, deve consultar de novo o Parlamento em caso da introdução de uma alteração substancial.

55. O meio de defesa que consiste em invocar os pareceres dados pelo Parlamento em matéria do transporte rodoviário de mercadorias não pode, portanto, convencer-nos.

56. Em segundo lugar, o Conselho invoca que a liberalização total da cabotagem em matéria do transporte rodoviário de passageiros terá encontrado um obstáculo jurídico: a confusão entre a liberdade de estabelecimento e a liberdade de prestação de serviços (43). Como se poderá prestar serviços de transporte longe das zonas fronteiriças sem simultaneamente estar estabelecido no Estado de acolhimento?

57. Supondo que esta questão jurídica fosse relevante ° afigura-se-nos que não foi suscitada nos outros casos de liberalização dos transportes ° penso que, precisamente, exigiria que fosse recolhido de novo o parecer do Parlamento.

58. A este propósito, o Conselho refere que o Parlamento "... não ignorava as... grandes dificuldades tanto técnicas como políticas que suscitaria a elaboração de regras comuns..." (44) em matéria de cabotagem. Terá tido "plena consciência" (45) de que se suscitariam questões delicadas, como a aplicação progressiva da cabotagem.

59. Daí infere o Conselho, paradoxalmente, que não se impunha nova consulta. Considero, ao contrário, que é precisamente em domínios como este, no qual os interesses, designadamente económicos e políticos, que estão em jogo são consideráveis, que o Parlamento deve ser colocado em condições de exercer cabalmente as suas competências consultivas.

II ° O leque das outras alterações

60. O Parlamento enumera as seguintes cinco alterações relativas ao processo e às formalidades (46):

° a limitação da remissão para a aplicação das disposições nacionais a certos domínios específicos: preço e condições do contrato, peso e dimensões dos veículos, prescrições de segurança, etc. (artigo 4. );

° a obrigação de apresentar um certificado (artigo 5. );

° a obrigação de apresentar um documento de controlo (artigo 6. );

° a instituição de medidas de protecção com a criação de um comité consultivo (artigos 8. e 9. );

° a previsão de sanções em caso de infracções (artigo 10. ).

61. Fazendo a síntese da jurisprudência deste Tribunal, o advogado-geral Mancini, nas conclusões que apresentou no processo Roviello (47), salienta que não há que consultar de novo o Parlamento quando as alterações "a) deixem inalterados os aspectos essenciais da disposição mais ampla sobre que incidem... b) tenham mero carácter técnico, isto é, comportem alterações de método ou, em qualquer caso, não alterações de fundo... c) correspondam à vontade do Parlamento".

62. Sem ser necessário tomar posição quanto a saber se um leque de alterações relativas ao processo de admissão à cabotagem e às formalidades equivalem a uma alteração substancial, limito-me a fazer as seguintes considerações.

63. Quanto às sanções, saliente-se que o Parlamento tinha proposto a sua instituição na sua alteração ao artigo 4. da proposta.

64. A limitação da aplicação das disposições nacionais a certos domínios (artigo 4. ) corresponde igualmente ao pretendido pelo Parlamento (48).

65. As alterações sobre os certificados e o controlo das formalidades são medidas meramente técnicas que não afectam a substância da regulamentação.

66. É certo que a instituição de medidas de protecção e a criação de um comité consultivo não alteram nem a natureza nem o alcance do projecto de liberalização. Pelo contrário, facilitam a sua implementação. Todavia, esta questão tem uma dimensão institucional importante e, como referi nas conclusões que apresentei no processo C-65/90, a atribuição de uma competência em matéria de salvaguarda à Comissão ou ao Conselho "... é uma questão importante quanto ao equilíbrio institucional das Comunidades" (49). Ela não pode deixar indiferente o Parlamento que, também quanto a esta questão, deveria ter sido novamente consultado.

67. Cumpre agora concluir.

68. Considero que as alterações substanciais que identifiquei afectam "o sistema do projecto no seu conjunto" (50) e impõem uma nova consulta do Parlamento. A sua omissão constitui uma violação de formalidades essenciais e justifica a anulação do regulamento.

69. Esta anulação abrange o texto "considerado no seu conjunto" e deve ter por objecto o regulamento na sua integralidade (51).

70. Finalmente, proponho que o Tribunal de Justiça mantenha, até à adopção de um novo regulamento, os efeitos do texto anulado, nos termos do segundo parágrafo do artigo 174. do Tratado CE. Atribuir eficácia plena à anulação teria como resultado paradoxal tornar totalmente impossível qualquer forma de cabotagem em matéria de transporte de passageiros quando o regulamento impugnado tinha precisamente como escopo abrir este mercado.

71. Concluo, portanto,

"1) pela anulação do Regulamento (CEE) n. 2454/92 do Conselho, de 23 de Julho de 1992, que fixa as condições em que as transportadoras não residentes podem efectuar serviços de transporte rodoviário de passageiros num Estado-membro;

2) pela manutenção dos efeitos desse texto, até o Conselho ter adoptado um novo regulamento;

3) que as despesas do presente processo sejam suportadas pelo Conselho, com a excepção das correspondentes à intervenção, que devem ser suportadas pelo Reino de Espanha."

(*) Língua original: francês.

(1) ° Este artigo foi alterado pelo artigo G, alínea 16, do Tratado da União Europeia. O domínio dos transportes integra doravante o processo de cooperação previsto no artigo 189 -C do Tratado CE.

(2) ° COM(87) 31 final (JO C 77, p. 13).

(3) ° 13/83, Recueil, p. 1513.

(4) ° Terceiro considerando.

(5) ° Artigo 2. ; o sublinhado é meu.

(6) ° V. artigo 3.

(7) ° JO 1988, C 49, pp. 85, 121 e 122.

(8) ° JO 1988, C 94, p. 109.

(9) ° Ibidem, p. 125.

(10) ° Alínea 4.

(11) ° COM(88) 596 final (JO C 301, p. 8).

(12) ° JO L 251, p. 1.

(13) ° V. a carta do presidente do Parlamento em anexo 6 ao requerimento, que o Conselho afirma nunca ter recebido (contestação, n. 11).

(14) ° Esta expressão foi acrescentada ao segundo considerando; o sublinhado é meu.

(15) ° Contestação, p. 4.

(16) ° Que resultou no acórdão de 16 de Julho de 1992, Parlamento/Conselho (Colect., p. I-4593), no qual o Tribunal de Justiça anulou o Regulamento (CEE) n. 4059/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, que fixa as condições de admissão de transportadores não residentes aos transportes nacionais rodoviários de mercadorias num Estado-membro ( JO L 390, p. 3).

(17) ° C-70/88, Colect., p. I-2041, n. 27.

(18) ° V. terceiro parágrafo do artigo 173. do Tratado CE, na redacção dada pelo artigo G, alínea 53, do Tratado da União Europeia.

(19) ° Acórdão de 16 de Julho de 1992, já referido na nota 16, n. 13.

(20) ° Ibidem, n. 14. V. igualmente o acórdão de 2 de Março de 1994, Parlamento/Conselho (C-316/91, Colect., p. I-0000, n. 16).

(21) ° Acórdãos de 29 de Outubro de 1980, Roquette Frères/Conselho (138/79, Recueil, p. 3333, n. 33), e Maïzena/Conselho (139/79, Recueil, p. 3393, n. 34).

(22) ° Numa resolução sobre as relações entre o Parlamento e o Conselho, aprovada em 9 de Julho de 1981, o Parlamento convida o Conselho a consultá-lo de novo no quadro do processo legislativo sempre que a Comissão altere a proposta inicial sobre a qual o Parlamento tinha já tomado posição e que essas alterações não tenham sido objecto de um debate no Parlamento [JO 1981, C 234, pp. 52 e 54, n. 11, alínea b)]. V. igualmente o artigo 62. do regulamento interno do Parlamento.

(23) ° Acórdão de 16 de Julho de 1992, Parlamento/Conselho, já referido, n. 16. V. igualmente os acórdãos de 15 de Julho de 1970, ACF Chemiefarma (41/69, Recueil, p. 661, n. 178), e de 4 de Fevereiro de 1982, Buyl e o. (817/79, Recueil, p. 245, n. 23).

(24) ° Réplica, n. 9.

(25) ° V. recurso, n. 25, e réplica, n.os 20, 21 e 22.

(26) ° Artigo 2. , n. 1.

(27) ° Artigo 9.

(28) ° Artigo 12. do Regulamento n. 2454/92.

(29) ° Colect. 1992, p. I-4611, n. 47.

(30) ° Acórdão de 16 de Julho de 1992, n. 19.

(31) ° O Governo espanhol sustenta que não se verifica uma alteração substancial quando o objectivo prosseguido pela regulamentação comunitária não foi alterado entre a proposta e o texto definitivo. Considera que entre estes se verifica uma identidade de objecto, ou seja, a eliminação das restrições aplicáveis em razão da nacionalidade aos transportadores não residentes (p. 7 da tradução francesa das alegações do interveniente). Este critério não atende, em meu entender, à jurisprudência do Tribunal de Justiça nesta matéria (v. o acórdão de 16 de Julho de 1992, Parlamento/Conselho, já referido, n. 16, e a jurisprudência citada).

(32) ° V. supra, n.os 6 e 7.

(33) ° Alegações do interveniente, p. 8 da tradução francesa.

(34) ° N. 19.

(35) ° Já referido na nota 16.

(36) ° Regulamento do Conselho de 25 de Outubro de 1993 que fixa as condições de admissão de transportadores não residentes aos transportes nacionais rodoviários de mercadorias num Estado-membro (JO L 279, p. 1).

(37) ° Contestação, n. 22. Esta argumentação é igualmente desenvolvida pelo Governo espanhol, p. 12 da tradução francesa das alegações do interveniente.

(38) ° Contestação, n. 31.

(39) ° N. 25 da contestação.

(40) ° C-68/86, Colect., p. 855, n. 38.

(41) ° Conclusões sobre o acórdão de 2 de Março de 1994, Parlamento/Conselho, já referido na nota 20, ponto 25.

(42) ° Alegações do interveniente, p. 11 da tradução francesa.

(43) ° N.os 27, in fine, e 29 da contestação.

(44) ° N. 7 da contestação.

(45) ° Ibidem, n. 8.

(46) ° Requerimento, n. 25.

(47) ° Acórdão de 7 de Junho de 1988, Roviello (20/85, Colect., p. 2805, n. 7, in fine, das conclusões).

(48) ° V. anexo I, n. 9, p. 12 da contestação.

(49) ° N. 56.

(50) ° Acórdão de 16 de Julho de 1992, Parlamento/Conselho, já referido, n. 20.

(51) ° V. o ponto 64 das minhas conclusões no mesmo processo, bem como o n. 20 do acórdão.

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